JORNAL-LABORATÓRIO DO QUARTO ANO DE JORNALISMO DA FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO DA UNISANTA
ANO XVII - N° 130 - ABRIL/2012 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - SANTOS (SP)
90
anos
Há 90 anos, em fevereiro de 1922,
uma verdadeira revolução
aconteceu na arte
brasileira. A responsável pela
transformação foi a Semana de
Arte Moderna, em São Paulo, que
abriu espaço para a renovação nas
artes visuais, literatura e música. E
mudou o panorama da cultura
no Brasil.
2012
EDITORIAL
COLETIVA
Semana 22
deixa suas
influências...
Esta edição do Primeira
Impressão trata da Semana da
Arte Moderna de 1922, contando
a história de seus principais artistas, como Tarsila do Amaral,
Di Cavalcanti, Mário, Oswald
de Andrade, Lasar Segal, Ismael Ney, entre outros. Você irá
conhecer também sobre a influência dessa Semana no teatro
brasileiro, em entrevistas com o
professor Gilson Barros de Melo,
da Universidade Santa Cecília
(UNISANTA), com o reconhecido diretor teatral Tanah Corrêa e
o secretário de Cultura de Santos,
Carlos Pinto. Outra reportagem
que explica bem a importância
do acontecimento é a entrevista com a professora e escritora
Beatriz Rota-Rossi, também da
UNISANTA.
Sobre arquitetura, o chefe
de Departamento da Secretaria
de Planejamento, Ney Caldatto
Barbosa, e o professor de História da Arquitetura e Urbanismo
da UNISANTA, Luiz Nunes,
contam sobre as diferenças pré e
pós Semana de 22. Já sobre literatura, o escritor Alaor Barbosa,
que vive em Brasília, explica as
mudanças que a Semana de 22
trouxe na forma de escrever dos
romancistas brasileiros.
Nossos repórteres foram longe
nesta edição, com o objetivo de
torná-la completa. O professor de
Português da Yale University, nos
EUA, Kenneth David Jackson,
fala sobre a revolucionária jornalista Patrícia Galvão, Pagu. De
Portugal, a escritora Maria Estela Guedes conta a repercussão
que a Semana 22 teve além-mar.
O editor da Revista Literatas,
Eduardo Quive, explica direto
de Moçambique o que mudou na
África por conta do acontecimento. Música, artes plásticas e muito mais você encontra por aqui.
:
Leis de incentivo à cultura não são
democráticas, diz Martins
JULIANA KUCHARUK
Aline Almeida
Formado em História pela Universidade de São Paulo, o professor
Reinaldo Martins criticou a maneira que as verbas públicas alcançam os artistas, alegando que,
apesar de ter uma boa intenção, a
Lei Rouanet não é tão eficaz. “Os
artistas têm de pedir esmolas aos
empresários”. Segundo Martins,
isso acontece porque quem decide
se vai vincular o nome da empresa
a um determinado trabalho artístico é a própria empresa.
Para ele, o que acontece hoje na
cultura brasileira é um erro acerca
do papel do Poder Público. “Quem
deveria avaliar e apoiar financeiramente, de maneira democrática, é
o Estado”. O modelo vigente prejudica diretamente os artistas que,
para ter financiamento, devem vincular-se a determinadas empresas,
“Os artistas têm de pedir esmolas aos empresários”, afirmou o vereador Reinaldo Martins (PT)
e depender do interesse financeiro
delas. “Para algumas empresas,
certas obras não interessam já que
ficam em esfera municipal, caso de
uma peça que só será encenada em
Santos – o que não interessa estas
empresas, que buscam espetáculos
que atinjam um maior número de
cidades e público. “Quem se preju-
dica com isso são os artistas de menor repercussão, que dificilmente
conseguem o apoio financeiro”.
Martins é pós-graduado em Sociologia pela PUC-SP e discorda de
como a cultura é hoje disseminada.
O capitalismo inibe os pequenos
artistas. “Tudo depende do lucro,
do retorno que cada obra dará”.
Por conta disso, segundo ele, muitos ganham pouco ou nada por
suas obras.
Em entrevista coletiva aos alunos do 4° ano de Jornalismo da
UNISANTA, ele aproveitou para
contar sobre suas experiências
como secretário de Cultura de Santos, e como chegou ao cargo de vereador. “Eu tentei fugir da política,
mas teve um momento em que não
consegui mais”.
Ele também falou sobre a Semana de Arte Moderna de 1922,
e sobre as comemorações dos 90
anos. “A Semana de 22 foi um
sintoma, as pessoas começavam
a sentir uma transformação no
país”. Mas questionou a importância dela para a cultura brasileira.
“Ela não foi estopim de nada. De
repente, no momento atual, talvez
não queira dizer nada para nós,”
concluiu.
Semana de Arte Moderna não
foi estopim de mudanças
Igor Augusto
O ex-secretário de Cultura de
Santos e professor de história e
vereador Reinaldo Lopes Martins
afirmou que a Semana de Arte
Moderna de 1922 não foi estopim
de grandes mudanças. “Ela (a Semana) não alterou nada, foi um
sintoma das transformações que
o País passava”, afirmou Martins
durante entrevista coletiva, no último dia 20 na Universidade Santa
Cecília (UNISANTA).
Segundo o ex-secretário, a sociedade brasileira passava de um
sistema agrário para industrial em
1922. E os artistas daquela época
refletiram essa essência em suas
obras. Porém, Martins não sabe
se o aniversário de 90 anos da Se-
mana, completado em 2012, deveria ser comemorado. “O evento foi
importante, pois captou a essência
daquela época e um bom artista
é aquele que capta esta essência.
Mas será que as propostas e experiências dos modernistas ainda
querem dizer algo nos dias de hoje?
A sociedade é diferente, sempre temos de contextualizar”.
Cultura
Martins revelou que a cidade de
Santos criou alguns mitos, como o
de ser um pólo do teatro, e se alimenta deles até hoje. “Já tivemos
Plínio Marcos, Pagu e outros. Mas
tudo isso antes de 1964, quando
a cidade era um forte centro econômico, político e consequentemente cultural. A partir de 64, a
Análise
do professor
Os textos de Aline Almeida
e Igor Augusto conseguiram
captar corretamente as considerações do entrevistado a respeito
da Semana de 22 e da legislação de incentivo cultural, entre
outros aspectos abordados pelo
professor Reinaldo Martins,
durante a boa entrevista concedida aos alunos do Primeira
Impressão. (FLSJr)
cidade tomou uma cacetada, com
esvaziamento econômico e cultural. Ela não tinha nem autonomia
para eleger o prefeito”, disse o ex-
-secretário.
Para Martins, desde então o cenário cultural padece de criatividade e investimentos. “Talvez, com
a chegada do pré-sal, o potencial
econômico volte, o que vai refletir
na cultura, pois mais pessoas virão
para cá”.
Porém, o ex-secretário acredita
que ainda assim as pessoas dificilmente irão assistir algo no teatro.
“Elas só vão para ver peças com
atores globais, não com amadores.
A televisão criou um padrão cultural, padrão estético. Nem sempre
o incentivo e a criatividade vão
adiantar. E não sei como quebrar
este padrão, talvez com educação
cultural com as crianças, como
existem alguns projetos”, concluiu
Martins.
A Semana que
não terminou
uma etapa de rejeição ao conservadorismo da época – literário,
O ano é 1922. Ano em que se visual e musical – do que um aconcomemorava o centenário da Inde- tecimento de propostas e criações
pendência do Brasil. O ano em que de novas linguagens. Ou seja, a inos jovens pretendiam redescobrir o tenção dos artistas era a de expor
Brasil, libertando-o de certo modo suas obras, já influenciadas por
das amarras que o prendia aos pa- movimentos artísticos estrangeidrões estrangeiros. Surgem ali os ros, como o cubismo, o expressioprimórdios da arte moderna brasi- nismo e diversas ramificações pósleira que durariam até meados dos -impressionistas.
anos 70. Foi no Teatro Municipal,
Como surgiu
em São Paulo, nos dias 13, 15 e 17
A Semana de 22 começou a
de fevereiro, que aconteceu a priser pensada na década de 1910,
meira Semana de Arte Moderna.
A Semana de 22, como é popu- quando já surgiam os primórdios
larmente conhecida, representou desta transição em revistas e exuma transição na linguagem cul- posições, como a de Anita Maltural da época e é apontada por fatti, em 1917. Faziam parte dos
muitos historiadores como um dos planos de Oswald de Andrade e
principais fatores para o início do Menotti Del Picchia transformar a
modernismo no País. Também é arte brasileira da época. Partindo
tida como uma “revolução” na lin- deste princípio, os dois tinham a
guagem em busca de experimen- intenção de no ano do centenário
tação, na liberdade criadora de da Independência do Brasil juntar
ruptura com o passado. Neste mo- todas essas ideias em exposições.
Com diversos artistas aparecenmento, a arte, música e literatura
do
no
cenário entre o eixo Rio-São
começavam a ganhar outra forma.
O evento marcou época ao Paulo, e as inspirações de países
apresentar novas ideias e concei- como França, Espanha e Portutos artísticos. Entre eles, estavam gal, Andrade e Del Picchia, que
a poesia através de declamação contaram com o apoio de Graça
(que, até então, era feita somente Aranha, foram os principais noem prosa), e a música, que come- mes do movimento. Nesta época, o
çou a ser apresentada através de nome de Tarsila do Amaral comeconcertos, em que só havia can- çava a se firmar no mundo da arte.
A cidade escolhida foi São Pautores sem acompanhamentos de
lo
e
isto pela fase econômica que o
orquestras sinfônicas. A arte plástica exibida em telas, esculturas e Estado vivia naquela época. Com
maquetes de arquitetura, passou a o apoio do então presidente estadual, Washington Luiz, e especialreceber o conceito de “nova”.
Para especialistas, a Semana de mente o do advogado e escritor
Arte Moderna de 1922 desempe- René Thiollier, que conseguiu arnha na história da arte brasileira recadar 847 mil réis, a semana de
A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou época e
seus efeitos se refletem até hoje, por meio de obras de
arte e do próprio dinamismo cultural.
Karina Carneiro
A semana
Segunda-feira, 13 de fevereiro
de 1922: o primeiro dia de exposições da primeira Semana de Arte
Moderna no Teatro Municipal recebeu diversos artistas que marcariam a primeira fase do modernismo brasileiro. Às 20 horas, o
evento foi inaugurado com uma
exposição de artes plásticas no
saguão do teatro. As várias pinturas e esculturas causaram certo
repúdio e espanto do público, que
até então não considerava o novo
movimento como arte, mas sim
como “certa loucura” dos jovens
expositores.
Graça Aranha fez uma conferência – intitulada de A Emoção
Estética na Arte Moderna - que, de
certo modo, não foi bem assimilada pelos presentes. A palestra foi
ilustrada por meio de músicas a
cargo de Ernani Braga e leituras
de poesia por Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho. Simultaneamente, acontecia o concerto de
DIVULGAÇÃO
Prata da Casa Aline Porfírio
A roqueira da Imprensa vicentina
Isabella Paschoal
Jornalista recém-formada,
Aline Porfírio Ribeiro, de 22
anos, concilia a responsabilidade de ser chefe do Departamento de Jornal, na Prefeitura
de São Vicente, com a tietagem
de suas bandas de rocks favoritas. “Dois dias antes do show do
Guns n’ quatro ingressos para o
festival. Aliás, já fiquei 15 horas de pé, sem comer, para ver
o Guns n’ Roses, em São Paulo,
em março de 2010. Foi inesquecível!”, conta.
Mesmo adorando shows internacionais, Aline não gosta
de tumulto. Prefere assistir na
arquibancada. “Já fui a vários:
Kiss, Metallica, Duran Duran,
Lynard Skynard, Bon Jovi, U2,
Aerosmith... Acho que só”,
conta, rindo.
Apesar de ser roqueira e roqueiros terem fama de doidões,
a maior qualidade da moradora
do bairro Solemar, na cidade de
Praia Grande, é a responsabilidade. Estudou no colégio Júlio
Secco de Carvalho, na divisa
com Mongaguá, durante toda
sua vida. Desde muito pequena,
Aline sonhava fazer Jornalismo.
“Na quarta série, eu tinha um
jornal na escola, o Jornal Sorriso, rodado no mimeógrafo”,
conta.
Ao se formar no Ensino Médio, ela conseguiu uma bolsa integral do Prouni. “Quando me
inscrevi no programa, coloquei
as cinco opções como Jornalismo. Meu pai quase me matou,
pois ele queria que eu fizesse
Engenharia,
Administração
ou qualquer coisa que desse dinheiro”, conta. Mas, como sempre gostou de escrever e narrar
histórias, Aline contrariou o
pai e, em 2008, se matriculou
na Universidade Santa Cecília,
em Santos. “Era uma viagem
todos os dias até a faculdade”,
afirma.
Em 2009, Aline conseguiu
conquistar seu primeiro estágio.
“O primeiro estágio é uma situação meio complicada, pois nem
todos dão oportunidades para
o estudante começar; por isso,
só consegui no segundo ano de
faculdade”, desabafa. Foi por
meio do processo seletivo da
Prefeitura de São Vicente, conforme classificação das notas,
que ela foi chamada para estagiar na Secretaria de Imprensa
e Comunicação Social (Seicom).
“Fiz de tudo para aproveitar ao
máximo o que o estágio me ofereceu”, conta.
Aline passou por todas as atividades da Assessoria: clipping,
acompanhamento da programação da TV, escutas, produção
de notas e press releases, organização de documentos e acompanhamento de imprensa. “Confesso que nunca gostei muito de
clipping, recortar papel e colar
não é muito comigo”, conta.
Durante sua fase como estagiária, o momento de que mais
gostou foi a cobertura da Encenação da Vila de São Vicente,
pois a divulgação do espetáculo
é totalmente feita pela assessoria, desde o press-kit até o agendamento das TVs com os artis-
tas principais. “Foi cansativo,
mas é legal a ligação com o elenco, os diretores, a produção e os
convidados. Acabamos fazendo
um extenso trabalho de assessoria”, afirma.
Em novembro de 2010, ela
foi convidada pelo secretário de
imprensa a ocupar o cargo de
chefe do Departamento de jornal, logo após a saída de um dos
chefes da assessoria. “Fiquei
meio assustada, pois ainda estava na faculdade. Mas aceitei o
desafio”, conta. O contrato de
Aline vale até o final deste ano,
por meio da nomeação de cargo
de confiança. “Depois das eleições, veremos o que pode acontecer”.
Como chefe do Departamento, Aline coordena os estagiários, atende a imprensa da região, agenda matérias, corrige
e faz releases, gerencia a atualização do site e acompanha
entrevistados da Prefeitura em
matérias. Apesar de ser chefe
e responsável por um departamento com pouca idade, Aline
REPRODUÇÃO
Aline Porfírio trabalha na assessoria de SV
não tem certeza se quer seguir
nessa área. “Isso é uma dúvida
cruel pra mim”, confessa. Mesmo gostando de assessoria, a
intenção dela é conciliar a um
trabalho na área de jornalismo
impresso. E não sonha baixo.
Seu maior objetivo é a revista
Rolling Stone. “Adoro música,
cultura, cinema, perfis”, conta.
EXPEDIENTE - Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e Comunicação da UNISANTA - Diretor da FaAC: Prof. Humberto Iafullo Challoub Coordenador de Jornalismo: Prof. Dr. Robson Bastos – Responsáveis Prof. Dr. Adelto Gonçalves, Prof. Dr. Fernando De Maria e Prof. Francisco La Scala Júnior. Design Gráfico
e diagramação: Prof. Fernando Cláudio Peel - Fotografia: Prof. Luiz Nascimento – Redação, fotos, edição e diagramação: alunos do 4º ano de jornalismo – Editora de foto:
Juliana Kucharuk Primeira página: Igor Augusto - Foto capa: Reprodução e Reprodução Ivan Baeta – Coordenador de Publicidade e Propaganda: Prof. Alex Fernandes
- As matérias e artigos contidos nesse jornal são de responsabilidade de seus autores. Não representam, portanto, a opinião da instituição mantedora – UNISANTA –
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2
Edição e diagramação: Karina Oliveira
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
DIVULGAÇÃO
arte aconteceu na Cidade.
