Tratado de Amesterdão: o que mudou na Europa Índice A União Europeia e os cidadãos Os direitos dos cidadãos Respostas às preocupações dos cidadãos O emprego e a política social A segurança, a liberdade e a justiça O meio ambiente, a saúde e os direitos dos consumidores Os valores e as aspirações dos cidadãos Os poderes políticos dos cidadãos A identidade externa da União A Política Externa e de Segurança Comum Os processos de decisão As estruturas A defesa A política comercial comum As instituições 9 9 10 10 12 13 15 16 17 17 18 18 19 20 O Parlamento Europeu Os parlamentos nacionais O Conselho A Comissão Europeia O Tribunal de Justiça O Tribunal de Contas O Comité Económico e Social O Comité das Regiões Os processos de decisão A «comitologia» A cooperação reforçada 21 21 22 22 24 24 25 25 25 26 27 27 E a seguir? 28 UE Assinatura do Tratado de Amesterdão, em 2 de Outubro de 1997 O dia 1 de Maio de 1999 ficou assinalado pela entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, que altera o Tratado da União Europeia. Em certa medida, a União Europeia transformou-se. São-lhe confiadas novas missões, acentua-se o papel dos cidadãos, reforça-se o carácter democrático das instituições. Enquanto que, historicamente, a construção europeia se desenvolveu em torno de objectivos económicos, dá-se agora ênfase às responsabilidades políticas da União, tanto internamente como em relação ao resto do mundo. A génese do novo Tratado remonta a Junho de 1994, com a convocação de um grupo de reflexão. Depois de uma conferência intergovernamental que se prolongou por mais de um ano, o Tratado de Amesterdão foi finalizado na noite de 17 para 18 de Junho de 1997 e assinado no dia 2 de Outubro seguinte. Porquê um novo Tratado, sucedendo tão de perto a duas outras grandes alterações das competências e das instituições da União, em 1986 (Acto Único Europeu) e em 1992 (Tratado de Maastricht)? Porque, a seguir a estes dois tratados, era ainda necessário dar resposta a várias questões que permaneciam em aberto. Estas questões referiam-se ao papel e aos direitos dos cidadãos europeus, à eficácia e ao carácter democrático das instituições europeias e às responsabilidades internacionais da União. O Tratado de Maastricht instituíra, nomeadamente, uma cidadania europeia, ou seja, um quadro de direitos e deveres suplementares dos cidadãos dos Estados-Membros. No entanto, não lhe dera um verdadeiro conteúdo. Por ocasião da ratificação do Tratado, particularmente nos países onde esse acto foi objecto de referendo, os cidadãos mostraram-no sem ambiguidades: no futuro, não seria possível qualquer progresso da construção europeia sem que fossem mais tidas em conta as questões dos cidadãos, as suas esperanças, as suas críticas e as suas inquietações. 5 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Por outro lado, o Tratado de Maastricht, ao aprofundar a obra empreendida com o Acto Único, melhorou o funcionamento das instituições comunitárias e reforçou os poderes de co-decisão legislativa e de controlo do Parlamento Europeu. Mas o trabalho não estava concluído. Ele tornou-se tão mais complexo que as instituições deviam agora corresponder a uma dupla exigência: por um lado, a decorrente da gestão de uma moeda única, o euro, e da cooperação em matéria de política económica; por outro, a da perspectiva de um alargamento da União ao conjunto ou, pelo menos, a uma grande parte do continente europeu. Maastricht em traços gerais O Tratado de Maastricht alterou os tratados originais dos anos 50 que instituíram as Comunidades Europeias. Além disso, reuniu o conjunto das disposições desses tratados, bem como novos elementos relativos à Política Externa e de Segurança Comum e à cooperação em matéria de Justiça e Assuntos Internos num só tratado, o Tratado da União Europeia. Este Tratado está estruturado com base em três «pilares», dotados de regras e de procedimentos diferentes, e de uma «arquitrave» comum. Esta estrutura foi mantida no Tratado de Amesterdão. Tratado da União Europeia Disposições comuns e disposições finais Comunidades Europeias Política Externa e de Segurança Comum (Comunidade Europeia, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Comunidade Europeia da Energia Atómica) Os três «pilares» da União Europeia 6 Justiça e Assuntos Internos Por último, a divisão do mundo em dois blocos passara a ser uma recordação do passado. Era necessário, portanto, reorganizar a presença da Europa num tabuleiro internacional em evolução muito rápida. O Tratado de Maastricht começara a definir estruturas e procedimentos nesta matéria. Deixava, contudo, a porta aberta a novas reformas, tanto no domínio da política externa como no da defesa. Os vários grupos de pressão, os sindicatos e as organizações não governamentais acompanharam o desenvolvimento dos trabalhos com propostas, ideias e mesmo manifestações públicas. O Tratado de Amesterdão apresenta-se como uma revisão dos Tratados fundadores da União Europeia, tal como eles próprios haviam sido alterados pelo Tratado de Maastricht. Após uma fase de preparação, foi então necessário respeitar o procedimento previsto para uma tal revisão. Como mostra o calendário dos trabalhos, as negociações foram longas e complexas. À volta da mesa sentavam-se os 15 Estados-Membros, a Comissão Europeia e, frequentemente, os observadores do Parlamento Europeu. A negociação foi estruturada em três níveis: • os representantes pessoais dos ministros dos Negócios Estrangeiros, que são altos-funcionários ou personalidades políticas (ministros, secretários de Estado…), reuniam-se, geralmente, uma vez por semana, ao longo da Conferência; • os ministros dos Negócios Estrangeiros encontravam-se, em princípio, uma vez por mês; • os chefes de Estado e de Governo debateram, em várias ocasiões, aspectos essenciais. Além disso, a negociação decorreu de forma muito mais pública do que a preparação do Tratado de Maastricht. 