educação e carreira
Ana Lúcia Moura Fé
Só diploma não
adianta mais
Especialistas enfatizam o aperfeiçoamento
permanente como forma de evitar a obsolescência
acelerada de qualificações.
O
s altos investimentos tecnológicos das empresas brasileiras
têm evidenciado desafios no
âmbito dos recursos humanos.
Estudos apontam a dificuldade crescente
das organizações para encontrar profissionais aptos a lidar com tecnologias
emergentes e capazes de, por meio delas,
tirar proveito da enxurrada de informações corporativas geradas nos mundos físico e virtual. Para dar ideia do imbróglio,
somente nas empresas de TI, a defasagem
de mão de obra beira 90 mil profissionais.
Até 2013, esse número deverá superar
200 mil, segundo a Associação Brasileira
das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).
Essa carência, entretanto, nem de longe representa emprego certo para graduados recentes ou antigos. Isso porque uma
forte tendência nas corporações é a busca
por perfis talhados para suas necessidades específicas e para formação de equipes cada vez mais especializadas – reflexo
da expansão de modelos emergentes de
computação, como outsourcing, SaaS e
Cloud Computing, que “exportam” para
fornecedores de software e para provedores de serviços os profissionais com perfil
mais técnico, enquanto concentram nas
corporações as competências mais voltadas para gerir processos e pessoas.
Uma consequência disso tudo é
que, mesmo precisando contratar pessoal, muitas organizações mantêm
vagas ociosas por não encontrarem as
competências que buscam. “Em sua
maioria, a mão de obra que sai das universidades é inadequada e não pode ser
aproveitada pelas empresas sem antes
passar por treinamento”, testemunha
Djalma Petit, diretor de mercado da
Softex, associação que promove softwares brasileiros e elabora projeções sobre
demanda de profissionais. Segundo ele,
a dinâmica do mercado de tecnologia
iguala o recém-formado e o experiente
no desafio de manter-se permanentemente atualizados, sob pena de verem
suas qualificações acadêmicas ou pro-
fissionais obsoletas em um curto espaço de tempo.
Se para quem lida com tecnologia
da informação, de uma forma geral, os
treinamentos e a especialização adquirem um senso de urgência, o desafio
parece ser ainda maior para quem atua
ou planeja atuar em gestão de conteúdo empresarial. “O aperfeiçoamento
profissional é o grande desafio nessa
área, porque o fluxo gigante e crescente
de informações exige um profissional
constantemente ‘plugado’ e com capacidade efetiva de transformar dados
em vantagem competitiva para o negócio”, diz Francisco Paletta, professor
e diretor da Faculdade de Engenharia
da FAAP (Fundação Armando Alvares
Penteado).
A equação da
empregabilidade
Paletta, a exemplo de Petit, também observa perda de status do diploma universitário, por si só, nos processos de seleção
das empresas. “Até um passado recente,
os três principais fatores que compunham uma boa empregabilidade eram a
graduação, a experiência profissional e o
domínio da língua inglesa. Essa equação
mudou e incluiu definitivamente o aperfeiçoamento e a especialização”, afirma o
diretor.
Outra evidência desse fato, segundo
Paletta, é a proliferação de programas
de aperfeiçoamento, especializações e
pós-graduações lato sensu e stricto sensu relacionadas a gestão da informação
e do conhecimento. Em sua percepção,
essa onda se intensificou nos últimos
anos e resulta da maior consciência,
no meio empresarial, de que informação se converte em valor apenas quando bem gerida e colocada a serviço do
processo de tomada de decisão. “Dados
desestruturados são transformados em
inteligência a ser disponibilizada para
a pessoa certa na hora certa. Isso é o
maior patrimônio e o diferencial das
empresas hoje em dia, e não mais a tec-
nologia em si. É o que torna o negócio
relevante e apto a enfrentar a concorrência local e global”, afirma Paletta.
Os desafios do mundo digital já não
escolhem segmentos econômicos, conforme ressalta o diretor. “A inteligência
estratégica passa a ser disciplina de destaque na agenda de todo tipo de organização”, diz o educador, que não esconde
sua visão crítica acerca da academia.
“Os cursos que preparam profissionais
da área, do bibliotecário ao analista de
computação, precisam se modernizar
para atender aos avanços tecnológicos.
A preparação permanente e eficaz desses
profissionais requer mudanças radicais
do ponto de vista de graduação e pós-graduação”, diz ele.
Na FAAP, uma das ações nesse sentido foi a criação do Master em Gestão da
Informação Digital e do Conhecimento,
curso que forma sua primeira turma de
32 alunos neste ano e inicia a segunda em
março de 2012. Fruto de convênio com
a Universidade de Montpellier (Fran-
ça), o curso foi montado em formato de
MBA (520 horas) e destina-se a graduados de um amplo leque de áreas, desde
Computação, Informática e Sistemas de
Informação até Webdesign e Projetos
Documentários, passando por Biblioteconomia, Ciência da Informação, Arquivologia, Museologia e Jornalismo, entre
várias outras. O programa é igualmente
extenso, cobrindo mais de uma dezena
de disciplinas. Começa com armazenamento e recuperação de informação digital e termina com tópicos avançados da
gestão da informação e temas sofisticados, como Web Semântica e Ontologia.
