JAQUELINE APARECIDA GOMES CARDOSO TRABALHO FORÇADO NA AMÉRICA LATINA: Uma Análise Brasil, Bolívia e Peru Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Luiz da Silva Flores Brasília 2011 ERRATA FICHA DE AVALIAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA DE TRABALHO DE CURSO CURSO DE DIREITO – ____ SEMESTRE DE ________ Nome do aluno: Jaqueline Aparecida Gomes Cardoso Título: Trabalho Forçado na América Latina 1. Professor (a) Orientador: Luiz da Silva Flores 2. Professor (a) Examinador: 3. Professor (a) Examinador: ITENS AVALIADOS 1º Examinador NOTAS 2º Examinador MÉDIA ESTRUTURA ADEQUADA DO TRABALHO ORGANIZAÇÃO DAS IDÉIAS DOMÍNIO DO ASSUNTO BIBLIOGRAFIA UTILIZADA CAPACIDADE CRÍTICA APRESENTAÇÃO ORAL Brasília, ______ de _______________ de _________. _________________________________________________ Profº. Orientador – Presidente da Banca Examinadora À minha família e aos amigos que contribuíram para meu crescimento pessoal e profissional durante minha caminhada em Brasília e em Florianópolis. AGRADECIMENTOS Ao fim da minha jornada quero prestar agradecimento especial a quem durante este tempo esteve comigo e me ajudou durante os momentos de dificuldade e também me ofereceu uma mão amiga quando mais precisava. Agradeço à minha família, que deu todo o suporte necessário, assim como meus amigos, para que eu conseguisse finalizar esta fase da minha vida, de forma catártica, sofrendo e me alegrando em cada momento de maneira intensa, sem meias verdades, como a vida deve ser. Agradeço à Ana Maria Herrera, amiga e mama colombiana que me deu todo o suporte não só nos momentos de dificuldade, mas também nos momentos onde a o ócio criativo se fez necessário para descanso e continuidade do trabalho. Agradeço à minha mãe, Geni dos Reis, que me apoiou em todas as decisões que tomei mesmo que muitas delas tenham influenciado de maneira não convencional à minha estrutura de vida e continuidade dos meus estudos. Agradeço à minha irmã Jéssica Cardoso, que me ajudou muito, principalmente nos últimos momentos desta jornada, mesmo com as dificuldades da distância, mostrando que a família está sempre lá para nos ajudar no que for necessário. Agradeço ao Luiz Machado e ao Paulo Sérgio Muçouçah da OIT Brasil, que durante o curso Diálogos ONU em 2008, me mostraram um lado do Direito no Brasil que muitas vezes não é discutido em sala de aula, temas como o objeto de estudo do presente trabalho e acabaram por me inspiraram a pesquisar mais profundamente sobre o tema. Agradeço à Simone da Biblioteca da OIT em Brasília, quem se dispôs a enviar o material necessário para atualização dos dados sobre o trabalho escravo no Brasil. Agradeço à todos que contribuíram de alguma forma mas que não estão explicitamente citados nestas páginas, mas que estiveram presente em meu coração e minha lembrança e que fizeram parte mesmo que de forma indireta desta fase da minha vida. “Se Deus é quem deixa o mundo Sob o peso que o oprime, Se ele consente esse crime, Que se chama a escravidão, Para fazer homens livres, Para arrancá-los do abismo, Existe um patriotismo Maior que a religião. Se não lhe importa o escravo Que a seus pés queixas deponha, Cobrindo assim de vergonha A face dos anjos seus, Em seu delírio inefável, Praticando a caridade, Nesta hora a mocidade Corrige o erro de Deus!" Tobias Barreto de Meneses RESUMO Referência: CARDOSO, Jaqueline Aparecida Gomes. Trabalho forçado na América Latina: Uma análise Brasil, Bolívia e Peru. Folhas: 74. Curso de Direito – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011. O trabalho de conclusão de curso se refere à exploração da força de trabalho, conhecida como trabalho escravo ou como trabalho forçado; O estudo é referente à escravidão contemporânea por meio da análise e comparação entre três Países da América Latina, o Brasil, o Peru e a Bolívia, demonstrando suas características e a legislação específica de cada País no tocante ao combate ao Trabalho escravo assim como os atores governamentais e não governamentais atuantes na prevenção e combate desta, que é uma das formas mais degradantes de exploração da força de trabalho, e de violação dos Direitos Humanos. O Trabalho dá ênfase às formas de exploração do trabalho escravo ocorridas na atualidade, e que se revestem de inúmeros meios sutis de coerção de pessoas e ou grupos com alto grau de vulnerabilidade social. Palavras-chave: Trabalho forçado. Trabalho escravo. Direitos Humanos. América Latina. ABSTRACT Reference: CARDOSO, Jaqueline Aparecida Gomes. Forced labor in Latin America: An analysis of Brazil, Bolivia and Peru. Sheets: 74. Course of Law – Catholic University of Brasília, Brasília, 2011. This thesis project refers to the exploitation of labor force, better known as slavery or forced labor. The study was based on nowadays slavery, analyzing and comparing three different backgrounds in Latin American countries, more exactly in Brazil, Peru and Bolivia, showing up its main characteristics and laws of each country, making certain emphasis on the fight that has been evolved against forced labor as well as governmental and nongovernmental organizations which are in charge of preventing and combat this events. Forced labor is one of the worst forms of exploitation of labor, and violation of Human Rights. The work makes emphasis the forms of exploitation of slave labor that occurs today, and which are many subtle means of coercion against certain groups of people with high social vulnerability. Keywords: Forced labor. Slave labor. Human Rights. Latin America. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................10 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO ...............................................................................16 TRABALHO ESCRAVO NA GRÉCIA ANTIGA............................................................................................ 16 Trabalho escravo em Roma ............................................................................................................ 19 Trabalho escravo na América do Sul ............................................................................................................22 Trabalho escravo no Brasil Colonial ........................................................................................................26 OS TERMOS ESCRAVIDÃO X TRABALHO FORÇADO .............................................................................30 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO PELAS NORMAS INTERNACIONAIS ............................................33 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO FORÇADO NA CONTEMPORANEIDADE .........................................35 O TRABALHO FORÇADO E O TRÁFICO DE PESSOAS ............................................................................38 TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL ........................................................................41 ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL ................................................................................................ 46 ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL ......................................................................................52 TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO PERU ........................................................................... 52 Legislação sobre trabalho forçado no Peru .................................................................................... 55 TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NA BOLÍVIA ......................................................................58 LEGISLAÇÃO SOBRE O TRABALHO FORÇADO NA BOLÍVIA ................................................................... 62 ATORES E MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO FORÇADO: EXEMPLO BRASILEIRO .........................65 TRATADOS E CONVENÇÕES RATIFICADOS PELOS ESTADOS .................................................................67 DESAFIOS AO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO .............................................................................69 CONCLUSÃO ......................................................................................................................................70 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem como premissa analisar as formas de execução de uma prática que vem sendo adotada no Brasil e no Mundo há séculos, muitas vezes de forma imperceptível aos olhos da sociedade e que somente há algumas décadas tonou-se pública em território nacional, iniciando-se assim o combate desta forma degradante de exploração humana, através de campanhas de combate ao trabalho escravo, além da atualização normativa sobre o tema e políticas públicas de combate a esta chaga que ainda permanece aberta em nossa sociedade. O objetivo deste trabalho é analisar como se caracteriza o trabalho forçado nos países da América Latina, em específico no Brasil, Peru e Bolívia, fazendo o uso das legislações dos países em análise e as medidas adotadas pelos governos dos países em questão, assim como os tratados e acordos internacionais no combate a esta prática que durante os séculos foi tomando formas diferentes de execução. Aos olhos da humanidade é inverossímil que ainda ocorra em dias atuais, uma prática que nos foi passada como história ocorrida há séculos atrás e que estava presente apenas nos livros de história do Brasil, onde se via com brilho nos olhos o esplendor da Lei Áurea e a luta dos escravos nas fugas para os quilombos na tentativa de manterem o que aos seres humanos é nato, a dignidade e a liberdade. A lei áurea tornou oficialmente o trabalho escravo proibido no Brasil, sua promulgação ocorreu em 13 de maio de 1888, há 123 anos, e desde então o trabalho escravo passou a ser exercido de outras formas, hoje muitos homens, mulheres, crianças, adolescentes e idosos são ludibriados pela oferta de condições melhores de vida, ou mesmo pela oportunidade de sustentar a si e a sua família. Uma das formas utilizadas para a captação das pessoas a serem exploradas é a utilização das condições de exclusão social, que tornam estas pessoas vulneráveis à exploração como o baixo índice de IDH, baixo grau de escolaridade, entre outros fatores como a ameaça, retenção de documentação, quando possuem, entre outros fatores que serão detalhados no decorrer do trabalho. 11 O trabalho escravo segundo dados da Organização Internacional do trabalho não é um problema reincidente apenas em cidades isoladas como em fazendas na região norte do Brasil, mas é um problema global, que ocorre na Ásia e Pacífico, que ocupam o ranking de casos de trabalho forçado no Mundo, cerca de 9.490.000 de pessoas, assim como na Europa e EUA, o trabalho forçado está diretamente ligado ao tráfico de pessoas e exploração sexual. Nos grandes centros o trabalho forçado também é muito utilizado em grandes confecções onde a maioria dos trabalhadores ganha salários irrisórios, trabalhando em condições degradantes. O trabalho forçado é um mal que deve ser expurgado da sociedade, através de normas que repreendam os casos de exploração do trabalho escravo, assim como as politicas de prevenção, que incluem a melhoria da condição de vida dos grupos que se encontram em vulnerabilidade. O trabalho escravo, ou trabalho forçado, vai de encontro ao bem mais natural do ser humano, a sua liberdade, atenta contra a sua dignidade, ferindo-o de tal forma que o mesmo passa a ser um ser à parte da sociedade. O trabalho escravo está diretamente ligado a relações de poder, Segundo Patterson (2008) as facetas do poder são a social, onde está inserido o uso da violência no controle de outrem, a psicológica, onde entra a capacidade persuasiva de outrem com o intuito de mudar o modo como é concebido os interesses e circunstâncias desta, e a outra é a cultural da autoridade, onde transforma-se força em direito e obediência em dever. A relação escravista é uma das formas de dominação mais extremas tanto do ponto de vista do dominador, que possui pleno poder sob o dominado, tanto do ponto de vista do dominado, no caso o trabalhador escravo, que segundo Patterson (2008) acaba por perder seu status de cidadão, ocorrendo, portanto a morte social deste indivíduo mantido sobre estas condições extremas de exploração. Portanto a abordagem do presente trabalho final se faz através do método sociológico e comparativo, utilizando as fontes de Direito Internacional assim como o ordenamento jurídico brasileiro e latino americano a fins de comparação jurídica entre os países. No primeiro capítulo far-se-á um breve demonstrativo das formas de trabalho escravo utilizadas nas civilizações antigas, o trabalho escravo está presente desde o período neolítico, a primeira análise se faz por meio do estudo do trabalho escravo 12 na Grécia Antiga, onde a sociedade era primordialmente dividida em grupos familiares, e o trabalhador escravo estava ligado a estes grupos, assim como a servidão por dívida. No segundo momento deste capítulo o demonstrativo histórico será feito a partir da análise de Roma, onde a sociedade mantinha uma divisão social bem definida, e por meio desta divisão, grande parte da sociedade, incluindo os trabalhadores escravos eram segregados da sociedade, assim como os prisioneiros de guerra, e os estrangeiros. No terceiro momento far-se-á um demonstrativo histórico do período colonial na América Latina, e do período colonial no Brasil, o período colonial dos países em análise, Bolívia, Peru e Brasil tem algumas semelhanças, mas também algumas nuances peculiares a cada País que serão foco do estudo no que se refere às formas de trabalho escravo. A escravidão na Bolívia e no Peru tem em comum a colonização espanhola, que tratou diferentemente seus colonos no tocante à exploração do trabalho em relação à colonização Portuguesa, que no Brasil optou por um tipo diferente de escravidão, opção esta que foi determinada por diversos fatores tanto sociais como econômicos e que terão seu espaço demonstrativo no decorrer do trabalho. A colonização espanhola na Bolívia e no Peru utilizou a exploração da mãode-obra indígena em praticamente todo o período colonial, já a colonização portuguesa, utilizava primordialmente a partir de determinado período, a escravização dos negros, não que a escravidão negreira não estivesse presente na Bolívia e no Peru, mas em termos quantitativos, havia um número bem maior de indígenas no trabalho servil, fato que pode ser visto como um paralelo histórico e social do problema da escravidão hoje, tendo em vista que o maior número de pessoas exploradas hoje nestes países é de origem indígena ou mestiça. No segundo capítulo, far-se-á uma breve análise do termo trabalho escravo e trabalho forçado, visto que a classificação dos termos e uso destes tanto no sistema jurídico como na sociedade se faz necessária para não causar enganos ou contradições. A denominação e classificação dos termos tem em si um simbolismo muito importante principalmente a nível social, pois é através dos termos utilizados é que a realidade do meio se transforma, assim como a compreensão e desconstrução destes nomes. 