7 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Amesterdão: calendário dos trabalhos • Junho de 1994: convocação, pelo Conselho Europeu reunido em Corfu, de um Comité de Reflexão composto por 15 representantes dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-Membros, um representante da Comissão Europeia e dois observadores do Parlamento Europeu. Para tornar mais evidente a arquitectura do Tratado de Amesterdão, tal como resulta do texto e do método de negociação, o seu conteúdo será apresentado seguindo três eixos principais: • a União Europeia e os cidadãos; • a identidade externa da União; • as instituições. • 2 de Junho de 1995: primeira reunião do Comité. • Dezembro de 1995: apresentação do relatório ao Conselho Europeu de Madrid. • 8 de Janeiro de 1996: decisão de convocar uma Conferência Intergovernamental. • Fevereiro-Março de 1998: pareceres da Comissão e do Parlamento Europeu. • 29 de Março de 1999: primeira reunião da Conferência a nível de chefes de Estado e de Governo, em Turim. • 17 e 18 de Junho de 1997: encerramento da Conferência pelos chefes de Estado e de Governo, em Amesterdão. • 2 de Outubro de 1997: assinatura do Tratado de Amesterdão. • 19 de Novembro de 1997: resolução do Parlamento Europeu sobre o Tratado. • 1998-1999: ratificação pelos 15 Estados-Membros. • 1 de Maio de 1999: entrada em vigor do Tratado. 8 A União Europeia e os cidadãos Os direitos dos cidadãos O Tratado de Amesterdão insiste em três aspectos essenciais: Os primeiros tratados europeus instituíram um conjunto de direitos específicos dos cidadãos, essencialmente assente na liberdade de circulação das pessoas entre os países membros. O Tratado de Maastricht acrescentou-lhe os direitos eleitorais para as eleições europeias e municipais. O Tratado de Amesterdão, por seu lado, concentrou-se nos direitos fundamentais, ou seja, nos direitos que estão na base dos regimes constitucionais nacionais e que dizem respeito a todos os cidadãos. Destas disposições decorre um sistema de direitos bastante completo. • a União obriga-se a respeitar os direitos fundamentais, tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, firmada pelo Conselho da Europa em 1950. Os Estados-Membros que, de forma grave e sistemática, desrespeitarem esses direitos podem sofrer sanções, indo até à suspensão do seu direito de voto no Conselho. Para os países candidatos, o respeito pelos direitos fundamentais é uma condição para a sua adesão à União; • é reconhecido à União o direito de tomar medidas para combater qualquer discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual; PHOTO STOCK BVBA Combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual 9 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a • a União obriga-se a promover em todas as suas políticas a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, para além das regras já inscritas nos tratados europeus sobre o respeito e a promoção da igualdade em matéria social e laboral. Neste último domínio, o Tratado abre a porta a «discriminações positivas», nos casos em que um dos dois sexos esteja manifestamente desfavorecido. Este dispositivo é completado pelo reconhecimento do direito à protecção dos dados de carácter pessoal em poder das instituições, um direito cuja importância aumenta com os progressos da informática. Esta estrutura é muito rica, pois permite e convida mesmo a desenvolvimentos na definição e na protecção dos direitos. Constitui uma primeira resposta à solicitação de vários Estados-Membros e de muitos cidadãos que desejam dotar a União de um sistema de direitos fundamentais, a acrescentar à jurisprudência já feita pelo Tribunal de Justiça. Permanecem em aberto duas questões: será necessária a adesão oficial da União à Convenção Europeia dos Direitos do Homem? Será necessário que a União estabeleça a sua própria lista de direitos fundamentais? Respostas às preocupações dos cidadãos O Tratado de Amesterdão não se limitou a tratar os direitos dos cidadãos de forma abstracta. Contém também respostas às inquietações que sentem quando alguns dos seus direitos são postos em causa por situações que devem ser corrigidas. São vários os 10 domínios em relação aos quais a União deve agir segundo novas regras, e que podem ser agrupados em quatro sectores: • o emprego e a política social; • a segurança, a liberdade e a justiça; • o meio ambiente, a saúde e os direitos do consumidor; • a expressão de determinados valores e aspirações dos cidadãos. O emprego e a política social O emprego é um dos primeiros motivos de inquietação na nossa sociedade. Muitas pessoas, muitos jovens e mulheres, não têm emprego ou correm o risco de o não ter. O problema afecta todos os Estados da União; é, portanto, necessário que a União aja. O problema foi considerado tão premente que, em paralelo com a adopção do Pacto de Estabilidade das Finanças Públicas e de Crescimento, destinado a acompanhar o nascimento do euro, os Estados-Membros decidiram antecipar a aplicação desta parte do Tratado, mesmo sem esperar pela sua ratificação. Concretamente, foram introduzidas três novidades: • a definição, pela União, de uma estratégia europeia e, pelos Estados-Membros, de programas nacionais de emprego, avaliados anualmente pelo Conselho, à luz da estratégia estabelecida em comum; • o direito da União de tomar determinadas medidas que encorajem a cooperação entre os Estados-Membros e que completem a sua acção; • a criação de um Comité do Emprego, para promover a coordena- Deste modo, conciliaram-se dois princípios: um compromisso específico da União em matéria de emprego — inovação que fora objecto de contestação durante toda a Conferência Intergovernamental — e o respeito pelas responsabilidades nacionais neste domínio. De um modo mais geral, a União Europeia poderá empenhar-se nas matérias sociais mais do que lho permitia o Tratado de Maastricht. O novo Tratado elimina, desde logo, a anomalia de uma política social de que se excluíra um Estado-Membro, o Reino Unido, e que agora inclui todos os membros da União. Além disso, é estabelecido que a União pode apoiar e complementar os esforços nacionais no vasto domínio dos direitos sociais fundamentais definidos pelo Parlamento Europeu em 1989. Por último, o Tratado confia à União responsabilidades no combate à pobreza e à exclusão social. Aperfeiçoa também disposições anteriores relativas, em especial, à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Para melhorar a situação do emprego, uma estratégia europeia complementada por programas nacionais ISOPRESS, M. RENDERS ção das políticas em matéria de emprego e de mercado de trabalho entre os Estados-Membros. 