Assim, Thiollier conseguiu trazer para o evento artistas do Rio
de Janeiro, entre eles Plínio Salgado e o próprio Menotti Del Picchia.
Como São Paulo sempre fora
o principal exportador de café do
País, os fazendeiros cafeeiros, sobretudo Paulo Prado, foram os
principais investidores para que a
semana de arte moderna saísse do
papel.
Abaporu, um dos mais conhecidos quadros de Tarsila do Amaral, sintetizou o novo marco das artes plásticas no Brasil
As apresentações do último dia da semana ficaram a cargo de Villa-Lobos
música de câmara, com composições de Heitor Villa-Lobos.
Na segunda parte do primeiro
dia daquela semana houve a conferência de Ronald de Carvalho, que
discorreu sobre “A pintura e escultura moderna no Brasil”. Neste
momento, vários eventos aconteciam ao mesmo tempo no teatro.
Solos de piano por Ernani Braga,
que executou, entre outras, a Valsa mística da Simples Coletânea,
de 1917.
Outra apresentação musical foi
a de Ottetto – Danças Africanas
– com Farrapos, Dança dos Moços, Kankukus, Dança dos Velhos,
Kankikis e Dança dos Meninos. As
obras foram executadas por Paulina d’Ambrósio e George Marizzuni nos violinos; Alfredo Gomes
no violoncelo; Alfredo Carazza no
baixo; Pedro Vieira na flauta; Antão Soares no clarino e Frutuoso
de Lima Viana no piano.
Apesar do estranhamento com
a nova arte proposta por aqueles
jovens, o primeiro dia transcorreu
tranquilamente. No segundo dia,
uma quarta–feira, 15 de fevereiro,
a atração principal da noite seria
a pianista Guiomar Novaes. Contra a vontade dos demais artistas,
durante o intervalo de uma das
apresentações, ela aproveitou para
tocar diversos clássicos consagrados, atitude aprovada pelo público
mediante aplausos.
Apesar da presença da pianista, foi Menotti Del Picchia quem
roubou as atenções daquela noite.
Com uma exposição sobre estética, o artista apresentava novos
escritores e a reprovação do público acabou sendo geral. Sob vaias
e protestos em forma de latidos,
miados e relinchos, Ronald de Carvalho, um dos literatos convidados
por Del Picchia, recitou o poema
Sapos, de Manuel Bandeira, que
estava impossibilitado de fazê-lo
devido à tuberculose.
A segunda parte da noite ficou
a cargo de Renato de Almeida, que
apresentou o poema Perennis Poe-
sia, e Frederico Nascimento Filho
e Lucília Villa-Lobos, que executaram Canto e Piano.
O último dia da semana, sexta-feira, 17 de fevereiro, foi o mais
tranquilo para os convidados. As
apresentações musicais ficaram
por conta de Villa-Lobos e diversos
convidados. O inusitado ficou por
conta do próprio músico ao entrar
para se apresentar de casaco, mas
calçando sapato social em um dos
pés e chinelo no outro. O público
encarou a situação como desrespeitosa e vaiou o artista impiedosamente.
A Semana de Arte Moderna se
completou em todas as suas ações
como uma síntese de pesquisas
feitas por todos esses artistas. Estabelecida até aquele momento de
certa forma, caótica, começava ali
o primeiro movimento do modernismo no Brasil, representado na
escultura, pintura e literatura.
Após a realização da Semana
de 22, alguns artistas fundamentais que participaram do evento
voltaram para a Europa, como
Oswald de Andrade, dificultando
a continuidade do processo que se
iniciava no País. Outros, como Di
Cavalcanti, aproveitaram a oportunidade para conhecer o exterior.
Naquela época, o evento não
teve tanta importância; nem para
o público e nem para a imprensa,
que noticiava muito pouco a respeito da semana em si. Os holofotes geralmente estavam apontados
para as situações inusitadas provocadas pelos artistas.
Foi somente com o passar dos
anos que os frutos da semana começaram a tomar forma e a se
projetar ideologicamente e a se
consolidar, produzindo diversos
movimentos culturais posteriores,
como o Tropicalismo. O fato é que
todos de alguma forma deixaram
e deixam sua herança e marcas na
cultura nacional.
Por isso, pode-se dizer que a Semana de Arte Moderna ainda não
terminou.
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Edição e diagramação: Karina Carneiro
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
3
A Semana que
não Teatro
herdou conceitos da
mudou o teatro
Semana
Para o secretário deCultura, Carlos Pinto, a influência artística do Modernismo só foi sentida décadas depois
FOTOS DIVULGAÇÃO
Lucas Moura
música, mas encontrou oposição
dos órgãos de repressão da ditadura militar (1964-1985). “Fui
preso e agredido por integrantes
das forças da repressão e a peça,
depois de ensaiada, não chegou
a ir à cena”, conta, lembrando
que, poucos meses antes, em
São Paulo, um grupo de cerca
de cem pessoas da organização
direitista Comando de Caça aos
Comunistas (CCC) invadira o
Teatro Galpão e espancara os
artistas e depredara o cenário
da peça.
Por isso, na visão do jornalista, mesmo que tardiamente,
o teatro veio a ser atingido pela
Semana de Arte Moderna. “Isso
fica claro na linguagem, no texto fora do padrão europeu de
escrita, no figurino e no cenário.
Aliás, o cenário dessas peças recebeu muita influência do pessoal das artes plásticas, que criou
na Semana de 22”, diz o jornalista, lembrando ainda que essas obras de arte influenciaram
também arquitetos, como Oscar
Niemayer.
Segundo o jornalista, a Semana de Arte Moderna pode ter
chegado tardiamente ao teatro,
mas foi de grande importância
cultural. “Nessa virada da concepção da cultura brasileira,
muitos intelectuais contribuíram para realizar um conceito
próprio e dar maior identidade
à cultura nacional em todos os
setores artísticos”, reconhece.
O cenário teatral só fez valer as ideias da Semana de Arte Moderna a partir dos anos 50 e 60
não houve um marco histórico. “São
questões pontuais. Não podemos falar
que o fato de um artista ter feito um
cenário para determinada peça signifique que isso mudou a trajetória do
teatro no Brasil. Ele apenas fez uma
intervenção teatral. Aconteceram fatos esporádicos sim, mas de relevância
histórica não”.
Ele ainda destaca que não houve
continuidade dos trabalhos realizados. “O teatro é único. Fez o cenário,
acabou. Nada mudou. Ninguém ficou
influenciado. Não vieram outros artistas para desenvolver aquela estética
específica”.
de manifesto destinado a comuni- que tenham se destacado ao longo
Corrêa lembra ainda que o Tea- brasileira, com personagens e hiscar, através do teatro, a realidade dos anos com montagens de au- tro de Arena revelou artistas como tórias nacionais.
Já em 1966, Dias Gomes (1922A Semana de Arte Moderna nacional. “Nesta montagem, era tores modernistas. Os espetáculos Gianfrancesco Guarnieri, autor
nítida
a
influência
herdada
pela
apresentados
por
diferentes
grue
ator
que
nos
anos
1960
e
1970
1999)
escreveu Santo Inquérito,
de 22, através do seu idealizador,
Di Cavalcanti (1897-1976), contou Semana de Arte Moderna, pelas pos foram relevantes para levar o lançou textos voltados à realidade uma das grandes peças brasileiras
com o apoio de diversos artistas ideias dos pensadores e pela heran- estilo ao conhecimento da socie- nacional, discutindo problemas so- modernas por suas intenções ardade brasileira. “Existiam e exis- ciopolíticos impactantes. Na peça tísticas e por suas preocupações
brasileiros que buscavam ali uma ça cultural deixada por eles”, diz.
“Em
1922,
eu
não
havia
nascido
tem diversos espetáculos teatrais Eles não usam black-tie, escrita sociais.
identidade própria e liberdade de
e o Zé Celso também não. Então, até hoje. Zé Celso, por exemplo, é por ele, Guarnieri abre o período
Plínio Marcos (1935-1999) tamexpressão.
esta
influência
adquirida,
a
partir
uma
grande
influência
deste
tipo
da
fase
nacionalista
do
grupo
que
bém utilizou a linguagem moderEntre os destaques da dramaturgia está o paulista Oswald da montagem do texto de Oswald de comportamento. Foram tantas integra. “Esta é uma maneira de nista em seus textos. O autor do
de Andrade (1890-1954). A peça de Andrade, que teve início com as montagens dirigidas por ele no mostrar o novo, já que anterior- clássico Dois Perdidos Numa NoiO Rei da Vela, escrita por ele em Zé Celso no cenário teatral, passou grupo de atores do Teatro Oficina mente todas as produções teatrais te Suja, escrito em 1966, aponta os
1933, representa a década de 30 e para uma série de atividades cul- que não podemos calcular a im- eram cópias do que vinha de fora problemas sociais da cidade de São
marca uma época de preocupações turais e artísticas que conheceram portância da sua iniciativa”, re- do País, como os atuais musicais Paulo.
encenados no Brasil”, afirma.
Segundo Corrêa, o Teatro Moe compromissos sociais. A obra é mais profundamente os conceitos lembra.
Além do Teatro Oficina, havia
“As peças que vinham para o derno ganha importância por exconsiderada o primeiro texto mo- da Semana de 22 e deram origem
dernista para o teatro. O autor também ao Movimento Tropicá- o Teatro de Arena, nas décadas Brasil tinham o conceito de visu- por assuntos polêmicos de maneira
de 50 e 60, que revelou os atores alização exatamente igual ao que aberta, profunda e com riqueza de
criou uma linguagem e humor típi- lia”, explica.
O
texto
de
Oswald
de
Andrade
Augusto Boal (1931-2009) e Gian- era feito lá fora. A partir da mon- detalhes. “Há uma gama de autocos do modernismo.
Segundo o diretor teatral TaVAGNER ADACIANO/DIVULGAÇÃO
nah Corrêa, o teatro não estava
entre os objetivos que a Semana de
22 visava atingir. Após retornarem
da Europa, Oswald de Andrade e
Anita Malfatti (1889-1964) – pintora que se destacou realizando a
primeira exposição modernista
brasileira em 1917 -, puderam trazer para o Brasil ideias vistas em
uma série de movimentos artísticos culturais na década de 20, precisamente em 1921. Ambos receberam influências principalmente
das artes plásticas, da música e da
literatura, através da poesia. Isso
contribuiu com a realização da Semana de Arte Moderna brasileira.
Realizada entre os dias 11 e 18
de fevereiro no Teatro Municipal
de São Paulo, estiveram presentes
à manifestação cultural personalidades importantes como Mário de
Andrade (1893-1945), considerado
o criador da poesia moderna brasileira, e Villa Lobos (1887-1959),
um dos compositores mais interpretados na Semana de Arte, entre
tantos outros nomes.
A Semana de 22 não teve uma
repercussão artística imediata ligada ao teatro. A importância do
movimento introduziu suas ideias Para Corrêa, o texto de Oswald de Andrade foi decisivo para a cultura brasileira e cita a peça O Rei da Vela como estímulo à criação da Tropicália, influenciando artistas como Caetano Veloso
a longo prazo, quando se expandiu
e deu origem a outros movimentos. foi decisivo para a cultura brasilei- franceso Guarnieri (1934-2006); o tagem de O Rei da Vela, herdeira res que se beneficiaram das ideias
Tanah Corrêa cita como referência ra além do teatro. De O Rei da Vela grupo Pod Minoga, representado da Semana de 22, é que se procu- da Semana de 22. Foram diversas
o Movimento Antropofágico. “O surgiu um movimento cultural por Naum Alves de Souza; o Pes- rou, nas décadas de 1950 e 1960, realizações que se destacaram no
cenário teatral brasileiro começou musical, a Tropicália, influencian- soal do Victor, um dos grupos tea- criar-se um tipo de dramaturgia, cenário e que receberam influência
a receber influência dos conceitos do diversos artistas como Caetano trais formados na década de 1970, de realização teatral que trazia direta da Semana de Arte Moderapresentados no palco do Teatro Veloso, Arrigo Barnabé e Itamar entre outros que também se desta- essa força da Semana de Arte Mo- na”, diz. “Melhor do que receber a
Municipal paulista somente nas dé- Assumpção (1949-2003).
influência de um movimento artíscaram nesse processo de trabalho derna”, acrescenta Corrêa.
cadas de 50 e 60”, explica Corrêa.
tico, a Semana de Arte Moderna
que era chamado de antropofagia.
de 22 deixou uma herança históriGrupos teatrais e montagens
Segundo o diretor teatral, conEterna herança
Década de 60
Diversos grupos teatrais rece- ceito de antropofagia é quando o
Diversos autores iniciaram suas ca para a cultura brasileira”.
No teatro, a influência direta da beram a influência dos textos mo- indivíduo/sociedade recebe infor- carreiras na dramaturgia por inSemana de 22 está na montagem dernistas e inseriram este conceito mações culturais artísticas e trans- fluência do modernismo. Em 1943,
O Rei da Vela
de Zé Celso – José Celso Martinez em suas montagens. Os textos mo- forma esse comportamento de foi encenada pela primeira vez a
O texto de Oswald de Andrade,
Corrêa – de O Rei da Vela, em dernos tinham como característica acordo com o comportamento da peça Vestida de Noiva, de Nelson escrito em 1933, e considerado in1967. Líder do grupo de atores do chocar os conservadores por fugir sua raiz, ou seja, absorve o com- Rodrigues (1912-1980). As ações viável em termos de encenação até
Teatro Oficina, Zé Celso redesco- completamente da estética euro- portamento vindo de outra raiz, simultâneas mostravam em três então, fornece elementos de reflebriu a obra de Oswald de Andrade péia. As ideias inovadoras que bus- incorporando-o no seu comporta- planos a realidade, a alucinação e xão sobre a crise daquele momenque estava proibida desde o Esta- cavam a verdade nas situações cor- mento. “Consumimos as formas a memória. A peça é um marco na to brasileiro.
do Novo (1937-1945).
A fábula de um industrial de
riqueiras, semelhantes às ações dos importadas, neste caso do cenário história da dramaturgia nacional e
Segundo Corrêa, O Rei da Vela personagens em relação à socieda- teatral europeu, e produzimos algo deu início ao processo de moderni- velas, arruinado em função de
recebeu tratamento ousado e ori- de, eram o retrato do texto moder- genuinamente nacional, sem co- zação, propriamente dito, do tea- empréstimos impagáveis, retrata
ginal que o diretor enfatizou ao no que atraia os atores e diretores. piar de maneira descarada o que tro brasileiro.
a condição do país, alvo de uma
utilizar um discurso agressivo, elePara Corrêa, não há como citar dominava o cenário artístico anteO autor retratava em suas pe- mentalidade autoritária e mesquivando sua montagem à categoria nem medir o número de grupos rior à Semana de 22”, diz.
ças temas da pequena burguesia nha.
wwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww
wwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww
Ela é lembrada por muitos
pela revolução de ideias, mas a
Semana de 22 não foi somente a
revolução artística. Foi também
da forma de se olhar a cultura
brasileira. Nomes que fizeram
parte desta história não faltam
como Menotti Del Pichia, Mário
de Andrade e Oswald de Andrade, que deram uma grande virada na literatura brasileira, além
dos expoentes das artes plásticas e música que fizeram parte
dessa Semana.
No teatro, a mudança não foi
tão imediata quanto nas outras
áreas que a Semana influenciou.
