XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
UM OLHAR SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE DIVERSIFICAÇÃO DE
SUSTENTO EM PROPRIEDADES RURAIS: O USO DE RECURSOS
HÍDRICOS PARA ATIVIDADES DE TURISMO E LAZER
ANA CLAUDIA MACHADO PADILHA (1) ; DÉBORA NAYAR HOFF (2) .
1.UFRGS/UPF, PASSO FUNDO, RS, BRASIL; 2.UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RGS - CEPAN, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL.
[email protected]
APRESENTAÇÃO ORAL
AGRICULTURA FAMILIAR
Um Olhar sobre as Estratégias de Diversificação de Sustento em Propriedades
Rurais: o Uso de Recursos Hídricos para Atividades de Turismo e Lazer
Grupo de Pesquisa : Agricultura Familiar
Resumo
O incremento das atividades produtivas tem como conseqüência a ampliação do estresse dos
trabalhadores. A busca por atividades de turismo e lazer ajuda a reduzir este efeito negativo
do trabalho, o que justifica o incremento destas nas últimas décadas. Por outro lado, o
desenvolvimento rural já não pode estar alicerçado apenas sobre atividades agrárias
tradicionais, permanentemente submetidas ao risco, à incerteza e à exaustão dos fatores de
produção, sendo necessário diversificar a pauta de produtos e serviços que geram o sustento
das unidades rurais. O turismo rural surge como uma alternativa para o atendimento da
demanda por atividades de turismo e lazer, e pode ser uma opção para ampliação da pauta de
estratégias de sustento das propriedades rurais. O objetivo deste estudo é o de argumentar
sobre as possibilidades existentes para que as propriedades rurais diversifiquem sua pauta de
estratégias de sustento através de turismo rural desenvolvido a partir da exploração de
recursos hídricos disponíveis. O estudo é de natureza exploratória, com uso de técnicas de
pesquisa bibliográfica e documental. A estrutura analítica utilizada para avaliar os argumentos
elencados é a proposta por Ellis (2000). As principais conclusões foram que o turismo rural é
uma possibilidade para a diversificação das estratégias de sustento das propriedades rurais.
Além disso, os recursos hídricos tendem a ser fontes importantes de atividades que
incrementam o interesse por este tipo de turismo, principalmente se relacionadas à pesca
recreacional, o ecoturismo e os esportes de aventura.
Palavras-chave: recursos hídricos, turismo rural, sustento rural.
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Abstract
The increment of productive activities has as a consequence the amplification of worker’s
stress. The search for tourism and leisure activities helps reduce the negative effect of work,
which justifies the increment of these activities in the past few decades. On the other hand,
rural development cannot be based only on traditional agrarian activities, permanently
submitted to risk, uncertainty and the exhaustion of productive factors. Therefore it becomes
necessary to diversify the production and service guidelines that generate the maintenance of
rural units. Rural tourism emerges as an alternative for heeding the demands for tourism and
leisure activities and could be an option for the amplification of the maintenance strategy
guidelines of rural properties. The goal of this study is to discuss the existing possibilities for
rural properties to diversify their maintenance strategic guidelines through rural tourism
developed by the exploration of available water resources. The study is of exploratory nature,
with the use of bibliographical and documental research techniques. The analytical structure
applied to evaluate the arguments presented is that proposed by Ellis (2000). The main
conclusions drawn from this study were that rural tourism is a possibility for the
diversification of the maintenance strategies of rural properties and that, besides this, the
water resources tend to be important sources of activities that increment the interest for this
sort of tourism, mainly if related to recreational fishing, ecotourism and adventure sports.
Keywords: water resources, rural tourism, rural maintenance.
1. INTRODUÇÃO
O incremento das atividades produtivas percebidas principalmente a partir da última
década do século XX tem como uma de suas conseqüências o incremento do nível de estresse
dos trabalhadores. Uma alternativa para reduzir este estresse é a busca por atividades de
turismo e lazer, o que justifica o incremento destas nas últimas décadas. Autores como Salles
(2003) afirmam que o desenvolvimento da atividade turística está intimamente ligado à
evolução da demanda por este tipo de serviço. É o consumidor, em última instância, que
orienta a diversificação do setor. Neste sentido, a ampliação do nível de ruído e poluição dos
grandes centros vem fazendo com que cresça a busca por atividades que agreguem sossego,
belezas naturais, conforto e, algumas vezes, atividades como trilhas, ecoturismo ou mesmo a
idéia de aventura, a qual inclui uma gama de atividades que estão longe de ser tranqüilas, mas
que aproximam a pessoa do contato com a natureza.
Uma das possibilidades que surge neste contexto é o turismo rural, que alia a beleza da
paisagem natural com atividades bem diferentes daquelas experimentadas pelos indivíduos no
meio urbano em que vivem, ou no litoral, onde tradicionalmente se busca fazer turismo no
Brasil. No ambiente rural, além da tranqüilidade esperada por vários turistas contemporâneos,
têm-se a possibilidade de conviver com atividades como as caminhadas em trilhas junto a
natureza, cavalgadas, exercício de atividades tipicamente agropecuárias, como ordenha,
pastoreio e mesmo algumas mais difíceis como acompanhar os peões da estância na condução
de um rebanho bovino de uma área de pastagem para outra. Resumidamente, o turista tem a
chance de conviver com o que coloquialmente se chama de “lida campeira”.
Além disso, o turismo rural oferece acesso a áreas de rara beleza geográfica,
geralmente cortadas por rios, cachoeiras, montanhas, planaltos e que acabam originando a
oferta de atividades que vão além daquelas tradicionalmente feitas nas fazendas. Já é comum
perceber o ecoturismo e o turismo de aventura sendo oferecidos de forma consorciada com o
turismo rural, os quais buscam aumentar a diversidade de atividades à disposição dos turistas,
ampliando também o público interessado em buscar este tipo de atividade.
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Um aspecto que decorre deste contexto é a possibilidade de inclusão do turismo rural
entre as atividades geradoras de renda das propriedades rurais, inclusive naquelas de menor
porte. Esta iniciativa acaba sendo coerente com as idéia de Almeida, Froehlich e Riedl (2000).
Estes autores mencionam que o desenvolvimento rural já não pode estar alicerçado apenas
sobre atividades agrárias tradicionais, permanentemente submetidas ao risco, à incerteza e à
exaustão dos fatores de produção. Para os autores é necessário diversificar a pauta de produtos
e serviços que geram o sustento das unidades rurais.
Pode-se dizer, a partir disso, que o turismo rural surge como uma alternativa
promissora, pois percebe-se que ela pode contribuir para diversificação das fontes de renda da
propriedade, ocupação da mão-de-obra familiar relativamente ociosa, interação social e
cultural com um público diferenciado e aproveitamento de espaços ociosos na estrutura física
da propriedade. Estes seriam os benefícios que parecem ser os mais importantes para os
pequenos produtores que decidem inserir-se neste tipo de atividade, segundo Almeida,
Froehlich e Riedl (2000).
Se observada a propriedade rural por um outro aspecto, o de sua inserção num
ambiente cada vez mais competitivo e sujeito a crises oriundas de vários movimentos,
inclusive aqueles do mercado internacional, constata-se que o produtor rural, que está inserido
nestes espaços de mercado, precisa estabelecer estratégias adequadas que o capacitem a
enfrentar maior competição nas atividades agronegociais. Este contexto também impõem
mudanças àqueles que, em tese, não seriam diretamente afetados pelos processos oriundos da
maior abertura econômica, entre os quais o pequeno produtor rural. Se em outros momentos
históricos era possível pensar-se em pequenas unidades produtivas auto-sustentáveis, esta
realidade atualmente está longe de ser possível para uma grande parte da população rural
brasileira. Produtores rurais competitivos, usualmente situam-se entre aqueles que conseguem
entrar em mercados onde escala produtiva ou alta tecnologia são requisitos competitivos, ou
em segmentos de mercados tão específicos que exigem alta capacitação produtiva e que não
comportam um grande número de ofertantes.
