ISSN 1646-7892
Nº 3 - Junho 2008
Pés em Pontas
Ortopedista / Bailarina
Artur Côrte-Real
Entrevista de Vida
SPOT e INML
Protocolo de treino no cadáver
Director: Jacinto Monteiro
Editor-Chefe: Jorge Seabra
Editor-Executivo: Bruno Pires
Fotografia: Bruno Pires & Agência Zero (pág. 3)
Projecto Gráfico: Bruno Pires & Bürocratik
Impressão: Litografia Coimbra, SA
Tiragem: 1500 ex.
www.spot.pt
Mensagem do Presidente
Caros Colegas,
Nesta minha primeira intervenção no Osteófito como Presidente
da SPOT, quero saudá-los a todos, aproveitando este espaço para
salientar a importância que ele pode ter como veículo gerador
de troca de ideias, propostas e visões distintas, numa altura de
mudança de cenários que muito têm afectado o paradigma da
realidade ortopédica nacional e internacional.
As questões que nos dizem directamente respeito deverão ter a
nossa participação e intervenção de uma forma pró-activa, sob
pena de serem outros a decidirem por nós!
Apelo a que vejam esta publicação como mais uma oportunidade
de reflexão e informação, além naturalmente de poder ser também
um espaço lúdico, onde nos possamos conhecer melhor e interagir
numa lógica de complementaridade desejável.
O Presidente da SPOT,
Prof. Doutor Jacinto Monteiro
Pés
Pontas
em
Págs. 20-23
Págs. 12-13
Págs. 32-33
Págs. 14-18
DESTAQUE
Engenharia e Ortopedia
OPINIÃO
"Os profissionais e
a segurança do doente"
por Ciro Costa
ENTREVISTA DE VIDA
Dr. Artur Côrte-Real
Na era da especialização absoluta, engenheiros mecânicos e
ortopedistas iniciam o debate
sobre colaboração interdisciplinar. Em Coimbra, teve lugar
uma primeira reunião conjunta
que, para os Profs. Rogério Leal e
Nuno Rilo, marca um ponto de
chegada que também é partida
para uma nova era de entendimento e de partilha de saberes.
A segurança tem muito a ver com a
atitude dos profissionais perante o
funcionamento da organização.
É fundamental a existência de normas escritas formais, não impostas,
mas aceites consensualmente por
todos. Todos os intervenientes no
processo devem ser envolvidos na
construção das regras, compreendê-las, assumi-las e serem responsabilizados pelo seu respeito adequado.
Artur Côrte-Real revela o seu percurso profissional de quase cinco
décadas de dedicação à Ortopedia, mas sobretudo ao empenho
na diferenciação da Ortopedia
Infantil. Uma entrevista em que se
cruzam a experiência em hospitais
estrangeiros e o crescimento da
especialidade em Portugal. Um
percurso singular na Ortopedia e
na Saúde.
Assinatura de protocolo
para treino no cadáver
Págs. 30-31
S LP
SOCIEDADE ORTOPÉDICA
DE LÍNGUA PORTUGUESA
Págs. 40-45
Pág. 08
Págs. 26-29
DIRECÇÃO SPOT 2007
Balanço de mandato
ORTOPEDIA EM PORTUGUÊS
Fundação da SOLP
HOSPITAIS COM HISTÓRIA
Hospital de S. José
No final do mandato da
Direcção da SPOT de 2007,
Jorge Seabra (presidente) e
José Portela (secretário-geral)
fazem o balanço de um ano de
trabalho intenso e colectivo
e de projectos que ficam para
o futuro. A regularização das
finanças da SPOT, a fundação
da SOLP, a criação do Osteófito e o protocolo para treino
no cadáver são algumas das
marcas desta Direcção.
De entre os vários factos que marcaram o último Congresso da SPOT, é
fundamental assinalar a criação da
SOLP, testemunho vivo da efectiva
colaboração entre os ortopedistas
portugueses e os ortopedistas e unidades hospitalares de Ortopedia dos
países lusófonos. A nova estrutura
prova que os ortopedistas dos vários
países envolvidos estão empenhados
em desenvolver, manter e aprofundar as várias parcerias que têm
sido implementadas no âmbito dos
países de Língua Portuguesa.
A história do Hospital de S. José
cruza-se, nos últimos 500 anos,
com a História de Portugal. Sobreviveu a reis, rainhas, à monarquia
e à república, ao Estado Novo e à
democracia. Agora e passados cinco
séculos, a reinvenção vem novamente a caminho com a anunciada
mudança de localização.
Sobreviveu ao Terramoto.
A História não pode parar.
Foto-Reportagem
Drª Gabriela Figo, ortopedista do Centro Hospitalar dos Covões de Coimbra
e algumas das suas alunas na Academia de Bailado de Coimbra.
Coimbra , 13 de Dezembro de 2007.
Ortopedia em Português
AOLP dá lugar à SOLP
À frente, da esquerda para a direita: Reynaldo Garcia, Jorge Seabra, Carlos Vieira Ramos, José Parra.
Atrás: Guilhermino Jesus, Jacinto Monteiro, Tito Rodrigues, Santiago, Serpa Oliva, Aloísio Leão e Rogério Palma Rodrigues.
Durante o XXVII Congresso de Vilamoura, reuniram-se
ortopedistas de Portugal e dos diversos praíses lusófonos,
Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau,
que se deslocaram expressamente para participarem na
sessão científica dedica à lusofonia, à ortopedia nos países
lusófonos e à fundação da Sociedade Ortopédica de Língua
Portuguesa (SOLP).
Foi com grande entusiasmo que se analisou e discutiu a
questão dos estatutos, culminando todo um processo
de preparação prévia que se desenvolveu em sucessivos
congressos e reuniões, nomeadamente na cidade da Praia
(Nov. 2006), Luanda (Jan. 2007) e Rio de Janeiro (Jul. 2007).
Foram eleitos uma Comissão Directiva (CD) e o seu Presidente
(Dr. Carlos Vieira Ramos — Cabo Verde), tendo ficado definido
que, para além das tarefas imediatas de formalização legal e
registo dos estatutos, se promova e dinamize a organização
do seu primeiro congresso marcado para a cidade do Mindelo
— Cabo Verde, no primeiro trimestre de 2009. Terá também
lugar uma reunião da CD nos inícios de Maio de 2008,
também na cidade do Mindelo. Em Dezembro, o porta-voz
do Grupo de Ligação da SPOT com os PALOP, Aloísio Leão,
10
teve reuniões conjuntas com os ortopedistas da cidade da
Praia (Drs. Fernando Almeida e Graciano), que reforçaram o
apoio a todas as iniciativas a desenvolver.
Segundo o Presidente da Comissão Directiva da SOLP,
Dr. Carlos Vieira Ramos, "o Ministro da Saúde de Cabo
Verde, Dr. Basílio Ramos, que amavelmente concedeu uma
audiência à nossa delegação, demonstrou o maior interesse
por este projecto que procura aprofundar as ligações entre
ortopedistas dos países lusófonos. Mais ainda, a presidente
da Câmara de São Vicente, Isaura Gomes, contactada pelos
membros cabo-verdianos fundadores da SOLP, demonstrou
total disponibilidade para colaborar na realização do seu
primeiro congresso."
"É importante salientar um projecto da SOLP, que consiste
no aproveitamento das reuniões dos membros dos seus
órgãos directivos para eventuais acções de formação no local
ou no país onde elas se realizem, com eventual prestação de
assistência a doentes com patologia complexa."
Segundo o Dr. Carlos Vieira Ramos, "os temas escolhidos para
o I Congresso da SOLP, Fracturas e Infecções Osteoarticulares,
são do maior interesse para todos os países intervenientes".
Junho 2008
Ossos do Ofício
SPOT com nova Direcção
Balanço de 2007 e futuro em debate
na Assembleia Geral em Tomar
A cidade de Tomar acolheu no passado dia 29 de
Março mais uma Assembleia Geral da SPOT, durante a
qual se concretizou a passagem de testemunho entre a
Direcção de 2007, presidida por Jorge Seabra, e a nova
Direcção para 2008, presidida por Jacinto Monteiro.
Para além do balanço de mandato, onde foi salientado
o que de mais relevante aconteceu em 2007, aprovou-se o regulamento da bolsa da SPOT para estágios
de curta duração de especialistas dos PALOP, bem
como o protocolo de regalias e ajudas a conceder a
conferencistas, convidados e representantes da SPOT,
definindo quais os critérios a seguir no futuro.
A Direcção cessante propôs alguns pontos de reflexão,
iniciando o debate preparatório para a mudança de
alguns artigos dos estatutos, nomeadamente aqueles
relacionados com a duração de mandato, a composição
da equipa directiva e a antecedência do processo
eleitoral em relação ao exercício efectivo de funções.
Constituem os novos corpos directivos da SPOT:
Presidente: Jacinto Monteiro
Past President: Jorge F. Seabra
Presidente Eleito: José Neves
Secretário-Geral: Luís Correia
Tesoureiro: Carolina Escalda
Vogais:
Francisco Costa Almeida
João Gamelas
Horácio Sousa
Roxo Neves
ASSEMBLEIA GERAL
Presidente: Rodriguez de Sousa
Vice-Presidente: Fernando Silva
Secretário: Pedro Fernandes
CONSELHO FISCAL
Presidente: Victor Coimbra
Vogais:
César Augusto Igreja da Benta
Carlos Marques
Junho 2008
Curso Básico de
Ortopedia Infantil
Realizou-se nos dias 3 e 4 de Abril, no Auditório da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra, o XI Curso Básico de Ortopedia Infantil,
prioritariamente dirigido a Clínicos Gerais, Pediatras,
Fisiatras, Fisioterapeutas e outros Técnicos de Saúde
que prestam assistência a crianças e adolescentes.
Este Curso, iniciado em 1985 e que se realiza de dois
em dois anos em Coimbra, é organizado pelo Serviço de
Ortopedia do Hospital Pediátrico e pela Associação de
Saúde Infantil de Coimbra (ASIC), tendo sido também
realizado em Ponta Delgada, Macau, Mindelo (Cabo
Verde), Maputo e Luanda.
Contando com o patrocínio científico da Secção de
Estudos de Ortopedia Infantil (SEOI) da SPOT, o XI
Curso foi leccionado pelos especialistas de Serviço de
Ortopedia do Hospital Pediátrico (Drs. Jorge Seabra,
Deolindo Pessoa, Gabriel Matos, Mário Conceição e Inês
Balacó) e abordou de forma didáctica e sumária todos
os grandes temas da patologia do aparelho locomotor
em crescimento, integrando também uma conferência
sobre “Criança Batida” proferida pela Prof. Jeni Canha.
Procurando estreitar as ligações da Ortopedia Infantil
com os Cuidados Primários, este XI Curso contou com
cerca de três centenas de participantes vindos de todo
o país e dos PALOP, mantendo o êxito atingido nas
suas edições anteriores.
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Entrevista
Antonio Murcia
Um abraço ibérico
Antonio Murcia, professor da Universidade de Oviedo, esteve presente no primeiro encontro de
Ortopedia e Engenharia. Ligado à SPOT e aos seu presidente há vários anos, Murcia acredita, com
convicção, na necessidade de intensificar o intercâmbio de saberes e de pessoas entre os especialistas dos dois países. Para reforçar esta ideia, Antonio Murcia invoca a sua experiência pessoal: “a
minha experiência Ibérica é muito vasta. Praticamente desde que finalizei o meu internato, altura
em que os congressos na área eram mistos.”
A ligação tornou-se uma herança familiar, cruzando gerações.
“Esta união é necessária”, sustenta o professor espanhol. “O
meu filho, por exemplo, estudou três anos em Coimbra —
há seis anos eu entreguei aqui um estudante e anos depois
recebi um especialista em Ortopedia, ensinado, treinado e
formado nesta Escola e nos seus hospitais.”
Antonio Murcia considera essencial o empenho dos médicos
dos dois países na intensificação do relacionamento entre
universidades e unidades de saúde. “Eu e todos os médicos
da minha unidade participamos activamente em todos os
congressos da SPOT, e a minha universidade está intimamente ligada à Universidade de Coimbra.” Quanto ao que separa os dois países, Murcia não tem dúvidas sobre as causas
de eventuais diferenças entre a prática clínica em Portugal
e Espanha. “Existirão diferenças entre a prática médica, mas
estou convencido de que não há qualquer diferença ao nível
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do conhecimento. O que é diferente é o potencial económico dos dois países, tendo Portugal estado atrás da Espanha
durante alguns anos, porque as diferenças entre os implantes
que eu uso e os que se usam em Portugal são apenas de marca comercial”, conclui o professor espanhol. Sobre o intercâmbio entre as várias áreas do saber, razão da sua presença
nesta reunião entre ortopedistas e engenheiros em Coimbra,
Antonio Murcia lamenta “ser o único espanhol presente, porque é preciso pensar numa verdadeira união ortopédica, o
caminho para que trabalhemos muito melhor, para um resultado muito melhor.” E Antonio Murcia reforça a pertinência
da ligação entre várias áreas do conhecimento: “Em Espanha,
esta ligação entre médicos e outros campos disciplinares não
é tão frequente como devia, porque um campo disciplinar
único é absolutamente inútil, como provam outras alianças
como, por exemplo, no tratamento do cancro.”