A grande obra para o teatro dessa época foi a peça O Rei da Vela,
de Oswald de Andrade, escrita
em 1933. A encenação da peça
só foi acontecer em 1967, pelas
mãos do dramaturgo e diretor
de teatro José Celso Martinez
Corrêa, que deu toda a estética
e dimensão para a obra.
Para o jornalista, diretor teatral e secretário de Cultura de
Santos, Carlos Pinto, a ação da
Semana de Arte Moderna não
foi tão influenciadora na época,
mesmo contando com personalidades de renome. “Para mim,
foi mais um revolução de intelectuais. Claro que houve a mudança na estética dos cenários,
do figurino e dos textos, mas
não foi além disso”, diz.
Esta grande virada, que a
Segundo Carlos Pinto, o teatro ganhou com a Semana após a encenação da peça O Rei da Vela, a primeira a romper barreiras em razão do texto
Semana proporcionou à cultura brasileira, segundo Pinto,
foi mais sentida na música, literatura e artes plásticas, pois
nestas áreas nomes como Villa-Lobos, Di Cavalcante, Tarsila
do Amaral e Oswald de Andrade foram muito presentes nas
grandes composições culturais
da época.
Pinto observa que o teatro
demorou a ter uma influência da Semana, pois, na época,
ainda copiava muito o modelo
francês de encenação. Segundo
ele, isso foi mudando quando
dramaturgos e diretores de tea-
tro da Itália, Espanha e França
começaram a vir para o Brasil
acossados pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “Com
a chegada dos grandes intelectuais europeus, o teatro ganha
mais linhas nacionais. Os textos
e montagens são feitos aqui e
dramaturgos poucos conhecidos, como Nelson Rodrigues,
ganham uma projeção imensa com ajuda desses diretores e
dramaturgos”, ressalta o jornalista.
De acordo com Pinto, o teatro ganhou com a Semana, após
a encenação da peça O Rei da
Vela, que foi a primeira a romper barreiras com um texto
mais forte. Outros textos também ganharam notoriedade,
como Vestido de Noiva, cuja primeira montagem é de 1943, sob
a direção do polonês Zbigniew
Marian Ziembinski, que chegara
ao Brasil dois anos antes, e Roda
Viva, que também fizeram parte do movimento de renovação
do teatro brasileiro.
A propósito de Roda Viva,
Pinto recorda que, em 1968,
tentou montar em Santos a
peça, escrita por Chico Buarque, responsável também pela
Peças não foram afetadas
Joyce Salles
A Semana de Arte Moderna foi um
marco na história da arte, porém para
o artista plástico e professor da Unisanta, Gilson de Melo Barros (foto a direita), a manifestação pouco impactou
o setor teatral.
“A semana foi um lançamento da
pedra filosofal de um novo pensamento
que foi a principal vertente do Movimento Modernista, desenvolvido durante 30 anos”, contou o artista.
Para Gilson, algumas modificações
aconteceram a partir desse ato fun-
4
dador, mas não ao que diz respeito ao
teatro. “Devemos considerar que a Semana de 22 ocorreu apenas em um curto período e não teve uma amostragem
real de teatro”.
O impacto do evento só foi notado
anos depois em obras de alguns artistas, como Oswald de Andrade, escrevendo textos teatrais, como O Rei da
Vela e O Homem e o Cavalo, que foram
escritas nos anos 30 e que surgem com
uma iconoclastia (quebra de ícones)
do movimento modernista. “Mas ele
não trouxe o elemento fundamental da
transformação teatral no Brasil. Esse
Edição e diagramação: Mariana Serra
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
fato só aconteceu em 55, com Vestido de
Noiva, de Nelson Rodrigues”, explicou.
A literatura se desenvolveu mais
que o teatro. O herói modernista Macunaíma é do principio do Movimento.
“Depois dele virão outros romancistas
que vão abraçar a brasilidade ou até
mais que isso: a regionalidade”. Entre
os autores estão Erico Veríssimo, falando do Rio Grande do Sul, e Guimarães
Rosa, de Minas Gerais. Sem contar Jorge Amado descrevendo sobre a cultura
baiana e Nelson Rodrigues, a carioca.
Essa literatura quando chega aos
anos 50 já esta estabilizada, e fatalmente os novos autores vão capturar
essa essência do “herói brasileiro”, que
mudará o teor da escrita e atingirá o
setor teatral.
O teatro brasileiro se desenvolve em
busca de uma estética própria. “Até
Nelson Rodrigues, nós tínhamos um
teatro calcado na comédia francesa.
No teatro italiano, não era uma cópia.
É um trabalho de diretores de fora que
vinham fazer suas obras no Brasil e
traziam suas escolas de expressão. Nelson Rodrigues vai influenciar uma geração de atores”, destaca.
Segundo Barros, a distância de datas foi considerável e por isso, para ele,
Para Gilson, quem
rompeu barreiras
foi
Nelson Rodrigues,
com Vestido de
Noiva, em 1955
Jéssica Amador
Edição e diagramação: Cauê Goldberg
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
5
Navios iluminados
revolução artística ou releitura?
pela literatura
Semana de 22:
Para o escritor Ademir Demarchi, doutor em Letras pela USP, os modernistas encontraram um novo modo de ver o
passado e reclassificar a cultura brasileira
Julia Brancovan
Com 90 anos completados
em fevereiro, a Semana de
Arte Moderna de 1922 reuniu artistas, poetas e músicos
que marcaram época e que
hoje são importantes personagens da história do Brasil.
Nomes da música, literatura
e artes plásticas como Victor Brecheret, Di Cavalcante,
Ronald de Carvalho, Paulo
Prado, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Menotti Del
Picchia, Mário e Oswald de
Andrade, Tarsila do Amaral e
Anita Malfatti foram algumas
das figuras presentes neste
importante evento do movimento modernista do início
do século XX. Mas será que
a Semana de 22 foi, de fato,
o momento definidor da concepção contemporânea da
cultura brasileira?
Na opinião do jornalista
Ademir Demarchi, doutor
em Letras pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) e
editor da revista de literatura Babel, tratando-se de
literatura, a Semana de Arte
Moderna foi o evento mais
importante de manifestação
do Modernismo. “O que realmente importou foram as
obras literárias que concretizaram os ideais defendidos
durante a Semana”, diz.
Entre os escritores, Dermarchi destaca Mário de
Andrade, Manuel Bandeira
e Oswald de Andrade, que
formularam as ideias da antropofagia contemporânea.
“Oswald reuniu concepções
fundamentais sobre como
nós, brasileiros, lidamos com
a cultura estrangeira nos dias
de hoje”, lembra.
“Nós a consumimos, transformamos e a adaptamos
para a nossa própria cultura
e, por conta disso, sua obra
vem ganhado valorização
crescente”, acrescenta.
Em sua essência, o movimento modernista, segundo
Demarchi, argumentava que
as novas realidades do século XX eram permanentes e
eminentes e que as pessoas
deveriam adaptar suas visões de mundo a fim de aceitar que “o que era novo era
também bom e belo”.
Embora os jovens entusiastas do movimento modernista propusessem uma
nova realidade às manifestações artísticas, no Brasil o
movimento não se opunha a
todas as realizações artísticas anteriores, e sim a tudo
aquilo que impedisse a criação livre. Assim, o modernismo propunha uma mudança
nos padrões estéticos, substituindo-os pelo “engrossamento” dessas obras, mudando seu padrão.
Mas não se pode negar o
desejo dos escritores da época em conhecer e explorar o
passado como fonte de criação, não como norma para se
criar. Obras criadas durante o movimento modernista
como o livro Macunaíma, de
Mário de Andrade, e as pinturas inovadoras de Tarsila
do Amaral são, na verdade,
trabalhos que se baseiam na
era anterior ao modernismo.
Diante disso, o modernismo
não seria apenas uma releitura das formas tradicionais
já existentes?
Para Dermarchi, os ideais
modernistas propunham mudança, pois era um movimen-
DIVULGAÇÃO
na Itália que era ministrado
pelas academias de arte europeias desde o século XVI).
“Tarsila do Amaral foi notória nisso, ao pintar o tempo presente, as fábricas, os
operários e cenas da cultura
brasileira com cores novas,
com visão livre das formas,
muito diferente da arte certinha retratista que queriam
derrubar”, diz Demarchi.
Já a literatura ganhou em
riso e deboche, com um
humor peculiar presente
em obras como Macunaíma e nos poemas-piadas de
Oswald de Andrade e até
mesmo num lirismo irônico
de Manuel Bandeira. Havia,
claro, muitos conservadores
e acadêmicos nesse meio,
como Graça Aranha, que
nada tinha de novo a apresentar.
Mas havia um impulso notável para que houvesse renovação; por isso, os artistas
e escritores brasileiros estavam ávidos pelas novidades
que vinham de fora, sobretudo da França.
Mesmo que tenham reliDemarchi conta que a Semana de 22 foi o evento mais importante de manifestação do Modernismo do o passado, absorvendo
as realizações artísticas anteriores, os modernistas ento ligado com o novo e com poeta, jornalista e ativista contraram um novo modo de
as novas tecnologias que Filippo Tommaso Marinetti encará-lo e, assim, a cultura
vinham de fora. “Com a im- (1876-1944). Nascido na ci- do País foi reclassificada, para
plantação e crescimento da dade egípcia de Alexandria, alguns, sob um viés mais inera da revolução industrial, Marinetti foi o autor do Ma- ternacionalista, afinado com
o automóvel era um ícone da nifesto Futurista, símbolo as vanguardas europeias,
nova sociedade modernis- que representa um dos pri- para outros, mais nacionalista, que estava em busca de meiros movimentos da arte ta, apegados à política.
“Logicamente houve muinovos tempos e tecnologias moderna. O manifesto foi
vindas do exterior”, diz.
publicado pelo jornal fran- ta relutância com esse novo
O jornalista esclarece que cês Le Figaro em fevereiro apregoado, pois a sociedade tradicional, por exemplo,
o Modernismo teve como de 1909.
sua principal influência o
Com essa influência, o adorava o soneto, abominado
Movimento Futurista, que se modernismo pregava o anti- pelos modernistas que preiniciou na Europa no século -academicismo (método de feriam o verso livre e desboXX por iniciativa do escritor, ensino artístico originado cado”, conclui Demarchi.
Sem pesquisa é impossível
saber sobre a Semana de 22
tado de S. Paulo e ou nos deLuciano Agemiro
mais diários da Capital e das
Ao completar 90 anos, a principais cidades do EstaSemana de Arte Moderna, do, a informação foi bastantambém conhecida como Se- te limitada. Surgiram alguns
mana de 22, quase não apa- anúncios pagos sobre exporeceu na mídia de massa, em sições em galerias de arte
todo o Brasil. Alguns veículos para comemorar os 90 anos
limitaram-se a divulgar press da Semana de 22.
Em uma chamada para o
releases de exposições esCaderno
de Cultura do jornal
palhadas por todo o País. De
concreto, apenas uma entre- O Globo, do Rio de Janeiro, o
vista com o jornalista Marcos texto dizia que a reportagem
Augusto Gonçalves, autor do trazia a opinião de especialivro 1922: o ano que não ter- listas sobre a importância do
minou (São Paulo, Companhia evento. No geral, todos dedas Letras, 2012), no dia 4 de ram um breve relato sobre a
abril, no programa do apre- Semana, porém sem profunsentador Jô Soares, na Rede didade.
A exceção ficou mesmo
Globo. Foi a entrevista sobre
por
conta do jornalista Maro tema da Semana de 22 que
maior repercussão alcançou cos Augusto Gonçalves, ex-editor da Folha de S. Paulo,
na mídia.
Na Folha de S. Paulo, em Es- no programa de TV. Ao apre-
“
Parece que
a cultura é
uma coisa
que não
pode ser
dividida
entre os
outros
”
Marcos augusto
gonçalves,
jornalista e escritor
sentador, Gonçalves falou
dos fatos marcantes ocorridos em São Paulo, como
o terremoto que assustou a
cidade dias antes do encontro, em 27 de janeiro, ou a escolha do quadro de Tarsila
do Amaral para representar
o evento, ainda que a artista
não tenha participado, pois
estava em Paris. Na época,
apenas a elite paulistana foi
convidada para participar da
Semana. “Parece que a cultura é uma coisa que não pode
ser dividida entre os outros”,
revela o jornalista.
Passadas nove décadas
depois do evento, a cultura
ainda permanece acessível
apenas aos interessados. Diferentes de assuntos cotidianos e passageiros, a Semana
de 22 passou despercebida
6
Rafael Moreira
A Semana da Arte Moderna de
1922 foi um marco e representou a
ruptura de padrões culturais, alterando principalmente a literatura.
E é justamente isso que o assessor
de imprensa da Prefeitura de Cubatão, colunista do site Porto Gente e
mestre em História Social Alessandro Atanes deixa explícito em sua
dissertação de mestrado História e
Literatura no Porto de Santos: o romance de identidade portuária, que
estuda o livro Navios Iluminados,
de Ranulpho Prata, e outras obras
que têm o porto santista como
tema.
Apaixonado por história, literatura e pela Cidade, o jornalista
decidiu unir as três coisas abordando o maior símbolo santista,
segundo ele. Por conseqüência, a
dissertação feita para concluir seu
mestrado na Universidade de São
Paulo (USP) chamou a atenção da
Secretaria de Cultura de Santos e
faturou o prêmio do Fundo Muni-
“
cipal de Cultura.
Para Atanes, Navios Iluminados, muito mais que uma obra literária, é um símbolo da segunda
fase do pré-modernismo. Segundo
Os artistas
ele, após a antropofagia da segunacompanham
da fase do modernismo, entre as
décadas de 20 e 30, quando o roas mudanças
mance passa a ser a principal forsociais e a
ma de expressão dos artistas, aconlinguagem
tece a multiplicação de romances
de literatura proletária, que prega
muda um
a revolução, em 1930.
pouco, mas
“O que vem nas publicações a
a qualidade
seguir foi uma reflexão sobre como
essa revolução não aconteceu. E é
segue a mesma.
justamente nessa época que o RaA arte não para.
nulpho Prata publica seu livro”. O
lançamento de Navios Iluminados
ALESSANDRO ATANES
coincidiu com a implantação do
jornalista
e escritor
Estado Novo por Getúlio Vargas, o
que contribui ainda mais para que
Atanes considere a obra o principal
símbolo do sentimento de “fracasso” quanto à expectativa de revolução. “O autor capta o momento coisa de transformar, além do que
de transformação de uma forma o próprio autor consegue perceber
muito forte. A literatura tem essa racionalmente.”
”
Livro foi uma das poucas obras lançadas
pelos olhos da imprensa.
As exposições em homenagem ao encontro não
foram exploradas, apenas
anunciadas. Embora a Semana de 22 tenha ocorrido nos
dias 13, 15 e 17 de fevereiro,
as emissoras de TV, praticamente, ignoraram os eventos
relativos ao acontecimento
dentro das comemorações
dos 90 anos. Na época, estavam mais preocupadas com
os eventos carnavalescos.
Atanes relembra outra obra,
desta vez de Luís Bueno, para relatar esta nova fase da literatura brasileira. A História do Romance de
30 analisa, em 600 páginas, todos
os livros lançados na época sobre
o romance dos anos 30. “No livro,
Bueno fala que é o momento da
nova dúvida, romance representativo dessa nova fase, na qual já não
há expectativas de que aconteçam
grandes transformações sociais no
Brasil”.
Ele conta por que deu preferência à publicação de Ranulpho Prata para escrever sua dissertação.
“É um romance muito forte, muito
bonito, que mostra um momento
que a Cidade estava se expandido.
A história se passa no Macuco. Os
personagens moram ali e não saem.
