OUTROS OLHARES SOBRE A TERRA SANTA
POR: Suely Aparecida Gomes Moreira
“Como não desejar que nosso país tenha um desenvolvimento econômico e social tão expressivo quanto
daquele país?”
-----------------------------------------------------------------------------------------A identidade da Geografia, historicamente, sempre esteve associada à aventura das
explorações. Todavia, atualmente essas explorações geográficas consistem em verdadeiras
metáforas daquelas do passado, na medida em que os “novos mundos” não se constituem
mais por terras desconhecidas ou por trilhas nunca percorridas. Eles são parte do nosso
cotidiano, e as (re)descobertas são constituídas pelos novos olhares, pelas novas formas de
se relacionar e de concebê-lo, e as “viagens” agora se estabelecem pela interiorização em
novos percursos temáticos (CASTRO, 1997).
E, na perspectiva de conceber novos olhares sobre o estado de Israel, a
Associação Aliança Cultural Brasil Israel convidou um grupo formado por profissionais
diversos ligados à educação para uma visita guiada àquele país, no período de 07 a 17 de
fevereiro de 2013. Ao receber o convite fui tomada imediatamente por grande alegria e
entusiasmo, sentimentos que me acompanharam durante toda a viagem. A expectativa de
conhecer Israel tornou-se cada vez mais aberta à aventura exploratória e a possibilidade de
novas (re)descobertas sobre um país que antes somente tinha conhecido por meio de
leituras científicas e informações midiáticas.
Via de regra, a mídia veicula notícias sobre problemas decorrentes de conflitos
geopolíticos entre israelenses e palestinos ou entre os primeiros e países do Oriente Médio.
A literatura que versa sobre Israel descreve-o como um pequeno país semiárido, situado
estrategicamente na costa sudeste do Mar Mediterrâneo, marcado por guerras históricas
desencadeadas pela disputa por território entre diversas nações, especialmente entre o povo
judeu e o palestino. No entanto, a visita a Israel proporcionou-me diversas (re)leituras
sobre a organização do espaço daquele país, sua história, sua cultura, sua economia, enfim e
ainda que breve, sobre seus diferentes territórios produzidos cotidianamente.
Desde a chegada ao aeroporto internacional Bem Gurion as observações foram se
constituindo em conhecimentos significativos para além do âmbito profissional, mas como
experiência para uma vida toda. A experiência é aqui compreendida na perspectiva de
Larrosa Bondía (2002, p. 21), ao afirmar que "a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca". Desta maneira, a experiência
está diretamente relacionada àquilo que nos proporciona um crescimento propositivo, uma
vez que somente se realiza a partir do que nos acontece de fato.
À primeira vista a preocupação com a segurança despertou a atenção para o
“perigo” conspícuo ao qual a população israelense está sempre exposta. O sistema de
vigilância percebido desde a chegada ao aeroporto e a constante presença de militares
circulando entre a população nas ruas, talvez possa direcionar ao entendimento de que o
país vivencia cotidianamente um clima de tensão e prevenção ao perigo. Como a população
israelense passa por treinamento durante dois a três anos no serviço militar, todos possuem
conhecimento sobre segurança. É muito comum ver pessoas, especialmente jovens,
portando armas pelas ruas, conforme demonstra a Figura 01, a seguir.
Figura 01: Soldado israelense circulando pela Via Dolorosa, na Cidade Velha – Jerusalém. Autor:
Gomes, 2013.
No entanto, durante as visitas às diversas regiões do país presenciamos um
ambiente de paz, em que se vê uma população vivendo uma vida normal, circulando
tranquilamente pelas ruas em qualquer horário do dia ou da noite. Ao contrário, aqui no
Brasil, especialmente em grandes cidades como as capitais dos estados, é comum vivenciar
um clima de tensão e de prevenção ao perigo de assaltos ao caminhar pelas ruas, e o que
chama a atenção é a falta de segurança a que estamos expostos diariamente.
