PROGRAMA DE ESTUDOS DO PORTUGUÊS POPULAR FALADO DE SALVADOR – PEPP INQ Nº 39 – Mulher – idade: 69 anos – Escolaridade: Primária DOCUMENTADOR: Norma Lopes DATA: 30/10/1998 TRANSCRIÇÃO: Alessandra Fontoura / Lisamar Almeida 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 DOC : Cidade de Salvador não é? 39: Sou de Salvador, nascida e criada (...inint...) DOC : Sim, a senhora, eu falei com a senhora que nós íamos falar sobre exatamente a educação, então pra falar sobre isso eu queria que a senhora dissesse primeiro como é que a senhora era quando criança? 39: Eu? DOC : Era pintona? 39: (...inint...) Respeitava os mais velhos entendeu, sempre, sempre respeitei mas os colegas igual a mim eles não era brincadeira não. DOC : Como é que a senhora era? 39: Batia né, fazia muita, muita coisa mesmo né, de menino mesmo né, eh, quando é, quando é criança, a gente faz sucesso né, batia mesmo nos meninos, dava surra de cansanção. DOC : Dava nos, nos meninos da mesma idade. 39: Na mesma idade do que eu se procurasse coisa comigo no colégio através da, da professora, e a professora fosse contra mim eu não dizia nada (...inint...) né, mas quando eu saísse do colégio então eu aprontava né, aprontava mesmo, a professora me botava de joelho no milho, botava um limão (...inint...) no pescoço na porta do colégio... DOC : Na porta? 39: É assim. DOC : Pra todo mundo ver. 39: Todo mundo passava e me via, eu e, tanto como outros ficavam também. DOC2 :Foi a mesma professora dos seus irmãos? 39: Sim. DOC2 :Ela fazia já a mesma seqüência de castigos. 39: É porque só tinha era a, a, como é o nome, o professor, e a mulher dele, quem gostava de mim era a irmã dele, que ele, viu, a irmã dele que gostava de mim, e que não aceitava, que todo mundo pintava, mas só botava a culpa em mim, entendeu, aí eu aprontava mesmo, quando eu saía do, da aula eu ia pra casa e fazia (...inint...) DOC2 :E tinha algum motiva pra culpa só cair na senhora? 39: Porque eu, eu pintava menina, você veja, sem que, sem pra que, quer dizer arte de menino mesmo, eu estava sentada, todo mundo sentada na sala eu aí pegava uma caneta, que antigamente não era as, as canetas ainda tinha aquela pena né? DOC2 :Certo. 39: Eu aí estava sentada e falei assim né, pra o professor vim, aí ficava assim, você sabe, com a mão assim... DOC : É. 39: Espiando quem, quem não estava quieto, aí quando via eu se suspender aí perguntou, “o que foi?”, aí dizia assim, “foi (...inint...) professor me furou com a 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 pena”, ele aí vinha ver, ver, ver aqui (...inint...), ficou a tinta mesmo na, vou te botar de castigo”... DOC : Hum e aí, mas em casa lhe reprimiam muito, reclamavam muito por causa disso? 39: Ah não, em casa não, minha irmã não, eu brigava assim, mas em casa eu trabalhava, trabalhava muito, minha irmã aí é que era, não, não fazia, não gostava de fazer nada porque tinha meu pai que dava, dava altura a ela não sabe? DOC : Cobertura. 39: É, dava altura a ela e sempre me diminuía, que só tinha a minha mãe por mim, minha mãe era tudo pra mim né, então até os últimos instantes dele mesmo tudo deles aí era com elas mesmo, mas, mas é isso mesmo... DOC2 :É isso mesmo... DOC : É, sim, mas me diga uma coisa... 39: Fui boa filha... DOC : É sempre... 39: Tenho essa idade que tenho, nunca disse a ele que bolacha era bom café, nunca respondi o meu pai, nunca, ele sabia que eu fumava, ele já com pe, pegar, me pegou fumando uma vez, mas eu fumar na frente dele nunca fumei, minha mãe morreu também sabendo que eu fumava mas nunca fumei na frente deles, um... DOC2 :Por respeito né? 39: Um vinho sexta feira santa no qual eles mesmo botavam no copo já o vinho com água e diz que era o sangue de Jesus Cristo pra a gente beber, eles mandavam a gente virar o rosto, pra não virar assim na frente deles, entendeu? DOC : Mesmo não, um vinho especial como esse né? 39: Entendeu, então nisso eu me criei, as minhas filhas também eu criei assim entendeu, não com a rigidez que eles me, me criaram mas não dei corda entendeu, agora os netos que são coisas diferentes, com essas coisas que, que está vendo, a gente está vendo aí dia, dia, dia, e aquilo ali ensina tudo... DOC : A televisão. 