APROVAÇÃO COMPULSÓRIA OU FACILITADA CONTRIBUI PARA SOLUCIONAR OU PARA PROTELAR E RECRUDESCER O PROBLEMA DA EXCLUSÃO ESCOLAR? Mauricio da SILVA1 RESUMO: A avaliação do ensino e da aprendizagem pode constituir-se no principal fator intraescolar de desescolarização, em especial, se praticada apenas na função classificatória. Aluno que reprova seguidas vezes, formal ou informalmente, tende a abandonar a escola. Aprová-lo, contudo, de forma compulsória, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental - inclusive nas escolas ou sistemas de ensino que optaram pelo regime seriado - como determina a Resolução N/7/14/12/2010/CNE, contribui para solucionar ou para protelar e recrudescer a citada evasão? E qual é a contribuição, neste aspecto, da fórmula que diminui as exigências para o aluno passar de ano (Resolução 158/08/CEE/SC)? Como reagem pais, alunos e professores a estas medidas? Quais são os resultados destas reações? Como proceder para que o processo avaliativo contribua para melhorar o ensino e a aprendizagem e a permanência, com sucesso, do aluno na escola? PALAVRAS-CHAVE: aprovação compulsória; exclusão escolar; avaliação. 1. Introdução O apelo do mercado de trabalho por mão de obra qualificada e o maior esclarecimento das famílias empobrecidas sobre a importância da educação, para melhorar o futuro dos filhos, ainda não foram suficientes para elevar a posição do Brasil, no ranking de desescolarização. Em especial, aquela causada pela desistência escolar, no Ensino Fundamental, a despeito de alguns avanços. Segundo o relatório 2012 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil tem a 3ª maior taxa de evasão escolar entre 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental abandona a escola antes de completar a última série, perfazendo taxa de 24,3%, só atrás da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis no Caribe (26,5%). O relatório do PNUD também revelou, sob o protesto do Ministério da Educação, que “o Brasil tem a menor média de anos de estudo entre os países da América do Sul. Segundo dados de 2010, a escolaridade média do brasileiro era de 7,2 anos – mesma taxa do Suriname – enquanto são esperados 14,2 anos. No continente, quem lidera esse índice é o Chile, com 9,7 anos de estudo por habitante, seguido da Argentina, com 9,3 anos, e da Bolívia, com 9,2 anos.” Quanto às “políticas educacionais ambiciosas”, sugeridas pelo organismo da ONU ‘para mudar esta situação’ - por causa do envelhecimento da população brasileira, que deve se intensificar nas próximas décadas e reduzir o percentual de trabalhadores ativos - o Estado de Santa Catarina confronta duas experiências e, recentemente, retomou uma delas. A primeira, ocorreu nos anos 70 e 80, quando se valeu da não retenção dos alunos, como estratégia para solucionar o problema do abandono escolar. Foi um processo denominado oficialmente de Avanço Progressivo, que, sem a execução de meios para fazer prosperar a aprendizagem, funcionou, na prática como Promoção Automática. Os alunos avançaram nos anos letivos sem os devidos conhecimentos. A segunda, no final da década de 80, fez percurso inverso. Retomou o regime seriado o aluno aprova ou reprova ao final do ano letivo (Lei 6744/85), e o manteve (Resoluções 1 Mestre em Educação, Professor da UNISUL (Tubarão) e concursado da Rede Estadual de Ensino - SC. 1 N/023/2000/CEE/SC e N/158/08/CEE/SC), mesmo com a alternativa dos ciclos - o aluno avança, sem retenção, num conjunto de anos letivos (Lei Nº 9394/96 - LDB). Implementou a Proposta Curricular (primeira versão – 1988 a 1991), que preceitua maior permanência dos alunos na escola, por meio da melhoria qualitativa do ensino e da aprendizagem, uma vez que a reprovação, principal causa intraescolar de evasão, é fruto do aprendizado insuficiente. Tais medidas foram colocadas em prática, principalmente, por intermédio das citadas Resoluções. Além de manterem o regime seriado, mesmo com a opção dos ciclos, enfatizaram e normatizaram o retrabalho imediato dos conteúdos não aprendidos, como uma das formas de oferecer mais e melhores oportunidades de aprendizagem para os alunos. Também viabilizou amplo programa de capacitação aos professores, fundamentado na concepção histórico-cultural “[...] que considera todos capazes de aprender e compreende que as relações e interações sociais estabelecidas pelas crianças e pelos jovens são fatores de apropriação de conhecimento, traz consigo a consciência da responsabilidade ética da escola com a aprendizagem de todos, uma vez que ela é interlocutora privilegiada nas interações sociais dos alunos. De todos os alunos.” (SANTA CATARINA, 1998). Em 2010, com o mesmo objetivo das experiências anteriores, o Estado retoma a política de não retenção dos alunos em algumas séries e aprovação facilitada em outras, no Ensino Fundamental. Este estudo estabelece um paralelo entre o Sistema de Avanços Progressivos, aplicados nos anos 70 e 80 e a Aprovação Compulsória (2010) - políticas de não retenção dos alunos, aplicadas no Estado de Santa Catarina, com o objetivo de solucionar o grave problema de evasão escolar. Sobre os Avanços Progressivos, sabidamente desastrosos para o ensino e para a aprendizagem, e, em consequência, para a permanência do aluno na escola, após o período de não retenção, recorreu-se aos estudos de Altenburg (1977), Koch (1985) e Silva (1986), e sobre a Aprovação Compulsória 2010, foram ouvidos professores que atuam nas terceiras séries do Ensino Fundamental, em escolas estaduais de Tubarão, para saber como receberam os alunos, após dois anos de escolaridade, sem retenção. Analisa também, com base nas concepções de conhecimento e de avaliação, o impacto da não retenção dos alunos na prática escolar de professores, pais e dos próprios alunos, e os resultados obtidos no ensino e na aprendizagem. Sugere, ainda, medidas para que os alunos permaneçam mais tempo na escola, em função, principalmente, de maior aprendizado, posto ser o que, de fato, contribui para a equanimidade social e ajuste do País aos tempos de Economia do Conhecimento, para que sejam enfrentados a desmesurada violência e o esgotamento do planeta Terra, com sinais cada vez mais evidentes. 