Revisão de literatura Anestesia na cadela gestante Anesthesia in a pregnant bitch Valéria Nobre Leal de Souza Oliva – Doutora em Anestesiologia; Professora livre docente em Anestesiologia Veterinária UNESP – FOA - Araçatuba; email: [email protected] Verônica Batista de Albuquerque – Mestre em Ciência Animal - Unesp - FOA – Araçatuba; Doutoranda em Anestesiologia – Unesp - FM Botucatu Oliva VNLS, Albuquerque VB. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009; 7(20); 52-58. Resumo A gestação leva a cadela a diversas alterações orgânicas que se constituem em adaptações do organismo à nova condição. Alterações cardiovasculares, respiratórias, hemodinâmicas, entre outras, podem comprometer a sua higidez tornando-a uma paciente especial ou de risco a ser submetida a um procedimento anestésico. A maneira mais satisfatória para se atingir os três objetivos básicos da anestesia: hipnose, analgesia e relaxamento muscular, com o menor risco para a fêmea gestante e seus conceptos consiste na anestesia balanceada. Este artigo apresenta uma revisão sobre as alterações fisiológicas adaptativas decorrentes da gestação e os efeitos dos principais fármacos utilizados em medicina veterinária sobre a cadela gestante e seus fetos. Palavras-chave: Anestesia, gestação, cadela, feto, neonato Abstract The gestation leads the animal to various organizational changes that are themselves in adjustments to the new body’s condition. Changes cardiovascular, respiratory, hemodynamic, among others, could compromise the patient’s healthy, becoming a patient at risk. The most satisfactory way to achieve the three basic objectives of anesthesia: hypnosis, analgesia and muscle relaxation, with the least risk to pregnant females and their concepts is the balanced anesthesia. This article presents a review about pregnant physiological changes and the effects of anesthetic drugs in pregnant bitches and newborn dogs. Keywords: Anesthesia, pregnant, bitches, fetus, newborn dogs 52 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20); 52-58. Anestesia na cadela gestante Introdução A anestesia na cadela gestante representa um verdadeiro desafio para o anestesiologista veterinário, que deve almejar um protocolo seguro tanto para a mãe quanto para o feto, tendo em vista que a maioria dos fármacos utilizados atravessa rapidamente a barreira placentária. Segundo Hellyer, (1), a depressão fetal e neonatal ocorre em grau variável após a indução anestésica da mãe, dependendo do fármaco utilizado, de sua dose e do tempo transcorrido desde a indução até à retirada do feto. Segundo Moon et al. (2), alguns fatores podem aumentar o risco fetal: cirurgias emergenciais, fêmeas do tipo braquicefálico, grande número de filhotes por fêmea (ideal até quatro) e protocolos anestésicos que incluam a xilazina ou o metoxifluorano. A gestação leva o animal a diversas alterações orgânicas adaptativas que mantém o equilíbrio fisiológico na nova condição (quadro 1). Mas, outras complicações decorrentes de um parto distócico ou prolongado, com fetos mortos e o desenvolvimento de infecções podem comprometer a higidez da paciente e aumentar o risco do procedimento anestésico (3). Quadro 1: Principais alterações fisiológicas da fêmea gestante Variável Alteração Frequência cardíaca Aumentada Débito cardíaco Aumentada Hematócrito Aumentada Pressão arterial Pressão venosa central Inalterada Inalterada, aumenta com o trabalho de parto Volume minuto Aumentada Consumo de O2 Aumentada pH arterial e PaO2 Inalterada PaCO2 Diminuída Capacidade pulmonar total Inalterada Capacidade pulmonar funcional Diminuída Tempo de esvaziamento gástrico e pressão intragástrica Aumentada Motilidade gástrica e pH das secreções gástricas Diminuída Fluxo renal plasmático e taxa de filtração glomerular Aumentada Uréia e creatinina Diminuída Sódio e balanço hídrico Inalterada Fonte: Fantoni e Cortopassi, 2002. O2: oxigênio, PaO2 : pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, PaCO2: pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Devido à falta de esclarecimento e ao baixo nível sócioeconômico dos proprietários, que muitas vezes procuram tardiamente o atendimento médico veterinário, a cadela pode chegar ao hospital após algumas horas em trabalho de parto. Em decorrência ela pode apresentar algumas intercorrências como: cansaço extremo, alterações hidroeletrolíticas