Road show do mercado brasileiro de carbono
Quem participou da Conferência das Partes (COP-16) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (UNFCCC na sigla em inglês) em Cancún, não pôde deixar de ficar impressionado
com a participação e a apresentação do Brasil naquele espaço. Isto é, antes de mais nada, do governo e do
setor empresarial.
A delegação brasileira foi chamada pela presidência mexicana da COP para facilitar, junto à GrãBretanha, as negociações sobre o Protocolo de Kyoto, as mais complicadas da conferência. Ainda que não
conseguissem resolver o impasse – Japão, Canadá e Rússia não voltaram atrás da sua decisão de não
participar mais do Protocolo depois de 2012, e os países em desenvolvimento insistiram que houvesse um
segundo período do Protocolo –, a chamada demonstra a posição e a confiança que o Brasil ganhou neste
processo multilateral. Isto se deve também ao fato de o Brasil, mais uma vez, ter demonstrado maestria na
coreografia política.
Assim como no ano anterior em Copenhague, levou para a conferência de Cancún novidades com efeito
de bom marketing: Pelos números publicados na véspera de Cancún, o desmatamento na Amazônia caiu
para 6.450 km2 em 2010,depois de ter atingido 7.000 km2 e chegado 25.000 km2 em 2004. Assim, o
Brasil estaria numa posição confortável para alcançar a meta voluntária de redução das emissões de CO2,
entre 36,1 e 38,9 por cento, anunciada em Copenhague para 2020, já em 2016. Agora, o governo deu mais
um passo e anunciou fixar um limite máximo de emissões de gases do efeito estufa para 2020. O teto de
2.068 bilhões de toneladas de CO2 equivalente corresponde ao corte mínimo de 36,1%. Ainda que seja
fixado através de decreto do Executivo e não uma lei adotada pelo Congresso, trata-se, nas palavras do
governo, do primeiro caso de um país em desenvolvimento a fixar em legislação uma meta tal como essa.
No Cancunmesse, onde aconteceram os side-events da Conferência, o Brasil também marcou forte
presença em diversos painéis e eventos. Foi assinada, em ato solene, a adesão do governo da Alemanha
ao Fundo Amazônia, vitrine de financiamento voluntário que contava até então com US$ 100 milhões da
Noruega (já gastos em nove projetos). A Alemanha contribuirá com US$ 30 milhões para o Fundo.
Também foi realizada uma reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Na presença da
ministra Izabella Teixeira, foram anunciados os representantes dos diversos setores da sociedade, desde o
setor empresarial até as universidades e as ONGs, para o comitê gestor do Fundo Nacional de Mudanças
Climáticas. Batizado de “Fundo Clima”, ele contará com R$ 226 milhões em 2011.
Em suma, e sem dúvida, é alto o nível institucional que o setor político de mudanças climáticas tem
alcançado ultimamente no Brasil, incluindo o nível de participação e monitoramento da sociedade civil na
gestão governamental deste setor.
Também em Cancunmesse, o Brasil tinha montado o que foi considerado por muitos o pavilhão de
exposição mais bonito. Lá, foi a vez do setor empresarial se apresentar, aliado a entidades estatais como o
BNDES, a hidrelétrica de Itaipu ou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e a governos estaduais.
As salas do pavilhão apresentaram as belezas naturais da Amazônia: o visitante passava por grandes e
luminosas imagens da fauna e flora, entrava na penumbra da sala adjacente onde se ouvia as multifônicas
melodias da floresta, quase caia dentro de um mini-rio percorrendo o chão, espiava por dentro de uma
1
cabana de um ribeirinho reproduzida em tamanho quase-real e se perdia na neblina úmida que completava
a ilusão da floresta intacta e preservada.
No entanto, nem tudo que é bonito é bom. Na última sala do pavilhão fizeram-se presentes e ouvidos,
entre outros, atores como a União da Indústria de Cana-de-Açúcar, que passou diariamente um vídeo
sobre o etanol, a Confederação Nacional de Indústria, Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras
de Carnes, a Confederação de Agricultura e Pecuário do Brasil, com a sua presidente e líder da bancada
ruralista no Senado, a Sra. Kátia Abreu em pessoa, a Bolsa de Valores de São Paulo, o Banco Mundial, a
empreiteira Camargo Correa, o Instituto Ethos, a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de
Carbono, além de representantes de diversos governos estaduais e federal.