2. Política educacional: retorno ao erro? Os fatos de a Resolução N/7/14/12/2010/CNE tornar compulsória a aprovação escolar, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, inclusive para escolas ou sistemas que optaram pelo regime seriado – e o de a Resolução 158/08/CEE/SC diminuir as exigências para aprovação – contribuem para solucionar ou apenas para protelar e recrudescer o abandono escolar? Explica-se: a avaliação pode constituir-se em importantíssimo fator intraescolar de exclusão, em especial, quando praticada apenas na função classificatória. Aluno que reprova seguidas vezes, formal ou informalmente, tende a abandonar a escola. Mas o fato de aproválo, de forma compulsória, num conjunto de anos letivos, ou de diminuir as exigências para aprovação noutros, resolve ou apenas adia e recrudesce o citado problema do abandono escolar? 2 Tomemos para estudo a rede estadual de ensino catarinense, que, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), diminuiu os índices de reprovação escolar no Ensino Fundamental, entre 2007 e 2010, de 8,9% para 6,1%. Como estava em vigência, no Estado, o regime seriado (o aluno aprova ou reprova ao final de cada ano letivo), conclui-se que a citada queda deu-se, única e exclusivamente, em função de os alunos terem aprendido mais. Depreende-se ainda – objetivo principal deste estudo – que, neste período, a reprovação diminuída contribuiu para minorar a exclusão escolar de forma duradoura, em vez de temporária. Esta afirmação não será possível, mesmo que o reprovar prossiga em queda, a partir de 2010, pelos motivos que seguem: 1) O referido Estado resistiu à adoção dos ciclos – previstos na lei N/9394/96 (LDB), que permitem o avanço do aluno, sem retenções, num conjunto de anos letivos – mantendo o regime seriado (o aluno aprova ou reprova ao final de cada ano letivo), por meio da resolução N/023/2000/CEE/SC e da sucedânea e vigente N/1538/08/CEE/SC. Tal regime vigorava desde 1985, quando da derrubada do Sistema de Avanços Progressivos (Lei 6744/85), que, na prática, funcionaram como Promoção Automática. Neste ínterim Santa Catarina implementou, por meio de amplo programa de capacitações para o magistério, a Proposta Curricular (que norteia a prática pedagógica dos educadores na perspectiva de uma escola de qualidade para todos) e normatizou melhores oportunidades de aprendizagem, também, por meio das resoluções acima citadas; 2) Desviando-se deste caminho, a Portaria N/20/24/05/2010/SC determinou que “nas 1ª, 2ª e 4ª séries iniciais do Ensino Fundamental, não haverá retenção ou reprovação de alunos.” Tal portaria obteve respaldo nacional com a vigência da Resolução N/7/14/12/2010/CNE, que impôs (artigo 30) “não retenção dos alunos nos três anos iniciais do Ensino Fundamental, mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado.” Quer dizer: o Estado de Santa Catarina, como na década de 70 e 80, quando da implantação do citado Sistema de Avanços Progressivos, antecipou-se à esfera federal, para impor a não retenção dos alunos como estratégia para resolver o problema da evasão escolar. Os procedimentos daquela época fizeram com que os Avanços Progressivos funcionassem como Promoção Automática (os alunos passavam de ano letivo sem os conhecimentos correspondentes), resolvendo momentaneamente o problema da evasão, mas acentuando-o posteriormente. Passados cerca de 40 anos, estratégia idêntica, atingirá o objetivo – solucionar o problema da evasão – ou repetirá o fracasso? Estudos de Altenburg (1977), Koch (1985) e Silva (1986), comparados com as condições de ensino, estrutura, capacitação e depoimentos de professores que atuam nas terceiras séries do Ensino fundamental de escolas estaduais de Tubarão, permitem entrever similaridades entre o citado Sistema de Avanços Progressivos, e a Aprovação Compulsória (Portaria N/20/24/05/2010/SC e Resolução N/7/14/12/2010/CNE), aplicados em Santa Catarina, respectivamente, nos anos 70 e 80 e 2010. Permitem também, responder a pergunta/título: Aprovação compulsória e facilitada contribui para solucionar ou apenas para adiar e recrudescer o problema da exclusão escolar? 3. Das similaridades 3.1 Quanto aos objetivos e forma: Tanto o Sistema de Avanços Progressivos (SAP) quanto a Resolução N/7/14/12/2010/CNE (a Portaria N/20/24/05/2010/SC nada menciona) apresentam como objetivo principal – nobre, diga-se de passagem – solucionar o problema da evasão escolar no 3 1ºgrau, hoje, Ensino Fundamental, por meio da aprovação compulsória. “Através de um novo processo de avaliação, que visava promover o aluno progressivamente, o Sistema de Avanços Progressivos tinha por função eliminar a reprovação, considerada como obstáculo a produtividade do sistema escolar.” (KOCH, 1985, p. 28). 