Vivem em função de trabalhar no
porto”. Para ele, Navios Iluminados só não ganhou notoriedade
pelo fato de ter sido escrita por um
autor anônimo em relação aos mais
populares. “Prata não obtém o reconhecimento que merece”.
Além disso, ele confessa ter se
identificado com a história por esta
se passar no Macuco, mesmo bairro onde morou e acompanhou de
perto a rotina dos trabalhadores
portuários (a grande maioria deles
morava nesse bairro). “É um romance muito triste, no sentido que
os protagonistas não conseguem
sair de uma vida muito ruim que
têm no Macuco”.
Sobre sua dissertação, ele explica o surgimento do interesse: “Saí
de Santos em 1996 após me formar
em Jornalismo para trabalhar em
Cuiabá. Quando voltei, em 99, já
gostava de literatura e acompanhava a Cidade, mas como leitor. Em
seguida, comecei a sentir vontade
de estudar a história de Santos”.
Quanto à literatura contemporânea, ele acha que os escritores abordam os temas de maneira
mais suave, mas sem alterar sua essência. “Os artistas acompanham
as mudanças sociais e a linguagem
muda um pouco, mas a qualidade
segue a mesma. A arte não para”.
Caroline Trevisan
com aquele movimento. Oswald
de Andrade é um grande blefe.
Basta ler sua obra com atenção.
Nem chega a ser brincadeira. É
má literatura mesmo”.
Opinião oposta tem Cláudio
Willer também poeta, ensaísta e
tradutor, formado pela Escola de
Sociologia e Política e pelo Instituto de Psicologia- USP classifica
Oswald de Andrade como alguém
“extraordinariamente criativo e
paradoxal”, lembra. “Trouxe a
língua falada para a poesia, na
Poesia Pau-Brasil, e criticou o
nacionalismo e nativismo do tipo
ufanista no manifesto que abria
esse livro”.
Além disso, também propôs
uma nova visão sobre as relações
de influência literária, a criação
e a relação entre o nacional e o
universal, no Manifesto Antropófago. Conforme ele, Andrade
escreveu dois relatos anarquistas,
Serafim Ponte Grande e Memórias sentimentais de João Miramar, além de peças de teatro,
como O rei da Vela. “Ele foi contraditório – sucessivamente católico, anarquista, stalinista. Escreveu muita coisa de circunstância,
até ruim. Em suma, literariamente fez de tudo”, finaliza Willer.
Oswald de Andrade foi autor
de irônicos discursos e artigos de
ataque aos “passadistas” nos meses próximos a Semana de Arte
Moderna. Em busca de um caráter nacional, Andrade foi muito
além do pensamento romântico
por ser contra a maneira culta e
convencional de arte. Interessaram-lhe, sobretudo, as formas de
expressão ditas ingênuas e primitivas, o que tornaria o texto diferente e viria a ser uma espécie de
marca do artista moderno.
Ao invés de aplausos, tomates
Batráquios motivaram o
lançamento de tomates no
palco do Teatro Municipal de
São Paulo, como resposta ao
não entendimento dos versos
de Manuel Bandeira
BRUNA DALMAS
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Edição e diagramação: Joanna Flora
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
Com sua premiada dissertação de mestrado sobre livros que abordam o Porto de Santos, Alessandro Atanes fala
sobre como a Semana de 22 afetou a literatura brasileira
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- “Sei!” - “Não sabe!” “Sabe!”.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não
foi!”
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não
foi!”.
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
Os Sapos
- Manuel Bandeira
Nas primeiras estrofes do poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, o poeta Ronald de Carvalho
foi atrapalhado pelo público no
Teatro Municipal de São Paulo,
que jogava tomate podre e criticava os artistas por não aceitarem as frases proferidas. Portanto, não era fácil a vida destes
profissionais naquela época. No
entanto, a insistência deu resultado e a criatividade da época só foi
entendida décadas depois.
Para Moacir Amâncio, poeta,
jornalista e professor de Língua e
Literatura Hebraica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLHC), da Universidade de São Paulo, o impacto
das experimentações daqueles
poetas permanece até hoje. “Mas
o modernismo brasileiro é muito
localizado: foi um rótulo que escolheram e não me parece que se
aplica a toda a produção literária
da época”, ressalva.
Como poeta, Amâncio aponta
a negatividade aplicada à poesia, em parte, por causa do culto
a Oswald de Andrade, um dos
maiores e importantes introdutores do modernismo no Brasil.
“Ele contribuiu para a mudança
da percepção da poesia, o que é
algo importante com um procedimento especial, mas seguir aquilo
é um tiro n’água”, diz.
O jornalista, poeta e escritor,
Álvaro Alves de Faria, critica a
má atuação dos artistas durante
a Semana e ainda a literatura de
Oswald que, em sua visão, ficou
famoso mais pelo comportamento extravagante do que pela obra
sofrível. “Pouquíssimos tinham
noção do que de fato se pretendia
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Edição e diagramação: Mariana Serra
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
7
“No Brasil, até o
Falta de interesse pela
Modernismo
arte
é
cultural
chegou atrasado”
PI – Falando em arte contemporânea, o
que é o modernismo?
Falar e entender de arte não é uma taAna Kalassa - A modernidade romrefa fácil, a não ser que se dedique uma peu com os padrões da tradição clássivida inteira a ela. Vocacionada desde a ca e trouxe nova forma de pensar arte,
infância, a professora Ana Kalassa ex- arquitetura e design. A referência sobre
plica mais sobre a arte no cotidiano, a história da arte até o século 19 era remeimportância da Semana de 22 e as novas tida à Grécia e Roma. Havia uma ideia
maneiras de produção nos dias de hoje.
de que eles tinham alcançado a perfeição
e ninguém ainda a tinha superado. Os
PI - De que maneira a arte pode ajudar modernistas vêm justamente para acana vida das pessoas?
bar com isso. Eles sabem que a arte clásAna Kalassa – Ela é capaz de tornar a sica é uma produção destacada, mas ela
vida das pessoas no mínimo mais interes- já não era representativa para os problesante. O cotidiano é sempre muito duro mas existentes na época e a arte reflete
para todos. A arte traz cor, movimento, as mudanças vividas pela sociedade.
luz, música e emoções. Ela permite viver
outras vidas, ver outros mundos e sentir
PI – Na Europa, onde tudo começou,
coisas que talvez na vida real as pessoas havia muito preconceito?
jamais fossem presenciar. Um exemplo
Ana Kalassa – Muito, em toda a parmuito simples é se emocionar ao assistir te. O olhar estava totalmente educado
filmes. O sentimento que as pessoas sen- para essa arte do passado e o processo de
tem não é fictício, a vivência é por meio reeducação foi doloroso. E aqui no Brasil
do personagem, mas ela existe.
a Semana de 22 vai ser um marco nesse
processo de busca por uma transformaPI - Por que os brasileiros não são tão ção. Entre as décadas de 1910 e 1920,
ligados à arte quanto os outros povos?
muitos artistas vão estudar na Europa.
Ana Kalassa - Acredito é que é uma Muitos estudaram em academias, mas
questão de educação. Para alguém se não perceberam os artistas de vanguarinteressar por arte é preciso ter apren- da. Existem alguns que foram e tiveram
dido arte, pois não é uma coisa natural. curiosidade de ver o que estava sendo
Ninguém cresce pensando em ver uma produzido de novo. Quando esses artisexposição de pintura; a pessoa aprende tas se deparam com o modernismo pera visitar e a gostar. Hoje, na educação cebem que o que se fazia aqui no Brasil
brasileira, a história do ensino de arte é estava muito distante. Ao retornarem,
muito conturbada. É necessário criar um trazem na bagagem a experiência e a disvínculo entre a criança e a arte. Quan- posição a fazer uma nova arte.
do mais velha a pessoa se torna, mais ela
possui os interesses determinados, sendo
assim a arte vai se tornando uma coisa
PI – Por que a Semana de 22 teve tanta
distante, muito intelectualizada.
importância?
Ana Kalassa - A semana é um marco
PI – O que ocorre com os museus no para São Paulo, apesar de haver outros
Brasil?
artistas envolvidos com o modernismo
Ana Kalassa - A maioria dos brasilei- em outros lugares, como Rio e Pernamros acha que museu é lugar de coisa ve- buco. A partir dali foi aberto um camilha e não sabem o que fazer lá. Temos nho sem volta. Até a semana, o moderproblemas com os museus aqui. É sem- nismo ficava apenas entre os artistas.
pre uma luta para formar público, mantê-lo e ter boas mostras. Em geral, os
PI - A Semana de 22 aconteceu na épomuseus dependem muito de exposições ca certa e no lugar certo?
com nomes famosos para atrair um púAna Kalassa - Acho que ela aconteceu
blico maior e conseguir manter um bom onde tinha que acontecer porque esses
patrocínio que permita fazer reformas e artistas estavam aqui. O que aconteceu é
criar acervos.
que São Paulo, do ponto de vista da política e da economia do Brasil, ganhava
PI - Por que a arte erudita é levada destaque.
mais a sério do que a popular?
Ana Kalassa – O ser humano vai se
PI - Para o leigo é possível identificar
aproximar daquilo que é conhecido, que os vários movimentos do modernismo?
sabe da importância, como Monet, Da
Ana Kalassa - Dá para perceber facilVinci, Michelângelo. Já a arte mais po- mente o que é tradicional e o que não é.
pular não é tão conhecida e parece coisa O tradicional trabalha buscando se aprode menor valor. A arte contemporânea ximar do que o olho vê e o modernismo
sofre do mesmo problema, pois é pouco trabalha com as formas e com os espacompreendida. Em geral, trabalha com ços deformando no sentido expressivo da
valores que as pessoas têm dificuldade forma. Já para identificar o que foge do
em identificar. Os materiais não são usu- tradicional, como dadaísmo e cubismo,
ais e os conceitos abstratos. O espectador é necessário um pouco mais de informaque não possui uma vivência com arte ção, saber o que é importante para cada
se sente muito desconcertado. Ele olha uma dessas vanguardas e ver a proposta
para a tela ou objeto e não sabe o que do artista para identificar os movimenpensar.
tos.
Thaís Moraes
Entre os maiores críticos da Semana de 1922, o poeta e acadêmico Lêdo Ivo afirma ser uma
falácia dizer-se que os modernistas “descobriram” o Brasil
DIVULGAÇÃO
Aline Almeida
Disseminada como um dos
mais importantes movimentos
culturais do século passado, a Semana de Arte Moderna de 1922,
após 90 anos, ainda causa muita
controvérsia, entre os que a enaltecem e os que contestam seu
exato valor cultural. Membro da
Academia Brasileira de Letras
desde 1986, o poeta, jornalista,
romancista, cronista, ensaísta e
memorialista Lêdo Ivo afirma
que o evento não foi uma ocorrência estética e sim uma operação publicitária. “Foi um golpe
de marketing literário promovido
por alguns rapazes apoiados pela
alta burguesia paulista ligada à
aristocracia cafeeira, define.
Para que fosse realmente inovador, o movimento teria que
romper com padrões e apresentar renovações que, segundo Ivo,
nunca ocorreram. “Até a modernidade do episódio é discutível, já
que as peças apresentadas, como
a música de Villa-Lobos, ainda
não ostentavam o selo da renovação e ruptura”, argumenta.
Entre os participantes, Ivo
contesta o conhecimento que
possuíam acerca do Brasil, pois,
segundo ele, alguns conheciam
apenas Rio de Janeiro e São Paulo. “O verdadeiro Brasil palpita
precisamente naqueles poetas e
Para Ivo, a ignorância dos modernistas em relação ao Brasil da desigualdade é alarmante
prosadores contra os quais se insurgiam e procuravam destruir”,
diz Ivo, que nasceu em Maceió,
em 1924, fez sua primeira formação literária no Recife e, em 1943,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a atividade
jornalística iniciada na província
e formou-se na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do
Brasil, mas nunca advogou.
Para Ivo, o verdadeiro Brasil
estava em escritores que traziam
a nacionalidade arraigada, como
Machado de Assis, Euclides da
Cunha, Monteiro Lobato e tan-
tos outros. “A ignorância dos
modernistas em relação ao Brasil
real, especialmente ao Brasil da
miséria e da desigualdade, é alarmante”, diz. Conforme o escritor
relata, o Brasil foi descrito pelo
movimento modernista como
“uma nação engraçada, cosmética e pitoresca”.
No Nordeste, na mesma década de 20, lembra Ivo, ocorreu
um movimento moderno liderado por Gilberto Freyre, que
trouxe exemplos da Europa e
Estados Unidos mais libertadores e perduráveis”. Ao contrário
do evento paulista, o movimento nordestino, diz Ivo, conciliou
universalismo e regionalismo e
não quis destruir o passado e as
tradições e sim reavivá-los. “Dele
surgiu o maior acontecimento estético da literatura brasileira, que
foi a literatura de indignação e
protesto dos romancistas nordestinos. Para citar alguns, Ivo destaca Graciliano Ramos, José Lins
do Rego, Jorge Amado e Rachel
de Queiroz.
Ivo lembra que o historiador
Sérgio Buarque de Holanda reconheceu que o evento não foi algo
revolucionário. “Ele me disse, um
dia, que havia passado a Semana
de Arte Moderna no Rio de Janeiro e não havia comparecido ao
evento por achá-lo sem importância”, recorda.
Antropofagia de papel e sangue
Um dos mais participativos
membros do movimento paulista
foi Oswald de Andrade que, seis
anos depois, candidatou-se ao
Prêmio de Romance da Academia
Brasileira de Letras. “Por duas ou
mais vezes, candidatou-se à Academia. O antropófago buliçoso
queria um fardão”, relata Ivo.
Aliás, para explicar o termo,
Ivo afirma que a maior imbecilidade da literatura brasileira foi o
denominado movimento antropofágico liderado por Oswald de An-
drade. “Não há literatura pura.
Todas as literaturas do mundo são
antropofágicas e assimiladoras,
pois se nutrem de outras literaturas”, afirma. “Portanto, a teoria
da assimilação apresentada por
Oswald de Andrade é uma besteira, já que naturalmente precisamos comer os outros para existir,
acrescenta.
O poeta diz falar com a autoridade de ser o único “antropófago”
da literatura brasileira. “Descendo
dos índios caetés que, no começo
do século XVII, comeram Dom
Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil, ironiza. Para
ele, os antropófagos paulistas não
comeram ninguém. “Oswald foi
antropófago de papel, não de sangue”.
Lêdo Ivo diz ainda que a Universidade de São Paulo (USP) é
eminentemente
antropofágica,
ao “comer” grandes professores
europeus, como Roger Bastide,
Giuseppe Ungaretti, Lévi-Strauss
e tantos outros. “Esta grande assimilação formou uma elite política
e cultural que permitiu que, até
hoje, São Paulo tenha papel seminal na vida brasileira”, diz. Contudo, Ivo critica a demora na criação
de universidades. “Note-se que o
Brasil é um país eminentemente
retardatário. Até o Modernismo
de 22 chegou atrasado
Semana representou a ascensão de São Paulo e do Brasil
micos e culturais. Alvo de mui- alma”, comenta.
