CADASTRO DE RESERVAS EM CONCURSO PÚBLICO E CRIAÇÃO
DE NOVAS VAGAS POR LEI: DE MERA EXPECTATIVA PARA O
DIREITO ADQUIRIDO A SER NOMEADO
Por Adriano Márcio de Souza
Até pouco tempo a jurisprudência de nossos Tribunais era no
sentido de que a aprovação em Concurso Público não gerava direito adquirido à
nomeação.
Entretanto, o posicionamento foi modificado no sentido que o
candidato aprovado, dentro do número de vagas, teria direito adquirido à
nomeação, desde que aprovado dentro do número de vagas em concurso
devidamente homologado e que a nomeação seja em ordem de classificação por
ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente, uma vez
que, a publicação do edital para realização de um concurso gera uma expectativa
quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital.
Nesse sentido, foi o estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
REPERCUSSÃO
GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DEVAGAS
EM EDITAL.
DIREITO
À
NOMEAÇÃO
DOS
CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO.
CANDIDATO APROVADO DENTRO
DO NÚMERO DE
VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de
validade do concurso, a Administração poderá escolher o
momento no qual se realizará a nomeação, mas não
poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo
com o edital, passa a constituir um direito do
concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto
ao poder público. Uma vez publicado o edital do
concurso com número específico de vagas, o ato da
Administração que declara os candidatos aprovados no
certame cria um dever de nomeação para a própria
Administração e, portanto, um direito à nomeação
titularizado
pelo
candidato aprovado dentro
desse número de vagas. (...)" (STF, RE 598099/MS,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/08/2011,
pub. DJe. 30/09/2011)
Portanto, a aprovação dentro do número de vagas em certame
realizado de acordo com as regras editalícias passou a vincular a Administração
Pública para a posse e nomeação dos aprovados.
Assim, a fim de “burlarem” o entendimento jurisprudencial mais
hodierno, os Editais dos Concursos criaram a figura do cadastro de reserva. Tal
mecanismo tem como finalidade realizar um certame sem a especificação do
número de cargos ou empregos a serem preenchidos, visando conferir à
Administração Pública a desnecessidade de nomeação, vez que, seria, apenas,
um cadastro de reserva sem direito à nomeação, inserto, portanto, dentro do
poder discricionário da Administração Pública.
Nesse sentido, foi a constatação do STJ de que “ (...) não pode o
administrador descumprir a previsão legal ou então o cadastro de
reserva servirá apenas para burlar a jurisprudência hoje
consolidada, frustrando o direito líquido e certo daquele que,
chamado em edital pelo Estado, logra aprovação e finda por sepultar
seus sonhos, arcando com os prejuízos financeiros e emocionais,
tudo por ter pressuposto que o chamamento editalício partira do
Poder Público, primeiro cumpridor da Lei, sobretudo em um Estado
Democrático de Direito” (RMS 37882⁄AC, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES).
O cadastro de reservas recebeu balizadas críticas, conforme as
célebres palavras de Diógenes Gasparini (1995, p.120):
De sorte que o concurso somente pode ser aberto se existir
cargo vago, pois só a necessidade do preenchimento do
cargo justifica esse certame. Se não existir cargo vago e se
se deseja ampliar o quadro em razão das necessidades de
serviço, deve-se criar os cargos e só depois instaurar o
concurso. Esse também é o entendimento de Adilson
Abreu Dallari (Regime constitucional, cit., p.40) ao
asseverar: Fique perfeitamente claro que não é lícito o
ingresso de pessoal na administração direta e indireta, em
caráter permanente, sem a prévia criação do cargo ou
emprego. (Direito Administrativo, Saraiva, 4ª ed., 1995,
p.120).
Nesse mesmo sentido, é o escólio de Di Pietro:
Se o Poder Público realiza concurso, que é um
procedimento oneroso, é porque necessita de pessoal para
preenchimento dos cargos vagos. Não tem sentido e
contraria o princípio da razoabilidade o Poder Público
deixar de nomear os candidatos aprovados em
consonância com o edital. (2009, p. 527).
