Rev. Bras. Fisiot. Vol. 2, No. I (1997)
©Associação Brasileira de Fisioterapia
19
Alterações Centrais e Periféricas Após Lesão do Sistema
Nervoso Central. Considerações e Implicações para a
Prática da Fisioterapia
Fernando A.S. Villar
Department of Biokinesiology and Physical Therapy, University of Southern California,
1540 Alcazar CHP 155, 90033 Los Angeles - CA, USA
Recebimento: 16.12.97; Aceitação: 12.05.97
Resumo. Os neurônios conduzem informações sensoriais da periferia ao sistema nervoso central
(SNC), processam-na ao longo do neuroeixo e determinam comandos motores para a musculatura. As células nervosas
estabelecem inúmeras conexões entre si e as complexas funções do SNC dependem de seu grande número de neurônios.
A lesão do SNC interrompe intrincadas cadeias neuronais, dificulta e/ou altera a transmissão e modulação dos sinais
nervosos e, assim, compromete a função integrativa do SNC, causando atividade anormal ou perda em níveis diferentes
de sua estrutura e conexões e sua restruturação inicia-se precocemente com o objetivo de restaurar a integridade
anatômica e fisiológica do sistema. Processos como o brotamento axonal, ativação de sinapses dormentes e super-sensitividade de desnervação têm papel importante na recuperação funcional do SNC, o qual envolve várias etapas e pode
durar meses em seres humanos. Isso não implica o retorno dos mesmos mecanismos perdidos com a lesão, mas uma
adaptação de mecanismos residuais denotando a adaptabilidade biológica e comportamental ou plasticidade do SNC.
Este processo pode ainda ser uma das causas do aparecimento de eventos motores anormais, tais como as sinergias,
as reações de equilíbrio evocadas e mantidas anormalmente e a espasticidade que interferem com a produção de
desempenho motor voluntário residual, agravando a disfunção do paciente. Esta revisão terá foco na literatura
experimental das alterações centrais e periféricas do SNC após a lesão de sua relação com a literatura clínica de
mudanças neuromusculares após o trauma central são discutidas as implicações destes achados no desempenho motor
voluntário residual e nas anormalidades motoras.
Palavras-chave: plasticidade sináptica, recuperação funcional, lesão do SNC, brotamento axona/,
espasticidade
Abstract. Neurons conduct sensory information from the periphery to the central nervous system
(CNS), process it along the CNS, and send the motor drive for muscle contractions. They establish countless and
di verse connections among themselves. The CNS complex activities depend on its great number of cells. CNS damage
disrupts the sophisticated neural network hindering and/or altering the transmission and modulation o f neural signals.
It compromises the CNS integrative function and generates loss or abnormal activity in different leveis o f its structure
and connections. Early restructuring changes aim to restare anatomical and physiological integrity of the system.
Processes such as, sprouting, unmasking of Iatent synapses and denervation supersensitivity play an important role
in the functional recovery of the CNS, which includes severa! steps and may last months in humans. It does not mean
the return of the same motor mechanisms Iost after the lesion, rather it means an adaptation of residual mechanisms.
It shows the CNS biological and behavioral adaptability or plasticity. This restructuration could cause appearance of
abnormal motor events, such as synergies, abnormal triggered balance reactions and spasticity, that interfere with the
generation o f residual voluntary motor performance, aggravating the patient' s disability. This overview will focus on
the basic Iiterature of both central and peripheral changes after CNS damage and its relation to the clinicai literature
of neuromuscular modification following central trauma. Their implication on residual voluntary motor performance
and motor abnormalities will be addressed.
Keyword: synaptic plasticity, functional recovery, CNS damage, sprounting, spasticity
20
Introdução
Os neurônios distinguem-se de outras células devido à sua
12
condição de gerar e conduzir impulsos elétricos • . Esta estabilidade proporciona aos neurônios a capacidade de conduzir
informação sensorial da periferia até o sistema nervoso central
(SNC), de processar a informação ao longo do SNC e de
2
transmitir os impulsos motores para as contrações musculares .
Os sinais usados pelos neurônios para transmitir informações consistem de alterações de potenciais causadas por
correntes elétricas que cruzam as membranas de sua superfície.
Dois tipos de sinais são característicos nos neurônios localizados que podem propagar se somente por pequenas distâncias
(por exemplo, potenciais de receptores e sinápticos) e potenciais
de ação que podem regenerar e percorrem, rapidamente, longas
distâncias sem atenuação. Estes dois tipos de sinais são a linguagem universal das células nervosas em todos os animais que
foram estudados até o momento 2 .
O sinais nervosos ou impulsos são virtualmente idênticos
em todas as células nervosas, mas o significado e importância
de um sinal depende das origens e destinos dos neurônios que
os geram ou transportam, isto é, eles dependem das conexões
que estes neurônios estão estabelecendo 2 . É enorme a diversidade de conexões estabelecidas pelos neurônios. Este fato expõe
a atividade complexa do SNC, que é capaz de realizar a sua
função devido ao seu grande número de células. Somente no
córtex cerebral são estimulados mais de 20.000 células por mm 3
de volume 2 .
A lesão do SNC destrói a complexa cadeia de neurônios
obstruindo e/ou alterando a transmissão e a modulação dos
sinais neurais. Este processo danoso compromete a função
integrativa do SNC e causa perdas, ou atividade anormal, em
diferentes níveis de sua estrutura e conexões. Ao mesmo tempo
acontecem restruturações no sistema, objetivando sua restauração anatômica e integridade fisiológica 3 .
Esta revisão terá como foco a literatura básica acerca das
alterações centrais e periféricas do SNC após a lesão e sua
integração com a literatura clínica relacionada a estas modificações patológicas. As implicações destas alterações, observadas e relatadas nestas duas fontes, em relação ao desempenho
motor residual voluntário, bem como ao de eventos motores
anormais, serão então discutidas.
Lesão do Neurônio
A resposta dos neurônios do SNC de mamíferos adultos
ao insulto, bem como sua capacidade potencial de recuperação
constituem, presentemente, problemas neurobiológicos básicos
com vastas implicações clínicas e terapêuticas. A partir de
resultados das técnicas de lesão e transplante, tomou-se claro
que não somente os neurônios em desenvolvimento mas também os neurônios do SNC de mamíferos possuem uma capacidade inata para o restabelecimento funcional após a lesão.
Neurônios avariados irreversivelmente não podem ser trocados
mas podem ser substituídos funcionalmente por circuitos ou
Villar
Rev. Bras. Fisiot.
trajetos nervosos alternativos, em decorrência do brotamento
massivo e sinaptogênese reativa nos axônios intactos e não
lesados que respondem à degeneração axonal e sinápticas adjacentes3.
Fatores tróficos são pequenas proteínas que exercem ação
poderosa no crescimento, diferenciação e efeitos tróficos em
várias células e/ou tecidos por meio de receptores específicos.
Exemplo de fatores conhecidos que também têm efeito neurotróficos incluem a insulina e fatores semelhantes à insulina,
fatores fibroblásticos de crescimento, interleucinas e fatores de
crescimento por transformação. As neurotrofinas são uma
família de fatores assemelhados aos fatores de crescimento do
nervo (FCNs) que juntamente com os fatores neurotróficos
ciliares (FNCs) e os fatores neurotróficos derivados de linhas
celulares gliais (FNDGs), recentemente identificados, exercem
efeitos tróficos em tipos específicos de neurônios por meio de
25
receptores próprios e de suas vias de intercomunicação • .
Tanto no sistema nervoso em desenvolvimento, como
também no adulto e no envelhecido, o suporte trófico dos
neurônios depende de uma classe especial de fatores de crescimento chamados fatores neurotróficos. Estes fatores são essenciais para a sobrevivência e crescimento dos neurônios
cerebrais. Eles parecem ser derivados das células alvo de cada
neurônio e nutrem e sustentam o mesmo neurônio. É aparente
que a lesão do SNC provoca um aumento da atividade dos
4
fatores neurotróficos em regiões danificadas do SNC •5 . O
aumento da quantidade destes fatores parece regular o "brotamento" e ajudar a manter os neurônios lesionados 5 •6 .
A secção completa de um axônio causa interrupção do
transporte axonal, rápido e lento, de substâncias sintetizadas no
corpo celular para os terminais do axônio. Privado da interação
metabólica com o corpo celular, o axônio e os terminais sinápticos se degeneram. Uma vez que o transporte de substâncias e
materiais ocorre também na direção do corpo celular, alterações
retrógradas são também observadas depois da axonotomia e
podem levar o neurônio à morte7 ·8.
