Capítulo 6
Espaços duais
6.1 Preliminares
A análise funcional foi nos seus primórdios o estudo de funcionais. Assim, nos
dias de hoje um princípio fundamental da análise funcional é a investigação de
espaços combinada com os seus espaços duais. Neste contexto, vale a pena ter
bem presente o conceito de isomorfismo.
Dados dois espaços X e Y do mesmo tipo (por exemplo, dois espaços vectoriais, dois espaços métricos, dois espaços normados, etc), então X diz-se isomorfo a
Y se e só se existir uma aplicação bijectiva de X em Y a qual preserva a estrutura.
Seguem-se alguns exemplos.
1. Se X = (X, +, ·) e Y = (Y, θ, ∗) são espaços vectoriais sobre o mesmo corpo
K (R ou C), então um isomorfismo de X em Y é uma aplicação T : X → Y
bijectiva a qual preserva as operações algébricas +, θ e ·, ∗, isto é,
T (x + y) = T xθT y;
e
T (αx) = α ∗ T x,
∀x, y ∈ X, ∀α ∈ K.
2. Se X = (X, d) é um espaço métrico assim como Y = (Y, d̃), então um isomorfismo T de X em Y é uma aplicação T : X → Y bijectiva a qual preserva
a distância, isto é,
d̃(T x, T y) = d(x, y), ∀x, y ∈ X.
3. Se X = (X, | · |X ) é um espaço normado assim como Y = (Y, | · |Y ), então um
isomorfismo entre X e Y é uma aplicação linear T : X → Y bijectiva a qual
136
preserva a norma, isto é,
T (αx + βy) = αT x + βT y,
∀x, y ∈ X,
α, β ∈ K
e
|T x|Y = |x|X , ∀x ∈ X.
4. Se (X, (·, ·)X ) é um espaço de Hilbert assim como (Y, (·, ·)Y ), então um isomorfismo entre X e Y é uma aplicação linear T : X → Y bijectiva a qual
preserva o produto interno, isto é,
T (αx + βy) = αT x + βT y,
∀x, y ∈ X,
α, β ∈ K
e
(T x, T y)Y = (x, y)X .
Neste capítulo o nosso objectivo é estudar os duais de espaços normados e identificalos por intermédio de isomorfismos com espaços normados conhecidos. Antes
disso, vamos recordar a definição de espaço dual.
Definição 6.1 (Espaço Dual X % ) Seja X um espaço normado. Então o conjunto
de todos os funcionais lineares limitados definidos em X constitui um espaço normado, a norma é definida por
& f & := sup | f (x)|.
(6.1)
|x|=1
O espaço dual de X é denotado por X % e os seus elementos por f, g, h . . .
Dado que um funcional definido em X aplica X em K (K = R ou C o corpo
sobre o qual X é espaço vectorial) e este corpo é completo, então concluímos que
X % é um espaço normado completo. Assim, temos o seguinte teorema provado em
Análise Funcional I.
Teorema 6.2 O espaço dual X % de um espaço normado X é um espaço de Banach.
Se X for um espaço vectorial sobre K, então o conjunto L(X, K) dos funcionais
lineares definidos em X denota-se por X ∗ e designa-se por dual algébrico de X.
137
6.2 Dual de Rn
Nesta secção vamos identificar o dual do espaço normado Rn , isto é, vamos identificar cada elemento em (Rn )% com um elemento em Rn . Recordemos que Rn é
um espaço Euclidiano com norma dada por
|x|2Rn =
n
!
x2i ,
i=1
x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn .
Teorema 6.3 (Dual de Rn ) O dual do espaço Euclidiano Rn é isomorfo a Rn , isto
é, (Rn )% ' Rn .
Prova. Seja (ei )ni=1 a base ortonormada em Rn e seja f ∈ (Rn )% dado, isto é,
f : Rn → R linear limitado. Cada x ∈ Rn admite uma representação única na base
(ei )ni=1 como
n
!
x=
xi ei .
i=1
Assim, atendendo a que f é linear
f (x) =
n
!
xi f (ei ).
i=1
Portanto, para determinar f basta conhecer o valor deste funcional nos elementos
da base. Definimos a seguinte aplicação:
T : (Rn )% → Rn , f (→ T f := ( f (e1 ), . . . , f (en )).