Fica então um problema a ser resolvido: qual a saída para que as propriedades rurais
que não se adaptam a nenhum destes dois contextos consigam gerar meios que garantam
sobrevivência e qualidade de vida aos que dela dependem? Percebe-se que algumas
propriedades rurais, para se adaptarem aos novos contextos gerados por perda de
competitividade de suas atividades agrícolas e pecuárias, reformulam suas estratégias de
atuação e inserem-se em novas atividades. Estas podem surgir da revisão das formas de
acesso aos recursos produtivos ou da otimização destes em combinações ímpares, capazes de
gerar vantagens competitivas duradouras. Ou seja, buscando superar momentos de crise, uma
revisão das estratégias usadas pode desencadear o desenvolvimento de novos produtos,
processos de produção e serviços, os quais podem culminar em oportunidades de inserção em
mercados até então desconhecidos ou não experimentados pelo produtor rural.
Pode-se dizer, então, que a necessidade de sobrevivência dos indivíduos e de sustento
da propriedade rural pressiona os produtores rurais a desenvolverem habilidades para
responder a desafios cada vez maiores, gerando estratégias diferenciadas. Uma das
possibilidades apontadas pela literatura relaciona-se justamente à diversificação dos meios de
sustento, a partir de novas estratégias elaboradas com base nos recursos que os indivíduos e o
meio possuem. Porém, um dos recursos que nem sempre é considerado para a elaboração
destas alternativas, diz respeito às características geográficas e naturais da unidade produtiva.
Em praticamente todo o Brasil, o relevo, o clima, a vegetação são elementos que atraem cada
vez mais pessoas para as atividades de turismo. Neste ponto há uma convergência entre os
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argumentos iniciais apresentados sobre o turismo e a necessidade de diversificação das
estratégias de sustento identificada para as propriedades rurais de pequeno porte.
Retomando o argumento de que o atual ritmo de trabalho das pessoas em grandes
centros urbanos, associado com a poluição ambiental e sonora, contribui para o
desenvolvimento de atividades de recreação em determinadas zonas rurais que contrastem
com estes ambientes, percebe-se a potencialidade de demanda existente para o turismo rural.
O turismo deste tipo, desenvolvido, principalmente, nos estados da Região Sul, tem por base a
associação de diferenciais oferecidos pelo espaço físico onde está instalada a unidade
produtiva, à oportunidade de vivenciar um estilo de vida diferente daquele que as cidades
proporcionam, como tende a ser a expectativa dos consumidores, conforme mencionado
anteriormente. Além disso, o potencial hidrográfico da região acaba proporcionando
condições para que esportes de aventura e o turismo ligado à observação e usufruto do meio
ambiente preservado sejam oferecidos concomitantemente ao turismo rural.
Considerando então que parte dos recursos disponíveis na propriedade rural estão, de
alguma forma, ligados aos aspectos geográficos e climáticos, assume-se que estes recursos
podem ser combinados de formas que vão além da própria produção agrícola e pecuária.
Neste contexto, e olhando especificamente para a disponibilidade de recursos hídricos e para a
atratividade que estes possuem quando se observam as atividades de turismo e lazer, o
principal objetivo deste estudo é o de argumentar sobre as possibilidades existentes para
que as propriedades rurais diversifiquem sua pauta de estratégias de sustento através de
turismo rural desenvolvido a partir da exploração de recursos hídricos disponíveis.
Para tanto, o estudo foi organizado em mais quatro seções além desta introdutória. Na
próxima seção é discutida a diversificação como estratégia de sustento em propriedades
rurais. A partir desta é elaborada a seção referente ao método utilizado para a pesquisa. A
quarta seção vai tratar especificamente dos recursos hídricos como fonte de atividades de
turismo e lazer, bem como de elementos que já indicam o turismo como uma alternativa
concreta de diversificação para propriedades rurais. Na última seção são feitas algumas
considerações sobre o estudo apontando limitações e prováveis linhas para superação destas,
bem como para continuidade do mesmo.
2. A DIVERSIFICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE SUSTENTO EM
PROPRIEDADES RURAIS
A diversificação do sustento rural é definida como um processo pelo qual o indivíduo
ou a unidade familiar rural constrói um conjunto de atividades e bens com o objetivo tanto de
sobreviver quanto de melhorar seu padrão de vida (ELLIS, 2000). Quando são eliminados os
obstáculos de acesso e identificadas as oportunidades para a expansão da diversificação dos
meios de subsistência, o indivíduo e as unidades familiares acabam desenvolvendo
capacidade para gerar um sustento seguro e melhorar seu padrão de vida.
Para Barrett, Reardon e Webb (2001), poucas pessoas coletam todas suas rendas de
uma única fonte, tendo sua riqueza na forma de bens únicos, ou usando seus bens em apenas
uma atividade. São vários os motivos que fazem com que as famílias rurais ou indivíduos
diversifiquem seus bens, rendimentos e atividades. Os autores classificam estes motivos como
primários e secundários. Os motivos primários, que para Barrett, Reardon e Webb (2001)
podem também ser chamados de push factors (fatores impulsionadores) estariam relacionados
à redução de risco (como as restrições da área de terra pressionada pelo aumento da
população), reação a crises, custos elevados das transações que induzem famílias rurais a
auto-provisão em diversos bens e serviços, etc. Já os motivos secundários, pull factors,
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seriam a realização de estratégias complementares entre atividades, tais como a integração de
culturas com animais domésticos ou industrialização da produção, especialização da atividade
motivada pela incorporação de novas tecnologias, desenvolvimento de habilidades e talentos,
etc.
A diversificação, na ótica do sustento das propriedades rurais defendida por Ellis
(2000), está relacionada com a criação de diversidade como um processo econômico e de
movimento social, geralmente dentro da unidade familiar. Este processo reflete os fatores de
pressão oriundos do meio conjuntural onde a família se insere, bem como as oportunidades
que levam tais famílias a adotarem complexas e diferentes estratégias de sustento. Para o
autor, a diversidade de sustento no âmbito familiar não é, necessariamente, sinônimo de
diversidade setorial (agricultura, manufaturados, serviços) dentro da economia rural, uma vez
que um alto grau de diversidade familiar de sustento pode existir até mesmo no contexto de
uma economia rural relativamente não diversificada em termos setoriais.
Na visão de Barrett, Reardon e Webb (2001), a diversificação realizada pelos
indivíduos reflete a troca voluntária dos recursos e sua alocação através de várias atividades
para alcançar um balanço ótimo entre expectativas de retorno e condicional exposição ao risco
nas restrições que eles enfrentam. Fornecendo assim, uma possibilidade para as famílias rurais
criarem estratégias de subsistência. Além do mais, o estudo do comportamento da
diversificação oferece importantes insights para pequenas intervenções que podem ser
efetivas na redução da pobreza e da vulnerabilidade dessas famílias.
Para Ellis (2000), o sustento inclui os bens (naturais, físicos, humanos, financeiro e
capital social). Facilidade de acesso a estes bens e atividades produtivas, determinam a
subsistência ou o padrão de vida das unidades famílias rurais. O autor enfatiza que os termos
sustento e rendimento não são sinônimos, mas estão fortemente relacionados porque a
composição e o nível de rendimento individual e familiar irão determinar as facilidades de
acesso aos meios de sustento e as possibilidades de conversão destes em melhor padrão de
vida para a família.