O local da lesão dos axônios, tanto naqueles localizados
dentro do cérebro quanto naqueles que formam o nervo
periférico, é denominado zona de trauma, e o segmento que
ainda permanece ligado ao corpo celular é o segmento proximal
em relação ao segmento distai, que se torna isolado do resto da
célula. A membrana do axônio nas extremidades secionadas
cicatriza os segmentos através de fusão, detendo a perda de
axoplasma 7 . Ocorre, então, edema das extremidades axonais
retraídas e os materiais transportados pelo axônio e pelas organelas celulares acumulam-se em ambas extremidades cortadas. Na zona de trauma, o axônio e a bainha de mielina passam
por degeneração local rápida. Macrófagos presentes na circulação geral e células gliais (astrócitos e microglia) iniciam a
fagocitose dos restos do axônio 7 •8 . A degeneração se espalha
em ambas as direções ao longo do axônio a partir da zona de
trauma, mas somente por uma pequena distância no segmento,
usualmente até o ponto de origem do primeiro colateral do
axônio. Após 2-3 dias, uma reação retrógrada é observada no
corpo celular. Se este morre, a degeneração se espalha desde a
V oi. 2. No. 1, 1997
Plasticidade do sistema nervoso após lesão
base da célula, na junção corpo celular-axônio, ao longo do
segmento proximal7·8. A degeneração terminal, ou seja, a completa degeneração das sinapses no segmento distai, acontece em
aproximadamente 15 dias. A degeneração Walleriana, a necrose do segmento distai, usualmente ocorre em um período de
1 a 2 meses 7·8.
As sinapses mediam não só impulsos elétricos, mas também fatores tróficos entre os neurônios. Estes fatores têm papel
2 57 8
importante na manutenção normal dos neurônios • · · . Um
neurônio pode encolher, atrofiar ou degenerar se for privado de
seu terminal sináptico. Se um feixe de axônios é afetado no
SNC, a extensão de uma lesão pode atingir vários neurônios em
uma cadeia ou circuito. A propagação da lesão por meio das
sinapses é chamada transináptica ou transneuronal, e explica
os efeitos patológicos de uma lesão em locais distantes da região
afetada primariamente3 •6·7·8. O tecido nervoso contém ainda
células gliais (oligodendrócitos, astrócitos, células ependimais,
células de Schawann e micróglia), que formam a base de suporte
para os neurônios. Alguns tipos destas células incorporam os
restos da degeneração neuronal através da fagocitose dos produtos tóxicos então formados 7·8.
No sistema nervoso periférico, a seqüência de eventos da
degeneração do axônio difere daquela que ocorre no SNC, uma
vez que a bainha de tecido conjuntivo que envolve o nervo, na
qual repousa originalmente o axônio secionado, pode permanecer intacta. Se o segmento proximal do axônio se regenera, a
bainha de tecido conjuntivo age como um condutor, dirigindo
os axônios em crescimento de volta ao alvo periférico. Por outro
lado, os prolongamentos dos axônios separados, localizados
centralmente, não conseguem atingir seus alvos centrais por
causa da cicatriz glial formada em tomo dos axônios em degeneração6·7·8.
Após axonotomia, alguns axônios passam por alterações
regenerativas que os tornam capazes de suportar o crescimento
de um novo axônio. A cromatólise é o principal componente
pericário da reação axonal. Este processo envolve alterações
estruturais na glicose, no RNA e na síntese massiva de proteínas,
necessária para a regeneração do axônio. Se ocorrem conexões
inadequadas entre o novo axônio e seu alvo, a cromatólise não
ocorre e, por conseguinte, a célula atrofiará e degenerará totalmente5·7. Muitas células não apresentam cromatólise ou alterações regenerativas depois de dano axonal. Neurônios
talâmicos e células de Purkinje do cerebelo, entre outras, são
67
exemplos de células nervosas que não possuem cromatólise · .
Em animais jovens, já foi demonstrado que a cromatólise é mais
acentuada do que em animais idosos. Também o processo é mais
sólido quando a lesão é mais próxima do corpo celular. Conseqüentemente, a idade do animal, o local da lesão e a natureza
da mesma são importantes no sentido de entender o potencial
67 8
para recuperação funcional depois de uma axonotomia · · .
Dentro do SNC, entretanto, os neurônios capazes de cromatólise
após lesão do axônio podem degenerar ou atrofiar, devido à sua
incapacidade de estabelecer conexões apropriadas. Por isso, a
67
prognose de sua recuperação é muito limitada · .
21
O crescimento axonial após lesão do neurônio periférico
têm sido atribui do à célula de Schwann e à liberação de um fator
de crescimento, provavelmente proteínas associadas a crescimento (PACs). Diferentemente, no SNC as células gliais não
possuem esse fator6·7. Recentemente, porém, foram identificados alguns fatores derivados de linhas de células gliais possuindo efeitos neurotróficos5. Será preciso, portanto, mais
investigação nesta área para que um quadro mais claro seja
delineado. Outra possibilidade é que as células de suporte que
proliferam poderiam interferir no processo de reparação, bloqueando a restauração das conexões sinápticas danificadas dentro do SNC e da medula espinhai6·7.
Processos de Restauração Após Danificação
do Tecido Neural
Destruição do cérebro, medula espinhal e nervos periféricos por doenças, trauma ou lesões expansivas são seguidas por
sinais e sintomas de alterações na atividade motora, no comportamento e, internamente, na homeostate do sistema, que pode
apresentar diferentes graus de severidade. Luria et al. 9 distinguiram dois tipos de alterações funcionais após lesão localizada
no cérebro: 1) lesões causadas primariamente pela morte de
neurônios, cujas funções são completamente abolidas e 2) disfunções causadas por inibição dos neurônios preservados. Esta
inibição, acredita-se, é passageira. Em relação a esta idéia de
inibição, um estado também conhecido como diaschisis, significando déficits transitórios após dano cerebral, Goldberg e
Muray referiram-se a um estado de excitação diminuída de
neurônios pós-sinápticos, que se segue a uma desnervação
parcial 10. Explicações possíveis para este estágio de excitação
diminuída do tecido neural são os eventos fisiopatológicos
imediatos ao trauma do SN.
O primeiro sinal de restauração a ser detectado é o retorno
dos níveis adequados de oxigenação, que foram perdidos devido
12
à isquemia progressiva causada pelo trauma neural 11 • . As
conseqüências desta isquemia foram um alto grau de hipóxia na
área lesionada, perda de K+ pelos neurônios, acumulação de
Na+ e Ca 2+ e degeneração dos neurônios. Na proximidade da
área danificada, os neurônios que sobrevivem tornaram-se inexcitáveis, provavelmente devido à perturbação iônica. A hipóxia
pode causar acumulação massiva de K+ extracelular, condição
que mantém o neurônio despolarizado. Portanto, a restauração
precoce do oxigênio pode retornar o potencial de repouso a
níveis normais e restabelecer a excitabilidade dos neurônios.
Este processo ocorre dentro de alguns minutos 1O, 11•12 . Este
meio ambiente interno cria condições para o novo crescimento
do axônio. Se o paciente sobrevive, ocorre uma melhora gradual
dos sinais. É evidente, então, que algum processo de recuperação está ocorrendo.
Era pensamento corrente que, uma vez lesado, o SNC era
incapaz de adaptação. A lesão determinava uma perda permanente da função e a regeneração não era possível dentro do SNC.
A pesquisa em neurociência tem mudado este conceito. A idéia
prevalecente é que a recuperação das lesões do sistema nervoso
22
é 'um processo que envolve diversos estágios e se inicia imediatamente após a lesão, podendo durar vários meses em seres
humanos. A reparação constitui-se, portanto, no retomo gradual
de uma função específica, após um déficit inicial, observada
subseqüentemente a uma lesão do SNC. Isto, porém, não significa o retomo dos mesmos mecanismos motores que foram
perdidos arós a lesão, mas sim uma adaptação dos mecanismos
residuais 1 ' 14 • Este fato demonstra a adaptabilidade biológica e
comportamental ou plasticidade do SNC.
Várias teorias têm sido formuladas para explicar a recuperação do SN. O conceito de ação massiva estabelece que,
como regiões diferentes do SNC mediam a mesma função
motora, se esta função é suprimida, ela poderia ser mediada por
um circuito residual equivalente em função àquele danificado.
