Universidade de Coimbra Discurso e Comunicação Doutora Ana Teresa Peixinho Inês Resende da Fonseca Licenciatura em Jornalismo Trabalho de Análise do Discurso O efeito dos cartoons na sociedade atual: a austeridade 1 Introdução Através do presente trabalho de análise pretendemos encontrar uma resposta para o tema desta análise: qual será o efeito dos cartoons na sociedade atual? Para isso vou partir da análise de um cartoon que selecionei na revista Sábado, da autoria de Luís Afonso, que explora muito bem o tema da austeridade nos dias de hoje e que anexo ao trabalho. Para começar pretendo definir cartoon: “O cartoon é um desenho onde, usando o humor, se faz uma reflexão crítica sobre um dado acontecimento.” O autor do cartoon escolhido para ser objeto de análise é Luís Afonso, um famoso cartoonista português nascido em Serpa e que colabora com diversos jornais como A Bola, onde tem a rubrica Barba e Cabelo, o Público, onde publica a tira diária Bartoon e o Jornal de Negócios, no qual tem um espaço intitulado Cartoon S.A. Colabora igualmente com a revista semanal Sábado, da qual foi extraída o cartoon analisado. Esta revista tem um caráter informativo, com textos de opinião e entrevistas mas tem espaço para reportagens sobre assuntos insólitos e uma rubrica que trata assuntos do social. O cartoon de Luís Afonso, intitulado Lopes, o repórter pós-moderno, insere-se na parte que é dedicada às pequenas notícias sobre diversos assuntos da semana. O cartoon saiu na revista da semana de 4 a 10 de outubro de 2012. Características do cartoon O cartoon parte de um determinado acontecimento e, como Rui Pimentel afirma, “É preciso escolher o tema do cartoon” e “deve-se tanto quanto possível eleger o tema que naquele momento é o essencial. (…) No geral, a ideia tem de ser simples, facilmente apreendida e, para isso, devem-se eliminar ideias secundárias que possam ocorrer com a ideia principal e destruí-la.” Como declara Audria Albuquerque Leal “nenhum [cartoon] poderá funcionar sem imagem.” A efemeridade nos cartoons é outra das suas características, pois os cartoons ficam desatualizados rapidamente, daí que Audria Leal defenda que o cartoon permite ”uma leitura rápida, possibilitada pela apresentação de uma imagem congelada e distorcida (…) ” O cartoon tem de ser eficaz e gerar um comentário crítico. Jorge Pedro Sousa considera o cartoon “opinativo ou analítico”. 2 Antecedentes do cartoon O cartoon objeto de estudo do trabalho parte de notícias geradas por declarações de Paul Krugman, nobel da economia, que afirmou: “A austeridade foi demasiado longe” e responsabiliza os políticos por estas medidas num panorama de crise. Plano de expressão (mensagem denotada) O cartoon analisado não tem um título próprio, como é natural nos cartoons de Luís Afonso. Lopes, o repórter pós-moderno é a personagem que aparece sempre nos cartoons que saem na revista Sábado e faz entrevistas nas situações mais invulgares, recebendo, por vezes, respostas inusitadas. No caso deste cartoon vemos no seu plano Lopes a questionar um indivíduo se concorda com Paul Krugman quando este diz que a austeridade foi longe demais. O invulgar e o que desperta a atenção do leitor está na situação do entrevistado que acabou de ser atropelado por um cilindro, uma máquina que permite galvanizar a estrada. O discurso teórico no cartoon O cartoon tem na sua natureza um discurso teórico que é diferente dos demais textos jornalísticos, pois tem um papel específico: o de fazer “humor”, como afirma Audria Albuquerque Leal. O discurso teórico ocorre neste cartoon em conjunto com um discurso interativo, pois ao mesmo tempo que põe o leitor a par da atualidade da semana, nomeadamente as declarações de Paul Krugman sobre a austeridade, interage com o outro interveniente do cartoon, ao perguntar-lhe se concorda com tais declarações. Plano de Conteúdo (mensagem conotada) Passando ao plano de conteúdo do cartoon verificamos o cartoon possui uma mensagem conotada. O cartoon, principalmente, não vive sem a sua conotação, pois é a sua função, tal como a publicidade, apesar de ser um texto jornalístico. Ao analisar a sua mensagem segunda verificamos que existem índices que dão conta da ideia que está a ser retratada, aludindo aos conceitos de Peirce. Podemos depreender que o cilindro, o grande destaque deste cartoon, representa a austeridade num sentido metafórico, levando a que as características do cilindro, como a sua força, grandeza e peso, sejam transpostas para o termo “austeridade”, criando uma relação de similitude. A própria cor do cilindro, 3 amarela, contrasta com as outras cores do cartoon, cinzento e branco principalmente, dando mais ênfase ao cilindro. Neste cartoon, a austeridade é retratada como algo violento, forte e pesado que prejudica os indivíduos e que tem um grande poder sobre nós, quase impossível de combater. Já no que toca ao único indício de linguagem verbal, a pergunta do repórter feita à outra personagem, aferimos que tal questão tem um sentido de ironia, pois não é necessário o indivíduo responder porque a própria situação já é uma resposta. Dá igualmente a sensação que a pergunta está aberta a todos os leitores e apela à consciencialização do assunto retratado. A mensagem final que o cartoon quer passar é que a austeridade foi longe de mais, tanto é que atropelou uma das personagens, simbolizando as dificuldades de muitos portugueses perante o cenário de crise atual, dando razão às declarações de Paul