Lógica da Probabilidade “versus” Avaliações Pessoais da Incerteza Prof. Dr. Carlos Roberto Padovani Prof. Titular de Bioestatística Os mecanismos pelos quais as pessoas analisam situações que envolvem o acaso são um produto complexo de fatores evolutivos, da estrutura cerebral, das experiências pessoais do conhecimento e das emoções. De fato, a resposta humana à incerteza é tão complexa que, por vezes, distintas estruturas cerebrais chegam a conclusões diferentes e aparentemente lutam entre si para determinar qual delas dominará as demais. Por exemplo, se o seu rosto inchar até 5 vezes o tamanho normal em 3 de cada 4 vezes que você comer camarão, o lado “lógico” do cérebro, o hemisfério esquerdo, tentará encontrar um padrão. Já o hemisfério direito, “intuitivo”, dirá apenas: “evite camarão”. A teoria da aleatoriedade é fundamentalmente uma codificação do bom senso. Para entendermos a aleatoriedade e superarmos nossas convicções equivocadas sobre ela, precisamos de experiência e de um pensamento muito cuidadoso. Essa jornada começa com o conhecimento de algumas das leis básicas da probabilidade e com os desafios trazidos por sua descoberta, compreensão e aplicação. Considerando uma primeira lei da probabilidade, uma das mais básicas de todas (a probabilidade de que dois eventos ocorram nunca pode ser maior que a probabilidade de que cada evento ocorra individualmente), vamos verificar como pode-se perder facilmente na intuição probabilística. Imagine uma mulher chamada Linda, de 31 anos de idade, solteira, sincera e muito inteligente. Cursou filosofia na universidade e quando estudante, preocupava-se profundamente com discriminação e justiça social e participou de protestos contra armas nucleares. A partir da descrição três possibilidades foram apresentadas a vários entrevistados: Linda participa do movimento feminista. Linda é bancária e participa do movimento feminista. Linda é bancária. Para surpresa do pesquisador, 80% dos entrevistados consideraram que a probabilidade de que Linda seja bancária e participe de movimento feminista é maior que a probabilidade de que Linda seja bancária (Falácia da lei probabilística). Ou seja, se os detalhes que recebemos se adequarem à imagem mental que temos de alguma coisa, então, quanto maior o número de detalhes numa situação, mas real ela perecerá e, portanto, consideraremos que será mais provável - muito embora o ato de acrescentarmos qualquer detalhe do qual não tenhamos certeza a uma conjectura a torne menos provável (verifica-se uma inconsistência entre a lógica da probabilidade e as avaliações pessoais com relação a acontecimentos incertos). Um tipo de erro comum de se cometer, erro de viés de disponibilidade (os psicólogos nominam dessa forma porque ao reconstruirmos o passado damos uma importância injustificada às memórias mais vividas, portanto mais disponíveis, mais fáceis de recordar). Por exemplo, o que é maior, o número de palavras de seis letras na língua inglesa que têm n como sua quinta letra, ou o número de palavras de seis letras na língua inglesa que terminam em ing. A maior parte das pessoas escolhe o grupo terminado em ing. Por quê? Porque é mais fácil para elas pensar em palavras que terminam em ing que em quaisquer palavras genéricas de seis letras que tenham n na quinta letra (observar que o grupo de palavras de seis letras que tem n na quinta letra inclui todas as palavras de seis letras que terminam em ing (ou seja, {palavras ing} C {palavras n}). No cotidiano do laboratório os números (resultados de nossas observações) sempre parece trazer o peso da autoridade. A idéia costuma ser a seguinte, ao menos de uma maneira subliminar: se um pesquisador dá nota numa escala de 0,0 a 10,0, essas mínimas distinções entre as notas devem realmente significar alguma coisa. Considerando que é possível de alguma maneira conceituar o nível de qualidade de um experimento, devese reconhecer que a nota não é uma descrição do seu grau de qualidade, e sim uma medição dessa qualidade; e uma das mais importantes maneiras pelas quais a aleatoridade nos afeta é por meio de sua influência nas medições. Neste caso, o aparelho de medição é o pesquisador, e a avaliação de tal profissional, como qualquer medição, está sujeita a variação e erros aleatórios. Uma das pequenas contradições do dia-a-dia é o fato de que, embora medição sempre traga