Concordamos com os doutrinadores, vez que entendemos que o
cadastro de reserva viola legislação sistêmica brasileira, dentre outras, a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no qual contém
regra, disposta no seu art.39, inciso I, obrigando os editais de concurso a
divulgarem o número de vagas oferecidas, correspondente à reserva destinada à
pessoa portadora necessidades especiais e ofende ainda ao que estabelece o § 2º,
do art. 5º, da Lei 8.112/1990 estabelece que o concurso público deverá oferecer
um número determinado de vagas, com finalidade de auferir o número de
cargos destinados às pessoas portadoras de necessidades especiais.
Entretanto, em que pese tal acertado entendimento, os Tribunais
não conferem tal direito à nomeação aos aprovados em Concurso com cadastro
de reservas tão somente.
Porém, se durante o cadastro de reservas houver o surgimento de
uma nova lei que crie novas vagas, novamente de mera expectativa passa a ter
direito líquido e certo à nomeação.
Nesse sentido, é o entendimento do STF:
Por reputar haver direito subjetivo à nomeação, a 1ª
Turma proveu recurso extraordinário para conceder a
segurança impetrada pelos recorrentes, determinando ao
Tribunal Regional Eleitoral catarinense que proceda as
suas nomeações, nos cargos para os quais regularmente
aprovados, dentro do número de vagas existentes até o
encerramento do prazo de validade do concurso. Na
espécie, fora publicado edital para concurso público
destinado ao provimento de cargos do quadro permanente
de pessoal, bem assim à formação de cadastro de reserva
para preenchimento de vagas que surgissem até o seu
prazo final de validade. Em 20.2.2004, fora editada a Lei
10.842⁄2004, que criara novas vagas, autorizadas para
provimento nos anos de 2004, 2005 e 2006, de maneira
escalonada. O prazo de validade do certame escoara em
6.4.2004,
sem
prorrogação.
Afastou-se
a
discricionariedade aludida pelo tribunal regional, que
aguardara expirar o prazo de validade do concurso sem
nomeação de candidatos, sob o fundamento de que se
estaria em ano eleitoral e os servidores requisitados
possuiriam
experiência
em
eleições
anteriores.
Reconheceu-se haver a necessidade de convocação dos
aprovados no momento em que a lei fora sancionada.
Observou-se que não se estaria a deferir a dilação da
validade do certame. Mencionou-se que entendimento
similiar fora adotado em caso relativo ao Estado do Rio de
Janeiro. O Min. Luiz Fux ressaltou que a vinculação da
Administração Pública à lei seria a base da própria
cidadania. O Min. Marco Aurélio apontou, ainda, que seria
da própria dignidade do homem. O Min. Ricardo
Lewandowski acentuou que a Administração sujeitar-se-ia
não apenas ao princípio da legalidade, mas também ao da
economicidade e da eficiência. A Min. Cármen Lúcia
ponderou que esse direito dos candidatos não seria
absoluto, surgiria quando demonstrada a necessidade pela
Administração Pública, o que, na situação dos autos,
ocorrera com a requisição de servidores para prestar
serviços naquele Tribunal." (RE 581.113⁄SC, 1ª Turma, Rel.
Min. Dias Toffoli, DJe 31.5.2011).
Nesse mesmo sentido é o entendimento do STJ:
(...)3. Entretanto, não obstante a inequívoca evolução
jurisprudencial dos Tribunais Superiores sobre o tema
concurso público, a questão que envolve o instituto do
denominado "cadastro de reserva" e as inúmeras
interpretações formuladas pelo Poder Público no tocante
às nomeações dos candidatos, que tem permitido o efetivo
desrespeito aos princípios que regem o concurso público,
merecem ser reavaliadas no âmbito jurisprudencial. 4. A
aprovação do candidato dentro do cadastro de reservas,
ainda que fora do número de vagas inicialmente previstas
no edital do concurso público, confere-lhe o direito
subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se, durante
o prazo de validade do concurso, houver o surgimento de
novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos
mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de
exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro
cargo inacumulável ou falecimento .(...) (RMS 37882⁄AC,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 18⁄12⁄2012, DJe
14⁄02⁄2013)”
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO
PÚBLICO
PARA
O
CARGO
DE
PROCURADOR DO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
EDITAL 1⁄2009, ITEM 2.4. NÚMERO ABERTO DE
VAGAS A PREENCHER. OFERTA DE 20 VAGAS, ALÉM
DAS QUE SURGIREM E VIEREM A SER CRIADAS
DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO.