39: A televisão ensina tudo, o bem o mal, entendeu, e aqui os netos responde, os netos faz certas coisas que não está no direito de fazer, agora antes, mas até aqui graças ao pai, são, são ignorantes os meus netos, mas ainda não deu nenhum que não prestasse, toda hora eu peço a Deus, Deus vê que eu vou chorar, eu não posso, que eu tenho um neto que já faz quinze anos, se Deus ver que eu vou chorar por ele dar uma coisa ruim fumar uma maconha, ou dar no dos outros (...inint...) maconha, graças a Deus, (...inint...), vai fumar uma maconha porque amiza, amigos leva muita gente a perder, também é por isso (...inint...) se perder, então eu prefiro que Deus dê uma dor, eu vou chorar pela morte, melhor chorar pela sorte não é isso? DOC : É isso mesmo. 39: Melhor chorar pela sorte, mas excedendo disso não tenho nada contra não. DOC2 :Quantos netos a senhora tem? 39: Eu tenho sete. DOC : Já tem um bocado né? 39: Morreu um, era oito, filho dessa menina, morreu até afogado. DOC : Oh que pena, sim a senhora então aprontava de vez em quando algumas, e em casa? 39: Em casa não. DOC : Em casa recebia muito castigo por causa disso? A senhora falou dos castigos de escola né? 39: Da rua, da escola, não em casa eu apanhava né, porque eu pintava sim, todo menino pinta né, brincar com meus irmãos, eu pintava muito, brincava muito, mas esses 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 negócios de perversidade, essas coisas não sabe, mas eu brincava muito, apanhava muito de minha mãe, de meu pai só apanhei uma vez. DOC : E já houve alguma injustiça com a senhora? 39: Apanhei uma vez pra B..., pra, pra H... não apanhar, eu apanhei uma vez de meu pai... DOC2 :Foi boazinha com ele né? 39: Pra H..., eu, eu criei ele, eu ia pra, pra pegar água fonte com essa lata de cinco quilos, eu, eu trazia ele aqui enganchado, a gente chama de B..., B..., enganchado aqui, eu criei ele de pequeno, ele é meu compadre quatro vezes, H... DOC 2:Ah, então... 39: É padrinho dela de nascimento, é padrinho de casamento, e padrinho mais de algumas coisas, e é padrinho de, das ... DOC2 :Que bom... 39: Outras filhas minhas, eu tinha meu pai entende, e Deus que dê luz hoje ao espírito dele, mas eu considerava B..., e considero como um pai, como uma mãe, e tudo pra mim, está entendendo? Eu gosto muito desse irmão. DOC : Se dão muito bem né? 39: Sempre me dei, sempre me dei, desde pequena, sempre me dei bem, a minha primeira filha foi ele quem batizou... DOC : É, isso é importante. DOC2 :Você batizou uma dele também né? 39: Batizei. DOC 2:Ah, então está tudo em casa... 39: (risos) DOC : E C... já com, já mocinha, com namoros havia dificuldades em casa? 39: Não, eu fui, fui, sendo sincera eu tive dois namorados, eu era muito presa, um do, do, do colégio, um do colégio eu arrumei, mas o homem era gordo não sabe, o rapaz era gordo, mamãe disse que ele ia pegar, me deu pancada, que eu disse assim, “não”. DOC2 :Mas só porque ele era gordo? 39: E, e eu era assim, não viu essa que estava aqui limpando esses negócios aqui? DOC : Sim. 39: Ela era gorda, ela é gorda pra mim. DOC : É mesmo? Então era uma linha. 39: Ela é gorda, naquele tempo eu com os meus dezessete anos, ela é gorda pra mim, eu era magrinha mesmo entendeu, eu era magrinha mesmo, e minha mãe não, não queira, era gordão, com comida, disseram que eu estava namorando, aí ela me bateu, ia fazer e acontecer então (...inint...), aí eu fui, não saindo, não saindo, não, aí parei, achava que não podia isso não, (...inint...), com medo das palavras que a minha mãe me dizia, e depois de, de, quando, quando, com dezessete pra dezoito anos foi que eu arranjei esse que eu me casei. DOC2 :Era magro? 