3.2 Quanto à justificativa: Ambos enfatizaram obstáculos e prejuízos causados pela reprovação escolar. Os Avanços Progressivos justificavam: A supressão da reprovação escolar como medida democratizante, mas, sobretudo, relacionado com a contenção de gastos. Havia o interesse do Estado em promover uma política educacional que permitisse a passagem mais rápida do aluno pela escola, forçando a abertura de vagas e o seu barateamento. (KOCH, 1985, p. 32). A Resolução N/7/14/12/2010/CNE (Art. 30), por seu turno, impôs a aprovação compulsória, devido aos “prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro.” 3.3 No tocante ao cumprimento do previsto para concretizar os objetivos: Tanto o Sistema de Avanços Progressivos quanto a Resolução N/7/14/12/2010/CNE determinaram uma gama de ações para serem desenvolvidas concomitantemente à não retenção dos alunos. O problema restou no cumprimento. O processo era entendido como uma estrutura ampla em condições de favorecer o ensino, atendendo às diferenças individuais dos alunos. [...] Como estratégia pedagógica, caberia ao Sistema de Avanços Progressivos, o papel de proporcionar, por meio da recuperação de estudos, a assistência ao aluno com problemas de aprendizagem, para garantir-lhe a promoção; consequentemente, como estratégia política, este sistema funcionaria para elevar a produtividade da escola, como uma condição para se atingir a democratização quantitativa do ensino. [...] Como estratégia pedagógica a ser adotada, o PEE (Plano Estadual de Educação) 1969/1970 recomendava que a recuperação das áreas de aprendizagem deveria ser feita regularmente, de preferência, no decorrer do próprio ano letivo, e que só em caráter especial deveria ser a recuperação realizada após o 4° e 8º anos de escolaridade. [...] Ocorre que estas determinações não foram cumpridas por total falta de condições estruturais e de apoio técnico-pedagógico às escolas. (KOCH, 1985, p. 33-41). Simplificando: O previsto no Plano Estadual de Educação (1969/1970), para que o aluno pudesse avançar progressivamente, não foi cumprido. Houve progressão na hierarquia escolar, mas sem os conhecimentos correspondentes, ou seja, apenas Promoção Automática. A Portaria N/20/24/05/2010/SC também determina (Art. 8º) recuperação de estudos ao longo do ano e sempre que o rendimento do aluno for inferior a sete (7), realizada, obrigatoriamente, antes da publicação das notas. O Art. 9º (§ 1º) preconiza que: Aos alunos com baixo rendimento escolar, é obrigatória a oferta de atividades pedagógicas paralelas às séries em curso ao longo do ano letivo, desenvolvidas por meio de grupos de estudos, monitoria, atendimento individualizado em horários extraclasse, comprovação de aproveitamento de estudos, novas oportunidades de avaliação individualizada, entre outros. 4 A Resolução N/7/14/12/2010/CNE determina, nos artigos 26, 27, 28, 29 e 35, um conjunto de medidas, que praticadas, em muito contribuiria para melhorar a aprendizagem. a) Art. 26: os sistemas de ensino e as escolas assegurarão adequadas condições de trabalho aos seus profissionais e o provimento de outros insumos, de acordo com os padrões mínimos de qualidade referidos no inciso IX do art. 4º, da Lei nº 9.394/96 e em normas específicas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, com vistas à criação de um ambiente propício à aprendizagem, com base: I - no trabalho compartilhado e no compromisso individual e coletivo dos professores e demais profissionais da escola com a aprendizagem dos alunos; II - no atendimento às necessidades específicas de aprendizagem de cada um mediante abordagens apropriadas; III - na utilização dos recursos disponíveis na escola e nos espaços sociais e culturais do entorno; IV - na contextualização dos conteúdos, assegurando que a aprendizagem seja relevante e socialmente significativa; V - no cultivo do diálogo e de relações de parceria com as famílias. Parágrafo único. Como protagonistas das ações pedagógicas, caberá aos docentes equilibrar a ênfase no reconhecimento e valorização da experiência do aluno e da cultura local que contribui para construir identidades afirmativas, e a necessidade de lhes fornecer instrumentos mais complexos de análise da realidade que possibilitem o acesso a níveis universais de explicação dos fenômenos, propiciando-lhes os meios para transitar entre a sua e outras realidades e culturas e participar de diferentes esferas da vida social, econômica e política. b) Art. 27: Os sistemas de ensino, as escolas e os professores, com o apoio das famílias e da comunidade, envidarão esforços para assegurar o progresso contínuo dos alunos no que se refere ao seu desenvolvimento pleno e à aquisição de aprendizagens significativas, lançando mão de todos os recursos disponíveis e criando renovadas oportunidades para evitar que a trajetória escolar discente seja retardada ou indevidamente interrompida. §1º Devem, portanto, adotar as providências necessárias para que a operacionalização do princípio da continuidade não seja traduzida como “promoção automática” de alunos de um ano, série ou ciclo para o seguinte, e para que o combate à repetência não se transforme em descompromisso com o ensino e a aprendizagem. §2º A organização do trabalho pedagógico incluirá a mobilidade e a flexibilização dos tempos e espaços escolares, a diversidade nos agrupamentos de alunos, as diversas linguagens artísticas, a diversidade de materiais, os variados suportes literários, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes investigativas, as abordagens complementares e as atividades de reforço, a articulação entre a escola e a comunidade, e o acesso aos espaços de expressão cultural. c) Art. 28: A utilização qualificada das tecnologias e conteúdos das mídias como recurso aliado ao desenvolvimento do currículo contribui para o importante papel que tem a