UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO
COERCITIVA DO INVESTIGADO AO EXAME DE DNA NA
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Autor (a): Kézia Maria Maia de Lima
Orientador (a): Prof. Dr. Márcio José de Magalhães Almeida
BRASÍLIA
2008
KÉZIA MARIA MAIA DE LIMA
A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO
INVESTIGADO AO EXAME DE DNA NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Trabalho apresentado ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Doutor Márcio
José de Magalhães Almeida
Brasília
2008
Trabalho de autoria de Kézia Maria Maia de Lima, intitulado “A
Constitucionalidade da Condução Coercitiva do Investigado ao Exame de DNA na
Investigação de Paternidade”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito, defendida e aprovada em ___/___/___, pela banca examinadora constituída
por:
________________________________________
Professor Doutor Márcio José Magalhães de Almeida
________________________________________
________________________________________
Brasília
2008
Ao Criador do Céu e da Terra por me
conceder o dom da vida, aos meus pais,
irmão, familiares, companheiros de
trabalho e amigos, por apoiar e acreditar
em minha capacidade para alcançar
esta importante conquista.
Ao estimado professor Márcio Almeida,
pela maestria com que conduziu este
trabalho, sempre com muita atenção e
dedicação,
os
meus
verdadeiros
agradecimentos.
"O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a
luta. O Direito não é uma simples idéia, é força
viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das
mãos, a balança, com que pesa o Direito,
enquanto na outra segura a espada, por meio
da qual se defende. A espada sem a balança é
a força bruta, a balança sem a espada é a
impotência do Direito. Uma completa a outra. O
verdadeiro Estado de Direito só pode existir
quando a justiça bradir a espada com a mesma
habilidade com que manipula a balança."
Rudolf Von Ihering
RESUMO
O presente trabalho, sob o título “A Constitucionalidade da Condução Coercitiva do
Investigado ao Exame de DNA na Investigação de Paternidade” materializa a
preocupação com aqueles que buscam a verdade real sobre sua origem. A
possibilidade de conduzir coercitivamente o suposto ao exame é o embate discutido. O
Supremo Tribunal Federal abriu precedente ao julgar um caso em que o suposto pai
não poderia ser obrigado a fornecer material genético para a produção do exame,
dessa forma, a doutrina passou a refletir sobre o julgado e a analisar se de fato os
princípios constitucionais protetores da figura do suposto pai devem prevalecer sobre
os princípios que protegem aquele que busca a certeza de sua origem. Amparado
nessa discussão, buscou-se demonstrar, contrariando o posicionamento adotado pela
Suprema Corte, os princípios relevantes que devem prevalecer para a resolução de
casos dessa natureza.
Palavras chave: Direito constitucional, investigação de paternidade, exame de DNA,
dignidade da pessoa humana, condução coercitiva, jurisprudência.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................10
CAPÍTULO 1 .......................................................................................................13
A FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO E A QUESTÃO DO PARENTESCO..13
1.1 Aspectos Gerais sobre Filiação ...................................................................13
1.1.1 Conceituação ............................................................................................13
1.1.2 Posse de estado de filiação ......................................................................14
1.1.3 Espécies de filiação ..................................................................................16
1.1.3.1 Filiação biológica .....................................................................................16
1.1.3.2 Filiação socioafetiva.................................................................................16
1.2 Histórico da Filiação no Direito Brasileiro ....................................................17
1.3 Aspectos Gerais sobre Parentesco .............................................................19
1.3.1 Conceituação ............................................................................................19
1.3.2 Parentesco natural, biológico ou consangüíneo .......................................19
1.3.3 Parentesco por afinidade ..........................................................................20
1.3.4 Parentesco derivado ou civil .....................................................................20
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................21
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.................................................................21
2.1 Reconhecimento dos Filhos...........................................................................21
2.1.1 Espécies ...................................................................................................23
2.1.1.1 Reconhecimento Voluntário.....................................................................23
2.1.1.2 Reconhecimento judicial ..........................................................................24
2.1.2 Efeitos.......................................................................................................25
2.2 Ação de Investigação de Paternidade .........................................................26
2.2.1 Antecedentes e legislação ........................................................................26
2.2.1.1 A evolução da prova científica .................................................................27
2.2.2 Legitimidade..............................................................................................31
CAPÍTULO 3 .......................................................................................................33
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA
.............................................................................................................................33
3.1 Conceito de Princípio Jurídico .....................................................................33
3.1 Princípios Constitucionais Relacionados com o Direito de Família .............35
3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ...............................................35
3.1.2 Princípio da paternidade responsável.......................................................37
3.1.3 Princípio da igualdade entre os filhos .......................................................37
3.1.4 Princípio do melhor interesse da criança ..................................................38
3.2 A Constitucionalização do Direito Civil ........................................................40
CAPÍTULO 4 .......................................................................................................41
A CONDUÇÃO COERCITIVA DO INVESTIGADO AO EXAME SOB O PONTO
DE VISTA CONSTITUCIONAL ...........................................................................41
4.1 Primeiro Caso de Recusa de Submissão ao Exame de DNA perante o STF
– HC71373-4 .......................................................................................................41
4.1.1 Considerações Iniciais ..............................................................................41
4.1.2 Posição do STF em face do HC 71373-4 .................................................43
4.2 Posição do STJ ante a Recusa do Investigado ao Exame de DNA.............47
4.3 Da Colisão de Princípios Fundamentais ........................................................48
4.4 Possibilidade de Condução Coercitiva do Investigado frente à Constituição
Federal de 1988...................................................................................................54
CONCLUSÃO......................................................................................................58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................61
10
INTRODUÇÃO
A escolha do tema do tema justifica-se pela demanda de processos que tramitam
na Justiça em que o investigado recusa se submeter ao exame genético DNA, o que
resulta na prestação judicial incompleta, em razão do investigante não obter, senão
pelo exame em DNA, a certeza de sua origem biológica.