e cardiorrespiratórias, comprometimento fetal e/ou alterações sistêmicas como toxemia o que faz com que o anestesista a considere como sendo uma paciente de risco. Esses fatores contribuem, ainda, para que haja um elevado índice de cesarianas, principalmente em cadelas (4) Em consequência das características físico-químicas da maior parte dos agentes anestésicos (baixo peso molecular, alta capacidade de difusão, rápida solubilidade lipídica e baixo grau de ionização), esses cruzarão invariavelmente a barreira placentária (3), o que impede que se afirme que cer- ta técnica ou anestésico seja ideal para todas as abordagens da fêmea gestante. Portanto, torna-se necessário o completo conhecimento das alterações apresentadas pela paciente em questão, das características do anestésico que se deseja utilizar e de seus efeitos sobre o feto e neonato para serem atingidos os principais objetivos da anestesia obstétrica preconizados por Brock, (5): o nascimento de filhotes vigorosos e a devida prevenção de efeitos indesejáveis na mãe. Sendo assim, a presente revisão apresenta algumas considerações em relação às alterações fisiológicas causadas pela gestação em cadelas assim como dos efeitos dos fármacos anestésicos sobre a mãe e seus fetos e dos recursos disponíveis ao preparo adequado da paciente gestante a ser anestesiada. Alterações cardiovasculares decorrentes da gestação As alterações cardiovasculares sofridas pela mãe atingem rapidamente o feto, devido ao fato de o fluxo sanguíneo fetal Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20);52-58. 53 Anestesia na cadela gestante não ser capaz de se autorregular e a perfusão uterina ser diretamente proporcional à diferença entre a pressão arterial e a venosa, e inversamente proporcional à resistência vascular uterina (6). A formação de novos tecidos ocorrida na gestação resulta no aumento da taxa metabólica e na necessidade de maior envio de sangue ao feto em formação Portanto, durante esse período ocorre a elevação do volume sanguíneo e do débito cardíaco (DC) da mãe a fim de atender à maior demanda requerida (7). Por outro lado, a maior resistência periférica também contribui para o aumento desse último sem, contudo, provocar o aumento significativo da pressão arterial. Entretanto, no momento do parto, a pressão arterial sistólica pode aumentar em torno de 10 a 30 mmHg em relação aos valores iniciais (8) e a frequência cardíaca (FC) também se eleva em consequência da liberação de catecolaminas por dor ou estresse (9). Skerman et al. (7) afirmaram que o maior débito cardíaco na gestação ocorre, principalmente, devido ao aumento do volume sistólico e não, à elevação da FC. Entretanto, Brook, Keil (10) observaram que na espécie canina há elevação progressiva da frequência cardíaca ao longo da gestação atingindo ao final dessa, valores 55% maiores e aumento do volume de sangue de até 2 mL/kg em relação aos de cadelas não-gestantes. Verificaram ainda, que o aumento do volume sanguíneo ocorre até o 46º. dia de gestação, a partir do qual, os valores se mantêm constantes. Dados obtidos por Oliva (4), Robertson, Moon (6) e Pascoe, Moon (11) demonstraram diminuição da pressão arterial média em fêmeas gestantes corroborando os achados de Brooks, Keil (10) que comprovaram redução de até 10% nos valores dessa variável, ao longo do período gestacional de cadelas da raça beagle. No período transoperatório das cesarianas a paciente permanecerá em decúbito dorsal, o que causará compressão da veia cava pelo útero gravídico, podendo resultar em redução do retorno venoso e do débito cardíaco, resultando em hipotensão e diminuição do fluxo sanguíneo uterino e renal (12). Porém, estudos desenvolvidos por Abitbol, (13), realizando ligaduras das veias ilíacas, das veias renais e da veia cava caudal em cadelas não evidenciaram as alterações características da síndrome supina como o choque e a bradicardia, observando-se por meio da realização de exame radiográfico a instalação de circulação colateral compensatória. Outro trabalho também confirmou que o posicionamento em decúbito dorsal, produz menos efeitos negativos do que os ocorridos em mulheres, possivelmente devido à compensação ocasionada pela circulação colateral e das diferenças anatômicas entre as mulheres e as cadelas (11). Tais observações levaram a crer que a compressão dos grandes vasos não