13 Dada à continuação da denominação dos termos passar-se-á a definição de trabalho forçado hoje pelas normas internacionais, a definição internacional é primordial, visto que o trabalho forçado é um problema global e está presente em praticamente todos os países, a unificação do termo, assim como sua caracterização à nível Mundial, contribui para que os Países mesmo com suas nuances possam adaptar e incluir características peculiares de sua realidade sem perder a essência do significado global, que tenta abarcar as mais diversas formas de trabalho escravos existentes hoje no Mundo. Portanto, será feito um breve apanhado dos significados atribuídos ao trabalho forçado pelos Organismos internacionais, assim como as características peculiares a cada País, já os termos utilizados por estes, terão sua apreciação nos capítulos seguintes, quando da análise particular de cada País. O Capítulo seguinte mostra como é caracterizado o trabalho forçado na contemporaneidade, as formas de utilização do trabalho escravo nos dias atuais, a maneira como acontece o trabalho forçado, as formas de coerção utilizadas na contratação dos trabalhadores, e como se dá a continuidade destes trabalhadores nestas condições de exploração da força de trabalho. O tráfico de pessoas será objeto de análise do capítulo seguinte, o tráfico de pessoas está fortemente ligado ao trabalho escravo, o que torna a análise do mesmo essencial não só como forma de caracterizar os meios de coerção desta prática, mas também como forma de analisar os meios pelos quais é possível combater a exploração do trabalho escravo. A seguir a análise será feita com base na caracterização do trabalho forçado no Brasil, quais os meios de coerção para aliciamento dos trabalhadores, assim como os fatores de vulnerabilidade que estão associados ao trabalho escravo no Brasil nos dias atuais. A maior parte do trabalho escravo nos dias atuais acontece ainda nas zonas rurais, na exploração madeireira, assim como nas atividades ligadas à pecuária, não excluindo o trabalho forçado as grandes cidades. A análise será feita com base nos estudos e estatística oferecidos pelos diversos órgãos governamentais e não governamentais interessados no debate e 14 combate do trabalho escravo. O capítulo seguinte tratará da análise jurídica do tema, das normas existentes no ordenamento jurídico nacional que têm inseridas em seu bojo o trabalho forçado com seus conceitos e punições a quem utiliza desta forma de exploração. Logo após, será feita a análise da forma como ocorre o trabalho forçado no Peru, as formas de exploração destes trabalhadores, assim como a parte populacional que sofre maiores explorações no País. O trabalho forçado no Peru será analisado também por seu ordenamento jurídico para fins de comparação entre a evolução das normas no País no que concerne ao trabalho forçado contemporâneo. A análise do trabalho forçado na Bolívia será feita nos capítulo seguintes, onde serão expostas as formas de trabalho escravo, os meios de coerção assim como as normas pertencentes ao ordenamento jurídico boliviano no que se refere ao trabalho escravo no país. Após a análise dos países e de seus ordenamentos jurídicos far-se-á um breve expositivo sobre as principais convenções e tratados internacionais que tratam sobre o tema, as convenções e tratados expostos no referido capítulo foram ratificados por todos os países em analise, ou seja, Brasil, Peru e Bolívia, tornandoos assim gestores do combate não só do trabalho escravo em seus territórios, mas também do combate a todas as formas de desrespeito aos direitos humanos, entre eles o direito a liberdade e a dignidade. A seguir serão expostos os desafios destes três países no que se referem ao trabalho forçado, as dificuldades enfrentadas em termos sociais e jurídicos para que o trabalho forçado seja erradicado de seus territórios. As práticas de exploração de homens sobre outros remonta à nossos primórdios, por isso a análise histórica se faz tão importante para compreensão do presente por meio dos antepassados, o que nos faz tentar achar um ponto de equilíbrio entre o passado o presente e o futuro, e assim tentar encontrar a quebra verdadeira de um ciclo, não só de maneira formal, mas também de forma real e palpável. 15 Com a presente pesquisa pretende-se estabelecer as diferenciações da forma como o trabalho escravo se apresenta na atualidade e também a forma como os países em analise trabalham o tema trabalho forçado em seus territórios, assim como os fatores sociais que levam a subjugação de outrem por meio do trabalho escravo. 16 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO TRABALHO ESCRAVO NA GRÉCIA ANTIGA Dada à importância da historicidade no Direito, far-se-á uma revisão histórica, de maneira sucinta, sobre surgimento do trabalho forçado através do estudo do berço das civilizações, a civilização greco-romana, com vistas a criar um paralelo entre o trabalho forçado apresentado hoje na sociedade e as formas de escravidão utilizadas outrora, assim como as transformações ocorridas durante os séculos. Para desenvolvimento do tema é necessária, portanto, a contextualização da origem do trabalho escravo, discorrer-se-á neste primeiro capítulo sobre as origens da exploração do trabalho escravo pelo homem, que segundo pesquisas arqueológicas surgiu no final do neolítico e início da Idade dos metais, por volta de 6.000 a.C., coincidindo com a descoberta da agricultura quando os homens passaram de nômades a sedentários. (BELISÁRIO, 2005 apud NETO, 2008). Desta forma, com o advento das práticas agrícolas, os homens logo perceberam que era mais interessante poupar a vida dos inimigos, e obriga-los a trabalhar em seu proveito. (DONKIN, 2003 apud NETO, 2008). A prática da exploração humana aumenta à medida que o homem, começa a chegar à região dos Bálcãs, onde se inicia o povoamento e as invasões pelos povos nômades vindos Oriente, conhecidos como aqueus, onde se juntaram aos pelágios, que já habitavam a região, formando as micenas, que posteriormente se uniram à civilização de Creta, formando a civilização creto-micênica, esta civilização chegou ao auge quando se incorporaram aos jônios e eólios. (ARRUDA; PILETTI, 1997 apud NETO, 2008). No entanto com a chegada dos dórios, os mesmos guerreiam com a população que lá se encontrava obrigando-a a fugir para não ser massacrada ou escravizada, fato conhecido por “Diáspora Grega”, desta forma a população passa a viver em pequenos grupos conhecidos como genos, grupos onde a base era a própria família. (NETO, 2008). Segundo Coulanges (2006) a gens, tinha um caráter patriarcal, era autossuficiente para cada um de seus membros, a gens era tida também como um 17 sistema universal entre os povos antigos, onde as decisões eram tomada dentro da própria gens por seu chefe. A gens pode ser definida por ter uma característica de família que muitas vezes não estava ligada necessariamente por laço sanguíneo COULANGES a cita como designada por um parentesco artificial, com culto próprio e a associação política de várias famílias. Havia na época uma classe de trabalhadores denominados tetas ou mercenários. Tratava-se de uma classe de despossuídos composta de homens livres que se alugavam para sua subsistência. (NETO , 2008). Neste período, a propriedade era coletiva e não podia ser vendida, transferida ou dividida, desta forma nos casos de endividamento o devedor garantia o débito com o próprio corpo, e caso a dívida não fosse saldada indenizaria o credor com certa soma de trabalho. (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008). Esta forma garantia de dívida por meio do trabalho, mais tarde oficializou-se como escravidão por dívida, pois as dívidas que não eram saldadas deixavam o devedor à mercê do credor. Esta é a relação primeira em relação ao presente trabalho, visto que em todos os países analisados o trabalho forçado se apresenta baseado nesta forma de prisão, a dívida. Na Grécia antiga, o trabalho forçado aparece em pequenos grupos familiares, onde era comum a figura do amo e do cativo, neste tipo de trabalho escravo era comum o cativo e seus familiares receberem tratamento cruel pelo chefe da gens, dentro desta estrutura patriarcal, inclusive a esposa do patriarca era tida como uma espécie de escrava privilegiada. Com a quebra da estrutura dos genos, a população começa a dispersar-se e as famílias então passaram a se dividir assim como as suas propriedades, desta forma, acontece uma desproporcionalidade na divisão dos bens o que gera um amento da desigualdade entre os grupos, alguns autores atribuem como fator determinante para o aumento da escravidão esta desigualdade, visto que os grupos mais fortes e organizados passam a explorar os outros. Atenas e Esparta foram as duas cidades-estados mais importantes da civilização grega, desta, por volta do século VIII a.c., a economia baseava-se na atividade rural, os proprietários de terras férteis eram chamados de eupátridas, rendeiros ou assalariados, os escravos eram em sua grande maioria prisioneiros de guerras (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008). 18 O escravo nesta época era um integrante da família, era uma “espécie de adoção inferior e trabalhava com os demais membros, o que o possibilitava um ambiente de afeição mútua” (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008 p. 34). Os donos de terras pouco férteis, faziam empréstimos com o s eupátridas em tempos de más colheitas, penhorando a própria terra, e podiam empenhar também o próprio corpo, tornando-se escravos, que para saldarem a dívida podiam ser vendidos no exterior (GLOZ,1973 apud NETO, 2008). A escravidão por dívida se tornou forte no século VII a.c., quando há uma intensificação da oferta de cereais, concorrendo assim com a produção dos pequenos lavradores que foram obrigados a pegarem empréstimo com os eupátridas, garantindo o saldo devedor por meio de suas terras ou de seu próprio corpo, tornando-os escravos caso a mesma não fosse quitada. (ARRUDA; PILETTI, 1997 apud NETO, 2008). Esta realidade arcaica não deixa de ter correlação com a realidade do trabalho forçado contemporâneo, onde a maioria dos trabalhadores forçados se vê obrigados a trabalhar em condições desumanas em virtude de uma dívida que foi contraída de forma fraudulenta. 19 Trabalho escravo em Roma A sociedade romana, nos primeiros séculos, era constituída por classes sociais bem definidas, separadas num sistema hierárquico determinado pelo nascimento, fortuna e domicílio da pessoa, dividida assim entre os patrícios, clientes, plebeus e escravos, segundo Neto (2008). Neste período, os patrícios, eram descendentes de famílias que fundaram Roma, portanto, tinham um antepassado considerado divino, cultuavam seus próprios deuses e agrupavam-se em gens. Os patrícios, membros dos gens eram conhecidos por gentiles, e o conjunto destes formava a gentes, ou seja, todo o patriciado, que era a classe dominante. (ROLIM, 2000 apud NETO, 2008) Os chefes das gens eram assim como na Grécia considerados pater familiae, ou seja, tinham plenos poderes sobre seus membros, eram tidos como reis, sacerdotes, e juízes daquele núcleo, podendo decidir inclusive sobre o direito à vida de seus membros (COULANGES, 2006). O status civitatis, qualidade de cidadão romano, era dado apenas aos patrícios, estes eram os únicos considerados cidadãos, pois podiam cultuar os deuses da cidade e os antepassados da família, podiam votar e ser votados, possuir patrimônio e serem titulares de direito. Eram, portanto, a nobreza, detinham posse da terra, assim como o poder público e a administração da justiça. Na realidade romana da época, haviam os estrangeiros, conhecidos como clientes, a clientela não podiam cultuar os mesmos deuses dos patrícios. Mas pelos conhecimentos que os clientes possuíam, os patrícios os aceitavam como uma segunda classe, protegida pelos próprios patrícios. A relação entre os patrícios e os clientes era de troca de obediência e favores, visto que estes precisavam daqueles para fazer parte dos cultos dos patrícios ao qual estavam ligados, eram considerados membros da família, assim a quantidade de clientes que os patrícios possuíam estava ligada ao status destes na sociedade. (ROLIM, 200 apud NETO, 2008). A sociedade romana era composta ainda pelos plebeus, que não tinham direito, e não eram considerados parte do povo romano, não tinham antepassado, 20 segundo COULANGES viviam no Asilo, galpão que ficava nos arredores da cidade romana, portanto não podiam viver na cidade. “Para os plebeus não há leis, não há justiça, porque a lei é consequência da religião, e o processo é um conjunto de ritos. O cliente tem o benefício do direito de cidadania por intermédio do patrono; para o plebeu esse direito não existe.” (COULANGES, 2006, p. 375) Os escravos na sociedade romana não eram considerados membro dela, o escravo era considerado res, coisa, tudo que é suscetível de apropriação pelo homem e que se torna objeto de direito porque tem valor econômico, os escravos entravam no conceito de res corporales, pois podia ser medido, pesado, era fungível e indivisível. (ROLIM, 2000 apud NETO, 2008). Portanto, os escravos estavam à mercê de seus proprietários, que detinham sob eles poderes plenos, inclusive de vida e de morte, podendo vendê-los, abandoná-los, os escravos se tornavam tal pelo nascimento, pelo aprisionamento em guerras. A pessoa tornava-se escrava em razão da condenação a penas capitais, ou trabalhos forçados, os ladrões flagrados pelas vítimas, os desertores das legiões romanas, assim como as mulheres que mantinham relação sexual com um escravo, já que este tipo de relacionamento era ilícito. Fato histórico que chama a atenção é o de cidadãos romanos que perdiam sua liberdade, tornando-se escravos, mas devido à cidadania anterior não podiam ser vendidos em solo romano por seus proprietários, eram vendidos além do rio Tibre, marca fronteiriça (ROLIM, 2000 apud NETO, 2008). Havia na época alguns tipos de servidão que muito se assemelham ao trabalho forçado contemporâneo, onde os homens livres se encontravam em condições de submissão à outrem, uma delas é a chamada addictus, onde o devedor ficava sujeitos ao credor até saldarem sua dívida, alguns se submetiam a esta condição por decisão judicial. O contrato de servidão do devedor com o credor também era um meio de garantir a dívida que não sendo quitada autorizaria o credor a aprisionar o devedor por 60 dias, após este prazo o credor estaria livre para vendê-los, matá-los (GIORDANI,1968 apud NETO, 2008). A escravidão denominada de colonos é caracterizada por homens livres que se transformavam voluntariamente em servos da terra (servi terrae), vinculavam-se 21 às terras que cultivavam, por meio de renda paga aos proprietários, não podendo delas se afastar, quando esta propriedade era vendida os colonos também seguiam com a terra.