Frente à situação apresentada, analisa-se a possibilidade, à luz da Constituição,
de compelir o investigado ao exame. Esposar os princípios fundamentais que protegem
ambas as partes neste tipo de conflito, ou seja, o direito do suposto pai à intangibilidade
de seu corpo e, o do filho, em ter sua origem biológica conhecida para, ao final, concluir
pela prevalência de um direito sobre o outro.
Procurou-se, por intermédio do presente trabalho, realizar uma análise sobre o
assunto em questão, a qual foi desenvolvida em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, ressalta-se que a filiação no direito brasileiro, até a edição
da Constituição de 1988, somente era reconhecida a partir do casamento, ou seja, os
filhos advindos de relações extramatrimoniais não detinham o direito de terem sua
paternidade reconhecida, eram conhecidos como filhos adulterinos ou ilegítimos.
A partir da editada “Constituição Cidadã”, permitiu-se o reconhecimento dos
filhos havidos ou não do casamento, proibindo-se qualquer distinção entre estes.
Assim, aqueles que não obtêm sua paternidade conhecida, recorrem às Varas de
Família a fim de sanarem tal lacuna em suas vidas.
Apesar de existir, hoje, a paternidade socioafetiva, que, em muitos casos, supre
a lacuna do afeto deixada pelo pai biológico, há que se ponderar a necessidade
daquele que deseja respostas para seus questionamentos acerca de sua origem. Tal
necessidade é de grande importância para o completo desenvolvimento de sua
personalidade.
Na busca pelo conhecimento da origem biológica, procura-se, além de bens
materiais, como alimentos, meação em herança, busca-se a inserção na família do pai
até então desconhecido, a cultura de seus ancestrais e outros aspectos que somente
integram, quando do reconhecimento da paternidade.
11
O caminho percorrido pelas provas, na ação de investigação de paternidade foi
longo, vários foram os meios utilizados para presumir ou excluir a paternidade, contudo,
hoje, em razão da avançada tecnologia, permite-se aferir com precisão a probabilidade
ou não de alguém descender do outro.
O advento do exame de DNA ocasionou uma revolução muito grande na
descoberta do pai biológico, podendo ser considerado hoje como o mais poderoso
elemento esclarecedor da verdade a serviço dos juízes e dos profissionais da área do
direito de família, em razão de sua precisão.
A partir da precisão conferida ao exame genético em DNA, não há outro meio
mais eficaz na busca pelo conhecimento real da paternidade. Desta feita, surge a
necessidade de uma cautelosa análise acerca das decisões de demandas dessa
natureza. Assim sendo, o segundo capítulo terá papel importante no que tange aos
aspectos referentes à investigação de paternidade, no qual se procura explorar as
diversas formas de reconhecimento da paternidade e ainda, a questão da evolução da
prova cientifica, qual seja, com base no exame em DNA.
O terceiro capítulo refere-se aos princípios constitucionais norteadores do direito
de família, tendo por objetivo chamar a atenção para aqueles que têm direta influência
sobre as decisões judiciais acerca do tema em apreço.
No último capítulo leva-se a efeito um caso concreto decidido na Corte Suprema.
Trata-se de um importante caso, o qual foi analisado segundo a possibilidade do
suposto pai ser conduzido coercitivamente. Em acirrada decisão, concluiu-se pela
sobreposição da proteção do corpo do suposto pai em detrimento do direito do filho ao
reconhecimento da paternidade, o que tem gerado até então discussões sobre o tema.
Já o posicionamento do STJ, frente a casos dessa natureza, é de que, ante a
recusa ao exame de DNA, o investigado seja presumivelmente o pai, inclusive a
mencionada Corte sumulou tal entendimento.
A partir do conflito instalado, os princípios constitucionais protetores de ambas as
partes, são sopesados a fim de propiciar àquele cujos direitos são mormente
relevantes, a tutela jurisdicional almejada.
12
Finalmente, na conclusão, foram apresentadas algumas idéias sobre a
possibilidade de conduzir o investigado ao exame de DNA, apesar do posicionamento
divergente do STF.