é a única causa da síndrome supina nessa espécie e que outros fatores podem estar envolvidos. A paciente gestante sofre exigências cardíacas muito intensas havendo diminuição de suas reservas e uma predisposição à descompensação, mesmo ela estando previamente estável (14). Sendo assim, determinadas intercorrências transcirúrgicas como hemorragia, hipovolemia e hipotensão 54 severa podem ser compensadas de maneira mais lenta e as terapias com vasopressores e fármacos cronotrópicos podem ser menos efetivas (6). Alterações respiratórias decorrentes da gestação As modificações na mecânica respiratória no período de gestação são bastante intensas e ocorrem, principalmente, devido ao deslocamento diafragmático e de órgãos abdominais pelo útero gestante, o que acarreta considerável redução da capacidade residual funcional (7,14), o que em mulheres pode chegar, ao final da gestação, a uma diminuição de 20% (15). Em decorrência do menor volume pulmonar as cadelas gestantes ficam suscetíveis à atelectasia pulmonar. Sendo que, para manter a maior demanda de oxigênio, acontece um aumento do volume minuto em até 50% ocasionado, principalmente pela elevação da frequência respiratória (f) (6). Tal elevação é realizada pela ação da progesterona que proporciona relaxamento da musculatura lisa brônquica, diminuindo a resistência pulmonar sem alteração da complacência e aumentando a sensibilidade dos receptores centrais ao dióxido de carbono. Essa maior sensibilidade resulta em hiperventilação, fazendo com que as fêmeas gestantes apresentem valores inferiores de PaCO2 (30 – 33mmHg) (16). Em estudo com cadelas gestantes (4) observou que a f até o 45° dia de gestação não apresentou alteração significativa, sendo que, a partir do 60° dia, houve aumento significativo mantendo-se, porém, estabilidade dos valores sanguíneos do pH, pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO2), dióxido de carbono total no sangue arterial (CO2T) e bicarbonato. Pascoe, Moon (11) afirmam que a hiperventilação materna, devido ao estresse ou incorreta ventilação por pressão positiva pode ocasionar valores de PaCO2 muito reduzidos, podendo chegar à 22 mmHg. Por outro lado a hiperventilação iatrogênica em pacientes gestantes pode, ainda, estar associado ao menor fluxo sanguíneo umbilical agravando a possibilidade de efeitos depressores fetais (14). Gabas et al, (17) observaram que durante o trabalho de parto as cadelas apresentavam taquipneia (frequência respiratória média de 124 mpm no início do trabalho de parto) e a PaCO2 média chegou a atingir valores mínimos de 22,9 mmHg, com o pH arterial sempre dentro da normalidade para a espécie (valor máximo de 7,43) sem, contudo, efeitos clínicos evidentes sobre os neonatos. Alterações no sistema nervoso central (SNC) decorrentes da gestação A fêmea gestante apresenta aumento da concentração sanguínea de progesterona, que induz a um efeito sedativo sobre o sistema nervoso central. Somando-se a isso, o aumento de β-endorfinas circulantes que também se faz presente nessa situação, pode reduzir o requerimento anestésico na gestante (18). Robertson, Moon (6), em estudo com mulheres e ovelhas observaram redução de 25 a 40% da concentração alveolar mínima (CAM) dos agentes inalatórios isofluorano e halotano, e captação mais rápida desses fármacos devido à elevação do volume-minuto, portanto, promovendo indução anestésica mais rápida. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20); 52-58. Anestesia na cadela gestante Alterações do sistema gastrointestinal decorrentes da gestação O útero gravídico desloca o estômago, provocando diminuição da motilidade (12), além de causar elevação da pressão intra-abdominal e, ao comprimir as vísceras, predispõe a gestante a apresentar refluxo gastresofágico (2). Além disso, a concentração de progesterona aumentada retarda o esvaziamento gástrico, promovendo relaxamento do cárdia e do piloro contribuindo para que ocorra refluxo. Dessa forma, a utilização de agentes antieméticos (metoclopramida 0,5mg/ kg) e inibidores de íons H+ (cimetidina 6-11mg/kg) na préanestesia torna-se útil (12). Sendo assim, para as cirurgias de cesarianas programadas recomenda-se jejum sólido e hídrico de 12 e 2 horas, respectivamente, apesar de a fêmea próxima ao trabalho de parto normalmente recusar ou diminuir o interesse pelo alimento (19). Naquelas gestantes