escola como ambiente de inclusão digital e de utilização crítica das tecnologias da informação e comunicação, requerendo o aporte dos sistemas de ensino no que se refere à: I - provisão de recursos midiáticos atualizados e em número suficiente para o atendimento aos alunos; II - adequada formação do professor e demais profissionais da escola. d) Art. 29: A necessidade de assegurar aos alunos um percurso contínuo de aprendizagens torna imperativa a articulação de todas as etapas da educação, especialmente do Ensino Fundamental com a Educação Infantil, dos anos iniciais e dos anos finais no interior do Ensino Fundamental, bem como do Ensino Fundamental com o Ensino Médio, garantindo a qualidade da Educação Básica. §1º O reconhecimento do que os alunos já aprenderam antes da sua entrada no Ensino Fundamental e a recuperação do caráter lúdico do ensino contribuirão para melhor qualificar a ação pedagógica junto às crianças, sobretudo nos anos iniciais dessa etapa da escolarização. 5 §2º Na passagem dos anos iniciais para os anos finais do Ensino Fundamental, especial atenção será dada: I - pelos sistemas de ensino, ao planejamento da oferta educativa dos alunos transferidos das redes municipais para as estaduais; II - pelas escolas, à coordenação das demandas específicas feitas pelos diferentes professores aos alunos, a fim de que os estudantes possam melhor organizar as suas atividades diante das solicitações muito diversas que recebem. [...] e) Art. 35: Os resultados de aprendizagem dos alunos devem ser aliados à avaliação das escolas e de seus professores, tendo em conta os parâmetros de referência dos insumos básicos necessários à educação de qualidade para todos nesta etapa da educação e respectivo custo aluno-qualidade inicial (CAQi), consideradas inclusive as suas modalidades e as formas diferenciadas de atendimento como a Educação do Campo, a Educação Escolar Indígena, a Educação Escolar Quilombola e as escolas de tempo integral. Parágrafo único. A melhoria dos resultados de aprendizagem dos alunos e da qualidade da educação obriga: I - os sistemas de ensino a incrementarem os dispositivos da carreira e de condições de exercício e valorização do magistério e dos demais profissionais da educação e a oferecerem os recursos e apoios que demandam as escolas e seus profissionais para melhorar a sua atuação; II - as escolas a uma apreciação mais ampla das oportunidades educativas por elas oferecidas aos educandos, reforçando a sua responsabilidade de propiciar renovadas oportunidades e incentivos aos que delas mais necessitem. 3.3.1 Quanto a discurso e realidade O funcionamento da rede escolar estadual catarinense está muito distante do preconizado na Portaria N/20/24/05/2010/SC e na Resolução N/7/14/12/2010/CNE, conforme relatos de professores que atuam na terceira série do Ensino Fundamental da referida rede em Tubarão e outros fatos, explanados a seguir. O magistério, por intermédio do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de SC, SINTE, trava forte contencioso com o governo pela “defesa do reajuste do piso na carreira conforme prevê a lei 11.738/08. Por isso, exige que o governo aplique a todos os percentuais que não foram repassados aos trabalhadores referentes aos anos de 2012 e 2013.” (SANTA CATARINA, 2013). Sem tal medida, a diferença de salários para quem ascende na qualificação é praticamente nula. Notícias sobre escolas da rede estadual catarinense, interditadas pela Vigilância Sanitária, são constantes. Só no município de Joinville, dos 29 mil, cerca de 8 mil alunos não voltaram aos bancos escolares no início do ano letivo 2013. “Eles estudam nas nove escolas que foram interditadas em dezembro do ano passado pela Vigilância Sanitária.” (JORNAL A NOTÍCIA, 2013). Processo de “reenturmação” (agrupar alunos de uma mesma série, às vezes de turno diferentes, numa mesma sala de aula, que estavam em salas diversas) foi suspenso em todas as escolas da rede estadual de Tubarão (SC), em 10 de maio de 2013, por intervenção da Promotoria de Justiça, Infância e Juventude, depois que alunos, professores e pais tomaram as ruas, em diversas regiões do Estado, para protestar contra os prejuízos para a aprendizagem. (JORNAL NOTISUL, 2013). O Governo justificou: a medida economizaria cerca de 2 milhões de reais, que seriam investidos na infraestrutura escolar. Uma evidência segura de que, para os parcos investimentos em Educação, mantém-se a política do ‘cobertor curto’, com desprestígio para o setor pedagógico. Segundo levantamento do UOL, nos microdados do Censo Escolar 2012, Santa Catarina é um dos sete estados brasileiros em que o número de contratos temporários de professores (59,8%) ultrapassa a quantidade de efetivos (concursados ou estáveis). Este alto 6 índice de professores temporários prejudica o trabalho pedagógico, desenvolvido nas escolas e o desempenho dos alunos. Pesquisas do Jornal Folha de São Paulo (20/06/2010) mostram que os resultados na aprendizagem aparecem somente quando os investimentos chegam ao professor. Em geral, também do ponto de vista do pedagógico (capacitação e assistência), os professores estão abandonados. Sobre as indispensáveis capacitações para concretizar o previsto nas supracitadas Resolução e Portarias, simplesmente não aconteceram, como assegurado pelo presidente do Tribunal de Contas de Santa Catarina, Salomão Ribas Júnior, em reunião no plenário do Conselho Estadual de Educação, no dia 04 de abril de 2013. Disse ele: O pior professor é o que menos vai ao curso de capacitação, para apontar deficiência encontrada por auditoria operacional