39: Não, ele era fortezinho. DOC 2:Pensei que era magro 39: Era fortezinho não, já era, era um rapaz bem maduro viu, bem maduro, então ele era mais velho do que eu dez anos ... CIRC: A senhora me empresta aqui num instante essa caneta? Deixa eu anotar um negócio pra J... 39: Isso, isso aí é da moça... CIRC: Eu vou usar aqui mãe. 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 DOC : Não tem nada não, não tem nada não, pode usar, pode usar que eu já tirei. Sim, os namoros daquela época eram diferentes dos de (...inint...) de hoje né? 39: Olhe, e como era, esse daí, conhece O ... não conhece? DOC : Conheço. 39: Pois esse daí sempre foi o, foi meu, o dedo duro meu, quando as vezes que eu saí com esse, com esse, com o meu noivo que foi o meu, meu marido, e as vezes que B... não podia sair comigo, que B... saía sim, B... não podia sair, se por acaso eu bo, ele botasse a mão no meu ombro quando chegasse em casa minha mãe vai saber disso... DOC : Meu Jesus, O ... contava. 39: Era, ele dizia. DOC2 :Olha, pegou nela! 39: Dizia, “olha, (...inint...) teve isso, teve aquilo”, minha mãe me dava aquelas catuaba assim, “respeite os meus filho”, entendeu. DOC : E hoje? 39: E hoje? Hoje, hoje sobre o que? DOC2 :Namoro. DOC : Como é que estão os namoros? Como é que são? 39: De quem? DOC : Do povo aí. 39: Ah, mas hoje está tudo avançado né, está tudo avançado, hoje ninguém é de ninguém, ninguém respeita ninguém, hoje tudo aí olhe, a la vonté, é filho fumando na frente da pai, é filho bebendo na frente de pai, é filho tomando cigarro da mão de pai.. DOC : É... 39: Tudo é tudo hoje, naquele tempo não, naquele tempo não, mas, eu sou assim, antes era assim mais... DOC : E como eram as brincadeiras (...inint...)... 39: Hum? DOC : Como eram as brincadeiras você lembra? 39: De quem? DOC : Da época, as brincadeiras das crianças como eram, você lembra de alguma? 39: Ah, me lembro sim, naquele, na, na minha época mesmo a gente brincava com São Gonçalo, que eu nasci em São Gonçalo do Retiro, depois, que isso aqui era de meus avós... DOC : É, eu sei. 39: Depois que cada um dos, dos filhos teve direito a dois arqueiros (...inint...) de terra, que é de minha mãe deixei aqui, já tiraram a metade pra eu vender né, então conclusão, que antigamente em São Gonçalo brincava a gente, ficava fazendo na rocinha, o pai de família, mãe de família, tudo brincava, não tinha maldade, viu? DOC : Que tipo de brincadeira? Você lembra os tipos de brincadeira? 39: Lembro sim, a gente brincava de, se jogava de baralho, jogavam de baralho, essa brincadeira de cochicha meus reis.... DOC : De como? 39: Cochicha meu reis. DOC : Como é? 39: É uma brincadeira de baralho que pega dois reis, duas damas, a dama e o valete, o reis, o as, e o que, o que sair aquela dama, aquela pessoa aí se esconde porque, a carta que sair, a que sair, sair com a, com a valete aí vai bater naquela pessoa, vai dar bolo, e quem está com a dama vai até pra casa dormir, (...inint...), entendeu? Até que ele queira vim botar aquela carta na mão, para não apanhar mais. A gente corria picula, 188 189 190 191 192 193 194 195 196 197 198 199 200 201 202 203 204 205 206 207 208 209 210 211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225 226 227 228 229 230 231 232 233 234 235 arrudiava de um lado a outro, tudo isso brincava, pai de família já com a gente, mas não tinha maldade, (inint.) minha mãe, meu pai tudo sentava para contar história, minha vó todo mundo... DOC : As histórias eram boas, não eram? A educação prendia muito, mas as brincadeiras será que não eram mais livres? 39: Como? DOC : Em relação a hoje. Hoje as brincadeiras são muito dentro de casa, né? 39: Não. As brincadeiras de hoje, antigamente... DOC : Então será que as crianças hoje não ficam muito presas? Nas brincadeiras assim muito fechadas dentro de casa? 39: Não acho não. DOC : Não? 39: Hoje, hoje as crianças dá drible nos pais... DOC : Esses meninos todos ai são seus netos? 39: Não. São todos sobrinhos... DOC : A comunidade aqui toda é parente... 