13
CAPÍTULO 1
A FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO E A QUESTÃO DO PARENTESCO
1.1
Aspectos Gerais sobre Filiação
1.1.1 Conceituação
Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, em
que uma é considerada filha da outra.
Assim conceitua Clóvis Beviláqua:
A relação de parentesco existente entre a prole e os progenitores chama-se
filiação, quando considerada, ascencionalmente, dos filhos para seus
imediatos ascendentes; paternidade, quando considerada, descencionalmente,
do pai para o filho; e maternidade, quando ainda descencionalmente, se tem
1
em mira a mãe em face do filho .
Contudo, com a evolução histórica e tecnológica, essa concepção não se
encontra restrita ao conceito tradicional ora citado. Tem se observado as diversas
formas de filiação, tais como, reprodução assistida, inseminação artificial, adoção, etc.
A mais importante das relações de parentesco é a estabelecida entre pais e
filhos, a filiação, pois é a partir daí que a entidade familiar se constitui.
O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco, atribuída
a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente
considerados.
Paulo Luiz Netto Lobo, explica que o estado de filiação constitui-se ope legis ou
em razão da posse de estado, por força da convivência familiar (a fortiori, social), com
base na afetividade.
1
BEVILÁQUA, Clóvis, Direito de Família, 9ª ed., São Paulo: Freitas Bastos, 1959, apud GUIMARÃES,
Luis Paulo Cotrim, A paternidade presumida no direito brasileiro e comparado, Rio de Janeiro: Renovar,
2001, p. 27.
14
Assim, a filiação jurídica é sempre de natureza cultural, seja ela biológica ou não
biológica 2.
A filiação pode ser presumida, consoante dispõe o art. 1.597 do Código Civil; por
testamento e ainda pode ser constituída por sentença judicial em ação de investigação
de paternidade.
O instituto da filiação encontra amparo legal em diversos dispositivos.
A Lei 8.069/90, o denominado “Estatuto da Criança e do Adolescente”, que tem
fundamento constitucional, reconhece a criança como sujeito de direito e garante
proteção integral. Em seu art. 27 dispõe que é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível o direito de filiação, podendo ser exercitado contra os pais ou seus
herdeiros, sem qualquer restrição.
A Lei 8.560/92 regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do
casamento, sobre o reconhecimento voluntário e quanto ao procedimento de
averiguação oficiosa.
1.1.2 Posse de estado de filiação
Na concepção de Paulo Luiz Netto Lobo:
Constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou
daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe, tendo ou não
entre si vínculos biológicos. É a exteriorização da convivência familiar e da
3
afetividade, devendo ser contínua .
A posse de estado de filho possui algumas características peculiares para seu
reconhecimento jurídico e social: nome, trato e fama. Quanto ao nome, deve o filho
referir o do pai a quem tem como tal. Referente ao trato, aponta-se para a participação
2
LOBO, Paulo Luiz Netto Lobo, Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção
necessária. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em:
[http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 4752]. Acesso em: 30 ago. 2007.
3
Ibidem.
15
e desempenho do pai na vida do filho, de forma a contribuir para o seu
desenvolvimento. Concernente à fama, refere-se à exteriorização do vínculo, tornando
pai e filho conhecidos como tais na sociedade.
Elucida FACHIN, que os elementos nome, trato e fama são indispensáveis para
constituição da posse de estado de filho, mas ressalta não se tratar de rol completo,
nem de definição acabada, tendo em vista que pode ser comprovada por meios tão ou
mais convincentes:
[...] A tradicional trilogia (nome, trato, fama) se mostra, às vezes
desnecessária, porque outros fatos podem preencher o seu conteúdo quanto à
falta de algum desses elementos. É inegável, porém, que naquele tríplice
elenco há o mérito de indicar os elementos normais que de modo corrente
4
sugerem a presença da posse de estado .
Não há hierarquização entre os pontos caracterizadores do vínculo, possuindo
todos, igual importância para constituição da posse de estado.
A posse de estado de filho exige, ainda, duração de tempo, como forma de
viabilizar a análise do comportamento dos interessados em legalizar o vínculo,
revelando uma situação que só pode existir através da repetição de índices diários. O
lapso temporal como elemento vital, permite, além da publicidade da relação, a
consolidação dos laços que unem pai e filho 5.
4
FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Sério Antônio
Fabris, 1992. p. 161.
5
. Ibidem, p.156.
16
1.1.3 Espécies de filiação
1.1.3.1 Filiação biológica
Biológica é a filiação quando decorre das relações sexuais dos pais. O filho tem
sangue dos pais, portanto, filho consangüíneo.
Mário Aguiar Moura conceitua como sendo o vínculo entre gerado e genitores,
assentado no fato fisiológico da procriação, engendrado pelo encontro vitorioso das
células germinativas sexuais: a masculina (espermatozóide) e a feminina (óvulo) 6.