Junho 2008
Destaque
Colaboração
multidisciplinar
entre ortopedistas
e engenheiros
O primeiro encontro entre Ortopedistas e Engenheiros teve
lugar a 19 de Janeiro em Coimbra, juntando elementos destas
duas áreas. Contando com a participação de cerca de 50 pessoas, entre engenheiros e ortopedistas, constituiu um fórum
bastante interessante e um think tank de onde poderão surgir inovações, resultantes desta sinergia entre a engenharia e
a ortopedia. Um programa de um dia foi dedicado à troca de
perspectivas sobre as mais-valias de uma possível cooperação sistemática e organizada entre médicos e engenheiros.
Temas como “as potencialidades dos materiais em Ortopedia”, “a utilização dos métodos da mecânica experimental” e
“os métodos numéricos e as suas possibilidades de simulação na Ortopedia e nos movimentos humanos” constituíram
o cartão de visita dos engenheiros presentes.
O objectivo da reunião fica resumido nas palavras de Jorge
Seabra, presidente da SPOT: “É necessário que nos conheçamos melhor e saibamos o que cada um faz ou pode fazer nas
respectivas áreas de trabalho e saber, tornando explícitas as
nossas ideias e interrogações, descobrindo objectivos que
nos possam ser comuns.”
A organização do evento esteve a cargo do Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra e da SPOT.
No âmbito do I Encontro de Engenharia e Ortopedia, o Osteófito entrevistou dois dos organizadores, professores do
Departamento de Engenharia Mecânica, da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Rogério
Leal e Nuno Rilo. Para Nuno Rilo, “esta é uma primeira tentativa para ver como é que os engenheiros e os ortopedistas
se podem encontrar” e debater dúvidas sobre a mais-valia da
abordagem conjunta de problemas que se colocam ao seu
trabalho. “É preciso estabelecer uma linguagem comum”,
sintetiza Rilo, para que se perceba o rumo possível.
“O médico”, prossegue, “é que conhece os problemas decorrentes da prática clínica e as limitações dos elementos cirúrgicos que utiliza. Nós não fazemos a mais pequena ideia dos
problemas e das limitações que enfrenta. Este encontro é um
abrir de portas.”
Aos engenheiros cabe explicar as potencialidades do seu trabalho e a forma como pode impactar positivamente sobre o
trabalho do ortopedista.
Junho 2008
Nuno Rilo resume o seu papel: “É importante que os engenheiros também sejam capazes de explicar aos médicos o que
são capazes de fazer com os materiais, a nível experimental,
a nível de simulação numérica.”
Rogério Leal reforça as ideias de Rilo: “É fundamental
descomplicar linguagens. É o retomar de uma tradição antiga
em que os médicos iam a um fabricante de qualquer coisa,
por exemplo, um serralheiro, e lhe pediam para fabricar um
determinado tipo de objectos. Esta iniciativa é o retomar
do contacto entre os médicos e as outras profissões que o
podem auxiliar, porque a especialização vai-nos afastando.
Cada um sabe cada vez mais daquilo que faz, e é necessário
buscar, novamente, as áreas de intersecção.”
Nuno Rilo revela que “a ideia desta cooperação surgiu por
uma necessidade do ortopedista, concretamente, do grupo
de Jorge Seabra que nos apresentou um problema prático.
Do nosso lado, até já temos pessoas interessadas em entrar
nas salas de operações, mas não é fácil porque vemos as imagens e elas não são muito apelativas…”
Para Rogério Leal, a parceria resulta se cada um perceber “em
que medida é que pode colaborar”.
O Departamento de Mecânica já participa em algumas parcerias, embora ainda não exista uma prática persistente e
sistematizada. “O Departamento já desenvolve vários projectos de parceria, porque a Mecânica é, talvez, a área multidisciplinar mais abrangente. Eu comecei por me ligar a esta
troca de saberes, na minha área da Biomecânica, através de
um projecto que desenvolvi para simular o funcionamento
do ouvido médio, que é um processo mecânico, e que me foi
colocado por uma médica otorrinolaringologista.”
Rogério Leal sublinha a importância dos pedidos de colaboração para o desenvolvimento de uma vocação cooperante. “A
sistematização depende da forma como as coisas se desenvolvem, dos pedidos que vão surgindo, e estas iniciativas podem levar mais médicos a quererem colaborar connosco.”
E Nuno Rilo sintetiza a importância do desenvolvimento de
estruturas multidisciplinares: “Habitamos áreas do saber
muito compartimentadas, incluindo a própria organização do
sistema. E o problema é que as especialidades são estanques,
mas a realidade não é.”
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Entrevista de Vida
Lutar por uma Ortopedia
Infantil cada vez melhor
Todos devem empenhar-se nesse objectivo, não só os que presentemente
a lideram, mas, mais ainda, as novas gerações a quem compete continuar
a tarefa. Quem o afirma é Artur Côrte-Real, ortopedista pioneiro no tratamento da patologia do aparelho locomotor em crescimento, que se empenhou, durante décadas, para que a individualidade da Ortopedia Infantil
fosse reconhecida.
Levava a República 15 anos de tumultos, quando o futuro ortopedista infantil Artur Moniz de Castro Côrte-Real nascia em S. Pedro do Sul. Seguiram-se anos rápidos até ao cumprimento do serviço
militar, aos 23 anos, já como médico, formado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Depois do exército voltou para a Faculdade de Medicina dessa cidade, onde iniciou os estágios necessários para obter a sua especialidade. Simultaneamente tirou o curso Hidrolologia e Climatologia e,
ainda, o de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Alguns saltos no tempo e, antes das últimas quatro décadas do século XX, Artur Côrte-Real completou
a especialidade. “Na altura a Ortopedia estava mais avançada no Porto… Às vezes o Porto também
vai à frente…, porque já havia uma diferenciação da Cirurgia Geral, sobretudo por acção do Dr. Carvalhais, director de Ortopedia do Hospital de Santo António e do Dr. João Espregueira Mendes, primeiro
de uma grande geração de cirurgiões ortopedistas. Ele já dirigia um sector de ortopedia autónomo,
agregado ao Serviço de Patologia Cirúrgica do Prof. Magano”, recorda Artur Côrte-Real.
O INÍCIO
O destino estava traçado e o caminho do jovem ortopedista levá-lo-ia ao Hospital Maria Pia. “Em 1956, comecei
a trabalhar no hospital pediátrico do Porto, Hospital Maria Pia, no Serviço de Ortopedia Infantil, então dirigido pelo
Prof. Carlos Lima. Logo me apercebi que tratar as doenças
osteo-articulares das crianças era muito diferente de tratar
adultos”, prossegue Artur Côrte-Real. “Requeria uma organização muito própria. Era impossível tratar crianças sem haver
uma especialização da parte dos médicos, da parte técnica
e com espaços adequados. O fundamental era a forma de
organização, um dos principais factores de desenvolvimento
da Ortopedia Infantil, como sempre disse o Prof. Pous, de
Montpellier.” As sementes da inquietação estavam lançadas
e, ainda hoje, passadas mais de cinco décadas, continuam a
assomar como uma convicção inabalável. “Procurei sempre
o apoio dos Serviços de Ortopedia Geral. Contactei dezenas
de responsáveis, entidades governamentais e diversos directores de Serviço, para que houvesse uma diferenciação em
Ortopedia Infantil, mas foi difícil implementar essa ideia,
porque havia reservas. Alguns pensaram que eu queria formar uma sociedade independente de Ortopedia Infantil. Na
realidade nunca tive essa intenção, porque considero que a
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Ortopedia Infantil deve ser uma área, embora importante,
da ortopedia geral”, refere Artur Côrte-Real. E conclui, com
alguma perplexidade, como quem avalia a falta de visão
do interlocutor: “Contrariavam a identidade própria da Ortopedia Infantil. E havia rivalidades. Eu, por exemplo, sempre achei que devia ser distinta da Cirurgia Pediátrica, que
então se dividia por outras especialidades da mesma área.”
A SOFCOT
A primazia dada por Artur Côrte-Real à Ortopedia Infantil
não se traduziu, apenas, nessa visão diferenciadora. Era necessário criar uma rede de contactos, trocar experiências,
partilhar saberes. “Fui pioneiro a idealizar organizações só
de Ortopedia Infantil — em Reuniões, mas sobretudo em
Encontros —, aglutinando pessoas interessadas nesta área e
empenhadas em demonstrar a sua especificidade.” Maio de
68 abalara França e no país sentiam-se já ventos de mudança. No ano seguinte, Artur Côrte-real foi nomeado Director
do Serviço de Ortopedia Infantil do Hospital Maria Pia, do
Porto, cargo que iria manter por mais de duas décadas. “As
minhas primeiras medidas foram no sentido de procurar melhorar a sua orgânica, de modo a potenciar a sua eficácia, o
que se traduziu, por exemplo, na chegada de estagiários vin-
Junho 2008
“ Procurei contactar
sempre outros serviços.
Nunca tive aspirações
de projecção pessoal.
Procurei sempre e apenas
a projecção da Ortopedia
Infantil – merecia todos os
sacrifícios que podíamos
fazer por ela ”
dos de todo o país, num reconhecimento do pioneirismo do
Serviço”, relembra Artur Côrte-Real. “Procurei contactar outros Serviços. Nunca tive aspirações de projecção pessoal. O
meu objectivo foi sempre e apenas a projecção da Ortopedia
Infantil – que merecia todos os sacrifícios que podíamos fazer
por ela”, refere. Outra inovação consistiu na organização das
primeiras Jornadas realizadas em Portugal especificamente
dedicadas à Ortopedia Infantil, com a participação de convidados estrangeiros de grande nomeada. Seguiram-se outras,
mantendo sempre a mesma qualidade. Esta preocupação de
partilha de experiências e conhecimentos foi também conseguida em diversos estágios fora de Portugal. “Estive sempre
mais ligado a França, onde passei muitos meses em diversos
hospitais. Cheguei a trabalhar com os irmãos Jean e Robert
Judet, no início dos anos 80. Recordo também os professores
Pous e Rigault.” Seriam estes dois prestigiados ortopedistas
que, no final dos anos 80, proporiam Artur Côrte-Real para
Sócio Honorário da Société Francaise de Chirurgie Orthopédique et Traumatologique (SOFCOT) e do seu Groupe
d'Etudes de Orthopédie Pédiatrique (GEOP), traduzindo o
reconhecimento pelo trabalho que desenvolvera em Portugal.
A SECÇÃO DE ESTUDO DE ORTOPEDIA INFANTIL (SEOI)
Em 1983, numa Assembleia da SPOT, foi proposta a criação
de uma secção de ortopedia pediátrica, “e eu fui encarregado
de elaborar o seu regulamento. Daí viria a resultar a SEOI.
Nesse mesmo ano fui também nomeado para a dirigir”, recorda Artur Côrte-Real, concretizando-se assim a formalização do reconhecimento da Ortopedia Infantil. O trabalho de
Artur Côrte-Real continuou, agora mais empenhado no lançamento de pontes de comunicação entre os vários Serviços
existentes. “Procurei dar apoio aos Serviços de ortopedia do
interior e fomentar ligações, estimulando contactos regulares — reuniões, discussão de casos clínicos, etc.” A formação
de uma rede de contactos constituía a base essencial para
o desenvolvimento da Ortopedia Infantil: “Era necessário
que os hospitais de menor dimensão tivessem contactos e
fossem auxiliados pelos maiores. Teria de haver interessados
nos mais diferenciados para discutir os casos que preocupavam as unidades de saúde mais pequenas”, sublinha Artur
Côrte-Real.” Nos finais dos anos 80, depois de alguma insistência junto da Direcção-Geral dos Hospitais, consegui que
fosse aprovado, para o Serviço que dirigia no Hospital Maria
Pia, um Ciclo de Estudos Especiais de Ortopedia Infantil, tendo em vista uma melhor possibilidade de formação. Apesar
de conseguida a aprovação, e por manifesta falta de apoio
da direcção do hospital, não foi possível concretizar esse
propósito. Felizmente que a ideia não se perdeu. Sei que o
Serviço de Ortopedia do Hospital Pediátrico de Coimbra irá
brevemente iniciar um Ciclo semelhante. Esse será, segura-
20
mente, um importante passo para uma melhor assistência
às crianças.
O FUTURO
”Percorreu-se um longo caminho no reconhecimento da
especificidade da Ortopedia Infantil. Foram cinco décadas.
Mudou o país. Mudaram as mentalidades. Mas não mudaram
as vontades. “Há hoje uma diferenciação nítida, e quando
comecei não havia nenhuma. Admitiu-se a especificidade
própria da Ortopedia Infantil, embora creia que a concretização ainda não é uma realidade, talvez também por falta de
condições económicas. É preciso mais força, mais convicção.”