-Graduação em Letras da Univer- contradições e limitações, a Setas críticas e em parte ignorada,
Para Vera Lúcia, as propostas sidade do Estado do Rio Grande mana de Arte Moderna foi, sem
Em São Paulo, no ano de 1922, a Semana não foi bem aceita e apresentadas nos vários manifes- do Norte (UERN), Sebastião dúvida, um divisor de águas nas
ocorreu um dos movimentos mais entendida na época. Em um mo- tos foram leituras da realidade e Marques Cardoso, doutor em Le- manifestações culturais de elite
importantes para a arte brasilei- mento de transição entre um país da cultura brasileiras e também tras pela Universidade Estadual do País, pois provocou vários desra. Conhecida como Semana da controlado pelas oligarquias cafe- respostas a questões fundamen- de Campinas (Unicamp), comen- dobramentos e serviu, inclusive,
Arte Moderna ou Semana de 22, eiras para o capitalismo, consoli- tais. “Hoje, tudo aquilo pode ta que a Semana de Arte Moder- de nova referência à ideologia da
representou uma renovação de dando a republica, a Semana fui parecer superado, pois a cultura na foi uma demonstração de for- Nação”, diz Cardoso.
linguagem e a arte passou de en- influenciada pelos padrões estéti- e a literatura brasileira têm uma ça da elite social paulistana. “Na
Para o professor e doutor em
tão vanguarda para o modernis- cos europeus tradicionais.
identidade forte, mas, naquele época, São Paulo estava vivendo Literatura Brasileira pela UniverA professora de Língua Brasi- momento, os escritores ainda co- um boom econômico e demográ- sidade de São Paulo (USP), Maumo. O evento, realizado entre dos
dias 11 e 18 de fevereiro no Teatro leira e Portuguesa e Literatura da locavam questões como: O que é fico, deixando para trás Estados ricio Silva, não há dúvida que
Municipal de São Paulo, reuniu Faculdade de Ciências Humanas ser brasileiro? Que cara, que ín- importantes da Federação, como a Semana de 22 foi importante
artistas plásticas, escritores, ar- da Universidade de Perugia, na dole, que alma tem o brasileiro? o Rio de Janeiro, por exemplo. para a cultura brasileira de modo
quitetos e músicos. Cada dia da Itália, a brasileira Vera Lúcia de Daí, livros como Macunaíma, Assim, o Estado queria se apre- geral. “Apesar de se tratar de um
semana foi destinado a um tema: Oliveira, conta que a Semana de Pau-Brasil, Cobra Norato, Mar- sentar como líder natural na con- evento que acabou se impondo
música, poesia, literatura, pintu- Arte Moderna foi fundamental tim Cererê e tantos outros, que dução das mais variadas políticas sobre todas as demais manifestapara a literatura brasileira e, respondem a essas questões”, diz. públicas nacionais. No terreno ções artísticas da mesma época,
ra e escultura.
A Semana marcou época ao inclusive, acabou por influenEntre os temas culturais apre- da cultura, o Estado, apoiado de certo modo encobrindo-as e
proporcionar novas ideias e con- ciá-la na escolha do tema de sentados na Semana de 22, Vera por um grupo de intelectuais e escondendo-as, a Semana atuou
ceitos artísticos. Poesias que an- sua pesquisa de doutorado, Lúcia, como poeta, ama sobre- de influentes empresários patro- como uma espécie de arejamento
tes eram apenas escritas passa- que foi publicada no Brasil com tudo a literatura. “Mas preciso cinadores, passou a promover as de um ambiente artístico muito
ram a ser declamadas, as músicas o título Poesia, mito e história também da pintura e da escultu- artes, concedendo, inclusive, bol- viciado pelas manifestações acaque antes não recebiam acompa- no Modernismo Brasileiro (São ra, que me fazem notar melhor sas de estudos a jovens artistas de dêmicas, conservadoras e, em
nhamento se tornaram concertos Paulo, Editora Unesp e Edi- tantos aspectos do mundo que, às talento”, explica.
certo sentido, limitadas”, define.
seguidos de orquestras sinfônicas. furb, 2002, 343 páginas) e rece- vezes, nos escapam, e da música,
Desta maneira, São Paulo
Para ele, a Semana foi um soE esculturas, maquetes de arqui- beu edição italiana.
que é uma linguagem universal surgia, então, como um dos prin- pro de novidade, criatividade e
“A Semana de Arte Moder- que nos aproxima da natureza cipais polos de criação e difusão de liberdade em um Brasil que
tetura e a arte plástica passaram
a receber desenhos inovadores na ocorreu, em um momento e até de Deus”, diz a professora, artística no Brasil. Entretanto, ainda vivia preso ao século XIX.
e modernos. O adjetivo “novo” de crise, em que o Brasil estava que é autora também do livro A por contradições, as obras tidas “O País foi se transformando
passou a ser caracterizado em to- crescendo rapidamente e a arte poesia é um estado de transe (São como mais avançadas em relação numa nação em vias de modernie a literatura tinham que dar Paulo, Portal Editora, 2011).
das as manifestações.
à média da produção nacional zação e a Semana contribuiu, ao
A Semana de 22 ocorreu em respostas sobre como seria posO pesquisador, crítico literário estavam atrasadas cronologica- menos no meio artístico e urbauma época turbulenta do País, sível se modernizar sem perder e professor do Departamento de mente em relação as manifesta- no, para a conscientização dessa
conflitos políticos, sociais, econô- a própria identidade, a própria Letras e do Programa de Pós- ções europeias. “Apesar dessas nova realidade”.
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Vanessa Teixeira
8
Edição e diagramação: Cauê Goldberg
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
PI – O que poderia ser feito para mudar
esse cenário?
Ana Kalassa – O ideal é que galerias,
museus e espaços tenham educadores
para explicar a exposição. É importante
receber o conhecimento e dialogar. As pessoas precisam trocar ideias sobre as coisas
para compreendê-las, já que as produções
não são compreensíveis por si só.
PI - A Semana de Arte Moderna não
teve tanta importância como tem hoje.
Qual o motivo disso?
Ana Kalassa - O processo de reflexão
se dá melhor com um distanciamento do
objeto. Aquilo que está muito próximo
não tem nitidez, já que não é possível dimensionar as conseqüências e poder dizer se tem importância ou não. Depois
Para professora Ana
Kalassa, doutora
em Arte pela PUC,
é preciso investir
em educação de
qualidade para
ampliar o interesse
da população
THAÍS MORAES
A professora Ana Kalassa acredita que a arte brasileira seria modernizada mesmo se não houvesse a Semana de 22
da Semana de 22 os artistas se fortaleceram, se uniram, se manifestaram, produziram sem parar, formularam muitas
perguntas e as respostas foram dadas
com os trabalhos, cada um na sua especialidade.
a mudança da sociedade com as produções
e as causas eram muitas. Hoje parece que
há uma acomodação. Como você vê a ligação dos jovens com a arte hoje?
Ana Kalassa – Hoje, para criar um
movimento que junte uma quantidade
imensa de pessoas para lutar por uma
causa é extremamente difícil. Mas em
compensação, justamente por causa das
tecnologias, esses grupos conseguem se
encontrar com muito mais facilidade.
Então os grupos que tenham interesse
em comum talvez nunca se encontrem
pessoalmente, mas mantêm contato, trocam trabalhos e referências.
PI - O que seria da arte brasileira se
não tivesse existido a Semana de 22?
Ana Kalassa - Acho que ela teria acontecido mesmo assim, talvez não como semana ou em 1922, mas o Brasil vivia um
processo de modernização da economia.
Não dá para imaginar um país passando
por uma transformação econômica e política e a arte permanecendo a mesma. A
semana reforçou a ideia de que era possíPI - A arte brasileira caminha pra um
vel produzir arte brasileira sem deixar de
olhar para o que de melhor se produzia novo movimento?
Ana Kalassa - Não sei. Pode ser que
fora do Brasil.
nesse momento alguém esteja fazendo alPI – Na sua área, quais os principais guma coisa que vai mudar os rumos da
arte brasileira. Mas possivelmente só será
nomes da Semana?
Ana Kalassa - Pela minha área das possível saber disso daqui a 100 anos.
artes plásticas sou admiradora da proPI - Temos mais artistas inovadores
dução de Anita Malfatti. Acho de um caráter primoroso. Gosto também de Bre- agora ou na Semana de 22?
Ana Kalassa – Os artistas têm o escheret, que é um artista com respostas
paço virtual onde podem divulgar a prode brasilidade em suas esculturas.
dução e na semana precisaram de patroPI - Como você vê a transformação da cinador, alugar um teatro, trazer gente
para assistir e cobrar ingresso. Por isso
arte nos últimos anos?
Ana Kalassa - Hoje existem desafios pouca gente viu.
muito grandes com a entrada das novas
PI - Mas não é mais interessante saber
tecnologias. As artes plásticas hoje são
chamadas de artes visuais justamente a textura de uma escultura, tocar uma tela?
por essa inclusão da fotografia, do ví- Ter um contato pessoal com a obra?
Ana Kalassa - Acho que o virtual é
deo, do cinema. O desafio é reinventar
as técnicas tradicionais que continuam um portal. Se o trabalho for bom no virabsolutamente populares como pintura, tual, as pessoas vão até o local da obra.
O que diferencia drasticamente é que
escultura, gravura.
num museu, galeria ou espaço cultural,
vive-se a experiência artística. Sente-se o
PI – E isso é bom ou ruim?
Ana Kalassa - É bom, acho que não lugar, o espaço, a obra. É possível dialoexiste essa necessidade de só se fazer uma gar com as pessoas que estão ali e conhecoisa. Pelo contrário, quanto mais mate- cer o olhar de pessoas que estão vendo
rial, mais recurso for utilizado, o artista a mesma coisa. Mas sou muito otimista
poderá fazer uma seleção do que há de em relação aos espaços virtuais, entendo
melhor. Quanto mais produção, mais op- que eles se bem usados ajudam na forções. A reflexão se torna mais interessan- mação de público para os locais físicos. É
te se há uma pluralidade de referências. a democratização da arte.
PI - O que falta no Brasil para gostarmos mais de arte?
Investimento na educação. Precisa
investir em educação de qualidade para
formar público para a arte. A cultura
serve, inclusive. como referência econômica quando se quer saber como está um
PI - Antigamente os artistas tentavam país em termos de qualidade de vida.
PI – Hoje é mais difícil fazer arte?
Ana Kalassa – Acho que sim porque
existem muitas opções e o problema do
ser humano é a escolha. Quando se escolhe uma coisa, outras 500 são deixadas
para trás. É mais difícil nesse sentido.
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Edição e diagramação: Cauê Goldberg
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
9
reconhece a importância
que a Semana de Arte de 22
teve para a literatura brasiA Semana de Arte de 1922
leira. “Cada autor que esteve
ficou como um marco na
na Semana de Arte Moderna
História do Brasil, por reutrouxe um novo olhar para as
nir diversas manifestações
obras de literatura. Mário de
artísticas em um só lugar. A
Andrade apresentou poemas
Semana de Arte contou com
curtos e que também trauma programação que tinha
ziam uma crítica social, além
literatura, música, artes plásde humor em seus textos. Já
ticas e escultura.
Manuel Bandeira trouxe uma
A Semana trouxe com ela
visão sobre as tradições braconceitos artísticos totalsileiras que estavam esquemente novos. O público que
cidas”.
compareceu ao evento viu
O romancista, jornalista e
diversas regras da arte seeditor Nicodemos Sena, aurem quebradas, dentre elas,
tor dos livros À espera do
na literatura. A literatura nesnunca mais e A noite é dos
te evento teve uma grande
pássaros, entre outros, leminfluência, já que possibilibra que o Brasil, na década
tou mostrar algo muito mais
de 20, permanecia estagnabrasileiro, deixando de lado
do em todos os campos da
a experiência europeia.
atividade humana e era diriO doutor em Literatura
gido por uma elite atrasada
pela Universidade de Brasíe inculta. “A verdade é que a
lia (UnB), Ronaldo Costa FerSegundo especialistas, as críticas sociais dos modernistas
Semana de Arte Moderna de
nandes, poeta, romancista e
fizeram
a
sociedade
descobrir
o
Brasil
profundo
1922 quase não foi notada no
contista, já obteve prêmios
momento de sua realização.
na literatura como o Casas
ximar
o
Brasil
mais
do
Brasil.
acontecendo
na
Europa.
E
e
jornalista
pela
Escola
de
Ainda assim, funcionou como
de las Américas com o romance O Morto Solidário e “A Semana de Arte Moderna mais ainda: possibilitou que Comunicações e Artes da uma bomba de efeito retaro da Academia Nacional de tem, do ponto de vista esté- a arte brasileira se voltasse Universidade de São Pau- dado contra as velhas estétilo (USP), Oscar D’Ambrosio, cas então vigentes no Brasil”,
Letras com o livro A máquina tico, um valor inestimável mais para o Brasil”.
para
a
arte
brasileira.
Ela
nos
O
doutorando
em
Eduque também é crítico de arte diz o escritor, que também é
das mãos.
possibilitou
caminhar
lado
cação,
Arte
e
História
da
e integra a Associação Inter- proprietário da editora Letra
Costa Fernandes diz que a
a
lado
com
as
experiências
Cultura,
pela
Universidade
nacional de Críticos de Arte Selvagem, de Taubaté-SP.
literatura na Semana de 22 foi
vanguardistas
que
estavam
Presbiteriana
Mackenzie (Aica)-Seção Brasil), também
muito importante para aproCaio Augusto
Semana foi
decisiva para a
literatura
brasileira
“Os
modernistas ainda têm
muito a ensinar”
Simone Menegussi
Na virada do século passado, o Brasil vivia um período de mudanças. Deixava o Império para virar
República. Uma república
rica, que colhia os louros
da importação de café.
No começo do século 20,
jovens abastados, filhos
e parentes dos grandes
empresários do café, se
reuniram para quebrar a
tendência tupiniquim de
copiar os padrões clássicos europeus. Cansados
das imitações pouco criativas, resolveram criar uma
nova cultura, integralmente nacional.
A doutora em História
Social pela Universidade
de São Paulo (USP), Marcia Camargos, autora de
vários livros sobre o tema,
afirma que a Semana de 22
foi o primeiro ato público
do que viria, depois, a ser
conhecido como movimento modernista. “Ela significou uma mudança de paradigma nas artes plásticas,
na literatura e na música,
pois inaugurou ousadas
maneiras de expressão artística, livres das amarras
da estética então vigente”,
explica.
Por ser anticonvencional, irreverente e criativa, diz Marcia, a Semana
teve uma importância que
reverbera até os dias de
hoje, “quando o espírito
modernista ainda inspira
quem pretende questionar o status quo e propor
perspectivas
inusitadas,
“
DIVULGAÇÃO
A Semana
significou uma
mudança de
paradigma nas
artes plásticas,
na literatura
e na música,
pois inaugurou
ousadas maneiras
de expressão
artística, livres
das amarras da
estética então
vigente
”
MÁRCIA CAMARGOS
escritora
novos olhares sobre velhas
questões, saindo da zona
de conforto rumo a experimentações nos espaços do
desconhecido e do incerto”.
A escritora diz que, para
os protagonistas da Semana de 22, era preciso romper com os conceitos artísticos e estéticos vigentes,
além de impor uma nova
ordem estética tanto no
campo das artes plásticas
quanto na música e na literatura. “Mas, para tanto,
eles não podiam prescindir do apoio das elites, da
Marcia destaca que a Semana representou uma mudança de paradigmas no universo cultural
burguesia
endinheirada
que patrocinava os eventos
culturais como aquele da
Semana de 22”, explica.
Segundo ela, talvez neste ponto os modernistas tenham algo a ver com a geração do século 21, ou seja,
a necessidade de recorrer
aos apoios para desenvolver trabalhos inovadores.
“Também na questão revolucionária, de questionamento, eles talvez tenham
alguma coisa em comum”,
compara.
Marcia lembra que os
rapazes e moças modernistas quebraram barreiras e ousaram desafiar uma
ordem estética, ao passo
que hoje os jovens saem às
ruas, como no Cairo, onde
acampam na Praça Tahrir,
e em Nova York, onde ocupam Wall Street. “Tanto naquela época quanto agora,
eles sentiam que a velha
ordem estava senil e ultrapassada. Ainda não sabiam
direito o que desejavam
nem de que maneira alcançar seus objetivos”, diz,
ressaltando, porém, que,
no fundo, tinham a certeza
de que, tanto lá quanto cá,
o mundo precisava mudar
para abarcar seus anseios.