1.1.3.2 Filiação socioafetiva
A filiação socioafetiva reside na esfera da afetividade, ou seja, não há laços
sanguíneos, se dá através de um vínculo formado entre duas pessoas que alimentam
sentimentos recíprocos, capazes de torná-los pai e filho no sentido da palavra. Os laços
de afeto nascem da convivência e não do sangue.
Segundo Jacqueline Filgueiras Nogueira, a paternidade sócio-afetiva, não se
funda com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da
afetividade colocando em xeque tanto a verdade jurídica como a certeza científica no
estabelecimento da filiação 7.
Belmiro Pedro Welter classifica quatro espécies de filiação sociológica, a adoção
judicial, o filho de criação, a adoção à brasileira e o reconhecimento voluntário ou
judicial da paternidade e/ou maternidade 8.
6
MOURA, Mário Aguiar, Tratado prático da filiação: filiação legítima e ilegítima, 2. ed., Rio de Janeiro:
Aide, 1987, v.1, p. 20, apud ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 63.
7
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueiras, A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor
jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 85.
8
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
148.
17
A adoção judicial é um ato volitivo, que se perfaz por meio de decisão judicial,
que pressupõe a vontade do interessado em fazê-lo.
Quanto ao filho de criação, Belmiro Pedro Welter, conceitua como sendo a
relação em que mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico, os pais
criam uma criança ou adolescente por mera opção, contudo, esclarece que não há
convergência na doutrina e na jurisprudência sobre essa espécie filiação afetiva.
Explicita que uma parte da jurisprudência e doutrina, entende que o filho de criação não
pode ser equiparado ao filho biológico, por outro lado, há entendimento de que a posse
de estado de filho deva conduzir ao reconhecimento da paternidade socioafetiva 9.
No que concerne à adoção à brasileira, reconhece-se a maternidade/paternidade
biológica mesmo não o sendo. Entretanto, tal conduta é tipificada como crime no art.
299 do Código Penal Brasileiro. Todavia, neste caso, pode-se fundar o estado de filho
afetivo (posse de estado de filho), o que torna irrevogável o estabelecimento da filiação,
conforme preceitua o art. 226, § 6º da Constituição Federal 10.
1.2 Histórico da Filiação no Direito Brasileiro
Na Roma antiga as relações eram regidas pelo chefe da família, que dispunha de
poder para regulá-la, fosse admitindo o ingresso de estranhos, ou ainda excluindo seus
próprios descendentes. Na hipótese da exclusão de um descendente, este era excluído
inclusive do direito de herança e, o estranho poderia se tornar filho do chefe da família.
Dessa forma, o vínculo consangüíneo não se mostrava como o fator mais relevante
para fins de filiação. A religião era o predominante. Assim, o chefe da família, transmitia
a titularidade do culto aos varões, apresentando-os diante do altar doméstico, e a eles
cabia a responsabilidade de perpetuá-lo 11.
9
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
148
10
Ibidem, p. 148.
11
BOSCARO, Márcio Antônio, Direito de Filiação, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002. p. 19.
18
O filho concebido por meio de relação extraconjugal não era reconhecido pelo
pai, não participava da herança, a não ser que o pai não possuísse descendentes,
poderia adotá-lo, tornando-o verdadeiro descendente 12.
Na época clássica da civilização romana, havia duas categorias de filhos: os
iusti, legítimos advindos do matrimônio, e os vulgo quasiti, advindos de uniões
extramatrimoniais. A diferença entre os iusti e os vulgo quasiti é que estes, advindos de
uniões extraconjugais, não mantinham qualquer vínculo de parentesco 13.
Já no período pré-clássico, surgiam os naturales liberi, filhos advindos de uniões
extraconjugais, que passariam a desfrutar dos mesmos direitos dos filhos legítimos 14.
A situação jurídica do filho, na família romana, passou de sujeição total aos
poder do paterfamilia, ou seja, do pai, para a tutela do Estado Romano, que passou a
editar leis que regulamentaram as relações familiares, conferindo direitos aos demais
membros da família 15.
No Brasil, a família constituída nos limites previstos pela legislação, através do
casamento e todas as suas formalidades, formava a família natural.
Aquela originária de relação extramatrimonial compunha a família ilegítima,
sendo os filhos provindos dessa relação denominados adulterinos, não sendo
reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Hoje, a Constituição Federal protege indistintamente a família, seja ela
constituída ou não pelo casamento, inclusive advinda da união estável, bem como a
formada por um só dos pais e seus descendentes. A intenção do legislador foi imprimir
preceitos básicos que protegessem os desiguais, através da concessão de diversos
direitos, como o direito ao nome, a ter um pai e uma mãe e outros.
12
BOSCARO, Márcio Antônio, Direito de Filiação, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002. p.19.
Ibidem, p. 19.
14
Ibidem, p. 19.
15
Ibidem, p. 20.