O fator crítico para que isto ocorra é a quantidade de tecido
nervoso não afetado pela lesão e não a sua localização
específica. A teoria da função vicária sugere que os sistemas
preservados têm uma capacidade latente de controlar a função
perdida. Após a lesão, a função latente se toma ativa. A reorganização funcional sugere que uma via nervosa pode alterar
sua função qualitativamente, assumindo o controle de uma
função que ela não controlava originalmente. Finalmente, a
teoria da substituição estabelece que a recuperação nervosa
pode ser produzida pela substituição de mecanismos normalmente controlados pela via/circuito lesionado, por mecanismos
controlados normalmente através de vias/circuitos não danificados. O movimento recuperado ou sua produção pelo SNC
seria então diferente do movimento original, embora o mesmo
resultado pudesse ser atingido. A substituição é classificada
como sensorial, funcional e comportamental 13 · 14.
Bach-Y-Rita tem declarado que a plasticidade cerebral é
a denominação "das capacidades adaptativas do sistema nervoso central - sua habilidade para modificar sua organização
estrutural própria e funcionamento (p. 225)" 14. O processo da
demanda funcional imposto ao sistema precisa de feedback para
ser bem sucedido. A plasticidade também promove alterações
funcionais de longa-duração no SNC 14. Bishop também apontou para o fato de que os fenômenos da recuperação não significam restauração da função normal, mas antes implicam numa
lesão-reorganização induzidas do SNC. O processo de recuperação é composto de vários mecanismos com a ação integrada
do SNC danificado 15 .
Mecanismos Básicos de
Reparação/Recuperação do SNC
Brotamento
Já está bem estabelecido que no sistema nervoso periférico
(SNP) brotos colaterais de fibras motoras intactas reinervam
fibras musculares deaferentadas após transecção parcial do
nervo motor 15, 16. Várias outras manipulações experimentais,
tais como o bloqueio da transmissão sináptica por toxinas ou
lesões específicas da fibra muscular, têm sido usadas para
estudar o fenômeno do brotamento. Este processo foi também
descrito em células ganglionares simpáticas. Brotamento axo-
Villar
Rev. Bras. Fisiot.
nal tem sido demonstrado também no SNC 6,17 . Este é definido
como um novo crescimento de processos a partir de axônios ou
terminais, derivados de neurônios não lesionados (Fig. 1). A
regeneração refere-se ao novo crescimento de axônios danificados de seus alvos normais. A lesão estimula o brotamento de
axônios no cérebro maduro e envelhecido 18 . Modificação de
sinapses, ou sinaptogênese reativa, é a denominação da perda e
substituição de sinapses, que ocorre em resposta a algum
estímulo que não é parte do processo normal de desenvolvimento6. O brotamento em axônios pode restaurar parcialmente circuitos danificados e pode participar da recuperação
funcional.
O processo de regeneração axonal é complexo e envolve
a participação de vários fatores celulares e químicos. Três fases
principais podem ser identificadas: 1) a resposta do corpo
celular e a formação de novos brotos; 2) alongamento dos novos
brotos; 3) cessação do alongamento axonal e sinaptogênese 19 .
A capacidade de regenerar pode ser intrinsecamente pré-programada ou pode depender do ambiente20 . A regeneração envolve alterações na síntese e transporte de macromoléculas
específicas, incluindo aquelas especificamente equipadas para
reconstruir novos axônios, coletivamente denominadas eventos
restaurativos 20 .
Rotshenker21 sugeriu que mecanismos para indução do
brotamento e formação de sinapses podem ser divididos em dois
grupos: periférico e transneuronal. Mecanismos periféricos envolvem a influência direta de um fator promotor do crescimento
nas extensões periféricas dos motoneurônios, que respondem
com brotamento. O mecanismo transneuronal implica na indução do brotamento axonal de motoneurônios intactos por
outras células nervosas dentro da medula espinhal. Os fatores
de crescimento do nervo (FCNs) são uma família de proteínas
derivadas de tecidos alvos, que agem via receptores em
neurônios, para produzir efeitos neurotróficos, depois do transporte retrógrado até o soma neuronal 22 . Células de Schwann,
tanto durante o desenvolvimento quanto depois de lesão axonal
no adulto, produzem FCNs e expressam receptores FCN23 . Os
poderosos efeitos de crescimento promovidos pelos FCNs estão
envolvidos em processos regenerativos de nervos periféricos
simpáticos e neurônios sensitivos após lesão 22 . Quando axônios
em regeneração, provenientes destes neurônios, entram na
porção distai do nervo, eles são guiados ao longo do substrato
da superfície da célula de Schwann, através da ligação dos FCNs
com seus próprios receptores 22 .
Diversos tecidos expressam proteínas que podem tomar
parte na regeneração axonal. No tecido periférico citam-se a
lâmina basal dos músculos e os fibroblastos. O mecanismo da
promoção de suporte trófico e direção é provavelmente uma das
várias propriedades do nervo periférico, sendo mediado por
componentes da superfície ou em parte por produtos do metabolismo das células de Schwann, que tornam o ambiente condutivo para a regeneração dos axônios periféricos ou centrais.
A regulação deste mecanismo (i.e. supressão) parece ocorrer
devido a contato axonal, uma vez que o crescimento periférico
axonal prossegue na direção da célula alvo 22 . Uma resposta
V oi. 2. No. I, 1997
Plasticidade do sistema nervoso após lesão
similar do tecido glial do SNC, no sentido de induzir receptores
FCNs após trauma, não é observada depois de lesões do SNC,
mesmo com axônios de células possuidoras de receptores FCN (i. e.
lesões de medula espinhal ou fomix-fimbria) 24 . Similarmente,
astrócitos ou oligodendrócitos cultivados sob condições convencionais não expressam receptores FCN. Portanto, a capacidade das
células de Schwann de produzir receptores de fatores tráficos pode
se constituir numa das razões pela qual elas representam um
. para crescimento
.
. vzvo
. 25
substrato supenor
axona1zn
Em alguns casos, entretanto, parece que a recuperação
funcional não necessita, aparentemente, de restabelecer com
precisão circuitos específicos. Por exemplo, subseqüente a
lesões corticais frontais, transplantes de córtex homólogo, astroglia purificada, ou Gelfoam de uma lesão cavitária podem,
todos, aumentar a velocidade da recuperação numa tarefa de
reforço alternado. Nestes casos, os transplantes provavelmente
providenciaram algum grau de suporte tráfico ao cérebro danificado, estabilizando os circuitos neuronais remanescentes 6 .
O brotamento é mais acentuado também em termos do
grau e da extensão após a denervação, bem como em estágio
precoce do desenvolvimento. Em contraste, no SNC adulto, o
brotamento é restringido ao território do campo dendrítico dos
neurônios deaferentados. Embora os mecanismos subjacentes a
estas diferenças entre neonatos e adultos não sejam claros,
parece que em ambas, a extensão e a velocidade (taxa) de
brotamento variam com a idade 17 . O brotamento é caracterizado
por uma fase inicial rápida, seguida de outra muito mais lenta,
que dura meses. Os sinais iniciais do brotamento são observados
dentro de duas semanas no giro denteado, por exemplo 26 . Outra
caraterística do fenômeno é sua seletividade tanto em termos do
local, quanto do tipo de fibras que sofrem o processo 17 .
Brotamentos a partir de axônios preservados aparecem e
se propagam sobre os campos vacantes próximos, entre 4 a 5
dias após a lesão. Este processo não substitui o circuito original,
mas facilita um aumento em estímulos residuais e pode prevenir
atrofia dos dendritos e manter um nível funcional de excitabilidade. A sinaptogênese reativa pode criar também conexões
anormais ou interferir com a recuperação, ocupando espaços
que são alvos dos brotos em regeneração, nas suas conexões
sinápticas normais 27 . Sinaptogênese regenerativa acontece a
partir dos axônios secionados, próxima do local da lesão, concomitantemente com a sinaptogênese reativa. Estes brotamentos precisam crescer sobre longas distâncias e transpor
cicatrizes gliais. Esta obstrução poderia acarretar a deflexão em
sua direção, sua morte, ou a formação de novas sinapses com
- em suas 1me
. d'1açoes
- 27
alvos inadequados, que estao
"-....Ativação de sinapses latentes
~:,Nem todas as sinapses exercem controle igual sobre um.