em que o jejum não foi possível, as recomendações para evitar a regurgitação/aspiração do conteúdo gástrico são a intubação traqueal rápida e o posicionamento na mesa cirúrgica elevando-se discretamente a região da cabeça (13). Alterações hematológicas, renais e hepáticas decorrentes da gestação Algumas são relatadas durante a gestação, ocorrendo como consequência da ação indireta das alterações circulatórias sobre fígado e rins e, da maior demanda de oxigênio para os tecidos em formação. O fluxo plasmático renal e a taxa de filtração glomerular aumentam cerca de 60% durante a gestação e dessa maneira, as concentrações séricas de uréia e creatinina podem estar reduzidas (7). Durante a gestação ocorre aumento do volume plasmático o que resulta na redução do volume globular e da concentração de hemoglobina. Sendo que a anemia torna-se um achado comum nas cadelas gestantes e a severidade dessa está diretamente ligada ao número de filhotes (6,11). Dados publicados por Edqvist, Forsberg (20) demonstram a ocorrência de elevação na taxa de globulina e diminuição da albumina séricas durante o período gestacional. Matsubara et al. (18) relataram valores significativamente menores de eritrócitos, hemoglobina, volume globular e albumina sérica, em cadelas gestantes de 45 dias, comparandose aos valores das mesmas cadelas em condição não-gestante. Cuidados gerais com a cadela a ser submetida à anestesia cirúrgica Cuidados como fluidoterapia pré e transoperatória podem contribuir para um melhor êxito do procedimento anestésico (2), minimizando os efeitos da perda sanguínea, a qual pode ocorrer durante o procedimento cirúrgico, e ajudam a manter a estabilidade cardiovascular. (2). Além disso, a indução da anestesia dentro da sala operatória permite ganho de tempo, reduzindo a exposição dos fetos aos anestésicos. (5). Outro fator a ser considerado é o posicionamento da mãe na mesa cirúrgica. O decúbito dorsal pode causar maior desconforto respiratório, o que pode minimizado quando se inclina levemente a mesa cirúrgica deixando a cabeça mais elevada em relação ao restante do corpo, medida que alivia compressão do diafragma pelo útero gravídico. Os fármacos empregados no procedimento anestésico irão produzir efeito similar no feto, ainda que em grau reduzido, aumentando assim a morbidade e a mortalidade neonatal (21). A anestesia regional, com a utilização de fármacos menos depressores poderia ser uma boa opção, contudo a necessidade da imobilidade total da paciente e as dificuldades que envolvem a realização de procedimentos cirúrgicos com o animal acordado, quase que inviabilizam a realização dessa técnica como protocolo único, mantendo-se a preferência pela associação de fármacos e técnicas de anestesia geral. A forma mais segura, portanto, de realizar um procedimento anestésico seguro na cadela gestante é a anestesia balanceada, procurando-se utilizar doses menores e explorando as características mais evidentes e menos deletérias de cada fármaco (22). Medicação préanestésica (MPA) O uso ou não de sedativos e tranquilizantes na cadela gestante deve ser avaliada com bom senso, verificando-se a necessidade real de mesma. Thurmon et al. (9) recomendam seu uso apenas no caso extremo de ansiedade ou agressividade objetivando a diminuição do estresse e facilitando o preparo préanestésico. Entretanto, a tranquilização pode ocasionar depressão neonatal e redução do vigor dos filhotes ao nascimento. Matsubara et al. (23) observaram a diminuição significativa da pressão arterial em cadelas gestantes que receberam acepromazina (0,05mg/kg) na MPA, que perdurou até o final da anestesia com sevofluorano. Segundo Brooks, Keil (10) a acepromazina por ser um potente bloqueador dos receptores alfa-adrenérgicos e depressora dos centros vasomotores centrais, contribui para a hipotensão durante a anestesia geral. A medicação préanestésica deve contar com a utilização de opióides, preferencialmente os agonistas-antagonista, como o butorfanol, por exemplo, que permite tranquilização e analgesia com efeitos depressores mínimos sobre os fetos (3). Alguns estudos não evidenciaram correlação entre a maioria dos fármacos utilizados na MPA em medicina veterinária com a mortalidade ou o maior grau de depressão dos filhotes. Apenas a xilazina é apontada como responsável por produzir efeitos comprovadamente depressores nos fetos (2). Excetuando-se a xilazina, parece não haver contraindicação absoluta do uso de medicação préanestésica nas fêmeas gestantes, desde que sejam observadas as doses mínimas efetivas que não produzam alterações paramétricas muito intensas. A hipotensão provocada pelos fenotiazínicos e a depressão respiratória e bradicardia que podem decorrer do uso de alguns opióides, são evitadas com a redução das doses comumente utilizadas e a monitorização atenta desses parâmetros (4). Anestésicos dissociativos A anestesia dissociativa com cetamina ou tiletamina não é recomendada para anestesias de cadelas gestantes, por aumentar o tônus uterino causando diminuição do fluxo sanguíneo e resultando em hipóxia fetal (7). Embora seus efeitos Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20);52-58. 55 Anestesia na cadela gestante sobre o sistema cardiovascular sejam menos intensos sobre a mãe e o feto, comparando-se aos efeitos do propofol e do tiopental, a cetamina causa efeitos depressores muito prolongados no filhote (11). Segundo Raffe, Rachael (24) o uso da cetamina em cesarianas pode promover depressão respiratória, apneia, além de aumentar o risco de mortalidade fetal. A associação de cetamina-xilazina também pode causar alterações cardiopulmonares importantes (como: depressão respiratória, apneia, hipotensão, depressão fetal, entre outras), não sendo, portanto, recomendada (7). A utilização dos benzodiazepínicos associados à cetamina aumentam a segurança da utilização dessa última na gestante tendo sido descrita, entretanto, a ocorrência de efeitos sedativos prolongados em neonatos humanos após o uso do diazepam, pois seus metabólitos permanecem durante dias no organismo dos neonatos (25). Estudos desenvolvidos por Luna et al. (26) compararam os efeitos neurológicos e cardiorrespiratórios nos neonatos nascidos de cesariana de cadelas submetidas a diferentes protocolos anestésicos e prémedicadas com clorpromazina. As fêmeas anestesiadas com associação cetamina e midazolam tiveram filhotes mais deprimidos do que os demais de mães anestesiadas com propofol, tiopental ou anestesia epidural. Anestesia geral O tiopental vem sendo o agente indutor de rotina desde a década de 30 em mulheres, devido, principalmente, a sua ação rápida. Entretanto, por atravessar rapidamente a barreira placentária e por ser um agente hipotensor, pode vir a ocasionar importante depressão fetal (3). O propofol foi associado com um melhor vigor fetal quando comparado com o tiopental e o tiamilal (7). Matsubara et al. (23) ao utilizarem o propofol na indução de cadelas com 45 dias de gestação observaram diminuição da pressão arterial materna, porém sem depressão fetal. Valtonen et al, (27) ao compararem propofol e tiopental na indução evidenciaram efeitos similares em neonatos de mulheres submetidas à cesariana. Observaram, entretanto, que o tempo de recuperação anestésica das mães que receberam propofol foi mais curto. Segundo Gabas et al. (17) a anestesia geral com acepromazina, propofol e sevofluorano, apesar de promover relativa depressão cardíaca e acidemia nas cadelas gestantes, mostrou-se como um protocolo anestésico seguro para a mãe e para os fetos, constituindo uma boa opção para anestesia em cesarianas, principalmente por produzir uma taxa de mortalidade neonatal muito semelhante à que ocorre no parto normal. O etomidato caracteriza-se por mínima depressão cardiovascular e duração de ação ultracurta o que garante uma melhor e mais rápida recuperação (7). Entretanto injeções repetidas do etomidato podem levar à hemólise (24), o que faz com que seu uso passe a ser indicado apenas no momento da indução da anestesia geral. Podem ocorrer também mioclonias logo após sua aplicação, o que segundo (24), pode ser minimizado ao se associar um benzodiazepínico ou um opióide na medicação préanestésica. 