T está bem definida, pois é claro que T f ∈ Rn e para cada f ∈ (Rn )% T f é única.
Portanto, se provarmos que T é uma aplicação linear bijectiva que preserva a
norma, então podemos identificar (Rn )% com Rn .
1. T é linear: de facto, sejam f, g ∈ (Rn )% e α, β ∈ R dados. Então
T (α f + βg) =
=
=
=
((α f + βg)(e1 ), . . . , (α f + βg)(en ))
(α f (e1 ) + βg(e1 ), . . . , α f (en ) + βg(en ))
α( f (e1 ), . . . , f (en )) + β(g(e1 ), . . . , g(en ))
αT f + βT g.
Isto mostra que T é linear.
138
2. T é bijectiva: vamos em primeiro lugar mostrar a injectividade, isto é que
N(T ) = {0}.
N(T ) = { f ∈ (Rn )% |
= { f ∈ (Rn )% |
= { f ∈ (Rn )% |
Assim, se x ∈ Rn , então
f (x) =
T f = 0 ∈ Rn }
( f (e1 ), . . . , f (en )) = 0}
f (e1 ) = 0, . . . , f (en ) = 0} ,
n
!
xi f (ei ) = 0
i=1
e, portanto, f = 0. Logo T é injectiva.
Com vista a provar a sobrejectividade, seja y = (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn um elemento dado com vista a mostrar que existe fy ∈ (Rn )% tal que
T fy = y.
De facto, basta definir
fy (x) := (x, y)Rn =
n
!
xi yi .
i=1
É claro que fy é linear, pois, o produto interno é linear na primeira variável.
Por outro lado, atendendo à desigualdade de Cauchy-Schwarz obtemos
| fy (x)| = |(x, y)Rn | ≤ |x|Rn |y|Rn ,
assim, tomando o supremo sobre todos os x com norma 1, obtemos & f & ≤
|y|Rn . Atendendo à definição de T , obtemos
T fy = (y1 , . . . , yn ) = y.
Isto prova que T é sobrejectiva.
3. Finalmente vamos mostrar que T preserva a norma, isto é,
|T f |Rn = & f & ,
∀ f ∈ (Rn )% .
Por um lado, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz temos
"
"
# n
# n
n
!
!
!
| f (x)| ≤
|xi || f (ei )| ≤
|xi |2
| f (ei )|2 = |x|Rn |T f |Rn ,
i=1
i=1
139
i=1
isto é,
| f (x)| ≤ |x|Rn |T f |Rn .
Assim, tomando o supremo sobre todos os x com norma 1 resulta
& f & ≤ |T f |Rn .
(6.2)
No caso particular em que x = T f temos
| f (x)| =
n
!
i=1
f 2 (ei ) = |T f |2Rn ,
e como
| f (T f )| ≤ & f & |T f |Rn ,
então
|T f |2Rn ≤ & f & |T f |Rn
⇔
& f & ≥ |T f |Rn .
(6.3)
Das desigualdades (6.2) e (6.3) resulta que T preserva a norma.
Observação 6.4 (Base para (Rn )% ) Seja (ei )ni=1 a base canónica em Rn o qual está
munido da norma Euclidiana e consideremos (Rn )% o seu dual. Como vimos, todo
o elemento f ∈ (Rn )% é determinado pelos seus valores na base (ei )ni=1 por intermédio de
n
!
f (x) =
xi f (ei ), x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn .
(6.4)
i=1
Inversamente, qualquer elemento da forma (a1 , . . . , an ) ∈ Rn define um funcional
linear limitado sobre Rn por intermédio
n
R , x (→
n
!
i=1
xi ai ∈ R.