~·
0
/
1J'o}Jgumas podem ser relativamente inefica:es e_m SIJilítt Quando um estímulo importante as celu~as
~"'c-..,; 't~napses residuais ou dormentes prevlac\t>t4l!'n_ar eficientes. Desmascaramento
P<'b\?rocesso que ocorre quando
···-.umas não são usados para
23
a função particular que está sendo investigada, são ativados
quando o sistema normalmente dominante falha 28 . Já foi
sugerido que um mecanismo homeostático poderia ser responsável por um aumento de excitabilidade, na presença de uma
diminuição na atividade dos estímulos 28 . Uma diminuição da
estimulação poderia detonar este mecanismo, causando uma
compensação, de maneira que a estimulação remanescente teria
um maior efeito. O mecanismo de desmascaramento pode
envolver a melhoria de acesso sináptico das fibras preservadas
aos neurônios, que perderam sua mais importante fonte de
estimulação para aquela função específica29
Suspersensitividade de desnervação
Entre os efeitos regulatórios ou tróficos exercidos pelo
nervo, uma função básica é o controle da sensitividade da célula
pós-sináptica a estímulos químicos. Subseqüentemente à desnervação, este controle é perdido, e a célula pós-sináptica toma
se quimicamente supersensível30 . Supersensitividade de desnervação é definida como um aumento de sensitividade dos
elementos sinápticos após desnervação parcial ou total (Fig. 2).
Este fenômeno foi demonstrado inicialmente em músculos desnervados como um aumento progressivo da resposta à acetilcolina (ACTh). Ela foi também descrita dentro do SNC, no
sistema dopaminérgico 31 . Dois possíveis mecanismos são responsáveis pelo fenômeno: 1) desvio na supersensitividade
(pré-sináptica) que ocorre nos primeiros dias depois da desnervação e é relacionada com a perda do mecanismo de reabsorção
da acetilcolina. O nível aumentado de excitabilidade sináptica
seria o resultado da acumulação de ACTh na fenda sináptica. 2)
Não-desvio da supersensitividade (pós-sináptica) com um
tempo maior de desenvolvimento e relacionado ao desuso 32 . Já
foi sugerido que a membrana pós-sináptica se tomaria supersensitiva após desnervação em virtude do aparecimento de novos
receptores, em áreas da membrana previamente destituídas dos
mesmos, por conseguinte alargando a superfície receptora.
Outra causa apontada seriam as alterações nas propriedades
elétricas da membrana, causadas por alterações nas permeabilidades iônicas da mesma. Ambos mecanismos são passíveis de
aumentar a resposta celular a diferentes tipos de estímulos 30 .
A supersensitividade de desnervação teria seu valor em
termos de tornar o tecido susceptível à reinervação, ao aumentar
a sua sensitividade e excitabilidade geral a um nível onde brotos
recém fonnados, não importando seus locais de conexão, teriam
a capacidade de formar contatos sinápticos funcionais e de
restabelecer o controle neurotrófico 30 .
Mecanismos de Plasticidade no SNC e SNP
0 SNC e o SNP de vertebrados superiores diferem distintamente em sua capacidade de regeneração de suas conexões
. apos
' uma l esao
- 33
neuronms
SNC
A visão de que um novo crescimento celular no cé:ebro
de mamíferos estava abolido, uma vez que a capacidade
24
mitótica dos neurônios estivesse superada, merece ser revista à
luz de novos achados de pesquisa. A falta de capacidade de
regeneração no SNC não é devida a uma inabilidade dos
neurônios do SNC em produzir novos neuritos, capazes de se
alongar em distâncias longas, mas é crucialmente dependente
no ambiente tissular no qual os novos axônios estão crescendo34_
Neurônios com processos confinados ao SNC podem experimentar cromatólise após axonotomia, ter axônios capazes
de brotar novos cones de crescimento com possibilidades de se
desenvolverem, mas falham em progredir neste processo. Uma
razão presumível é que eles não conseguem estabelecer conexões sinápticas apropriadas. Este insucesso pode também ser
explicado pelo fato de que as fibras nervosas do SNC precisam
regenerar numa distância muito longa e vencer um ambiente
interno desfavorável, com cicatrizes gliais bloqueando o seu
caminho6·7.
Não é sabido ainda se axônios centrais em regeneração
estabelecem conexões sinápticas funcionais, mas o estudo de
enxertos nervosos e das proteínas associadas ao crescimento
poderiam no futuro esclarecer estes mecanismos de regeneração
no SNC6·7. Tecidos do sistema nervoso periférico têm sido
transplantados para o SNC de animais lesionados e têm demonstrado uma intensificação na regeneração de neuritos centrais,
mas o ambiente interno do SNC adulto é ou incapaz de suportar
o crescimento ou previne ativamente o acontecimento do
fenômeno. Entre as possíveis explicações para isto estão a falta
de fatores tróficos, condições desfavoráveis de substratos extracelulares, barreiras mecânicas, por exemplo de cicatrizes
gliais densas, ou outros mecanismos inibitórios. A falta da
capacidade regenerativa demonstrada por vários neurônios
maduros no cérebro e medula espinhal pode refletir a presença
de um ou mais fatores desses tipos35 . Mais pesquisas no campo
poderão clarificar esta controvérsia.
A extensão em que o brotamento axonal e a formação de
novas sinapses funcionais são responsáveis pela recuperação da
função após dano cerebral, é campo a ser explorado. Rearranjos
sinápticos no núcleo vermelho causando recuperação motora já
foram demonstrados após inervação cruzada 36 . Tem sido
especulado também que alguma correlação deve existir entre
recuperação comportamental e o aparecimento de brotamentos
no SNC. Provavelmente, brotamento axonal e formação de
novas sinapses são responsáveis, pelo menos em parte, pela
recuperação comportamental que os animais demonstram após
procedimentos de inervação cruzada e talvez após lesão cerebral36. Alterações transneuronais pronunciadas podem ocorrer
após grandes traumas no SNC, sugerindo que a sinaptogênese
reativa pode ajustar a integridade funcional de cadeias de circuitos complexos sem uma lesão primária6.
Vários modelos animais experimentais são usados para
estudar a recuperação no SNC. As respostas do SNC à rizotomia37, transecção espinha! 38 , hemisecção 13 , hemisecção dupla39, uma combinação de rizotomia e transecção espinhal 40 e
lesões cerebrais específicas 17 têm sido publicadas na literatura.
Após rizotomia unilateral, o animal não usa o membro deafe-
Villar
Rev. Bras. Fisiot.
rentado ou o usa minimamente. Alguns reflexos retomam rapidamente e os reflexos descendentes são exagerados dentro de 2
semanas. O animal é incapaz de andar, a menos que seja
suportado pela cauda e não apresente outros problemas de
equilíbrio. Dentro de 7 dias há alguma recuperação da locomoção incontrolada, que melhora progressivamen te até três
semanas, quando não é observada ainda a recuperação 37 . A
recuperação da rizotomia dorsal é aceita como induzida por
brotamento colateral das raízes dorsais vizinhas 41 e pela ativação de sinapses previamente inativas ou dormentes 42 , o que
estimula a expansão dos campos receptivos de neurônios de
segunda ordem.
A transecção da medula espinhal causa efeito imediato,
como o choque espinhal, que dura dias ou semanas em seres
humanos e primatas, ou horas em gatos e minutos em sapos. Em
gatos, dentro de 6 a 8 h após o procedimento experimental a
nível de Tl3 ou L5, acontece um aumento da transmissão
sináptica após a transecção espinhal38 . Isto poderia ser causado
por ativação de sinapses latentes ou ineficientes42 . A reorganização sináptica após transecção medular é considerada como
resultado do brotamento colateral de neurônios viáveis e se
constitui na mais importante resposta adaptativa à lesão 17 .43.
A hemisecção da medula espinhal produz ruptura seletiva
dos reflexos segmentares ipsilaterais e reflexos descendentes
contralaterais. Em gatos, toda a atividade reflexa é deprimida
no período pós-operatório imediato. A atividade reflexa reaparece dentro de 3 dias e os reflexos segmentares ipsilaterais se
tomam hiperativos no curso de 2 semanas após o procedimento
cirúrgico 13 . As raízes dorsais no lado da lemisecção apresentam
um alargamento de seus campos receptivos 44 . Os achados responsáveis pela recuperação neste procedimento são o brotamento colateral das raízes dorsais (alargamento dos campos
receptivos) e a ativação de sinapses ineficientes ou dormentes 44 .
As áreas motoras do SNC também demonstram os
princípios do brotamento e da sinaptogênese reativé. O sistema
de projeção cerebelo-telâmico é exemplo de regeneração substancial após lesão traumática45 . O crescimento de neurônios da
substância nigra, induzido por transplante cerebral, tem sido
demonstrado também no seu território desnervado no estriado,
após lesões nigrais 6·46 . O brotamento colateral já foi identificado no núcleo septal, no córtex, no· entorhinal, no núcleo
vermelho e outras regiões cerebrais, sugerindo que este é um
fenômeno generalizado6. Supersensitivida de de desnervação,
por outro lado,já foi demonstrada no núcleo caudado, resultante
da degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância
nigra 31 .