CRIAÇÃO DE 100 VAGAS PELA LEI 12.253⁄2010.
APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS.
DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. PARECER
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA DENEGAÇÃO DA
ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, NO ENTANTO.(...)4.In
casu, os impetrantes foram classificados nas 59a. e 60a.
posições para o cargo de Procurador do Banco Central do
Brasil, cujo Edital previu originária e expressamente a
existência de 20 vagas, além das que surgirem e vierem a
ser criadas durante o prazo de validade do concurso
(23.4.2012); tendo sido criadas mais 100 vagas para o
referido cargo pela Lei 12.253⁄2010, impõe-se reconhecer o
direito líquido e certo dos impetrantes à nomeação e posse
no cargo para o qual foram devidamente habilitados
dentro do número de vagas oferecidas pela Administração.
5.Ordem concedida para determinar a investidura dos
Impetrantes no cargo de Procurador do Banco Central
para o qual foram aprovados, observada rigorosamente a
ordem de classificação. (MS 18.570⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21⁄08⁄2012 )
ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE VAGAS,
AINDA QUE EXCEDENTES ÀS PREVISTAS NO EDITAL,
CARACTERIZADA POR ATO INEQUÍVOCO DA
ADMINISTRAÇÃO
DIREITO
SUBJETIVO
À
NOMEAÇÃO - PRECEDENTES. 1. A aprovação do
candidato, ainda que fora do número de vagas disponíveis
no edital do concurso, lhe confere direito subjetivo à
nomeação para o respectivo cargo, se a Administração
Pública manifesta, por ato inequívoco, a necessidade do
preenchimento de novas vagas.2. A desistência dos
candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação
em razão do não preenchimento de determinados
requisitos, gera para os seguintes na ordem de
classificação direito subjetivo à nomeação, observada a
quantidade das novas vagas disponibilizadas.3. Hipótese
em que o Governador do Distrito Federal, mediante
decreto, convocou os candidatos do cadastro de reserva
para o preenchimento de 37 novas vagas do cargo de
Analista de Administração Pública - Arquivista, gerando
para os candidatos subsequentes direito subjetivo à
nomeação para as vagas não ocupadas por motivo de
desistência.4. Recurso ordinário em mandado de
segurança provido.(RMS 32105⁄DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Eliana Calmon, DJe 30⁄08⁄2010.)
Dessa forma, a classificação e aprovação do candidato, ainda que
em cadastro de reserva gera direito à nomeação para o respectivo cargo se,
durante o prazo de validade do concurso, houver o surgimento de novas vagas
em razão da criação de novos cargos mediante lei.
Portanto, qualquer entendimento contrário violaria aos Princípios
da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Razoabilidade, Boa- Fé, Dignidade
da Pessoa Humana, Eficiência, Segurança Jurídica e também o Princípio da
economicidade, uma vez que a administração gastou dinheiro público para
realizar concurso sem ao menos contratar funcionários para compor o seu.
Nesse sentido, oportuna a lição de Luciano Ferraz (2007, p.250),
vejamos:
De nada adiantaria definir regras legais para os concursos,
se a Administração Pública pudesse simplesmente deixar
de nomear aprovados, repetindo sucessivamente o
certame até que os selecionados atendessem às querenças
do agente administrativo competente para a nomeação.
Portanto, em conclusão temos que o cadastro de reserva é ilegal,
vez que:
 fere a finalidade da realização do concurso;
 fere Princípios Constitucionais diversos;
Outrossim, indiscutivelmente, ao candidato aprovado em
Concurso de Cadastro de Reserva é conferido o direito subjetivo à nomeação
para o respectivo cargo, se, durante o prazo de validade do concurso, houver o
surgimento de novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos mediante
lei, seja em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão,
aposentadoria.
Obviamente, devemos mencionar que o início do prazo
decadencial de 120 (cento e vinte) dias para propor o mandado de segurança
contra a omissão da Administração Pública em efetivar a nomeação de
candidatos aprovados em concurso somente se inicia com o término da validade
do certame, vide RMS 15.945/MG, Rel. Min. PAULO MEDINA, Sexta Turma,
DJ de 20/2/06.
BIBLIOGRAFIA
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo:
Atlas, 2009.
FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA,
Fabrício. Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 4.ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
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