E conclui: “Têm de ser as novas gerações a continuar essa
luta.”
O ENDIREITA
O escritor e médico Miguel Torga contava uma história a
propósito de um embaraço ocorrido no final de uma consulta, no seu consultório. a um doente necessitado de uma
receita. Depois de algumas tentativas, Adolfo Correia Rocha
(Miguel Torga) parecia não conseguir escrever sem enganos
a receita que o doente deveria apresentar ao farmacêutico.
Após observar a persistente dificuldade do médico, o doente
desabafou: “é bom médico, mas escritor…”
Artur Côrte-Real viveu uma situação semelhante. Ao acabar
o exame clínico de uma criança, com o pai sentado à sua frente, Côrte-Real disse-lhe: “Não é grave, mas o seu filho tem
que ser observado periodicamente.” O pai rematou: “Acha
que é sério? Não será melhor levá-lo a um endireita?...”
Primeira reunião internacional de Ortopedia Infantil no nosso país, organizada por
Artur Côrte-Real. Da esquerda para a direita: Dr. Vieira Coelho (Filho), Prof. Cañadel
(Univ. Navarra), Dr. Artur Côrte-Real, Dr. Rigault (Hosp. Enfants Malades — Paris),
Dr. Pous (Univ. Montpellier) e Dr. José Mesquita Montes.
Junho 2008
Factos & Números
Nº de sócios da SPOT que
regularizaram as suas quotas
186
"Habitamos áreas do saber muito compartimentadas,
incluindo a própria organização do sistema.
...o problema é que as especialidades são estanques,
mas a realidade não é."
Nuno Rilo, prof. de Engenharia Mecânica durante o I Encontro de Engenharia e Ortopedia
71.603,86
Valor de quotas dos sócios da SPOT
recebido nos últimos três meses
1968
Junho 2008
Data do II Congresso de Ortopedia e Traumatologia, realizado em Lourenço Marques. Estiveram
presentes 122 congressistas, 60 vindos de Portugal, 52 de Angola e Moçambique, e 4 de Espanha.
21
Para Além da Ortopedia
Pés
em
Pontas
"Toda a gente tem o direito de dançar. De um grupo de 200 entusiastas do bailado, apenas 1 ou 2 serão
bailarinos de profissão. O que é normal... Mas os outros, esses têm todo
o direito de o fazer."
Palavras de Gabriela Maria Dominguez Figo, ortopedista e fundadora
da Academia de Bailado de Coimbra, com uma carreira de ensino de
bailado com mais de 30 anos, tantos
quantos os que leva da prática de
Ortopedia no Hospital dos Covões,
onde hoje trabalha. "Um sacrifício?
Não, faço aquilo que gosto." Todos
os dias. Há mais de 30 anos.
Nascida em Coimbra, em 1951, Gabriela Figo sentiu desde aprender, a necessidade de ensinar, que foi levando àquilo
muito cedo uma paixão irreprimível pela dança, o que a levou que sou."
a dar muitos “tombos” enquanto menina, na aprendizagem
que fez do bailado, inicialmente solitária e autodidacta, e A HISTÓRIA DA DANÇA
mais tarde em diversas escolas desde a Companhia Nacio- "Há muito de tradição e de história na dança. A dança está
nal de Bailado até à Royal Academy of Dance (RAD), cujos ligada à evolução do homem, em todas as civilizações há
métodos de ensino e avaliação adoptou na sua Academia de cultos e ritos da sociedade que envolvem vários tipos de
Bailado de Coimbra.
dança. A Dança, que foi muitas vezes religiosa, que foi muiÉ para lá que há mais de 15 anos Gabriela Figo se
dirige diariamente após a sua prática médica no
Hospital dos Covões, onde trabalha desde que rea"Em 200 alunos de dança, haverá prolizou o exame da especialidade.
A outra Academia, a da Universidade de Coimbra,
vavelmente um bailarino ou dois baiacolheu-a em 1968, um ano quente e atribulado
para quem é caloiro e inicia a sua vida de estudante
larinos que podem sair.
universitário. Após terminar o curso de Medicina,
realizou serviço médico à periferia em Castelo de
O resto tem todo o direito de dançar.
Paiva, tendo regressado a Coimbra um ano mais
tarde, onde, após uns anos de espera pela entrada
Porque é isso que sempre defendi:
na especialidade, ingressou nos HUC e finalmente
no CHC, onde espera terminar a sua carreira méditoda a gente tem o direito de dançar e
ca. Assumindo uma preferência pelas áreas do pé,
tibiotársica e anca, confessa que tem que fazer um
de fazer aquilo que gosta."
pouco de tudo, pois os hospitais públicos assim o
exigem. "Não têm capacidade para haver diferenciações compartimentadas de Ortopedia."
Pertenceu a duas direcções da SPOT, durante os
mandatos de Rodrigues Fonseca e de Mesquita Montes.
tas vezes pagã, faz parte da história do Homem. A dança
que hoje conhecemos como clássica resulta também de
O BALLET
uma evolução e de um senhor chamado Luís XIV, que gosComo todas as crianças, tinha fixações, e a sua era a dança. tava muito de dançar e que criou a primeira escola de dança
Nos anos 60 a aprendizagem nesta área não era fácil, pois em Paris. Daí também todos os termos técnicos utilizados
a única escola de referência era a Escola de Pirmin Treku no na dança serem em francês e universais. O clássico é igual
Porto, que teve a sorte de conhecer mas não a hipótese de em qualquer lado do mundo, embora também tenha sofrido
frequentar.
uma evolução. Nas minhas leituras para exames de História
Com um percurso freelancer bastante longo, sujeitou-se a da Dança, aprendi que houve um grande espanto quando
muitas mazelas devido a discretos e proveitosos “tombos” Maria Taglioni (bailarina sueca, 1804-1884) dançou pela
no seu quarto. Regressada a Coimbra após uma curta pas- primeira vez em pontas, por volta de 1832. Até aí, a sensasagem por Viana do Castelo, entrou no Conservatório, onde ção de leveza e de fluidez da dança era dada por arames, aos
estudou dança até ao seu encerramento, em 1974. Por esta quais as bailarinas estavam presas. As pontas vieram dar um
altura, “era 25 de Abril, muitas coisas novas, havia um país valor que não existia na altura, potenciando uma ascendênpara construir, e resolvi começar a fazer, com todas as acções cia da mulher na dança.
culturais que estavam em voga naquela altura, animação pela
dança junto do público infantil do Bairro Norton de Matos. E A DANÇA E OS OSSOS
foi uma bola de neve."
"Há muito de acrobacia na dança e cada vez vai haver uma
Sentia uma grande necessidade de aprender e, aproveitando maior necessidade de trabalho muscular na procura de atingir
a oportunidade de conhecer os métodos de ensino da RAD, objectivos cada vez mais longínquos e cada vez mais bonitos,
através de cursos na Companhia Nacional de Bailado, resol- em termos da imagem que o público capta do bailado e do
veu tornar-se professora de dança. "Fui fazer as minhas pro- bailarino. Depois há também a dança urbana, o hip-hop... Vevas a Inglaterra, fiz muitos cursos, e tento aprender. Ainda ja-se a a dança irlandesa jig, cujos espectáculos dos “Lord of
hoje sei muito pouco. Foi um crescendo, a necessidade de the Dance” que, apesar de não usarem qualquer movimento
24
Junho 2008
Espectáculo de bailado com alunas da Academia de Bailado de Coimbra (Drª. Gabriela Figo)
de braços, têm muito de acrobacia e de sapateado, são muito
musicais. A dança faz parte de cada um de nós. Depois, cada
um tem que encontrar aquilo de que gosta. Nestes últimos
anos, as danças de salão, principalmente as latinas, tiveram
um desenvolvimento imenso. Conheço muita gente que nunca dançou, mas que agora está perfeitamente viciada, seja no
tango, seja na salsa. Porque no fundo é movimento, é ritmo,
que é algo que todos temos dentro de nós."
O ENSINO
Sobre o método de ensinar a dança a uma criança desde a
tenra idade até à idade adulta, Gabriela Figo considera que "o
bailarino não pode ser só ensinado. O talento precisa de ser
desenvolvido. Em 200 alunos de dança, haverá provavelmente um ou dois bailarinos que podem sair. O resto tem todo
o direito de dançar. Porque é isso que sempre defendi: toda
a gente tem o direito de dançar e de fazer aquilo que gosta. Não de uma forma profissional, porque esses são muito
poucos (tal como no lançamento do peso ou nos 100 metros
barreiras), mas dentro das suas possibilidades e à sua medida.
As crianças, normalmente, vêm porque querem aprender a
dançar, querem dançar. Mas não é aos quatro ou aos cinco
anos que isso acontece. A maior parte das crianças vem porque as mães reflectem nos filhos aquilo que gostariam de ter
feito. Por vezes há miúdos que nos surpreendem pela capacidade de se moverem, pela capacidade de concentração, pela
Junho 2008
rapidez de apreensão da música. Mas há outros que lutam
com a música. Apesar de uma boa tonicidade muscular, boa
mobilidade e bons corpos, é uma luta diária meter-lhes a música dentro do movimento, porque não têm ouvido, não têm
sentido musical!"
A ACADEMIA
"A Academia acaba por surgir porque eu senti a necessidade
de um espaço onde não estivesse dependente nem de horários, nem de clubes ou direcções associativas. Porque isso implica pedir autorizações, e isso custava-me muito porque eu
sabia que queria fazer alguma coisa. Fazer mais ensaios, mais
aulas, ter o piano para ter aula com o pianista, e isso tudo
implicava burocracias que eu realmente queria ultrapassar.
Por outro lado era também a forma de criar um espaço e uma
maneira de as pessoas que na altura quisessem ser professores de dança pudessem ter um espaço onde não sentissem as
dificuldades que eu tinha sentido.
A Academia tem 14 ou 15 anos. Eu há 30 anos que comecei.
Levei 15 anos neste processo. Não foi fácil. Quase que tenho
que dividir a minha vida — entre o Hospital (gosto muito de
Ortopedia, é a especialidade certa para mim) e a Academia
—, pois, quando chego às cinco da tarde, desligo e passo para
uma onda completamente diferente. Há pessoas que podem
ver isto como um sacrifício, embora eu não ache. Estou a fazer aquilo que gosto."
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Entrevista
“A SPOT é a estrutura
unificadora da Ortopedia
em Portugal”
Jacinto Monteiro, 58 anos, médico ortopedista do Hospital de Santa Maria, é o novo presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia. Em declarações ao Osteófito, traçou as grandes linhas de rumo da sua direcção e definiu a SPOT como uma
sociedade essencial no reconhecimento, união e evolução da Ortopedia em Portugal.
“A SPOT é absolutamente incontornável para a sociedade
ortopédica portuguesa, embora tenham aparecido, nos últimos anos, algumas sociedades ligadas ao aparelho locomotor, mas mais dirigidas a determinados sectores. Todavia,
a SPOT mantém-se como o elemento agregador de toda a
comunidade ortopédica”, afirma Jacinto Monteiro.
Embora reconheça a emergência natural de estruturas representativas de áreas restritas da Ortopedia, Jacinto Monteiro define a SPOT como o “elemento aglutinador que vai ser
sempre o garante, a voz junto da sociedade civil, apoiando
todas as diferenciações. É o tronco comum.”
Quanto ao rumo que pretende imprimir à Sociedade durante
a sua presidência, o ortopedista do Hospital de Santa Maria
é totalmente explícito: “a mudança de pessoas não implica
uma mudança de estratégia, mantendo-se a que foi seguida
pelas últimas direcções nos últimos anos.”
E acrescenta algumas linhas condutoras: “A minha grande
preocupação, relacionada com a minha vocação académica, tem a ver com a educação médica, quer ao nível do internato, área em que a SPOT tem um programa que vai ser
muito apoiado por esta direcção, quer ao nível da formação
continuada em relação aos ortopedistas portugueses. Terá
de criar-se um comité que fique encarregado de ser o interlocutor junto da tutela, para definir o tipo de acções que a
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SPOT deve promover, porque vão surgir os problemas da
certificação e da recertificação." O enquadramento social do
trabalho da SPOT é para Jacinto Monteiro uma das preocupações para o seu mandato, entendendo o espaço de acção
dos ortopedistas portugueses num âmbito geográfico mais
lato do que o espaço nacional. “É preciso continuar a fazer
crescer a ligação cada vez maior que temos com a Europa e
com as sociedades europeias, nomeadamente a EFORT, e as
várias sociedades europeias de sub-especialidade. Este é o
caminho natural da Ortopedia portuguesa, e a nova geração
de ortopedistas já percebeu esta necessidade, integrando
grupos de trabalho de vocação europeia”, resume Jacinto
Monteiro.
Mas, para o presidente da SPOT, o espaço de actuação da sociedade deve continuar a transcender a dimensão europeia,
porque “não podemos esquecer, também, as nossas ligações
com a Lusofonia. Devemos ter um papel importantíssimo em
relação à formação, porque essa é a nossa vocação natural
enquanto sociedade científica.”
