23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental II-203 – EFEITO DA ALIMENTAÇÃO INTERMITENTE DE VAZÕES SOBRE A ESTABILIDADE OPERACIONAL DE UM SISTEMA COMPACTO DE TRATAMENTO DE ESGOTOS Vanessa Pereira de Sousa(1) Engenheira Civil e Sanitarista. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Carlos Augusto de Lemos Chernicharo Engenheiro Civil e Sanitarista. Doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de Newcastle upon Tyne – UK, Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG. Endereço(1): Rua Bom Despacho, nº-12 - Bairro Santa Tereza- Cidade Belo Horizonte- Estado Minas GeraisCEP: 31010-390 - País Brasil- Tel: +55 (31) 3482-6018- e-mail: [email protected]. RESUMO Este trabalho teve por objetivo avaliar o efeito da alimentação intermitente de vazões sobre a estabilidade operacional de um sistema compacto para tratamento de esgotos domiciliares (SISCOTE). Foram testadas duas configurações do SISCOTE, ambas em um tanque cilíndrico com o mesmo volume. Na configuração 1, metade do volume era destinada a um tanque séptico modificado e a outra metade dividida entre um reator híbrido e um filtro biológico percolador. Para a configuração 2, a segunda metade do tanque era constituída de dois reatores híbridos. O sistema de alimentação foi automatizado, de forma a possibilitar a variação das vazões de bombeamento, de acordo com um hidrograma que simulava vazões de peças sanitárias, ocorrendo vazões mínimas, médias e máximas (Qmín= 0,25 L/s, Qméd=0,50 L/s e Qmáx= 1,00 L/s), de modo a aproximar da realidade de um sistema de tratamento domiciliar. O tempo de detenção hidráulica das unidades foi igual a 24 horas, correspondente a uma vazão de 750 L/d. O volume total destas unidades correspondem ao volume de um tanque séptico calculado de acordo com a NBR-7229 (1993). De um modo geral, foram observados baixíssimos percentuais de atendimento aos padrões de lançamento para DQO e SST, quando os protótipos foram operados com vazões intermitentes, decorrentes de picos de vazão, que ocorrem frequentemente nos sistemas unifamiliares de tratamento de esgotos. PALAVRAS-CHAVE: Alimentação intermitente, reator anaeróbio híbrido, tanque séptico, tratamento unifamiliar de esgotos. INTRODUÇÃO No Brasil tem sido comum a utilização de sistemas descentralizados de tratamento de esgotos, usualmente com a aplicação de tanques sépticos, seguidos ou não de alguma unidade de pós-tratamento e/ou de disposição final. No entanto, têm sido freqüentes os relatos de problemas de funcionamento destes sistemas (ANDRADE NETO, 1997), redundando, na maioria das vezes, em baixas eficiências de remoção de matéria orgânica. Certamente, uma dos maiores problemas relacionados ao funcionamento deficiente dos sistemas individuais de tratamento de esgotos, notadamente dos tanques sépticos e filtros anaeróbios, tem sido a falta de cuidado com a necessária rotina de retirada do lodo de excesso. Outro problema que impacta estes sistemas é o regime hidráulico de funcionamento dos mesmos, caracterizado pela intermitência de alimentação e pelas grandes variações de vazão, decorrente do funcionamento descontínuo das peças sanitárias no interior das residências. Com isso, é comum a ocorrência de picos de vazão e de carga orgânica, que podem afetar negativamente o comportamento operacional das unidades de tratamento. Nesse sentido, o objetivo específico deste trabalho foi o de avaliar o efeito da alimentação intermitente de vazões sobre a estabilidade operacional de um sistema compacto para tratamento de esgotos domiciliares (SISCOTE). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental MATERIAL E MÉTODOS Aparato Experimental O sistema compacto para tratamento de esgotos – SISCOTE era constituído de um tanque cilíndrico, onde, na configuração 1, metade do volume era destinada a um tanque séptico modificado e a outra metade dividida entre um reator anaeróbio híbrido e um filtro biológico percolador. Para a configuração 2, a segunda metade do tanque era constituída de dois reatores anaeróbios híbridos, em série. O volume total destas unidades foi equivalente ao volume de um tanque séptico calculado de acordo com a NBR-7229 (1993). As duas unidades experimentais, em escala de demonstração, possuíam as mesmas dimensões, conforme mostrado na Tabela 1. Tabela 1 - Dados básicos das unidades experimentais Câmara 1 A (m²) V(m³) 1e2 1,05 2,00 1,75 0,433 0,86 D = diâmetro, H = altura, V = volume, A = área Configuração D (m) H (m) V total (m³) Câmara 2 A (m²) V (m³) 0,216 0,43 Câmara 3 A (m²) V (m³) 0,216 0,43 O esgoto bruto afluía ao sistema pela parte inferior da câmara 1 (tanque séptico modificado). O líquido era encaminhado para um decantador lamelar, localizado na parte superior desta