“Claro que estamos falando de uma realidade
estética, no caso dos modernistas, e de uma realidade política, no da juventude atual. No entanto, em
ambos os casos, notamos
este
descontentamento,
a postura de desafio e de
confusão”, declara.
Todas as rebeliões começam assim, diz Marcia,
espontâneas, meio sem
rumo, sem programas definidos. “Aos poucos, os
modernistas firmaram suas
metas e desenvolveram
programas e propostas
como o Movimento Antropofágico. Esperemos que a
juventude perdida de Wall
Street e dos outros países
alcancem maior clareza
para que consiga transformar a realidade como os
modernistas transformaram as artes nacionais”,
afirma.
Para a professora, o
tema sobre a Semana de 22
deveria ser abordado com
maior frequência e profundidade nas escolas, pois faz
parte da história cultural
do País e, mais do que isto,
ensina às crianças e jovens
a se posicionarem num lugar de questionamento, de
protesto, de desafio, comenta. “É importante que
as novas gerações conheçam o passado para conseguir transformar o presente e projetar um futuro que
melhor atenda aos anseios
e às necessidades dos seres humanos”, diz a historiadora.
“Neste mundo em que
somos apresentados com
a lição de casa já feita e
as fórmulas dadas, tudo já
vem pronto e fácil, na ponta de um toque no teclado
do computador, é sempre
bom - aliás, é imprescindível - aprender a buscar
o outro lado da moeda, o
avesso do avesso”, ensina.
“Às vezes, é preciso remar
na contracorrente para
descobrir facetas desconhecidas de uma mesma
questão de maneira que, a
partir daí, possamos apresentar novas propostas,
encarar novos desafios”,
acrescenta. “Ousar é preciso. Sempre. E nisso os
modernistas têm muito a
nos ensinar”, conclui.
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Edição e diagramação: Joanna Flora
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
Pagu mostra seu valor em inglês
Kenneth Jackson, professor de Yale University, traduziu para o inglês a obra de Patrícia Galvão, a Pagu
ARQUIVO
Larissa Pimentel
As obras de Patrícia Galvão
marcaram época e se tornaram
e servem de parâmetro para artistas ainda nos dias de hoje. A
riqueza de seu trabalho encanta
até mesmo intelectuais estrangeiros.
O professor da Yale University, nos Estados Unidos, Kenneth David Jackson, foi um desses
intelectuais que se viu encantado com a obra de Pagu, tanto
que a traduziu para sua língua
pátria. Professor de Português,
Jackson teve o seu primeiro
contato com o trabalho de Pagu
quando trabalhava em sua tese
sobre Oswald de Andrade. “Conheci o nome de Pagu quando
pesquisava a minha tese sobre
Oswald de Andrade no IEB-USP em 1971-72. Só voltei a
ler as coisas dela nos anos 80”,
lembra.
Depois de conhecer sua obra,
Jackson resolveu traduzir para
o inglês, Parque Industrial, fazendo uma co-tradução com
sua esposa Elizabeth Jackson.
“Publiquei um ensaio sobre A
Famosa Revista e preparei um
longo posfácio para a edição
em inglês de Parque Industrial
(1993), aliás, ainda inédito em
português”, diz.
Jackson e sua esposa encontraram algumas dificuldades ao
longo da execução da obra, sobretudo porque muitas referências e coisas da época são hoje
esquecidas. “Comecei o levantamento do jornalismo da Pagu,
um projeto que levou 20 anos.
Oswald de Andrade
Em sua tese, o professor decidiu abordar a prosa vanguardista de Oswald Andrade. “A tese
era sobre a prosa vanguardista
dos livros Memórias de João Miramar e Serafim Ponte Grande,
mas incluía uma fortuna crítica vida e obra, com um pano
de fundo das vanguardas europeias”, diz.
Seu trabalho durante a tese
Tradução da obra de Pagu foi complexa, pois referências usadas por ela não existem mais
lhe rendeu uma bolsa para passar um ano nInstituto de EstuPara a tradução, eu e a minha Demarchi, editor da revista Ba- dos Brasileiros (IEB) na Uniesposa Elizabeth trabalhamos bel, que mora em Santos, tam- versidade de São Paulo (USP
juntos, traduzindo, polindo, bém colaborou com as pesquisas sob a orientação do Pprofespesquisando pontos difíceis ou no levantamento das colunas sor Antonio Candido. “A tese
desconhecidos”, explica.
nos jornais que Pagu publicava, foi defendida na Universidade
de Wisconsin sob a orientação
Para esse trabalho, o casal principalmente A Tribuna.
contou com a ajuda do bibliófilo
A importância da semana de do professor português Jorge
brasileiro José Mindlin, que ti- Arte Moderna de 22 nas obras de Sena, em 1973. Depois, em
rou dúvidas sobre as referências de Pagu é ressaltada por Jack- 1978, uma parte foi publicada
paulistas da década de 30. Além son: “Há cenas em Parque In- em livro pela Editora Perspecde Mindlin, o jornalista Ademir dustrial tiradas diretamente dos tiva”, afirma.
Jornalista e
Caroline
leme
Em São João da Boa Vista,
dia 9 de junho de 1910, nasceu
uma das maiores artistas que
o Brasil já conheceu: Patrícia
Rehder Galvão, pintora, poetisa, escritora, comunista, socialista, atriz, ilustradora, entre
outras tantas denominações.
Mais conhecida como Pagu,
era uma mulher muito à frente
de sua época. Falava palavrões,
tinha muitos namorados, fumava, usava roupas transparentes,
ideias revolucionárias e um círculo de amigos nada convencional: ainda muito jovem, foi
apadrinhada por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que
apresentaram à menina o mundo das artes.
Embora tenha se tornado
musa dos modernistas, Pagu
não participou da Semana de
Arte Moderna. Tinha apenas 12
anos em 1922, quando a Semana se realizou. Entretanto, com
18 anos, mal saída do curso na
Escola Normal da Capital, integrou-se ao movimento antropofágico, de cunho modernista,
sob a influência dos padrinhos
nada convencionais.
Faziam rodas de leitura,
reuniam-se com escritores de
várias partes do País, frequentava eventos. Sua participação
mais marcante foi na Revista
da Antropofagia, onde colaborou com ilustrações, ino-
soirées modernistas e colunas
que ela escreveu muito depois
sobre Mário de Andrade, Tarsila, Burle Marx e também sobre
a cidade de São Paulo antiga”.
Toda a inovação que a obra
de Pagu apresenta ainda imprime sua importância na atualidade, afirma Jackson. “Ela
usou técnicas cinematográficas,
metáforas poéticas em linguagem concisa e “cubista”, diz, explicando que a escritora, principalmente, retratou de maneira
inusitada e criativa a sua época
e seu momento e tratou de problemas existenciais, políticos e
sociais que são ainda pertinentes no Brasil”, acrescenta.
seguidora de Patrícia
“
Ela representa
aquele jornalista
que atua não só
para divulgar
informações, mas
conhecimento
”
Márcia da costa
jornalista e escritora
vando ao unir texto e linguagem
, pois seus desenhos eram acompanhados de pequenos versos.
Não há dúvida que a história
de lutas e movimentos artísticos
de Patrícia influenciou muitas
gerações, mais uma pessoa em
especial teve a vida revirada
pela artista: a jornalista Márcia
Rodrigues da Costa.
Formada em Jornalismo pela
Universidade Federal de Juiz
de Fora (MG), posteriormente trabalhando na assessoria
do Serviço Social do Comércio
(Sesc)- Santos, no ano de 2004,
acompanhou a atriz Christiane Tricerri -- que interpretava
Pagu em peça em cartaz na Cidade -- em uma visita por luga-
res que eram frequentados por
ela, como bares, praias e canais.
Encantada com as histórias
que a atriz lhe contou, foi instigada a estudar os textos de
Pagu publicados no jornal A
Tribuna. Em 2006, ao ingressar
no mestrado em Comunicação
Social pela Universidade Metodista de São Paulo, ela sentiu
que seria o momento ideal para
conhecer melhor a Pagu jornalista.
“Ela representa aquele jornalista que atua não só para divulgar informações, mas conhecimento. Autodidata, conhecia
a fundo Literatura, Teatro,
falava sobre Filosofia, Psicologia, enfim, era alguém que fazia
jornalismo cultural por meio de
uma visão crítica da sociedade”,
conta.
Com a pesquisa realizada por
dois anos, finalizada em 2008,
com o título Jornalismo cultural: a produção de Patrícia Galvão no jornal A Tribuna, Márcia
tinha materiais de colunas de
Patrícia Galvão no jornal sobre
teatro, TV, literatura e a Cidade,
porém, resolveu focar na coluna
revolucionária de literatura.
“Entrevistei vários colegas
e amigos dela para compor seu
perfil intelectual e, assim, poder
fazer uma análise externa sobre
a circulação cultural de Pagu.
Foi assim que percebi que sua
atuação integrava o papel como
jornalista na redação com o pa-
pel de intelectual e militante
de cultura, que exercia fora do
jornal, no campo cultural, realizando e cobrindo eventos de
arte”, explica.
Em 2010, Márcia produziu um texto para o concurso “Pagu: cem anos de história”, promovido pela Academia
de Letras na cidade em que ela
nasceu, em comemoração ao seu
centenário e, para sua surpresa,
foi uma das ganhadoras.
“Ganhei uma placa e a promessa ainda não concretizada
de lançamento de um livro reunindo textos sobre ela, inclusive
o meu e o de outros participantes”, conta.
Depois de finalizado o mestrado, começou a transformar
a pesquisa em livro. “Ampliei
a área de abrangência, investigando mais sobre a atuação
de Pagu no teatro, que é muito densa e marcante, além de
tentar me aprofundar nos seus
últimos dias de vida, seu círculo cultural etc. Depois, fiz um
projeto sobre a Santos cultural
dos anos 50 vista a partir da
atuação de Pagu e Geraldo Ferraz (seu companheiro e também jornalista em A Tribuna) e
o submeti ao Fundo Municipal
de Cultura de Santos, que o selecionou no ano passado, para
minha alegria”.
O livro deve sair em dezembro, na data que assinala os 50
anos da morte de Pagu. Mulher
revolucionária
Richard Durante Jr
Quando foi realizada a Semana de Arte Moderna, em
1922, Patrícia Rehder Galvão, ou Pagu, como ficou conhecida a revolucionária intelectual, tinha apenas 11 anos
e por isso, obviamente, não
participou do movimento que
marcaria para sempre a história cultural do Brasil.
Sobrinho de Pagu, o editorialista de A Tribuna, Clóvis
Galvão, lembra-se bem dos
momentos em que conviveu
com a tia. “Ela era uma criatura muito alegre, mas no final da vida já estava muito
desgastada fisicamente. Ainda
assim ela colaborava de alguma forma nos meios artísticos”.
Galvão conviveu ao lado
de Pagu nos dois últimos anos
de vida da artista. Entre 1961
e 1962 morou na casa da tia,
a convite da mesma, já que o
emprego novo em um jornal
da cidade ainda não lhe pagava bem. Primeiro na Rua
Azevedo Sodré e depois à
Avenida Washington Luiz, no
Gonzaga. Antes, porém, em
1956, Galvão já havia convivido com ela.
Além de escritora, Pagu
também foi jornalista, mas
o sobrinho garante que a tia
não teve qualquer influência
na profissão que exerce até
hoje. “Entrei no Estadão na
época em que comecei a faculdade. No jornal sequer sabiam que ela era minha tia”.
Galvão lembra que Pagu
era uma revolucionária para
sua época, muito à frente de
seu tempo e embora não tivesse participado da Semana de
22, tinha muitas raízes desse
período. “Muitos daqueles
que participaram da semana
viraram amigos dela. Ela não
participou, era muito jovem,
mas entrou nessa turma posteriormente”.
Pagu também participou
ativamente da vida cultural
de Santos e o teatro tornou-se sua grande paixão. “Ela
movimentou muito o teatro
santista juntamente com o
Plínio Marcos”, acrescenta o
sobrinho.
Ela faleceu em 1962, então com 52 anos de idade,
vítima de câncer. Galvão lembra bem deste período. “Ela
estava muito apagada, sem
brilho. Pensei que fosse ser esquecida. Mas veio a ter uma
grande projeção após a morte. Começaram a surgir livros
e depois até filme fizeram em
homenagem a ela”.
Hoje, Clóvis Galvão trabalha no mesmo jornal de
quando começou a morar com
Pagu. Já são 51 anos de dedicação ao jornalismo e parte da
história dessa grande personagem brasileira ainda permanece viva em sua memória.
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Edição e diagramação: Igor Augusto
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
11
BRUNA DALMAS
A Semana que
mudou a arte
Empolgada ao discorrer sobre cultura, Beatriz Rota-Rossi relata lembranças e fatos marcantes que mudaram a
concepção de muitos ao falar sobre arte moderna
Willian Roemer
Entre as edificações que apresentam uma arquitetura moderna, em razão da sua funcionalidade, ausência de ornamentação, visão futurista e inovação estrutural, está o Centro de Cultura Patrícia Galvão, localizado na Vila Mathias
Participação
discreta
A arquitetura foi coadjuvante na Semana de Arte Moderna
arquitetura neocolonial. Przyrembel apresentou um projeto
Antonio Moya e Georg Pr- de residência praiana de inspirazyrembel, um espanhol e um ção neocolonial, enquanto Moya
polonês. Esses foram os repre- apresentou 18 projetos com insentantes da Arquitetura na Se- fluências pré-colombiana e memana de Arte Moderna de 1922. sopotâmica.
Somente anos mais tarde, o
A sessão se resumiu à exposição
de esboços destes arquitetos. “A Movimento Modernista da ararquitetura na Semana de Arte quitetura no Brasil tomaria corModerna teve uma participa- po. “O fato é que em 1922, pouco
ção inexpressiva, pois o enfoque contato se tinha com as discuseram outras manifestações artís- sões que se travavam na Europa
ticas como literatura, pintura e sobre as vanguardas artísticas e
música”, afirma o arquiteto Ney a formação do movimento moCaldatto Barbosa, da Secretaria derno na Arquitetura”, conta o
municipal de Planejamento (Se- arquiteto.
De acordo com o professor de
plan).
Segundo ele, a arquitetura História da Arquitetura e Urque foi apresentada na Semana banismo da Universidade Santa
não tinha nenhuma relação com Cecília (UNISANTA), Luiz Nuo Modernismo e sim com uma nes, não havia no Brasil do início
Bruna Corralo
da década de 20 a produção arquitetônica de vanguarda como
havia em outros campos artísticos, como na literatura e na pintura. “Naquela época, discutia-se ainda a produção neocolonial
e nosso grande marco divisório
da arquitetura moderna, o prédio do antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC), na zona
central do Rio de Janeiro, se localiza temporalmente na década
de 30, apesar de outros exemplos
mais isolados a partir do final da
década de 20”, explica.
Apesar da grande importância que a Semana de Arte Moderna teve em outros segmentos, ela
não teve grande representação
para a arquitetura. “Não houve influência desse movimento
na arquitetura brasileira. Isso
ocorreu anos depois por meio
de arquitetos europeus”, afirma
Caldatto Barbosa.
Mas, para Luiz Nunes, os
movimentos modernistas de 20
e 30 criaram um clima cultural
e abriram caminhos para novas
experiências estéticas na arquitetura desse período e que resultaram, posteriormente, no reconhecimento internacional da
produção arquitetônica modernista brasileira dos anos 30 a 50.
Em Santos, algumas construções representam bem este estilo. Segundo o arquiteto Caldatto
Barbosa, o Teatro Municipal, o
Pronto Socorro Central e o ginásio do Clube Atlético Santista
são bons exemplos.