11 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a A segurança, a liberdade e a justiça A liberdade de circulação, um dos principais objectivos da Comunidade Europeia desde os anos 50, está em grande parte concretizada. Os acordos de Schengen, que reúnem todos os Estados-Membros, com excepção da Irlanda e do Reino Unido, permitiram suprimir a maioria dos controlos nas fronteiras internas. Tornaram também mais visível uma liberdade de que os cidadãos já dispunham, mas que continua a deparar-se com alguns entraves. Ao mesmo tempo, a opinião pública preocupa-se cada vez mais com a segurança interna, devido, nomeadamente, à difusão da grande criminalidade internacional e de todo o género de tráficos ilegais. Fazendo um número crescente de vítimas, eles tornam mais imperativa uma cooperação eficaz entre os Estados europeus. Ainda não foi dada resposta a todos estes problemas, que têm na origem, nomeadamente: Conjunto para melhor combater a criminalidade internacional e os tráficos ilegais EKA • divergências entre as legislações nacionais em matéria de direito civil e de processo civil, que criam obstáculos à liberdade de circulação; 12 • legislações diferentes em matéria de imigração e de direito de asilo; • insuficiente eficácia no domínio da cooperação judiciária penal, bem como no da cooperação policial face à criminalidade internacional e aos tráficos ilegais. A União já se ocupava destas questões, mas com um sucesso relativo, desde o Tratado de Maastricht, no quadro da cooperação intergovernamental em matéria de Justiça e Assuntos Internos. O controlo democrático era limitado, as capacidades de acção fortemente reduzidas devido à necessidade de decisões unânimes e o controlo jurisdicional inexistente a nível europeu. Mesmo assim, foram obtidos alguns resultados, como por exemplo a criação da Europol, que constitui um embrião de cooperação policial. Mas era preciso dar um novo impulso à acção comum nestas matérias. Foi por essa razão que o Tratado de Amesterdão introduziu três novidades que abrem caminho à realização de um programa ambicioso: • segurança e justiça. O Tratado define um programa de cinco anos que deve permitir às instituições europeias tomar as medidas necessárias. Trata-se de assegurar a liberdade de circulação e de estabelecer normas comuns para a imigração e o direito de asilo, assentes no respeito pelos direitos fundamentais, e que assegurem, a prazo, a livre circulação dos imigrantes na União. Trata-se também de desenvolver a cooperação em matéria de direito civil e de processo civil (veja-se os problemas levantados pelos numerosos divórcios «transnacionais»), bem como a cooperação administrativa e aduaneira. Durante esta primeira fase de cinco anos, é exigida a unanimidade no Conselho mas, em seguida, deve passar-se para um sistema assente na maioria qualificada e na co-decisão Parlamento-Conselho, sistema no qual o Parlamento Europeu, a Comissão e o Tribunal de Justiça desempenharão plenamente os seus papéis; • em segundo lugar, os Estados-Membros poderão passar a adoptar normas de carácter vinculativo no domínio da cooperação intergovernamental em matéria penal e policial. O princípio da unanimidade será temperado pela possibilidade de tomar, pelo menos, decisões de execução por maioria qualificada. Além disso, o Tratado admite formas de «cooperação reforçada», isto é, o estabelecimento de regras que, pelo menos numa primeira fase, só se aplicam aos Estados-Membros que as tiverem aprovado. É igualmente introduzida uma competência facultativa do Tribunal de Justiça; a grande maioria dos Estados-Membros já a aceitaram; • por último, o Tratado permite a integração dos acordos de Schengen e do seu acervo no âmbito da União e da sua ordem jurídica. À Dinamarca, Irlanda e Reino Unido foi A deliberação por maioria qualificada no Conselho No Conselho, a maioria qualificada é de 62 votos em 87, quando a decisão deva ser tomada sob proposta da Comissão Europeia. Nos outros casos é de 62 votos que exprimam o voto favorável de, pelo menos, 10 Estados-Membros. A Alemanha, a França, a Itália e o Reino Unido dispõem de 10 votos cada, a Espanha de oito votos, a Bélgica, a Grécia, os Países Baixos e Portugal de cinco votos cada, a Áustria e a Suécia de quatro, a Dinamarca, a Irlanda e a Finlândia de três e o Luxemburgo de dois. dada a faculdade de só ulteriormente aplicarem estas disposições. O meio ambiente, a saúde e os direitos dos consumidores Estes são três domínios que têm impacto directo, quotidiano, na vida dos cidadãos e que, por diferentes razões, estão no centro das atenções: uma vida sã num ambiente são constitui, certamente, uma das aspirações humanas mais comuns. Por isso, não é surpreendente que os cidadãos reajam fortemente às ameaças que pesam sobre a sua saúde, o meio ambiente ou a qualidade dos produtos que consomem. A liberdade de circulação dos produtos no interior do grande mercado europeu, a abertura deste ao mercado mundial e o rápido desenvolvimento das tecnologias aumentam a necessidade de uma acção comunitária nestas matérias. É por esta razão que o Tratado de Amesterdão reforça os meios da União, através da nítida melhoria de uma série de regras. 