( ROLIM, 2000 apud NETO, 2008). Havia também um tipo de quase escravidão que era denominada pessoas in mancipio no qual o chefe da família vendia o próprio filho como forma de garantia de uma dívida, ou o entregava como forma de pagamento à outrem, o filho também podia ser entregue como reparação de danos à terceiros, neste caso o filho não perdia a liberdade mas se encontrava em uma situação de loco-servi, um quase escravo (NETO, 2008) A escravidão contemporânea guarda suas raízes indubitavelmente no período antigo, as terras das Américas foram colonizadas por descendentes destes povos e portanto, as formas de exploração escravista nos tempos coloniais, assim como a continuidade da exploração do trabalho forçado nos dias atuais ainda mantem alguma centelha deste modo arcaico de uso da força de trabalho. 22 Trabalho escravo na América do Sul A escravidão que na Roma e na Grécia eram primordialmente ligadas à servidão por dívida, ou a escravidão doméstica, gerada principalmente por prisioneiros de guerra, na América tornou-se um meio comercial, empresarial de comércio humano. Segundo GORENDER (1980, p. 54 apud SOUZA, 1995 p. 22), não que o escravismo colonial fosse uma invenção fora de qualquer condicionamento histórico. Bem ao contrário, o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de determinismo socioeconômico rigorosamente definido no tempo e no espaço. Assim, o escravismo utilizado na Europa, serve apenas como um modo de comparação levando-se em conta as peculiaridades de cada país. O comércio de escravos esteve ligada à exploração das terras férteis recémdescobertas no continente Americano, aumentando a produção para a exportação de produtos como açúcar, tabaco e algodão, a mão de obra negra foi amplamente utilizada na América do Sul e América do norte. A chegada dos espanhóis em terras americanas é caracterizada pela exploração dos nativos, que na época eram considerados pelo rei da Espanha como vassalos e como tal tinham que arcar com tributos, e como não utilizavam dinheiro, o pagamento era feito por meio do trabalho compulsório e por sua vez recompensado com assistência religiosa e material. Este sistema de exploração era chamado de encomienda, o sistema foi proibido em 1549, mas os chapetones e os criollos1, não obedeceram às ordens da coroa e continuaram a explorar os nativos durante seu domínio em terras americanas. A escravidão negra efetuou-se primeiro na região das Antilhas, estendendose por toda a América, os Europeus se adaptaram muito bem nesta região, e puderam ensaiar os métodos de domínio e produção assim como a administração dos indígenas que lá se encontravam (ARISTIMUNHA, 1995). 1 Chapetones eram os peninsulares que detinham os maiores cargos administrativos nas colônias, e os criollos eram os nascidos nas Américas, mas que eram proprietários de terras ou minas. 23 No território hoje localizado ao norte da Colômbia, a principal atividade exploratória da mão-de-obra indígena era a exploração mineira e lavagem de ouro, com a chegada dos espanhóis, a população indígena sofreu uma baixa considerável, em virtude das doenças exógenas e condições de exploração. Segundo ARISTIMUNHA (1995) quando da chegada dos Espanhóis havia em torno de 100.000 habitantes na região, já e 1554 o número de habitantes caiu pra 30.000, o que mostra como a população indígena foi dizimada, não só pelas doenças exógenas, mas também pelas condições de exploração do trabalho. Por conta de ações de protesto na Europa contra a exploração da força de trabalho dos nativos, Em 1512, com o intento de coibir os abusos registrados contra os indígenas nas encomiendas e repartimientos são decretadas as Leys de Burgos que tentavam garantir um tratamento mais humano aos indígenas, proibindo os castigos e regulamentando as horas de trabalho (ARISTIMUNHA, 1995). Em nova granada2, no século XVIII, segundo ARISTIMUNHA (1995, p. 43) coexistiram vários tipos de exploração do trabalho escravo. Desde as formas mais brutais, nas zonas mineiras, até sua exploração nas fazendas e nas lides domésticas. No caso específico do Peru, a mão-de-obra negra foi muito utilizada apesar de a maioria explorada ser indígena, os escravos trabalhavam em diversas atividades urbanas, assim como na agricultura e artesanato, segundo Klein (1987, p.41 apud SOUZA1995, p.23) em meados do século XVI, havia cerca de três mil escravos no vice-reino, metade em Lima. A maioria dos negros vindos com os espanhóis para terras peruanas foram destinados aos trabalhos domésticos, obras públicas e para vendas em centros urbanos. O uso da mão-de-obra negra para as atividades urbanas deu-se no contexto da opção espanhola de perpetuar o sistema de tributação pré-colombiano do Império Inca, explorando as populações indígenas através da coerção e do trabalho servil (BARCELOS, 1995 p. 61). 2 Jurisdição colonial do Reino Espanhol, que durou de 1718 a 1822 ocupava o noroeste da América do Sul, que corresponde ao território moderno do Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela. Sua capital era Santa Fé de Bogotá, hoje Bogotá, capital da Colômbia, 24 Entre os séculos XVI e XIX, o número do contingente de escravos negros que alimentavam as colônias inglesas, francesas e luso-espanholas na América, esteve por perto de 15.000.000, segundo COLMENARES (1979 apud ARISTIMUNHA, 1995, p. 46), já FOGEL e EGERMAN (1988, p. 16 apud ARISTIMUNHA, p. 46) divergem oferecendo número de 9.375.000 escravos negros. Ao analisar o fator socioeconômico do escravismo destaca-se que a rentabilidade do comércio escravista dependia de fatores como: a) minimização dos gastos com a manutenção do escravo; b) um grau de autossuficiência ao nível dos insumos locais; c) concentração dos recursos disponíveis em escravos e meios de produção necessários à produção de certos tipos de mercadorias, cuja natureza era determinada pela lógica global do capital mercantil. Os principais mecanismos de reprodução das relações de produção e do processo de acumulação estavam constituídos: a) pelo tráfico de escravos africanos como mecanismo básico para suprir a força de trabalho necessária; b) pelo que habitualmente se chama o “tratamento” dos escravos: vigilância, repressão, mecanismos integradores à ordem escravista... (CARDOSO, 1984, p. 106 apud SOUZA, 1995, p. 25). Portanto, a exploração da força de trabalho negra se tornava mais relevante visto que os negros traficados se encontravam em território estranho, assim os indígenas tinham melhores condições de rebelarem-se contra a exploração do trabalho, fator preponderante no aumento do tráfico negreiro. A Venezuela segundo ALVES (1995) foi um dos primeiros países a decretar oficialmente a abolição da escravidão em seu território, em 1810, no entanto os escravos libertos oficialmente, os acima de quatorze anos e menores de sessenta anos eram obrigados a trabalhar no serviço militar, caso houvesse recusa, a servidão se tornava obrigatória não só para ele, mas para toda a sua família. Assim o direito de propriedade prevalecia sobre o direito de liberdade, visto que o próprio governo buscava também se assegurar da permanência do escravo no seu lugar de trabalho, a abolição definitiva dos escravos venezuelanos remanescentes se deu definitivamente em 1854. A abolição na Colômbia em 1818 também seguiu o mesmo padrão da Venezuela, já que os escravos libertos eram forçados a trabalhar no processo de emancipação nacional, e “o governo em 1824 emitia decreto permitindo aos escravos trocarem de dono, reconhecendo assim a persistência da escravidão, cujos resquícios ainda se fariam sentir até 1851” (ALVES, 1995, p. 32). 25 Na Argentina, o processo abolicionista foi formalizado em 1813, mas a prática ainda se fazia presente no território platino, tanto que em 1833, encaminha-se um Decreto reafirmando a proibição ao comércio de escravos, inclusive até a década de 30 havia anúncios de escravos na imprensa (ALVES,1995 ). No Uruguai a abolição se deu de forma gradual com a Lei do ventre livre em 1825, a liberdade dos escravos também foi determinada com a formação do Estado Nacional em 1828, mas o Uruguai na década de 30, ainda negociava escravos com o Brasil, chegando a tentar implementar de um projeto que visava a importação de trabalhadores que seriam denominados de colonos africanos (ALVES, 1995). A legislação que proibia a escravidão no Chile ocorre em 1811, prevendo a liberdade de ventres e o fim do tráfico negreiro, no entanto “em 1814 é expedido o Decreto que determinava que escravos libertos que se ocultassem evitando o alistamento seriam castigados com cem açoites três anos de prisão e perpétua escravidão ao arbítrio do governo” (EYZAGUIRRE, 1956, p.382 apud ALVES, 1995, p. 33-34). O Paraguai determinou o encerramento do tráfico escravista em 1842, e decretando uma lei que considerava livres os negros nascidos a partir daquele ano, assim como homens a partir de 25 anos e as mulheres a partir de 24 anos. A abolição na América latina, segundo os historiadores esteve ligada ao uso da força escravista nas necessidades militares da época, assim a abolição não esteve ligada ao respeito aos Direitos Humanos e o seguimento aos ideais igualitários. 26 Trabalho escravo no Brasil Colonial Ao chegar ao Brasil as grandes embarcações se depararam com um cenário onde os índios se mantinham através de um sistema de subsistência voltada para o plantio e pesca, na qual obtinham o que precisavam para sobreviver nas terras abundantes do Brasil. Assim a rotina de vida a qual os índios qual estavam habituados não favoreceu a força de trabalho que os europeus precisavam para manutenção da exploração mercantilista que visava à exportação de matéria-prima. A exploração da mão-de-obra escrava no Brasil no começo da colonização era a princípio indígena, mas devido a dificuldades como a forte resistência dos índios que conheciam bem o território no qual estavam inseridos facilitando a fuga dos mesmos. Outro fator importante no não uso da força indígena de trabalho foram as epidemias como sarampo, varíola, gripe, nas quais não tinham defesa biológica para o combate, dizimando cerca de 60 mil índios, na época a função que exerciam ligava-se a plantação de gêneros alimentícios o que causou um período de fome na região do Nordeste (FAUSTO, 1995). O trabalho escravo era essencialmente rural, acontecia na produção açucareira e cafeeira, de algodão, exploração de ouro, assim como nas fazendas de gado, principalmente na região Sul. A partir de 1570 a Coroa começa a tomar medidas na tentativa de impedir o morticínio e escravização desenfreada dos índios, mas os mesmos continuam a ser escravizados em decorrência das guerras defensivas, ou como punição à prática da antropofagia, ou pelo resgate, a compra de prisioneiros indígenas de outras tribos. A importação de escravos africanos passa a ser então incentivada pela Coroa o que gera então o maior tráfico negreiro de toda a história mundial, Segundo Fausto (1995) registra-se que o número de entrada de escravos no Brasil no período de 1811 a 1830 foi de 75.000. A colonização em princípio tinha como base as grandes propriedades que cultivavam gêneros alimentícios para consumo e para exportação tendo como força 27 de trabalho a mão-de-obra escrava, estas propriedades ficaram conhecidas como plantation. Vale ressaltar a colonização de tipo plantation, não era exclusiva da Coroa Portuguesa, mas sim de interesses predominantemente particulares da classe dominante colonial, dos senhores de engenho, lavradores de cana e de fumo, comerciantes exportadores. A legislação da época tratava de maneira diferenciada índios e escravos, havia leis que protegiam os indígenas contra a escravidão em sua maior parte com ressalvas já descritas anteriormente, enquanto os negros escravizados não tinham direito já que juridicamente eram considerados como res, coisa, matéria, e não pessoa. Por volta de 1773 havia um critério discriminatório que separava as pessoas das não-pessoas, gente livre e escravos, segundo FAUSTO (1995) a condição de livre estava ligada à etnia e à cor, os escravos pela ordem, negros, índios e depois mestiços. A escravidão negra era distinta da indígena, pois até a extinção da escravidão desta, haviam índios cativos e os forros ou administrados, estes estavam sob a tutela dos colonizadores, mas tinham a proteção religiosa da ordens que colocava limites à simples exploração dos mesmos, diferente do tratamento dado aos negros escravos. Os cativos trabalhavam nos campos, engenhos, minas, na casa-grande, realizavam tarefas penosas, no transporte de cargas, de pessoas, de dejetos malcheirosos ou na indústria de construção, foram também artesões, quitandeiros... (FAUSTO, 1995, p. 50). O vinculo entre os cativos não se resumia aos senhores, houve na época a figura do cativo alugado para prestação de serviços a terceiros, nos centros urbanos, como no Rio de Janeiro, existia a figura do escravo de ganho que permitia o escravo trabalhar para terceiros ganhando pelo trabalho, enquanto os senhores cobravam uma quantia fixa paga semanalmente ou diariamente (FAUSTO, 1995). A abolição da escravidão se deu, assim como em todos os países da América Latina de forma gradual, em 1826 o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra no qual declarava ilegal o tráfico de escravos vindos de qualquer parte, reservando-se a Inglaterra a inspecionar os navios em alto-mar. 28 Em 1846, devido ao não cumprimento deste Acordo, ocorre o que ficou conhecido como Bill Aberdeen, no qual o governo britânico autoriza a marinha inglesa a tratar os navios negreiros como navios piratas podendo apreendê-los e julgá-los nos tribunais britânicos. Os trabalhadores escravos podiam ser alforriados, ou seja, podiam comprar a sua liberdade, ou o próprio senhor podia alforriá-lo, assim como um terceiro podia comprar tal liberdade. Os escravos libertos diferenciavam-se da população livre, visto que até 1865, esta alforria poderia ser revogada pelo antigo senhor sob a simples alegação de ingratidão. Além disso, no papel ou na prática, a libertação, em muitos casos, era acompanhada de uma série de restrições, como a de prestar serviços ao dono por um certo tempo. (FAUSTO, 1995, p.227) A Lei do ventre livre foi proposta em 1871, na qual eram declarados livres os filhos de escravas nascidos após a lei, mas estes ficariam em posse dos senhores de suas mães até completarem oito anos, onde os senhores escolhiam entre receber uma indenização do Estado ou utilizar os serviços deste até a idade de vinte um anos, perpetuando as condições que eram impostas por meio das alforrias oferecidas até o ano de 1865. As alforrias inseriam os negros escravos em uma condição intermediária entre os homens escravos e os homens livres, grande parte dos escravos alforriados estavam localizados nas cidades, segundo Fausto (1995) uma pesquisa realizada em salvador entre os anos de 1684 e 1785 revela que os escravos alforriados tinham em média quinze anos. Assim, os escravos que estavam localizados nos grandes centros tinham a possibilidade de melhorar sua condição econômica compravam sua alforria um Ao fim do período colonial havia um grande número de africanos ou afrobrasileiros libertos ou livres, eram considerados livres formalmente, mas voltavam à prática escravista por desrespeito ao antigo senhor, assim como não podiam participar ativamente da vida social por meio da politica. A promulgação da Lei Áurea em 1888 tornou livres os escravos, mas a história da escravidão não foi abolida nesta data, não só no Brasil, mas em toda a América Latina os resquícios dos tempos coloniais ainda encontram-se presentes, assim como a evolução da forma escravagista mundial. 