realizada pela Corte Catarinense de Contas, na seleção de professores do ensino fundamental da rede estadual para a capacitação continuada. Decorrente da auditoria, o plano de ações da Secretaria de Educação e Inovação (SED) gerou o processo de monitoramento (PMO 10/00610109), apreciado no final do ano passado. Quanto às determinações à secretaria, constatouse que apenas uma foi atendida e três permanecem em curso. É o caso do mapeamento das necessidades de capacitação. Das sete recomendações, o que ainda preocupa, conforme observou o Presidente, é que nenhuma medida foi adotada para a promoção de soluções conjuntas a fim de aperfeiçoar o projeto e o processo de coordenação dos cursos de capacitação destinados aos professores. (PEREIRA, 2013). Compreendem-se “os prejuízos que a reprovação pode causar”, como o da desistência – problema que a aprovação compulsória visa resolver. Assim também se percebe a impossibilidade de “ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para prosseguir os estudos”, simplesmente eliminando a retenção dos alunos, como na prática ocorre. Este objetivo – contribuir para solucionar o problema da evasão escolar - melhor se concretizaria, se fossem implementados os meios, muitos deles previstos no Sistema de Avanços Progressivos, Portaria e Resolução mencionados, para que de fato o aluno aprenda. Como visto acima, não o foram. “Nos Estados Unidos e Inglaterra, a promoção automática surgiu como coroamento de um longo período de pesquisa e aperfeiçoamento sobre currículos, metodologias de ensino, instalações e pessoal docente qualificado.” (WALKER, 1980, p. 52 apud PEREIRA, 1958, p. 106). Sucedeu que tais ideias foram erroneamente transplantadas para o Brasil. 3.4 Como os alunos concluem os períodos de não retenção Para melhor conhecer a realidade dos alunos que foram submetidos ao Sistema de Avanços Progressivos, Koch (1985) foi a campo colher relatos de docentes trabalhadores das séries básicas do Ensino Fundamental e que podem ser lidos a seguir: A realidade por nós observada na escola foi que parte dos alunos promovidos não dominavam os conteúdos básicos da leitura, interpretação, escrita e redação. Não sabiam as quatro operações fundamentais da matemática e não dispunham de habilidades e experiências que atestassem um bom desempenho escolar. Em todas as séries foi constatada a existência de alunos não alfabetizados e semi alfabetizados. Muitos alunos do Ensino do 1º grau foram empurrados até as classes de recuperação (nas 4ªs e 8ªs séries) sem ao menos estarem alfabetizadas.[...] Na pesquisa de campo que desenvolvemos, ficou evidente o baixo nível da qualidade do ensino fundamental. Nas primeiras séries, era elevado o número de crianças fracassadas. Mais de 50% se evadiam e outras tantas não conseguiram se alfabetizar nos oito 7 anos de passagem pela escola. Por isso, a maioria concluía o Ensino de 1° Grau sem os conhecimentos básicos necessários ao prosseguimento dos estudos e ao enfrentamento da vida e do trabalho. Esta situação põe em evidência o problema mais grave e persistente do sistema educacional catarinense, o fracasso escolar, camuflado no período de vigência do Sistema de Avanços Progressivos. (KOCH, 1985, p. 38-40). Altenburg (1977), citada por Walker (1980, p. 52), observou “o elevado número de alunos em classes de recuperação ao final da 4ª série e o relativamente alto índice de semi alfabetizados, ao final da 2ª série.” Ou seja, os alunos chegaram ao final do primeiro período de não retenção (4ª série), no Sistema de Avanços Progressivos, sem os conhecimentos necessários para acompanharem o regime seriado, se fosse o caso (É que no referido sistema havia um segundo período sem retenções, da 5ª a 8ª série). O problema da evasão foi adiado para a 4ª série e, para os que prosseguiram na escola, para a 8ª e, depois para a 1ª série do Ensino Médio (na época Segundo Grau), por absoluta dificuldade de acompanhamento. Depoimentos de professores que atuam nas terceiras séries do Ensino Fundamental – cujos alunos estão desde a primeira no programa de não retenção –, em escolas da rede estadual de Tubarão, demonstram que os problemas de aprendizagem, 40 anos depois, são idênticos: “Alguns deles não conseguem copiar do quadro, não sabem separar as palavras no fim de uma linha, não conseguem sozinhos trocar a página do caderno, quando a concluem, precisando do auxílio do professor, não conseguem trabalhar com tesoura e cola, mostrando defasagem na coordenação motora fina. Uns só conhecem as vogais; outros, as sílabas simples; outros, as letras do alfabeto, mas não as juntam mentalmente para formar sílabas e não leem fluentemente. Uma defasagem visivelmente gritante. A maioria dos alunos chega ao terceiro ano de escolaridade sem conhecer as sílabas complexas.” Tais professores mostraram-se angustiados pela impossibilidade de “fazer em um ano o trabalho não realizado em 2: que o aluno leia, escreva, e interprete” e temem levar a culpa se não o conseguirem. 