(6.5)
Em particular, consideremos os n funcionais (ei )ni=1 determinados pelos elementos
da base canónica
e1 = (1, 0, . . . , 0)
e2 = (0, 1, 0 . . . , 0)
.. .. ..
. . .
en = (0, 0 . . . , 0, 1).
140
Assim, usando (6.5) temos
i
e (e j ) = δi j =
e ainda que
i
e (x) =
n
!
$
1 se i = j
0 se i ! j
x j ei (e j ) = xi .
j=1
Portanto, substituindo xi = ei (x) na igualdade em (6.4) obtemos
f (x) =
n
!
f (ei )ei (x).
i=1
Dada a arbitrariedade de x concluímos que
f =
n
!
f (ei )ei =
i=1
n
!
fi ei ,
fi := f (ei ),
i=1
ou seja, o funcional f pode escrever-se à custa da família (ei )ni=1 . Por outras palavras, a família (ei )ni=1 é geradora. Para ver que (ei )ni=1 são independentes, consideremos a seguinte combinação linear
α1 e1 + . . . + αn en = 0.
Mas a igualdade anterior significa que
(α1 e1 + . . . + αn en )(x) = 0,
∀x ∈ Rn .
Em particular, se x = ei , i ∈ {1, . . . , n} obtemos
(α1 e1 + . . . + αn en )(ei ) = αi = 0, i ∈ {1, . . . , n} .
Portanto a família (ei )ni=1 é independente e como era geradora forma uma base de
(Rn )% . Do Teorema 6.3 resulta
"
# n
!
| f i |2 .
&f& =
i=1
Mais precisamente, a norma no espaço dual (norma do supremo!) coincide com a
norma Euclidiana relativamente à base (ei )ni=1 . A base (ei )ni=1 chama-se base dual
da base (ei )ni=1 . Conclusão
141
Base em Rn : (ei )∞
i=1
Base dual em (Rn )% : (ei )∞
i=1
!
Observação 6.5 A norma no espaço dual (Rn )% depende da norma considerada no
espaço normado Rn . Quando Rn é considerado com a norma Euclidiana, então a
norma no espaço dual (Rn )% também é a norma Euclidiana, relativamente à base
dual. Por outro lado, se a norma no espaço normado Rn não for a Euclidiana, por
exemplo,
n
!
|x|Rn =
|xi |,
i=1
então a norma no espaço dual correspondente será diferente. Ou seja, o espaço
dual (Rn )% será isomorfo ao espaço Rn munido de uma outra norma. Nos Exercícios 6.1 e 6.2 vamos explorar estas diferenças para melhor compreender a dualidade em dimensão finita.
Exercícios
Exercício 6.1 Considere o espaço normado (Rn , | · |1 ) onde | · |1 é definida por
|x|1 := sup |xi |,
1≤i≤n
x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn .
Mostre que o dual (Rn )% é isomorfo ao espaço normado (Rn , | · |2 ) onde
|x|2 :=
n
!
i=1
|xi |.
Assim, a norma em (Rn )% é dada por
&f& =
n
!
i=1
| fi |,
fi = f (ei ),
∀ f ∈ (Rn )% .
Exercício 6.2 Considere o espaço normado (Rn , | · |1 ) onde | · |1 é definida por
|x|1 :=
n
!
i=1
|xi |,
x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn .
Mostre que o dual (Rn )% é isomorfo ao espaço normado (Rn , | · |2 ) onde
|x|2 := sup |xi |.
1≤i≤n
142
Assim, a norma em (Rn )% é dada por
& f & = sup | fi |,
fi = f (ei ),
1≤i≤n
∀ f ∈ (Rn )% .
Exercício 6.3 Considere o espaço normado (Rn , | · | p ), p ∈ N, onde | · | p é definida
por
n
!
p
|x| p :=
|xi | p , x ∈ Rn .
i=1
n
Identifique o dual do espaço R .
Exercício 6.4 Seja k ∈ R um número real fixo. Considere o espaço normado
(Rn , | · |k ), onde a norma | · |k é definida por
|x|2k
:=
n
!
j=1
jk |x j |2 ,
x ∈ Rn .