29 Após a promulgação da Lei Áurea, o destinos dos escravos variou de acordo com a região em que encontravam, no Nordeste, em geral se transformavam em dependentes dos grandes proprietários. No Maranhão, os libertos abandonaram as fazendas de café em decadência, e ocuparam terras desocupadas, tornando-se assim posseiros das mesmas. Nas zonas urbanas, o trabalho formal dos escravos libertos foi desprezado em favor ao trabalho prestado pelos imigrantes que chegavam às cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, assim, os libertos ocupavam os trabalhos irregulares e mal pagos. A preferência ao trabalho dos imigrantes nos centros de desenvolvimento econômico, e a falta de oportunidades aos escravos libertos gerou segundo FAUSTO (1995) uma grande desigualdade social da população negra, reforçando o preconceito contra o mesmo, que era considerado um ser perigoso, propenso ao crime, principalmente nas regiões de forte imigração. 30 OS TERMOS ESCRAVIDÃO X TRABALHO FORÇADO É de suma relevância o desdobramento do termo escravidão e sua comparação com o trabalho forçado exercido contemporaneamente, visto que o conceito de escravidão toma hoje formas muito diferente do conceito original de escravidão. O trabalho escravo em Roma era denominado como servitus ou servus a partir da Idade Média o servus ressurge por meio do feudalismo na Europa (GORENDER, 1985 apud NETO, 2008). Segundo Davis (2001) o camponês ligado ao senhor feudal recebia a denominação derivada da palavra servus, em inglês, serf e serfdom, em francês serf e servitude ou servage, em italiano servo e servitú ou servaggio, em espanhol siervo e servidumbre, em português, servo e servidão. O termo sclavus surgiu entre os germanos nos séculos 10 e 11 e referia-se aos cativos de origem eslava, indicavam os cativos de origem estrangeira, que eram distinguidos do servus de origem germânica (NETO, 2008). No século 13 os venezianos e os genoveses utilizavam o termo de forma recorrente na Itália, tendo o mesmo se espalhado pela Itália e todo Ocidente, inclusive França e Inglaterra para distinguir os servos nativos e os cativos estrangeiros (FINLEY, 2001 apud NETO, 2008). O significado da palavra escravo segundo DAVIS (2001) está ligado a três características, a pessoa submetida ao trabalho escravo é propriedade de outro homem, sua vontade está sujeita à autoridade de seu proprietário e seu trabalho ou serviços são obtidos através da coerção. Todos os significados da palavra escravo sugerem que os homens sempre reconheceram a escravidão como uma espécie de limite extremo em matéria de dependência e perda da liberdade natural, como aquela condição em que o homem chega mais perto ao status de uma coisa. (DAVIS, 2001 p. 53) A Anti-Slavery Internacional, dá a seguinte definição para uma das formas de trabalho forçado, a escravidão por dívida, definindo o que segue: 31 “o estado e a condição resultante do fato de que um devedor tenha se comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços pessoais não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada, nem sua natureza definida.” (FIGUEIRA, 2004 p. 36) GORENDER (1978, 60-61 apud FIGUEIRA, 2004, p. 37) lembra que escravidão é o estabelecimento de um direito que torna o homem completamente dependente de outro, que é senhor absoluto de sua vida e de seus bens. MARTINS (1999 p. 160-161 apud FIGUEIRA, 2004 p. 38) estabelece uma distinção entre o trabalhador livre e o trabalhador submetido ao trabalho escravo: É escravo quem não é senhor de si mesmo, é um dependente de outro e também sua propriedade. O típico escravo pode ser comprado e vendido, independentemente de querer ou não. Ele é uma mercadoria como qualquer outra, destituído de vontade própria ( ...) Um trabalhador vende sua força de trabalho, em tese por sua própria vontade (...) por isso ele pode e deve vende-la a quem possa e queira compra-la. Na escravidão, o trabalhador e a força de trabalho não estavam separados. A própria pessoa do trabalhador era objeto, coisa, de outrem... O trabalho forçado do modo como se apresenta hoje tem como premissa os mecanismos de coerção física, através da violência na relação entre trabalhador e empregador e também na coerção moral exercida nos casos de escravidão por dívida. Ao falar sobre a classificação do trabalho forçado como exploração Esterci (1994 apud FIGUEIRA, 2004) enfatiza que a melhor forma de classificar esta forma de exploração é ir além dos conceitos já pré-estabelecidos pelas normas e convenções para se chegar ao conceito mais amplo e humanitário da questão. Determinadas relações de exploração são de tal modo ultrajantes que a escravidão passou a denunciar a desigualdade no limite da desumanização; espécie de metáfora do inaceitável, expressão de um sentimento de indignação que, afortunadamente, sob esta forma afeta segmentos mais amplos do que os obviamente envolvidos na luta pelos direitos. Esse, talvez é o sentido novo de escravidão, ainda não capturado nas leis de modo eficaz, mas utilizado por representantes de segmentos os mais 32 diferentes da sociedade quando expostos a determinadas circunstâncias. (ESTERCI, 1994 p. 44-45 apud FIGUEIRA, 2004, p. 44). Rezende, também corrobora com a expansão e debate da questão afirmando que as condutas ainda não expressas pelas normas deveriam ser punidas, visto que as mesmas eram mais nocivas do que as já criminalizadas, a mesma afirma que a “definição do que é crime tem também a ver com o que a sociedade concebe como crime, mesmo que as concepções não sejam unânimes” (ESTERCI e REZENDE, 2004 p. 210 apud FIGUEIRA, 2001 p. 45). Assim, a classificação de trabalho forçado, ou condição de trabalho análogo a de escravo, ou trabalho escravo, se referem à mesma condição de trabalho degradante que será ilustrada a partir do capítulo seguinte com suas nuances não apenas conceituais, mas também sociais, visto que a denominação é diversa por parte dos autores, mas a essência do trabalho escravo está presente em todas as definições. 33 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO PELAS NORMAS INTERNACIONAIS O trabalho forçado não segue os mesmos padrões e estereótipos do trabalho escravo do período da colonização, dos negros vindos da África, imagem gerada quando se fala em trabalho escravo, no trabalho escravo contemporâneo, não há a distinção da raça, ou cor, o trabalho escravo contemporâneo, o trabalho forçado está intimamente ligado a fatores de vulnerabilidade social. Uma das grandes dificuldades em relação ao combate ao trabalho escravo esbarra na conceituação do que é caracterizado como trabalho escravo, a Organização Internacional do trabalho (OIT) define em algumas convenções, acordos e tratados a conceituação de trabalho escravo. Para configurar-se o trabalho escravo são necessárias algumas características que vão além do trabalho degradante, o trabalho escravo é sempre um trabalho degradante, mas nem sempre o trabalho degradante é trabalho escravo, portanto discorrer-se-á sobre o conceito do trabalho escravo em maiores detalhes, visto ser esta definição essencial para a caracterização do crime e a devida punição dos responsáveis. Em 1926, a Convenção sobre a escravidão, o primeiro tratado internacional contra a escravidão, redigido pela Liga das Nações, instituição antecessora da Organização das Nações Unidas, em seu artigo 1º definiu que: “Escravidão é o estado e a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os atributos do direito de propriedade”. O trabalho forçado não pode ser caracterizado pelos baixos salários ou más condições de trabalho. O trabalho forçado representa uma violação aos direitos humanos, e uma restrição à liberdade humana. A definição da OIT de trabalho forçado tem dois elementos básicos: trabalho ou serviço imposto sob ameaça de punição e aquele executado involuntariamente. 3 A Convenção nº 29 de 1930 sobre o Trabalho forçado o define como “todo trabalho ou serviço que seja exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer penalidade, e para o qual a essa pessoa não tenha se oferecido voluntariamente”. 3 OIT 2009 Conferência Internacional do Trabalho. 98ª Sessão. 34 Esta definição utilizada pela Convenção nº 29 busca abarcar de forma ampla toda e qualquer forma de trabalho escravo num âmbito global. Portanto, vale destrinchar os elementos principais desta definição. A penalidade mencionada na Convenção, é caracterizada de modo amplo, podendo ser a perda de direitos e privilégios, assim como violência física ou psíquica, repressão, ameaças ao trabalhador ou à família deste, danos materiais relacionados à supostas dívidas contraídas de forma fraudulenta, confisco de documentação, entre outras. A oferta voluntária para o trabalho não é requisito que descaracterize o trabalho forçado, visto que o consentimento para a execução do trabalho é cercado de várias formas sutis de ludibriar o trabalhador à aceitar tal oferta e só após o início do trabalho é que o mesmo percebe que está numa situação da qual não pode sair, devido à fatores diretos e indiretos de coerção. No que concerne à “oferta voluntária” a OIT defende que os aspectos desta oferta incluem a forma e o objeto de consentimento; o papel das restrições externas ou da coerção indireta; e a possibilidade de revogar o consentimento dado livremente... podendo o mesmo preceito ser irrelevante quando for obtido através de fraude ou logro (OIT, 2009, p.06 ). Esta Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1957, assim os Estadosmembros que ratificaram a Convenção se comprometeram a “abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível. ”(OIT, 2010, p. 36). 35 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO FORÇADO NA CONTEMPORANEIDADE O trabalho forçado está ligado à práticas abusivas a ele relacionadas, como o tráfico de seres humanos, a escravidão, práticas análogas à escravidão e outras formas ilegais de coação ao trabalho, a servidão por dívidas e a exploração laboral, termos utilizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O trabalho forçado pode ser caracterizado também por meio da natureza existente entre o trabalhador e o empregador, independente do tipo de atividade realizada, legalidade ou não da situação, assim como o caráter econômico da atividade. Assim, uma mulher que é forçada a prostituir-se, ou uma criança obrigada à mendicidade, estão ambas em uma situação de trabalho forçado, visto que nestes casos há a falta da voluntariedade para o trabalho. A OIT (2005, p. 06) expõe algumas características que servem para identificar a prática do trabalho forçado, que são a falta de consentimento; servidão por dívida; rapto ou sequestro; venda de pessoa a outra; confinamento no local de trabalho; coação psicológica; dívida induzida por falsificação de contas, por preços inflacionados ou redução do valor dos bens ou serviços produzidos; engano ou falsas promessas sobre tipos e condições de trabalho; retenção ou não pagamento de salários; retenção de documentos de identidade ou de pertences pessoais de valor. O trabalho forçado consiste na exploração no local onde o serviço é executado, nesta exploração estão incluídas as práticas de recrutamento abusivas, negando a liberdade de escolha do trabalhador. A servidão por dívida é um dos aspectos de trabalho forçado, a servidão por dívida, esta é definida por meio da Convenção Suplementar para a Abolição da Escravatura de 1956, para caracterizar a servidão por dívidas e trabalho servil. “estado ou condição resultante de uma obrigação de um devedor de seus serviços pessoais, ou daqueles pertencentes a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de uma dívida, se o valor desses serviços, conforme razoavelmente analisados, não é aplicável para liquidação da 36 dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços não sejam respectivamente limitadas e definidas” (OIT, 2009 p.08). A servidão por dívida é uma prática existente ainda em países da Ásia e América Latina, segundo dados da OIT (2009) já que os trabalhadores recebem um adiantamento por parte de agiotas que financiam o início do trabalho, ou a viagem em caso de trabalhadores migrantes. O trabalho forçado se desenvolve segundo dados da OIT (2009) de diversas formas e em diversos ambientes, acontece de forma significativa na exploração madeireira, na exploração de minérios, nas indústrias têxteis, com trabalhadores marítimos, principalmente na região Ásia, em trabalhos domésticos de crianças, mulheres, na exploração sexual de mulheres e crianças, na exploração da mendicância, ou seja, em todos os setores econômicos dos O presente trabalho irá fundamentar-se em apenas uma das nuances do trabalho forçado, na exploração de trabalhadores nas zonas rurais, em decorrência da complexidade que há em torno do trabalho forçado e suas diversas nuances. O trabalho forçado na América Latina acontece em sua maioria com trabalhadores migrantes de oficinas de trabalho clandestino, em grupos vulneráveis, como os trabalhadores domésticos que fazem o caminho migratório nacional ou internacional em busca de melhoria de vida, na exploração de trabalhadores em regiões agrícolas remotas e desflorestadas, assim como em indústrias de carvão vegetal ,gusa, madeira. (OIT, 2009) A forma mais comum de exploração é por meio da servidão por dívida, onde os trabalhadores temporários são recrutados através de intermediários informais, que ludibriam os trabalhadores por meio de pagamentos adiantados, e posteriormente cobram estes valores com juros e custos decorrentes do próprio trabalho realizado. O trabalho forçado está ligado intimamente à fatores de desigualdade social como é o caso do Brasil, onde a maioria dos trabalhadores explorados encontram-se em situação de miserabilidade o que os força a muitas vezes a retornar ao trabalho forçado. Outro fator ligado à exploração do trabalho escravo é a questão racial, esta acontece em muitos países da América Latina, na exploração forçada de trabalhadores de origem indígena, principalmente na Bolívia e Peru. 37 A questão racial está relacionada ao trabalho forçado também nos países da África, da Ásia e da Europa, como é o caso da Espanha e Portugal, que segundo dados da OIT, mantinham em fábricas e no cultivo agrícola, migrantes romanis, conhecidos como ciganos. Em geral na Europa o trabalho forçado é decorrente de trabalhadores migrantes, que vem de países menos desenvolvidos e não tem uma qualificação adequada para ocupar postos de trabalho decentes, nesta região os principais tipos de trabalho forçado estão ligados à sexual, trabalhos domésticos, inclusive de crianças e adolescentes, servidão por dívida, retenção salarial e de documentos. O trabalho forçado não é uma característica de países em desenvolvimento, é um problema global que acontece inclusive em Países com os maiores índices de desenvolvimento humano do Mundo como é o caso dos Países nórdicos como a Finlândia, Noruega e Suíça. 