Uma característica fundamental das famílias rurais nos países em desenvolvimento é a
habilidade de adaptar-se com o objetivo de sobreviver, ou seja, de mudarem suas fontes de
sustento em função das mudanças conjunturais que vão enfrentando e, com isso, gerarem
mudanças nas estratégias de sustento atual, nas características da renda familiar e no impacto
que as suas atividades têm sobre o meio ambiente (ELLIS, 2000).
Neste sentido, Ellis (1998) enfatiza as questões de vulnerabilidade, resiliência e
sensibilidade do sistema de sustento. Para o autor um sistema de sustento mais robusto, ou
menos vulnerável, é aquele que apresenta alta resiliência e baixa sensibilidade, enquanto que
o mais vulnerável apresenta baixa resiliência e alta sensibilidade. A resiliência significa a
habilidade do sistema para absorver mudanças ou mesmo de utilizar as mudanças como uma
vantagem. Já a sensibilidade refere-se à susceptibilidade de mudança que a base natural de
recursos tem frente às interferências humanas. A obra de Ellis (2000) contribui com um
esquema para avaliação de políticas e iniciativas que visam à criação deste tipo de processo.
A Figura 1 apresenta este esquema.
Pode-se explicar o modelo da seguinte forma: o acesso e uso da plataforma de sustento
(bens disponíveis aos indivíduos ou unidades famílias) podem ser modificados por um
conjunto de fatores, que incluem questões culturais conjunturais e de organização social, mas
que também dependem de tendências do meio ou de externalidades negativas não esperadas
(choques externos). A modificação no acesso a plataforma de sustento irá provocar mudanças
nas estratégias de sustento, as quais irão incluir, excluir ou diversificar tanto as atividades
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ligadas ao meio rural, quanto outros tipos de atividades capazes de gerar renda ou sustento e
que possam ser acessadas pelas unidades familiares ou indivíduos (um salário decorrente de
um emprego de um membro da família em uma atividade rural ou urbana, pode ser uma
alternativa de sustento por exemplo). As modificações das estratégias de sustento irão causar
impactos tanto em aspectos específicos do indivíduo como da unidade família (estabilidade de
renda, redução do impacto da sazonalidade das atividades produtivas sobre a renda familiar,
por exemplo) quanto em questões ambientais (qualidade do solo, água, florestas).
Ressalte-se que as escolhas feitas em relação à estratégia de sustento podem ter
resultados positivos ou negativos sobre o sustento da unidade familiar ou do indivíduo
dependendo do acerto ou não da estratégia escolhida. Observa-se que em uma das conclusões
do estudo de Ellis (1998, p.29), a diversificação é vista como um processo social e econômico
infinitamente heterogêneo que abre uma miríade de pressões e possibilidade na economia
rural. O processo é diferenciado em suas causas e efeitos devido à locação, demografia,
vulnerabilidade, nível de renda, educação, entre outros fatores.
Com relação aos motivos pelos quais as famílias rurais diversificam, Barrett, Reardon
e Webb (2001) destacam que a diversificação dos negócios rurais agropecuários em
atividades de negócios rurais não agropecuários emerge naturalmente para diminuir a variação
de retorno do trabalho na terra, pelas falhas do mercado (por exemplo, para o crédito) ou das
fricções (por exemplo, para a
PLATAFORMA DE SUSTENTO
mobilidade ou entrada em nichos de
Capital Natural
Capital Humano
Capital Social
alto retorno), da administração de risco
Capital Físico
Capital Financeiro
ante ex, e lidar ex post com os choques
adversos.
Os autores mencionam que a
ELEMENTOS QUE
CONTEXTOS QUE
MODIFICAM O ACESSO
INTERFEREM NO
diversificação ocorre onde os retornos
Relações Sociais
Tendências relativas
para produzir ativos variam através do
Gênero
População
tempo (por exemplo, terra, trabalho ou
Classe
Migração
animais domésticos através das estações
Idade
Mudança Tecnológica
Etnia
secas e úmidas) ou entre indivíduos
Preços relativos
Política
Instituições
dentro de uma família rural ou famílias
Tendências econômicas
Regras e Costumes
nacionais e mundiais
rurais dentro de uma comunidade. Os
Terra
Choques Externos:
dados agregados através do tempo, dos
Mercado na Prática
Secas
indivíduos, ou das famílias rurais
Organizações
Pestes
RESULTA EM
Associações
Doenças
exibirão recursos diversos, atividades e
Modificação das
ONG’s
Guerra Civil
estratégias de
rendas mesmo se houver uma completa
sustento
Agências de Estado
Enchentes
especialização de acordo com a
QUE TERÃO EFEITO NA:
vantagem comparativa no nível dos
COMPÕEM AS ESTRATÉGIAS
DE SUSTENTO :
Segurança do sustento
indivíduos, uma vez que tal agregação
Coleta
Nível de renda
provavelmente esclarece uma proporção
Cultivo alimentar
Estabilidade de Renda
substancial da diversificação relatada
Cultivo não alimentar
Redução impacto da
Redução do grau de risco das
Criação / Rebanho
em estudos empíricos.
fontes individuais
Negócios rurais agropecuários
Qualidade do solo
Em adição a isto, Bebbington
Negócios rurais não
Qualidade da água
Atividades com base não rural
(1999,
p. 2029) também se preocupou
Preservação Florestas e
em entender os relacionamentos
Figura 1 – Uma estrutura para análises de iniciativas existentes entre os agentes envolvidos
voltadas para melhorias no sustento rural
com as modificações das estratégias de
Fonte: Adaptado de ELLIS, Frank. Rural livelihoods and diversity sustento, a economia regional e a
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in developing countries. Oxford: Oxford University Press, 2000.
macroeconomia.
Além disso, o mesmo autor incorporou os relacionamentos que os indivíduos e
unidades familiares têm com instituições e organizações que operam em escalas mais amplas
e que, em geral, constituem os canais através dos quais ocorre o desenvolvimento das
intervenções necessárias para mudar o cenário. Uma lógica fica presente no estudo do autor:
quanto maior o acesso aos capitais, maior será a capacidade de sustento do indivíduo ou da
unidade familiar analisada, o que enfatiza ainda mais a importância da capacidade de
gerenciamento dos relacionamentos que facilitam este acesso e sua transformação em
estratégias de sustento e em “resultados” propriamente ditos.
Por estas razões, Ellis (2000, p.40), discute o conjunto de ativos que o individuo ou
unidade família dispõe, mediado por fatores sociais e tendências exógenas, os quais resultam
na adoção e adaptação, ao longo do tempo de estratégias de sustento. Estas são dinâmicas,
uma vez que respondem às mudanças e oportunidades. Segundo Ellis (2000, p.40), as
estratégias de sustento são compostas de atividades que geram os meios de sobrevivência dos
indivíduos e unidades famílias e podem ser divididas em atividades embasadas em recursos
naturais e atividades não embasadas em recursos naturais, assim expressadas:
• atividades embasadas em recursos naturais: coleta, cultivo de alimentos, cultivo de
produtos não-alimentares, pecuária e pastoreio; e, as atividades não-rurais, podem
ser expressas pela produção de tijolos, tecelagem, pastagem;
• atividades não embasadas em recursos naturais: relacionadas com venda dos
produtos rurais, insumos e bens de consumo, bem como a outros serviços rurais
como a manutenção de equipamentos, manufaturas rurais, empregos formais e
transferências de renda.
Com relação ao nível da segurança dos meios de subsistência da família rural, Niehof
(2004) o considera como o resultado dos processos que ocorrem dentro da família rural onde
os recursos são usados. Para o autor, o portfolio dos meios de subsistência é o pacote das
atividades que as famílias rurais acoplam dentro para gerar meios de subsistência e conseguir
um determinado nível da segurança dos meios de subsistência.