13 SIPA PRESS, E. HADI Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Viver num meio ambiente são: uma exigência dos europeus — No domínio do meio ambiente, a medida essencial consiste em introduzir a obrigação de a União ter em consideração as exigências da protecção do meio ambiente na definição e na aplicação de todas as suas políticas. Além disso, o Tratado faz do desenvolvimento sustentável, que constitui a nova perspectiva das políticas do ambiente, um dos objectivos essenciais da União. Foi na esteira do impulso assim dado por um tratado assinado, mas ainda não ratificado, que a partir de 1998 a União pôde tomar na cimeira mundial de Quioto, posições muito firmes para o saneamento do meio ambiente planetário. — No que se refere aos consumidores, o Tratado inclui entre as competências da União a promoção do direito à informação e à educação dos consumidores e, sobretudo, à organização para defesa dos seus interesses. Trata-se do reconhecimento do papel essencial das organizações de consumidores. — Por último, em matéria de saúde, o Tratado reforça nitidamente as res14 ponsabilidades da União, na sequência dos dramas suscitados pela crise das «vacas loucas» e pelo caso do sangue contaminado pelo vírus da sida. Os princípios estão bem definidos, e a União passa a ter a responsabilidade de legislar em certos casos, para assegurar um nível elevado de protecção da saúde. O Parlamento Europeu e o Conselho, por proposta da Comissão, poderão assim aprovar regras relativas: • a órgãos e substâncias de origem humana, incluindo o sangue e seus derivados; • a problemas veterinários e fitossanitários relacionados com a saúde pública. Nos outros casos, a União poderá apoiar a acção dos seus Estados-Membros, sem poder harmonizar as disposições legislativas que mantenham diferenças significativas entre um e outro Estado, especialmente em matéria de assistência sanitária. Os valores e as aspirações dos cidadãos A par com os problemas já mencionados, os cidadãos têm outras preocupações, directamente relacionadas com as suas maneiras de pensar, os seus valores, as suas ideias, as representações que têm do mundo e do que ele devia ser. • o papel das instituições públicas de crédito e de certas formas de poupança (por exemplo, na Alemanha, na Áustria e no Luxemburgo); • a protecção dos animais. É certo que o Tratado não pode dar respostas normativas a estas questões. No entanto, os negociadores interessaram-se por elas, optando por fazer referência a esses valores e aspirações, tal como a determinados aspectos práticos, nos protocolos ou declarações anexos ao Tratado. Estes textos nem sempre constituem disposições vinculativas, mas traduzem compromissos políticos. Vale a pena mencionar alguns. Referem-se a matérias tão variadas como: No cerne do Tratado de Amesterdão: os direitos, as aspirações e os poderes dos cidadãos • a abolição da pena de morte; • o reconhecimento do papel do voluntariado; • as necessidades das pessoas portadoras de deficiência; • o papel das igrejas e das organizações não confessionais; • a situação específica das regiões insulares; • a função social do desporto; • a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão nos outros meios de comunicação social; EKA, MERNE • a missão do serviço público de radiodifusão e de televisão; 15 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Os poderes políticos dos cidadãos O cidadão é o actor político principal de qualquer sociedade democrática. Formada por Estados que, pelas suas constituições e, agora, também por força do próprio Tratado, só podem ser democráticos, a União Europeia deve, à medida que vão aumentando as suas responsabilidades, basear cada vez mais nitidamente a sua organização nos princípios da democracia. Essa é a razão pela qual os poderes do Parlamento Europeu foram progressiva e sensivelmente reforçados desde o Acto Único Europeu de 1986, ao mesmo tempo que é cada vez mais invocado o papel europeu dos parlamentos nacionais. Paralelamente, têm sido feitos esforços no sentido de aumentar os direitos eleitorais dos cidadãos, em especial nos Estados onde não são nacionais. Foram também desenvolvidos os meios a que podem recorrer, instituindo um Provedor de Justiça europeu, a par com os juízes nacionais e europeus. O Tratado de Amesterdão prosseguiu nessa direcção, nomeadamente reforçando, como veremos adiante, as capacidades de acção dos parlamentos. Além disso, o Tratado: • confirma e define de forma mais precisa o princípio da subsidiariedade, segundo o qual as decisões devem ser tomadas a um nível tão próximo quanto possível dos cidadãos; • reconhece o direito de acesso dos cidadãos e dos residentes aos documentos emanados das instituições europeias, segundo regras definidas pelo Parlamento e pelo Conselho, sob proposta da Comissão. Este direito 16 constitui um elemento chave da transparência que é legítimo esperar das instituições. A jurisprudência do Tribunal de Justiça já reconhecera a sua necessidade, pelo que é lógica a sua consagração no Tratado; • dá garantias quanto ao reforço do combate às fraudes que afectem os interesses financeiros da União, o que deve conduzir a uma melhor utilização do dinheiro dos contribuintes, graças, nomeadamente, à acção da nova Organização Europeia de Luta Antifraude (OLAF). A identidade externa da União Desde o início da construção europeia que os seus promotores ambicionam dotá-la de uma política externa. A Política Externa e de Segurança Comum É certo que os tratados originais dotavam a Comunidade de importantes competências nos domínios do comércio eterno e da ajuda ao desenvolvimento, às quais se veio juntar a componente externa das políticas internas. No entanto, não diziam uma palavra sobre a diplomacia ou a defesa. Face à perspectiva de um novo alargamento da União, que põe ainda mais em evidência a necessidade de uma Política Externa e de Segurança Comum, os negociadores do Tratado de Amesterdão quiseram desenvolver o acervo de Maastricht, reforçando Em 1954 e 1961, houve tentativas falhadas de colmatar essas lacunas. Em 1970, na sequência do primeiro «Relatório Davignon», os Estados-Membros estabeleceram uma plataforma de cooperação política que, no entanto, só seria inscrita nos tratados em 1986, com a aprovação do Acto Único. Em seguida, num contexto internacional marcado pelo fim da divisão do mundo em dois blocos, o Tratado de Maastricht codificou um conjunto de regras relativas a uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC), incluindo, a prazo, a política de defesa. SIPA PRESS, A. BOULAT «A tragédia do Kosovo demonstra de forma dramática que a União Europeia é chamada a assumir um papel cada vez mais importante para garantir a segurança e a democracia em áreas que são decisivas para o nosso futuro» (Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia, perante o Parlamento Europeu, em 13 de Abril de 1999) 17 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a também a sua coerência com a acção externa tradicional da Comunidade. decide por consenso as estratégias e as orientações comuns; O Tratado de Amesterdão estabelece, em primeiro lugar, os princípios que