O preço continua sendo uma barreira
importante para esse tipo de qualificação.
No caso da FAAP, o subsídio fornecido
pelo governo francês reduziu o custo de
R$ 35 mil para cerca de R$ 12 mil a R$ 14
mil. Outra vantagem é a possibilidade de
o aluno obter duplo diploma, desde que
comprove proficiência no idioma francês. “Três dos nossos alunos já receberam
o título francês, que equivale ao nosso
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mestrado. Já o diploma brasileiro é de
especialista lato sensu”, explica o diretor,
que prepara para 2012 levantamento que
verifica o impacto que cursos como esse
têm na carreira, no salário e na empregabilidade dos participantes.
Impacto na carreira
Quem já consegue fornecer um testemunho sobre esse tipo de impacto é
Edson Becker, coordenador da área de
gestão de documentos compartilhados
do Sistema FIEP (que atua no Paraná
por meio da FIEP, SESI, SENA, IEL,
C2i e Unindus). “De um tempo para cá,
aumentou o assédio de empregadores,
principalmente na área de consultoria”,
diz o gestor, que participa do projeto de
ECM da entidade, desde a sua origem
departamental até a expansão para toda
a corporação, resultando na criação da
área específica para gestão de documentos. “Minha dedicação ao projeto
exigiu da minha parte uma busca por
conhecimentos na medida em que
avançávamos, e isso resultou na minha
promoção e em consequente aumento
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Francisco Amaral
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salarial”, diz o coordenador.
Graduado em Ciência da Computação e com duas pós-graduações, uma em
Gestão Empresarial e outra em Gestão da
Tecnologia da Informação, Becker, aos
41 anos de idade, nem cogita reduzir o
ritmo quando o tema é aperfeiçoamento
profissional. “Trabalho diretamente com
profissionais da área de gestão da informação. Preciso ter conhecimento para
aprofundar o diálogo”, diz ele. Para alguns
treinamentos, ele contou com o subsídio
da empresa, mas não hesitou em pagar
do próprio bolso quando necessário. O
resultado é um currículo recheado de
cursos que vão de ERM (Electronic Record Management) e conceitos de ECM
até Captação da Informação e Document
Imaging, além das pós-graduações. No Sistema FIEP, Becker costuma
receber visitas técnicas de empresas e
confederações interessadas em aprender com o projeto de ECM da entidade.
“Claramente, todas têm necessidade de
profissionais com conhecimentos específicos nessa área, o que reforça a importância de se investir em capacitação”, diz
ele, lembrando que ter algum domínio
do inglês é essencial. “Todas as apostilas
para as certificações que usei estavam
nesse idioma”, diz.
As certificações às quais Becker se
refere, seu mais recente esforço de capacitação, são as da Association for
Information and Image Management
(AIIM), entidade internacional focada
no mercado do gerenciamento de informações. “Em 2009, fiz treinamento
sobre estratégias, métodos e ferramentas para gestão de conteúdo e obtive o
Certified AIIM ECM Practitioner. Em
2011, avancei mais um passo e conquistei o título de Specialist. A meta agora é
alcançar a mais alta certificação AIIM,
que é o ECM Master”, diz o gestor, que
contou com a ajuda financeira do empregador, mas não descartaria assumir
os custos. “Os preços são acessíveis e o
custo-benefício excelente”, avalia. Ele
ressalta ainda que a iniciativa dá acesso
a uma rede de profissionais certificados
que exercita o compartilhamento de
conhecimentos. “Todos se conhecem e
trocam informações”, diz.
Carreira planejada
Especialistas de RH apontam o plano de carreira como excelente antídoto contra a obsolescência
de qualificações, contornando o risco de o profissional cair em uma espécie de “limbo”, quando
o seu perfil não se encaixa mais nem como gestor, nem como técnico. A escolha de treinamentos
e de cursos de especialização deve levar em conta esse aspecto. Nas grandes corporações, por
exemplo, as competências que estão em alta são as relacionadas com gestão de processos e de
pessoas, e que ajudam a alinhar a tecnologia à estratégia do negócio. Já funções mais técnicas
são mais numerosas entre os fornecedores de tecnologia e serviços. Um aspecto destacado pelos
especialistas em recrutamento é que atualmente o conhecimento do negócio e a habilidade
de negociação e comunicação passaram a ser exigidos de todos os profissionais que lidam
com tecnologia da informação, independentemente de ser gerencial ou técnico. Confira as
características que, de uma forma geral, estão relacionadas a cada perfil.