A nível institucional, Jacinto Monteiro destaca, ainda, a ligação da SPOT à Ordem dos Médicos, que tem vindo a ser
fortalecida. "A interacção entre estas duas entidades vai beneficiar a comunidade ortopédica portuguesa, porque vai pôr
as pessoas a falar a mesma linguagem.”
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Hospitais com História
HOSPITAL DE S. JOSÉ
O REGRESSO AO HOSPITAL
DE TODOS OS SANTOS?
por Augusto Martins, Assist. Grad. Ortopedia
Desde a fusão de pequenos hospitais conventuais até ao Grande Hospital Real de Todos os Santos
em Lisboa, passando (após o Terramoto de 1755) para o Hospital de S. José, vários períodos conturbados se foram desenrolando na sua história.
O Hospital de S. José atravessou como Instituição dois períodos de dois séculos e meio; os primeiros 250 anos como Hospital Real de Todos os Santos no Rossio. Os últimos 250 anos no actual
Hospital de S. José (antigo colégio jesuíta de St.° Antão-o-Novo). Nem o Terramoto, nem a implantação da República nem a revolução de 1974 o conseguiram desmoronar como Instituição.
Após a politização do sector da saúde, socializou e destituiu de poderes os directores. Baixou a
produtividade, destruiu a relação médico-doente (únicos elementos indispensáveis num Hospital),
industrializou no mau sentido a empresa. Tornou-se um albergue empregador de um exército de
burocratas ineficientes. Iniciou os pagamentos por GDH em que privilegia as complicações em vez
de premiar bons desempenhos, perdeu a escola Médica e Cirúrgica com a Faculdade de Medicina a
poucos metros. Forma alguns especialistas não abrindo vagas para a sua posterior colocação como
Assistentes, obrigando-os deste modo a “emigrar” para outros novos Hospitais. O passado de 500
anos já o conhecemos, o futuro ... aos homens pertence. Novo e terceiro ciclo de 250 anos deverá
estar a iniciar-se noutro local. Não desmotivem, mudemo-nos... “É a hora.”
O início da construção do Hospital Real de Todos os Santos
deu-se na manhã de 15 de Maio de 1492, tendo sido lançada
a primeira pedra na presença do rei D. João II no ano em que
tinha feito 40 anos de idade, tendo morrido aos 43 anos no
paço do alcaide-mor (Álvaro de Ataíde) em Alvor.
A direcção da obra ficou a cargo do mestre arquitecto Diogo
Boitaca.
De seguida, o rei D. João II foi almoçar a Casa dos condes
de Monsanto – D. João de Castro 2.° conde de Monsanto e
bisneto de João das Regras, no Poço do Borratém, embora na
altura chamassem ao almoço jantar. Mas andava triste desde
a morte do seu único filho legítimo, o infante Afonso, aos 15
anos de idade numa queda de cavalo em Santarém. O infante Afonso deixou viúva a futura e primeira mulher (das três)
de D. Manuel I.
O Hospital foi inaugurado nove anos depois, já no reinado de
D. Manuel I (que era primo e cunhado de D. João II), em 1501,
no ano em que tinha feito 35 anos de idade, tendo morrido aos 52 anos. Era o Hospital de Todos os Santos, (Omnia
Sanctorum) que é o O com o S no meio e que ainda é utilizado como logotipo do actual Hospital de S. José.
Chamavam-lhe Hospital Grande, Hospital de Todos os Santos, Hospital Grande de Todos os Santos ou Hospital Real,
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mas tinha ficado conhecido verdadeiramente por Hospital
dos Pobres. As razões eram múltiplas. Primeiro, a criação deste hospital foi o resultado da concentração de vários hospitais pequenos, e ao ter que denominar este grande hospital,
para contento de todos os outros que tinham denominações
de Santos, escolheu-se a denominação de Todos os Santos.
Mas com o apoio do Rei D. João II, era também denominado
de Hospital Real, e, como se destinava a servir os pobres, ficou realmente conhecido na altura por Hospital dos Pobres.
Lisboa tinha nesta altura cerca de 60 mil habitantes.
As escadarias do Hospital de Todos os Santos encontravam-se na Praça da Figueira e iam acabar sob os edifícios actuais.
Em 1620, Henrique José de Couto descreve-as, como uma
escadaria de 21 degraus (ou 19 depois do aterro do Rossio
ordenado por D. Manuel I), de 76 pés de comprimento a nível
do solo, e 33 pés de comprimento no tabuleiro superior que
era quadrado e plano e que dava acesso ao pórtico da Igreja.
As duas escadarias laterais e que faziam conjunto com esta
mediam no solo 64 pés e terminavam de cada lado do tabuleiro da entrada da Igreja.
O pórtico era de estilo manuelino, naturalismo náutico, vegetalista, com colunas torsas, como se de cabos de embarcações se tratasse, semelhantes à Igreja matriz da Golegã e à
29
capela da Universidade de Coimbra, provavelmente de pedra
da Arrábida como o pórtico do Convento de Jesus em Setúbal. São notórios os símbolos indirectos da Paixão de Cristo
que para além das chagas e cravos, eram representados por
pelicanos que eram também o símbolo de D. João II.
A esfera armilar que encimava o pórtico era símbolo emblemático do Venturoso, e o escudo deformado como que soprado, símbolo do vento que impulsionava caravelas e naus
pela costa Africana e além-Atlântico.
Aparecem aqui representadas as cruzes da Ordem de Cristo
(sucedânea da ordem dos Templários), constantes em todas
as obras de estilo manuelino (duas sobre cada porta), mas
estão ausentes os símbolos vegetalistas como as cápsulas
e folhas de papoila invertida da Igreja de S. Julião em Setúbal ou os cachos de uva, romãs ou espigas de milho noutras
obras deste período.
Mestre arquitecto Diogo Boitaca foi realmente o responsável pela direcção da construção do Hospital Real de Todos os
Santos, embora o seu sogro Mateus Fernandes (o principal
responsável pela construção do mosteiro da Batalha) fosse
o projectista. Tinha Diogo Boitaca sido o responsável pela
construção da igreja matriz da Golegã, pelo convento de
Jesus em Setúbal, que foi uma das suas primeiras obras em
Portugal, e pela Igreja de St. Maria de Belém nos Jerónimos,
entre outras obras como a continuação do mosteiro da Batalha em vários períodos. Aliás, sobre a sua origem francesa
ou italiana, a cronista Soror Leonor de S. João escreveu sobre
o projecto do Convento de Jesus de Setúbal que “...mestre
Boitaca em Itália, por inspiração divina, sonhou com todo o
projecto ...” além de que D. João II admirava muito a Florença
dos Médicis e encarava-a como o paradigma da sociedade
ideal, pelo que nos parece credível mestre Boitaca ter origem
italiana.
Os tectos da Igreja foram pintados por Fernão Gomes em
dourado como o tecto da sala dos brasões no palácio real em
Sintra, tectos maneiristas.
No dia 27 de Outubro de 1601, cerca da 1 hora da madrugada, deu-se o primeiro grande incêndio que destruiu todos os
quadros dos Reis de Portugal que a igreja possuía e as pinturas maneiristas dos tectos.
Outros dois incêndios foram destruindo o que ia sendo reconstruído; deu-se um novo incêndio em 10 de Agosto de
1750, às 3 horas da madrugada, e o terceiro e último incêndio, a 1 de Novembro de 1755, que deflagrou após o terramoto de Lisboa.
Coincidência ou não, o Hospital Real de Todos os Santos foi
destruído no seu próprio dia, no dia de Todos os Santos.
O primeiro físico (médico — medicina) foi o mestre Burgalês
doutor Delimylam, que foi dispensado por não ser “suficientemente bom”, e foi substituído a 13 de Abril de 1509 pelo
Mestre Jorge Físico Solorgião. O primeiro cirurgião foi Mestre
Pedro, nomeado a 18 de Fevereiro de 1502, que vivia dentro
do Hospital iniciando o ensino cirúrgico neste País, e Mestre
Gonçalo que vivia fora do Hospital.
Havia também um boticário (farmacêutico) tendo preenchido pela primeira vez este cargo Álvaro Rodrigues.
Em 1644, os enfermeiros leigos portugueses voltaram para o
Hospital, pois tinham sido despedidos em massa pela Mesa
da Misericórdia que iniciou a administração do Hospital em
29 de Junho de 1564. E voltaram porque em sua substituição
tinham colocado os irmãos Obregões, espanhóis, tendo-os
autorizado a tratar doentes. Só que após muitas incompetências que foram perpetuando, foram submetidos a inquéritos
em que “provou-se a sua incapacidade profissional e moral,
sendo expulsos para sempre do Reino.”
Vivia-se uma época em que era uma prática comum pela Europa desse tempo colocar dois doentes no mesmo leito. Só
foi proibida após o terramoto de 1755: “não se consinta em
cada leito mais de uma pessoa.” Os tratamentos da época
consistiam em purgas, xaropes, mezinhas, místicas, água de
cevada, sangrias, ventosas, panaceias, unguentos, limonadas,
águas de cheiro, sanguessugas, laxativos, vesicatórios, pó da
raiz do Angelicô, etc.
Os problemas económicos desta grande instituição iam
de mal a pior. Por todos estes problemas, a 29 de Junho de
1564, a irmandade da St.a Casa da Misericórdia de Lisboa
tomou posse da provedoria do Hospital e criou o cargo de
Enfermeiro-Mor, sendo o primeiro designado o conde de
Odemira – D. Sancho de Faro.
Na altura do incêndio pós-terramoto de 1755, era enfermeiro-Mor o conde de Castro Marim, Monteiro-mor do Reino,
sendo o enfermeiro-Mor aquando da transferência de todos
os doentes para o actual Hospital de S. José em 1775 António
de Castilho Furtado Mendonça.
O Hospital tinha dois pisos, estando situado na actual Praça
da Figueira em Lisboa. A frente estava voltada para o Rossio
e tinha aproximadamente 100 metros. Tinha a nível do solo
umas arcadas que iam até ao convento de S. Domingos, e a
meio estava a escadaria da Igreja.
No piso a nível do solo, estavam situados os alojamentos do
pessoal residente (cerca de 50).
No piso superior, estavam as três grandes enfermarias iniciais
(S. Vicente, Santa Clara e a de S. Cosme) que constituíam os
braços da cruz ao redor do altar-mor.
O regimento que regulava este hospital data de 1504 e foi
outorgado por D. Manuel I, tendo sido eventualmente inspirado nos estatutos dos hospitais de Santa Maria de Siena e
Santa Maria Nova de Florença. Participaram na sua elaboração o cónego Estevão Martins e o Cardeal Alpedrinha.
Os doentes eram separados em diversas enfermarias em relação à patologia e ao sexo.
Havia também uma “casa das boubas”, onde eram tratados
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os doentes com mal gálico (sífilis). Esta doença era na época
considerada como castigo dos pecadores, sendo vergonhosa
e portanto escondida da sociedade.
Havia um banco destinado a todos os doentes que fossem
em urgência ao hospital, onde depositavam as “águas” (urina). Esse banco em que eram observados os doentes por
ordem de chegada, julga-se estar na origem da designação
única dada às urgências em Portugal de “banco”.
O hospital tinha ainda a obrigatoriedade de receber todas as
crianças abandonadas (os expostos) da cidade, que depois
eram entregues ao cuidado de amas externas.
Compunham o quadro de pessoal do Hospital Real de Todos os Santos, directamente relacionado com os doentes: o
provedor (director), um físico (médico), dois cirurgiões, dois
ajudantes de cirurgião, um boticário (farmacêutico), três
ajudantes de boticário, doze enfermeiros, um barbeiro-sangrador e uma cristaleira (mulher que ministrava os clisteres).
Existia ainda o almoxarife (contabilidade, tesouraria e aprovisionamento), o escrivão (contabilista), o hospitaleiro, o vedor, o despenseiro, a costureira, a lavadeira, etc. Tudo estava
previsto e regulado. Era uma benesse, nessa altura, residir e
alimentar-se no hospital.
Tinha o físico de fazer a visita de todos os doentes, ao nascer do sol e às duas da tarde. Devia ser acompanhado nestas
visitas pelo provedor (director), pelo cirurgião e pelo boticário, vedor, hospitaleiro, e pelo enfermeiro-mor da respectiva
enfermaria. Nessas visitas deviam tomar os pulsos de cada
doente e observar a sua urina apresentada pelos enfermeiros
menores. O físico indicava os preparados a dar a cada um dos
doentes, e o boticário deveria compô-los de acordo com as
instruções dadas e registadas num papel encarnado. Nestas
visitas, o enfermeiro registava na “távoa” de cada doente a
dieta prescrita que seria assinada pelo físico ou pelo cirurgião.
O cirurgião residente no Hospital tinha ainda funções de ensino. Deveria cada dia dar lições teóricas e práticas, para a
formação de cirurgiões que entrariam para o serviço do dito
Hospital.