38 O TRABALHO FORÇADO E O TRÁFICO DE PESSOAS O tráfico de pessoas é uma prática criminosa que está diretamente ligada à exploração do trabalho forçado, as pessoas que são aliciadas para este fim são em geral de outros Estados, Municípios e Países. As pessoas por serem mais vulneráveis à continuidade da exploração pela falta de vínculos ao local onde o trabalho é exercido, dificultando a quebra do círculo escravista que utiliza as vulnerabilidades sociais para o exercício da exploração escravista. O Protocolo sobre o tráfico de Pessoas 4 em seu artigo 3º define o que é considerado tráfico de pessoas, os Estados Parte, portanto devem adotar as medidas legislativas para garantia do estabelecido no Protocolo. A definição de tráfico de pessoas pelo Protocolo é a seguinte. a) Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extracção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo, deverá ser considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do presente artigo; 4 Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. Disponível em: http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos- mpenal/onu/protocolotr%C3%A1ficopt.pdf Acesso em 29 de outubro de 2011. 39 Segundo o relatório global sobre trabalho forçado e tráfico de seres humanos ( OIT, 2005) cerca de 2,4 milhões de pessoas são traficadas dentre as 12,3 milhões de pessoas que estão em situação de escravidão em todo o Mundo. Na América Latina estima-se que cerca de 250.000 trabalhadores forçados, cerca de 20% do total da região são provenientes de outros Estados ou das regiões fronteiriças. (OIT, 2005) A maioria das pessoas traficadas o são com a finalidade de exploração sexual, cerca de 43%, já o tráfico de pessoas coma finalidade de exploração econômica é de 32% das 2,4 milhões de pessoas traficadas, os maiores números relativos ao tráfico de pessoas se dá no região da Ásia e Pacífico, com cerca de 1.360.000 pessoas, e nos países industrializados com cerca de 270.000 pessoas, seguido da América Latina e Caribe. A grande maioria das pessoas traficadas é do sexo feminino seja para fins de exploração sexual, cerca de 56%, seja para fins de exploração econômica, contra cerca de 44% de homens e meninos. Vale ressaltar que a contagem realizada pela OIT na coleta de dados é feita a partir do país onde são forçadas a trabalhar (OIT, 2005). O tráfico de pessoas e o sequestro têm entre si uma ligação muito sutil, os trabalhadores que são submetidos ao trabalho forçado em outros estados ou Países, o fazem de forma voluntária, o que não deixa de ser caracterizado como trabalho forçado, visto que o consentimento no caso do tráfico é feito de forma artificial. O sistema utilizado para manutenção do trabalhador no sistema de escravidão é a coerção por meio de violência física, ou violência psicológica, que incluem as ameaças de denúncia às autoridades no caso de trabalhadores migrantes ilegais, seja por meio da retenção de salários e documentos dos trabalhadores. O combate ao tráfico de pessoas é um das formas de garantir a diminuição da incidência do uso do trabalho forçado à nível mundial, portanto, tem enorme relevância não apenas no caso do trabalho escravo, mas também no caso de outras formas de violação aos Direitos Humanos, visto que impede a continuidade deste tipo de exploração e coerção. 40 Os países em análise no presente trabalho ratificaram a Convenção da OIT que se refere ao combate ao trabalho escravo obrigando-se a tomarem as medidas necessárias de combate ao tráfico de pessoas. 41 TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL O maior vulto do trabalho forçado no Brasil se dá ainda com os mesmos objetivos do passado, a expansão da atividade agropecuária, geralmente em regiões de difícil acesso, como a região da Amazônia Legal; hoje existem trabalhadores nas mesmas condições ou piores à dos escravos dos períodos colonial e imperial, mas o mecanismo utilizado na exploração escrava moderna é diferente daqueles períodos, se dá através da dívida e da fraude na contratação. O trabalho forçado se desenvolve da seguinte forma, o trabalhador geralmente é recrutado pelos chamados “gatos5”, que os aliciam para executar serviços em locais, em sua maioria, distantes, para fazer o chamado ”roçado” das fazendas, para o trabalhador que está desempregado e precisa sustentar sua família é aparentemente uma boa oportunidade. Quando o serviço é contratado os trabalhadores recebem um adiantamento pelo serviço que será prestado, quando chegam às fazendas são informados de que devem comprar os materiais que serão utilizados para execução do serviço, como as inchadas, botas, roupas, o transporte que os levou até o local, medicamentos que porventura tenham que usar, ou seja, já chegam ao local endividados, não bastasse a ilegalidade, o valor cobrado por esses materiais é muito superior ao valor cobrado no mercado, e então o trabalhador se vê com uma dívida maior que o próprio salário oferecido. Relatos de desrespeito aos trabalhadores são inúmeros na história contemporânea, ESTERCI( p. 10 ), ao falar da disputa pela posse de terras no Araguaia/MT cita que uma grande empresa de desenvolvimento na época, “lançava mão de contingentes numerosos de trabalhadores, os peões, recrutados em outras regiões e submetidos a formas de exploração violentas”. É possível perceber que no Brasil na década de setenta a forma de endividamento e os termos utilizados para identificar os trabalhadores (peões) e os 5 Empreiteiros contratados pelos fazendeiros ou “posseiros” para execução de um serviço específico como desmatamento, plantio ou manutenção de pastos, fazer cercas, entre outros. Binka Le Breton, em Vidas Roubadas cita que o gato é conhecido assim porque sempre cai em pé! 42 gatos (intermediários) são os mesmos utilizados atualmente, demonstrando a continuidade de uma cultura de discriminação social e desrespeito aos Direitos Humanos utilizando-se de pessoas que não têm estudo, muitos sem vínculo familiar, documentos, ou seja, são pessoas que estão à margem da sociedade. Na execução do serviço nas fazendas os trabalhadores se deparam com situações extremas de desprezo à vida humana, sofrem todo o tipo de violência física e psicológica, há inúmeros relatos de trabalhadores resgatados que foram obrigados a trabalhar numa jornada muito superior à permitida, a dormir em locais sujos, muitas vezes sob o sereno e chuva, de não receberem comida adequada e quando recebiam não tinha o mínimo de nutrientes e higiene necessária, muitos trabalhadores em tais condições ficam doentes e não recebem cuidados médicos, ou pior, são descartados por não serem mais produtivos, além de inúmeras outras barbáries. Mesmo querendo sair das fazendas depois de constatar as condições de trabalho, são poucos os que conseguem escapar, os trabalhadores são vigiados por homens geralmente armados, o que os impossibilita de fugir, outros fatores impeditivos são a distância destes locais com a cidade mais próxima e o fato de muitos desses trabalhadores serem de outros Municípios ou Estados, os chamados “peões de trecho6” e não conhecerem o local onde estão. O combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil tem seu início em 1994, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) 7 , as comissões não governamentais, Center for justice and Internacional Law (CEJIL) e Human Rights Watch apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), devido à omissão do Brasil em relação ao caso da fazenda Espírito Santo. Este foi o caso que tornou público o problema do trabalho forçado no Brasil, o caso aconteceu em 1989, onde a Polícia Federal depois da denúncia de um sobrevivente a atentado contra a sua vida e maus-tratos na fazenda, conseguiu 6 Homens que não têm moradia fixa, não têm vínculos familiares, sempre estão viajando de uma cidade à outra a procura de emprego, muitos não têm documentos de identificação, e por isto se tornam os preferidos dos empreiteiros. 7 A Comissão Pastoral da Terra é uma organização da Igreja Católica voltada para a Defesa dos Direitos Humanos e da reforma agrária. 43 escapar com vida depois de levar tiros de fuzil em uma emboscada feita pelos funcionários da propriedade, na fazenda a Polícia Federal resgatou mais sessenta trabalhadores. Na ocasião o Estado Brasileiro foi acusado de violar os artigos I e XXV da Declaração Americana sobre os Direitos e Obrigações do Homem, além dos artigos 6, 8 e 25 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, explicitados a seguir: Artigo I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sus pessoa. Artigo XXV. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes. Ninguém pode ser preso por deixar de cumprir obrigações de natureza claramente civil. Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser posto em liberdade. Tem também direito a um tratamento humano durante o tempo em que o privarem da sua liberdade. O artigo 6 da Comissão Americana sobre Direitos Humanos define as seguintes normas relativas a proibição à Escravidão e à Servidão, vejamos: 1. ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a) Os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoas reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e 44 controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; C) o serviço imposto em caso de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. A partir deste ponto o Governo Brasileiro reconhece a reponsabilidade sobre o caso e firma um acordo de Solução Amistosa, assinada em 2003 na solenidade de criação da Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE). A CONATRAE é um órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem a função primordial de monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. O Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo, contém 76 ações, cuja responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e organismos internacionais, com o objetivo de erradicar o trabalho escravo no Brasil. A escravidão contemporânea no Brasil afeta principalmente o trabalhador no meio rural, em diferentes atividades ligadas à pecuária, às lavouras de algodão, milho, soja, arroz, feijão, café e extração de látex (matéria-prima da borracha), madeira, produção de carvão. Vale ressaltar que o trabalho escravo está presente não só na zona rural, mas está presente em menor escala também em construções em grandes centros, onde há a figura do intermediário, que contrata os trabalhadores em outros estados e ao chegarem ao local de trabalho, estranho ao seu ambiente habitual, tem seus documentos apreendidos, e executam o serviço em condições de pouca ou nenhuma segurança no trabalho, o que ocasiona inúmeros acidentes de trabalho, além de terem seus alojamentos sem nenhum cuidado com a higiene ou o mínimo de condições para o descanso. 45 Assim como em confecções de roupas no estado de São Paulo8, muitos destes trabalhadores vêm de outros países da América Latina, são em sua maioria Bolivianos, uma das causas da escolha destes trabalhadores pode ser o fato de que este é um dos países com maiores índices de pobreza da América Latina, as condições sobre o trabalho escravo na Bolívia será explicitado nos capítulos seguintes. 8 Cf. notícia Estadão, disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,apos-zara-ministerio-investiga-trabalho-escravoem-20-grifes,80796,0.htm Acesso em 20 de setembro de 2011. 46 ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL Com este quadro de retrocesso acontecendo em larga escala, foram adotadas medidas que visam erradicar o trabalho forçado no Brasil, a primeira atitude governamental em relação ao problema foi em 1995 quando o então Presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu publicamente que o trabalho forçado de fato acontecia no Brasil, no mesmo ano foi criado o Grupo de Fiscalização Móvel coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que atua na fiscalização das fazendas que têm denúncia de trabalho forçado libertando-os de tal situação. Em 2003 foi firmado pelo Presidente da República e pelo Diretor-Geral da OIT/ONU, o compromisso de promover o Trabalho Decente e as metas instituídas na Agenda de Trabalho Decente, sendo esta uma das prioridades políticas do Governo Brasileiro, em função deste compromisso foi criado o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho forçado, que contém várias metas e objetivos a serem cumpridos a curto, médio e longo prazo, 68,4% destas metas foram cumpridas, ou cumpridas parcialmente, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho9. A Carta Magna elenca os Princípios fundamentais relativos à República e dentre eles pode-se destacar os principais preceitos, que deveriam ser o norte das ações de toda a sociedade brasileira. O Brasil segundo o artigo 1º da Constituição constitui-se em Estado democrático de direito, que tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Estes fundamentos são os alicerces no quais estão contidos todos os preceitos que regerão as normas da sociedade. A Constituição em seu artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento social; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades 9 In: 2º Plano Nacional para erradicação do Trabalho Escravo, aprovado em 17 de abril de 2008. 