Se (e j )nj=1 é a base canónica em Rn , então cada funcional f ∈ (Rn )% é definido por
f : Rn → R, x (→ f (x) :=
n
!
jx j f j ,
f j := f (e j ).
j=1
Calcule a norma de f .
6.3 Dual de %1(R)
Nesta secção vamos identificar o dual do espaço %1 (R), isto é, vamos mostrar que
(%1 (R))% é isomorfo a %∞ (R). Recordemos que %1 (R) é o espaço normado formado
pelas sucessões reais cuja soma do módulo é finita, isto é,
%1 (R) , x = (x1 , x2 , . . .)
⇔
|x|%1 (R) =
∞
!
i=1
|xi | < ∞,
e que %∞ (R) é o espaço normado das sucessões reais com norma
%∞ (R) , ϕ = (ϕ1 , ϕ2 , . . .)
⇔
|ϕ|%∞ (R) = sup |ϕi | < ∞.
i∈N
Teorema 6.6 (Dual de %1 (R)) O dual do espaço de Banach %1 (R) é isomorfo ao
espaço de Banach %∞ (R), isto é, (%1 (R))% ' %∞ (R).
143
1
Prova. Consideremos a base de Schauder (ei )∞
i=1 em % (R), isto é,
e1 = (1, 0 . . .), e2 = (0, 1, 0, . . .), . . . , en = (0, . . . 0, 1, 0, . . .), . . .
Então cada elemento x = (x1 , x2 , . . .) ∈ %1 (R) tem uma representação única na
base considerada, isto é,
∞
!
x=
xi ei .
i=1
1
%
Assim, se f ∈ (% (R)) é um funcional linear limitado, então
f (x) =
∞
!
xi f (ei ).
i=1
A sucessão ( f (ei ))∞
i=1 é unicamente determinada pelo funcional f . Como f é limitado, então
| f (ei )| ≤ & f & |ei |%1 (R) = & f & ,
pois |ei |%1 (R) = 1,
assim, passando ao supremo na desigualdade anterior, obtemos
sup | f (ei )| = |( f (ei ))∞
i=1 |%∞ (R) ≤ & f & .
(6.6)
i∈N
∞
Deste modo ( f (ei ))∞
i=1 ∈ % (R). Vamos, pois, considerar a seguinte aplicação:
T : (%1 (R))% → %∞ (R), f (→ T f := ( f (ei ))∞
i=1 .
É claro que T está bem definida, pois, como vimos T f ∈ %∞ (R) e para cada
f ∈ (%1 (R))% T f é única. Usando a desigualdade triangular generalizada, obtemos
| f (x)| ≤
∞
!
i=1
|xi || f (ei )| ≤ sup | f (ei )|
i∈N
∞
!
i=1
|xi | = |T f |%∞(R) |x|%1 (R) ,
pelo que, tomando o supremo sobre todos os x com norma 1, resulta
& f & ≤ |T f |%∞ (R) .
(6.7)
Das desigualdades (6.6) e (6.7) temos que T preserva a norma, isto é,
|T f |%∞ (R) = & f & .
144
(6.8)
Falta provar que T é linear bijectiva. A linearidade de T resulta do seguinte
cálculo:
((α f + βg)(ei ))∞
i=1
(α f (ei ) + βg(ei ))∞
i=1
∞
α( f (ei ))i=1 + β(g(ei ))∞
i=1
αT f + βT g.
T (α f + βg) =
=
=
=
Da igualdade (6.8) resulta a injectividade de T , pois, se T f = 0, então
|T f |%∞(R) = & f & = 0
⇒
f = 0.
Portanto, resta mostrar que T é sobrejectiva. Seja ϕ ∈ %∞ (R) dado com vista a
provar que existe fϕ ∈ (%1 (R))% tal que T fϕ = ϕ. Definimos fϕ por
fϕ (x) :=
∞
!
x ∈ %1 (R).
xi ϕi ,
i=1
É claro que fϕ ∈ (%1 (R))% , pois, é evidente que fϕ (·) é linear e a sua limitação
decorre do facto
| fϕ (x)| ≤
∞
!
i=1
|xi ||ϕi | ≤ sup |ϕi |
i∈N
∞
!
i=1
|xi | = |ϕ|%∞ (R) |x|%1 (R) .