Entre as obras citadas pelo
professor e arquiteto Luiz Nunes,
estão o Edifício Suplicy, na Rua
Frei Gaspar, o Edifício Tayuva,
ao final da Avenida Conselheiro
Nébias, ambos do arquiteto santista Oswaldo Corrêa Gonçalves;
Arquitetura Moderna
o Edifício Itamaraty, na Rua
Funcionalidade, negação da Marechal Deodoro, do arquiteto
história, visão de futuro, inova- Zenon Lotufo, e o conjunto Inção estrutural, desenvolvimento daiá, na Praia do Boqueirão, de
de novas técnicas construtivas e Hélio Duarte e Ernest Carvalho
ausência de ornamentação são Mange, que recebeu premiação
as principais características da no 1° Salão de Paulista de Arte
Arquitetura Moderna.
Moderna.
90 anos, Ultraísmo ainda está
presente na arquitetura argentina
Após
Jessika Nobre
Nascido na Espanha em
1918, o movimento literário Ultraísmo – equivalente ao Modernismo no Brasil – chegou à
Argentina em 1921 pelas mãos
do poeta Jorge Luis Borges
(1899-1986), mas consolidou-se
como produção arquitetônica
só na década de 40, a exemplo
do que ocorreu no Brasil. O Ultraísmo nasceu como oposição
ao Modernismo espanhol, que
nada tem a ver com o Modernismo brasileiro, pois ligado às
ideias e conceitos da belle époque e da art nouveau.
Segundo o professor de História da Arquitetura e do Urbanismo da UNISANTA, Luiz
Antônio de Paula Nunes, o Ul-
traísmo foi a principal vanguarda argentina. Ele explica que o
movimento não gerou influência
direta na arquitetura daquele
país, porém abriu portas para
novas experiências estéticas,
entrelaçadas com a arquitetura
europeia e, décadas depois, norte-americana.
O professor argumenta que
um dos principais arquitetos ultraístas na Argentina foi
Amancio Williams (1913-1989).
Quando iniciou o Ultraísmo o
artista ainda era adolescente,
porém, mais tarde fez parte da
vanguarda argentina. “Dentre
algumas produções, devemos
destacar a Casa del Puente ou
Casa de Arroyo, construída em
Mar del Plata, e a Casa Curutchet, residência de um médi-
co latino-americano, projetada
pelo arquiteto suíço Le Corbusier (1887-1965) e conduzida por
Amancio, na cidade de La Plata”, completa Nunes.
De acordo com o professor, é
fundamental compreender que o
Ultraísmo na Argentina e a Semana de Arte Moderna no Brasil contribuíram decisivamente
para a criação de uma fisionomia característica na arquitetura moderna de ambos os países, incorporada por conceitos
de vanguardas europeias, mas
respeitando aspectos nacionais.
“Convivemos hoje com várias
tendências estéticas no campo
da arquitetura, mas é certo que
podemos afirmar que a continuação do moderno é uma delas”,
diz Nunes.
JULIANA KUCHARUK
Conforme Nunes, o Ultraísmo abriu portas para o surgimento de novas experiências estéticas
Segundo ele, a cultura é representada não só por diversas
formas de expressão artística,
mas também pela arquitetura e
muitos conceitos e ideias, que es-
tiveram presentes nos movimentos de vanguarda no início do século XX e permanecem nos dias
de hoje, ainda que em outro contexto histórico, social e político.
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12
Edição e diagramação: Igor Augusto
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
“Muitos críticos dizem que não há o
que comemorar, em geral, críticos de esquerda. Foi uma coisa ótima que trouxe
reflexos para toda América Latina, para
o Uruguai, México, Argentina e outros”.
É assim que a professora de Artes Plásticas e escritora do Caderno de Arte que
faz referência à Semana de Arte Moderna de 1922, Beatriz Rota-Rossi, destaca
a importância daquele movimento.
A professora explica que burgueses
da época lideraram a Semana, caso de
Anita Malfatti, e Oswald de Andrade,
que tinha uma casa de câmbio, ao se referir ao nível social de alguns dos artistas.
Entre os próprios participantes da
Semana havia manifestações de xenofobia, machismo e até perseguições. Monteiro Lobato, por exemplo, deixava claro essa posição ao abordar o trabalho de
Anita Malfatti.
Em um dos textos, o escritor diz:
“Estas considerações são provocadas
pela exposição da sra. Malfatti, onde se
notam acentuadíssimas tendências para
uma atitude estética forçada no sentido
das extravagâncias de Picasso & Cia.
Essa artista possui um talento vigoroso,
fora do comum. Poucas vezes, através
de uma obra torcida em má direção, se
notam tantas e tão preciosas qualidades
latentes. Percebe-se, de qualquer daqueles quadrinhos, como a sua autora é
independente, como é original, como é
inventiva, em que alto grau possui umas
tantas qualidades inatas, das mais fecundas na construção duma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte
moderna, penetrou nos domínios de um
impressionismo discutibilíssimo, e pôs
todo o seu talento a serviço duma nova
espécie de caricatura”.
Segundo Beatriz, Monteiro Lobato
foi um frustrado, pois queria ser pintor
e não conseguiu. “Com isso, ele destrói
Anita Malfatti com seus comentários.
Há uma enorme carga machista nas críticas dele e ele era muito nacionalista.
Por que ele não fez as mesmas críticas
contra Lasar Segall que também apresentou cubismo?”, opina e questiona.
JULIANA KUCHARUK
servas e críticas. No entanto, as pessoas
gostavam, por exemplo, de um poema
de Cruz e Sousa intitulado “Violões que
choram”, que diz:
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão fatigadas no sonho,
Almas que se abismaram no mistério.
Para Beariz, a Semana mudou a América Latina
ecos da antropofagia de Oswald de AnNa região
drade tendo objetivos de discutir e penAlguns artistas como Oswald de An- sar uma estética nacional.
drade passaram momentos de lazer em
Por fim, ela rebate críticas ao moviSantos. “Ele tinha um Cadilac, porque mento. “Os que criticam que desçam do
Reação do público
era o único carro da época que tinha cin- palanque, que avaliem a complexidade
Todas as pesquisas feitas sobre as zeiro. Então, ele e os amigos fumavam e de uma sociedade, o que significa a luta
apresentações dos artistas da Semana bebiam enquanto passavam pelas praias social, que não sejam tão acusadores.
de 1922 retratam uma manifestação vo- santistas”, conta Beatriz. Ela lembra Paulo Prado, um aristocrata do café,
lúvel do público, que ora aplaudia, ora que um poeta cubatense fez parte da Graça Aranha, um aristocrata portuvaiava e ora ficava em silêncio, atento semana, o jornalista Afonso Schmidt, guês, mas e daí? A Semana se deu e eles
as apresentações que se seguiam. Para o que foi também romancista, contista e levam o nome por a terem organizado,
grande público, tudo aquilo que fugisse biógrafo.
mas quem realizou foram artistas marado conservadorismo dominante ou que
A professora acrescenta que todos os vilhosos. Eu sou apaixonada por arte e
afetasse a burguesia era visto com re- movimentos e até o tropicalismo têm não só pela Semana de 22”.
As obras modernistas têm o
poder de transformar
não houve repercussão. Tanto
que para tocar Villa-Lobos, tem
que pagar direitos autorais para
a França, pois as partituras dele
são todas francesas. Aí entra Olívia Guedes Penteado, os barões
do Café... Claro, é sempre a elite
que financia as vanguardas. Mas
a que comercializava o café nunca a agrícola, pois sempre foi
conservadora. É a classe comerciante que fez as mudanças.
realidade?
Sim, com um pé na realidade.
Não com ufanismo. Aí depois falaram: o Tropicalismo voltou a
1922. Não. O Tropicalismo nasce Tropicalismo. Que é outra vez
assumindo os trópicos. Encontra
aquele padrão de cultura que estava acontecendo. Então volta
para a raiz. O que eu sou? Sou índio, tropical. Aí, claro, onde encontro identificação? Tanto em
22 quanto em Carmem Miranda.
Mas foi importante. Não podemos diminuir a importância da
Semana na história, como marco
O jornalista Roberto Peres
do que veio depois - que é a vanargumenta que, apesar de sua
guarda e, depois, a diluição. Mas
importância hoje reconhecida,
a Arte Moderna brasileira só veio
a “Semana” despertou pouca
após a Segunda Guerra Mundial.
atenção da sociedade. “Mas é um
E tinha, inclusive, o grupo Santa
marco”. Ele diz que a moderniHelena, de pintores como Alberto
dade artística se impôs realmenVolpi que resolveu pintar da mate no País, a partir da década de
neira que achou melhor. A nossa
1950, sendo Guernica (1953), de
arte era dominada até os anos
Pablo Picasso, um dos principais
1930-40 pelos ditames acadêmireferenciais. O jornalista comencos, pela Academia Nacional de
ta ainda as ideias que permea- Na Semana eles buscavam uma
identidade
nacional
ao
mesmo
Então
a
Semana
de
1922
não
foi
Belas Artes (RJ). Mas a Pinacoram os modernistas e como obras
teca do Estado realizou uma excomo Paulicéia desvairada, Ma- tempo em que queriam moderni- preponderante?
dade,
mas
olhando
para
o
passaNão.
Quando
o
Tropicalisposição de Eliseu Visconti, que,
cunaíma (Mario de Andrade) e O
mo procura buscar essas raízes, no fim do século 19, já punha em
Rei da Vela (Oswald de Andrade) do?
Eu
tenho
uma
visão
diferente
percebem que a Semana de 22 sua pintura as características da
se misturaram no imaginário nasobre o nacionalismo que falam também foi buscá-las, mas de entrada da modernidade. E, no
cional.
Nesta entrevista, ele lembra da Semana de 22. Na verdade, formas libertárias. Então Tarsila entanto, ele é visto como reduto
os impactos que a Semana pro- Mario de Andrade, Oswald An- do Amaral, uma mulher rica, que acadêmico. Não! Ele já trazia o
drade, Tarsila do Amaral, eram viveu na Europa e foi amante de germe modernista.
vocou na sociedade.
libertários. Essa coisa de achar a Fernand Legeard, que exerceu
Como situar a Semana de Arte raiz, este Brasil pelo qual me ufa- influência muito grande sobre os Portanto, já existiam experiênno, não existia. Não era bem isso. primeiros trabalhos de Tarsila, cias pré-modernistas?
Moderna de 1922?
Isso. E mesmo eles não se
Foi um marco. Quando a gen- Agora, nessa libertação eles pro- percebe aquela arte que estava
te procura saber como surgiu o curam ter raízes locais, de origem. se construindo lá [Europa] e faz mantiveram reunidos. Foi um
pensamento moderno no Bra- Vários movimentos fizeram isso na sua própria linguagem, assu- evento. Um momento. Outro
sil, encontramos o que ocorreu na Europa: voltaram para dentro mindo, então, as cores dos tró- marco do modernismo foi a cheem 1922. Mas, enquanto movi- de si. Mas sem esse sentido patrio- picos. Vai para o negro, para O gada das Bienais, em 1951. Enmento, foi muito circunscrito, ta, porque isso é fascista. Nacio- Abaporu, para a banana e para o tão a arte feita lá na Europa
pequeno, não fez tanto barulho nalismo é fascista. Pelo contrário, ‘verde e amarelo’. É preciso dei- chega aqui. O Mário de Andrade,
como pensamos – inclusive pela eles eram libertários. Voltar às ra- xar claro que não é um ufanismo por exemplo, não tinha dinheiro.
época: não tinha a mídia forte ízes como? Como Oswald de An- nacionalista. Não é Emílio Gar- Mas o Oswald, Tarsila e Villa Locomo tem hoje. Todas as pessoas drade volta com O Rei da Vela. rastazu Médici, que usou a sele- bos tinham. Eles estavam lá, os
que participaram da Semana de Quando ele escreve esse romance, ção canarinho para poder descer outros não. Para que houvesse
22 eram as estacas do que viria aquilo é Brasil. O agiota ganhan- a borracha em quem era contra a uma influência, seria necessária
uma coisa um pouco maior do
a ser a Arte Moderna brasileira: do dinheiro, o povo, aquela famí- ditadura militar.
que essas informações. Em 1953
Tarsila do Amaral, Anita Mal- lia desarticulada...
É
só
um
ponto
em
algo
muito
surge a Guernica, de Pablo Pifati, Oswald de Andrade, Mario
casso. Aí sim, leva a uma transde Andrade, Villa-Lobos. Mas Buscar uma raiz com um pé na maior?
Carlos Norberto
formação. Porque, antes, poucos
iam à Europa e estes terminam
não propagando as informações.
Mas a Semana é detonadora.
E Macunaíma, o herói sem nenhum caráter?
Ele é fruto do meio. Não é ser
mau-caráter, e sim não ter caráter. É agir de acordo com as circunstâncias. Na realidade, ele
é protegido pelos deuses da natureza. Nasce preto e vira branco. Por quê? É coisa do Brasil.
“Mau-caráter” já é um juízo moral. O sem caráter já é o sujeito
aberto àquelas situações.
Quem é?
O jornalista Roberto Peres
foi editor de Artes do extinto
jornal Cidade de Santos; diretor do Centro de Arte e Decoração de Santos (CADES),
onde se realizavam exposições
de artistas contemporâneos
de diversas tendências e linguagens; diretor cultural da
Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto (93 e 94); curador da galeria do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos
(CCBEU); além de ter cuidado de duas edições da Bienal
de Artes Visuais de Santos.
Hoje, dá aulas de teatro na
Escola de Artes Cênicas, anexa ao Teatro Guarany, mantida pela Secretaria de Cultura
(Secult).
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Edição e diagramação: Mariana Serra
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
13
Repercussão
além-mar
Elizabeth Soares
Os ecos da Semana da Arte
Moderna de 1922 não se restringiram aos limites geográficos
brasileiros. Portugal foi um dos
países que estavam sintonizados
com o clima desta Semana marcante para as artes.
A escritora portuguesa Maria
Estela Guedes, autora de livros
como Obra ao Rubro de Herberto Helder e Tríptico Solo, já
publicados no Brasil pela Editora Escrituras, de São Paulo, defende que o evento não se resumiu aos dias 11 a 18 de fevereiro
daquele ano. “O seu espírito já
vinha da própria vontade de alguns artistas brasileiros, de outras partes do mundo, e durará
para além de hoje”.
Maria Estela, membro da
Associação Portuguesa de Escritores e autora também de livros de poemas e peças de teatro, exemplifica o impacto que a
Semana de Arte Moderna de 22
causou nas mentes de artistas
estrangeiros, com a participação intensa de dois jornalistas e
escritores portugueses: António
Ferro (1895-1956) e Fernanda
de Castro (1900-1994).
Recebido no Brasil por artistas organizadores do evento, o
casal esteve não apenas em São
Paulo, mas no Rio de Janeiro,
em Belo Horizonte e em outras
cidades apresentando a peça de
teatro Mar Alto, de autoria de
António Ferro, em que Fernanda de Castro declamava poemas
ao final de cada apresentação.
Esta foi uma ocasião excelente, segundo Maria Estela, para
permutar experiências, quer do
lado português, quer do lado
brasileiro.
Mas António Ferro não participou apenas do instante central
da eclosão artística que o evento
representou. Ele foi o editor da
revista Orpheu, de 1915, que, segundo Maria Estela, “deu o grito do Ipiranga nas artes lusas”.
Esta revista, de acordo com a
escritora, foi uma das raízes da
Semana de Arte Moderna de 22.
Concebida como ponte entre os
dois países, tinha dois diretores
– Luís de Montalvor, em Portugal, e Ronald de Carvalho, no
Brasil – e era editada por António Ferro, então com 18 anos.
“Este foi escolhido como editor
justamente por sua pouca idade, como forma de afrontar a
academia e sua caduquice”, diz
Maria Estela, lembrando que
esta atitude desafiadora e provocativa, aliás, mantinha-se no
comportamento social dos artistas da modernidade no Brasil de
1922.