Perfil gerencial
lVisão macro da TI, envolvendo estratégia, processos e operações
lCapacidade de planejamento e de liderança
lEquilíbrio entre conhecimento tecnológico e conhecimento do
negócio
lEntendimento de gestão de processos e de pessoas
lForte habilidade de negociação e comunicação
Perfil técnico
lForte raciocínio lógico e analítico
lHabilidade e motivação para resolução de problemas, movido
a desafios
lFoco em tecnologia, atualização permanente,
busca de soluções inovadoras
lGrande parte do tempo destinado a
atividades operacionais
lHabilidade de negociação e comunicação
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Estado da arte
Walter Koch, diretor da ImageWare e
consultor internacional em ECM, informa que essas certificações citadas por
Becker – AIIM ECM Practitioner, AIIM
ECM Specialist e AIIM ECM Master
– estão entre as mais importantes para
quem quer se destacar na área de conteúdo empresarial. Ele diz que o treinamento prévio que elas exigem impacta
a carreira porque atualiza o profissional
sobre as principais normas e padrões da
indústria, ao mesmo tempo em que o familiariza com as estratégias para a gestão
eficiente do conteúdo corporativo.
Do lado do empregador, a relevância
dos títulos é inquestionável, segundo o
consultor. ”Cresce o número de organizações que exigem profissionais certificados ao fazerem os seus processos de
aquisição de soluções, para assegurar-se
de que receberão o estado da arte. Temos
recebido constantemente solicitação de
indicações de gente certificada e a informação que temos é que a demanda por
este tipo de funcionário está maior que
a oferta”, informa Koch. Como instrutor
da matéria, ele tem percebido um número cada vez maior de profissionais que
arcam pessoalmente com os custos da
certificação. “Isso está ocorrendo inde-
pendentemente da organização em que
trabalham”, ressalta.
Tecnologias
específicas
Na faculdade de tecnologia FIAP, o diretor
acadêmico do Centro de Pós-Graduação,
Francisco Amaral, utiliza a comunidade
de 1.250 alunos dos cursos de pós-graduação da instituição como termômetro
para medir as demandas das empresas no
que concerne competências profissionais
relacionadas com gestão da informação e
conhecimento. Segundo ele, as universidades ainda não estão preparando profissionais na área específica de ECM, mas os
interessados podem se qualificar buscando especializações em áreas correlatas ou
mesmo treinamentos de curta duração.
“Além disso, os grandes players da área estão muito interessados em formar pessoas
nas suas tecnologias específicas”, orienta o
educador.
Com base em seu termômetro, Amaral afirma que a demanda por competências relacionadas com ECM se concentra
mais nos negócios de maior porte. “Grandes empresas atingiram um estágio de
amadurecimento que lhes permite tratar
a informação de forma mais avançada, e
precisam de especialistas para isso”, diz o
Onde fazer pós-graduação nas áreas
de informação e conhecimento
IBICT-UFRJ - Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação - PPGCI - Tel: 21
2275-0321 - E-mail [email protected]
UNESP - Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação - Tel: 14 34021336 E-mail: [email protected]
UFBA - Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação (Posici) - Tel: 71 32837751 / 7752 E-mail: [email protected]
UFPB - Pós-Graduação em Ciência da
Informação - UFPB - Tel: 83 3216 7483
UFMG - Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação - Tel: 31 34096103 E-mail: [email protected]
UNIRIO– Programa de Pós-Graduação em
Memória Social - Tel: 21 2542-2820 / 2708
E-mails: [email protected] e
[email protected]
UFRGS - Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Informação - Tel: 51
3308.5116 E-mail: [email protected] USP – ECA - Programa de Pós-graduação em
Ciência da Informação – Tel: 11 3091-4019
E-mail: [email protected] Telefone:
UFSC - Pós-Graduação em Ciência da
Informação - Tel: 48 3721-8516 E-mail: [email protected]
UEL- Pós-Graduação em Gestão da
Informação - Mestrado Profissional - Tel: 43
3371-5914 E-mail: [email protected]
UFSC - Programa de Pós-Graduação em
Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) Tel: 48 3721-7121 E-mail: [email protected]
UNIRIO - Pós-Graduação em Museologia
e Patrimônio – Tel: 21 3514-5213 E-mail:
[email protected]
UNB - Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação (PPGCINF) – Tel: 61
3107-2633 E-mail: [email protected] FAAP - Master em Gestão da Informação
Digital e do Conhecimento – Tel: 11 36627449 E-mail: [email protected]
Fontes: ANCIB e sites das instituições
diretor, que não descarta lançar um programa focado em ECM, desde que haja
demanda do mercado e amadurecimento e massificação da tecnologia.
Professor de planejamento estratégico de sistemas de informação, com
mais de 30 anos de atuação na área de
TI, Amaral acompanhou, ao longo dos
anos, o deslocamento da informação
para o foco central dos cursos de tecnologia e das estratégias empresariais.
“As grandes mudanças econômicas e
sociais, o advento da internet e a incontrolável gama de dados trazida pela
rede fizeram as empresas olharem para
além da gestão da informação, buscando a gestão do conhecimento. Ou seja,
além de tratar a informação em si, elas
precisam armazenar elementos adicionais, como vivências, experiências e capacidade analítica para explicar o que
ocorreu e o porquê”, diz ele. A formação e especialização dos profissionais
dessa área, ele acrescenta, precisam
acompanhar o ritmo dinâmico imposto
pelas inovações.
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