Ou seja, & f & ≤ |ϕ|%∞ (R) .
Observação 6.7 É natural perguntar qual será o dual do espaço %∞ (R)? Depois do
teorema anterior é natural conjecturar que o dual de %∞ (R) será %1 (R)! No entanto,
esta conjectura é FALSA! De facto, podemos mostrar que todo o elemento y ∈
%1 (R) define um funcional linear contínuo sobre %∞ (R) por intermédio
fy : %∞ (R) → R, x (→ fy (x) :=
∞
!
xi yi .
i=1
É claro que fy é linear e limitado, pois
| fy (x)| ≤
∞
!
i=1
|xi ||yi | ≤ sup |xi |
1≤i≤∞
145
∞
!
i=1
|yi | = |x|%1 (R) |y|%∞ (R) .
De onde, tomando o supremo sobre todos os x com norma 1, resulta & f & ≤ |y|%∞ (R) .
Vamos de seguida verificar que nem todos os funcionais f ∈ (%∞ (R))% podem ser
representados na forma
∞
!
xi yi ,
(6.9)
i=1
1
para qualquer (yi )∞
i=1 ∈ % (R). Para tal, consideremos o espaço c das sucessões
convergentes o qual é um subespaço de %∞ (R). Em c definimos um funcional
linear f por intermédio de
f : c → R, x (→ f (x) := lim xk ,
k→∞
x = (x1 , x2 , . . .).
(6.10)
f é linear e limitado, pois,
f (αx + βy) = lim (αx + βy)k = lim (αxk + βyk )k
k→∞
k→∞
= α lim xk + β lim yk = α f (x) + β f (y),
k→∞
k→∞
portanto, f é linear. Por outro lado, temos
%%
%%
%
| f (x)| = %% lim xk %%% ≤ sup |xk | = |x|c
k→∞
1≤k≤∞
de onde, tomando o supremo sobre todos os x com norma 1, resulta & f & ≤ 1. Concluímos, pois, que f ∈ c% . De acordo com o teorema de Hahn-Banach o funcional
f pode ser prolongado sobre o espaço %∞ (R) com a mesma norma de forma que
obtemos um elemento em (%∞ (R))% . Mas agora é fácil ver que se mudarmos um
número finito de termos em (xi )∞
i=1 ∈ c, o valor em (6.9) muda enquanto que o valor em (6.10) não se altera. Notemos ainda que o prolongamento de f ao espaço
%∞ (R) não é único.
Exercícios
Exercício 6.5 Seja c0 o espaço das sucessões convergentes para zero munido da
norma do supremo, isto é,
|x|c0 := sup |xi |,
1≤i<∞
Mostre que o dual de c0 é isomorfo a %1 (R).
146
x ∈ c0 .
6.4 Dual de % p(R), 1 < p < ∞
Teorema 6.8 (Dual de % p (R)) O dual do espaço de Banach % p (R) é isomorfo ao
espaço de Banach %q (R), onde q é o expoente conjugado de p, isto é, 1p + 1q = 1.
p
Prova. Seja (ei )∞
i=1 a base de Schauder de % (R), isto é,
e1 = (1, 0 . . .), e2 = (0, 1, 0, . . .), . . . , en = (0, . . . 0, 1, 0, . . .), . . .
Então, cada elemento x ∈ % p (R) admite uma representação única
x=
∞
!
xi ei .
i=1
Seja f ∈ (% p (R))% um funcional dado. Então
f (x) =
∞
!
∞
!
xi f (ei ) =:
i=1
xi fi ,
fi = f (ei ).
i=1
q
Vamos provar que ( f (ei ))∞
i=1 ∈ % (R), onde q é o expoente conjugado de p. Para
cada n ∈ N definimos yn = (y1n , y2n , . . . , ynj , . . .) por
 | f |q


se f j ! 0 e j ≤ n,
 fjj
ynj := 

 0 se f j = 0 ou j > n.