3.5 Aprovação escolar facilitada e oportunidade de aprendizagem diminuída O afrouxamento e a desmotivação para os estudos reiniciaram em Santa Catarina com a vigência da Resolução N 158/08/CEE/SC, a qual trouxe no seu bojo, aspectos que favorecem a aprendizagem, mas também a fórmula MB X 1,7 + NF X 1,3 = 14, que define a nota que o aluno precisa, no exame final, para passar de ano (Artigo 6º). Preconiza a dita Resolução, no inciso II, do Artigo 6º que, para ser aprovado, o aluno precisa ter média anual de bimestres igual ou superior a 3,0. Não obstante, todas as médias bimestrais do ano, iguais ou acima de 0,8 - colocadas na citada fórmula, permitem alcançar os 14 pontos exigidos para aprovação. A fórmula contradiz o texto. Reza também o Artigo 6º que, com média anual dos bimestres igual ou superior a 7,0, o aluno está aprovado sem necessidade do exame final. Colocando, porém, esta média na fórmula acima, o aluno ainda precisa de 1,6 para chegar aos 14 pontos. Outra contradição entre texto e fórmula. Esta fórmula, ainda, diminui a exigência para quem tem menor média anual ser aprovado. Observe-se que se o aluno tem média anual igual a 3, pela fórmula anterior precisaria obter nota igual a 9,7 na prova final, para ser aprovado. Pela nova fórmula, bastam 6,8. Uma diminuição de 2,9 pontos, substancial, mesmo considerando o valor relativo e não absoluto das notas. Contraditoriamente, se o aluno tem média anual igual 7, pela fórmula anterior era aprovado sem necessidade de prova final. Pela atual, ainda precisa de 1,6 nesta avaliação. 8 Assim, o aluno que tem média anual menor precisa de menos nota na prova final para passar de ano. Se tem média maior, precisa de mais. Nas duas situações, deveria ocorrer o contrário. A supracitada fórmula impõe o oposto da meritocracia, que, observado pelo aluno, se torna fortíssimo fator de desmotivação para os estudos. Aliás, o ‘valor de troca’ ainda prepondera na cultura escolar brasileira. Se o aprendiz verifica, por menor que seja a percepção, ser possível ser aprovado sem a necessidade de estudar, simplesmente não estuda. É preciso que a escola enfatize ‘o valor de uso’. 3.6 Melhoria da aprendizagem é normatizada, mas não se concretiza. Comparando a Resolução N/158/08/CEE/SC com a antecessora, a de N/ 023/ 2000/CEE/ SC, detectam-se avanços que, se praticados em sala de aula, contribuirão, de forma significativa, para melhorar a aprendizagem e, consequentemente, a permanência do aluno na escola, também no regime seriado. Dentre os avanços, destacam-se: a) a inclusão do “caráter cumulativo” da avaliação (Artigo 3º), e das “atitudes e valores”, na apreciação dos aspectos qualitativos da aprendizagem (Artigo 5º); b) a ênfase no “conceito descritivo”, como alternativa de registro que qualifica a intervenção pós-diagnóstico (Artigo 5º); c) a definição do que significa “rendimento inferior”, para que o aluno faça recuperação (Artigo 6º) - embora discorde que sejam as notas menores que 7,0. A baixa expectativa produz, inevitavelmente, baixos resultados. Por exemplo, se o aluno obtém nota 9,0 - deve celebrar, mas prosseguir os estudos, objetivando os 10% que faltaram, mesmo que se considere, como exposto acima, o valor relativo das notas; d) o reforço na recuperação paralela, como obrigação da escola em oferecer mais e melhores oportunidades de aprendizagem para o aluno. Sem as devidas capacitações quase nada saiu do papel. 4. Ampliando a reflexão sobre aprovação/reprovação escolar. As altas e persistentes taxas de reprovação – embora em queda, não camuflada, em Santa Catarina entre 2007 e 2010 – revelam que a escola pública, salvo as exceções de praxe, continua preparada para atender apenas a parcela da sociedade, que historicamente sempre foi atendida. Avançou, ao facilitar o acesso dos mais pobres, mas não aprendeu a ensiná-los, o que os exclui em seguida. Ensinar para poucos, para aqueles que aprendem em qualquer escola ou apesar dela, não tem mérito algum. Capacitar a escola, portanto, para ensinar na diversidade é missão urgente ou as desigualdades sociais e a violência, já gritantes, recrudescerão. O aprendizado deficiente tem como consequência imediata a reprovação, que infere ponderações: 1) É a principal causa excludente intraescolar, que se converte em exclusão social e marginalidade. A crescente e assustadora massa de jovens envolvidos com a criminalidade tem, entre tantas, uma característica comum: estão fora da escola; 2) Ela (reprovação) não acontece como uma morte súbita. Antes da formal, o aluno passa por lentas e dolorosas reprovações informais (considerando apenas os aspectos de conteúdos), que aos poucos o aniquilam: Ao não compreender o que fala o professor, sente-se incapaz, diminuído perante os colegas, perdido em sala de aula. Desanima e perde a vontade de ir à escola. Se permanece forçado, como determina o APOIA (Programa em que as escolas devem tomar providências para que os alunos evadidos possam retornar e, se não conseguirem informam ao Ministério Público), mas sem aprender, compensa, na maioria das vezes, com atitudes de indisciplina; 3) As provas do SAEB derrubaram um mito que há muito tempo influencia pais e professores: o de que reprovar contribui para o aluno “ficar mais forte”. As aludidas avaliações constataram que, em todas as turmas, os alunos considerados mais “fracos” são 9 justamente os repetentes. Reprová-los, então, não os fortaleceu. Até porque apenas reprovouse, atestou-se que ainda não sabe, mas nada se fez para que aprendesse. Assim é natural que as dificuldades permaneçam ou se agravem, porque, passam a carregar o rótulo de “repetentes”, o que diminui as próprias expectativas, a dos professores, dos colegas e dos pais que, infelizmente, muitas vezes se conformam, aquiescendo: “Eu também era assim, tinha cabeça dura”. Este conjunto de não expectativas contribui, decisivamente, para construir/manter/construir o fracasso escolar e social. Mas atenção! O fato de serem evidenciadas as mazelas e os equívocos da reprovação, não significa, absolutamente, defesa da aprovação automática. Reforça-se: reprovado/evadido ou aprovado compulsoriamente, o aluno continua privado do capital mais importante: o conhecimento. O desafio é ensiná-lo de forma que aprenda significativamente e permaneça na escola o tempo suficiente para aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, como recomenda a UNESCO. 