Krugman e, talvez, ironizando tais declarações, pois pode criticar o economista por só agora ter notado que a austeridade tinha ido longe de mais, depois de várias manifestações por toda a Europa contras as duras medidas impostas. Análise Lexical Apesar de só conter uma frase do tipo interrogativa, o cartoon não teria lógica sem esta. A pergunta “Concorda com o Nobel da Economia Paul Krugman, quando ele diz que a austeridade foi demasiado longe?” pode ser considerada uma forma de lexicalização, isto é, não podemos ler a pergunta isolada do contexto do cartoon pois não faria sentido. Só inserida no cartoon é que recebe o seu sentido, que passa além do denotativo. A interrogação pretende ter um sentido retórico, como se não fosse necessário obter resposta pois o próprio cartoon é uma resposta à questão. Fica aqui provado que, como afirmava Barthes, a utilização das palavras não é um ato inocente nem natural. Análise Retórica: Implicatura e Pressuposição Quando falamos em implicaturas atestamos que os significados de qualquer texto nem sempre são expressos de modo explícito e é através de inferências que conseguimos aceder aos significados. O leitor capta os significados implícitos através do contexto situacional, do interlocutor e através dos seus conhecimentos, logo a implicatura está intimamente associada à pressuposição. No caso do cartoon não é diferente: só compreendemos o cartoon se estivermos a par da atualidade, visto que este texto 4 jornalístico, como não podia deixar de ser, vive de informações novas. Neste cartoon em particular, o autor faz um contexto entre o acontecimento que dá origem ao cartoon, através da questão do repórter e o próprio cartoon. O significado que este transmite (a austeridade levada ao extremo e como algo que não se pode combater) também depende dos conhecimentos do leitor, daí que este espaço pode ser de liberdade interpretativa do leitor, que pode ir mais além do significado retirado do cartoon. Transitividade – Análise de Agência No que toca à transitividade, isto é, à forma como construímos as frases, no cartoon analisado podemos dar importância à frase em geral, uma interrogação, que pretende ter um tom irónico e retórico. Neste caso a transitividade exerce uma ação sobre o outro, ao chamar a atenção do leitor para a situação ali ilustrada. Já no âmbito de análise de agência, isto é, entender que ações são enfatizadas, constatamos que o cartoon enfatiza uma ação baseada numa declaração do Nobel da Economia Paul Krugman e parodia mesma, levando ao humor e dando outro sentido crítico à ação. Processos relacionados No cartoon de Luís Afonso analisado no trabalho de análise é averiguado que são utilizados processos mentais. Na questão colocada no cartoon é usado o verbo “concordar”, o que nos leva para o mundo da cognição, da perceção e da consciência. Participantes e Papéis No setor dos participantes e papéis podemos constatar que no cartoon intervêm duas personagens: Lopes, o repórter, figura permanente no cartoon da revista Sábado e outro indivíduo que acaba de ser atropelado por um cilindro, representando este a austeridade, como vimos anteriormente. Nesta situação podemos definir Lopes como o agente da história, ao questionar a outra personagem e esta como o paciente, apesar de a sua situação ser a chamada de atenção para o leitor reparar no cartoon. 5 Modalidade No aspeto da modalidade, o termo que descreve a atitude do autor perante o que escreve ou cria, contemplamos que Luís Afonso retrata os assuntos da sociedade com ironia e simultaneamente critica tais assuntos. Nos seus cartoons habituais é através do diálogo que a paródia e a reflexão crítica acontecem. Contudo, neste caso particular, o autor do cartoon põe o leitor a pensar através da imagem do cilindro representando a austeridade como algo que destrói associado a uma frase de tipo interrogativo. Conclusão Em outros cartoons que são anexados ao trabalho constatamos que outros cartoons também simbolizam a austeridade como algo que nos prejudica e é negativo, que consegue ultrapassar-nos, e que não conseguimos controlar. No geral, o cartoon leva a que as pessoas possam pensar no assunto de uma maneira diferente pois estão a abordá-lo de uma maneira invulgar e que é aberto a muitos significados. Apesar do cartoon partir de um acontecimento tal qual como uma notícia, a sua abordagem é completamente diferente, com uma conotação explícita e, atrevo-me a dizê-lo, chama muito mais a atenção, quer pelo seu ponto de vista gráfico quer pela facilidade e rapidez com que conseguimos ler este tipo de texto jornalístico. Além destas características, o cartoon dá-nos acesso a um breve momento de reflexão disfarçado de um bom momento de humor. 6 Bibliografia SOUSA, Osvaldo Macedo de, O cartoon e o início do séc. XXI: The cartoon and the beginning of the 21st century. Amadora, Câmara Municipal da Amadora LEAL, A. A. (s/d). O papel dos discursos teóricos nos Cartoons. Lisboa: UNL (http://www.clunl.edu.pt/resources/docs/revista/n5_fulltexts/5p%20audria%20leal.pdf) MACHADO, José Barbosa; REBELO, Rosa (s/d). Análise semiótica do cartoon editorial (http://www.ae-ic.org/santiago2008/contents/pdf/comunicaciones/254.pdf) PIMENTEL, R. (2006). O cartoon em Portugal. Lisboa: Instituto Camões (http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/artigos/Palestra_Cartoon_em_Portugal.pdf) 7 Anexos Objeto de Análise: Cartoon extraído da revista Sábado de 4 a 10 de outubro de 2012 8 9 10