56 Em cadelas prémedicadas com midazolam, induzidas com tiopental ou etomidato e mantidas sob anestesia com halotano para a realização de cesariana, os índices de vitalidade nos neonatos foram menores do que os dos filhotes das fêmeas nas quais o propofol foi utilizado como agente indutor. Nesse grupo, foram necessários cuidados especiais de reanimação dos neonatos durante dez minutos após o nascimento, enquanto que nos grupos do tiopental ou do etomidato os cuidados foram necessários por um tempo significativamente maior (28). Segundo Crissiuma et al. (29) o propofol utilizado como agente de indução e manutenção anestésica, seguido de anestesia epidural com lidocaína a 2% ou bupivacaína a 0,5%, mostrou ser uma técnica aceitável para a realização de cesarianas eletivas em cadelas, sem alterações cardiorrespiratórias importantes que comprometessem a viabilidade dos fetos. Os anestésicos inalatórios são os mais indicados para a manutenção da anestesia em pacientes gestantes em medicina veterinária, apesar de ocasionarem alguns efeitos indesejáveis como alterações cardiorrespiratórias e diminuição da perfusão uterina De maneira geral esses fármacos ultrapassam a barreira placentária, devido à alta lipossolubilidade e ao pequeno peso molecular, tendendo a estabelecer um equilíbrio materno-fetal e produzindo efeitos semelhantes na mãe e nos fetos. Entretanto, agentes muito hipotensores, como o halotano, ou planos anestésicos profundos, podem causar hipotensão arterial materna, diminuição do fluxo sanguíneo uterino e hipóxia e acidose fetais (7). O isofluorano apresenta menor grau de solubilidade em relação ao halotano, proporcionando uma recuperação mais rápida da mãe e do neonato (12). Segundo relatos de Moon et al. (2) a indução anestésica com propofol e a manutenção com isofluorano é um protocolo aceitável e seguro para a anestesia de gestantes, pois a depressão dos filhotes nascidos sob esta anestesia é menor quando comparada à resultante de outras técnicas anestésicas. Em relação ao sevofluorano, esse fármaco apresenta baixo coeficiente de solubilidade sangue/gás proporcionando períodos curtos de indução e de recuperação (30). A anestesia de cadelas com acepromazina, propofol e sevofluorano para a realização de cesarianas eletivas resultou em valores de FC, pressão arterial, f, tempo de perfusão capilar e pH sanguíneo, menores do que aqueles encontrados nas mesmas quando submetidas a parto normal em outra gestação. Entretanto, não se observou comprometimento da mãe e dos neonatos (17). Matsubara et al.(18) ao compararem a anestesia com acepromazina, propofol e sevofluorano em cadelas não-gestantes e aos 45 dias de gestação, observaram que as respostas ao procedimento anestésico foram muito semelhantes nos dois grupos de animais, embora as últimas apresentassem alterações circulatórias e respiratórias decorrentes da gestação, mas com preservação dos mecanismos compensatórios. Já Gabas et al. (17) ao compararem o grau de depressão fetal em cadelas submetidas ao parto normal ou à cesariana sob anestesia com propofol e sevofluorano, observaram maior depressão respiratória nos filhotes nascidos de cesarianas, Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20); 52-58. Anestesia na cadela gestante sem comprometimento circulatório. Tais autores concluíram que o protocolo anestésico empregado não comprometeu a viabilidade e a saúde das mães e dos conceptos, mostrando ser uma boa escolha anestésica. Anestesia Epidural A anestesia epidural apresenta baixos índices de mortalidade fetal, entretanto, essa técnica precisa de treinamento, além dos fármacos produzirem paralisia dos membros pélvicos, o que prorroga a recuperação motora da mãe (31). Contudo Paddleford (12) relata como sendo as principais vantagens da anestesia epidural o custo acessível, a depressão mínima do neonato e a manutenção da consciência da mãe, permitindo rápida disponibilidade desta para cuidar dos filhotes. Como já citado anteriormente, a ansiedade e agressividade de alguns animais muitas vezes impedem a utilização da anestesia regional de maneira isolada, mas essa técnica pode ser utilizada associada à sedação intensa ou como componente de anestesia geral balanceada, para procedimentos cirúrgicos com tranquilidade e segurança adequada (3). O uso de lidocaína a 2% na anestesia epidural para cesarianas eletivas em cadelas anestesiadas com propofol resultou em um menor tempo para a primeira mamada dos neonatos do que com a utilização de bupivacaína a 0,5% (29). Luna et al. (26) encontraram menores efeitos depressores em neonatos nascidos de mães anestesiadas com a associação de lidocaína e bupivacaína pela via epidural, ao comparar quatro protocolos diferentes de anestesia. Benson, Thurmon (8) compararam a anestesia inalatória com a epidural e afirmaram que as vantagens da inalatória são a velocidade e a facilidade de indução e o controle