consigo a incerteza, esta raramente é discutida quando medições são citadas. A incerteza da medição ainda é mais problemática quando a quantidade medida é subjetiva. Classificações numéricas, ainda que duvidosas, dão aos usuários a confiança que conseguirão encontrar a agulha de ouro no meio da palheiro de variedades. A idéia de que a distribuição dos erros segue alguma lei universal, por vezes chamada de Lei dos Erros, é o preceito central no qual se baseia a teoria da medição. Sua implicação mágica é que, desde que satisfeitas certas condições muito comuns, qualquer determinação de um valor real baseada em valores medidos poderá ser resolvida empregando-se um único tipo de análise matemática (distribuição probabilística dos errosgaussiana). Buscar padrões e atribuir-lhes significados faz parte da natureza humana. Diversos estudos foram realizados para analisar muitos dos atalhos que empregamos para avaliar padrões em dados e para fazer julgamentos quando confrontados com a incerteza. Esses atalhos são denominados de heurística. Em geral, a heurística é algo útil; no entanto pode levar a erros sistemáticos, denominados erros de vieses. Ao final do século XX, surgiu um movimento para estudar como a mente humana percebe a aleatoriedade. Os pesquisadores concluíram que “as pessoas têm uma concepção muito fraca da aleatoriedade; não a reconhecem quando a veem e não conseguem produzila ao tentarem”. E o que é pior, temos o costume de avaliar equivocadamente o papel do acaso, tomando decisões comprovadamente prejudiciais aos nossos interesses. Devemos considerar que existe uma diferença entre a aleatoriedade de um processo e a aparência de aleatoriedade do produto desse processo. Vejamos, a empresa Apple teve esse problema ao desenvolver o primeiro programa para embaralhar as músicas tocadas num iPod: a verdadeira aleatoriedade às vezes gera repetições, mas ao ouvirem uma música repetida, ou músicas do mesmo artista tocadas em sequência, os usuários acreditam que o embaralhamento não é aleatório (nas palavras de seu fundador, Steve Jobs, a companhia fez com que a função se tornasse “menos aleatória para que pareça mais aleatória”). Qual é a relevância da necessidade de estar no controle para a discussão sobre padrões aleatórios? A questão é que se os eventos são aleatórios, nós não estamos no controle, e se estamos no controle, eles não são aleatórios. Portanto, há um confronto fundamental entre nossa necessidade de sentir que estamos no controle e nossa capacidade de reconhecer a aleatoriedade (um dos principais motivos pelos quais interpretamos erroneamente os eventos aleatórios). Um expediente comum que acontece envolve a ilusão do controle, ou seja, ainda que concordemos da boca para fora com o conceito do acaso, nosso comportamento se dá como tivéssemos controle sobre os eventos aleatórios. Quando estamos diante de uma ilusão (ou em qualquer momento em tenhamos uma idéia nova), em vez de tentarmos provar que nossas idéias estão erradas, geralmente tentamos provar que estão corretas. Como afirmou o filósofo Francis Bacon em 1620, “a compreensão humana, após ter adotado uma opinião, coleciona quaisquer instâncias que a confirmem, e ainda que as instâncias contrárias possam ser muito numerosas e influentes, ela não as percebe, ou então as rejeita, de modo que sua opinião permaneça inabalada”. Deve-se também ser considerado que em sistemas complexos, devemos esperar que fatores menores, que geralmente ignoramos, possam causar grandes acidentes em função do acaso (“efeito borboleta”, pautado na idéia de que ínfimas alterações atmosféricas, como as causadas pelo bater das asas de uma borboleta, poderiam ter um grande efeito nos subseqüentes padrões atmosféricos globais). Finalizando, é fácil acreditarmos que as idéias que funcionaram eram boas idéias, que os planos bem-sucedidos foram bem projetados, e que as idéias e os planos que não se saíram bem foram mal concebidos. Em qualquer situação é importante mantermos sempre em mente o outro termo da equação – o papel do acaso. A verdadeira força da teoria dos processos aleatórios está no fato de que, uma vez compreendida sua natureza, podemos alterar o modo como percebemos os acontecimentos ao nosso redor. Resumo do Livro Traduzido : O andar do bêbado (Como o acaso determina nossas vidas) – Diego Alfaro, ZAHAR, Rio de Janeiro (2009).