Assim,
f (yn ) =
∞
!
ynj f j
j=1
=
n
!
j=1
| f j |q .
Dado que f é limitada e notando que (q − 1)p = q
| f (yn )| ≤ & f & |yn |% p (R)
 n
1/p
!

= & f &  |ynj | p 
j=1
 n
1/p
!

= & f &  | f j |(q−1)p 
j=1
1/p
 n

!
= & f &  | f j |q  ,
j=1
147
(6.11)
isto é,
 n
1/p
!

| f (yn )| ≤ & f &  | f j |q  .
(6.12)
j=1
De (6.11) e (6.12) resulta que
f (yn ) =
n
!
j=1
ou seja
1−1/p
 n

!
 | f j |q 
≤ &f&


j=1
 n
1/p
!

| f j |q ≤ & f &  | f j |q  ,
⇔
j=1
1/q
 n

!
 | f j |q  ≤ & f & ,


j=1
1−
1 1
= .
p q
Passando ao limite n → ∞ na última desigualdade obtemos
∞

! q 1/q
 | fi |  ≤ & f & .
(6.13)
i=1
q
Deste modo, provamos que a sucessão ( fi )∞
i=1 ∈ % (R). Podemos, pois, definir a
seguinte aplicação
T : (% p (R))% → %q (R), f (→ T f := ( fi )∞
i=1 ,
fi := f (ei ).
É claro que T é linear, pois
∞
T (α f + βg) = ((α f + βg)i )∞
i=1 = (α fi + βgi )i=1
∞
= α( fi )∞
i=1 + β(gi )i=1 = αT f + βT g.
Por outro lado, se f ∈ (% p (R))% é tal que T f = 0, então
( fi )∞
i=1 = 0 ⇒ fi = 0, ∀i ∈ N.
0
p
Daqui resulta que f (x) = ∞
i=1 xi fi = 0, ∀x ∈ % (R). Portanto, T é injectiva. Para
q
mostrar que T e sobrejectiva, seja (yi )∞
i=1 ∈ % (R) dado com vista a provar que fy
definido por
∞
!
fy : % p (R) → R, x (→ fy (x) :=
xi yi
i=1
148
define um elemento em (% p (R))% . Isto é, fy é linear limitado. É óbvio que fy é
linear. Para mostrar que fy é limitada, aplicamos a desigualdade de Hölder de tal
forma que
| fy (x)| ≤
∞
!
i=1
∞
1/p  ∞
1/q
! p  !

q
|xi ||yi | ≤  |xi |   |yi |  = |y|%q (R) |x|% p (R) .
i=1
i=1
Tomando o supremo sobre todos os x com norma 1, resulta & f & ≤ |y|%q (R) , isto mostra a limitação de f . Finalmente, provamos que T preserva a norma. Novamente
pela desigualdade de Hölder temos
%% 
%%
1/q
1/p  ∞
∞
∞
!
%% !
%%!





xi fi %% ≤  |xi | p   | fi |q 
| f (x)| = %%
%
% i=1
i=1
i=1
= |T f |%q (R) |x|% p (R) ,
passando ao supremo sobre todos os x ∈ % p (R) com norma 1 obtemos
& f & ≤ |T f |%q (R) .
(6.14)
De (6.14) e (6.13) resulta a igualdade das normas.
Observação 6.9 O teorema anterior para p = 2 implica que %2 (R) é isomorfo
a %2 (R), pois 12 + 21 = 1. É hábito dizer que %2 (R) é dual de si próprio, temos
((%2 (R))% )% = (%2 (R))% = %2 (R).
Como sabemos, pelo teorema de Riesz, todo o funcional linear contínuo f
sobre um espaço de Hilbert H é representado por um único elemento x em H tal
que
f (y) := (y, x), y ∈ H.