O que lá se passou durante a COP-16 foi um road show do futuro mercado de carbono no Brasil. Para
fora, tratava-se de demonstrar que a empresa “quer ser uma instituição sustentável”, como enfatizou
Sergio Weguelin do BNDES, banco estatal que financia megaprojetos pouco sustentáveis como o Pré-Sal
ou a Usina Hidrelétrica Belo Monte. Mais especificamente, o interesse geral foi o de discutir as chances
que a politica de mudanças climáticas pode oferecer ao setor empresarial. O clima geral foi de ‘estamos
diante de uma chance que ninguém pode perder’.
Em junho deste ano, o Banco Mundial lançou o “Estudo de Baixo Carbono para o Brasil”. Os autores
deste estudo calculam que no período de 2010 a 2030, para efetivar uma economia de baixo carbono nas
áreas de uso da terra e das florestas, energia, transporte e resíduos, será preciso um investimento
adicional ao cenário de referência de US$ 389 trilhões. Foi provavelmente baseado nestes números que
Ernesto Cavasin, da consultora Price Waterhouse Coopers, exclamou que os mercados de carbono no
Brasil, daqui a dez anos, poderiam chegar a representar 40 % do PIB brasileiro, “dependendo dos
regulamentos”.
Este é uma palavra-chave da discussão. Não se trata aqui de afirmar que o mercado em si seja ruim, ou
que empresas não devam ganhar dinheiro numa economia de baixo carbono. A Itaipu tem hoje uma série
de projetos sérios na área de proteção e educação ambiental. No entanto, o seu planejamento e a sua
construção na época representaram um modelo devastador, voltado a uma política de crescimento a
qualquer custo, que já não cabe no século XXI, mas que, com Belo Monte e outros projetos, está em vias
de se reproduzir fertilmente no Brasil sob o novo governo. Se o mercado é um modo necessário da
economia, ele não pode ser o princípio norteador nem o mecanismo organizacional da política de
mudanças climáticas.
Empresas não gostam de regulamentos, como bem explicitou o representante da PWC. É por isso mesmo
que a política pública nunca pode abrir mão da sua primazia, nem pode deixar de garantir à sociedade
civil a sua participação ativa no processo e em particular aos grupos diretamente afetados, como
indígenas, ribeirinhos, moradores de municípios ameaçados de remoção etc, o consentimento livre, prévio
e informado. “Clima” é hoje um campo de atuação e conflitos social, político e econômico que apresenta
e reproduz todas as contradições inerentes destes setores e entre eles. Portanto, não há uma política de
mudanças climáticas neutra, como não haverá uma economia verde desvinculada dos efeitos sistêmicos
da economia mundial em vigor. E cada vez mais é preciso recuperar e redefinir de forma crítica o termo
da “sustentabilidade”.
2
Em Cancún, coube ao secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (já batizada de “Rio+20”), o diplomata chinês Sha Zukang, de advertir que “devemos sempre
chamar a EconomiaVerde pelo seu nome completo: economia verde para sustentabilidade, redução de
pobreza e desenvolvimento.” Lembrou que o ONU tomou uma decisão a favor da economia verde, mas
disse que é preciso responder a perguntas, tais como: para quem a economia verde constitui um risco?
Existe uma solução tamanho único? Quem vai pagar os custos do processo, quem obterá os benefícios?
Significa uma reencarnação do Washington Consensus? Por que o “crescimento” sumiu do discurso? O
que haverá da transferência de tecnologia prometida aos países em desenvolvimento? Achim Steiner,
diretor do Programa de Meio Ambiente da ONU, ecoou: “Quem discute a economia verde fora do
contexto do desenvolvimento sustentável, não entendeu o que está na agenda.” Lembrou, ainda, que é
justamente o sistema de produção e consumo atual – ou seja: o mercado que temos hoje – o responsável
pelas mudanças climáticas que ameaçam o futuro do planeta.