13
19
1.3 Aspectos Gerais sobre Parentesco
1.3.1 Conceituação
Segundo Pontes de Miranda, parentesco é a relação que vincula as pessoas
descendentes uma das outras, ou de autor comum (consangüinidade), que aproxima os
cônjuges com os parentes do outro (afinidade) ou que se estabelece por ficção legal –
fictu juris (adoção) 16.
As relações de parentesco classificam-se em: parentesco natural, biológico ou
por consangüinidade; parentesco por afinidade e parentesco derivado ou civil.
1.3.2 Parentesco natural, biológico ou consangüíneo
Resulta do vínculo sanguíneo, portanto, são parentes todas as pessoas que
descendem de um mesmo tronco ancestral comum. Esta forma de parentesco
apresenta em duas classes: em linha reta e em linha colateral ou transversal 17.
Entende-se por parentes em linha reta os que estão uns para com os outros na
relação de ascendência e descendência. Em linha reta estão ligados pelo vínculo
sanguíneo o pai e o filho, o avô e o neto, bisavô e bisneto, etc.
Já quando o vínculo sanguíneo refere-se a irmãos, denomina-se bilateral,
quando unidos pela mesma linha paterna e materna e, unilateral quando unidos por
uma das linhas.
Na linha colateral ou transversal, encontram-se os que descendem de um
mesmo tronco, mas sem descenderem uma da outra, assim, irmãos, primos, tios e
16
MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito de Família. Atual. Vilson Rodrigues Alves. 1. ed. Campinas:
Bookseller, 2002, p.33.
17
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – O Novo Direito de Família. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 35.
20
sobrinhos, tal classe de parentesco é limitada em conformidade ao disposto no art.
1.594 do Código Civil 18.
Ressalte-se que o art. 1.592 do Código Civil expressa que são considerados
parentes em linha colateral até o quarto grau 19.
1.3.3 Parentesco por afinidade
É a relação que liga um dos cônjuges ou companheiros aos parentes do outro,
não havendo graus nesta modalidade de parentesco. Conforme dispõe o art. 1.595 do
Código Civil, cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade
20
.
Cumpre salientar que não há extensão de relação parental de afinidade entre afins de
um cônjuge ou companheiro e os afins do outro consorte 21.
1.3.4 Parentesco derivado ou civil
O parentesco derivado ou civil nasce da adoção, relativamente ao vínculo que se
cria entre o adotante e o adotado, sem qualquer distinção quanto ao consangüíneo.
Luiz Roberto de Assumpção elucida que a adoção é um vínculo fictício de
filiação, em que alguém, imbuído de caráter humanitário, traz para sua família, na
condição de filho, “pessoa que, geralmente, lhe é estranha” 22.
18
BRASIL, Novo Código Civil. Organizador Silvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2003, p. 420.
Ibidem, p. 420.
20
Ibidem, p. 421.
21
RIZZARDO, Arnaldo, Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 400.
22
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo código civil. São Paulo: Saraiva,
2004, p.51-52.
19
21
CAPÍTULO 2
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
2.1 Reconhecimento dos Filhos
Com advento da Constituição Federal de 1988, várias foram as modificações no
que diz respeito à filiação e seu reconhecimento. Havia até então, distinção entre os
filhos legítimos e ilegítimos, sendo legítimos aqueles nascidos na constância do
matrimônio e ilegítimos aqueles havidos em relações extraconjugais. Na esfera dos
ilegítimos, havia divisão em duas classes, os naturais, filhos daqueles que não
possuíam impedimento para o casamento, os espúrios e incestuosos, que decorriam do
impedimento em razão de parentesco na linha reta e colateral até o segundo grau entre
os genitores ou impedimento em razão do casamento. Havia ainda o filho legitimado,
aquele havido pelos cônjuges antes do casamento e equiparados, a partir de então, aos
legítimos. Em relação à adoção, pela lei eram considerados como legítimos 23.
A partir da Constituição de 1988, foram extintas as diversas denominações no
que concerne aos filhos, em que em seu art. 227, parágrafo 6º, proíbe qualquer
discriminação entre filhos, sejam eles havidos ou não do casamento. Com a criação do
chamado “Estatuto da Criança e do Adolescente”, Lei 8.069/90, permitiu-se o
reconhecimento do filho havido ou não do casamento ou união estável, por meio de
escrito particular, a ser arquivado em cartório, ou por manifestação expressa e direta
perante qualquer Juiz de Direito 24.
Cumpre observar que a intenção do legislador ao estatuir normas que tutelassem
a criança e o adolescente, se deu em razão de três relevantes aspectos. O primeiro em
razão da formação da personalidade do menor, ainda que em detrimento da vontade
dos pais; segundo que a criança e o adolescente são chamados a participar ativamente
no que concerne à sua educação, prevendo-se inclusive, em determinadas hipóteses, a
23
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
67.
24
Ibidem, p. 69.
22
sua oitiva e consentimento e, terceiro que a lei determina rigoroso controle dos pais e
educadores, reprimindo os atos ilícitos e o abuso de direito 25.
