HINO NACIONAL NA COPA DE FUTEBOL Quem dera soubéssemos cantar mais forte e junto com os canarinhos da seleção a letra completa do nosso hino nacional. Quem dera, assim, nossos representantes lá de cima do planalto central do país, no lugar das margens plácidas do Ipiranga, parassem para nos ouvir! Quem dera tivessem, enfim, ouvidos para o brado retumbante de um povo heróico. Heróico por que povo e povo por que brado! Mas com certeza por que tumba e retumba, berra, se esgoela e inunda de mágoa e alegria a copa do mundo. E embora o sol da liberdade em raios fúlgidos venha brilhando no céu da pátria, o penhor da igualdade não temos sabido conquistar, nem com braço nem com mãos fortes. Talvez com os pés, nalgum distante campo de futebol, onde muitos pelés vêm pintando a alma de branca, nos igualando a todos em pardos e mulatos, que todos acabamos mesmo em torcida. Torcidos, ambíguos e barrocos, misturebados e ambidestros, dissimulados e sonsos, como os anjos tortos que vivem nas sombras dos raios fúlgidos. Ó pátria amada, que no teu seio nos libertinamos, ó pátria mátria, mãe travestida de pai, permissiva e lasciva, que desespera e se descabela pela falta do provedor, pai que não cabe nesse hino-destino! Brasil, um sonho intenso, um raio vívido... Brasil, ó pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada Brasil! Pois que seja sonho, ninguém duvida! Já que o signo do cruzeiro, que no seu céu resplandece, seja o signo da ressurreição, disso ninguém está certo, não! O que é certo mesmo é que o Brasil é, mais que gentil, a mãe gentia! De todos nós que dela, e somente dela, somos filhos da mãe! Pois de pai somos órfãos de cidadania, como de fato somos a maioria dos brasileiros. Desprovidos da provisão de viver, é certo, mas também da lei que nos ensina a conviver! Se do “deitado eternamente em berço esplêndido” muito já se comentou de nosso caráter indolente, não creio que sobre o berço nos tenhamos visto como um país-criança, regredido e preso a essa possessiva e sufocante figura da terra-mãe que não quer nos ver autônomos, cidadãos crescidos e forjados pela relação com os outros. Se no seio da mãe temos as fantasias de muito mais amores, natureza garrida de campos, bosques e flores, não suportamos mais a falta de realidade, que não nos forja limites, ordem, senso de dever, de lei, altruísmo e responsabilidade. E, sobretudo, indignação quanto a desigualdade, onde perpetuamos sempre este perverso contrato social em que, se a choldra penitente rouba a propriedade privada das elites, a despeito do aparato repressivo da polícia, é o que de menor exemplo têm das mesmas que assaltam impunes o indefeso e generoso patrimônio público. Indefeso, aliás, porque da viúva, como cinicamente se alcunha o tesouro nacional, sem pai para defendê-lo. Brasil, de amor eterno seja símbolo...Paz no futuro e glória no passado... Mas se ergues da Justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta. Nem teme, quem te adora, a própria morte, terra adorada! Pois diante de um pai não presente, só nos resta mesmo paz no futuro e glória no passado. Já que não ergues a clava forte da Justiça omissa, que é a mãe perversa e gentia de todas as violências, do vício da violação legal à violência nossa de cada dia, de cada um por si, da própria barbárie de uma elite que não lidera nem delibera. Pois no presente mesmo, tempo em que urge realizar a vida, a despeito do vezo romântico deste hino, vai se levando, se dá um jeito, deixa pra lá, que na falta da provisão paterna, nos resta sempre, ou a ingênua credulidade na providência divina, ou o cinismo do assalto a um Estado emasculado de lei, ou da sanção que caracteriza a lei, um poder público impotente e estéril na sua função de garantir direitos e exigir deveres de cidadania a todos os seus filhos. Não! Este hino certamente não foi feito pelo nosso povo e para o nosso povo cantar! Foi feito para uma elite tola e só para ela solar no coro! E do coro do povo se apartar! Mas vale mais uma vez tentar. Mais um grito soltar. Mais uma taça empunhar. Talvez desistamos definitivamente que os governantes nos ouçam, comecemos a cantar para nós mesmos e venhamos, enfim, a ouvir de nós mesmos o coro das vozes de todos os cidadãos! Diagramação: www.avozdocidadao.com.br