4.1 Em defesa do regime seriado com os meios para que o aluno aprenda. O principal prejuízo que a aprovação compulsória acarreta para os processos de ensinar e de aprender é o afrouxamento dos compromissos dos alunos e dos pais, que acabam por influenciar o professor. Como referido, para muitos deles, o conhecimento tem ‘valor de troca’ por notas. O aluno estuda para passar de ano. Para ‘trocar’ por notas com o professor, por meio das avaliações. Se já se sabe aprovado, compulsoriamente, compreende que de nada precisa para trocar. Ou seja, não precisa estudar. O objetivo já foi alcançado: está aprovado. Muitos pais concebem, também, tal desnecessidade. Já se fez referência, neste estudo, sobre a necessidade, urgente, de a escola trabalhar, com pais e alunos, também, o ‘valor de uso’ do conhecimento. Se o professor avalia só para atribuir notas e decidir se o aluno aprova ou não – e como o aluno já está aprovado compulsoriamente –, julga não ser preciso avaliar. Quer dizer, desperdiça indispensáveis oportunidades para colher subsídios que orientam sobre o melhor ensinar e o melhor aprender. A permanência do aluno na escola, com sucesso, melhor se concretizará com o efetivo cumprimento do previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). “Prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento” é incumbência da escola (artigo 12) e do professor (artigo 13). O regime seriado (artigo 24) – que a princípio não respeita o ritmo próprio de cada aluno, por estabelecer tempo igual (semestre ou ano) para que os diferentes (alunos), com seus naturais diferentes ritmos, aprendam as mesmas coisas (o que pode ser superado com a atenta observação, trabalho diversificado e monitorias) – resgata o comprometimento dos alunos, pais e professores com os processos de ensinar e de aprender. Sem tais comprometimentos, perdidos ou afrouxados com a aprovação compulsória, mudanças de concepções do saber e da avaliação, capacitações, condições de ensino, estrutura e outros, dificilmente o ensino e a aprendizagem ocorrem e de forma significativa. 5. Conclusões e encaminhamentos Estudos de Altenburg (1977), Koch (1985) e Silva (1986) permitem entrever similaridades entre o Sistema de Avanços Progressivos (implantados nas décadas de 70 e 80, no Estado de Santa Catarina) e a aprovação compulsória e facilitada, em vigor (2013), no mesmo Estado (Portaria N/20/24/05/2010/SED/SC, Resolução N/7/14/12/2010/CNE e Resolução N/158/08/CEE/SC, respectivamente). Em especial, quanto ao não cumprimento do 10 previsto para que o aluno pudesse aprender mais, de forma significativa, e permanecer por mais tempo na escola, com sucesso, em especial, nos períodos seguintes ao da aprovação compulsória. Devido, principalmente, a este não cumprimento, os alunos chegaram completamente defasados ao final do período de não retenção (4ª série, nos Avanços Progressivos e 3ª série, na Aprovação Compulsória, em vigor). Tal situação dos alunos permite concluir que a forma como se implantou (ou se transplantou), de novo, a não retenção dos alunos, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pode contribuir para melhorar as estatísticas de aprovação escolar e a permanência dos alunos na escola, no período em questão, mas não a aprendizagem, que é o que favorece a permanência do aluno na escola, também no regime seriado. Tais afirmações se devem, também, ao fato de que: 1. A simples ciência da não retenção provoca inevitável comodismo, quando não, desinteresse, de pais e alunos. Afinal, o estudante já está aprovado ou precisará de pouco para sê-lo. Isto somado à escassez de valores e de limites, em casa e na escola, potencializa a indisciplina, dificultando ainda mais a aprendizagem. O conhecimento, para eles, tem “valor de troca” (por nota) em vez de “valor de uso”. A este ambiente já bastante improdutivo, acrescenta-se, ainda, a oficial diminuição das expectativas de aprendizagem, que demandará, além do desânimo, menor esforço, também do professor. Se o aluno não reprova, se pode ser alfabetizado ao final do terceiro ano letivo, por que tanto esforço no primeiro e no segundo? O Avanço Progressivo também passou a ser visto por professores e pais de alunos como facilitador da passagem da criança pela escola. A conclusão a que eles chegaram era de que o ensino havia perdido a sua seriedade e caído no descrédito. Por isso, queriam mudanças no método de ensino e a extinção da Promoção Automática. (KOCH, 1985, p. 42). 2. Considera-se outro elemento agravante o fato de os professores, em sua maioria, aplicarem, tão somente e, de forma inadequada, a função classificatória da avaliação - decidir se o aluno vai adiante ou repete – própria do final das Séries (no regime seriado) e dos períodos de não retenção. E, como não mais reprova, compreendem como desnecessário o avaliar. Ou seja, eles concebem o não reprovar como não necessidade de avaliar. É um dos grandes equívocos deste processo, em que o professor se autopriva de informações fundamentais para melhorar o ensino e a aprendizagem de forma significativa. Deveriam todos os professores, independentemente se no regime seriado ou aprovação compulsória, Ensino Infantil, Básico ou Superior, utilizar e muitas vezes, a função diagnóstica (da avaliação) das dificuldades do ensino e da aprendizagem, para superá-las, via intervenções imediatas e com outras metodologias, como determina a Resolução N/158/08/CEE/SC. Isto sim contribui para melhorar a aprendizagem e a permanência do aluno na escola. 