Cabe mencionar a aplicação do modelo de Ellis (1998) a uma série de estudos
desenvolvidos em países como a Tanzânia, a Uganda, Malavi e Kenia, analisando a questão
da pobreza rural relacionada com a diversificação dos meios de subsistência na promoção de
um setor em particular (ELLIS e MDOE, 2003; ELLIS e BAHIIGWA, 2003; ELLIS,
KUTENGULE e NYASULU, 2003; FREEMAN, ELLIS e ALISSON, 2004).
Por fim, cabe apontar que o trabalho de Ellis (2000, p. 45) não oferece um conjunto de
receitas para resolver problemas de causa e efeito na redução da pobreza rural, mas sugere um
caminho para se organizar a análise de políticas de sustento que identifica os componentes
principais (ativos, processos de mediação e atividades), encorajando o pensamento sobre as
ligações críticas existentes entre eles. O autor dá ênfase à identificação de quais ativos estão
mais comprometidos no objeto em análise, pois esta seria uma questão chave a ser resolvida
na formulação das políticas, sugerindo alguns meios para se chegar a esta identificação.
3. MÉTODO
O presente estudo é de natureza exploratória e qualitativa. A pesquisa exploratória
busca aprofundar conceitos preliminares (HOPPEN, POINTE e MOREAU, 1996). Seu
objetivo precípuo é desenvolver as hipóteses e as proposições que irão redundar em pesquisas
complementares (YIN, 1989). Este tipo de pesquisa se esforça em melhor definir novos
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conceitos a estudar, apontando também para a melhor maneira de medi-los
(PINSONNEAULT e KRAEMER, 1993). No caso da abordagem qualitativa, sua seleção
justificou-se pela flexibilidade que, de acordo com Triviños (1992), o pesquisador tem ampla
liberdade teórico-metodológica para realizar o estudo, ou seja, os limites de sua iniciativa são
fiados pelas condições exigidas a um trabalho cientifico, devendo ainda apresentar uma
estrutura coerente, consistente, original e nível de objetivação.
Identificado o tema e objetivo do estudo, foi escolhida a referência teórica a partir da
qual seriam analisadas as informações obtidas. A escolha da estrutura analítica de Ellis (2000)
como o eixo estruturante desta referência, deu-se pela pertinência de seus estudos e pela
clareza da estrutura que propõe para o entendimento das relações existentes entre os meios de
sustento e a criação de estratégias de sustento pelas famílias rurais.
O próximo passo foi identificar na literatura internacional as publicações relacionadas
como o uso dos recursos hídricos como fonte de diversificação relacionada com o turismo e
lazer nas propriedades rurais, bem como informações adicionais sobre recursos hídricos e
turismo e sobre a relação destes com atividades turísticas no Brasil.
Nessa etapa de coleta de dados, a técnica empregada foi a pesquisa bibliográfica e
documental, a qual revestiu-se de um apanhado geral sobre os principais trabalhos já
realizados e selecionados a partir de sua importância e capacidade de fornecer dados atuais e
relevantes relacionados como tema do estudo. De acordo com Marconi e Lakatos (2006), a
pesquisa bibliográfica de fontes secundárias tem como finalidade colocar o pesquisador em
contato direto com tudo o que foi escrito sobre o tema, propiciando o exame de um tema sob
novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.
Uma vez sistematizados os dados coletados na pesquisa bibliográfica e documental,
partiu-se para a análise e interpretação. A análise compreendeu, além das relações de como
poderia ocorrer a dinâmica para a criação de novas estratégias de sustento a partir dos
recursos hídricos existentes nas propriedades rurais, considerando-se atividades de turismo e
de lazer e as explicações e especificações destas relações. A interpretação procurou dar um
significado mais amplo às respostas, vinculando-se a outros conhecimentos, pressupondo a
exposição do significado do material apresentado em relação ao objetivo proposto e sua
ligação com a literatura selecionada, visando demonstrar a coerência das argumentações pela
identificação de uma dinâmica possível dentro daquela prevista pela estrutura analítica
escolhida.
4. ÁGUA COMO RECURSO PRODUTIVO: CARACTERIZAÇÃO DO SETOR
O recurso hídrico, ou simplesmente a água, é considerado um recurso ou bem
econômico porque é finito, vulnerável e essencial para a conservação da vida e do meio
ambiente. Da quantidade total de água existente sobre a terra (1.370 milhões de km3), 97,2%
são de água salgada. A água presente na neve ou no gelo corresponde a 2,1%, a água doce
equivale a 0,6% do total e o restante da água apresenta-se na forma de vapor atmosférico
(SETTI, 1994). É interessante observar que os recursos hídricos, em geral, podem ser usados
com derivação de águas, como no abastecimento urbano e industrial, na irrigação, na
aqüicultura, ou sem derivação de águas, como é o caso da geração hidrelétrica, navegação
fluvial, pesca, recreação, assimilação de esgotos, entre outros (BORSOI e TORRES, 2006).
Neste contexto vale enfatizar que o Brasil concentra em torno de 12% da água doce do
mundo disponível em rios, abrigando o maior rio em extensão e volume do planeta, o
Amazonas. Além disso, mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes
durante o ano e as condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e
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densa rede de rios, com exceção do Semi-Árido, onde os rios são pobres e temporários
(INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2006).
A distribuição regional dos recursos hídricos é de 70% para a região Norte, 15% para a
Centro-Oeste, 12% para as regiões Sul e Sudeste, que apresentam o maior consumo de água, e
3% para a Nordeste. Esta última região, além da carência de recursos hídricos, tem sua
situação agravada por um regime pluviométrico irregular e pela baixa permeabilidade do
terreno cristalino (BORSOI e TORRES, 2006).
Conforme dados da Agência Nacional de Recursos Hídricos – ANA (2006), o Brasil é
dividido em doze Regiões Hidrográficas: Amazônica, Tocantins / Araguaia, Atlântico
Nordeste Ocidental, Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste,
Atlântico Sudeste, Paraná, Uruguai, Atlântico Sul e Paraguai. Dentre estas, destaca-se a
Região Hidrográfica Atlântico Sul (Figura 2). Esta Região abriga um expressivo contingente
populacional, é caracterizada por desenvolvimento econômico expressivo e apresenta
importância nacional quando observado o turismo.
A Região se inicia ao norte da Região
Sul, próximo à divisa dos estados de São Paulo e
Paraná, estendendo-se até o arroio Chuí, ao sul,
abrangendo porções dos estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Possui uma área
total de 185.856 Km², o equivalente a 2% do país
(ANA, 2006).
4.1 Os Recursos Hídricos e o Turismo no
Brasil
O Brasil dispõe de todas as condições para
cativar visitantes: praias, florestas, montanhas,
rios, festivais, culinária diferenciada, parques
nacionais, cidades históricas e a tradicional
hospitalidade brasileira. A vocação natural do
Brasil pode ser transformada em fonte
permanente de riqueza pelo turismo. A indústria
do turismo é na atualidade a atividade que
apresenta os mais elevados índices de
crescimento no contexto econômico mundial.
Movimenta cerca de US$ 3,5 trilhões anualmente
e, apenas na última década, expandiu suas
atividades em torno de 57% (ANA, 2005).
Figura 1 – Mapa da Região
Hidrográfica Atlântico Sul
Fonte: ANA – Agência Nacional de
Recursos Hídricos. Disponível em
http://www.ana.gov.br/mapainicial/pgM
apaJ.asp. Acesso em 29 de setembro de
2006.