47 sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O parágrafo único do artigo 4º da Constituição estabelece a busca da integração econômica, politica, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-Americana das nações. A integração dos países da América Latina por meio da justiça social e da diminuição das desigualdades sociais tem ainda um caminho longo a ser percorrido, principalmente no tocante a diminuição do trabalho forçado. O Título II estabelece os direitos e garantias fundamentais, o artigo 5º, caput, consagra o princípio da igualdade e garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, de modo específico assegura no inciso III que ninguém poderá ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; o inciso XIII estabelece a liberdade no exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, estabelecendo também a punição na ofensa de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. O trabalho é definido pela Constituição como um direito social em seu artigo 6º, no artigo 7º são elencados os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre eles está a percepção de salário nunca inferior ao mínimo legal, que deve garantir as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene. O artigo 193 da Carta Magna estabelece o trabalho como base da ordem social tendo como objetivo o bem-estar e a justiça social. Os preceitos elencados na Constituição têm como objetivo o bem-estar do ser humano em todas as suas vertentes. COMPARATO (2001) afirma que direitos fundamentais são os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas. Uma das medidas adotadas pelo Brasil no combate ao trabalho escravo é a Medida Provisória nº 74, de outubro de 2002, que estabelece a modificação da legislação referente ao seguro-desemprego para abarcar os trabalhadores resgatados das condições de trabalho escravo, estabelecendo o direito à percepção 48 do seguro-desemprego nos três meses subsequentes no valor de um salário mínimo cada, assim como a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho, sendo estes encaminhados ao Ministério do trabalho e emprego para qualificação profissional. O Código Penal em seu artigo 149, fala sobre as penas de reduzir alguém a condição análoga à de escravo e estabelece pena de reclusão de dois a oito anos. Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. o § 1 Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no o local de trabalho. § 2 A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Em outubro 2011, o Ministério do Trabalho publicou a Instrução Normativa nº 91,10 onde dispõe sobre a fiscalização para a erradicação do trabalho escravo, estabelece já em seu artigo 1º, a ofensa aos preceitos fundamentais contidos na Carta Magna e nas normas Internacionais. Destaca-se: Art. 1º. O trabalho realizado em condição análoga à de escravo, sob todas as formas, constitui atentado aos direitos humanos fundamentais e fere a dignidade humana, sendo dever do Auditor-Fiscal do Trabalho colaborar para a sua erradicação. O artigo 3º estabelece o que é considerado trabalho forçado, considerando-o o trabalho realizado em condição análoga à de escravo a que resulte na submissão de trabalhador a trabalhos forçados; na submissão de trabalhador a jornada exaustiva; na sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; na restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por 10 Instrução Normativa nº 91, de 05 de outubro de 2011. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D32DC09BB0132DFD134F77441/in_20111005_91.pdf Acesso em 28 de outubro de 2011. 49 meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho; na vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho; Assim como na posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho. A Instrução normativa faz a hermenêutica das expressões utilizadas, portanto, segundo a Instrução: a) “trabalhos forçados” – todas as formas de trabalho ou de serviço exigidas de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente, assim como aquele exigido como medida de coerção, de educação política, de punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente, como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico, como meio para disciplinar a mão-de-obra, como punição por participação em greves ou como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa; b) “jornada exaustiva” - toda jornada de trabalho de natureza física ou mental que, por sua extensão ou intensidade, cause esgotamento das capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua segurança e/ou a sua saúde; c) “condições degradantes de trabalho” – todas as formas de desrespeito à dignidade humana pelo descumprimento aos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, notadamente em matéria de segurança e saúde e que, em virtude do trabalho, venha a ser tratada pelo empregador, por preposto ou mesmo por terceiros, como coisa e não como pessoa; d) “restrição da locomoção do trabalhador” - todo tipo de limitação imposta ao trabalhador a seu direito fundamental de ir e vir ou de dispor de sua força de trabalho, inclusive o de encerrar a prestação do trabalho, em razão de dívida, por meios diretos ou indiretos, por meio de e coerção física ou moral, fraude ou outro meio ilícito de submissão; e) “cerceamento do uso de qualquer meio de transporte com o objetivo de reter o trabalhador” – toda forma de limitação do uso de transporte, particular ou público, utilizado pelo trabalhador para se locomover do 50 trabalho para outros locais situados fora dos domínios patronais, incluindo sua residência, e vice-versa; f) “vigilância ostensiva no local de trabalho” – todo tipo ou medida de controle empresarial exercida sobre a pessoa do trabalhador, com o objetivo de retê-lo no local de trabalho; g) “posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador” – toda forma de apoderamento ilícito de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o objetivo de retê-lo no local de trabalho; A Instrução abrange também a tomada das medidas administrativas independente de o fato ser reconhecido ou não em âmbito penal, conforme define o artigo 4º. Assim como abrange o tráfico de pessoas e insere sua definição para efeitos da abrangência da lei em caso de constatação de trabalhadores inseridos no tráfico de pessoas para este fim. § 1º. Considera-se tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo, conforme definido no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, promulgado por meio do Decreto nº 5.017, de 12 de Março de 2004, “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração que incluirá, no mínimo, a exploração do trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura ou a servidão”. O trabalho efetivo contra o trabalho forçado é feito por meio do Ministério do Trabalho a quem cabe a Fiscalização da prática do trabalho escravo, adotando medidas de combate descritas em Lei e adotando de imediato nos casos de constatação do trabalho forçado a paralização das atividades até então realizadas de forma irregular, como a regularização dos contratos dos trabalhadores, dos créditos trabalhistas e recolhimento do FGTS e Contribuição Social, assim como o 51 retorno dos trabalhadores ao local de origem ou local seguro como hotel ou abrigo público. Entretanto, a realidade social e jurídica hoje está longe de alcançar tais preceitos de forma igualitária e justa, o Brasil avançou muito se comparado a outros Países da América latina no diz respeito ao trabalho forçado, mas os fatores que levam a exploração do trabalho forçado são inúmeros e complexos, vão além da conceituação e formalização destes no ordenamento jurídico. O art. 3º da Lei nº 7.347/1985, estabelece a condenação do explorador em dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. O dinheiro, no caso, deve se destinar à recomposição do bem jurídico coletivo lesado. A obrigação de fazer ou não fazer, por sua vez, engloba todas as medidas e providências tendentes a devolver a dignidade ao trabalhador, tais a determinação de registro do contrato de trabalho na Carteira respectiva, a cessação de descontos salariais indevidos, a retirada de seguranças que estiverem intimidando os trabalhadores ou constrangendo sua liberdade de ir e vir, a observância do salário mínimo, da jornada de trabalho legal e de outros direitos reconhecidos aos trabalhadores, a oferta de condições de trabalho mínimas envolvendo água potável, alojamento, transporte adequado, equipamentos de proteção individual e coletiva de trabalho, entre outros direitos difusos e coletivos. 52 ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO PERU O trabalho forçado no Peru acontece em sua maioria, na extração de madeiras de luxo na região amazônica, uma das grandes diferenças encontradas entre o trabalho forçado no Brasil e no Peru é a exploração dos povos indígenas naquele país, segundo dados do Banco Mundial 31,3% da população vivem abaixo da linha da pobreza11, o que os coloca em um nível de vulnerabilidade ainda maior. Segundo dados da Antislavery (2006) e da OIT (2005) desde a década de sessenta, a maior parte do trabalho forçado acontece em atividades de exploração ilegal na região amazônica. O valor das madeiras de luxo, como mogno e cedro, levou a uma intensificação da exploração madeireira na região amazônica, grande parte da exploração acontece em áreas ilegais, o que torna a mão-de-obra de baixíssimo custo, um lucrativo negócio para os madeireiros da região. A maioria da exploração madeireira ilegal ocorre em terras indígenas, que têm muito pouco ou nenhum contato com o mundo exterior. Cerca de dois terços dos trabalhadores escravos recrutados são integrantes de grupos étnicos, o trabalho acontece dentro de suas terras ou nas cercanias destas. A estimativa da OIT é que 33.000 pessoas são forçadas a trabalhar na Amazônia Peruana, principalmente nas cidades de Ucayali, Madre de Dios, Loreta, Pucallpa, Atalaya e Puerto Maldonado. Existem duas principais formas de trabalho forçado em atividades de exploração madeireira na Amazônia Peruana, na primeira as comunidades indígenas são contratadas para fornecer madeira a partir de suas terras e na segunda os donos de madeireiras contratam indígenas e os mestiços para trabalhar em seus campos. 11 Dados do Banco Mundial. Disponível em: http://datos.bancomundial.org/pais/peru Acesso em 15/10/2011. 53 Segundo dados do Plano Nacional na luta contra o trabalho forçado, cerca de 80% dos trabalhadores que são explorados na extração de madeira são de origem mestiça, ou da região da Alto andina, cerca de 20% é indígena, a mão-de-obra destes trabalhadores é pouco ou nada qualificada, nos acampamentos onde ficam alojados os trabalhadores sofrem todo o tipo de maltrato, como também lhes é restringida a liberdade de movimentos, assim como a retenção de seus documentos. 12 Ambas as formas empregadas na exploração do trabalho forçado utilizam o mesmo meio de fraude, a servidão por dívida, que neste caso pode ser passado para a geração seguinte. O trabalho forçado está geralmente associado à falta de remuneração, à prostituição de mulheres nos campos e condições subumanas de trabalho. Os Intermediários abordam as comunidades indígenas com ofertas de bens básicos como arroz, sal, botas, ou bens públicos como construção de escola ou campo de jogos ou dinheiro, os intermediários firmam contrato verbal ou escrito no qual a comunidade concorda em fornecer uma quantidade de madeira de qualidade específica. Um dos fatores determinantes na exploração é a falta de conhecimento sobre o valor monetário do dinheiro, do valor da madeira, dos bens básicos que lhe são oferecidos, assim os intermediários elevam o valor destes bens, enquanto subvalorizam madeira extraída. Assim, quando os trabalhadores indígenas retornam com a quantidade acordada de madeira, a mesma é qualificada como de qualidade inferior e, portanto, não vale tanto como combinado, devendo os mesmos saldar o valor devido com mais madeira ou trabalhando nos campos. Ao mesmo tempo, os trabalhadores vão acumulando dívidas com os intermediários através da compra de alimentos básicos e os seus produtos. Como eles não sabem o custo destes produtos lhes é cobrados cerca de três a cinco vezes o preço real. Assim o valor recebido inicialmente, agora se torna uma dívida que deve ser paga por meio do fornecimento de mais madeira. 12 Cf. Plan Nacional para la lucha contra el trabajo forzoso. Disponível em: http://www.mintra.gob.pe/trabajo_forzoso/ Acesso em 20 de outubro de 2011. 54 Segundo estudo realizado pela OIT (2005), na Amazônia Peruana, os intermediários repetidamente adiam o pagamento final da em madeira entregue, continuando a desvalorizar a madeira entregue pelas comunidades. Outro fator é a exclusividade na entrega da madeira explorada, visto que as comunidades firmam contratos ilegais onde não lhes é permitido vender sua madeira, ou trabalhar para qualquer outra pessoa. 55 Legislação sobre trabalho forçado no Peru A Constituição Peruana de 1993 proíbe a escravidão, servidão e o tráfico de seres humanos em todas as suas formas, proíbe também qualquer trabalho sem consentimento e sem recompensa e esta deve ser justa e suficiente. Estas normas constitucionais, no entanto, não são consagrados na legislação. A legislação peruana em comparação à legislação brasileira tem mais números de leis sobre o trabalho escravo, inclusive na legislação trabalhista, há um artigo no código penal e três na constituição do país. A Constituição define o seguinte: O artigo 2, inciso 24, alínea b, fala sobre os direitos fundamentais da pessoa humana e nele está contido o direito à liberdade, onde especifica-se: No se permite forma alguna de restricción de la libertad personal, salvo en los casos previstos por la ley. Están prohibidas la esclavitud, la servidumbre y la trata de seres humanos en cualquiera de sus formas.13 O artigo 23 da Constituição Peruana define o seguinte: ...Ninguna relación laboral puede limitar el ejercicio de los derechos constitucionales, ni desconocer o rebajar la dignidad del trabajador. Nadie está obligado a prestar trabajo sin retribución o sin su libre consentimiento.14 O Código penal Peruano em seu artigo 168 define a pena para o trabalho forçado, mas este não contém em seu bojo a definição do trabalho forçado. 13 Tradução do original (grifo meu). Não é permitida qualquer forma de restrição da liberdade pessoal a não ser nos termos da lei. É proibida escravidão, a servidão e o tráfico de seres humanos sob qualquer forma. 14 Tradução do original (grifo meu). “Nenhuma relação laboral pode limitar o exercício dos direitos constitucionais, nem ignorar ou diminuir a dignidade do trabalhador. Ninguém é obrigado a trabalhar sem remuneração ou sem seu livre consentimento”. 56 Artículo 168.