39: Toda é parente. É sobrinho, é irmão, minha irmã, minha sobrinha. DOC : A senhora sabe ao todo quantos são? 39: Ah! não, assim não. DOC : É muita gente. 39: É muita gente não, tem gente (inint.) DOC : A senhora começou a falar sobre a escola lembra, nesse instante. Quando a senhora falou da escola, a senhora não falou assim nada especial sobre alguma professora, mas a senhora lembra das professoras? 39: Ah! a professora, a professora que era por mim ela se chama Nita. DOC : Anita. 39: Anita, e gostava muito de mim. O professor que me botava de castigo chamava-se Antônio Tosta e a mulher dele que eu não tô me lembrando... DOC : Eram professores bons, você considera bons? 39: Não, não considera eles ruins não. (inint.) tinha que ser pesquisados, mas devia ser já, né? DOC : Agora ela está perguntando se eles eram bons em ensino, em relação ao ensino. 39: Ah! eram sim, não tenho a dizer nada contra não. DOC : O ensino daquela época você acha que era melhor do que o de hoje? 39: Eu acho, porque se estudava mais. DOC : As crianças estudavam mais. 39: É, porque aos... os ensinos daquela época a gente fazia até o quinto ano, né? do primário do quinto passava para e fazer o ... DOC : Admissão. 39: Admissão ginásio, não é? E tinha, dava aqueles livros todos, aqueles (inint.), aquele negócio todo, né? Agora se passasse da admissão ia para o ginásio se não passasse ficar no quinto ano mesmo repetia, e hoje não o menino vai do quarto ano para o quinto (inint.) Eu acho que o estudo nosso antigo ensinava mais. Para gente ia para classe do ABC, não é? Ali as professoras ensinava a soletrar, ensinava a tirar aquelas lição para conhecer as letras, ensinava, depois disso tudo que a gente fazia, às vezes tinha aquelas, aquelas lição salteado, depois (inint.) aquela lição toda para a gente estudar aquela página toda para saber, depois vem aquele para soletrar, a gente juntava as palavras para soletrar, e hoje não... 236 237 238 239 240 241 242 243 244 245 246 247 248 249 250 251 252 253 254 255 256 257 258 259 260 261 262 263 264 265 266 267 268 269 270 271 272 273 274 275 276 277 278 279 280 281 282 283 284 DOC : (inint.) tudo cima. 39: É. Hoje não tem nada disso. DOC : A metodologia é outra. 39: A senhora vê que vem a tabuada diferente da nossa. Então mudou o ensino, tem as coisas dos tempos as coisa mudam, modificando. DOC : Quando chegava em casa sempre trazia deveres, né? 39: É isso mesmo. DOC : Está achando que os meninos estão trazendo os deveres (superp.) 39: Meus netos mesmos traz, né? E fazem. Eu tenho um mesmo aqui, aliás todos os três sempre teve (inint.) estudando. Tem uma que ainda está na... na alfabetização, né? a pequenininha que está com sete anos, mas tem um de quatorze, de quinze, uma de treze, outra de onze fazendo os deveres direitinho. DOC :E a televisão atrapalha? 39: Hã? DOC : A televisão atrapalha? 39: Eles? DOC : Esses estudos em casa? 39: Não, não atrapalha não, quando eles não sabem eles pedem essa, essa moça que está aqui afilhada minha para fazer companhia, minhas filhas tudo mora fora, né? Então tem uma afilhada minha que mora aqui comigo, ela é da Itapuã. Então ela é professora ele ensina eles, eles pedem para ela ensinar ela ensina, ela não trabalha (inint.) mas ela ensina a eles. DOC : E tem hora, eles obedecem os horários de estudos? 39: (inint.) eles brigam (inint.) DOC : Não tem o controle? 39: Não. DOC : E conversando com... 39: Eles faz porque tem, vem com, a professora dá o visto, né? e vem com notas boas, né? DOC : Era isso que eu ia perguntar, se as notas eram boas. 39: São, são boas. DOC : Alguém já perdeu o ano alguma vez? 39: Esses... esses netos mesmos não. Ele (inint.) perdeu o ano, teve um ano que perdeu, mas todos três estão no quinto ano, na quinta série. DOC : Conversando com... com Antonia ela gost... falava que gostava muito de carnaval. 39: Ela era . DOC : A senhora não gostava não? 39: Não, não vou para o carnaval não. Eu não ia para o carnaval pela seguinte maneira porque eu era muito presa, né? meu pai não gostava que a gente andar fora. Ela não saía, meu pai dava corda a ela. DOC : Porque você era a mais velha não era na época? 