SNP
Respostas precoces à axonotomia de um nervo periférico
já foram descritas anteriormente no item Lesão do neurônio.
Dependendo do tipo de lesão, tal como a) neuropraxia _,.,P-·~
de condução sem alteração estrutural no axônio~~-'- perda de continuidade axonate."--'-- Wallerianna do segmentn.d~
Vol.
2. No.
I,
1997
Plasticidade do sistema nervoso após lesão
completa do nervo, incluindo o tecido conjuntivo de suporte, o
47
processo de reparação será mais ou menos completo .
O sistema motor periférico responde a lesões de dois
modos: 1) neurônios axonotomizados regeneram seus axônios
e restabelecem conexões sinápticas com fibras musculares e 2)
neurônios motores intactos crescem seus axônios (brotamento)
e formam conexões sinápticas adicionais. No caso do brotamento, ele ocorre em áreas desnervadas e também em músculos parcialmente inervados. Ele já foi demonstrado após
desnervação parcial, onde os axônios intactos remanescentes
deram origem a novos processos, que supriram as fibras musculares desnervadas48 . O músculo desnervado por lesão do seu
nervo motor sofrerá alterações morfológicas, fisiológicas e bioquímicas. As fibras musculares desnervadas tornam-se flácidas
e começam a se retrair em diâmetro e a perder peso. Se não
ocorrer reinervação, as alterações degenerativas tornam-se irreversíveis49·50.
A perda de acetilcolinesterase (AChE), que inativa a
acetilcolina e finaliza o potencial da placa motora terminal, é
um evento inicial após desnervação 30 . O potencial de repouso
da membrana muscular decresce cerca de 15 mV, de um potencial de repouso normal em torno de 90 mV 50 . Esta alteração é
resultante da redução na atividade eletrogênica da bomba de
sódio, que mostra uma permeabilidade membranosa reduzida
para o potássio e aumentada para o sódio. Devido à atrofia e
conseqüente redução no diâmetro da fibra muscular, é também
observado um aumento na impedância da fibra aos estímulos.
Com os resultados destas trocas nas propriedades elétricas da
membrana muscular, menor quantidade de corrente bioelétrica
é necessária para despolarizar a célula30·49·50 . O sarcolema
também desenvolve uma excitabilidade química aumentada
para o neurotransmissor, fenômeno já mencionado quando foi
discutida a supersensitividade de desnervação 30 .
Um requisito fundamental para a recuperação neuronal é
a reaquisição da excitabilidade pela recém-formada membrana
dos neurônios em regeneração, após o dano. A excitabilidade é
dependente da presença e da atividade de macromoléculas
específicas da membrana, os poros (canais) iônicos, cuja abertura é controlada por despolarização transmembranosa, permitindo um rápido e transitório movimento iônico através da
membrana 1·2. Seu aparecimento na membrana recém fabricada
51 52
marca o desenvolvimento da excitabilidade neuronal · .
As fibras sensoriais mostram degeneração quando são
separadas de seus corpos celulares na axonotomia. O campo
receptivo proporcionado pelas fibras sensitivas perde toda sensação53. Os aferentes sensoriais de condução rápida dos receptores cutâneos ou musculares, entretanto, degeneram num curso
de tempo mais lento do que o dos axônios motores no mesmo
nervo periférico. Há diferença também no curso de tempo da
degeneração entre as fibras sensoriais de condução rápida e
54
lenta, que mostram uma taxa de degeneração mais demorada .
O seccionamento de nervos periféricos ou raízes dorsais,
ou amputação de segmentos corporais, privam o respectivo
setor do córtex somatosensorial de seu padrão normal de ativação nos mamíferos adultos. Se ocorre regeneração, várias
25
fibras sensoriais são capazes de restabelecer novamente contatos funcionais com a periferia55 ·56 . Rapidamente, a região cortical afetada torna-se largamente reativada por estímulos
provenientes de campos preceptivos da pele, contíguos, adjacentes ou vizinhos 53 ·56 . Novos padrões de ativação cortical
também são formados. Eles já foram registrados na Área 3b e
Área I do córtex somatosensório de macacos e na primeira área
somatosensorial, S-1, de gatos, gambás e ratos 53 . A reorganização cortical toma forma como uma expansão somatotópica de
representações de segmentos corporais previamente existentes,
como o desenvolvimento de novas representações, como a
ativação de grandes regiões corticais a partir de uma região bem
limitada do campo receptivo e como uma ativação "não-somatotópica" do córtex, originada de campos receptivos dispersos53·56·57. A evidência de reorganização em estruturas
somatosensoriais subcorticais também tem sido demonstrada
após deaferentação parcial 53.
Alterações corticais que se desenvolvem durante curtos
períodos de tempo indicam, provavelmente, que conexões previamente não detectadas, de alguma forma tornam-se caminhos
efetivos de ativação. Trocas que ocorrem dentro de dias ou em
intervalos maiores sugerem que os axônios estão crescendo
sobre distâncias para estabelecer novos contatos. A reorganização após lesão ou dano periférico também sugere que o
território cortical de uma superfície receptora periférica é, em
parte, dependente de uso 53 ·56 ·57 .
Achados Clínicos de Modificações
Neuromuscular após Lesão ou Trauma Central
Para caracterizar uma alteração neuromuscular após lesão
central, a descrição clássica da lesão do neurônio motor superior
e do inferior será utilizada para simplificar a vasta classe de
sinais e sintomas sensório-motores causados por dano no SNC.
As alterações neuromusculares periféricas não serão discutidas
aqui.
A síndrome do neurônio motor superior (NMS) é um
termo clínico geral usado para descrever o quadro de pacientes
com função motora anormal, secundária a lesões estruturais
corticais, subcorticais ou da medula espinhal. As deficiências
motoras de pacientes com a síndrome do NMS podem ser
divididas em um grupo de sintomas positivos e outro de sintomas negativos. Os sintomas positivos incluem comportamentos anormais como o fenômeno de liberação dos reflexos, a
hiperatividade dos reflexos proprioceptivos, o aumento daresistência ao estiramento (alongamento) muscular, o relaxamento dos reflexos cutâneos e a perda do controle de precisão
autonômico. Os sintomas negativos envolvem déficits no desempenho como diminuição da dexteridade, paresia e fraqueza
muscular e fatigabilidade 58 ·59 .
Desordens da medula espinhal (i.e. trauma medular, esclerose múltipla, mielite transversa) geralmente produzem sintomas como o exagero dos reflexos de flexão, o sinal de
Babinski, os espasmos flexores e adutores, o clônus e a perda
26
do controle de precisão autônomo, assim como graus variáveis
de sintomas negativos 59 ·60 .
As características básicas do controle motor no paciente
com lesão medular foram investigadas por Dimitrijevic e outros61. Estes autores declararam que estas características podem
ser entendidas em termos da interação dos reflexos segmentares
com e sob o controle de influências de segmentos distantes,
incluindo o tronco cerebral. Eles então classificaram o controle
motor do "home espinhal" em três categorias: 1) reflexos simples de retirada e reflexos segmentares de estiramento, 2)
movimento reflexo, grosseiro e massivo, plurisegmentar, dos
músculos paralisados e 3) mecanismos próprio espinhais com
influência cerebral parcial (espasticidade severa e traços de
controle postura! e de posição). Existem, porém, exceções a esta
classifiéação. Eles também indicaram que no caso da medula
espinhal isolada, com sinais clínicos apontado para uma paralisia motora completa e abolição da sensação abaixo do nível da
lesão, algumas influências bulbo espinhais preservadas nas
respostas reflexas espinhais poderiam ainda ser observadas 61 .
Pacientes hemiparéticos, tais como os que sofreram acidentes vasculares cerebrais (A VC) ou lesão cerebral traumática,
demonstram sintomas negativos com mais freqüência. Tipicamente, os distúrbios motores manifestados por um paciente
com seqüela de A VC após alguns meses do dano consistem de
espasticidade e sinais associados, alterações dos reflexos
cutâneos e dos reflexos associados e hemiplegia ou hemiparesia.
Sensação anormal e perda ou redução da sensibilidade podem
ser também incluídas no quadro de disfunção do pacienté2. A
espasticidade se desenvolve após um estágio flácido inicial, de
duração variável. Clinicamente ela é demonstrada por reflexos
tônicos de estiramento hiperativos, reflexos tendinosos
exagerados e o reflexo do "canivete" 62 .