Neste sentido, surge-nos um questionamento: Que interesses têm influenciado os
conflitos entre os povos que vivem naquela região, de maneira implícita, incitando os
ânimos e provocando desarmonias culturais e religiosas? Não temos a pretenção de
responder a esta pergunta por compreender sua complexidade, mas provocar outras com o
intuito de questionar o status quo posto pela mídia que frequentemente manipula as
informações direcionando-nos a acreditar que israelenses e palestinos são povos terroristas,
enquanto apenas um pequeno grupo de radicais, tanto de um lado quanto de outro, busca
impor sua ideologia, justificada muitas vezes pelos mais de dois mil anos de perseguição
sofrida pelos povos judeu e palestino.
A atmosfera de paz notada nos modos de vida da população leva-nos a inferir que
o perigo em Israel possa estar relacionado às disputas pelo poder, numa esfera bastante
complexa, atendendo, dentre outros, aos interesses políticos e econômicos. A ligação direta
entre a política e a indústria bélica resulta, por um lado, em ações por parte das lideranças
em busca de adquirir notoriedade política e econômica entre os países do mundo todo e,
por outro, em interesses da indústria bélica em obter lucros exorbitantes com a venda de
armas, munições e outros subprodutos deste ramo. Não é por acaso que, segundo
informações do jornal israelense Haaretz, no ano de 2012 as exportações de material militar
daquele país aumentaram em 20%.
Por outro lado, em conformidade com Boligian (2012), o sentimento de
pertencimento à comunidade, à religião, à política e ao território, por parte das pessoas que
vivem em Israel permite-nos uma compreensão de que “o espaço em Israel é mais do que
um território definido por um grupo ou por ideais”, mas é, igualmente, fruto de acordos
diversos e de uso definidos, demarcados, segregados, de limites e fronteiras, isto é, de
convivências múltiplas num mesmo espaço.
Um olhar mais atento às ruas da “cidade velha”, em Jerusalém, permite entender a
forte influencia da religião nos modos de vestir, alimentar, manifestar a fé, relacionar-se em
sociedade. As três religiões proféticas: judaísmo, cristianismo e islamismo convivem num
mesmo espaço sagrado, como se pode observar nas figuras 02 e 03, a seguir.
Figura 02: Placa escrita em três línguas: inglês, Figura
03: pessoas de diferentes religiões
árabe e hebraico, identificando “lugar santo” na circulando pela Via Dolorosa, na Cidade Velha –
Cidade Velha – Jerusalém. Autor: Gomes, 2013.
Jerusalém. Autor: Gomes, 2013.
A paisagem é marcada por cores, sons e aromas diversas, na qual se podem
observar pessoas de várias origens buscando constituir em Israel seu refúgio e nele viver
tranquilamente ao lado de suas famílias, praticando atividades mais ou menos comuns de
acordo com suas origens e crenças. Aliás, a diversidade cultural se faz sempre presente na
organização do espaço e pode ser notada nas paisagens dos kibutzim e moshavim no
interior do país, nos bairros históricos das cidades sagradas ou nos edifícios da moderna
metrópole de Tel’ Aviv.
Entre as belas muralhas da antiga Jerusalém convivem e circulam pessoas de
diferentes credos, algumas que ali vivem misturadas com inúmeros turistas do mundo todo
que visitam a cidade com diferentes intenções, desde manifestar sua fé nos vários templos
cristãos, judeus e islâmicos (Figura 4), estabelecer relações comerciais nos diversos pontos
de comércios turcos distribuídos ao longo das ruelas, desenvolver pesquisas sobre
diferentes assuntos, dentre outras.
Figura 4: Domo da Rocha – cúpula dourada à direita; Santo Sepulcro – cúpula cinza no centro-direita;
e Mesquita de El Aqsa ao lado esquerdo. Autor: Gomes, 2013.