O Código Civil em vigência, editado em 2002, dispõe em seu art. 1.609, in verbis:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é
irrevogável e será feito:
I – no registro de nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em
cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do
26
filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes .
Prima-se pela proteção em absoluto do menor, em situação especial de
desenvolvimento, preponderando-se inclusive os direitos da criança sobre os interesses
dos pais, como bem observa Grisard Filho, “pois o seu conteúdo é o bem-estar material
e emocional dos filhos, os aspectos morais e espirituais, sua saúde corporal e
intelectual, sem comprometer seu adequado desenvolvimento” 27.
25
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
69.
26
BRASIL, Novo Código Civil. Organizador Silvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2003, p. 423.
27
GRISARD FILHO, Waldir. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: RT, 2000. p. 62, apud WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e
socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p. 69-70.
23
2.1.1 Espécies
2.1.1.1 Reconhecimento Voluntário
Os filhos extramatrimoniais podem ser reconhecidos de forma voluntária ou
judicial.
O reconhecimento voluntário é um ato jurídico volitivo, constitutivo de estado, de
caráter declarativo e tem efeito retroativo à data da concepção. É ato puro e simples,
pois não admite prazo, condição ou qualquer outro fato que vise restringir o ato do
reconhecimento. É unilateral, ressalvado quando o reconhecido é maior de idade,
nesse caso, há necessidade do consentimento deste; personalíssimo, pois exige que
seja feito pelo próprio pai, ou seja, somente o pai ou a mãe podem reconhecer, e,
finalmente, cuida-se de ato irrevogável 28.
No mesmo sentido, Maria Berenice Dias elucida:
O reconhecimento voluntário da paternidade independe da prova da origem
genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como gera o
estado de filiação, não pode estar sujeito a termo, sendo descabido o
estabelecimento de qualquer condição [...]. O pai é livre para manifestar sua
29
vontade, mas seus efeitos são estabelecidos na lei .
Pode ser feito no registro do nascimento, por escrito particular, por testamento,
ou manifestação direta e expressa perante o juiz, conforme dispõe o art. 1.609 do
Código Civil 30.
28
OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de Oliveira, A nova lei de investigação de paternidade. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2001. p. 90-91.
29
DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 348.
30
BRASIL, Novo Código Civil. Organizador Silvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2003, p. 423.
24
2.1.1.2 Reconhecimento judicial
O reconhecimento judicial ocorre quando não há o reconhecimento voluntário
pelo pai. A Lei 8.560/92 regula o procedimento da investigação de paternidade,
inclusive prevendo a hipótese de reconhecimento forçado. Preconiza que, em caso de
registro de menor em que haja somente a maternidade estabelecida, o oficial remeterá
ao juiz certidão integral do registro, nome e prenome, profissão, identidade e residência
do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a paternidade 31.
Há ainda a possibilidade de reconhecimento por meio da ação de investigação
de paternidade, que é a ação cuja legitimidade para demandar cabe ao filho contra o
pai ou seus herdeiros. É uma ação de estado, ou seja, é uma ação que designa a
condição de um indivíduo na sociedade. Fernando Simas Filho explica que “o ‘estado’
de alguém é a posição jurídica determinada, donde decorrem certos direitos e
obrigações” 32.
Suas características são: inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.
Inalienável, visto que não se trata de ação de conteúdo patrimonial; imprescritível, pois,
pode ser demandada a qualquer tempo, independentemente da idade que tenha o
investigante, inclusive o STF sumulou sob o nº. 149 entendimento nesse sentido: “É
imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o direito de herança”
33
;
é irrenunciável em razão de o Ministério Público, quando age como legitimado
extraordinário, renunciar ou mesmo quando houver renúncia por parte da mãe do
menor.
31
Vade Mecum, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1.469.
SIMAS FILHO, Fernando, A prova na investigação de paternidade. Curitiba: Juruá, 2007. p. 69.
33
Vade Mecum, op. cit., p. 1699.
32
25
2.1.2 Efeitos
Caio Mário da Silva Pereira ensina que “a relação da paternidade biológica e o
reconhecimento, agindo simultaneamente, concretizam a situação jurídica do filho,
cujos direitos originários do vínculo natural, se efetivam por via do reconhecimento” 34.
Os efeitos decorrentes do reconhecimento são diversos, dentre eles, o estado de
filho, o direito ao nome, direito aos alimentos e direito sucessório.
Caio Mário delimita em dois grupos os efeitos da paternidade, o primeiro
classificado como não-patrimonial, cujos efeitos são morais ou pessoais e, patrimoniais
quando os efeitos manifestam prestações pecuniárias. Classifica como nãopatrimoniais, o direito ao estado da pessoa, o direito ao nome, o direito ao parentesco e
o poder familiar. Os efeitos patrimoniais correspondem ao direito aos alimentos e a
sucessão 35.
O estabelecimento do vínculo paterno-filial é o principal efeito decorrente do
reconhecimento da filiação. O filho passa a integrar a família do progenitor, recebe seu
sobrenome, além de ter suas necessidades de ser humano de ordem social, psicológica
e afetiva atendidas 36.