devem orientar a política externa e de segurança da União: • o Conselho, constituído pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, decide as acções e as tomadas de posição comuns. Pronuncia-se por maioria qualificada quando se trate de operacionalizar uma estratégia comum aprovada pelo Conselho Europeu, admitindo-se que um Estado-Membro que esteja em desacordo pode pedir que a decisão seja reenviada ao nível dos chefes de Estado e de Governo. Nos outros casos, o Conselho toma normalmente as suas decisões por unanimidade, mas pode não ter em conta as abstenções «construtivas», desde que estas não ultrapassem um terço dos votos. • por um lado, a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União, bem como da sua segurança; • por outro lado, a manutenção da paz, o reforço da segurança e da cooperação internacionais, da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais. A promoção destes princípios deve ser feita de acordo com a Carta das Nações Unidas e os acordos europeus relativos à paz e à segurança. Ela implica compromissos da parte dos Estados-Membros e, acima de tudo, obrigações de lealdade e de solidariedade mútuas. Para aplicar estes princípios, o Tratado de Amesterdão reforça os processos de decisão e as estruturas competentes, antes de se interessar pelos problemas da defesa. Nestes processos decisórios participam igualmente a Comissão Europeia, que deve velar especialmente pela coerência entre a acção comunitária e a PESC, e o Parlamento Europeu, que é chamado a dar pareceres e a aprovar as dotações orçamentais necessárias. As estruturas Uma verdadeira política externa comum exige processos de decisão eficazes. O Tratado de Amesterdão tomou em conta algumas das críticas formuladas às disposições do Tratado de Maastricht. O esquema essencial do processo decisório assenta em dois níveis: A aplicação efectiva de uma política comum implica estruturas políticas e administrativas. O Tratado de Amesterdão dá um rosto à Política Externa e de Segurança Comum, ao prever a nomeação de um alto-representante («Sr. ou Sr.a PESC») que dirige a acção da União neste domínio, de acordo com as decisões do Conselho e no quadro de uma tróica que inclui também os representantes da presidência do Conselho e da Comissão. • o Conselho Europeu, constituído pelos chefes de Estado e de Governo e pelo presidente da Comissão, Esta personalidade, que tem o estatuto de secretário-geral do Conselho, é assistida por uma Unidade de Pla- Os processos de decisão 18 neamento de Política e de Alerta Precoce, encarregada, em especial, de centralizar e analisar as informações provenientes dos Estados-Membros, da Comissão Europeia e da União da Europa Ocidental (UEO). A defesa Como o demonstram as numerosas crises internacionais recentes, uma política externa exige uma capacidade militar. O mesmo se aplica a algumas missões humanitárias e às missões de manutenção ou de restabelecimento da paz, que se inserem explicitamente no âmbito da política externa e de segurança definida pelo Tratado de Amesterdão No entanto, esta é uma matéria bastante complexa para os Estados-Membros. Um dos factores dessa complexidade é a diferente posição desses Estados. Quatro deles são constitucional ou tradicionalmente neutros e, portanto, não participam em alianças militares, enquanto que os outros 11 são aderentes à Aliança Atlântica. Além disso, muitos dos Estados-Membros desenvolveram entre si formas de cooperação militar bilateral ou multilateral. Mas nem por isso o Tratado de Amesterdão deixa de prever, a prazo, uma verdadeira política de defesa comum. A União da Europa Ocidental A UEO reúne 28 países, para os quais constitui um verdadeiro quadro de diálogo e de cooperação em matéria de segurança e de defesa. Entre estes países, 10 têm a qualidade de Estados-Membros; eles são igualmente signatários dos Tratados da União Europeia e do Atlântico Norte. Os restantes cinco países da União Europeia têm estatuto de observadores; são eles a Dinamarca e os quatro Estados-Membros da UE que não pertencem à NATO: Áustria, Finlândia, Irlanda e Suécia. Fazem ainda parte da UEO, como membros associados ou parceiros associados, os membros europeus da NATO não membros da UE, bem como os países da Europa Central e Oriental que assinaram acordos europeus com a UE. Javier Solana, secretário-geral do Conselho e primeiro alto-representante da UE para a Política Externa e de Segurança Comum ISOPRESS, CLAJOT Actualmente, a União Europeia já pode dispor de capacidade militar operacional, recorrendo aos meios da UEO. Ainda que não haja uma coincidência perfeita entre as filiações nas duas organizações, o Tratado de Amesterdão estatui que a UEO faz parte integrante do desenvolvimento da União Europeia. Por outro lado, o Tratado permite a plena integração da UEO na União Europeia. 19 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Em concreto, o Tratado prevê um processo que permite desde já a cooperação entre as duas organizações: • o Conselho Europeu pode definir orientações para uma acção comum que implique o recurso à UEO; • os Estados-Membros da União que não sejam membros da UEO mas que contribuam para uma acção comum participarão plenamente e em pé de igualdade no planeamento e na tomada de decisões no âmbito da UEO. Vários protocolos bem como decisões da UEO definem as modalidades específicas desta cooperação. A política comercial comum Desde a sua origem, a União Europeia dispõe de uma política comercial comum, decidida com base na maioria qualificada do Conselho, sem necessidade do acordo unânime dos seus membros. Formuladas nos anos 20 50, as regras do Tratado foram ultrapassadas pelo desenvolvimento económico e pela expansão do comércio internacional em determinados sectores antes negligenciados. Surgiram assim áreas de incerteza em relação à propriedade intelectual, aos serviços e aos investimentos. Tal não impede a União de participar plenamente nos trabalhos da Organização Mundial do Comércio, mas tem de fazê-lo em conjunto com os seus Estados-Membros actuando em unanimidade, o que torna as negociações mais complexas e, por vezes, menos eficazes. Este problema foi evocado em Amesterdão, mas a sua solução foi diferida para mais tarde. Com