do plano anestésico. Sendo ainda que a intubação traqueal asse- gura o controle das vias respiratórias, permitindo também a administração de oxigênio. Funkquist et al. (31) verificaram que a taxa de viabilidade fetal foi similar no protocolo com propofol e isofluorano (70%) e epidural (72%) apresentando, entretanto, taxas mais elevadas que o protocolo que utilizou tiopental sódico (34%). Avaliação da depressão e da vitalidade dos neonatos O paciente neonatal humano é avaliado, rotineiramente, na sala de parto no primeiro, quinto e décimo minutos decorridos do nascimento, utilizando-se como referência o teste APGAR (32), que consiste na atribuição de escores para a avaliação do grau de depressão do sistema nervoso central e quanto maior o escore obtido e maior número de respostas presentes, menor o grau de depressão nervosa do neonato. Em adaptação às espécies animais, Gabas et al, (17) propuseram uma forma semelhante ao teste APGAR (Quadro 1), com pequenas alterações na classificação das respostas a serem avaliadas, podendo ser utilizado como uma das formas de saber o grau de depressão ocasionado pelo procedimento anestésico utilizado na mãe. Na prática veterinária podem ser utilizados, além desse teste, o tempo de perfusão capilar, a temperatura corporal, a produção urinária e a pressão venosa central e, mais recentemente, têm-se dado enfoque a dosagem dos valores do lactato sanguíneo. A avaliação da perfusão através dos valores do lactato sanguíneo tem sido um novo item a ser explorado tanto no paciente humano como no veterinário, particularmente nos pacientes neonatos (33). Quadro 1: Quadro adaptada da escala APGAR utilizada para avaliar a evolução de filhotes caninos recém-nascidos. Parâmetros avaliados Escores 0 1 2 Frequência cardíaca Ausente < 100 bpm > 100 bpm Esforço respiratório Ausente Lento, choro fraco Bom, choro vigoroso Tônus muscular Flácida Alguma flexão Movimentos ativos Atividade reflexa Ausente Movimento facial Tosse, espirro, choro Pálida Cianótica Rósea Cor da pele e mucosas Fonte: Apgar adaptado por Gabas et al, 2006. Conclusão Diante das várias alternativas disponíveis, a escolha da anestesia a ser utilizada na cadela gestante deve oferecer o menor risco para a cadela e seus fetos, além de permitir a realização da cesariana com segurança e conforto para a equipe cirúrgica. Cabe ao anestesista lembrar, ainda, que a recuperação da mãe deve ser rápida e isenta de complicações, tornando-a apta a cuidar de seus filhotes imediatamente após o término do procedimento anestésico. Referências 1. H ellyer PW. Anesthesia for cesarean section. Anesthetics considerations for surgery. In: Slatter´s Textbook of Small Animal Surgery. 2th ed. Philadelphia, WB: Saunders; 1991. p. 2300-3. 2. M oon PF, Erb HN, Ludders JW, Gleed RD, Pascoe PJ. Perioperative risk factors for puppies delivered by cesarean section in the United State and Canada. J Anim Hosp Assoc 2000; 36: 359-368. 3. M astrocinque S. Anestesia em ginecologia e obstetrícia. In: Fantoni DT, Cortopassi SRG. Anestesia em cães e gatos. São Paulo: Roca; 2002. p. 231-8. 4. O liva VNLS. Estudo comparativo da anestesia inalatória com sevofluorano em cadelas pré-tratadas com acepromazina e propofol, na condição não-gestante, em terço final de gestação e durante a cesariana [Tese de livre-docência]. Araçatuba: Universidade Estadual Paulista – Unesp; 2005. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20);52-58. 57 Anestesia na cadela gestante 5. B rock N. Anesthesia for canine cesarean section. Can Vet J 1996; 37: 117-118. 6. R obertson SA, Moon PF. Anesthetic management for cesarean section in bitches. Vet Med 2003; 9: 675-696. 7. S kerman JH, Birnbach DJ, Swayse CR. Effects of anesthesia on maternal/fetal circulation. Semin Anesth 1991; 10: 235-246. 8. Benson GJ, Thurmon JC. Clinical anesthesia in various animal species and conditions: special anaesthetic considerations for cesarean section. In: Short CE. Principles and practice of veterinary anesthesia. Baltimore: Williams & Wilkins; 1987. p. 337- 48. 9. T hurmon JC, Tranquili WJ, Benson G J. Anaesthesia for special patients: cesarean section patients. In: Thurmon JC, Tranquilli WJ, Benson GJ, editors. Lumb & Jones Veterinary Anaesthesia. 3th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 1996. p. 818-28. 