3. A possibilidade de “ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos” – como justifica a Resolução N/7/14/12/2010/CNE, artigo 30, para impor a não retenção dos alunos nos três primeiros anos do Ensino Fundamental – está sendo reduzida, apenas, à ampliação do período (em vez de no final do 1º ano letivo, no final do 3º), para decidir se o aluno aprova ou reprova. Isto porque, os sistemas de ensino não cumprem, como anteriormente visto, a “obrigação de incrementar os dispositivos de valorização do magistério e recursos que demandam às escolas e seus profissionais para melhorar a atuação” (artigo 35). Não foram implementados, assim, ao menos os meios previstos na legislação para que o aluno pudesse aprender mais e significativamente. 4. Esta realidade, acrescida da deficiência de conteúdos, metodologia e assistência ao trabalho docente, resulta no afrouxamento e no descrédito do sistema escolar, na diminuição 11 das oportunidades de aprendizagem e, em consequência, da permanência do aluno na escola, também e principalmente, no regime seriado. Aconteceu em Santa Catarina, nas décadas de 70 e 80, com a adoção do Sistema de Avanços Progressivos, que se tornou efetiva Promoção Automática. Acontece em muitos municípios e estados brasileiros com a adoção dos Ciclos e se acentua por todo o Brasil com a simples e pura imposição da não retenção pela Resolução N/7/14/12/2010/CNE. É lamentável, mas onde quer que ocorra e da forma como vem sendo feita, a aprovação compulsória traz, em seu bojo, implícito, indigno descaso com o futuro do cidadão que depende da escola pública. Esta, em vez de envidar esforços para que o aluno aprenda significativamente, impõe artifícios – como a aprovação compulsória e facilitada – para que passe, célere, pelo sistema escolar. Tão danoso quanto reprovar e, em função disto sair da escola, é passar por ela sem aprender. Nas duas situações, o aluno prossegue desprovido do capital mais importante que é o conhecimento. Na última, ele é enganado ao receber um certificado com o valor de um cheque sem fundos. Este aluno será mantido distante das novas formas de produção e de gestão da economia. Será mão-de-obra desqualificada, barata, desempregado ou candidato a engrossar a crescente e assustadora massa marginal, enquanto o Brasil importa trabalhador qualificado, e as empresas obrigam-se a fazer retrabalho, se quiserem os colaboradores de que necessitam. Permanecerá alienado dos direitos e dos deveres. Será facilmente manipulado e (re) elegerá os que legitimamente vão continuar a espoliá-lo e lesar o Brasil. Em vez de ajudar na construção de uma sociedade mais equânime, necessitará de ajuda. Será, salvo as exceções de praxe, perda total. Diante desta sombria realidade para parcela majoritária dos catarinenses, brasileiros e da Nação, sugere-se que sejam, simultaneamente, melhoradas as oportunidades de aprendizagem, em parte, previstas nas legislações citadas; trabalhados, com professores, alunos e pais, as concepções de conhecer e de avaliar e procedimentos metodológicos decorrentes; e, ainda, retomado o regime seriado em todos os anos letivos do Ensino Fundamental. Este é o norte para que Santa Catarina e o Brasil continuem diminuindo a reprovação dos alunos, tão somente porque eles estão aprendendo mais - fator intraescolar, preponderante, que contribui para o avanço e permanência com sucesso na escola, também no regime seriado. Referências ALTENBURG, Hella. Avanços progressivos e critérios absolutos na avaliação do rendimento. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1977. AUSUBEL, David P. Educational psychology: a cognitive. Nova York: Rinehart and Wiston. 1968. BRASIL. Lei n. 9394/96: lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução N/7/14/12/2010. Brasília, 2010. ______. Resolução N/023/2000/CEE/SC. Brasília, 2000. JORNAL A NOTÍCIA. Com escolas estaduais interditadas, cerca de 8 mil alunos ficam sem aula em Joinville. Disponível em: <www.clicrbs.com.br/especial/RS/precisamosderesposta [email protected]>. Acesso em: 2 maio 2013. 12 JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. 20 junho 2010. JORNAL NOTISUL. Reenturmação: processo está suspenso. (11/12 de maio de 2013). KOCH, Zenir Maria. Sistema de avanços progressivos: a política educacional dos anos 70/80 em Santa Catarina. Perspectiva. Florianópolis, UFSC/CED, NUP, n. 23 p. 27- 45, 1985. LUCKESI, Cipriano. Avaliação da aprendizagem escolar: investigação e intervenção. Avaliação na educação. Futuro Congressos e Eventos. 2005. PEREIRA, Moacir. Jornal Diário Catarinense (blog). Disponível em: <wp.clicrbs.com.br/moacirpereira>. Acesso em: 12 abr. 2013. PERRENOUD, Philippe; MACEDO, Lino. Situação problema: forma e recurso de avaliação, desenvolvimento de competências e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007. SANTA CATARINA. Sindicato dos Trabalhadores em Educação SC – SINTE. Boletim Eletrônico, n. 21. Disponível em: <www.sinte-sc.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2013. ______. Portaria N/20/24/05/2010. Florianópolis, 2010. ______. Secretaria da Educação. Proposta curricular. Florianópolis, 2004. SILVA, Maurício da. Ensino pela atitude, Jornal A Notícia (Joinville) e Notisul (Tubarão), Santa Catarina, 2004. ______. Avaliação, projeto da escola e projeto social. Episteme. Unisul, Tubarão, SC, n. 11, 1997. ______. Avaliação no ensino de matemática: mecanismo intra-escolar de desescolarização? São Paulo: UNICAMP/UNICENTRO, 1993. 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