Giselle G. de Almeida expõe com clareza os aspectos imateriais do
reconhecimento biológico da paternidade:
Temos a necessidade e o direito de sermos reconhecidos através da ótica de
três vértices. Nossas necessidades biológicas incluem alimentação, saúde e
também o direito de saber nossa origem genética. Nossas necessidades
sociais incluem a inserção em uma família, em um grupo social que nos dê um
sentido de pertinência e que possa dar sentido de cidadania (...). Temos
finalmente o aspecto psicológico, que se desenvolve no indivíduo indissociado
das figuras da mãe e do pai, quer estes existam real ou virtualmente, na
convivência do cotidiano ou sob forma de uma aspiração como é o caso dos
filhos que buscam, por si ou através de suas mães, o reconhecimento da
37
paternidade .
34
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de
Janeiro:Forense, 2006. p. 209.
35
Ibidem, p. 208-209.
36
Ibidem, p. 302.
37
ALMEIDA, Giselle G. de, “Comentário à Apel. Cível nº 18.566 – Investigação de Paternidade”, in
Boletim de Atualidades do IBEIDF, ano II, nº 4, ed. especial, junho 1998, p. 31-33 apud PEREIRA, Caio
Mário da Silva, Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro:Forense, 2006. p. 302.
26
Outra conseqüência da sentença de reconhecimento é o estabelecimento de
alimentos, pois, consoante dispõe o art. 1.696 38 do Código Civil, o direito aos alimentos
é recíproco entre pais e filhos, ademais, o STJ sumulou entendimento sob o nº. 277 em
que, “julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a
partir da citação”. 39
A partir das mudanças ocorridas, no que concerne a abolição da distinção entre
filhos havidos ou não do casamento, ao filho reconhecido fora do casamento é
garantido o direito de herança em par de igualdade com aqueles.
2.2 Ação de Investigação de Paternidade
2.2.1 Antecedentes e legislação
O Princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido na Carta Magna de
1988, tem essencial papel no que tange ao direito de filiação, possibilitando ao filho o
amplo direito deste de ter sua origem conhecida e ao pai a responsabilidade de educar,
alimentar, etc.
O art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, editado após a promulgação
da Constituição Federal de 1988, elucida que o direito ao reconhecimento do estado de
filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível. Dessa forma, não ocorrendo o
reconhecimento de forma voluntária, ao interessado cabe promover ação de
investigação de paternidade 40.
38
BRASIL, Novo Código Civil. Organizador Silvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2003, p. 445.
VADE MECUM, São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1721.
40
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 114.
39
27
Ação de investigação de paternidade é uma ação de estado. Na concepção de
Caio Mário o estado da pessoa “é seu modo particular de existir, sua condição
individual na sociedade, da qual derivam direitos e obrigações” 41.
A ação de investigação de paternidade, ainda segundo Caio Mário, possui
natureza declaratória, visto que o objeto é a declaração da existência de relação de
parentesco entre as partes e, natureza condenatória, porque além da declaração de
estado, visa à condenação do réu a pagar alimentos ou dividir o patrimônio, caso em
que pode ser diretamente executada 42.
2.2.1.1 A evolução da prova científica
A atribuição das provas científicas é revelar ao juiz a existência ou inexistência
de relacionamento sexual fértil entre a genitora e o suposto pai.43. Com a evolução da
ciência, vários foram os estágios até a descoberta do DNA como fator determinante a
ser utilizado em demandas de investigação de paternidade. Trataremos de alguns
meios historicamente empregados para a definição da paternidade.
Inicialmente, utilizava-se a semelhança fisionômica entre o filho e o suposto pai
para concluir sobre a paternidade, sem qualquer base científica, tornando falível o
método, vez que é praticamente infinita a quantidade de elementos fisionômicos 44.
Em 1865, Georges Mendel a partir do exame da constituição sanguínea,
descobriu a possibilidade de determinar a correspondência hereditária entre o suposto
pai e filho, vez que o sangue de um indivíduo é composto por caracteres de sangue de
seus pais 45.
41
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 66.
42
Ibidem, p. 66.
43
ALMEIDA, Maria Christina de, Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p.55.
44
Ibidem, p.56.
45
SILVA FILHO, Artur Marques da. HLA e DNA: novas técnicas de determinação do vínculo genético.
Revista dos Tribunais, n. 655, p. 54, maio 1990, op cit ALMEIDA, Maria Christina de, Investigação de
paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.57.
28
O ano de 1900 foi o momento em que nasceu a genética, cuja grande
descoberta foi a de que os caracteres hereditários das espécies estavam codificados
nos gens, estes encontrados nos núcleos das células. Karl Landsteiner descobriu que
há certas substâncias nos glóbulos vermelhos das pessoas, as quais se transmitem a
seus descendentes, o referido sistema ficou conhecido por ABO 46.