Aos enfermeiros cabia, além da higiene pessoal dos doentes,
a muda das camas e a limpeza das enfermarias. Teriam de administrar aos doentes as purgas, lamedores, unções e outras
mezinhas prescritas pelo médico. Os urinóis eram limpos pelos enfermeiros menores e escravos africanos, duas vezes por
semana no Verão e uma no Inverno. Tinham também como
obrigações retirar os mortos sem os outros doentes verem,
amortalhá-los e enterrá-los.
Algumas profissões foram desaparecendo ao longo dos anos.
É o caso curioso da profissão de barbeiro-sangrador que foi
extinta só em 1870.
(Continua no próxima edição)
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Destaque
Duarte Nuno Vieira
SPOT e INML
assinam acordo pioneiro
Foi assinado, na presença do Ministro da Justiça, o acordo de colaboração entre a Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia e o Instituto Nacional de Medicina Legal. O
objectivo do protocolo é permitir que os ortopedistas possam recorrer a cadáveres sujeitos
a autópsia médico-legal para o exercício de novas práticas clínicas e para investigação científica.
O acordo entre a SPOT e o Instituto Nacional de Medicina
Legal (INML) foi celebrado ao abrigo de uma lei publicada há
9 anos (decreto-lei 274/99, de 22 de Julho) que, na opinião
de Duarte Nuno Vieira, presidente do INML, “ foi particularmente inovadora no espaço europeu, porque veio definir as
regras de utilização de cadáveres e peças, tecidos ou órgãos
retirados desses cadáveres, para fins de ensino e de investigação científica”.
Os méritos da legislação nesta área são vincados pelo professor catedrático da Universidade de Coimbra, realçando
que “a nossa lei é aplaudida a nível internacional, porque se
considera que não só se acautelou o interesse das famílias,
como se resolveu uma situação de vazio legislativo total.
Este diploma merece sempre o aplauso de todos os colegas
de outros países e alguns acabaram por iniciar processos semelhantes.” E conclui: "Até 99 tudo se processava num total
vazio legislativo, numa indefinição legal quase absoluta de
procedimentos a seguir."
A pertinência e importância do actual quadro legal são reforçadas por Duarte Nuno Vieira, que considera que “esta
lei abriu perspectivas fundamentais, porque a utilização de
corpos é essencial para os futuros profissionais para o treino
de novas técnicas cirúrgicas, de modo a que, como futuros
profissionais de saúde, aprendam a trabalhar melhor”.
PROTOCOLO COM A SPOT
No âmbito do quadro legal definido pelo presidente do
Instituto Nacional de Medicina Legal, o presidente da
SPOT, Jorge Seabra, propôs ao INML a realização de um
protocolo de cooperação. Duarte Nuno Vieira sintetiza o âmbito do acordo estabelecido: “Este protocolo visa
permitir a utilização dos corpos — por ortopedistas para
aprendizagem ou experimentação de novas técnicas cirúrgicas — que venham a ser submetidos a autópsia médico-legal (determinada pelo Ministério Público) num dos serviços médico-legais do país que neste momento já constituem
desde Bragança até Faro e Portimão uma rede de 33 centros.” O presidente do INML, entre outras vertentes do acordo, ressalta que “a rede existente permite aos colegas mais
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longe dos grandes centros” poderem realizar o seu treino ou
a sua investigação. “O protocolo servirá, ainda”, refere, “para
que a Sociedade Portuguesa de Ortopedia — quando quiser
fazer cursos de formação, indicar uma nova técnica cirúrgica,
testar novas vias de abordagem, treinar, os profissionais da
ortopedia, os seus especialistas, os internos de ortopedia, ou
para comunicar novas técnicas de intervenção cirúrgica —
possa proceder, nos corpos submetidos a autópsia médicolegal, a esse treino.”
Para o avanço definitivo da parceria, e para além da homologação do Ministro da Justiça, ficará a faltar, na opinião de
Duarte Nuno Vieira, um planeamento posterior que defina
o acesso aos serviços pelos médicos ortopedistas. Entre outros factores, os cursos a desenvolver no âmbito do acordo
com a SPOT “ terão de ser compatibilizados, não só com o
José Portela, Jorge Seabra e Duarte Nuno Vieira
quadro legal e ético aplicável, bem como com os interesses
da Justiça e dos familiares”.
Quanto a eventuais restrições que possam existir, Duarte
Nuno Vieira refere a da articulação necessária dos tempos de
intervenção. “Será preferível que estas intervenções surjam,
sempre que possível, depois da perícia médico-legal”, afirma
Duarte Nuno Vieira, ”mas aceitamos que possa haver alguma situação em que a intervenção decorra antes, quando se
localizar em território que na situação concreta não colida
nem interfira com o normal desenrolar da perícia médico-legal”.
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Opinião
Ciro Costa *
Os profissionais
e a segurança do doente
O envolvimento activo é fundamental.
A segurança tem muito a ver com a atitude
dos profissionais perante o funcionamento
da organização. É fundamental a existência
de normas escritas formais, não impostas,
mas aceites consensualmente por todos.
Todos os intervenientes no processo devem ser envolvidos na construção das
regras, compreendê-las, assumi-las e ser
responsabilizados pelo seu respeito adequado.
Dois exemplos simples, com poucos custos, que dependem fundamentalmente
da atitude dos profissionais e, que tendo
uma manejo adequado, obtêm resultados
muito favoráveis na nossa actividade na
prevenção das infecções hospitalares — os
procedimentos de bloco operatório e a lavagem sistemática das mãos.
São procedimentos simples, baratos, fáceis
de implementar e executar e com resultados visíveis — na Suíça e na Alemanha,
campanhas de lavagem das mãos nos
hospitais tiveram assinalável sucesso com
diminuição das infecções hospitalares na
ordem dos 25%.
A segurança necessita da criação das condições logísticas adequadas, mas sem o
envolvimento activo de todos os profissionais, sem formação adequada, sem uma
promoção bem feita e sem uma avaliação
conjunta periódica dos resultados, não terá
resultados.
Veja-se o que aconteceu em Portugal em
que o Ministro da Saúde teve neste particular aspecto uma intervenção desastrosa
– em vez de chamar os profissionais para a
causa e envolvê-los, fez várias intervenções
públicas com acusações gratuitas, culpabilizando os médicos(!) pelas infecções e esquecendo as deploráveis condições logísticas e a falta de investimento dos nossos
hospitais nesse domínio.
É óbvio que o resultado foi precisamente o contrário do esperado – em vez da mobilização de todos para o fim em vista,
partiu-se para disputas verbais e acusações mútuas de responsabilidade das infecções, com os profissionais a sentirem-se insultados, continuando tudo na mesma.
Nos blocos operatórios temos uma situação semelhante.
Há regras gerais com que todos concordamos, mas cada um
define a sua própria excepção. Uns acham que é incómodo
mudar de roupa cada vez que se sai do bloco, outros acham
que se fulano não muda ele também não deve mudar. O uso
de máscara, para alguns, é considerado um adereço mais ou
menos decorativo. Alguns há que têm excepções de autoridade – como são quem manda acham que tudo é relativo e
que se podem auto-excluir do cumprimento das regras. Tudo
mudará se houver regras escritas, formais, aceites, e que todos se comprometam a cumprir sem excepção. Todos terão
de se responsabilizar pelo seu cumprimento e até deverá haver uma qualquer ASAE que possa fechar os blocos operatórios onde não forem escrupulosamente cumpridas!
O conhecimento técnico na defesa
da segurança dos doentes
Outra vertente importante da segurança do doente é a defesa dos seus interesses perante a administração da saúde.
Cada vez mais a “economia” pura e dura na sua vertente
“economicismo” faz parte do management care dos hospitais. Cada vez mais estamos “vigiados” e “controlados” por
administradores que não sabem absolutamente nada de medicina e cuja compreensão e objectivo último só passam pela
limitação cega dos gastos.
Os doentes, meros números, são para eles a parte menos importante da engrenagem e por isso precisam cada vez mais
de quem os proteja daqueles que se limitam a diminuir os
custos sem sequer saberem fazer contas ao custo-benefício
para o doente ou mesmo para a instituição SNS. Há “poupanças” que se pagam caro uns tempos mais tarde no sofrimento dos doentes e até mesmo na economia pura e dura
dos cifrões!
É claro e óbvio que quem está mais bem colocado para avaliar o custo-benefício para os doentes e até para as instituições são os médicos. E é sempre possível os médicos aprenderem economia da saúde ao contrário da dificuldade dos
administradores alguma vez terem hipótese de aprenderem
medicina, mesmo alguns dos seus conceitos básicos.
Todos nós nos apercebemos de quão difícil tem sido os médicos fazerem passar as suas razões face ao economicismo
bacoco que se tornou rotina pela quantidade elevada de burocratas que invadiram as instituições.
Pior ainda no futuro, que já é nalguns casos presente, com
a precarização dos vínculos laborais dos médicos. São mais
vulneráveis a pressões economicistas – a sua necessidade de
reivindicar o melhor para os doentes é ameaçada pelos todo-poderosos burocratas que poderão mais facilmente desfazer-se dos médicos com pretensões eventualmente “gastadoras”. Exemplo disso é a produção contratada pelo SNS fora
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dos hospitais públicos. O preço para cada GDH é único, mas
dentro de cada um há variantes — não estará seguramente
indicado o mesmo implante para uma coxartrose de um indivíduo com 25 anos ou com 80 anos. Por outro lado, todos
sabemos que há implantes de qualidade variável e até eventualmente duvidosa. Mas a falta de cuidado de quem fez os
concursos não previu este assunto. Assim, as clínicas, como
recebem preço unitário, também propõem, de uma maneira geral, o mesmo tipo de implantes para todos os doentes,
que foi escolhido por entre as casas que ofereceram o custo
global do “pacote” de implantes mais barato. É óbvio que o
poder dos médicos influenciarem isto é pequeno – quem levantar problemas não é convidado para a próxima!
Quando os serviços estiverem cheios de médicos com contrato a prazo será fácil descartar os que não colaboram no
economicismo. Estes terão de pensar duas vezes quando,
para defender os interesses do doente, estiver em perigo a
sua sobrevivência económica!
Isto pode ter consequências complicadas para os doentes e
para o SNS. Conta-se que, num país aqui ao lado com um
programa desenhado da mesma maneira, a taxa de reintervenções para revisões de implantes aumentou dramaticamente com os custos óbvios para os doentes mas também
para quem paga a saúde! Há economicismo que pode sair
caro, nomeadamente o dos incompetentes.
A experiência profissional ao serviço
da qualidade do exercício e da formação
Ainda relacionado com as pessoas, estamos a assistir a uma
decapitação dos serviços que pode sair cara em termos de
formação. A medicina estuda-se, mas aprende-se predominantemente na prática com a troca de experiência e opiniões
entre os colegas.
A “expulsão” dos médicos mais velhos das instituições, por
motivos burocráticos relacionados com as reformas da função pública, pode ter más consequências. A maior parte deles ainda tem muito para dar, são pessoas válidas com experiência relevante, que é importante aproveitar na assistência
aos doentes e na formação dos mais novos.
A saída precoce de muitos colegas prejudica-nos como classe por nos retirar a possibilidade de aprendizagem da experiência dos mais velhos. Uma opinião da experiência é por
vezes fundamental para o êxito no exercício clínico.
Para bem dos doentes e da formação médica, deveria ser encontrada uma maneira de poder continuar a contar com os
colegas mais velhos, ainda válidos, que se reformam, como
consultores dos serviços. O desenho da carreira médica deve
ter em conta esse objectivo.
Não aproveitar os conhecimentos e capacidades dos médicos na avaliação do custo-benefício pode ter consequências
adversas para os doentes e para as instituições.
* Ortopedista no Centro Hospitalar de Coimbra — Hospital dos Covões
e Coordenador da Comissão Socioprofissional da SPOT
35
Prémio Indústria
ARTUR
SALGADO
Pioneiro da prótese ortopédica em Portugal
Artur Salgado iniciou a sua carreira profissional como delegado de propaganda médica, tendo desde cedo demonstrado
interesse pela venda de material de cirurgia geral, área onde
se especializou e focalizou a sua actividade profissional.
Em 1952 abriu uma pequena empresa, a "Artur Salgado", comercializando material cirúrgico não só de ortopedia, mas
também de cirurgia geral, anestesia, obstetrícia e ginecologia. Mas impulsionado por diversos cirurgiões ortopedistas,
como o Prof. Dr. Carlos Lima, e contando também com o
apoio de antigos colegas de liceu que haviam seguido Medicina, decidiu dedicar-se apenas à comercialização de material
de Ortopedia e Traumatologia, contribuindo assim de forma
intensa e pragmática para o desenvolvimento e expansão da
ortopedia nacional.
No início da sua actividade, deslocava-se de comboio até à
cidade de Madrid, percorrendo a linha do Douro desde Barca
d'Alva até ao coração da Península Ibérica, em busca de representações e novos produtos. Já para Inglaterra, onde também estabeleceu fortes relações comerciais, deslocava-se de
automóvel, apesar de preferir deixá-lo estacionado devido
à estranha forma de conduzir naquele país. Convidado por
muitos dos representados a pernoitar em suas casas durante as viagens, estabeleceu assim fortes relações de amizade
com importantes figuras da indústria de material cirúrgico,
momentos que hoje recorda com gratidão e saudade.