(6.15)
Temos ainda que & f & = |x|. Reciprocamente, cada elemento x ∈ H define, por intermédio de (6.15) um funcional linear contínuo f x em H o qual é linear contínuo
tal que & f x & = |x|. Assim, a igualdade (6.15) mostra que a aplicação
T : H % → H, f (→ T f := x
é bijectiva e preserva a norma.
149
Exercícios
Exercício 6.6 Para cada k ∈ N definimos o espaço de Hilbert (%k2 (R), | · |k ) das
sucessões reais tais que
|x|2k
:=
∞
!
n=1
nk |xn |2 < ∞,
x = (x1 , x2 , . . . , xn . . . .).
2
Prove que o dual do espaço %k2 (R) é isomorfo ao espaço %−k
(R), isto é, o espaço de
Hilbert das sucessões reais tais que
|x|2−k
:=
∞
!
n=1
n−k |xn |2 < ∞,
x = (x1 , x2 , . . . , xn . . . .).
Exercício 6.7 Seja p ≥ 1 fixo. Para cada k ∈ R definimos a aplicação f em % p (R)
por
∞
!
f : % p (R) → R, x (→ f (x) :=
n−k xn .
n=1
Para que valores de k a aplicação f pertence ao dual de % p (R). Calcule a norma de
f.
6.5 Espaços reflexivos
Seja X um espaço vectorial e consideremos o seu dual algébrico X ∗ , isto é, o
conjunto de todos os funcionais lineares definidos em X. O espaço dual X ∗ é,
como sabemos, um espaço vectorial (com a mesma dimensão do espaço X), sendo
as operações de adição e multiplicação definidas por:
( f + g)(x) := f (x) + g(x),
(α f )(x) := α f (x),
α ∈ K, f, g ∈ X ∗ .
Assim, podemos pensar no espaço dual (X ∗ )∗ de X ∗ cujos elementos são funcionais definidos em X ∗ . Denotamos (X ∗ )∗ por X ∗∗ o qual chamamos espaço bidual
algébrico de X. Para cada x ∈ X fixo, consideremos a aplicação F x definida em
X ∗ por
F x : X ∗ → K, f (→ F x ( f ) := f (x).
150
É fácil verificar que F x é uma aplicação linear. Com efeito,
F x (α f + βg) = (α f + βg)(x) = α f (x) + βg(x) = αF x ( f ) + βF x (g).
Portanto F x ∈ X ∗∗ e, assim, a cada elemento x ∈ X corresponde um funcional
F x ∈ X ∗∗ . Denotemos esta correspondência por C, isto é,
C : X → X %% , x (→ C(x) := F x .
A aplicação C é chamada injecção canónica de X em X ∗∗ .
A aplicação C possui as seguintes propriedades:
1. é linear, pois
C(αx + βy)( f ) = F αx+βy ( f ) = f (αx + βy)
= α f (x) + β f (y)
= αF x ( f ) + βF y ( f )
αC(x)( f ) + βC(y)( f ),
∀ f ∈ X∗.
Como f ∈ X ∗ é arbitrário, resulta C(αx + βy) = αC(x) + βC(y), isto é, C é
linear.
2. é injectiva, pois, se C(x) = 0, então
C(x)( f ) = 0,
⇔ f (x) = 0,
∀ f ∈ X∗,
∀ f ∈ X∗.
i ∞
∗
Suponhamos que (ei )∞
i=1 é uma base de X e (e )i=1 a base dual em X . Aten∗
dendo ao facto de f (x) = 0, ∀ f ∈ X , em particular, temos
ei (x) = xi = 0,
∀i ∈ N.
Assim, todas as componentes de x são nulas, pelo que x = 0, isto é, C é
injectiva.
Se a aplicação C for sobrejectiva, isto é, R(C) = X ∗∗ , então X diz-se reflexivo
algébrico.
Teorema 6.10 Se X é um espaço vectorial de dimensão finita, então X é reflexivo
algébrico.