efeito, o Tratado confere ao Conselho a faculdade de decidir por unanimidade a extensão do âmbito de aplicação da política comercial comum às questões relativas aos sectores dos serviços e aos direitos de propriedade intelectual. Tal decisão permitiria à União negociar também nestas matérias acordos internacionais com base em procedimentos internos regidos pela regra da maioria qualificada. As instituições Desde a primeira eleição do Parlamento Europeu por sufrágio universal directo, em 1979, a integração europeia fez novos progressos, que impunham o reforço do seu carácter democrático. As responsabilidades crescentes da Europa implicam que, ao mesmo tempo, se melhore a eficácia dos seus processos de decisão. • foram reforçadas a legitimidade e a eficácia da Comissão; O Tratado de Amesterdão inovou nestes dois sentidos, ao integrar os acervos do Acto Único e do Tratado de Maastricht. Foi deste modo que: •foram abertas possibilidades de cooperação reforçada nos casos em que a maioria dos Estados-Membros o desejem. • foi reforçado o papel do Parlamento Europeu; O Parlamento Europeu • foram alargados os domínios em que o Conselho delibera por maioria qualificada; •foram melhorados alguns procedimentos; As reformas relativas ao Parlamento Europeu incidem em quatro aspectos: • o seu poder de estabelecer o estatuto e as condições gerais de exercí- O Parlamento Europeu em sessão UE • foi melhorado o controlo pelos parlamentos nacionais; • foram alargados os papéis do Comité das Regiões e do Comité Económico e Social; 21 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a cio das funções dos seus membros, após parecer da Comissão e mediante aprovação do Conselho, deliberando por unanimidade. O Parlamento poderá assim reduzir as diferenças decorrentes do facto do estatuto dos seus membros ser ainda determinado, em grande parte, por disposições nacionais; • os seus poderes de participação na nomeação da Comissão. Anteriormente, o Parlamento podia apenas emitir um parecer sobre o candidato designado pelos governos para a presidência do executivo europeu. O Tratado dispõe agora que a designação do presidente da Comissão seja aprovada pelo Parlamento Europeu. Este poder vem juntar-se a um direito essencial que o Parlamento já tinha consignado no Tratado de Maastricht: o de aprovar a nomeação do conjunto da Comissão; • os seus poderes legislativos. Como veremos mais adiante, o processo de co-decisão foi simplificado e alargado; o Conselho já não pode adoptar um acto em co-decisão sem o acordo do Parlamento Europeu; • os seus poderes de controlo orçamental, que foram alargados ao domínio da PESC. Globalmente, a autoridade do Parlamento Europeu fica, portanto, reforçada e, com ela, o carácter democrático da União. Os parlamentos nacionais As decisões da União são tomadas pelo Conselho ou pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, em co-decisão. Desde os finais dos anos 80, os parlamentos nacionais insistem em poder pronunciar-se antes que os 22 governos o façam no âmbito do Conselho. Pretendem também ter uma visão geral do funcionamento da União. Estes problemas tinham já sido objecto de uma declaração, por ocasião do Tratado de Maastricht. Um protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão fixa regras de grande importância nesta matéria: • o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais são convidados a desenvolver a sua cooperação; • todos os documentos de consulta da Comissão (livros verdes e livros brancos, etc.) bem como as suas propostas legislativas devem ser enviados aos parlamentos nacionais dos Estados-Membros. Estes dispõem de um prazo de seis semanas para se pronunciarem, antes da deliberação do Conselho; • em determinados domínios (liberdade, segurança e justiça) é reconhecido um interesse especial às opiniões que possam ser emitidas pelos parlamentos nacionais. Estas disposições completam as regras dos Tratados que já atribuíam responsabilidades aos parlamentos nacionais, como por exemplo, para ratificar as revisões dos Tratados, para definir os recursos da União ou, ainda, para transpor as directivas europeias para o direito nacional. O Conselho As regras de funcionamento do Conselho foram apenas ligeiramente alteradas pelo Tratado de Amesterdão. No entanto, em determinadas matérias, estas alterações facilitam a tomada de decisões, ao preverem que já não sejam tomadas por unanimidade, mas por maioria qualificada (ver destaque supra). O mesmo se aplica a determinadas decisões relati- UE Uma reunião do Conselho vas à liberdade de estabelecimento e à investigação e desenvolvimento. Novas competências atribuídas em diversos domínios pelo Tratado de Amesterdão e novos processos instaurados em matéria de política externa são também submetidos à regra da maioria qualificada. Além disso, são confiadas determinadas responsabilidades decisórias ao Comité dos Representantes Perma- nentes dos Estados-Membros, responsável pela preparação das sessões do Conselho. Por outro lado, importa recordar que o secretário-geral do Conselho passa a ser o alto-representante da União para a PESC e que é criada no âmbito do Conselho, e para o assistir, uma Unidade de Planeamento de Política e de Alerta Precoce. 23 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a A Comissão Europeia O papel da Comissão Europeia permanece inalterado. O seu direito de iniciativa, em particular, não foi modificado. No entanto, no novo capítulo relativo à liberdade, segurança e justiça (ou seja, os domínios comunitários do «terceiro pilar» definido em Maastricht), este poder só se tornará exclusivo cinco anos depois da entrada em vigor do Tratado. Em contrapartida, o Tratado modifica estruturalmente esse órgão colegial que é a Comissão. A legitimidade pessoal do seu presidente é acrescida pelo facto da sua designação passar a ser submetida a uma votação especial de aprovação pelo Parlamento Europeu. Daí resulta um reforço sensível do seu papel: • determina as orientações políticas da Comissão. O Tribunal de Justiça o Tratado de Amesterdão não altera nem o papel nem a composição do Tribunal de Justiça das Comunidades ou do Tribunal de Primeira Instância que o assiste. No entanto, passam a ser mais numerosos os casos