Ao olhar cuidadosamente para a paisagem de Jerusalém é possível visualizar a
divisão da cidade em quatro bairros distintos: o muçulmano, o judeu, o cristão e o armênio.
Mas, o que faz as pessoas se organizarem a partir de suas crenças num espaço tão pequeno
e considerado sagrado para todos que ali vivem? As crenças e convicções religiosas
transcendem a razão, originando regras culturais rígidas estabelecidas secularmente, que
acabam por gerar algumas tensões quando se estabelece um convívio cotidiano entre
religiões tão próximas e, ao mesmo tempo, tão distantes.
Algumas marcas na paisagem tornam possível imaginar as diversas vezes em que
Israel foi palco de grandes confrontos entre diferentes civilizações no curso da história. As
ruinas de antigos templos que foram destruídos e reconstruídos em outros períodos
milenares deixam escapar detalhes que registram algumas das tantas vezes que esta terra
trocou de mãos entre persas, romanos, bizantinos, dentre outros povos. Por outro lado,
outra leitura destas mesmas paisagens permite-nos ter uma ideia, por meio das
(re)construções, do quanto Israel vem investindo em pesquisas, que resultam no alto
desenvolvimento tecnológico presente naquele país.
O conhecimento científico e tecnológico produzido nos centros acadêmicos
proporciona um crescimento econômico admirável e, consequentemente, investimentos
significativos na melhoria da qualidade vida da população israelense. São notáveis os
investimentos que o país destina aos modernos meios de transportes públicos, centros
especializados de prevenção e tratamento de saúde, e instituições de ensino para todos os
níveis de escolarização, com destaque para as diversas universidades conceituadas que
oferecem cursos em hebraíco (língua oficial do país), árabe, e inglês. Uma breve visita ao
Instituto Weitzmann of Science e o Davidson Center nos permitiu ter uma noção de como o país
se dedica em promover o ensino e o desenvolvimento do pensamento cientifico também
em escolas de educação básica.
Outro aspecto que desperta a atenção é o desenvolvimento de tecnologia
destinada à produção de alimentos para o mercado interno e até mesmo para exportação.
Com a maior parte de seu território localizada em regiões áridas, o país a investiu em
tecnologia de ponta, transformando seus desertos em áreas agricultáveis de alta
produtividade, e consegue produzir alimentos suficientes para atender quase toda a
demanda interna e gerar excedentes para exportação. A relação direta entre agricultores,
centros de pesquisa e governo originou uma indústria moderna, que desenvolveu princípios
e equipamentos inovadores, revolucionando o conceito da agricultura irrigada.
Figura 02:– Cultivo em estufas no deserto da Figura 03: Cultivo de tâmara no deserto da
Judéia–Israel. Autor: Gomes, 2013.
Judéia–Israel. Autor: Gomes, 2013.
Os avançados sistemas de gotejamento e fertirrigação dosam a quantidade
adequada de água e fertilizante necessárias às plantas, desde o plantio até a colheita,
reduzindo o consumo de água – algo tão escasso naquele país, aumentando a produtividade
nas lavouras, melhorando a qualidade das frutas, legumes e verduras. Vale lembrar,
inclusive, que o Brasil importa produtos e tecnologia israelenses que são empregados para
diminuir custos e aumentar a produtividade no campo, especialmente na região semiárida
do Nordeste brasileiro.
Apesar da grande produtividade agrícola, a maioria da população israelense reside
nos centros urbanos. O “antigo” e o “novo” se misturam em suas várias cidades, algumas
construídas em locais conhecidos desde a antiguidade, como Jerusalém, outras bastante
modernas, como Tel Aviv, localizada na costa mediterrânea e caracterizada como centro
comercial e financeiro e, também, como centro de referência cultural do país. Um tour pela
antiga estação de trem de Tel Aviv guiado pelo olhar atento do arquiteto brasileiro Sergio
Lerman, proporcionou-nos uma visão dos projetos de preservação de alguns edifícios
históricos, anteriores à II Guerra Mundial, dividindo espaço com arranha-céus de concreto
e vidro onde se situam escritórios e hotéis de luxo, erguidos nas duas últimas décadas.