- Atentado contra la libertad de trabajo y asociación Será reprimido con pena privativa de libertad no mayor de dos años el que obliga a otro, mediante violencia o amenaza, a realizar cualquiera de los actos siguientes: 1. Integrar o no un sindicato 2. Prestar trabajo personal sin la correspondiente retribución. 3. Trabajar sin las condiciones de seguridad e higiene industriales determinadas por la autoridade. La misma pena se aplicará al que incumple las resoluciones consentidas o ejecutoriadas dictadas por la autoridad competente; y al que disminuye o distorsiona la producción, simula causales para el cierre del centro de trabajo o abandona éste para extinguir las relaciones laborales .15 O artigo 25 da Lei de inspeção trabalhista ( ) fala das infrações relacionadas à matéria trabalhista, o artigo define como infração muito grave, o trabalho forçado, seja ele remunerado ou não, assim como a captação de pessoas com este fim, No original “El trabajo forzoso, sea o no retribuido, y la trata o captación de personas con dicho fin.”16 Por meio do Decreto Supremo nº 001-2007-TR, foi criada a Comissão Nacional para a luta contra o trabalho forçado, com o objetivo de ser a instância de coordenação permanente das políticas de ação em matéria de trabalho forçado, a comissão é presidida pelo Ministério do Trabalho e promoção do emprego(Ministerio de trabajo y Pomoción del Empleo) 17 e está integrada pelos representantes Ministeriais dos diversos setores. 15 Tradução do original (grifo meu). Artigo 168 – Atentado contra a liberdade laboral e sindical: Será punido com pena de prisão não superior a dois anos, quem, obriga outro mediante violência ou ameaça, para realizar qualquer dos seguintes atos: 1. Integrar ou não uma associação; 2. Fornecer trabalho pessoal sem remuneração adequada; 3. Trabalhar sem as condições de segurança e higiene industrial determinadas pela autoridade. A mesma pena aplica-se a quem viola as resoluções proferidas pela autoridade competente, e ao que diminui ou distorce produção, simula os motivos do fechamento do centro de trabalho ou abandona este para terminar as relações de trabalho. 16 O Trabalho forçado seja ou não remunerado, ou o tráfico e recrutamento de pessoas com este fim. 17 Cf. Membros da Comissão Nacional para a luta contra o trabalho forçado . Disponível em: http://www.mintra.gob.pe/trabajo_forzoso/ Acesso em 20 de outubro de 2011. 57 O Peru também conta com um Plano de Ação contra o trabalho forçado, criado através do Decreto Supremo nº 009-2007-TR, que identifica o problema até então enfrentado, da falta de uma política e estrutura institucional coordenadas com o foco no combate ao trabalho escravo, assim como a falta de informações sobre o trabalho forçado no País. O plano tem como objetivo de identificar e quantificar as formas e de trabalho escravo e onde ocorrem, os dados iniciais do Plano remetem ao Trabalho realizado em conjunto com a OIT, no qual foi identificado o trabalho forçado na Amazônia Peruana, assim como em outras atividades econômicas como o trabalho doméstico, a pesca artesanal, agricultura e a exploração de minérios. O Plano propõe uma série de medidas que visam a investigação de causas o registro centralizado dos casos de trabalho forçado, assim como ações que visem a educação e sensibilização da população, inclusive nas escolas, assim como adequar a legislação às normas internacionais de combate ao trabalho escravo, além da fiscalização e supervisão conjunta institucional. Assim, os avanços no combate ao trabalho forçado no Peru avançou muito no que concerne ao início da tomada de medidas no que se refere ao trabalho forçado, mas está longe do que seria ideal na luta contra o trabalho forçado, visto que há a continuidade do trabalho forçado, mesmo com o avanço normativo sobre o tema. 58 TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NA BOLÍVIA A Bolívia possui um dos maiores índices de pobreza da América Latina, números do Banco Mundial indicam que 60,1% da população está abaixo da linha da pobreza, o que demonstra à vulnerabilidade da população a submissão ao trabalho forçado. O trabalho forçado na Bolívia acontece em três áreas principais, nas indústrias de cana-de-açúcar, nas indústrias de castanha-do-pará e em fazendas particulares na região de Chaco, o trabalho acontece em geral da forma utilizada globalmente, pela servidão por dívida. A região de Santa Cruz é a de maior produção de cana-de-açúcar, é uma região de baixa densidade demográfica, não oferecendo a quantidade de trabalhadores suficientes para a realização da colheita, o que faz com que os trabalhadores sejam recrutados em outras regiões. Grande parte destes trabalhadores é da região de Chuquisaca e Potosí, onde o índice de pobreza é maior, assim como há um grande número de indígenas na região. O sistema de retenção e continuidade do trabalhador nestas áreas está ligado a servidão por dívida, que faz com que o trabalhador que executou o trabalho anteriormente em determinada colheita seja obrigado a trabalhar nas próximas devido às dividas que angariou no trabalho passado. O pagamento do salário é feito de forma adiantada, sendo proibida a devolução do mesmo quando os trabalhadores recrutados veem a possibilidade de trabalharem por um salário melhor, ficando desta forma presos ao que foi anteriormente acertado. Os trabalhadores muitas vezes levam consigo a família para o local de trabalho, o que gera a exploração de suas esposas e também de suas crianças, já que as mesmas trabalham e recebem em média ¼ do salário pago ao homem ou não recebem salário algum pelo trabalho desenvolvido. A contratação dos trabalhadores é feita seguindo uma hierarquia, as empresas açucareiras contratam um intermediário para entrega de determinada quantidade de açúcar, este intermediário por sua vez, subcontrata alguém para 59 recrutamento dos trabalhadores nas cidades, este subcontratante pode ser comparada ao gato18, nas fazendas brasileiras. O subcontratante em geral é uma pessoa familiarizada com a região e com os trabalhadores que serão recrutados, o que os faz ganhar a confiança dos mesmos, o subcontratante muitas vezes é o dono da loja dos materiais onde os trabalhadores são obrigados a comprar seus materiais de trabalho que são vendidos por um valor muito acima do mercado, criando o círculo da servidão por dívida. Cerca de 60 por cento do salário dos trabalhadores é gasto com os débitos transferidos ao trabalhador, outra forma de retenção do trabalhador é por meio de uma poupança forçada, onde cerca de 30 por cento do salário fica retido, com o argumento de que o dinheiro lhes será entregue ao fim do contrato de trabalho, mas como os trabalhadores já chegam ao local endividados dificilmente o dinheiro que ganhem será suficiente para quitar as dívidas ou ao menos assegurar um lucro ao final. Os trabalhadores para quitar as dívidas são obrigados a voltar na outra temporada para trabalharem em troca do pagamento ou continuam a trabalhar em outra plantação, caso o trabalhador venha a falecer a dívida contraída é repassada ao seus dependentes. A Organização Internacional do trabalho estima que cerca de 33,000 pessoas trabalham na colheita de cana de açúcar, dos quais 18,000 são homens e 15.000 são mulheres e crianças (das crianças, 7.000 são menores de 14 anos de idade), a OIT estima que, em 2003, havia 21,000 trabalhadores forçados, incluindo mulheres e crianças, que trabalham na área de Santa Cruz. Destes 15.000, Cidade foram recrutados a partir de sua casa, enquanto 6,000 foram para as plantações a procura de trabalho (BEDOYA; GARLAND, 2005, p. 2 apud SHARMA, 2006 p. 3). A maioria dos trabalhadores são povos de origem indígena, como acontece em geral nos países da América Latina, a dívida é criada inicialmente pelo adiantamento de dinheiro entregue aos mesmos, ou pelo fornecimento de bens 18 Segundo (FIQUEIRA, 2004) Empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas ou outros serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias na Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha com parentes e com uma rede de “fiscais”. 60 como alimentos, e posteriormente há a cobrança de juros destes valores anteriormente entregues. A dívida é um mecanismo de controle e prisão do trabalhador, visto que este não pode sair do local de trabalho sem o devido pagamento dos bens superfaturados que lhes foram entregues anteriormente. O trabalho forçado na Bolívia acontece também em grande parte da produção de castanha, a Bolívia é a maior produtora de castanha-do-pará do Mundo, perdendo inclusive para o Brasil, os locais de colheita e produção da castanha-dopará acontece na Amazônia Boliviana em locais de difícil acesso por conta da extensão das áreas. O recrutamento dos trabalhadores para a extração das castanhas acontece por meio de um contrato de pagamento relacionado a quantidade produzida, que em geral tem seu peso alterado para diminuir os custos com o trabalhador. As condições de trabalho são degradantes, os trabalhadores tem jornada de aproximadamente 12 horas, todo o trabalho de extração é eito por eles, um trabalhador sozinho produz por dia cerca de três caixas de castanhas, aproximadamente 69 quilogramas, já com a família esta produção duplica. Os trabalhadores a cada duas semanas levam a produção para peso e pagamento, e para isso tem que caminhar muitas horas pela mata, as condição dos acampamentos é precária, não há agua potável, assim como alimentação adequada, inclusive para o frio e chuva, Outra forma de trabalho forçado na Bolívia é realizada em fazendas privadas realizado pelo povo Guarani em fazendas privadas a grande parte das fazendas das províncias do Chaco como a região: Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija. A população indígena em sua grande parte guarani é explorada através do trabalho em fazendas particulares por meio de um sistema parecido com o sistema feudal do século passado, que foi muito utilizado na região quando da colonização espanhola na região, onde o servo é visto como parte da propriedade como uma coisa, res. Nas fazendas em que desenvolvem o trabalho, eles produziram milho, amendoim e pimenta, já nas fazendas maiores cuidam também do gado. No entanto, O número de guaranis expostos ao trabalho forçado nas fazendas varia de acordo com o tamanho da fazenda, algumas segundo dados da OIT chegam a ter 100 famílias trabalhando. 61 Portanto, através dos dados da Anti Slavery e da OIT é possível perceber que o sistema de exploração é muito comum nas áreas rurais, principalmente da Amazônia Boliviana. Onde as vítimas da exploração sofrem não apenas pela condição de vulnerabilidade social da pobreza, mas também por uma questão racial, da condição indígena que os coloca como servos, em continuação de um sistema anteriormente utilizado pelas colônias. 62 LEGISLAÇÃO SOBRE O TRABALHO FORÇADO NA BOLÍVIA A Constituição Política da Bolívia determina as normas e direitos fundamentais que estão ligados ao trabalho forçado, como o direito ao trabalho digno, remuneração justa, assim como as condições básicas de proteção ao trabalhador em seu ambiente de trabalho. A sessão III trata dos direitos ao trabalho e emprego, o primeiro artigo do capítulo, o artigo 46, a Constituição determina o que segue: Artículo 46. I. Toda persona tiene derecho: 1. Al trabajo digno, con seguridad industrial, higiene y salud ocupacional, sin discriminación, y con remuneración o salario justo, equitativo y satisfactorio, que le asegure para sí y su familia una existencia digna. 2. A una fuente laboral estable, en condiciones equitativas y satisfactorias. II. El Estado protegerá el ejercicio del trabajo en todas sus formas. III. Se prohíbe toda forma de trabajo forzoso u otro modo análogo de explotación que obligue a una persona a realizar labores sin su consentimiento y justa retribución.19 Fato importante é que a Constituição da Bolívia é bem recente e por isso traz em seu bojo os preceitos internacionais relacionados ao trabalho escravo e também a proteção contra a exploração infantil que é uma das formas comuns de exploração, não apenas no campo, mas também nos grandes centros. O trabalho infantil também está presente na maioria dos trabalhos realizados nas indústrias de cana-de-açúcar, de castanhas-do-pará, assim como nas minas na 19 Tradução do original (grifo meu) Artigo 46. I. Toda pessoa tem direito a: 1. Trabalho decente, com a segurança industrial, saúde ocupacional e segurança, sem discriminação, e com remuneração ou salário justo, equitativo e satisfatório, que assegure para si e sua família uma existência digna. 2. A uma oferta de trabalho estável em condições equitativas e satisfatórias. II. O Estado deverá proteger o exercício do trabalho em todas as suas formas. III. É proibida todas as formas de trabalho forçado ou outros modos análogos de exploração que obrigue uma pessoa a executar trabalhos sem o seu consentimento e uma remuneração justa. 63 extração de zinco, estanho e prata, o trabalho realizado pelas crianças nestas áreas é de alto risco, não só para as mesmas, mas também para seus parentes, as crianças não tem escolha, pois os pais em geral já trabalham nas plantações e nas minas. As crianças sofrem acidentes por conta dos materiais que são usados para cortar as nozes e a cana-de-açúcar, assim como sofrem com uma infinidade de doenças relacionadas ao clima, à fumaça que respiram nas minas, ou em acidentes com as explosões realizadas para extração do minério, já que elas ajudam diretamente na colocação dos explosivos. A legislação constitucional explicita a intenção em seu artigo 61 de proteger e criar medidas que possam por fim ao trabalho forçado e ao infantil que é uma das piores formas de exploração segundo dados da Organização Interacional do Trabalho. Artículo 61. I. Se prohíbe y sanciona toda forma de violencia contra las niñas, niños y adolescentes, tanto en la familia como en la sociedad. II. Se prohíbe el trabajo forzado y la explotación infantil. Las actividades que realicen las niñas, niños y adolescentes en el marco familiar y social estarán orientadas a su formación integral como ciudadanas y ciudadanos, y tendrán una función formativa.Sus derechos, garantías y mecanismos institucionales de protección serán objeto de regulación especial.20 Há também na legislação fundamental o preceito de respeito ao trabalho por meio da não acumulação de riquezas pela iniciativa privada, obrigando às organizações econômicas a contribuir com o trabalho digno e a erradicação da pobreza. Artículo 312. I. Toda actividad económica debe contribuir al fortalecimiento de la soberanía económica del país. No se permitirá la acumulación privada de poder económico en grado tal que ponga en peligro la soberanía económica del Estado. 