39: Mais não tinha nada disso não, um direito que tem um tem outro... DOC : É verdade. 39: Os direito são iguais. DOC : Ela já pegou a coisa mais macia, mas suave, né? 39: Não porque ela é de... ela tem, ela é mais moça do que eu dois anos. DOC : É pouca coisa. 39: Pois é. Dois anos é de trinta. DOC : Ah! sim, é. 39: Então eu acho que ... 285 286 287 288 289 290 291 292 293 294 295 296 297 298 299 300 301 302 303 304 305 306 307 308 309 310 311 312 313 314 315 316 317 318 319 320 321 322 323 324 325 326 327 328 329 330 331 332 333 DOC : Então era proteção. 39: Proteção que ele gostava dela. Até agora, até com os fins dele tudo era com ela mesmo. DOC: E a senhora se distraía mais com o quê, já que não ia para carnaval? 39: No rádio, quando tinha rádio, não tinha televisão antigamente, né? A gente ouvia o rádio, a gente ficava em casa vendo passou os blocos dos Nagô que passava, Oscarito que passava... DOC : Ouvindo no rádio? 39: No rádio, às vezes passava (inint.) passava. DOC : Nos bairros, né? 39: Nos bairros passavam, não era na cidade. Um ano que eu sair de baiana, eu fui lá em Praia Grande no meu retorno no negócio de (inint.) DOC : No quê? 39: (inint.) de baiana. No meu retorno, quando eu vinha as anáguas assim na frente eu “bá” cair, você nunca mais (inint.) nunca mais eu vestir saia. Aí nunca mais eu também fui para (inint.) DOC : Mais o carnaval do bairro a senhora não gostava não? 39: Eu saia com as meninas também. DOC : Era chato? 39: Hum? DOC : Era chato? 39: (inint.) quando a gente (inint.) assim na infância, quando a gente cresce... DOC : Não sabe sair... 39: Quando a gente cresce não acha, no que a gente acha ... acha assim espaço com se a gente fosse intocada . Então eu... eu sempre fui uma pessoa (inint.) de parentes, entendeu? DOC : Mais hoje podia ir lá descontar? 39: Mas acontecer que a gente se cria numa coisa assim... DOC : Acostuma, não é? 39: Quando a gente vai querer fazer uma coisa assim além daquilo, a gente mesmo se acha que a gente está de mais, é o que acontece comigo, entendeu? Olha, eu sei, eu no tempo de menina, eu saia eu terno, (inint.), eu sambava, eu sei dançar, mas eu não sambo nem danço que eu sei se eu for sambar aí todo mundo vai dá risada, todo mundo vai dizer uma coisa, eu vou ficar com vergonha, me entende, se eu dançar os meninos vão dizer olha minha vó está dançando, isso aquilo, aquilo outro, vou ficar com vergonha. Então o recalco que tem dentro de mim, mas esse recalco é de família, está compreendendo, porque tudo meu na minha infância era de mais para mim. DOC : É isso atrapalha a gente, né? 39: É. DOC : A senhora falou que gostava de ouvir rádio e antigamente tinha novela na rádio... 39: Tinha e muitas. Na hora que eu me sentava para ir ver minhas novelas e a hora que eu me sento, é, e a hora que eu me sento para ver o que passa na televisão. DOC : É uma coisa que preenche... 39: Distrai. Distrai a pessoa, a gente ver as falsidades, as coisas, é porque são a realidade, o que a gente está vendo ali, essa novela mesmo das... das duas... DOC : A senhora está assistindo qual agora? 39: Eu estou assistindo tudo ai que está passando, às das seis, às das sete... DOC : Qual a senhora gosta mais? 39: Ah! estou gostando mais das seis, das seis Clarice? A que tem os dois irmãos... 334 335 336 337 338 339 340 341 342 343 344 345 346 347 348 349 350 351 352 353 354 355 356 357 358 359 360 361 362 363 364 365 366 367 368 369 370 371 372 373 374 375 376 377 378 379 380 DOC : É Meu Bem Querer, às das sete. 39: Meu Bem Querer, que tem os dois irmãos e essa Torre de Babel, essa ai eu deixo tudo para assistir, para ver até onde vai essa novela (inint.) DOC : Essa de seis horas a senhora não assisti não? 39: Assisto, assisto... DOC : Que é uma regravação. 39: Pecado Capital. DOC : É uma regravação. 