Tanto este evento com três altos representantes da ONU, quanto muitos dos eventos que discutiram a
economia verde e mercado de carbono no pavilhão brasileiro, referia-se explicitamente a Rio+20. Muitos
esperam que a Rio+20 resolva o que nem Copenhague nem Cancún resolveram, nem a COP 17 em
Durban em 2011 resolverá.
No entanto, a economia verde será um dos temas da agenda oficial desta conferência. Um assessor do
prefeito do Rio de Janeiro apresentou a sua cidade não apenas como ‘uma das mais sustentáveis do
mundo”, como já plenamente preparada para receber a Conferência e tocar o debate da economia verde.
Vale lembrar que foi na residência do prefeito que se realizou em outubro de 2010 a primeira reunião do
que depois foi chamada a “União Global pela Sustentabilidade”. Participaram principalmente
representantes governamentais e de empresas, além de organizações da sociedade civil com maior
proximidade ao setor empresarial, e da grande mídia (como, por exemplo, o vice-presidente das
Organizações Globo, José Roberto Marinho). A idéia agora é internacionalizar esta União e torná-la uma
instituição perene, com encontros anuais. Será realizado um evento prévio em setembro de 2011 para
lançar a União poucas semanas antes da Rio+20. Sem constituir uma concorrência aberta à conferência da
ONU, a União materializa também uma insatisfação com o processo multilateral que ela representa. Entre
os participantes, houve quem dissesse que a ONU seria de outra época e não corresponderia mais, com os
seus processos lentos e burocráticos, à nova dinâmica do mundo do século XXI.
Diante deste cenário, pergunta-se: O que fará a sociedade civil, que, apesar de suas próprias críticas,
defende o multilateralismo sob o teto da ONU e a primazia da política, critica o mercado e enfatiza a
participação imprescindível e decisiva dos movimentos sociais? De modo geral, pode-se dizer que cabe a
ela acelerar o passo para não ficar correndo atrás da dinâmica descrita acima.
Entre os que “têm o DNA de todo o processo desde a conferência do Rio em 1992”, nas palavras de uma
dirigente, formou-se em novembro de 2010 o “Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a
Rio+20”. Ele conta com uma secretaria executiva e vários grupos de trabalho que vão acompanhar o
processo internacional e preparar a “Cúpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20”,
que, agendada para acontecer paralelamente à conferência oficial. a ideia é se relacionar com esta sem
que se limite só a isso, e tenha uma agenda própria. Também, sem entrar em disputa com a União Global
3
da Sustentabilidade, deixará claro que se trata de um espaço distinto, como demonstra uma passagem da
convocatória para a Cúpula dos Povos que o Comitê publicou recentemente:
“O evento oficial Rio+20, propõe-se a debater a economia verde e a governança internacional para o
desenvolvimento sustentável. Está mais que na hora para que sistemas econômicos incorporem princípios,
valores e instrumentos que assegurem a justiça e equidade social e a sustentabilidade e integridade
ambiental. Construir a governança global na transição para uma economia inclusiva, justa e que respeite
os processos e limites ecológicos é campo de nossas preocupações também, certamente com perspectivas
distintas que as respaldadas pela maioria dos governos, corporações comerciais e financeiras e setores
industriais e agrícolas. Ao mesmo tempo em que algumas lideranças dos grupos hoje dominantes
reconhecem a necessidade de mudanças profundas e urgentes, vemos grandes corporações, governos e
conferências internacionais colocar o mercado como único ator central, enfraquecendo o papel do poder
público.” (Veja a convocação na íntegra aqui:
http://vitaecivilis.org/rio2012/images/stories/convoca_rio2012.pdf)
Para se informar sobre o processo e ampliar a base do Comitê, este realizará em janeiro uma reunião
aberta com debate temático. Maiores informações podem ser encontrados pelo site www.rio2012.org.br.
4
Download

O Brasil demonstrou maestria na coreografia política: Assim como