"Percorri o país todo, ia a todos os congressos. Uma vez, o
Prof. José Maria Vieira fez questão de me levar à Madeira,
onde conheci Alberto João Jardim. Em conversa, ele lamentava o estado da Madeira, e eu disse-lhe: Levo-o comigo a
Trás-os-Montes, e verá a miséria de um povo. E ele riu-se.
Na Madeira, como em todo o lado, sempre fui muito bem
recebido. Estou muito grato."
Junho 2008
Dentro das suas capacidades, Artur Salgado contribuiu durante os últimos 50 anos para a formação dos profissionais
de saúde portugueses, privilegiando a qualidade dos seus
produtos e serviços e dando o melhor de si para o engrandecimento e projecção da ortopedia.
Tendo aprofundado a sua actividade sobretudo no norte e
centro do país, disponibilizando no mercado o que de mais
avançado se fazia no estrangeiro, representando a "London
Splint", "Zimmer G.B.", "Howmédica", "OEC", "De Puy", "Biomet", "Waldemar Link", entre muitas outras, apercebeu-se
também da importância de dar uma oportunidade à ortopedia nacional, pelo que criou uma aliança com a L.A. Medical, tornando-se o seu principal cliente e um dos maiores
distribuidores de dispositivos médicos do país, acabando
essa aliança por se revelar estratégica no domínio da experiência adquirida, bem como na expansão para novos clientes
e mercados.
Hoje, Artur Salgado está mais afastado da actividade comercial, mas mantém um escritório na empresa que fundou e
cuja valorização aposta na qualidade. Conseguiu em 2001
ser a primeira empresa nacional na área da Ortopedia a ser
cretificada nos termos da norma NP EN ISO 9001 (2000).
Hoje, a Artur Salgado, S.A. afirma-se como "a única empresa
genuinamente nacional com participações na actividade industrial, através de uma unidade fabril em Albergaria, e na
investigação de alta tecnologia (substitutos ósseos, factores
de crescimento, etc) através da participação na ÁGORA MAT
— Advanced Materials. Está na primeira linha da investigação
ciêntifica pela participação no INEB (Instituto Nacional de
Engenharia Biomédica)", em estreita colaboração com as Faculdades de Engenharia e de Medicina do Porto, os Hospitais
de São João, S.to António e Gaia, entre outros.
37
Ortopedia em Português
Fotografia de Jorge Seabra
A experiência do Mindelo
A anterior direcção da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia (SPOT) procurou fortalecer os laços de
cooperação entre Portugal e os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Neste sentido, serviu de exemplo um protocolo informal já existente, levado a cabo por alguns dos seus associados, o qual levou já vários ortopedistas em missão de voluntariado, no âmbito de um programa de apoio ao Hospital Baptista de Sousa (HBS), da cidade do Mindelo.
A acumulação, desde 1992, de uma larga experiência neste campo, através de um protocolo de apoio e de intercâmbio levado a cabo pelo Serviço de Ortopedia Infantil do Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC), em que ortopedistas
se deslocam ao Mindelo para fazerem apoio assistencial, facilitou o apoio dado ao HBS que, em 2006, se viu privado
de qualquer especialista na área da ortopedia. Um dos ortopedistas atingiu a idade da reforma e o Director de Serviço
sofreu um problema de saúde que o obrigou a retirar-se. A solução imediata para o problema sentido pelo Dr. Jorge
Tienne, Presidente do Conselho de Gerência do HBS, foi encontrada no voluntarismo dos ortopedistas portugueses
que se mostraram disponíveis para períodos de cooperação com a duração de um mês. Assim, através das sucessivas
presenças dos médicos portugueses no Mindelo, foi possível assegurar, durante cerca de um ano, um apoio ortopédico
quase constante à população de S. Vicente.
38
Junho 2008
ALARGAR A COOPERAÇÃO A OUTROS PAÍSES
As condições em que esta cooperação se poderia desenvolver eram bem conhecidas, fruto da experiência acumulada
ao longo de 15 anos de estreita ligação entre o HBS e o HPC,
o que permitiu arrancar rapidamente com todo o processo.
Ao mesmo tempo constituiu um estímulo para iniciar o planeamento de um novo projecto de alargamento a todos os
PALOP, procurando saber-se quais as instituições e organismos que possam precisar de apoios pontuais de ortopedistas
portugueses.
Consciente de que parte dos PALOP tem muito poucos ortopedistas — países como Angola ou Moçambique têm pouco
mais de uma dezena de ortopedistas —, a SPOT, que tem
entre 600 e 700 especialistas nesta área, conta com uma
"enorme disponibilidade" destes médicos, movidos por factores tão diversos como a juventude e o início de carreira,
por razões de vida pessoal, ou por um simples regresso às
origens, por uma sensação de "verdadeira utilidade às necessidades das comunidades que apoiam, ao contrário de um
relativo distanciamento na prática médica que vivemos em
Portugal e na Europa". Um dos próximos destinos do protocolo poderá ser o Hospital David Bernardino de Luanda, cujo
director, Luís Bernardino, já transmitiu à SPOT o desejo de
receber uma equipa de apoio ortopédico.
Reconhecendo a grande diferença nos meios disponíveis entre
os dois continentes, a SPOT avisa também que Cabo Verde é
um dos países mais desenvolvidos de África, e a experiência
com o HBS — apesar de alguns ortopedistas poderem sentir
uma relativa escassez de material, nomeadamente material
técnico ou de implante — demonstrou que essa necessidade
é relativa, porque, em termos gerais, a possibilidade prática
de poder exercer a ortopedia é relativamente semelhante à
que existe em Portugal, embora com menos meios. No futuro, com o alargamento deste protocolo de cooperação a
outros países, a SPOT prevê que os médicos venham a confrontar-se com necessidades ainda mais básicas, o que não
deixa de ser considerado interessante. Um verdadeiro desafio, "onde podemos ajudar mais ainda, porque quanto mais
básicas são as necessidades, mais podemos ajudar".
EXPERIÊNCIA ENRIQUECEDORA
Fernando Carneiro, Cornélio Pereira e Mário Gonzalez foram
três dos ortopedistas em missão de voluntariado em Cabo
Verde. Todos são unânimes ao considerarem a experiência
enriquecedora. No caso de Fernando Carneiro, a estada no
HBS resultou de várias conversas que manteve com Jorge Seabra, Past President da SPOT. "Deu-se a coincidência de no
HBS terem ficado subitamente carenciados de ortopedistas,
e de eu ter tido a possibilidade de poder gozar um período
de férias mais alongado e poder dar uma colaboração durante um mês". Entre as razões que o levaram a participar no
Junho 2008
programa, está também o facto de "ter raízes africanas, por
ter nascido em Angola, e de ser sempre um estímulo poder
voltar a África".
Cornélio Pereira tem raízes africanas, mas foi igualmente determinante nesta sua opção ter tido conhecimento desta iniciativa de apoio às ex-colónias. Por outro lado, acrescenta ter
sido também importante a influência do seu colega e director de serviço Luís Filipe Costa Neves, que sempre se "empenhou, se empenha e está empenhado nesta cooperação, não
só com Cabo Verde (sei que há interesse em estender essa
cooperação a outros países africanos)". Em resumo, "é uma
satisfação pessoal, uma realização que nós todos sentimos
quando podemos ajudar, e foi isso que nos levou".
Também Mário Gonzalez foi para Cabo Verde com "uma
enorme vontade de ajudar" e com um grande interesse em
manter contacto com uma comunidade diferente. Refere,
igualmente, a influência de Jorge Seabra nesta sua decisão,
por considerar que tem desenvolvido "um trabalho extremamente importante e que tem de ter continuidade".
Garante, de resto, ter gostado imenso da experiência. "Trabalhei bastante." Foi, durante um mês, o único ortopedista
no HBS, por a colega cubana que ali trabalha se encontrar de
férias. Mas assegura que a "experiência valeu" e considera ter
dado o seu melhor. "As pessoas receberam-me bem e julgo
que fizemos um bom trabalho. Deveria haver mais colegas a
participar." O que mais o marcou foi "a grande necessidade
que as pessoas têm de ajuda sob o ponto de vista médico
e particularmente da ortopedia". De resto, ficou igualmente
impressionado "com o elevado número de crianças".
Fernando Carneiro classifica a sua experiência "claramente
compensadora", por ter "excedido todas as expectativas, a
nível profissional, porque fomos contactar com realidades
totalmente diferentes e perceber um pouco que, para além
do nosso mundo em que temos tudo à mão, existe um outro
em que, às vezes, há muita vontade, mas em que não existem todas as tecnologias a que nós estamos habituados, e
isso foi sem dúvida um desafio". Destaca também o contacto
humano que diz ter sido fascinante. "Percebemos que continua a haver uma sintonia de ideais entre toda a comunidade
de países de expressão portuguesa."
Para Cornélio Pereira a experiência representou "um voltar a
ser interno", ao considerar "gratificante voltar a fazer certas
coisas, empenhadamente, que nos levam a sentir que somos
úteis. Não quer dizer que não sejamos úteis no local onde
nos encontramos, mas é uma forma diferente de ajudar o
próximo, uma forma diferente de estar no mundo".
Todos afirmam, de resto, estar disponíveis para futuramente
voltar a participar no programa. Relativamente a Cabo Verde, Fernando Carneiro diz ter alguma curiosidade em saber
como as coisas evoluíram desde a sua passagem pelo HBS.
Quanto à possibilidade de vir a prestar apoio em outros pa-
39
íses, refere que, sendo de origem angolana, sente curiosidade em conhecer também essa realidade. Mas numa segunda
fase.
"A minha curiosidade era sobretudo voltar a Cabo Verde e
voltar a contactar com as pessoas que lá me receberam de
braços abertos." Cornélio Pereira entende que em Cabo
Verde "vai ser preciso um apoio ortopédico durante muitos
anos". Em relação a outros países, "é evidente que isso é
uma questão a que, sendo estudada e havendo a possibilidade de uma colaboração, também poderemos, apesar da
idade, transmitir o nosso apoio. Mas espero para o ano poder
ir apoiar o HBS durante mais um mês, até porque não nos
podemos ausentar aqui da Madeira mais que um mês."
CONCRETIZAÇÃO DE UM SONHO ANTIGO
Carlos Arruda vai na segunda missão de voluntariado e, em
Setembro, prevê regressar, por mais um mês, ao HBS. Para o
ortopedista dos Açores aposentado desde Outubro do ano
passado, participar neste programa "foi o concretizar de um
sonho antigo, que já vinha desde os tempos da Faculdade de
Medicina". E foi também a forma de "reencontrar a alegria"
na sua profissão. Um tanto "desanimado" com o estado da
Saúde em Portugal e com as "ambições desmedidas" de alguns médicos, Carlos Arruda voltou, desde a sua estada em
Cabo Verde, a "olhar a vida de uma forma diferente e a valorizar determinadas coisas, no relacionamento com os outros,
que já estavam esquecidas".
No espaço de meio ano, o médico já participou por duas vezes no programa. A primeira de 15 de Novembro a 15 de Dezembro de 2006 e a segunda em Abril. No HBS deparou com
enormes dificuldades materiais. "Há muita falta de material,
além de ser já muito antigo, de funcionar mal, existindo ainda uma dificuldade enorme em repor os consumíveis, o que
nos obriga a improvisar."
Diz ter encontrado profissionais bem preparados tecnicamente. A maioria dos médicos são cubanos e russos, "com
uma grande vontade de trabalhar", que depois esbarra na
falta de meios. "Há grandes limitações na parte de terapêutica devido à falta de medicamentos", refere o ortopedista,
ao lembrar que, em situação de urgência, estão limitados a
determinados medicamentos, sem opção.
Mas, ao longo dos dois meses que prestou apoio ao HBS, o
que mais o chocou foi o facto de "não haver evacuações imediatas de doentes. Estes chegam-nos com dois e três dias de
evolução da doença", por dificuldades de transporte. "Barcos
e aviões não há todos os dias e as pessoas aceitam isso. São
as condições que têm." Uma situação que, aliada a alguma
desorganização, à falta de material e a um ritmo diferente,
"faz confusão a quem vai de fora, mas só na primeira semana.
Depois habituamo-nos. Se se tem de esperar espera-se, não
vale a pena pressionar." É a expressão fiel da máxima "em
40
Roma sê romano". Da primeira vez que esteve em Cabo Verde, Carlos Arruda chegou a fazer um levantamento do que
"estava bem e do que estava mal" no Hospital do Mindelo,
ao referir que, por vezes, bastava apenas "alterar pequenas
coisas para funcionar melhor". Verificou, da segunda vez, em
Abril, que as orientações deixadas já tinham sido postas em
prática.
Ao classificar a experiência de "muito interessante", Carlos
Arruda previa voltar para uma segunda experiência muito
proximamente. Se eles quiserem e necessitarem, penso voltar por mais um período. Faço-o porque gosto e iria sempre
mais uma vez."