câmara. O esgoto parcialmente tratado era encaminhado para a parte inferior da câmara 2, constituída por um reator anaeróbio híbrido (reator UASB + filtro anaeróbio). A saída se dava por uma tubulação lateral em “Y”. Para a unidade 1, o efluente passava, então, a ter um fluxo descendente na câmara 3, através do filtro biológico percolador, onde era feito o polimento final. Na unidade 2, o efluente passava por um segundo reator híbrido, com as mesmas características do primeiro (Figura 1 e 2). Figura 1 - SISCOTE – Desenho esquemático da configuração 1 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 2 - SISCOTE – Desenho esquemático da configuração 2 Fluxograma do aparato experimental Os experimentos com o sistema compacto para tratamento de esgotos domiciliares – SISCOTE – foram desenvolvidos no ETE Experimental UFMG/COPASA, existente junto à Estação de Tratamento de Esgotos do Arrudas, em Belo Horizonte. A Figura 3 mostra o fluxograma do sistema. Figura 3 - Fluxograma do aparato experimental Condições operacionais do SISCOTE Os modelos experimentais foram operados em regime hidráulico intermitente, imposto por meio de um sistema de alimentação automatizado, que possibilitava a variação das vazões de bombeamento de acordo com um hidrograma que simulava vazões de peças sanitárias de uma residência. Dessa forma, as unidades experimentais recebiam vazões mínimas, médias e máximas (Qmín= 0,25 L/s, Qméd=0,50 L/s e Qmáx= 1,00 L/s), de modo a aproximar da realidade de um sistema de tratamento domiciliar. Com isso, houve a necessidade de distribuição dos tempos de funcionamento do sistema ao longo do dia, totalizando a vazão média diária As unidades operaram com tempo de detenção hidráulica de 24 h, correspondente a uma vazão média de 750 L/d. Não foi utilizado inóculo durante a partida do sistema, buscando-se aproximar à realidade de várias localidades do Brasil. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Monitoramento das unidades experimentais As unidades foram monitoradas para os seguintes parâmetros físico-químicos: temperatura, pH, OD, sólidos sedimentáveis, DQO e SST. Todas as análises foram realizadas de acordo com os procedimentos descritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 20ª. ed. (AWWA/APHA/WEF,1998). Rotina de coleta de amostra. Para o monitoramento das unidades, foi realizada a coleta semanal de amostras pontuais do esgoto bruto, efluente do tanque séptico, efluente do reator híbrido e efluente do filtro biológico percolador, nas vazões mínima, média e máxima. As unidades foram avaliadas em períodos diferentes, conforme a seguir: - Fase 1: avaliação do protótipo 1 - Fase 2: avaliação do protótipo 2 RESULTADOS Para avaliar o efeito da alimentação intermitente de vazões sobre a estabilidade operacional do SISCOTE, de acordo com as condições operacionais descritas anteriormente, foram avaliados os percentis de atendimento aos seguintes valores de referência, de acordo com o que preconiza a legislação do Estado de Minas Gerais (DN 010/86 – COPAM) e também a legislação européia: DQO ≤ 125 mg/L e SST ≤ 60 mg/L. Os percentis de atendimento foram avaliados para as três condições de funcionamento das unidades, quando as mesmas foram expostas a vazões mínima, média e máxima. Ressalta-se que tal sistemática de avaliação não é usualmente feita no Brasil, sendo que os resultados disponíveis normalmente se referem a amostragens pontuais, sem qualquer referência à vazão afluente ao sistema. Apresentam-se, nas Figuras 4 a 9, os gráficos de percentil dos resultados a DQO e SST, para os efluentes finais dos protótipos 1 e 2. 250 Protótipo 1 225 Protótipo 2 200 Padrão DQO (mg/L) 175 150 125 100 75 50 25 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 4: Percentil dos resultados de DQOtotal para Qmín - Protótipos 1 e 2. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 250 Protótipo 1 225 Protótipo 2 200 Padrão DQO (mg/L) 175 150 125 100 75 50 25 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 5: Percentil dos resultados de DQOtotal para Qméd - Protótipos 1 e 2. 250 225 200 DQO (mg/L) 175 150 125 100 75 Protótipo 1 50 Protótipo 2 25 Padrão 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 6: Percentil dos resultados de DQOtotal para Qmáx - Protótipos 1 e 2. 100 Protótipo 1 90 Protótipo 2 80 Padrão SST (mg/L) 70 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 7: Percentil dos resultados de SST para Qmín – Protótipos 1 e 2. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 200 SST(mg/L) 180 160 Protótipo 1 140 Protótipo 2 Padrão 120 100 80 60 40 20 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 8: Percentil dos resultados de SST para Qméd - Protótipos 1 e 2. 