Percebe-se que no Brasil, a população costuma tirar férias em locais relacionados com
água, como praias, lagos, rios, estâncias hidrominerais. Dessa forma, as diversas regiões que
têm recursos hídricos próprios para balneabilidade entram em um processo de expansão das
atividades econômicas ligadas ao setor terciário e à demanda de lazer das populações urbanas.
Por este motivo o turismo associado aos recursos hídricos pode ser agrupado em três
segmentos principais: turismo e lazer no litoral, turismo ecológico e a pesca e o turismo e
lazer nos lagos e reservatórios interiores (ANA, 2005).
Quanto ao setor de turismo associado aos recursos hídricos, o Ministério do Meio
Ambiente, Agência Nacional de Águas e Secretaria dos recursos Hídricos, agrupam este setor
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em três segmentos principais: turismo e lazer no litoral brasileiro, com cerca de 8.000km de
costa; o turismo ecológico e a pesca em alguns biomas, como o Pantanal e a Floresta
Amazônica; e, o turismo e o lazer nos lagos. Dentro deste contexto, a próxima discussão
encarrega-se de elucidar algumas questões relacionadas com o turismo rural enquanto
atividade relacionada com o meio rural (PLANO NACIONAL, 2003).
4.2 O Turismo Rural e os Recursos Hídricos
Por turismo rural entende-se como o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas
no meio rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e
serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006). Já os autores Rátz e Puczkó (1998) propõem uma
definição mais abrangente de turismo rural. Para estes, o turismo rural inclui uma escala de
atividades, dos serviços e das instalações fornecidas por fazendeiros e por povos rurais para
atrair turistas até sua área a fim de gerar renda extra para seus negócios. Os mesmos autores
mencionam que embora pareça ser simples definir o turismo rural como “aquele que ocorre
no campo”, esta definição não inclui a complexidade da atividade e as diferentes formas e
significados em diferentes países.
O conceito maior de turismo rural cobre não somente o turismo da fazenda ou
agroturismo (é o que geralmente o turismo rural significa para as pessoas), mas também o
interesse pela natureza, incluindo os serviços de acomodações, eventos, festividades,
recreação ao ar livre, produção e venda de artesanato, produtos agrícolas, entre outros (RÁTZ
e PUCZKÓ, 1998). Nesse sentido, as atividades turísticas no meio rural são constituídas pela
oferta de serviços, equipamentos, produtos de hospedagem, alimentação, recepção à visitação
em propriedades rurais, recreação, entretenimento e atividades pedagógicas vinculadas ao
contexto rural, outras atividades complementares às acima listadas, desde que praticadas no
meio rural, que existam em função do turismo, ou que se constituam no motivo da visitação
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006).
O turismo rural surgiu na década de 1980 em algumas propriedades de Santa Catarina
e Rio Grande do Sul motivado pelas dificuldades enfrentadas por produtores do setor
agropecuário. As propriedades rurais começaram a diversificar suas atividades a partir do
recebimento e acolhida de turistas. A partir de então, o turismo rural passou a ser encarado
como uma atividade econômica adicional da propriedade rural, profissionalizando e, algumas
vezes, transformando-se na principal fonte geradora de renda (MINISTÉRIO DO TURISMO,
2006).
Sharpley (2002) menciona que as empresas de turismo rural tendem a serem pequenas
e atuarem num mercado altamente sazonal, enfrentando, por isso, grandes desafios para o
alcance de uma diversificação bem-sucedida dentro do turismo. Entre os desafios, o autor
enfatiza que nem todas as áreas rurais são igualmente atrativas aos turistas rurais e o simples
fornecimento de facilidades de acomodação não garante a demanda, o desenvolvimento e
organização da atividade de turismo rural pode requer investimento significativo que, às vezes
transcendem os recursos disponíveis para investimento.
Um efeito indireto deste movimento relaciona-se ao desenvolvimento das regiões que
vêm incorporando o turismo rural entre suas atividades. O progresso do segmento impacta na
a diversificação da oferta turística, contribuindo para o incremento de visitação em outros
pontos turísticos disponíveis fora da propriedade rural, aumento dos postos de trabalho e da
renda no meio rural e urbano, pelo incremento do comércio e atividades de serviço como
restaurantes, transportes e agenciamento turístico, valorização da cultura local, pluralidade e
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das diferenças regionais, consolidação de produtos turísticos de qualidade, refletindo na
redescoberta de produtos e atividades artesanais características e interiorização da atividade
turística, entre outros (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006).
O incremento do segmento vem acontecendo de forma constante nos últimos anos e as
diversas atividades interligadas confundem-se em múltiplas concepções, manifestações e
definições, entre as quais cita-se o agroturismo, ecoturismo, turismo de interior, turismo no
espaço rural, alternativo, endógeno, verde, campestre, agroecoturismo, ecoagroturismo. Essa
profusão de entendimentos deve-se, em grande parte, à ausência de ações capazes de ordenar,
incentivar e oficializar o turismo rural como um segmento turístico que engloba certas
especificidades (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006).
Cabe até mesmo o questionamento da real ou necessária ligação entre estes diversos
tipos de atividades turísticas, pois o turismo rural pode existir independente do ecoturismo,
por exemplo. Mesmo assim, discussões acerca destas classificações e integrações de
atividades podem contribuir para a profissionalização do setor e resguardar o mesmo de
perder suas características originais, o que faria com que perdesse o que pode ser considerado
seu principal diferencial a outros tipos de turismo.
Estrategicamente, o tipo de atividade turística adotada depende do contexto geográfico
externo, do contexto econômico e de fatores internos que se relacionam à propriedade e à
família rural. A localização da área de terras é fator estratégico para o sucesso do
empreendimento, principalmente para os produtores rurais que optam pela diversificação dos
negócios com a utilização dos recursos ecológicos e hídricos disponíveis, uma vez que nem
todas as áreas rurais são igualmente atrativas aos turistas (SHARPLEY e VASS, 2006).
Numa visão ampliada do agronegócios, a estratégia voltada para a diversificação de
sustento das propriedades rurais com a exploração dos recursos hídricos, indica que esta
atividade combinada com a agricultura tradicional, indústria, e comércio pode representar
uma rica diversidade econômica, novas oportunidades de emprego e potencialmente melhorar
a qualidade de vida dos produtores rurais (KITAMURA et al., 2002).
Partindo do princípio que o turismo rural é o tema que incorpora as outras variações de
turismo citadas e que a disponibilidade de recursos hídricos é um diferencial que pode ser
explorado nos processos de diversificação em discussão, as próximas discussões tratarão de
algumas oportunidades de desenvolvimento de turismo e lazer relacionadas a este contexto.
Destaque especial é dado ao ecoturismo, à pesca recreacional, as cachoeiras e quedas d´água e
os lagos e rios enquanto estabelecidas a partir de recursos hídricos passíveis de exploração em
propriedades rurais.
4.2.1 Ecoturismo
O termo ecoturismo foi cunhado por Hector Ceballos-Lascurain em 1993, sendo
definido como “(…) viajem em áreas naturais relativamente intocadas e não contaminadas
com o objetivo específico de estudar, de admirar e de apreciar o cenário, suas plantas
selvagens e animais bem como as outras manifestações culturais existentes” (CHE, 2006).
Pode-se dizer ainda que o ecoturismo diz respeito à flora, a fauna, a geologia, e aos
ecossistemas de uma área, bem como os povos vivem neste local, suas necessidades, sua
cultura e seu relacionamento com a terra. É uma visão de áreas naturais como “lar para todos”
em um sentido global (WALLACE e PIERCE, 1996; ORAMS, 1995).