Os sinais clássicos da lesão do neurônio motor inferior
(NMI) são paralisia flácida, reflexos tendinosos profundos diminuídos ou ausentes e atrofia muscular. Em alterações dos
movimentos envolvendo músculos isolados a destruição do
NMI no como anterior da medula espinhal é um achado
freqüente. Fasciculações são observadas em músculos envolvidos superficialmente e os músculos em geral mostram uma
complacência aumentada ao estiramento passivo. A capacidade
da contração muscular isolada (seletiva) é, no entanto, preservada63,64_
Tomando as modificações neuromusculares que ocorrem
em decorrência do A VC como representativas da disfunção do
NMS, é possível, então, correlacionar os estágios de recuperação com os mecanismos de plasticidade neural que os
fundamentam. Twitcheii 65 já descreveu, há mais de 40 anos, o
processo de recuperação motora após o derrame. Este seguia um
padrão geral, que pode ser descrito da seguinte forma: um
estágio inicial, imediato ao ataque de hemiplegia, caracterizado
por perda completa do movimento voluntário nas extremidades
afetadas e perda ou diminuição dos reflexos tendinosos; as
características do segundo estágio foram um aumento na atividade dos reflexos tendinosos no lado lesado, um aumento gradual na resistência aos movimentos passivos no mesmo lado,
Villar
Rev. Bras. Fisiot.
com os músculos adutores e flexores da extremidade superior e
adutores e extensores da extremidade inferior apresentando
maior comprometimento. O clônus apareceu com o aumento da
espasticidadé5. Os primeiros movimentos voluntários, flexão
do ombro e do quadril, apareceram entre 6 a 38 dias depois da
instalação da hemiplegia. Este evento é descrito do terceiro
estágio da recuperação motora. Uma sinergia flexora desenvolveu-se na extremidade superior e uma sinergia extensora
tomou conta da extremidade inferior afetada. Os movimentos
voluntários na extremidade inferior também se iniciaram com
as sinergias flexora e extensora. A espasticidade diminuiu com
o retomo do movimento voluntário 65 .
Por outro lado, o modelo clínico de recuperação funcional
proposto por Brunnstrom descreve uma seqüência estereotipada
e padrões de eventos que se desenvolvem gradualmente durante
a recuperação do AVC 66 . Listam-se, então: 1) flacidez, presente
no período imediatamente após o derrame e ausência de
movimentos nas extremidades afetadas, 2) sinergias básicas dos
membros ou parte de seus componentes na forma de reações
associadas, assim como a espasticidade se inicia neste estágio,
3) o aumento do controle voluntário sobre as sinergias e o
concomitante fortalecimento da espasticidade compõem o
quadro, 4) ganho de alguma seletividade de movimentos fora
das sinergias e diminuição da espasticidade, 5) progresso na
aquisição do controle motor sobre mais padrões de movimentos
e diminuição maior na espasticidade e 6) desaparecimento da
espasticidade e aumento do controle seletivo dos movimentos
articulares, assim como o aumento da coordenação motora
completam o quadro gerai 66 .
Um paciente que experimenta os fenômenos da recuperação após lesão cerebral ou medular possui um SNC anormal
ou atípico, não só em termos das funções alteradas ou perdidas,
mas também em termos de conexões sinápticas, circuitos e vias
destruídas ou modificadas, devido à reorganização por que
passa o sistema nervoso. Esta reorganização é também responsável pelas modificações que são observadas clinicamente no
sistema neuromuscular dos pacientes.
No período inicial da recuperação, após a depressão generalizada dos reflexos e ou do choque, como é observado subseqüentemente ao dano cerebral agudo e à lesão da medula
espinhal, a destruição de um grupo de terminais induz os terminais preservados a um funcionamento anormal. A disfunção é
ainda maior do que aquela devida à perda de uma via de
transmissão específica. A transmissão nervosa é prejudicada
devido ao alargamento do espaço sináptico e o seu
preenchimento por membranas não-neurais. Estes eventos são
temporários; porém, após a sua reversão, é provável que a
função retome 13 .
Como uma das principais fontes de estimulação para a
célula nervosa é destruída, sinapses dormentes ou ineficazes
tomam-se ativadas e podem contribuir para a recuperação após
a depressão reflexa inicial que se segue às lesões do SNC,
juntamente com outros mecanismos de recuperação 13 . Por conseguinte, a ativação de sinapses latentes é um mecanismo importante na fase aguda da lesão do SNC. Este processo é também
V oi. 2. No. 1, 1997
Plasticidade do sistema nervoso após lesão
uma alteração no padrão de estimulação da sinapse. A tendência
em ser mais ativa durante a recuperação e de facilitar uma
influência do input aferente, na produção de um resultado motor
particular, pode levar estas novas sinapses a contribuir, juntamente com a supersensitividade de desnervação e o bro:
60 67 68
tamento axonal, para o comportamento espástico · · .
As regiões ou partes danificadas do SNC não se regeneram. Na verdade elas reinervam funcionalmente os neurônios
desnervados. Os terminais axonais preservados, próximos ou
nas células alvo desnervadas, brotam terminais colaterais substituindo aqueles perdidos. Este fenômeno aumenta a eficiência
sináptica do sistema que floresceu, e, portanto, intensifica sua
capacidade de substituir o sistema que foi danificado, ao invés
de imitar exatamente a função sináptica perdida. O brotamento
resultaria, por conseguinte, na recuperação do movimento pela
substituição de mecanismos de alguma forma diferentes
13 68
daqueles tidos como normais · .
As funções do brotamento são divididas em não-específicas (manutenção da integridade de estruturas relacionadas,
garantindo a inervação) e específicas (conexões funcionais em
termos do resultado motor). O brotamento não específico, ao
acaso e sem direção, está ligado ao desenvolvimento da hiper13 68
reflexia e a certo grau de recuperação funcional · .
A perda dd recrutamento ordenado e do grau apropriado
de modulação dos motoneurônios, dentro de conjuntos funcionais diferentes de neurônios motores, leva à ativação muscular
ineficiente, produzindo o desempenho motor residual carac68 69
terístico do paciente parético · . O brotamento axonal e a
ativação das sinapses dormentes teriam um papel significativo
na produção da ativação alterada destes neurônios motores67,68,70_
O aparecimento e o subseqüente exagero da atividade
reflexa flexora de quadris e joelhos, observada em paraplégicos
espásticos após o choque espinhal, têm sido atribuídos ao bro68 70 71
tamento colateral dentro da medula espinhal · · . A intensificação da transmissão sináptica após a transecção da medula
espinhal poderia também ter uma função na gênese da espasticidade medular. O mecanismo mais provável, neste caso, estaria
ligado à possível liberação dos terminais aferentes primários do
controle da inibição pré-sináptica, realçando portanto a trans38
missão sináptica do reflexo monossináptico .
Algumas sinapses do SNC, expostas à atividade repetitiva,
mostram uma facilitação pré-sináptica de relativa longa
duração. Este fenômeno é denominado potenciação póstetânica (PPT) e é usado em modelos de circuitos neurais,
adequados para o estudo do aprendizado e da memória. Uma
forma modificada de PPT, a poténciação de longo-termo (PLT),
é uma forma de plasticidade sináptica que tem sido considerada
como candidata principal para o armazenamento de infor72
mações no cérebro de mamíferos . O sistema atua como se a
atividade repetitiva produzisse uma acentuada melhoria na capacidade do nervo em sintetizar, mobilizar e liberar substâncias
neurotransmissoras. A PPT mostra um aumento da amplitude
do potencial pós-sináptico excitatório (PPSE), evocado por um
impulso nervoso simples, subseqüente à atividade repetitiva
27
neste mesmo nervo. Neurônios motores tônicos demonstram
mais PPT do que motoneurônios fásicos. A PPT, por con47 73
seguinte, pode ser um fator agravante da espasticidade · .
Outros mecanismos podem também desempenhar um papel no retomo do tônus muscular, no aparecimento de respostas
reflexas em massa e na espasticidade. A reorganização sináptica
que se segue à lesão do sistema nervoso gera também circuitos
neurais segmentados, com propriedades funcionais diferentes
daquelas da medula espinhal intacta. Este fenômeno, muito
provavelmente, é um fator que contribui para a espasticidade
74
medular 13 ·68 · . A supersensitividade de desnervação tem marcante e provável capacidade de aumentar a atividade reflexa na
espasticidade, como resultado da realçada sensitividade a
13
estímulos aferentes, nas porções desnervadas das células alvo .