À ESPERA DO REGRESSO
“Quase todos os meses alguém se desloca ao Mindelo”. Ferreira Mendes foi um dos ortopedistas em missão de voluntariado que, durante um mês, apoiou o programa de apoio
ao HBS. Da sua passagem por Cabo Verde ficou uma forte
vontade de voltar e um louvor da direcção do seu hospital. Violas, guitarras, balalaicas, entre outros instrumentos, tomam conta da casa e das histórias por contar. Para as contar,
Ferreira Mendes faz a biografia das músicas e dos músicos
com quem tocou, recorda os sons da sua viola dedilhada por
outras mãos e recupera algumas gravações do seu computador. Ferreira Mendes repete a questão: “O que é que me fez
aceitar o convite? [...] Tinha alguma ligação ao país e com
vários colegas que aqui fizeram a especialidade”, refere o ortopedista do Hospital da Universidade de Coimbra.
Em Outubro de 2006, Ferreira Mendes aderiu ao programa
de cooperação com o HBS e partiu para dias de trabalho
muito intensos, numa batalha de aproveitamento máximo
das condições existentes. “Há uma falta significativa de
meios materiais e humanos. O serviço estava desorganizado
e faltava algum material.”
O médico português recorda o quadro que encontrou e as diferenças significativas entre as condições da Cidade da Praia
e do Mindelo: “Em relação à ortopedia há diferenças flagrantes.” E apesar da prática clínica ser convocada a solucionar
casos que se enquadram na traumatologia normal, "existe
uma necessidade premente de reforço do quadro clínico. Na
altura só estava, no Mindelo, uma médica cubana.”
Ferreira Mendes recorda ainda a heterogeneidade da origem de muitos dos médicos existentes em Cabo Verde. “Por
exemplo, os anestesistas eram russos, o director de urologia
também era de Leste”, bem como alguns dos técnicos laboratoriais.
Todavia, se neste plano, as diferenças são muitas, já com os
cabo-verdianos continua a existir uma identificação partilhada. Quer por razões históricas, quer por razões mais simples, mas que espelham a partilha de uma base comum. “Os
cabo-verdianos são parecidíssimos connosco em tudo. Por
Junho 2008
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exemplo, ao nível das preferências clubísticas, o Benfica e o
Sporting continuam a dominar.”
As recordações de um mês de trabalho em Cabo Verde são
muitas. “Fiquei a conhecer aquela realidade. Aqui vivemos
num ambiente de alguma abundância. Lá, não há escolhas”,
conclui Ferreira Mendes.
REFLEXÃO PROFUNDA SOBRE A ORTOPEDIA
Não foi a primeira vez que o ortopedista Delgado Martins
participou numa missão de voluntariado. Há 40 anos, quando trabalhava na Suíça, aceitou o desafio da Cruz Vermelha
para passar seis semanas no Iémen. Fê-lo, tal como agora em
Cabo Verde, numa atitude de descoberta e conhecimento
de pessoas e locais diferentes daqueles que frequenta no seu
dia-a-dia. E regressou a Portugal "satisfeito por ter ido, mais
uma vez, dar a minha mão". Entre as motivações que o levaram a aceitar este desafio está ainda o gosto pela especialidade e por viver "situações de stress". " Vou ainda muito pela
emoção", admite.
A experiência, como previa, "foi interessante", tendo ficado
particularmente impressionado com o facto de o HBS ser um
hospital "bastante equilibrado". A Ortopedia era das valências que "tinha menos gente para trabalhar", acrescenta, ao
lembrar que a única especialista era uma colega cubana, o
que, em seu entender, "é muito pouco para o número de doentes que necessita de tratamento ortopédico".
Equipamento e material cirúrgico "existe algum que é bom,
mas depois nem sempre se conseguem repor, em tempo útil,
peças, algumas essenciais". Para Delgado Martins, a solução
passa por "um olhar mais profundo sobre a Ortopedia", ao
considerar que falta a esta especialidade, além de um maior
conhecimento, "uma mão" que demonstre a sua necessidade
e importância às entidades hierarquicamente responsáveis.
O problema não está na administração do HBS, que conheceu e que considera constituída por pessoas "interessadas e
competentes". Mas falta "uma reflexão profunda sobre a Ortopedia" para que esta obtenha a sua "verdadeira dimensão"
como responsável não só dos casos agudos, como dos doentes crónicos do aparelho locomotor.
De um modo geral, Delgado Martins faz um balanço positivo
da sua passagem por Cabo Verde. "Fiquei muito bem impressionado. A ilha é maravilhosa, e fomos recebidos com amizade e carinho, o que nos faz sentir com vontade de voltar."
Diz estar aberto a novas colaborações, mas, se regressar a
Cabo Verde, gostaria de "fazer qualquer coisa, talvez mais no
campo da organização“.
Agora que já tem conhecimento do que existe, das dificuldades, o ortopedista quer "fazer mais" para que a Ortopedia
ganhe no HBS a importância devida.
Balanço de Mandato
Um ano
que criou
mais futuro
No final do mandato, Jorge Seabra (Presidente) e
José Portela (Secretário-Geral) fazem um balanço sobre o trabalho da Direcção de 2007
da sociedade científica dos ortopedistas
portugueses, integrada também por José
Consciência (Tesoureiro), Gilberto Costa, Paulo Felicíssimo e Roxo Neves
(Representante do Colégio da Especialidade), para além do Vice-Presidente (Presidente eleito
para 2008), Jacinto Monteiro.
Entrevistados em Coimbra, Jorge Seabra e José Portela destacam a melhoria dos aspectos organizativos da SPOT, o
XXVII Congresso, a fundação da Sociedade Ortopédica de
Língua Portuguesa (SOLP) e a criação da revista Osteófito
como alguns dos pontos mais marcantes de um trabalho
contínuo e colectivo. O saneamento financeiro da Sociedade e o protocolo estabelecido com o Instituto Nacional de
Medicina Legal para treino no cadáver foram outras metas
atingidas durante um ano de trabalho intenso e colectivo.
MAIS COMUNICAÇÃO
Uma das preocupações dos dirigentes da SPOT, em 2007, foi
a de procurar garantir uma mais fácil e eficaz comunicação
entre os membros da Direcção, de forma a assegurar uma real
e colectiva operacionalização da sua administração. Jorge
Seabra destaca esse ponto, sublinhando que foi “o facto de
termos trabalhado sempre em conjunto, com reuniões mensais e contactos frequentes, que levou a que tenha existido
uma boa distribuição de tarefas e uma plena comunicação.”
A ideia de facilitar, no futuro, o trabalho de uma direcção de
cariz nacional, levou à procura de um processo de fazer reuniões à distância por meios informáticos, de forma a que todos
os membros nelas pudessem participar em tempo real. José
Portela destaca que essa tarefa, inicialmente coordenada
pelo Prof. Gilberto Costa, levantou questões mais complexas do que inicialmente se previam, mas que o processo de
escolha de uma solução está bastante avançado. “Julgamos
que a próxima Direcção se vai continuar a empenhar neste
assunto”, conclui. O presidente da SPOT reitera as virtudes
que um sistema avançado de comunicação pode proporcionar: “Funcionaria também para as direcções dos Grupos de
Estudo, Secções e Sociedades Afiliadas, que poderiam reunir
mais frequentemente em videoconferência. Por outro lado,
possibilitaria a realização de encontros de ensino e formação
à distância.”
O PROBLEMA DAS QUOTAS
A regularização do pagamento das quotas foi outro problema
organizativo que a Direcção da SPOTde 2007 procurou solucionar. “A situação já se arrastava há mais de uma década”,
refere Jorge Seabra, “e limitava a actividade da Sociedade,
que estava muito dependente dos montantes apurados nos
congressos, coarctando uma maior autonomia financeira
necessária ao desenvolvimento de projectos com interesse,
de outras iniciativas”, conclui. Todavia, o que à primeira vista parecia simples foi de difícil solução. José Portela revela
a dimensão da tarefa: “foi um trabalho duro, que obrigou a
rever o registo sócio a sócio, porque havia sócios com cotizações diferentes ao longo dos anos. Muitos tinham autorizado
descontos automáticos nos seus bancos, que, contudo, não
tinham sido cobrados pela SPOT. Por isso, julgavam que tudo
44
estava em ordem, quando afinal tinham uma dívida que desconheciam. Esperamos que compreendam o que se passou
e estamos esperançados em que cada sócio vá amortizando as cotas em atraso, da forma e ao ritmo que julgem mais
apropriados. De imediato só foi pedido o pagamento dos dois
últimos anos. E tivemos uma boa resposta, que já amortizou
o software de gestão que comprámos. É necessário que não
se volte a cair na situação que existia até aqui.” Jorge Seabra
julga que “o problema, tendo passado de mão em mão, é
de certa forma um reflexo do crescimento da SPOT, possivelmente pela crescente dificuldade em o resolver. Havia a
ideia de que só algumas pessoas é que queriam pagar, ou que
bastava um mailing para resolver o problema, o que gerou
Da esq. para a dta.: Roxo Neves, Jacinto Monteiro (Vice -presidente), Cristina (secretariado), Jorge
Seabra (Presidente), José Portela(Secretário Geral) , Ana Domingos (secretariado), José Consciência
(Tesoureiro) e Paulo Felicíssimo (ausente - Gilberto Costa)
uma percepção errada da situação. Na realidade, mesmo os
que tinham descontos automáticos não estavam em dia e,
para além disso, havia situações muito heterogéneas. Daí
que se tenha acumulado uma dívida global importante, de
centenas de milhares de euros, que teremos de ir amortizando. Não há qualquer sentido acusatório ou de culpabilização
nesta nossa iniciativa. É apenas mais uma tarefa que cabe a
todos resolver”, refere o presidente da Direcção da SPOT de
2007. A regularização da situação da tesouraria foi outra das
vertentes da reorganização empreendida. José Portela resume
o quadro encontrado e as operações realizadas. “A Direcção
de 2006, presidida pelo Prof. Trigo Cabral, deixou um bom
ambiente financeiro, o que nos permitiu uma amortização de
25 mil euros da nossa sede, reduzindo a dívida para cerca de
40 mil euros. Foram ainda pagos mais 25 mil euros referentes
a dívidas relacionadas com actividades de ensino, despesas
internas da Direcção, prémios e custos relacionados com a
actividade das comissões, tendo agora tudo ficado regularizado. Foi um trabalho de limpeza, de saneamento.”
LUSOFONIA E O OSTEÓFITO
O empenho da Direcção no aprofundamento das relações da
SPOT com o Brasil e os Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP) foi realçado por Jorge Seabra. Ponto nu-
Junho 2008
clear do programa directivo, “o desenvolvimento das relações
com os países lusófonos teve várias vertentes: a organização
de um Grupo de Ligação com os PALOP, o desenvolvimento
de projectos específicos, como o do tratamento do pé boto
pelo método de Ponseti — já iniciados na cidade do Mindelo
(Cabo Verde) e em Luanda (Angola) — e a criação da Sociedade Ortopédica de Língua Portuguesa (SOLP), após vários
encontros preparatórios em Cabo Verde, Angola e no Brasil,
que possibilitaram a redação dos seus estatutos.
De facto, um dos pontos altos do nosso programa foi a sua
fundação durante o nosso XVII Congresso, que permitiu reunir participantes de São Tomé, Angola, Cabo Verde, Moçambique e Brasil. A SOLP, que elegeu uma Direcção provisória
presidida pelo Dr. Carlos Vieira Ramos (Cabo Verde), já se
encontra legalmente constituída, após registo notarial. Todos os colegas que se quiserem inscrever como sócios deverão consultar o nosso website ou contactar o secretariado
da SPOT.”
Para Jorge Seabra, o reforço dos laços que unem os membros
da Sociedade era outro dos objectivos da Direcção a que presidiu. “Para isso, uma melhor informação do que se passa no
seio da comunidade ortopédica portuguesa, do que se fez,
do que se faz e de quem o faz, é essencial.” Essa meta passou “pela fundação do Osteófito, com o seu projecto. Uma
revista com uma estratégia própria, que queremos que tenha
continuidade no futuro, como expressão do pulsar da SPOT.
Além do mais, tem sido muito bem recebida. Desempenha
Junho 2008
um papel importante na ligação entre os sócios, como espaço de informação, opinião e também como forma de registo
e de evocação histórica.” Jorge Seabra prossegue: “ a revista
assume também esse sentido. Se houvesse uma revista assim desde o início da SPOT, teríamos aí o mais importante
registo histórico da Sociedade e da Ortopedia Portuguesa.
Como meio de informação, o Osteófito pode ter também
um papel importante na preparação de debates sobre temas
polémicos. Os sócios ficam mais bem informados do fundamento das questões em causa, o que facilita a tomada de
posição que queiram assumir em Assembleia.”