A escritora lembra que a esposa de António Ferro, Fernanda de Castro, causou frisson ao
se apresentar no evento suja de
lama, de meias rotas, vestido
“escandalosamente” encolhido
pela chuva até acima dos joelhos, na sequência de um acidente de carro. Resultado: foi
glorificada pelos artistas como
a “Rainha da Semana de Arte
Moderna”.
Para Maria Estela, “ao aclamar Fernanda de Castro como
“Rainha”, os artistas proclamavam, ao mesmo tempo, que
há semanas com muito mais de
sete dias. “Eles se consideravam
os relógios do futuro e gritavam
que era a Hora! – Hora presente, de ação, contra as vaias dos
defensores da arte convencional”.
António Ferro participou da
Semana de 22 de modos variados, pelas relações que tinha
com artistas brasileiros e ainda
A literatura foi uma das áreas culturais mais afetadas pelas
inovações trazidas pela nova geração de artistas renovadores e
seus principais representantes
puderam expor seus pensamentos.
A Semana de Arte Moderna representou a ruptura desses
diversos segmentos artísticos
– como poesia, música e pintura- com os padrões existentes à
época. Dentre eles, a literatura
passou por modificações polêmicas em seu estilo e até mesmo
mal interpretadas pela população brasileira.
Alguns dos principais romancistas do movimento modernista fizeram parte desses eventos.
Menotti Del Picchia, Oswald de
Andrade e Mário de Andrade,
além do pintor Di Cavalcanti, foram idealizadores e responsáveis
pela realização da Semana de 22.
Fala popular
Segundo o jornalista e mestre em literatura brasileira Alaor
Barbosa, o movimento foi responsável por confirmar mudanças nos textos produzidos por
autores modernistas em comparação com autores que então predominavam no cenário nacional.
“A principal diferença está
na linguagem. Os modernistas
adotavam uma linguagem mais
próxima da fala popular brasileira, no vocabulário e na sintaxe.
Mário de Andrade, por exemplo,
escrevia ‘milhor’ (ao invés de
‘melhor’), em vez da conjunção
‘se’, usava ‘si’ ”, afirmou. “As
mudanças trazidas pelos modernistas brasileiros consistem no
aproveitamento de temas ligados
ao povo e a realidade brasileira”,
acrescentou o jornalista.
Por meio desse tipo de pensamento é que era permitido o uso
de formas menos coloquiais pelos escritores. “Me disseram” ou
“me falaram” apresentam erros
nas posições dos pronomes (seriam ênclises ao invés de próclises), mas por serem usadas pela
população em geral foram adotados nos romances.
Essa forma popular de escrever causou estranheza em parte
da população, o que explica o
preconceito e reprovação inicial
“
As mudanças
trazidas pelos
modernistas
brasileiros
consistem no
aproveitamento
de temas
ligados ao povo
e a realidade
brasileira
alaor barbosa
jornalista
”
Felipe dos Santos
Para Estela, a Semana obteve repercussão em Portugal graças a António Ferro e Fernanda de Castro
colaborou com a revista Klaxon, publicada pelo movimento modernista de 15 de maio de
1922 a janeiro de 1923. Outra
contribuição do autor para o
Modernismo no Brasil, segundo Maria Estela, resulta de suas
conferências, levadas a auditórios de muitas cidades brasileiras. “Os artistas da Semana de
Arte Moderna (tal como os de
hoje) foram aplaudidos e zurrados, convidados a internarem-se
nos hospícios para doidos, e António Ferro não escapou dos varapaus”, diz Maria Estela. “Ele
era muito jovem ainda e muito
empolgado, provocador, não só
nas palavras como na encenação
das conferências”.
Maria Estela lembra ainda
que Fernanda de Castro guarda
como suas melhores recordações das numerosas visitas ao
Brasil as relativas à “semana
revolucionária”, como ela mes-
ma escreve em suas Cartas para
além do Tempo (Portugal, Europress, 1990). Foi neste evento
que Fernanda, além de eleita
pelos artistas como “Rainha”,
foi pintada pelos modernistas
brasileiros. E foi justamente na
famosa Semana de Arte Moderna brasileira que passou sua lua
de mel com António Ferro e gerou seu filho, o também escritor
António Quadros.
Maria Estela cita um trecho
de um texto escrito por António
Ferro a respeito da Semana de
Arte Moderna de 1922, que resume muito bem os ares inspirados e aspirados pelos artistas
naquele momento: “Fazendo
ruído, assaltando reputações
frágeis que passavam ao nosso
alcance, vivi quatro meses com
esses bons companheiros, numa
camaradagem íntima de todas
as horas, numa boemia de espírito que nunca mais esqueço”.
novelas e o teatro brasileiro
são bastante apreciados pelos mais jovens, que aderem
com muito afeto à maneira liberal produção da arte praticada no Brasil”, afirmou.
“Aliás, neste ponto, deixa-me aproveitar para dizer que, em Moçambique,
as telenovelas brasileiras, o
teatro, a música e até a escrita são as que têm mais
aceitação. O nosso país está
afetivamente mais perto do
Brasil do que de Portugal”,
observou.
Na outra vertente, Eduardo Quive apontou uma
parte que acusa o Brasil de
aculturar os moçambicanos, sendo o principal foco
as telenovelas que têm influenciado
grandemente
nas atitudes, modos de ser
e estar dos moçambicanos.
“Por exemplo, olha-se para
o fato de a capulana (tecido
muito usado pelas mulheres
DIVULGAÇÃO
Eduardo Quive explica que a Semana não exerceu tanta influência na África
em Moçambique) caindo
em desuso, em detrimento
da saia curta, calça com a
cinta baixa das telenovelas
brasileiras e que até as lojas
de vestuários, quando as publicitam, mencionam ser de
proveniência brasileira para
ter mais aceitação”, ressaltou.
Villa-Lobos é o marco na música brasileira, Jornalistas destacam
importância de modernistas
destaca maestro Gilberto Mendes
JULIANA KUCHARUK
Jessika Nobre
REPRODUÇÃO/BRUNA DALMAS
A transformação da música brasileira sofreu alterações devido a Semana de Arte Moderna, conforme Gilberto Mendes
Juliana Kucharuk
Villa-Lobos, que participou da semana e viveu na
“Eu diria que se não época do movimento mutivesse acontecido a Se- sical nacionalista, que era
mana de 22, a música con- fazer música erudita, mas
tinuaria do mesmo jeito”. com base no folclore. VillaA afirmação é do maestro e Lobos criou uma linguagem
compositor santista Gilber- própria, o que para Mendes
to Mendes, que vai com- é fundamental para um arpletar 90 anos, assim como tista, e com isso se consaa Semana de Arte Moderna grou internacionalmente.
completou em fevereiro.
“O bom do Villa-Lobos não
Para ele, o marco na é o nacionalismo, é a invenmúsica brasileira aconte- tividade. Ele criou uma linceu com o maestro Heitor guagem própria, realmente
moderna, que o deixou do
lado de caras como Stravinsky”, argumentou.
Para Mendes, Villa-Lobos também impressionou
pela qualidade musical e
serviu de inspiração a muitos artistas. “Eu sou suspeito pra falar do cenário
musical dos dias de hoje
porque faço parte. O fato
é que na música brasileira
não temos um compositor
como foi Villa-Lobos”, assegurou.
Para o jornalista e crítico
literário Rinaldo Gama, editor do caderno Sabático do
jornal O Estado de S.Paulo,
a Semana de Arte Moderna
de 1922 influenciou vários
segmentos das artes, com
muita ênfase nas artes plásticas e na música, e não só na
literatura. “Houve conquistas
muito importantes, como a
produção de arte com conteúdos voltados para o Brasil”,
destacou.
Segundo o crítico, o Modernismo foi uma reação
para se criar uma língua tipicamente brasileira, diferenciada do idioma que se
fala em Portugal. “Ou seja,
os modernistas queriam
buscar uma identidade própria”, disse, lembrando que
a primeira inspiração não
literária foi uma exposição
de Anita Malfatti que o escritor Monteiro Lobato criticou
com bastante acidez e veemência. “A partir daí, surgiu
o movimento modernista”,
ressaltou.
Gama reconheceu que o
Modernismo abriu muitas
portas, mas fechou outras.
“Os artistas que vieram depois de Oswald de Andra-
de, como Clarice Lispector e
Graciliano Ramos, entre outros, receberam uma herança
muito grande, pois se viram
também obrigados a buscar
criações novas”, disse. “Não
podiam repetir o que outros
autores já haviam experimentado, eles tinham que
explorar coisas que ninguém
explorara”, acrescentou.
Para Ubiratan Brasil, editor-assistente do Caderno
2 de O Estado de S. Paulo e
crítico literário, a Semana de
Arte Moderna de 22, mesmo depois de 90 anos, continua repercutindo nas artes.
“Agora, no entanto, essa repercussão dá-se pela negação, ou seja, muitos pesquisadores contestam o caráter
modernista da Semana, dizendo que foi apenas uma
cópia abrasileirada do que
acontecia lá fora”, disse.
Mas, por outro lado, Brasil defendeu que, sem os
modernistas, os escritores
e poetas brasileiros não teriam dado passos tão gigantescos que possibilitaram,
por exemplo, o surgimento
dos escritores regionalistas.
“Nada disso teria ocorrido,
se não fosse o barulho provocado por aqueles acadêmicos”, ressaltou.
“A Semana poderia ter acontecido antes de 22”
Renato Figueiredo
Segundo Barbosa, o movimento alterou a linguagem utilizada na produção dos textos
derna de 22 é até hoje vista como
marco nas mais variadas formas
artísticas. O estilo e vocabulário
passaram por inovações que demoraram para ser assimiladas,
mas que, com o tempo, passaram a ser comumente usadas pelos brasileiros. Fruto dos esforços
dos principais nomes da literatura brasileira.
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A Semana da Arte Moderna de 1922, que completa
90 anos, não exerceu tanta
influência na África de expressão portuguesa. Embora o evento tivesse como objetivo apresentar ao mundo
a genuína arte brasileira, na
África não se fala com fervor
sobre esta parte da história.
Ainda que o Brasil seja um
país muito querido pelos
africanos, apenas alguns
profissionais se interessam
em adquirir conhecimento
aprofundado destas movimentações.
Munidos destas informações estão alguns escritores,
jornalistas, atores, professores, historiadores e músicos,
entre outros. Mas, o assunto parece seduzir apenas
aqueles que estão dispostos
a colher os frutos das próprias pesquisas e de algu-
mas informações que “por
acaso” chegam, como por
exemplo, a Moçambique.
Este é o caso do Editor da
Revista Literatas, publicação
digital de Maputo, Eduardo
Quive. O escritor afirmou
que a revolução artística
fora de extrema importância
não apenas para o Brasil, e
sim para o planeta. Quive lamenta que o tema tenha sido
pouco apresentado em seu
país. “Devo dizer que este
assunto é relevante para
toda parte do mundo, mas
aqui, em Moçambique, não
é tão falado como se deve
pensar no Brasil”, disse.
Entretanto, mesmo o povo
moçambicano não tendo um
conhecimento mais profundo das origens do trabalho
executado no Brasil, o escritor comentou sobre a aproximação do Modernismo
com a arte praticada hoje
em Moçambique. “As tele-
escrever para o povo
ao estilo adotado. “Por parte dos
leitores e espectadores da Semana de Arte Moderna o processo
de aceitação dos padrões estéticos introduzidos pelos modernistas foi lento”, explica Barbosa,
72 anos.
O mestre em Literatura usou
exemplo de sua infância para
mostrar o processo de aceitação
das inovações. “O movimento
modernista teve duração limitada: deflagrada oficialmente em
1922, alcançou o final da década
e prolongou-se durante a década
de 30. Assim, as mudanças que o
movimento trouxe foram consequências da Semana de 22, mas
também de uma ação contínua
nos anos seguintes. Lembro-me
de que, ainda rapaz no Rio de
Janeiro, no final da década de 50,
descobri com enorme novidade a
arte dos modernistas”.
Outra prova de que os novos
conceitos artísticos causaram
desconforto na época foram as
críticas que a exposição de Anita Malfatti, em 1917, recebeu do
escritor Monteiro Lobato. Anita
havia voltado da Europa com influências das novas vanguardas
e realizou o que ficou conhecido
como primeira exposição de arte
moderna do Brasil. A exposição
foi duramente criticada por Lobato em seu artigo Paranóia ou
mistificação, publicado no jornal
O Estado de S. Paulo. Para Alaor, a influência vinda de artistas
europeus era mal vista no País.
“Uma das acusações e censuras
que se fizeram aos modernistas
foi a de importarem uma estética
europeia”, disse.
Apesar do início conturbado e sem a noção do tamanho e
importância que suas inovações
teriam a Semana de Arte Mo-
Edição e diagramação: Igor Augusto
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
Marola do modernismo chega à África
Editor da Revista Literatas, de Moçambique, Eduardo Quive, reconhece que o movimento modernista brasileiro
teve pouca repercussão nos países africanos de expressão portuguesa
A Semana de 1922 atravessou o
Atlântico e chegou a Portugal,
conduzida por artistas que
participaram ativamente deste
momento artístico
Forma moderna de
Guilherme Uchoa
REPRODUÇÃO/BRUNA DALMAS
A Semana de 22 foi um movimento de mudança na cultura nacional, mas suas raízes
e influências são fruto de um
intercâmbio de ideias entre
artista do Brasil e da Europa,
principalmente. O professor
de Literatura Brasileira da
Universidade de Pádua, Itália, Sílvio Castro explica que,
em 1909, a fundação do movimento futurista italiano já
havia servido de inspiração
para jovens escritores brasileiros.
Mesmo com a recepção
inicial negativa da Semana
no Brasil, Castro afirma que
fora do Brasil a repercussão
foi grande, especialmente
em Portugal, onde diversos
movimentos modernistas se
manifestaram, e também na
França, por meio de Blaise
Cendrars, pseudônimo do
poeta Frédéric Louis Sauser,
que esteve diversas vezes no
Brasil.
Segundo o professor, a mudança trazida pela Semana
poderia ter acontecido antes
mesmo de 1922, mas tudo foi
adiado para coincidir com o
ano do primeiro centenário
da Independência do Brasil.
“Era o momento de grandes
manifestações e promoções
destinadas a uma divulgação
mundial”, explica.
Com o tempo, diz Castro,
os ideais modernistas começaram a se espalhar por
outras regiões do País, como
o Nordeste e o Sul, e sua divulgação se tornou mais forte
ainda com a Revolução de 30.
Para Sílvio Castro, as ideias
de oposição à Semana de
Arte Moderna surgiram com
uma corrente de artistas que
começaram a se opor ao Modernismo mais de 20 anos
depois de seu surgimento.
“Elas correspondem à necessidade sentida pelos jovens
escritores da Geração de 45
quanto a uma própria afirmação, bem como a do período
por eles inaugurado”, explica.
Mas, apesar dos outros movimentos que surgiram, Castro diz que é difícil encontrar
outro exemplo que tenha tanta intensidade quanto a Semana de Arte Moderna de 22.
REPRODUÇÃO/IVAN BAETA
Castro:oposição surge na Geração de 45
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Edição e diagramação: Cauê Goldberg
PRIMEIRA IMPRESSÃO • Abril de 2012
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dias que mais tarde
marcariam a vida cultural
da cidade de São Paulo e do
Brasil. A chamada “Semana
de Arte Moderna de 22” trouxe
mudanças que hoje podem ser
vistas como futuristas e influenciaram diretamente na arquitetura de parques, museus
e monumentos espalhados pela
terra da garoa, além de deixar
a sua marca na literatura,
poesia, pintura e música.
Diagramação e fotos: Juliana Kucharuk
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Semana de Arte Moderna: 90 anos