em que o Tribunal é chamado a intervir: • compete-lhe controlar o respeito pelos direitos fundamentais por parte das instituições europeias; • o presidente da Comissão participa na escolha e designação dos membros desta, de comum acordo com os Estados-Membros; • passa a ser competente para julgar questões relativas ao capítulo sobre a liberdade, a segurança e a justiça. Neste domínio, no entanto, apenas os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno podem pedir ao Tribunal que se pronuncie a título prejudicial; • dispõe de amplos poderes para atribuir ou alterar as tarefas no seio do colégio; • como vimos anteriormente, qualquer Estado-Membro pode decidir reconhecer a competência do Tribu- CE, M. REBESCHINI Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia 24 UE Uma audiência no Tribunal de Justiça nal em questões relativas à cooperação judiciária penal e à cooperação policial. O Tribunal de Contas Responsável por verificar se as despesas da União são efectuadas em conformidade com a sua regulamentação orçamental e com os seus objectivos, o Tribunal de Contas beneficia de um alargamento das suas possibilidades de acção: • tal como as outras instituições, passa a poder apresentar recurso perante o Tribunal de Justiça para a salvaguarda das suas prerrogativas; • as suas actividades de controlo passam a ser alargadas a todos os beneficiários de dotações comunitárias. O Comité Económico e Social Este Comité vê a sua função consultiva um pouco alterada e reforçada no âmbito do sistema institucional da União, dado que passa a poder ser consultado directamente pelo Parlamento, e já não apenas pela Comissão e pelo Conselho. O Comité das Regiões Novas disposições reforçam o papel do Comité das Regiões, que representa o ponto de vista das autoridades regionais e locais, cada vez mais interessadas nas actividades comunitárias. Há três pontos a reter: • é reforçada a capacidade de auto-organização do Comité, que anteriormente era controlada pelo Conselho; • são multiplicados os domínios sobre os quais o Comité é chamado a emitir pareceres; 25 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a • o Parlamento Europeu passa a ser formalmente destinatário destes pareceres e pode pedir ao Comité pareceres específicos. Os processos de decisão Os processos de decisão comunitários mantêm-se, em princípio, os mesmos que estavam previstos no Tratado de Maastricht; no entanto, foram introduzidas alterações substanciais para melhorar o seu carácter democrático e eficácia. A este respeito, foram tomadas duas decisões importantes: • o processo de cooperação introduzido no Acto Único de 1986, e que prevê uma dupla leitura das propostas da Comissão no Parlamento e no Conselho, quase desapareceu (excepto em dois casos relativos à União Económica e Monetária) e foi O novo processo de co-decisão O processo de co-decisão passa a ser estruturado do seguinte modo: a) se o Parlamento e o Conselho chegarem a acordo sobre uma proposta da Comissão, esta é aprovada; b) se houver desacordo, o Parlamento pode, em alternativa, aceitar a posição comum do Conselho, rejeitá-la ou alterá-la, deliberando por maioria dos membros que o compõem; c) se o Conselho não aceitar as alterações, convoca uma reunião de conciliação, depois da qual o Parlamento e o Conselho votam o acordo obtido; em caso de desacordo, o acto proposto não é adoptado. 26 substituído pelo processo de co-decisão; • este processo de co-decisão, que no Tratado de Maastricht representa o progresso mais importante para o reforço do papel do Parlamento Europeu, não tem apenas alargado o seu âmbito de aplicação. Ele torna-se também mais eficaz e ainda mais positivo para o Parlamento: — o Parlamento e o Conselho podem agora decidir após uma única leitura do texto, enquanto anteriormente eram necessárias duas leituras em cada um dos órgãos, mesmo nos casos em que os dois ramos da autoridade legislativa estivessem facilmente de acordo, — o Parlamento pode rejeitar em segunda leitura a «posição comum» do Conselho, sem passar por um processo suplementar de conciliação com este último, — em caso de fracasso da conciliação com o Parlamento após a segunda leitura, o acto proposto é considerado não adoptado e o processo é encerrado. A «comitologia» Para além dos processos de decisão previstos para a adopção dos actos de base, os Tratados conferem ao Conselho e à Comissão as competências de execução necessárias para a aplicação e desenvolvimento das políticas comuns. Na prática, o exercício das competências de execução cabe à Comissão, segundo modalidades muito variáveis e de acordo com um sistema de consulta muito complexo, que obriga a recorrer a uma constelação de comités de funcionários nacionais encarregados de a assistir para esse efeito. Este sistema, designado por «comitologia», codificado pela primeira vez em 1987, não foi alterado pelo Tratado de Amesterdão. Não porque não fosse sentida a necessidade de uma reforma, tanto para aumentar a transparência do funcionamento institucional como para ter em conta os novos poderes do Parlamento Europeu desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em 1993. O Conselho Europeu reunido em Amesterdão limitou-se a pedir à Comissão que apresentasse uma proposta de alteração dos procedimentos em vigor. Em Junho de 1998, foi apresentada uma proposta neste sentido. A cooperação reforçada A questão da integração diferenciada ou flexível não é nova. Tem acontecido frequentemente que alguns Estados-Membros desejam progredir na via da integração europeia, enquanto outros estão mais reticentes. Se, no passado, sempre se encontrou solução para este problema, como aconteceu com o Protocolo Social e com a União Económica e Monetária, estes exemplos serviram, no entanto, para mostrar a necessidade de estabelecer um quadro jurídico objectivo, em vez de recorrer a excepções caso a caso. É por esta razão que o Tratado de Amesterdão contém disposições relativas às condições e aos mecanismos que permitem instaurar uma cooperação reforçada entre vários Estados-Membros durante um certo período de tempo, sem que sejam postos em causa os princípios do Tratado e, nomeadamente, a liberdade de circulação e os direitos dos cidadãos. Neste caso, se a