A natureza e o tempo de início da recuperação motora
precoce, após rizotomia experimental, são consistentes com as
alterações morfológicas e transneuronais, que ocorrem nas
lesões das raízes dorsais. As alterações plásticas que poderiam
ser responsáveis por estes processos são o brotamento colateral
nos neurônios preservados, a atrofia dendrítica dos neurônios
15
desnervados e a ativação de sinapses ineficientes . Os tratos
descendentes também geram brotos colaterais no lado deaferentado e este brotamento correlaciona-se com os sinais compor1 75
tamentais de reflexos exagerados do trato descendenté · . Há,
então, evidência substantiva que sugere que a deprivação resulta
em atrofia e encolhimento dendrítico e que várias atividades
funcionais são também conspicuamente alteradas. Uma forma
de desuso é a privação sensorial, significando qualquer alteração no ambiente interno ou externo, que prive o organismo
de estímulos sensório-motores. Este é o caso de muitas disfunções neuromusculare s. A privação sensorial ocorre não
somente devido à imobilização ou paralisia de segmentos corporais, mas também devido à falta de estímulos no ambiente
físico do paciente68 .
Implicações da Literatura Básica no
Desempenho Motor Voluntário Residual e
Eventos Motores Anormais após Trauma do SNC
Desempenho motor voluntário residual
Pacientes com disfunção devida a trauma do SNC
comumente apresentam desempenho motor voluntário residual,
caracterizado por fraqueza muscular e fatigabilidade aumentada69·75. A fraqueza muscular é refletida pela incapacidade ou
impedimento para gerar tensão muscular em graus normais
desejados e esperados, por parte de pacientes que sofrem de
algum nível de paresia, por exemplo, paralisia parcial mani76 77 78
festada por força muscular diminuída · · . Deficiências de
força muscular causam redução na capacidade do músculo de
gerar força ou tensão necessária para manutenção da postura,
para iniciar o movimento, ou controlar o movimento durante
condições de descarga de peso no sistema músculo-esquelético62,77,78_
A fraqueza muscular pode ser causada por várias reações
patológicas do músculo ou doenças neuromusculare s, tais como
28
a perda de mitocondrias e do retículo sarcoplasmático, bem
como degeneração focal de miofibrilas em ambos, tipo I e 11 de
fibras musculares. A redução no número e tamanho das fibras
musculares também ocorre em doenças musculares primárias e
secundárias à desnervação parcial 79 .
A produção de força normal pela contração muscular
depende do número e do tipo de unidades motoras recrutadas e
das características de descarga destas unidades motoras. A força
muscular ou tensão é aumentada quando o número absoluto de
unidades motoras ativas (número de fibras musculares), ou
quando a freqüência de descarga de impulsos de unidades
motoras já ativas, ou ainda ambos os parâmetros são aumentados. Usualmente, ambos os processos ocorrem simultaneamente80·81.
No movimento, o recrutamento de unidades motoras é
organizado para seguir um padrão ordenado, com base em suas
características, para gerar tensão. Unidades motoras produtoras
de níveis baixos de força são recrutadas em primeiro lugar, e,
quando a necessidade por mais tensão aumenta, unidades motoras produtoras de graus mais altos de força são adicionadas ao
grupo (pool) já ativo. O desrecrutamento ocorre na ordem
inversa80·81 ·82 . Unidades motoras de limiar baixo, também classificadas como lentas (L), desenvolvem menor força ativa e são
mais resistentes à fadiga do que aquelas de limiar auto denominadas tipo RF (resistente à fadiga) e FR (de fadiga rápida),
capazes de gerar forças ativas maiores, mas menos resistentes à
fadiga. O recrutamento ordenado de unidades motoras também
é relacionado às suas características anatômicas, fisiológicas e
bioquímicas. A sucessão de unidades motoras em uma seqüência de recrutamento do tipo L para RF para FR, proporciona um
aumento no desenvolvimento de força que é suave, sem saltos80,81,82_
As alterações ao nível dos neurônios motores, tais como
diminuição no número das unidades motoras 69 ·83 , alteração na
ordem de recrutamento 84 e variação na taxa de descargas dos
impulsos nervosos 85 podem diminuir a capacidade de produzir
força do paciente. A velocidade de condução nervosa periférica
diminuída pode também ser responsável por alterações na
modulação da força muscular. Ao nível do músculo, mudanças
nas propriedades contráteis e morfológicas das unidades motoras, bem como alterações nas propriedades mecânicas musculares poderiam também exercer uma função aditiva na redução
da tensão de contração, ou fraqueza muscular69 ·86 .
O número de unidades motoras ativas, participando em
movimentos pequenos e controlados, tem sido investigado em
pacientes hemiparéticos. Foi descoberto que entre o segundo e
o sexto mês após o A VC, o número de unidades motoras em
funcionamento estava reduzido praticamente à metade 69 ·86 .
Uma explicação para esta redução foi que a degeneração do
trato cortico-espinhal após o dano cerebral resultou em
mudanças transinápticas dos neurônios motores 83 . Potenciais
de desnervação no eletromiograma (EMG), isto é, fibrilações e
ondas agudas positivas, foram também registradas em membros
hemiparéticos, indicando que algumas fibras musculares ou
unidades motoras tinham perdido a conexão com os seus
Villar
Rev. Bras. Fisiot.
neuromos motores. Um sinal em particular, o potencial de
fibrilação, tem uma predileção por músculos distais na hemiplegia87·88. Tem sido sugerido que a desnervação do trato corticoespinhal seria, novamente, a responsável, devido às fortes
projeções do trato sobre os neurônios motores, que suprem os
músculos distais dos membros 87 ·88.
A atrofia muscular, predominante nas fibras de contração
rápida, pertencentes a unidades motoras de limiar alto de excitação, tem sido registrada em pacientes com hemiparesia83·85·86·88. Em contraste, a hipertrofia de fibras
musculares de contração lenta também tem sido demonstrada
em lesões do NMS 89 , de modo que estas variações das características morfológicas do músculo em geral e das unidades
motoras em particular poderiam alterar a capacidade geradora
de força das unidades motoras. De uma maneira geral, o tempo
de contração prolongado, a diminuição da taxa de descarga de
estímulos da unidade motora agonista85 e a restrição mecânica
passiva da ativação do agonista90 constituem os fatores sugeridos como contribuidores para a fraqueza muscular nos pacientes
hemiparéticos.
A perda do recrutamento ordenado e do mecanismo de
modulação dos motoneurônios, dentro de um conjunto/grupo
(pool) de neurônios motores, induzem a ativação ineficiente do
músculo, causando perda de força precoce, aumento do esforço
e a percepção clínica de fraqueza 83 . As unidades motoras de alto
limiar de excitação, que possuem altas taxas de adaptação, são
evidentemente recrutadas inicialmente, e elas não são apropriadas para a manutenção de uma atividade muscular prolongada91. Contrações musculares ineficazes reduzem a força
resultante dos pacientes paréticos, de tal forma que todos os
movimentos são afetados e o desempenho funcional é prejudicado. Parece que um SNC em recuperação após lesão não pode
proporcionar comandos adequados aos neurônios motores, no
intuito de estabelecer a ordem de recrutamento normal, apropriada para os tipos diferentes de atividades motoras. Todos os
mecanismos, que agem durante o período de recuperação após
o dano neural, poderiam desempenhar um papel nas mudanças
possíveis das unidades motoras, alterando o mecanismo de
produção normal de força, de modo que o desempenho motor
voluntário residual reflete a deficiência em quantidade e qualidade do controle motor nestes pacientes. Os processos de plasticidade, possivelmente envolvidos na fraqueza muscular desta
natureza, são ativação de sinapses antes ineficientes, o brotamento axonal e a supersensitividade de desnervação, que
interferem com a produção do sinal de comando, a transmissão
ao longo dos tratos que estão modificados e o produto (força)
final das unidades motoras, necessário para o desenvolvimento
do movimento normal 13 .
A fadiga muscular é a incapacidade de sustentar a força
desejada, necessária para atividades físicas comuns, de maneira
que as ações motoras dos pacientes são fracas, eles fadigam
facilmente e têm prejuízo em sua dexteridade 77 . A porcentagem
de redução na força máxima durante uma contração voluntária
máxima prolongada (CVM) foi medida com um índice de fadiga
(IF), ao final de 60 s de uma contração mantida, em pacientes
VoL 2. No. 1, 1997
Plasticidade do sistema nervoso após lesão
portadores de fraqueza muscular de causa neurogênica. A fadiga
mostrou-se significantemente aumentada no grupo de pacientes
comparados com um grupo normal, equiparado em idade, durante o teste realizado para dorsiflexores do tornozelo e para
extensores do joelho. Esta investigação sugeriu que a fadiga no
grupo dos pacientes estava relacionada a vários fatores fisiológicos, de entre outros a redução em fosfatos de alta energia,
acumulação de ácido lático e variação de gradientes de K+ IN a++
nas membranas musculares 77 .