39: Assisto sim. DOC : Sim, então a senhora falou ai que a novela é um ensinamento, que a senhora acha que ensina, por exemplo, essa daí que a senhora gosta? 39: O quê? DOC : A senhora disse essa novela ensina muito. 39: Essa ... essa... DOC : Torre de Babel. 39: Torre de Babel, a traição, que é muita traição nessa novela, muita traição mesmo, que o papel mesmo dessa Angela... DOC : Cláudia Raia. 39: O papel dela, é um papel muito doloroso, ela entrou na família para destruir, para vingar a morte do pai. Então ela foi querendo ficar, matou a mulher do rapaz foi na casa dele pegou o revólver, pegou a luva, levou, levou a mulher matou saiu esticando jogou no despenhadeiro, pegou voltou botou a luva na casa dele e o revólver na casa da moça que ele gosta, para todos os pontos falando foi ele que fez aquilo com a mulher. DOC : Incriminar... Incriminar os dois. 39: É os dois. É muita, é muita coisa... DOC : Muita maldade. A senhora acha que esse tipo de coisa na televisão, influencia muitos meninos assim? 39: Eu acho que sim, eu acho que sim, acho que sim , que esse mundo é um mundo cão, salve-se que puder. DOC : Influencia sim. A senhora não achou muito pesada não aquela cena? 39: Acho, acho sim. DOC : Que é que a senhora considera positivo na televisão, coisa boa na televisão? 39: O papel? DOC : Que coisas boas passam na televisão para as crianças? 39: Para crianças esse programa da Xuxa mesmo, eu acho um programa bom que as crianças brinca, né? Essa da Angélica mesmo eu acho bom, né? esse programa de desse menino... DOC : Qual é o dia que passa? 39: Vai passar Domingo agora. DOC : Domingo, Faustão, Gugu... 39: Faustão, né? DOC : É o gordo? 39: Sim. DOC : É Faustão. E programa de educação para criança? A senhora já viu algum infantil? 39: Assim na televisão? Não assisto não. DOC : E filmes a senhora assiste? 381 382 383 384 385 386 387 388 389 390 391 392 393 394 395 396 397 398 399 400 401 402 403 404 405 406 407 408 409 410 411 412 413 414 415 416 417 418 419 420 421 422 423 424 425 426 427 428 429 39: Ah! filmes eu não gosto de assistir não (inint.) depois que termina a novela eu estou aqui começo a assistir, mas quando eu vejo negócio de tiro, esses negócio de dando (inint.) eu saio. DOC : Agora vamos mudando de assunto. A senhora comparando sua educação com a educação dos meninos de hoje seus netos. A senhora acha que a conversa entre pais e filhos melhorou, de antigamente para agora, agora as crianças conversam mais com os pais? 39: Eu não acho não, antigamente eu acho que as crianças quando os pais conversavam as crianças obedeciam, mas hoje não. DOC : Sim, mas ela falou que conversavam, que o pai conversava e o filho obedecia, mas hoje se há uma conversa entre pais e filhos, um diálogo mais efetivo? 39: Não acho não. DOC : Não 39: Principalmente, eu digo, eu digo assim (inint.) dentro da minha família, né? porque (inint.) cada um constroi a sua família, né? Na minha família, essa filha minha mais velha tem uma filha, então eles, ela com a mãe faz com as pessoas que são muito unidos, né? ela não faz nada sem ... DOC : Conversar... 39: Conversar com eles. Tem a outra que mora aqui embaixo que (inint.) é minha caçula os filhos dela são (inint.) são pequenos, mas ela reclama e tudo, eles então brigam tudo ai, quando são crianças e tem esses que entram ai com os outros o pai não vive com a mãe deles, eles moram com a mãe, minha filha, né? mas isso aí não vou dizer que eles são bem relacionados com a mãe em casa. E a mãe fala uma coisa eles falam outra, entendeu? DOC : Já estão mais dispersos. E... e continua aquele conteúdo que a senhora tinha com os seus será que os netos continuam eh..., sei lá, a educação continua sendo tão controlada como antes? 