Nesse sentido, Kuo e Chiu (2006) vêem um relacionamento simbiótico que pode ser
estabelecido entre a agricultura e outras práticas, dentre elas, o ecoturismo, como sendo um
elemento-chave e ambientalmente responsável do turismo em áreas rurais. A maioria dos
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aspectos relacionados com o ecoturismo centra-se na demanda por atividades recreacionais ao
ar livre em um ambiente físico atrativo. Quando estes atrativos específicos forem mostrados a
um grupo maior de apreciadores desta atividade, pode-se esperar que aumente a demanda de
pessoas que buscam alternativas relacionadas com o entretenimento aliado às disponibilidades
de recursos hídricos existentes na propriedade (GUYER e POLLARD, 1997).
No caso de Taiwan, para as comunidades rurais, o ecoturismo é um importante
elemento na diversificação da economia. Neste país, em determinadas comunidades, a
atividade é considerada estratégica sob o ponto de vista econômico, a qual domina a vida das
propriedades rurais onde é desenvolvida (KUO e CHIU, 2006). Já para Fennell e Weaver
(1997), o ecoturismo é uma forma de diversificar os negócios da propriedade, revestindo-se
numa forma alternativa empreendedora que contribui para o desenvolvimento econômico
nestes locais. Neste sentido, as fazendas de férias também contribuem para a representação de
um veículo potencial de diversificação rural cada vez mais significativa para economias de
base agrícola.
Analisando o ecoturismo sob o ponto de vista dos recursos hídricos, Nilsson (2002),
destaca que este possui uma estrutura diferente da agricultura, do florestamento e da pesca. A
opção de diversificação da propriedade rural com o negócio do ecoturismo demanda
conhecimento das oportunidades potenciais disponíveis no meio rural que contribuem para a
dinamização da atividade, dentre eles, os recursos hídricos.
De acordo com dados fornecidos pela ANA (2005), o ecoturismo representa 5% do
turismo mundial e ainda apresenta um inegável potencial de crescimento no Brasil, face às
riquezas naturais e, especialmente, dos biomas Pantanal e Floresta Amazônica existentes.
Conforme a mesma Agência, no documento “Relatório de Recursos Hídricos”, o ecoturismo
contabilizou no ano de 2005 mais de meio milhão de turistas, 30 mil empregos diretos e um
crescimento que ultrapassa 20%. Diante disto, a exploração do ecoturismo, aliado ao uso dos
recursos hídricos por parte dos produtores rurais, pode revelar-se numa alternativa estratégica
de sustento.
4.2.2 Pesca recreacional
Fennell e Weaver (1997) ao analisarem o potencial de diversificação de propriedades
rurais de base agrícola, concluíram que a pesca pode refletir um potencial a ser desenvolvido
nas propriedades localizadas em Saskatchewan, Canadá.
Já na Malásia, a principal atividade realizada nos lagos e reservatórios é a pesca. A
produção anual dos peixes de água doce é considerada uma fonte de proteína valiosa para o
sustento da população rural. Como em outros países, os reservatórios são construídos
primeiramente para a geração de energia elétrica, abastecimento humano e irrigação. Além
disto, muitos lagos e reservatórios servem não só para o desenvolvimento da pesca
recreacional, mas também, para as práticas do ecoturismo, oportunidades estas que os
produtores rurais locais podem explorar (AMBAK e JALAL, 2006).
Outro aspecto relevante neste contexto é a aqüicultura, atividade que ganha cada vez
mais espaço no Brasil e que se vincula diretamente à pesca desenvolvida em propriedades
rurais. Dados da EMBRAPA (2003) indicam que o setor vem apresentando uma taxa de
crescimento anual em torno de 15% e que a região Sudeste concentra 80% da produção
nacional de peixes de água doce, com destaque para o Estado de São Paulo. Mais de 300 mil
pessoas estão envolvidas na atividade e em atividades derivadas, incluindo estabelecimentos
rurais de produção de peixes, camarões, empresas de ração, técnicos e produtores de
máquinas e equipamentos.
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Outra forma de utilização de recurso hídrico disponível nas propriedades rurais para a
pesca recreacional o pesque-pague. Esta atividade vem sendo aproveitada competitivamente
por alguns produtores rurais, pois, de acordo com a Embrapa (2003), muitos estabelecimentos
mantêm, além dos tanques para pesca, uma estrutura capaz de atender os visitantes, com
restaurantes e atrativos que contribui para a geração de uma considerável renda suplementar.
Conforme o Caderno de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (2005), são
identificadas algumas Regiões Hidrográficas no Brasil que se destacam na prática das
atividades de pesca: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, São
Francisco, Uruguai e Região Hidrográfica do Paraguai. A diversidade de espécie de peixes
nestas Regiões depende também da manutenção da qualidade dos recursos hídricos, o que
poderia contribuir com o desenvolvimento de programas vinculados às atividades de pesca
recreacional entre os produtores rurais que habitam as margens dos rios nestas Regiões
Hidrográficas.
O que chama atenção mais uma vez é o fato do Brasil possuir grande diversidade de
recursos hídricos que podem servir de alternativa para a implementação de diversas
estratégias que favoreçam ou agreguem no sustento das famílias rurais e de seu entorno.
Nesse sentido, a pesca recreacional é uma atividade conduzida para indivíduos que buscam
esporte e lazer, com objetivo secundário de apanhar peixes para o consumo pessoal
(COOKEA e COWXB, 2006).
A atividade de pesca pode ser segmentada em outros aspectos, dentre eles, a chamada
pesca esportiva. Trata-se da pesca amadora caracterizada pela prática de devolver à água os
peixes menores (protegidos por lei) e também os maiores (principais reprodutores e atrativos
turísticos). O abate, quando ocorre, limita-se aos de tamanho intermediário, para o consumo
no local da pescaria. É também conhecida como pesca desportiva (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2006). A atividade contribui para desenvolver a consciência ecológica através de
rigorosas normas que regem a pesca competitiva amadora, como a filosofia do “pesque e
solte” e o uso de anzóis sem farpas (ANA, 2005).
Embora existam relatos da atividade de pesca com finalidade de lazer no Brasil desde
meados do século XX. Somente a partir de 1998 passou a ser trabalhado oficialmente como
um segmento turístico, com o incentivo do Programa Nacional de Desenvolvimento da Pesca
Amadora (PNDPA), executado pelo Ministério do Meio Ambiente, através do Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pelo
Ministério do Esporte e Turismo, através do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR)
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006).
Analisando a potencialidade dos recursos hídricos disponíveis e sua conversão em
atividades ligadas a pesca recreacional, deve-se destacar que o know-how é fator decisivo para
produtores que queiram competir neste segmento de mercado. Além do que há a necessidade
de disponibilidade de infraestrutura adequada, mão-de-obra qualificada, capital financeiro
para investimento no novo negócio, entre outros.
4.2.3 Lagos, Rios, Cachoeiras e Quedas D´água
A constituição do relevo em determinadas regiões do país associada à presença de
recursos hídricos, proporciona a formação de rios, lagos, cachoeiras e quedas d´água. Este
tipo de recurso hídrico natural representa um importante atrativo para o desenvolvimento de
atividades ligadas ao turismo e lazer que refletem recreação para seus exploradores. A
formação das cachoeiras, que se caracterizam pelo fluxo de água corrente, ainda pode formar
piscinas naturais que geram mais um atrativo para quem aprecia a natureza. Complementar a
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isso, a intervenção do homem sobre a natureza ainda cria rios e lagos artificiais que podem ser
a base de vários tipos de atividade turística.
Em se tratando da exploração deste recurso hídrico pode-se dizer então, que algumas
propriedades são beneficiadas com a sua ocorrência, pois esta não pode ser facilmente
imitada, pois depende da área geográfica compreendida pela propriedade. Neste caso, o
recurso hídrico pode configurar-se como fonte de uma vantagem competitiva real para o
produtor que se insere no mercado de oferta de serviços de turismo e lazer.