A alteração da função das membranas devido à desnervação é um achado comum no período de recuperação após
lesão do SNC30•50 . Como já foi descrito previamente, há um
desequilíbrio iônico profundo localizado na membrana muscular, que tem o potencial da membrana diminuído e, por conseguinte, realça a sensitividade muscular ao estímulo aferente.
Entre os desequilíbrios iônicos, uma diminuição na permeabilidade ao potássio na membrana em repouso e um aumento na do
sódio foram alterações importantes registradas 50 . A atividade
alterada da membrana afetará a liberação de Ca2 ++ do retículo
sarcoplasmático e a alteração do pH, que estará diminuído,
contribuirá para a necessidade de mais cálcio para produzir um
nível de tensão desejado 92 . A combinação dos efeitos destas
mudanças resultarão em fadiga muscular77 . Estes achados estão
em concordância com aqueles divulgados por Bigland-Ritchie
e outros, que estudaram a excitação da membrana e observaram
que o requisito energético crítico para sustentar o contração
muscular poderia estar ao nível da membrana93 . A excitabilidade do sarcolema é dependente do potencial da membrana, que
por seu turno depende principalmente do gradiente K+ através
da membrana. Durante a contração muscular, K+ é perdido pelas
fibras musculares e a bomba NA-K é responsável pelo bombeamento de volta deste K+. Este processo requer energia94 .
Sjogaard94 também publicou que, numa investigação com
indivíduos sadios em um protocolo de exercícios isométricos e
dinâmicos para o quadríceps, K+ foi perdido no espaço intersticial e foi removido do músculo em· atividade pela corrente
sangüínea. A fadiga foi observada mesmo em níveis baixos de
CVM94 . Outros fatores, que também participam na fadiga do
músculo enfraquecido neurogenicamente, são uma diminuição
na atividade enzimática oxidativa, um número reduzido de
mitocôndrias e também o dano na circulação sangüínea77 , mas
parece que a alteração da excitabilidade da membrana tem o
papel proeminente na fadiga muscular, observada no desempenho muscular voluntário residual subseqüente ao trauma do
SNC. Este é o caso durante a recuperação, sendo que a supersensitividade de desnervação 13 •50 é o mecanismo de plasticidade,
central no processo.
Eventos motores anormais
Eventos motores anormais em pacientes com disfunção
sensório-motora após trauma do SNC interferem com a geração
do desempenho motor voluntário residual, agravando a deficiência do indivíduo. É possível considerar, nesta classe de
fenômenos, o aparecimento de sinergias e as reações de
equilíbrio anormalmente estimuladas e mantidas. Uma classe
29
de atividade motora anormal consiste da espasticidade que
interfere com os eventos mencionados acima.
A espasticidade já foi definida como uma desordem motora caracterizada por um aumento velocidade-dependente dos
reflexos de estiramento tônicos (tônus muscular), exibindo um
exagero dos reflexos tendiosos, resultado da hiperatividade do
reflexo de estiramento75 •96 . Ela pode ser vista ainda como uma
componente da síndrome do NMS, que inclui também a liberação dos reflexos flexores, paresia e perda da dexteridade96 . A
espasticidade pode ter origem cerebral e espinhal. Ela pode se
desenvolver de uma grande variedade de lesões que podem
incluir aquelas nas áreas corticais sensoriomotores e seus tratos
descendentes, nos centros motores do tronco cerebral e suas
descendentes e na medula espinhal97 .
Os mecanismos subjacentes à espasticidade são caracterizados por uma exageração do reflexo monosináptico que pode
ser resultado de um aumento na excitabilidade do motoneurônio, uma diminuição da inibição pré-sináptica, um
aumento da excitabilidade do neurônio motor, um desequilíbrio
entre as influências descendentes excitatórias e inibitórias sobre
os circuitos (pool) neuronais espinhais, uma diminuição da
inibição recorrente do neurônio motor durante o movimento
voluntário, e, finalmente, processos de plasticidade neural ou
fenômenos de recuperação após lesão do SNC68 •75 •98 .
O curso lento de tempo no desenvolvimento da espasticidade indica o possível papel das alterações plásticas na conectividade sináptica, neste fenômeno motor patológico. É aceito
hoje que a conectividade sináptica aumenta em gatos adultos e
chimpanzés após lesões experimentais no SNC que causam
espasticidade. A evidência para esta possibilidade vem do já
mencionado aumento de amplitude dos PEPSs, subseqüente a
lesões crônicas da medula espinhal, através da intensificação do
estímulo aferente Ia aos neurônicos motores 38 . Formas diferentes de plasticidade, entretanto, interagem durante o processo de
recuperação funcional. Já foi publicado que em áreas extensamente desnervadas do hipocampo do rato, já num processo de
reinervação através de brotamento colateral, havia um processo
concomitante de supersensitividade de desnervação 68 •75 •99 .
A supersensitividade de desnervação tem sido estudada
em modelos de animais espinhais. Os sistemas ascendentes e
descendentes são interrompidos nestes modelos e um em particular é o sistema neurotransmissor bulbo espinhal, que se
origina nos núcleos de raphé. As projeções dos núcleos de rafe
são para os cornos ventrais, dorsais e laterais da medula espinhal,
via funiculos anterior e lateral 100 . A serotonina é o neurotransmissor utilizado neste trato e exerce efeitos modulatórios importantes no produto motor da medula espinhal, i.e., reflexos
mono e polissinápticos 101 . A transecção da medula espinhal
reduz drasticamente os níveis de serotonina abaixo do nível da
lesão, observado dentro de poucos no período pós-operatorio.
A atividade eletromiográfica, EMG, aumenta nos primeiros 3
dias pós-secção, após a administração de serotonina. O EMG
aumenta progressivamente como resposta à serotonina ou à
administração de seu precursor, quando a desnervação torna-se
crônica, indicando o desenvolvimento de supersensitividade de
Rev. Bras. Fisiot.
Villar
30
desnervação 102 . Adicionalmente ao EMG realçado espontaneamente, a serotonina induziu movimentos alternados dos
membros abaixo do nível de lesão, nas preparações animais
experimentais, além de reflexos tendinosos e nociceptivos
hiperativos, aumento da resistência ao movimento passivo dos
membros, espasmos e clônus 102 •10 3 .
A desordem motora espástica, como a produzida em animais pela supersensitividade de desnervação, já foi sugerida
como ocorrendo em seres humanos 104 . A contribuição de cada
mecanismo de plasticidade é relacionada ao curso de tempo para
os períodos de seu desenvolvimento, de tal forma que o curso
de tempo para o desenvolvimento da hiperreflexia é relacionado
ao brotamento axonai 104 .
4.
5.
6.
7.
Conclusão
O brotamento axonal e a· formação de novas conexões
sinápticas, a supersensitividade de desnervação, através do
aumento anormal da sensitividade da membrana neural à estimulação aferente e a ativação de sinapses dormentes, pela
possibilidade real de produzirem uma mudança no padrão normal do uso sináptico, podem oferecer explicações fundamentais
e viáveis para o entendimento da patofisiologia dos sinais
clínicos das disfunções do movimento e da postura, que acometem grande número de pacientes em processo de Fisioterapia
e/ou Reabilitação. Este conhecimento dos mecanismos celulares e funcionais dos fenômenos da plasticidade no sistema
nervoso central e periférico, além de contribuir para o esclarecimento das causas e dos desequilíbrios cinesiopatológicos, no
diagnóstico das perdas da independência funcional dos pacientes, objetivo fundamental da avaliação fisioterápica, tem função
norteadora no programa de intervenção terapêutica a ser estabelecido, contribuindo para o estabelecimento de limites,
duração da intervenção ou seleção de métodos e técnicas que
sejam mais apropriadas na facilitação ou inibição dos efeitos da
recuperação funcional do sistema nervoso após as lesões que o
acometem.
8.
9.
10.
11.
12.
Agradecimento
13.
Ao CNPq, que concedeu bolsa de doutorado para o autor
no período de 1989 a 1992, durante o qual este trabalho foi
realizado como parte dos requisitos para o "screening examination". Processo no 205073/88.3.
14.
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