39: De uns sim. Digamos assim, eles são danados assim, eles são danados mesmo (inint.) mas de certo, até certa forma a pessoa chamando, conversando direitinho eles chegam na (inint.) entendeu? As conversas, eles obedecem, entendeu? Eles são assim eles não gostam que as pessoas grite (inint.) que façam assim tipo de grosserias eles não aceitam, aí eles ficam bravos, mas enquanto se tiver a (inint.) ai maltrata todo mundo, quando eu falo, “oh, vó, não vó” ai eu digo “não vó o quê? Não tem palhaço comigo não que sua mãe nunca falou”, brigo mesmo, reclamo, xingo eles tudo ai cambada de erejes, cambada de monstros, é xingo eles. DOC : Cambada de quê? 39: Monstros de erejes. DOC : Ah! 39: Eu chamo eles de escumungado, ai eles ficam assim “oh vó escumungado é quem bate em pai e mãe” eu digo “não escumungado é quem responde a avó, responde a mãe, responde a pai, a todo mundo, responde a tio, não é só quem bate não”. DOC : E acontecem surras? 39: Hum? DOC : Com os netos ai, eles ainda apanham como antigamente? 39: Eu dou sim. DOC : É? 39: Eu bato. DOC : Tem algum, algum chicote especial? Porque conhecemos um aí do lado. 39: Tenho, os das perninhas? 430 431 432 433 434 435 436 437 438 439 440 441 442 443 444 445 446 447 448 449 450 451 452 453 454 455 456 457 458 459 460 461 462 463 464 465 466 467 468 469 470 471 472 473 474 475 476 477 478 DOC : É os das perninhas, era aquele? 39: Veio de Manaus aquele. DOC : Aquilo ali dói para caramba. 39: (inint.) DOC : Bem e castigos vocês também ainda dão? 39: Dou sim. Que eles querem ir eu digo que não vai. DOC : Mas é castigo de bater, ou de ficar preso? 39: Não, não. Sair. DOC : Não sair. 39: Bater a gente bate na hora que está brigando, meto, dou-lhe tapa, meto o cipó, meto chinelo, meto pau, o que tiver na mão eu arrumo, entendeu? DOC : Você acha que educar menina é melhor do que educar menino, ou é o contrário? 39: Não sei assim, nem sei, acho que menina é melhor. DOC : Você teve oito meninas, né? 39: E o menino depende, que o menino vai crescendo começa com aquela, a junção com os amigos, entendeu? Começa logo com a união que já está tudo, derrama o caldo. DOC : E as meninas quais são os problemas das meninas? 39: Os problemas das meninas é sair, né? ai vai com a amiga para aqui, para ali... DOC : Os namorados. 39: Os namorados, querer enganar pai e mãe. Eu tenho uma netinha que ela diz assim, mas ela tem onze anos, ela é magrinha, assim ela disse assim : “mas eu queria um dia assim ver”, ela mora aqui, “ver como, aí embaixo de noite, o soldado, se é bonito se (inint.) como é aqui em cima”, eu digo, “oh minha filha é só você descer, é saudável, e os arvoredos está tudo bonitinho, vá para você vê...” DOC : Que idade ela tem? 39: Onze anos. DOC :E ela fala isso assim que quer sair de noite? 39: Ela, a noite ela queria descer para roça, para o fundo da roça para vê se ai embaixo era como aqui em cima, eu digo é... DOC : O que será que ela imagina que tem lá? Que ela quer sair, mas ela imagina assim alguma coisa, já comentou? 39: Na cabeça dela, eu não sei o que se passa, né? ou arranjar namorado para namorar ai embaixo... DOC : Escondido. 39: Escondido, entendeu? “oh Bentinha Patrícia está ai fora?, Patrícia está ai fora?” DOC : Foi brincar um pouquinho. Essa é Patrícia, é Patrícia, que ela está falando. 39: Está lá? DOC : Não eu vi uma menina (inint.) 39: Uma magrinha? DOC :Uma magrinha. É que é bom que pelo menos, eles ajudam, eles ajudam no trabalho? 39: Aqui dentro de casa? Não. Aquela seca que estava ali, ela limpou aqui, está arrumando, mas briga, briga que é um horror, briga, briga se a pessoa fala uma coisa ela fala dez. DOC : Porque hoje a casa está mais tranqüila, ne’? Que antigamente o pessoal que tinha que pegar água, é os trabalhos eram mais duros. Hoje a vida está mais fácil, né? 39: É, né? mais fácil, mais ela não gosta de varrer uma casa, lavar um prato, isso aprende dentro de casa. DOC :As roupas guardam direitinho? 39: Guardam o quê? (inint.) levar para casa toma banho larga tudo ai, às vezes a menina vai lavar minha roupa ela (inint.) 479 480 481 482 483 484 485 486 487 488 489 490 491 492 493 494 495 496 497 498 499 500 501 502 503 504 505 506 507 508 509 510 511 512 513 514 515 516 517 518 519 520 521 522 523 524 525 DOC : Largam tudo espalhados? 