10. B rooks VL, Keil LC. Hemorrhage decreases arterial pressure sooner in pregnant compared with nonpregnant dogs: role of baroreflex. Am J Physiol 1994, 266: H1610-H1619. 11. P ascoe PJ., Moon, P.F. Periparturient and neonatal anesthesia. Vet Clin North Am Small Anim Pract 2001; 31: 315-340. 12. P addleford RR. Anesthesia for cesarean section in the dog. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1992; 22: 481-484. 13. A bitbol MM. Inferior vena cava compression in the pregnant dog. Am J Obstet Gynecol 1978; 130: 194-198. 14. G reene SA. Anesthetic considerations for surgery of the reproductive system. Semin Vet Med Surg (Small Animal) 1995; 10: 2-7. 15. G losten B. Anesthesia for obstetrics. In: Miller RD. Anesthesia. 5th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000. p. 2024-61. 16. S chinider SM, Levinson G. Anesthesia for cesarean section. In: Schnider SM, Levinson G. Anesthesia for obstetrics. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1987. p. 159-78. 17. G abas DT, Oliva VNLS, Matsubara LM, Rodello L, Rossi CN, Perri SHV. Estudo clínico e cardiorrespiratório em cadelas gestantes com parto normal ou submetidas à cesariana sob anestesia inalatória com sevofluorano. Arq Bras Med Vet Zoote 2006; 58(4): 518-524. 18. M atsubara LM, Oliva VNLS, Gabas LM, Bevilacqua L, Perri SHV. O sevofluorano em cadelas gestantes. Ciência Rural 2006; 36(3): p.858-864. 19. D odman NH. Anaesthesia for caesarean section in the dog and cat: a review. J Small Anim Pract 1979; 20: 449-460. 20. E dqvist L, Forsberg M. Clinical Reproductive Endocrinology. In: Kaneko JJ, Harvey JW, Bruss ML, editor. Clinical biochemistry of domestic animals. 5th ed. Tokio: Academic press; 1997. p. 589-614. Duncan PG, Pope WDB, Cohern MM, Greer N. Fetal risk of anesthesia and surgery during pregnancy. Anesthesiology 1986; 64: p.790-794. 58 21. G oodger WJ, Levy W. Anesthesic management of the cesarean section. Vet Clin North Am 1973; 3: p.83-99. 22. B ingham W. Balanced anaesthesia for cesarean section: a review of 64 cases (1948-1956). Anesthesia 1957; 12: p. 435-452. 23. M atsubara LM, Oliva VNLS, Gabas DT, Bevilacqua L, Rodello L, Perri SHV. Efeito do sevofluorano sobre a frequência cardíaca fetal no terço final de gestação de cadelas. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec 2007; 59(1): 134-139. 24. R affe MR, Carpenter RE. Anesthetic Management of Cesarean Section Patients. In: Lumb & Jones’ Veterinary Anesthesia and Analgesia. Tranquilli WJ, Thurmon JC, Grimm KA (Eds). 4th ed. Blackwell publishing ; 2007. p. 955-6. 25. D yson D. Anesthesia for patients with stable end stage renal disease. Veterinary Clinics of North America 1992; 29: p. 747-767. 26. L una SPL, Cassu RN, Castro GB, Teixeira Neto FJ, Silva Júnior JR, Lopes MD. Effects of four anaesthetic protocols on the neurological and cardiorespiratory variables of puppies born by caesarean section. Vet Rec 2004; 154: p.387-389. 27. V altonen M, Kanto J, Rosemberg P. Comparison of propofol and thiopentone for induction of anaesthesia for elective cesarean section. Anaesthesia 1989; 44: p.758-762. 28. L avour MSL, Pompermayer LG, Nishiyama MEO, Odenthal ME, Duarte TS, Filgueiras RF. Efeitos do propofol, etomidato, tiopental e anesthesia epidural sobre os neonatos de cesarianas eletivas de candelas. R Bras Ci Vet, supl 2002; 9(1): p.349-351. 29. C rissiuma AL, Rego APM, Gershony LC, Firmino Filho M. Avaliação dos efeitos do propofol associado à anestesia epidural sob cães recém-nascidos de cesarianas eletivas. R Bras Ci Vet 2002; 9(1): 316-318. 30. O liva VNLS, Massone F, Teixeira Neto FJ, Cury PR. Avaliação cardiocirculatória do sevofluorano como agente de manutenção anestésica em cães, em diferentes concentrações de oxigênio e óxido nitroso. Arq Bras Med Vet Zootec 2000; 52(2): p.130-137. 31. F unkquist PME, Nymen GC, Lofgren AMJ, Fahbrink EM. Use of propofol-isoflurane as an anesthetic regimen for cesarean section in dogs. JAVMA 1997;211(3): 313-317. 32. A pgar V, Holaday DA, James LS, Weisbrot IM. Evaluation of the newborn infant: second report. J Am Med Assoc 1958; 168: 1985-1988. 33. M osier JE. The puppy from birth to six weeks. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1978; 8: 79 –100. Recebido para publicação em: 04/02/2009. Enviado para análise em: 12/03/2009. Aceito para publicação em: 08/05/2009. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(20); 52-58.