Várias atividades de lazer podem ser desenvolvidas a partir da exploração de lagos e
rios. Talvez a mais simples delas refere-se à balneabilidade, seguida de outras como a natação
(vários rios e lagoas são apropriados a este esporte), pesca recreacional, passeios de barco,
ski-aquático, jetski, entre outros. Em alguns lugares de características bem mais específicas,
em que os rios contam com corredeiras, a prática do rafting (descida de corredeiras a bordo de
um bote inflável) e da canoagem tornam-se alternativas que atraem o público que busca os
esportes de aventura. Em outros, que contam com ventos moderados e constantes, pode-se
encontrar na prática de windsurf e do kytesurf, práticas bastante atrativas de públicos
específicos, como os citados no item anterior.
Para Hudson (1998), as cachoeiras são alternativas de divertimento para pessoas
jovens ou velhas em todo o mundo. Além do aspecto visual, as cachoeiras e quedas d’água
têm se transformado em palco para esportes radicais ligados ao ambiente natural, como são a
escalada e o rapel. O estabelecimento de trilhas seguras para este tipo de esporte, bem como
de estrutura de apoio para sua prática, tornam-se, cada vez mais, atrativos de públicos seletos
que optam pelo turismo acompanhado dos esportes de aventura e pelo eco-turismo.
A disponibilidade desta configuração de recurso hídrico depende das características
geográficas da propriedade. Além deste aspecto, a qualidade da água e a diversidade da fauna
e da flora e o clima da região podem ser motivadores da busca do espaço como alternativa de
turismo e lazer. As atividades ligadas a estes recursos crescem significativamente em
determinadas regiões do Brasil, sendo, segundo a ANA (2005), um segmento bem
desenvolvido no Brasil. Algumas regiões hidrográficas brasileiras recebem especial atenção
quando são mencionadas as atividades de turismo e lazer em lagos e reservatórios de
interiores, entre estas a ANA (2005) cita a região de Tocantins-Araguaia, de São Francisco e a
Região Hidrográfica do Paraná.
Alguns estudos já foram feitos relacionando a exploração do turismo rural e a
exploração deste associado a disponibilidade de recursos hídricos, bem como identificando o
turismo rural como uma possibilidade para a diversificação do portfólio de estratégias de
sustento para as propriedades rurais. Visando explorar um pouco mais este conhecimento já
desenvolvido é que foi elaborado o próximo item.
4.3 Ponderações sobre o Turismo como alternativa de Diversificação das Estratégias de
Sustento em Propriedades Rurais
Autores como Salles (2003) e Beni (2006) enfatizam o valor do incremento de
atividades diferenciadas entre aquelas utilizadas para compor as estratégias de sustento das
propriedades rurais pelos mesmos motivos identificados por autores como Ellis (2000). Para
Salles (2003) e Beni (2006) o turismo rural, especificamente, ajuda a criar uma mudança de
perfil para o emprego disponibilizado no campo, concretizando-se, ao longo do tempo, como
uma alternativa real de renda para as populações rurais. Além disso, Beni (2006) ainda
enfatiza que o turismo acaba gerando crescimento econômico e mudança social nas regiões
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onde é desenvolvido, reduzindo com isso o êxodo rural e o processo de migrações interregionais.
Reforçando a idéia de diversificar as estratégias de sustento das propriedades rurais
através de atividades Sharpley e Vass (2006) identificaram nos seus estudos uma longa
tradição do turismo rural na Europa, afirmando que este tem se tornado um meio eficaz para
resolver problemas sócio-econômicos de áreas rurais em geral e no setor agrícola em
particular. Ainda apontam que a demanda pelo turismo rural cresce de forma significativa em
diversos países na esfera mundial. Esta afirmativa é corroborada por Dias (2005), quando este
aponta que o turismo rural é uma necessidade social já institucionalizada na maior parte do
mundo. Para o autor a necessidade desenvolvida no entorno desta atividade gera o surgimento
de maior número atrativos (produtos e serviços), relacionados a exploração dos recursos
existentes, sejam eles naturais, infra-estruturais, humanos, culturais, ou outros que possam vir
a interessar e atrair o consumidor
Analisando o turismo rural e o uso de recursos hídricos como atrativo de demanda,
Froehlich e Rodrigues (2000) chamam atenção para algumas peculiaridades relacionadas à
qualidade dos recursos hídricos que influenciam diretamente o resultado da atividade. Para os
autores, o fluxo e nível das águas disponíveis podem ser comprometidos por atividades
inerentes à prática agrícola, como a irrigação, a presença de contaminação por agroquímicos,
o assoreamento de rios ocasionado por práticas agrícolas não adequadas, entre outras. Neste
contexto, a exploração dos recursos hídricos como fonte de atividades de turismo e lazer tende
a vir acompanhado de uma tomada de consciência sobre a necessidade de preservação do
recurso e de manejo sustentável do mesmo.
Além da variável qualidade do recurso hídrico, outros fatores de natureza externa são
levados em consideração no empreendimento do turismo rural. Para Sharpley e Vass (2006), a
decisão que leva os produtores rurais a diversificarem suas atividades através da provisão de
serviços turísticos concomitante a outras atividades dentro da propriedade, depende da
ocorrência conjunta de eventos, dentre os quais cita: a) existência de uma condição de risco
que gere a necessidade econômica da diversificação da pauta de sustento; b) disponibilidade
de características físicas, naturais, ou geográficas, que propiciem atratividade para o potencial
consumidor; c) percepções do papel socioeconômico do proprietário, que está relacionado a
forma como o agente do turismo rural percebe seu empreendimento não só numa análise
interna, mas também com relação às implicações sociais deste no meio de inserção; d)
existência de fatores demográficos e de estilo de vida que gerem potencial demanda por este
tipo de serviço; e) disponibilidade e natureza de suporte do setor público; f) percepção, por
parte do produtor rural, do turismo como uma opção de diversificação de suas atividades.
Froehlich e Rodrigues (2000) chamam a atenção para gargalos que precisam ser
administrados no desenvolvimento deste tipo de empreendimento. É real, entre vários
ofertantes do setor, a identificação de deficiência em infra-estrutura, capacidade de atração e
manutenção do fluxo turístico. Além disso, o empreendedor vai enfrentar a insuficiência de
investimentos públicos e privados para o desenvolvimento do mercado local, carência de
pessoal especializado e falta de quadro institucional adequado para o desenvolvimento e a
promoção do turismo. Neste quadro Froehlich e Rodrigues (2000) elencam as políticas
públicas coerentes, planejamento sistemático das ações relativas ao setor e organização
eficiente do mesmo.
Visando viabilizar o turismo como uma possibilidade rural para diversificação das
estratégias de sustento das propriedades rurais, Reardon, Berdegué e Escobar (2001) chamam
atenção para o papel das políticas públicas ligadas ao desenvolvimento do setor rural. Estas
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podem ser usadas como incentivo e estímulo para que as propriedades rurais desenvolvam
atividades não rurais como complemento às rurais já desenvolvidas. Para os autores, a política
de desenvolvimento rural deve procurar promover a mobilização não só do capital, mas dos
recursos humanos que estejam fora da atividade agrícola, de forma que a nova atividade
resulte em impactos positivos sobre o desenvolvimento da região onde se insere, indo além
dos limites da unidade produtiva.
Justamente o acesso a recursos financeiros para suportar o investimento inicial
necessário para o desenvolvimento de novas atividades, principalmente as não agrícolas, é um
dos entraves enfrentados pelos produtores rurais. E termos nacionais, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), busca suprir esta demanda oferecendo linhas
de crédito que possibilita ampliar a renda familiar, fortalecer a agricultura familiar e abrir
novas oportunidades de emprego e renda no meio rural, incluindo o turismo e o lazer rural
como possibilidades de diversificação da pauta de estratégias de sustento que são financiáveis
via programa.