200 Protótipo 1 180 Protótipo 2 160 Padrão SST (mg/L) 140 120 100 80 60 40 20 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentil (%) Figura 9: Percentil dos resultados de SST para Qmáx - Protótipos 1 e 2. Para a vazão mínima, foi observado que os valores de referência para DQO foram atendido em 20% dos resultados para o protótipo 1 e 50% para o efluente do protótipo 2. Os valores de referência para SST foram atendidos em 35% dos resultados para o protótipo 1 e 100% para o efluente do protótipo 2. Quando os protótipos operaram na vazão média, foi observado que os valores de referência para DQO foram atendido em 50% dos resultados para o protótipo 2 e não foi atendido o padrão em nenhum dos resultados do protótipo 1. Os valores de referência para SST foram atendidos em 8% dos resultados para o protótipo 1 e 100% para o efluente do protótipo 2. Para a vazão máxima, foi observado que os valores de referência para DQO foram atendido em 10% dos resultados para o protótipo 2 e não foi atendido o padrão em nenhum dos resultados do protótipo 1. Os valores de referência para SST foram atendidos em 18% dos resultados para o protótipo 2 e não foi atendido o padrão em nenhum dos resultados do protótipo 1. Conforme esperado, os maiores percentuais de atendimento foram obtidos para a condição de vazão mínima. Pode-se observar que houve um menor percentual de atendimento aos padrões de lançamento de DQO (125 mg/L) e SST (60 mg/L) na medida em que a vazão foi aumentada, mostrando, de forma inequívoca, o efeito negativo da alimentação hidráulica na forma intermitente e transiente. Observa-se, para as três condições de alimentação, que o protótipo 2 apresentou maiores percentuais de atendimento que o protótipo 1. O protótipo 2 mostrou um excelente desempenho para as condições de vazões mínima e média, no entanto isso não ocorreu na vazão máxima, evidenciando que os picos de vazão são ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental prejudiciais. Ou seja, a imposição de vazões máximas leva à ocorrência de velocidades ascensionais também elevadas e, como conseqüência, à perda de sólidos e à deterioração da qualidade do efluente final. Portanto, em sistemas unifamiliares, onde tem-se os picos de vazão bem evidenciados, a qualidade do efluente irá variar dependendo da peça sanitária que estiver sendo acionada, sendo que a pior situação seria a descarga de um vaso sanitário. Tal constatação reveste-se de grande importância, uma vez que o monitoramento de tais sistemas é normalmente feito a partir da coleta de amostras pontuais, muitas vezes sem qualquer referência ao horário em que foram tomadas e às condições de alimentação do sistema. CONCLUSÕES De um modo geral, foram observados baixíssimos percentuais de atendimento aos padrões de lançamento para DQO e SST, quando os protótipos foram operados com vazões intermitentes, decorrentes de picos de vazão, que ocorrem frequentemente nos sistemas unifamiliares de tratamento de esgotos. Para os picos de vazão correspondentes a várias peças sanitárias funcionando simultaneamente (da ordem de 1,0 L/s), os percentuais de atendimento aos padrões de lançamento de DQO e SST foram da ordem de apenas 10 e 20%, respectivamente. Os resultados desta pesquisa revestem-se de grande importância, uma vez que as campanhas de monitoramento usualmente efetuadas para tais sistemas não levam em consideração o regime hidráulico a que os sistemas são submetidos no momento das coletas de amostras. Torna-se, portanto, necessário padronizar os procedimentos de amostragens em tais sistemas, sob pena dos resultados dos monitoramentos não terem qualquer representatividade. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FNS (Fundação Nacional de Saúde) pelo financiamento da pesquisa, e à COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) pelo apoio na realização dos trabalhos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7229 - Construção e Instalação de Fossas Sépticas e Disposição dos Efluentes Finais.1993.15p. ANDRADE NETO, C.O., CAMPOS, J.R. Introdução. In: CAMPOS, J.R (coordenador) Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo. 1.ed. Rio de Janeiro: FINEP/PROSAB, 1999. AWWA/APHA/WEF. Standard methods for the examination of water and wastewater. 20 ed. Washington, D.C., 1998. SOUSA, V.P., CHERNICHARO, C.A.L. Concepção inovadora de um sistema compacto de tratamento de esgotos domiciliares - SISCOTE. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 22, 2003, Joinville. Anais... Joinviller: ABES, 2003. SOUSA, V.P. Concepção Inovadora e Avaliação de Desempenho de um Sistema Compacto de Tratamento de Esgotos Domiciliares. 195p. (Dissertação, Mestrado. em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. 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