Para Jorge Seabra, o Osteófito representa uma mais-valia em
todas as frentes, contribuindo também para a dinamização
do “site” e ajudando a projectar a Sociedade no exterior, funcionando como cartão-de-visita. “Representa um projecto
claro da Direcção de 2007, que conseguiu agora o apoio das
primeiras firmas anunciantes. Esperamos que possa ser desenvolvido e sustentado no futuro”, conclui.
A FORMAÇÃO
O Ensino e a formação dos jovens ortopedistas foram também áreas que mereceram especial atenção da Direcção de
2007, sendo esse um dos pelouros do Dr. Paulo Felissícimo.
José Portela expõe um dos problemas que será necessário
ultrapassar: “a nuclearização dos sítios onde se pratica Ortopedia e onde há Internos a “tempo parcial” poderá pôr em
causa a correcta formação de ortopedistas em Portugal.”
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Procurando colmatar défices na formação ortopédica, a Comissão de Ensino assegurou a continuidade do seu programa
de apoio ao Internato em Ortopedia, que já vai na segunda
edição. “Na implementação e sustentação deste Programa de
Ensino, é justo assinalar o trabalho exemplar do Prof. Jorge
Mineiro”, salienta o secretário-geral da SPOT. No âmbito do
melhoramento das condições de formação e aperfeiçoamento técnico dos ortopedistas, foi assinado, ainda no mandato
da Direcção de 2007 (que só terminou em fins de Março de
2008), um protocolo com o Instituto Nacional de Medicina
Legal (INML) tendo como finalidade a utilização de cadáveres
para treino cirúrgico. Este projecto abrange todo o país, através das delegações locais do INML. Qualquer sócio da SPOT
poderá, numa das 33 cidades em que o INML está presente,
aprender ou aperfeiçoar técnicas cirúrgicas praticando no cadáver, dentro dos limites do quadro legal vigente. Os passos
a seguir foram estabelecidos nesse acordo e poderão ser consultados nos websites da SPOT e do INML.
A SPOT atribuiu ainda duas bolsas para estágios de ortopedistas portugueses no estrangeiro. A Direcção de 2007 apresentou
também, na Assembleia Geral que se realizou em Tomar, a regulamentação da Bolsa da SPOT para ortopedistas dos PALOP,
já aprovada em Novembro. A bolsa vai possibilitar estágios de
curta duração (um a três meses) em Serviços de Ortopedia portugueses.
José Portela sublinha que, “por um lado, estas iniciativas inserem-se na defesa da boa prática da Ortopedia em Portugal.
Por outro, são uma expressão da importância que damos às
46
relações com os nossos colegas dos PALOP.” José Portela destaca ainda o EFORT Spring Felowship, organizado pela SPOT,
que teve como coordenador o Dr. José Consciência e trouxe ao
nosso país 16 jovens ortopedistas europeus. O evento, segundo
a própria EFORT, “foi uma iniciativa plenamente conseguida.”
Ainda no âmbito da EFORT, mas num plano diferente, Jorge Seabra saúda a eleição do Dr. Manuel Cassiano Neves para Secretário
Geral da EFORT e sublinha que “a discordância expressa pela
Direcção da SPOT ao facto de os Presidentes das Sociedades nacionais não poderem intervir nem estarem presentes na sua Assembleia Geral, foi bem acolhida pela Comissão Executiva e esse
limite corrigido. Isso mostra um saudável espírito de abertura da
EFORT e a forma activa como nela devemos participar”.
O CONGRESSO
“O Congresso é a festa máxima da Ortopedia em Portugal.
Acho que conseguimos um bom congresso com um excelente programa, porque nos socorremos de todas as Secções, de
modo a equilibrar o seu conteúdo científico. Trouxemos treze
convidados estrangeiros, um por cada Secção, o que o tornou
verdadeiramente abrangente. Contámos, também, com quatro jovens doutorados nacionais que deram um contributo importante. O nível atingido pela Mesa Redonda e Tema oficiais,
foi muito bom. O congresso de 2007 ficou também marcado
pela fundação da Sociedade Ortopédica de Língua Portuguesa (SOLP). Tivemos uma presença massiva de ortopedistas,
rondando os 700, cerca de 70 % da totalidade dos ortopedistas nacionais.” Outros números ficam a sublinhar o XVII Con-
Junho 2008
gresso. Além das conferências previstas, foram realizadas 110
comunicações livres e 233 posters, atestando a dinâmica da
Ortopedia em Portugal. José Portela salienta, também, “a novidade da exposição Para Além da Ortopedia, comissariada por
José Consciência, que reflectiu um outro viver dos ortopedistas, fora do seu trabalho específico. Foi uma pequena amostra
da sua criatividade: são pintores, professores de ballet, escultores, actores, mergulhadores, cultivadores de cogumelos, pegadores de touros.” Outra inovação foi a instituição do Prémio
Directivos, a sócios convidados ou que intervêm activamente
no Congresso e também aos que têm um estatuto especial.
Assim, a sua participação passou a estar enquadrada por critérios predefinidos, estáveis e transparentes”, salienta José
Portela. Jorge Seabra destaca a importância da aprovação, em
Assembleia Geral, das formas de representação da Sociedade,
clarificando questões que se arrastavam, como se “quem vai
representar a SPOT ao estrangeiro deve viajar em classe executiva ou turística? Hospeda-se num hotel de três ou de cinco
estrelas? Há algum tecto para as despesas a apresenEsta candidatura só teria sentido se tar? [...] Não tivemos qualquer ideia de militarização
de comportamentos. Apenas quisemos propor à Astivesse algum valor a acrescentar à sembleia normas orientadoras para homogeneizar
este tipo de acções de forma a que todos saibam,
SPOT. Além de se ter acrescentado va- logo à partida, as regras e os limites do seu enquadramento, evitando discrepâncias constrangedoras.”
lor, acrescentámos valor sustentado. O presidente de 2007 reforça a importância de
A nossa Sociedade pode agora crescer uma próxima revisão estatutária. “Em Tomar, levantámos a questão dos estatutos, não para serem lá aprovadas quaisquer alterações, até porque
mais e melhor.
a Assembleia não tinha esses poderes. Quisemos
Carreira, para a Indústria, que distinguiu o Sr. Artur Salgado. apenas iniciar um debate, que julgamos premente e neces“É uma homenagem que a comunidade ortopédica presta a sário, sobre a duração dos mandatos directivos, que pensaum membro das empresas que connosco trabalham na divul- mos serem demasiadamente curtos e sobre a distorsão do
gação de novos métodos e técnicas. Este prémio é a expressão calendário eleitoral que leva, entre outras coisas, a que se
do reconhecimento devido a alguém que, não sendo ortope- vá eleger em Outubro de 2008 uma Direcção que só irá inidista, apoiou o desenvolvimento da Ortopedia portuguesa.” ciar o seu mandato em 2012, tornando abstracto e genérico
O Congresso teve ainda espaço para uma sessão científica de- um manifesto programático feito com tanta antecedência.
dicada aos países de expressão portuguesa – PALOPs e Brasil Também a composição da Direcção, integrando elementos
–, procurando reflectir sobre a realidade da Ortopedia vivida votados em diferentes actos eleitorais, pode levantar connesses países, reforçando a cooperação ao nível da lusofonia. flitos de solidariedade e representatividade. Era necessário
Jorge Seabra realça a importância da sessão sobre "Risco, res- iniciar uma análise destas questões, preparando já a próxima
ponsabilidades e comunicação, que resposta?", relacionando- Assembleia que se realizará durante o Congresso. A forma
a com a preocupação que a Sociedade tem com estes temas. como foram debatidas algumas das ideias que apresentámos
“Está a desenvolver-se uma judicialização do erro, um cami- confirmou a oportunidade desta iniciativa. Essa foi uma outra
nho enviesado na sua abordagem, ligando a indemnização à missão que ainda procurámos cumprir.” Os dois dirigentes da
identificação de um culpado. Esta orientação não permite um SPOT destacam ainda outros marcos da gestão desta direcverdadeiro estudo da melhor forma de o evitar, porque tem ção, como as Reuniões com Directores de Serviço do Norte,
muitas causas que não devem ser analisadas à luz do direito Centro e Sul, a parceria iniciada com o êxito do I Encontro de
criminal ou cível, mas de forma mais científica, como aconte- Ortopedia — Engenharia, a formação da Associação dos Ence na aeronáutica ou na indústria química e como recomenda fermeiros Portugueses de Ortopedia, semelhante à já existena Academia das Ciências norte-americana.”
te no âmbito da EFORT, e a implementação do merchandising,
uma das áreas de Gilberto Costa.
REGULAMENTOS E REGALIAS
“Ficámos a conhecer-nos melhor, criámos ou aprofundámos
“A Direcção de 2007 deixa aprovado o regulamento dos Gru- laços de amizade, houve um bom espírito de equipa”, conclui
pos de Estudo, Secções, Sociedades Afiliadas e Agregadas, Jorge Seabra. Ainda sobre a vivência do mandato da Direcção
instrumento importante para o crescimento científico da de 2007, José Portela afirma: “O Dr. Seabra assumiu, na sua
nossa Sociedade e para a clarificação das suas relações com candidatura, que esta só teria sentido se tivesse algum valor
outras que lhe são próximas mas independentes. Já no final a acrescentar à SPOT. Penso que, além de se ter acrescentado mandato, na Assembleia de Março, propusemos e foi apro- do valor, acrescentámos valor sustentado. A nossa Sociedade
vado um outro regulamento sobre as regalias a dar aos Corpos pode agora crescer mais e melhor.”
Junho 2008
47
Agenda
SOLP ganha personalidade jurídica
e dá os primeiros passos
Decorreu no passado dia 2 de Maio, na cidade do Mindelo
— Cabo Verde, uma reunião da Comissão Directiva
Provisória da Sociedade Ortopédica de Língua Portuguesa,
que decidiu a data e o programa do I Congresso, com
os temas centrais "Fracturas" e "Infecções", abordando
ainda questões da Telemedicina e fazendo um balanço
do Programa de Tratamento dos pés botos pelo Método
de Ponseti. Haverá, para além das conferências sobre
os temas, comunicações livres e Posters e um Curso
Satélite aberto a clínicos gerais e técnicos de Saúde
cabo-verdianos sobre "imobilizações gessadas". Foram
abordados ainda formas de financiamento da SOLP,
mapeamento das necessidades em ortopedistas nos
PALOP, distribuição de revistas e publicações científicas
editadas em português e a participação da SOLP na sessão
científica para que foi convidada no XXVIII Congresso da
SPOT em Outubro de 2007, em Vilamoura.
Estão programados um contacto com o vice-presidente
da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
(SBOT) durante o mês de Maio, aquando de uma sua
deslocação a Potugal, e uma nova reunião da Direcção
para Vilamoura integrada no Congresso da SPOT.
A SOLP foi legalmente constiuída em Março e está aberta
à inscrição de novos sócios (ortopedistas ou médicos
de outras áreas ligados ao aparelho locomotor), que se
poderão inscrever através do site da SPOT ou enviando
os seus dados pessoais e curriculares (resumidos) para a
sede da SPOT.
Sugestão
Eventos
PATOLOGÍA
QUIRÚRGICA
DE LA CADERA
Antonio Murcia Mazón, colega espanhol entrevistado nesta
revista e bem conhecido dos ortopedistas portugueses, é um
dos primeiros autores deste livro que pretende vir a ser distribuído a todos os ortopedistas da Península Ibérica. Conforme
se afirma no prefácio, ele foi pensado e escrito para cirurgiões, abordando não só os aspectos clínicos, mas também os
ligados às ciências básicas, focando aportes da biomecânica,
dos materiais, da imagiologia, da informática, numa contribuição multidisciplinar essencial a quem pretende compreender as diversas vertentes do tratamento da patologia da
anca. Editado em Novembro de 2007 e apresentando excelente impressão e muito boa documentação iconográfica, o
livro “Patología Quirúrgica de la Cadera” analisa, num dos
seus capítulos, a patologia da anca infantil, contando com a
participação de autores portugueses (Luxação Congénita da
Anca – Mafalda Santos e José Neves; Epifisiolise Femoral Superior – Jorge Seabra), abarcando um vasto leque de temas,
nomeadamente, anatomia, vias de acesso e técnicas cirúrgicas, traumatismos da anca e bacia, cirurgia não protésica e
protésica da anca.
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20 — 21 Junho
Curso de Tumores Músculo-Esqueléticos
Instituto de Educação Médica — Lisboa
http://www.iem.pt/
24 — 29 Agosto
24th Triennial Congress of SICOT /SIROT
Hong Kong
www.sicot.org
17 — 19 Setembro
BOA (British Orthopaedic Association) Congress
Aberdeen — Reino Unido
www.boa.ac.uk
18 — 20 Setembro
Congresso da ESSE/SECEC (European Society
of Shoulder and Elbow)
Brugge — Bélgica
www.secec.org
18 — 20 Setembro
Congresso da IFFAS (International Federation
of Foot and Ankle Society)
Sauipe, Bahia — Brasil
www.globalfoot.org
Junho 2008
www.spot.pt
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Nº 3 do Osteófito - Sociedade Portuguesa de Ortopedia e