151
Prova. Consideremos a aplicação canónica
C : X → X ∗∗ , x (→ C(x) := F x .
Como vimos, C é injectiva, pelo que admite inverso e ainda que dim R(C) =
dim X, pelo Teorema 5.11-3. Mas tendo em atenção que
dim X ∗∗ = dim X ∗ = dim X,
então resulta que dim R(C) = dim X ∗∗ , ou seja C é sobrejectiva. Portanto, C é
bijectiva e por definição X é reflexivo algébrico.
Vamos agora estudar a reflexividade para os espaços normados. Assim, seja
(X, |·|) um espaço normado e X % o seu dual. Como (X % , &·&) é um espaço de Banach,
podemos definir o dual de X % , denotado por X %% e chamado espaço bidual de X.
Para cada x ∈ X fixo definimos a aplicação F x em X % por
F x : X % → R, f (→ F x ( f ) := f (x).
(6.16)
Lema 6.11 Para cada x ∈ X fixo, a aplicação F x definida em (6.16) é linear
limitada, isto é, F x ∈ X %% e a sua norma é
&F x & = |x|.
(6.17)
Prova. A aplicação F x é linear, pois
F x (α f + βg) = (α f + βg)(x) = α f (x) + βg(x) = αF x ( f ) + βF x (g).
Por outro lado,
|F x ( f )| = | f (x)| ≤ & f & |x|,
assim, tomando o supremo sobre todos os f ∈ X % com norma 1, obtemos
&F x & ≤ |x|.
Para mostrar a desigualdade contrária, usamos o seguinte facto: para todo x ∈
X\{0} existe f ∈ X % tal que & f & = 1 e f (x) = |x|. Assim,
|x| = f (x) = F x ( f ) ≤ &F x & & f & = &F x & .
152
Das duas desigualdades resulta (6.17).
Podemos, pois, definir a aplicação C de X em X %% por
C : X → X %% , x (→ C(x) := F x
(6.18)
a qual é chamada injecção canónica de X em X %% . A aplicação C é linear injectiva
e preserva a norma.
Lema 6.12 A injecção canónica C definida em (6.18) é um isomorfismo do espaço normado (X, | · |) no espaço normado (im(C), &·&).
Prova. A linearidade de C resulta de
C(αx + βy)( f ) = F (αx+βy) ( f ) := f (αx + βy)
= α f (x) + β f (y) = αF x ( f ) + βF y ( f )
= αC(x)( f ) + βC(y)( f ).
Por outro lado, usando (6.17) obtemos
&C(x)& = &F x & = |x|,
isto é, C preserva a norma. Da igualdade anterior, resulta a injectividade de C.
Definição 6.13 Um espaço normado X diz-se reflexivo se e só se R(C) = X %% , onde
C é a injecção canónica definida em (6.18).
Corolário 6.14 Se um espaço normado X é reflexivo, então é completo, isto é, um
espaço de Banach.
Prova. Como X é reflexivo, então R(C) = X %% e pelo Lema 6.12 X é isomorfo a
X %% . Como X %% é completo, então X também é completo.
Observação 6.15
1. Os espaços de Banach % p (R), p > 1 são reflexivos. De
facto, (% p (R))% é isomorfo %q (R), onde q é o expoente conjugado de p. Mas
como p também é o expoente conjugado de q, então (%q (R))% é isomorfo a
% p (R). Assim, (% p (R))%% é isomorfo a % p (R), ou seja, % p (R) é reflexivo.
2. Rn também é um espaço reflexivo, pois (Rn )% é isomorfo a Rn pelo que (Rn )%%
é isomorfo a Rn .
153
3. Todo o espaço de Hilbert H é reflexivo. Consequência do Teorema de Riesz.
4. Os espaços normados c0 , %1 (R), %∞ (R) não são reflexivos. De facto c%%0 é
isomorfo a %∞ (R), (%1 (R))%% ! %1 (R).
Exercícios
Exercício 6.8 Prove que se X é um espaço normado reflexivo, então o seu dual
X % também é reflexivo.
154
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