4.4 Análise do Turismo Rural como Opção de Diversificação das Estratégias de Sustento
Através da Estrutura Analítica de Ellis (2000)
Usando-se a estrutura analítica proposta por Ellis (2000) e apresentada na figura 1
deste estudo, é possível fazer o seguinte conjunto de afirmações sobre o uso do turismo rural
como opção para a diversificação das pauta de estratégias de sustento que podem ser usadas
pelas propriedades rurais:
a) O uso do turismo como uma possibilidade de diversificação das estratégias de sustento da
propriedade pressupõe uma mudança na forma de percepção de alguns recursos
disponíveis, principalmente o capital natural, físico e humano. A plataforma de sustento
seria tomada de forma distinta da usual e complementar a esta, exigindo a administração
do impacto das atividades rurais principalmente sobre o capital natural, pois seu uso como
fonte turística pressupõe preservação do meio ambiente. Assim, o início da atividade
exigiria: a) do capital natural a disponibilidade de recursos hídricos, topografia do
terreno, fauna e flora atrativos para o turismo; b) do capital físico o uso de instalações
ociosas na atual atividade produtiva, capacidade de absorção de futuras modificações ou
mesmo novas instalações visando adequar o meio às demandas oriundas do serviço
prestado; e c) do capital humano a disponibilidade de mão-de-obra familiar e capacidade
para desenvolver competências voltadas ao serviço incluso nas atividades da unidade
produtiva. Para Dias (2005), os bens, entendidos por recursos naturais, são
imprescindíveis para o sucesso da atividade de turismo rural. Além disso, no uso dos
recursos hídricos para a diversificação das estratégias de sustento, o sucesso da estratégia
está altamente relacionado à manutenção ambientalmente correta dos recursos naturais.
b) A mudança de percepção que pode levar ao uso desta estratégia tende a surgir das
modificações em elementos como: 1. os institucionais: através, por exemplo, do
estabelecimento de leis específicas que incentivem a atividade; 2. regras e costumes:
cultura de receber bem o visitante, identificação do interesse da população urbana em
conhecer os costumes e a vida rural; 3. organizações, associações e agências de estado:
através da mobilização de proprietários rurais estabelecidos em áreas turisticamente
atrativas, visando a sensibilização destes para as possibilidades que esta atividade gera na
criação de alternativas de renda para a propriedade. Reardon, Berdegué e Escobar (2001)
identificam as organizações e as associações como elementos importantes no processo de
determinação de políticas no setor rural (pela capacidade que adquirem de influenciar as
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c)
d)
e)
f)
atividades das agências de estado). Conforme mencionado anteriormente, as políticas
públicas devem ser orientadas para incentivar o desenvolvimento de atividades rurais não
agropecuárias, nas propriedades rurais, de forma concomitante às demais atividades.
Modificações no contexto da população e tendências econômicas nacionais e mundiais
levam à percepção da plataforma de sustento como fonte de atividades de turismo rural.
Neste sentido, é a busca por atividades que possam aliviar o estresse causado pelas
atividades urbanas um dos motivadores da expansão deste tipo de atividade. Além disso, a
estabilidade econômica, o crescimento econômico e social e as tendências ambientais
contemporâneas (e que têm âmbito mundial), contribuem para a disponibilidade de renda
e de interesse no consumo de serviços ligados ao turismo e principalmente ao turismo
rural. Assim, a presença da demanda pode ser um fator incentivador da oferta deste tipo de
serviço.
Como conseqüência, o turismo rural, pautado na exploração de recursos hídricos, dentro
de todo o rol de possibilidades elencadas nos primeiros itens da seção 4, apresenta-se
como uma possibilidade real para incremento das estratégias de sustento que podem ser
utilizadas pelas propriedades rurais.
Esta atividade pode ser classificada como sendo uma estratégia pautada pelo
desenvolvimento de atividades rurais não agropecuárias.
As conseqüências ou efeitos esperados a partir da diversificação feita nestas bases seriam:
1. a ampliação da segurança do sustento da família rural pela geração de mais uma
fonte de renda; 2. aumento do nível e estabilidade da renda das famílias em função do
mesmo motivo; 3. redução do impacto da sazonalidade em função de explorar-se mais
de uma atividade na propriedade, tende a ocorrer uma distribuição da renda ao longo do
período, ao invés de concentrá-la em períodos de safra; 4. redução do grau de risco das
fontes individuais de renda, pois a existência de outras alternativas de renda reduz o
efeito de externalidades negativas ligadas a crises setoriais sobre a unidade produtiva. Por
outro lado, entendendo que o indivíduo que busca o turismo rural quer usufruir do meio
ambiente rural, da natureza, há necessidade de que estes recursos apresentem-se
preservados e atrativos para o turista. Esta nova forma de observar e usar o capital natural
tende a fazer com que o produtor rural trate deste capital de uma forma ambientalmente
mais amigável, contribuindo para sua preservação e para a recuperação de áreas
degradadas, o que tende a resultar em melhorias da qualidade da água, do solo,
recuperação de florestas e biodiversidade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo deste estudo era argumentar sobre as possibilidades existentes
para que as propriedades rurais diversifiquem sua pauta de estratégias de sustento através de
turismo rural desenvolvido a partir da exploração de recursos hídricos disponíveis. Os
elementos apresentados durante todo o estudo demonstram que o turismo rural não só é uma
possibilidade, como também uma realidade para algumas propriedades rurais não só no
Brasil. Além disso, os recursos hídricos tendem a ser fontes importantes de atividades que
possam incrementar o interesse por este tipo de turismo, principalmente se relacionadas com
atividades de lazer como a pesca recreacional, o ecoturismo e os esportes de aventura.
O estudo conta com algumas limitações, principalmente quanto a fontes
informacionais acerca do uso de recursos hídricos como fonte de atividades turísticas no meio
rural em âmbito nacional, especialmente quando tal atividade é desenvolvida numa
perspectiva de diversificação de sustento de propriedades rurais. Esta limitação talvez indique
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um espaço concreto de pesquisa a ser explorado, principalmente nas regiões que se
envolveram historicamente com o turismo rural e que estão situadas em espaços
geograficamente privilegiados e que apresentam fontes de recursos hídricos como alternativa
a ser explorada.
Outra possibilidade de estudo seria a observação de casos específicos, visando
entender se a dinâmica analisada através da estrutura de Ellis (2000), apresentada no item 4.4,
é a que ocorre na prática, quando o produtor rural desperta para a potencialidade turística de
sua propriedade e decide investir na diversificação de suas estratégias de sustento através do
turismo rural.
Por fim cabe destacar que diante das pressões sócio-ambientais presentes nos sistemas
econômicos atuais, este tipo de alternativa pode estar alinhada com as idéias que orientam o
desenvolvimento sustentável. Numa observação genérica, como a feita no item 4 deste estudo,
espera-se que um dos impactos da adoção de atividades de turismo e lazer, ligadas aos
recursos hídricos, em propriedades rurais, com o objetivo de diversificar a pauta das
estratégias de sustento desta propriedade, é justamente uma ampliação da preservação dos
recursos oriundos do meio ambiente, bem como a melhoria da qualidade de vida da família
que depende da propriedade rural. Ou seja, objetivos ambientais e sociais passam a compor os
objetivos da unidade produtiva juntamente com os objetivos econômicos, além de
propiciarem melhor desempenho para o alcance destes. A observação deste tipo de
característica também poderia pautar os próximos estudos a serem elaborados.
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