20 Tradução do original (grifo meu) Artigo 61. I. Se proíbe e pune todas as formas de violência contra crianças e adolescentes na família e na sociedade. II. Se proíbe o trabalho forçado e a exploração infantil. As atividades realizadas pelas crianças e adolescentes no âmbito familiar e social serão destinadas à sua formação integral como cidadãos e terão uma função formativa. Seus direitos, garantias e mecanismos institucionais serão objeto de regulamentação especial. 64 II. Todas las formas de organización económica tienen la obligación de generar trabajo digno y contribuir a la reducción de las desigualdades y a la erradicación de la pobreza.21 A legislação Penal Boliviana em seu capítulo IV trata dos delitos contra a liberdade de trabalho, mas não há nada específico na legislação penal que trate sobre o trabalho forçado, o único artigo que pode ser interpretado de maneira análoga é o artigo 303 que trata dos atentados contra a liberdade de trabalho. O artigo define o que segue: Artículo 303. (Atentado contra la libertad de trabajo). El que impidiere, obstaculizare o restringir ela libertad de trabajo, frofesión u ofício, comercio o indústria, incurrirá em reclusión de uno a três años.22 Além da legislação nacional boliviana, o Estado ratificou os principais tratados contra o trabalho forçado, no entanto, a exploração ainda continua existindo, o que demonstra a necessidade de políticas públicas no combate ao trabalho forçado. Uma das grandes questões observadas na pesquisa é o número de trabalhadores bolivianos sendo explorados não apenas em seu país de origem, mas em todos os países da América Latina, inclusive no Brasil, segundo dados da OIT, há um grande número de famílias bolivianas trabalhando em fábricas têxteis clandestinas em vários estados Argentinos23, assim como em fábricas em São Paulo24 21 Tradução do original (grifo meu) Toda a atividade econômica deve contribuir para o fortalecimento da soberania econômica do país. É proibida a acumulação de poder econômico privado de forma que coloque em risco a soberania econômica do Estado. II. Toda a forma de organização econômica tem a obrigação de gerar trabalho digno e contribuir com a redução das desigualdades e a erradicação da pobreza. 22 Tradução do original (grifo meu) Artigo 303(Atentados contra a liberdade do trabalho) Quem impedir obstaculizar ou restringir a liberdade de trabalho, profissão, oficio, comércio ou indústria, incorrerá em reclusão de um a três anos. 23 Cf. Capítulo p. 24 Cf. Notícia em anexo. 65 ATORES E MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO FORÇADO: EXEMPLO BRASILEIRO O Combate ao trabalho escravo no Brasil se evidencia por meio da articulação de vários atores que trabalham em conjunto, segundo a OIT (2010) destaca-se o Governo Brasileiro, os diversos órgãos do poder público, assim como grupos organizados da sociedade civil, a Comissão Pastoral da Terra, sindicatos e Cooperativas de trabalhadores rurais, assim como instituições financeiras e Universidades que subsidiam por meio de pesquisas as ações contra a exploração do trabalho escravo. O Brasil conta com um grupo Executivo de Repressão ao trabalho forçado (GERTRAF) e conta com representantes de sete Ministérios, o Ministério da Justiça, do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, da Agricultura e do Abastecimento, da Indústria do comércio e do Turismo, da Política Fundiária, da Previdência e Assistência Social e Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão de normas legislativas sem as devidas administrativas para execução das mesmas pode torna-las uma letra morta, por isso são necessárias inúmeras ações conjuntas com o objetivo de erradicar o trabalho escravo, No Brasil pode-se destacar o Plano de Erradicação do Trabalho escravo. Em 2008, foi aprovado o 2º Plano de Erradicação do Trabalho Escravo com base nos resultados alcançados no 1º Plano, onde constatou-se que houve avanço no que se refere a fiscalização e capacitação de atores para o combate ao trabalho escravo, bem como a conscientização dos trabalhadores sobre os seus direitos, mas avançou menos no que diz respeito às medidas para a diminuição da impunidade e para garantir emprego e reforma agrária nas regiões fornecedoras de mão-de-obra escrava 25. O Brasil hoje é um dos países mais ativos no combate a esta prática, por meio da Agenda de Trabalho Decente nas Américas houve a formulação da Agenda Nacional de Trabalho Decente que tem como pilares estratégicos o respeito às 25 Cf. 2º Plano Nacional para erradicação do Trabalho Escravo, página 08. 66 normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); promoção do emprego de qualidade; extensão da proteção social e diálogo social. A Agenda Nacional de Trabalho Decente tem seu corpo formado a partir de três prioridades que são gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial em suas piores formas; fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática. A erradicação do trabalho escravo como uma das prioridades da Agenda Nacional do Trabalho Decente é promovida através da cooperação técnica exercida entre a Organização Internacional do Trabalho e o Governo Brasileiro, por meio de políticas públicas, prevenção, conscientização, combate e análise do cumprimento das metas estabelecidas, com a gestão do Comitê Executivo que compõe-se de Ministérios e Secretarias Especiais da Presidência da República. Uma das medidas adotadas que são de extrema relevância no processo de limpeza institucional contra as formas de exploração e os atores que favorecem o trabalho forçado é a inelegibilidade adotada em casos de condenação por crime de redução de outrem à condição análoga a de escravo, conforme a Lei Complementar nº 135 de 2010. A Lista suja é uma das medidas adotadas pelo Governo Federal Brasileiro por meio do Ministério do Trabalho e Emprego através da Portaria Interministerial n.º 2, de 12 de maio de 2011 como forma de coibir e punir administrativamente os envolvidos na exploração do trabalho escravo, assim como dar vistas à sociedade das empresas que financiam o trabalho escravo. 67 TRATADOS E CONVENÇÕES RATIFICADOS PELOS ESTADOS As principais normas Internacionais que se referem ao combate ao trabalho escravo foram a primeira Convenção sobre a escravidão é a de 1926, editada pela Liga das Nações, a Convenção nº 29 sobre o trabalho forçado26 pelo qual os Países membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificarem a Convenção se comprometem a erradicar o trabalho forçado ou obrigatório, sob todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo, conforme o artigo 1º da presente Convenção. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que rege todos os direitos humanos fundamentais como a liberdade a igualdade, a justiça universal, nesta Declaração encontra-se os mais altos valores que devem nortear toda a legislação de proteção aos Direitos do ser humano. Em seu preâmbulo anuncia: Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla (...) A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (ONU, 1948) A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, adotada em 26 Cf. Texto da Convenção n.º 29 da OIT sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/etfps-conv-29.html Acesso em 29 de outubro de 2011. 68 Genebra, em 1956, entrou em vigor no Brasil em 6 de janeiro de 1966, a mesma foi promulgada pelo Decreto Presidencial nº 58.563 de 1º de junho de 1966. A mesma convenção Suplementar também foi ratificada pela Bolívia. A Convenção n.º 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado de 1959, 27, estabelece a proibição do trabalho forçado principalmente nos casos onde se pretende o desenvolvimento econômico, como meio de disciplina no trabalho, como forma e discriminação racial, social, nacional ou religiosa. Devido ao contexto em que a Convenção foi editada, no contexto póssegunda guerra mundial, a parte de maior relevância e que acontece em larga escala, principalmente na América Latina é a condição de trabalho forçado em razão de discriminação social e racial, visto que a maior parte dos trabalhadores é de origem humilde, ou são de indígena. O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, que tem como objetivo prevenir e combater o tráfico de pessoas. 27Cf. Texto da Convenção n.º 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/etfps-conv- 105.html Acesso em 29 de outubro de 2011. 69 DESAFIOS AO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO O consenso sobre as causas estruturais que geram o trabalho escravo estão longe de serem unânimes, nos países em desenvolvimento estuda-se a questão da pobreza e da desigualdade social, sem deixar de lado a discriminação em relação aos grupos étnicos e vulneráveis. A globalização é um dos fatores que segundo a OIT (2005) que cria novas formas de trabalho escravo, necessitando de ações a níveis mundiais para o enfrentamento da questão. No Brasil, um dos grandes entraves no combate ao trabalho escravo está na aprovação do projeto de lei que autoriza a expropriação de terras em caso de trabalho escravo, esta medida alcançaria de forma inequívoca grande parte dos envolvidos no ciclo escravista vivido hoje no Brasil. A proposta de emenda à Constituição, a PEC 438/2001 está em tramitação na câmara desde 2001 após ser aprovada no Senado Federal, a proposta estabelece a expropriação de terras, a pena de perdimento da gleba onde for constada a exploração de trabalho escravo. Nos países da América Latina, assim como no Brasil, um dos grandes desafios é a diminuição das desigualdades sociais que acabam por permitir a entrada e a volta destes trabalhadores à exploração nos locais de trabalho anteriormente encontrados e resgatados. Assim, devido a complexidade das causas e medidas conjuntas que se deve adotar no combate ao trabalho escravo a nível local e global as medidas adotadas pelos países ainda se encontra tratando as consequências do trabalho escravo e não as possíveis causas originais do problema como a pobreza, falta de acesso à educação entre outros fatores de exclusão social. 70 CONCLUSÃO O tema abordado faz referência à exploração da mão-de-obra forçada, o que é designado pelas normas internacionais como trabalho forçado, ou trabalho escravo em termos nacionais. O trabalho forçado é uma prática que se constitui hoje em uma forma de exploração que atenta contra todas as formas de proteção aos Direitos Humanos e Direitos Trabalhistas. A análise do conteúdo presente na pesquisa foi feita por meio do método histórico, sociológico e comparativo abordado as formas existentes do trabalho forçado hoje no Brasil, Peru e Bolívia, utilizando a comparação para análise dos três países em questão. O objetivo do trabalho era analisar como se dava o trabalho nos países escolhidos e analisar a forma como os entes governamentais destes países lidavam com questão por meio de seu ordenamento jurídico, assim como a análise destas normas por meio das normas internacionais relacionadas ao trabalho escravo. Um dos entraves à pesquisa foi o acesso aos dados relacionados ao trabalho escravo por fontes diferentes à Organização Internacional do Trabalho no Peru e na Bolívia, já o Brasil conta com um banco de dados, por meio do Ministério do Trabalho que facilita a quantificação do trabalho escravo no Brasil hoje. Contudo, por meio da análise feita tendo como base os dados fornecidos pela OIT no Peru e na Bolívia é possível chegar a conclusão de que o trabalho forçado nestes dois Países tem como um dos fatores o preconceito racial em relação aos indígenas. No entanto, não é possível chegar à conclusão de que o preconceito racial seja fator determinante para a exploração da mão-de-obra escrava, visto que os dois Países tem um alto índice de pobreza em todo o seu território, e este é um dos fatores ligados à vulnerabilidade social que coloca estas pessoas nesta condição desumana de trabalho. Os esforços relacionados à inclusão do trabalho forçado na legislação de todos os países analisados se mostram presentes, no entanto, a simples inclusão do trabalho escravo na legislação destes países se mostrou insuficiente para acabar 71 com o trabalho escravo, já que a há a necessidade de um trabalho conjunto entre os setores governamentais para execução destas normas, assim como políticas públicas de combate ao trabalho escravo em todos os territórios. Como o trabalho forçado é uma prática relacionada à fatores como a pobreza, baixo grau de escolaridade e outros fatores a estes relacionados, a pesquisa mostrou que não só a classificação, determinação de punição e outras formas de coerção pela norma são suficientes. Constatou-se que em todos os países, procura-se tratar as consequências doa atos, mas não há muitos esforços no que se refere à busca das raízes de tais problemas com o fim de extirpar o mal pela raiz, ou seja, tratar as causas do problema, além de suas consequências. O Peru e o Brasil foram os países analisados que mais tomaram medidas no combate ao trabalho escravo, o que pode ser percebido no decorrer do trabalho é que as formas de coerção e de uso do trabalho escravo não sofrem grandes modificações entre os países analisados. Em todos os países analisados as formas de coerção se dão pelo logro para aceitação do trabalho, logo depois o empregado se vê obrigado a continuar nas funções degradantes em que se encontra, seja pela dívida, seja pela coerção física ou psicológica que lhes é ministrada. Após o termino da pesquisa verificou-se que é necessário uma continuação da mesma no que se refere às causas e meios de combate ao trabalho escravo, com suas nuances e características peculiares a cada país e região, visto que a pesquisa em questão tratou da comparação entre as formas de trabalho forçado e a legislação nacional, assim como os atores atuantes no combate ao trabalho escravo à nível regional e global. Conclui-se que são necessárias mais pesquisas sobre o tema para determinar as causas específicas do trabalho escravo de acordo com a região analisada, para então propor meios de solução para as causas que levam a exploração do trabalho forçado à nível regional, nacional e internacional. 72 REFERÊNCIAS ALVES, Francisco das Neves. A Abolição da escravatura negra na América Latina: desenvolvimento, modalidades e heranças. In: Aspectos da escravidão na América espanhola. Coord. Earle Diniz Macarthy Moreira. Porto Alegre: Associação dos Pós-Graduandos em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1996. ARISTIMUNHA, Cláuda Porcellis. Aspectos da democracia e tráfico de escravos africanos introduzidos em Nova granada. In: Aspectos da escravidão na América espanhola. Coord. Earle Diniz Macarthy Moreira. Porto Alegre: Associação dos PósGraduandos em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1996. 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