Em resumo, um novo olhar para a “Terra Santa” sempre permitirá novas
(re)descobertas, novas formas de se relacionar e de conceber um espaço dividido entre uma
população muito diversificada, composta pelos mais variados antecedentes étnicos,
religiosos, culturais e sociais. Como não se impressionar com as ruinas de templos
seculares, verdadeiros registros históricos de épocas tão antigas? Como não se emocionar
com tantos lugares sagrados, com um significado religioso tão intenso para diferentes
religiões? Como não entender que, mesmo vivendo tão distante daquele lugar, somos
herdeiros e preservamos crenças, valores religiosos e hábitos culturais dos povos que lá
viveram e vivem? Como não se encantar com a paisagem desértica das montanhas da
Judéia, emolduradas pelo azul do Mar Morto, que além de oferecer uma das paisagens mais
contemplativas, também produzem flores tão lindas e frutos tão saborosos? Como resistir à
curiosidade de entender como sobrevivem os beduínos pastorando nos campos e
montanhas em meio a um ambiente climático tão hostil? Como não desejar que nosso país
tenha um desenvolvimento econômico e social tão expressivo quanto daquele país? E,
ainda, como não sonhar em fazer novas “viagens” a Israel, em novos percursos temáticos e
nos permitir outras experiências, que mesmo com a percepção de um visitante estranho,
nos aproxime daquele lugar e transforme propositivamente nosso modo de conviver com
outras crenças, outras culturas, respeitando a diversidade de pontos de vista tão diferentes?
Desde pessoas consideradas agnósticas, ou crédulas em diferentes religiões,
especialmente cristãos, judeus ou islâmicos, os percursos turísticos pelo estado de Israel
proporcionam uma experiência única, conduzindo o visitante para cenários históricos
compartilhados na memória de distintas culturas e religiões. A arquitetura mista entre
construções romanas, bizantinas e otomanas, os lugares sagrados como o Santo Sepulcro,
Via Dolorosa, Mesquita Domo da Rocha, Muro das Lamentações, Igreja da Anunciação e
as muralhas que cercam a antiga Jerusalém proporcionam apropriados momentos de
introspectiva. O país como um todo permite uma visão privilegiada do contraste entre o
“velho” e “novo”, o “passado” e o “futuro”.
Ao retornar para casa após esta viagem, uma certeza: todas as pessoas do mundo
têm o desejo e o direito a um lar, independentemente de sua fé, sua origem étnica, cultural
ou social. E, o caminho mais justo e coerente para se constituir uma “lar nacional” é o da
não-violência, aquele que não se justifica por nenhuma moralidade, religiosidade ou código
de ética, qualquer crime que se pratique contra a humanidade
para reclamar uma posição
geográfica na Terra, seja ela considerada “Santa” ou não. Judeus, cristãos, islâmicos e
pessoas de outros credos devem sempre priorizar por um convício de paz, e não de guerra.
Bibliografia:
BOLIGIAN, Levon. TURCATEL, Andressa A. Um olhar mais que geográfico
sobre Israel. Disponível em: <http://www.brasilisrael.com.br/sobre_israel.htm#mat3>.
Acesso em 10 fev. 2013.
CASTRO, I. E. (Org.); GOMES, P. C. C. (Org.); CORRÊA, R. L. (Org.).
Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. v. 1. 368 p.
PNUD.
Relatório
de
desenvolvimento
humano
2011.
Disponível
em:
<http://www.pnud.org.br/>. Acesso em: 23 mar. 2013.
SOUZA, Niza. Israel ensina a cultivar no deserto. In: O Estado de S. Paulo,11 mar.
2009.
Disponível
em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,israel-
ensina-a-cultivar-no-deserto,336869,0.htm>. Acesso em: 21 mar. 2012.
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Suely Aparecida Gomes Moreira