maioria dos Estados o desejarem, é agora possível, por deliberação da maioria qualificada dos Estados-Membros, instaurar, nas condições definidas pelo Tratado, cooperações reforçadas, tanto no domínio propriamente comunitário como no da cooperação penal e policial. A PESC está excluída do âmbito de aplicação da cooperação reforçada, sendo a possibilidade de uma «abstenção construtiva» o único mecanismo de «flexibilidade» autorizado neste caso. 27 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a E a seguir? Com o intuito de responder às questões que haviam justificado a convocação da Conferência Intergovernamental, o Tratado de Amesterdão alterou as disposições do Tratado da União Europeia numa série de domínios, entre os quais os da cidadania em sentido amplo, da Política Externa e de Segurança Comum, da organização e do funcionamento das instituições. Era compreensível que não abordasse outras questões que correspondem a um calendário e dinâmica próprios, tais como a criação do euro ou as perspectivas de alargamento da União. Deixou, entretanto, várias questões em aberto, como a da adaptação das instituições ao alargamento e determinados aspectos da política externa. UE Tratado de Amesterdão: uma perspectiva das últimas páginas 28 A evolução da integração europeia exigirá, pois, a breve prazo, outras reformas. Algumas poderão ser realizadas sem alteração do Tratado, outras necessitarão de uma nova Conferência Intergovernamental. O novo Tratado abriu, assim, uma série de debates: • Será necessário confirmar num documento «constitucional» os direitos e os deveres dos cidadãos, tal como o compromisso das instituições europeias a terem em conta as suas preocupações em matéria de emprego, ambiente, etc.? • Será necessário dar uma identidade própria e personalidade jurídica à União Europeia, seja qual for o seu domínio de acção, incluindo as relações internacionais? • Será necessário criar uma Europa da defesa para salvaguardar a paz e os direitos fundamentais, pelo menos em redor das fronteiras da União? Será necessário, para esse efeito, integrar a União da Europa Ocidental na União Europeia, tal como é permitido pelo Tratado de Amesterdão? se não será necessário aprofundar a reflexão sobre as estruturas institucionais, para as adaptar melhor aos desafios do século XXI e, mais precisamente, às necessidades de uma União que espera uma integração de carácter político, mesmo que os alargamentos que se preparam a orientem para uma dimensão continental. • Em matéria de política comercial, o Conselho aproveitará as aberturas do Tratado para dar à União o direito de negociar acordos internacionais relativos aos serviços e à propriedade intelectual, deliberando por maioria qualificada? Este debate é pleno de actualidade: o Conselho Europeu reunido em Colónia em 3 e 4 de Junho de 1999 decidiu, com efeito, iniciar os trabalhos de preparação de uma nova Conferência Intergovernamental, que tratará, durante o ano 2000, da reforma prevista pelo «protocolo institucional». • Em matéria institucional, há escolhas a fazer. Um protocolo anexo ao Tratado indica as mais urgentes. Na perspectiva do alargamento da União a novos Estados, este «protocolo institucional» anuncia uma revisão da composição da Comissão Europeia. A Comissão, que conta actualmente com 20 membros, ficaria, com efeito, demasiado numerosa se se mantivessem as regras actuais, que prevêem o mínimo de um comissário por cada Estado-Membro e a possibilidade de um segundo comissário para os Estados mais populosos. Está igualmente prevista a revisão da ponderação do voto dos Estados-Membros no Conselho, que actualmente varia entre os 10 votos de cada um dos quatro Estados mais populosos até aos dois votos do Luxemburgo. Conscientes dos riscos de bloqueio criados pelos numerosos casos em que o Conselho tem ainda de decidir por unanimidade, três Estados-Membros pronunciaram-se mesmo por um alargamento do âmbito das deliberações por maioria qualificada antes de qualquer novo alargamento. Esta Conferência deve ser concebida como uma primeira etapa de um processo global que conduza à melhor definição do projecto político de uma União Europeia alargada, tal como havia anunciado o Conselho Europeu de Cardife, em Junho de 1998. A Conferência deve ocupar-se prioritariamente dos temas institucionais deixados explicitamente em aberto pelo Tratado de Amesterdão e de todas as outras alterações ao funcionamento das instituições europeias, que a perspectiva de alargamento torna necessárias. Para além destes problemas, que são já evidentes, podemos interrogar-nos 29 Tr a t a d o d e A m e s t e r d ã o : o qu e m u d o u n a E u ro p a Europa, a Europa na Internet Para mais informações, pode-se consultar, via Internet, o servidor http://europa.eu.int/abc/obj/amst/fr/index.htm Além do texto do Tratado e diversos comentários, encontra-se neste site um «guia do cidadão», uma série de perguntas e respostas e um «modo do usar» http://europa.eu.int/scadplus/leg/fr/s50000.htm bem como um glossário http://europa.eu.int/scadplus/leg/fr/cig/g4000.htm O texto oficial pode também encontrar-se em: http://ue.eu.int/Amsterdam/fr/treaty/treaty.htm Para os Tratados anteriores (Tratado de Paris de 1951, Tratado de Roma de 1957, Acto Único de 1987, Tratado de Maastricht de 1992, etc.) ver http://europa.eu.int/abc/obj/treaties/fr/frtoc.htm A versão «consolidada» dos Tratados europeus, incluindo as alterações introduzidas pelos Tratados de Maastricht e de Amesterdão, encontra-se em http://www.europa.eu.int/eur-lex/fr/treaties/index.html 30 Comissão Europeia Tratado de Amesterdão: o que mudou na Europa Série: A Europa em movimento Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias 1999 — 30 p. — 16.2 x 22.9 cm ISBN: 92-828-7404-4 Entrado em vigor em 1 de Maio de 1999, o Tratado de Amesterdão introduz nos tratados europeus que o precederam uma série de alterações tendentes a reforçar os direitos dos cidadãos, a corresponder melhor às suas aspirações, a desenvolver a Política Externa e de Segurança Comum e a melhorar o funcionamento das instituições europeias. Sendo, em alguns aspectos, uma obra inacabada, o Tratado contribui, por isso mesmo, para lançar o debate sobre o futuro da União Europeia.