39: Isso não é fácil não. DOC : Essa zuadinha que estava ai fora, está fazendo construção aqui? 39: É. DOC : A casa de Otávio. Ai todo mundo ajuda? 39: É. É tudo parente aí. DOC : Eu queria agora para gente encerrar que a senhora falasse um bocadinho sobre antigamente e atualmente na cidade a senhora acha que a cidade mudou muito de quando a senhora era criança para agora? 39: Claro que mudou. Que antigamente não era a maluquice que é hoje, né? não tinha esses viadutos todos, não tinha essas ruas toda, não tinha nada disso, só era aquela rua que tinha do bonde mesmo e depois passou para o ônibus, não tinha essas, não tem essas, essa linha de ônibus para Ogunjá, o negócio daquela rótula dali, lá na Baixa dos Sapateiros que sempre teve, mas aquele outros que vai para Rodoviária, não era assim era diferente, né? DOC : Essa região mesmo daqui modificou muito? 39: Modificou sim. Aqui para se descer um carro tinha que o carro para desce amanhã ou subir hoje tinha que ajeitar a madeira, tapar os buracos... DOC : Ai problemas com chuva. 39: É com tudo, tapar os buracos para poder botar pedra e tudo para poder ter condições para o carro subir ou descer, entendeu? DOC : Entendi. 39: Que é mato de um lado e mato do outro. E hoje não. DOC : A vida era mais fácil naquela época? 39: Ah! um, um jeito que eu acho que sim porque a senhora vinha do Retiro aonde hoje ali tem o SESI, ali no Retiro, né? ali a senhora vinga de pé para sair cá em São Gonçalo onde tem a igreja de São Gonçalo, antigamente quando a empresa construiu a rodagem ali. Então tapou uma parte da ladeira, aí a gente subia a ladeira do Retiro, vinha para aqui de pé, saltar no Retiro do Bonde descia, subia a ladeira de pacho, era pacho, não tinha luz. DOC : Pacho? É uma tocha, né? 39: é pacho. DOC : Era duro, né? Era difícil? 39: Mas era bom porque a senhora só via o que era calango correr no mato... DOC : Cobra? 39: Cobra correr no mato, às vezes teiú no mato para dá a luz, entendeu? (inint.) não tinha ladrão, não tinha nada, a senhora descia uma ladeira, subia outra para sair cá no ponto obrigatório cá na Barreiras onde tem, onde era a Lagoa. DOC : Nessa época já tinha a penitenciária lá nas Barreiras? 39: Não ainda não. Ainda era (inint.) entendeu? Então a senhora descia a lagoa, subia a ladeira sair cá no outro no fundo das Barreiras quem vai para o arraial. Então a subida ali com o pacho, (inint.) cerca de um lado, cerca d outro... DOC :E não era perigoso. 39: Chegava fazer assim. E não era perigoso, a senhora trazia o pacho (inint.) entendeu? E hoje tem luz e vários carros, muita gente (inint.) aqui. DOC : E também antigamente as coisas eram mais fáceis e tudo mais barato, né? 39: É. 526 527 528 529 530 531 532 533 534 535 536 537 538 539 540 541 542 543 544 545 546 547 548 DOC : O custo de vida, hoje é mais duro. 39: Antigamente a senhora me pegaria saia daqui (inint.) de hoje para amanhã, amanhã é Sábado, então de hoje para amanhã tinha matança no Retiro, aí a pessoa ia para lá para comprar. Trazia aqueles balaios, “Patrícia, oh Patrícia, Patrícia” DOC :Quer que chame? 39: Ela já vem. “Venha cá mãe, vem cá Paty, dê um pouquinho de janta para vovó”. DOC :Mas é grande, né? Ela é grande. Onze anos só? 39: É. DOC : Já está uma mocinha Patrícia. 39: Minha neta aí. É essa que quer ver as paisagens lá embaixo. DOC : Comprava os balaios. 39: Comprava aqueles balaios de carne, era carne, chamava balaio, né? de manhã cedo tinha matança que o cara botava aqueles (inint.) naquelas mesa (inint.) DOC : Então a vida acabava sendo mais fácil do que agora, né? 39: É a gente comprava, só era ir comprar, comprava trazia troco, da vez que tinha gente lá que conhecia os pais da gente “ah leve aqui para compadre que todo mundo era parente, antigamente todo mundo era parente. DOC : Ainda comprava e dava? 39: É todo mundo era parente. DOC : A conversa era essa, já tomamos muito o tempo da senhora, é. Já podemos encerrar e agradecer a senhora, está bom? Obrigado.