O referido sistema, apresenta quatro categorias de tipo sanguíneo, quais sejam,
A, B, O e AB, sendo mais comum o tipo O. A partir dessa descoberta, o sistema ABO
passou a integrar os processos investigatórios de paternidade e, seus resultados se
prestavam a excluir a paternidade 47.
Em 1927, Landsteiner e Levine descobriram o sistema MN, com originariamente
três indicadores: M, N e MN. De acordo como esse sistema, as pessoas em sua
maioria, pertencem ao tipo MN 48.
No ano de 1939, primeiramente descrito por Levine e Stetson, sendo seguido por
Landsteiner e Wiener e em 1940 por Fisher e Race, o sistema sanguíneo denominado
Fator Rh foi descoberto. Os antígenos Rh aparecem no sangue, mercê da existência de
três pares de gens, situados em três loci próximos de um mesmo cromossomo. A
pessoa possui em sua composição genética um par de cada um dos cromossomos
característicos da espécie humana, sendo um proveniente da herança paterna e outro,
da materna. Assim, possui dois cromossomos portadores de gens Rh, limitando em três
as possibilidades genéticas de composição de um indivíduo 49.
Os referidos sistemas, brevemente descritos, constituem-se em antígenos
eritrocitários, ou seja, tipos sanguíneos encontrados nos glóbulos vermelhos. A
utilização desses sistemas conjuntamente prestava-se para apontar a exclusão da
paternidade, mas não estabelecer a sua correta probabilidade 50.
No início da década de 1970, a Organização Mundial de Saúde passou a aceitar
o sistema de antígenos leucocitários humanos ou sistema HLA, como prova da
paternidade. Tal sistema, possibilitou trazer ao processo judicial a probabilidade do
46
SIMAS FILHO, Fernando, A prova na investigação de paternidade. Curitiba: Juruá, 2005. 9ª ed. p. 167.
ALMEIDA, Maria Christina de, Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p.59.
48
SIMAS FILHO, Fernando, op. cit., p. 179.
49
Ibidem, p. 182.
50
ALMEIDA, Maria Christina de, op. cit., p.60.
47
29
suposto pai não excluído ser o verdadeiro pai, sendo calculada esta probabilidade
baseada na freqüência dos marcadores genéticos na população geral 51.
Maria Christina de Almeida explicita:
Com a amostra sanguínea do suposto pai, da mãe e do filho, fazia-se a
separação dos leucócitos (glóbulos brancos), para verificar a incidência ou não
nas amostras de antígenos, capazes de excluir, ou considerar viável a
paternidade. A avaliação era realizada utilizando-se vários antígenos
diferentes, de sorte a reduzir a margem de erro, embora não se pudesse
reputar à época, resultado absolutamente conclusivo em favor da paternidade
52
.
Dessa forma, o método HLA, apresentava alto grau de probabilidade da
paternidade, ficando entre 86% e 90%, não permitindo, contudo, afirmar em 100% a
inclusão da paternidade 53.
Uma das descobertas científicas revolucionárias ocorreu com a tipagem do DNA,
(DNA fingerprinting ou impressões digitais do DNA) ocasionando uma evolução
inequívoca na descoberta do pai biológico, considerado na atualidade como o mais
poderoso elemento esclarecedor da verdade a serviço dos juízes e profissionais ligados
à área do direito de família, em razão do alto grau de precisão a identificação e
genealogia de indivíduos 54.
O DNA encontra-se no núcleo de todas as células do corpo humano,
apresentando similaridades entre pessoas biologicamente relacionadas. Isso decorre
do fato de que sempre parte do DNA de uma pessoa é herdado de seu pai biológico e
outra parte de sua mãe biológica. Assim a técnica do DNA adquiriu valor diferenciado
ante as demais provas periciais 55.
Para a realização do exame em DNA, há de se tomar algumas medidas que
garantam a confiabilidade do exame, tais como: as amostras devem ser colhidas
individualmente no mesmo horário, a fim de possibilitar a identificação entre as partes;
51
ALMEIDA, Maria Christina de, Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p.60.
52
Ibidem, p. 61.
53
Ibidem, p. 61.
54
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 99.
55
Ibidem, p. 101.
30
todas as amostras devem ser codificadas para garantir a confidencialidade do teste de
DNA; o laboratório deve estar sob a direção de um médico, de preferência com título de
mestre ou doutor em genética, biologia molecular ou bioquímica e com comprovada
prática e teoria em determinação de paternidade; o domínio técnico de pelo menos
duas das metodologias existentes para determinação de paternidade em DNA e, em
caso de exclusão de paternidade, o laboratório deve garantir que esta seja comprovável
com pelo menos dois tipos de exames genéticos diferentes e, caso o laudo não exclua
a paternidade, deverá incluir o índice de paternidade para casa sistema genético
utilizado, bem como as probabilidades utilizadas 56.
Interessante salientar que o exame em DNA pode ser feito a partir do sangue e,
ainda, da raiz do cabelo, mucosas, saliva, ossos, sêmen, músculos e urina. Há
predileção pelo sangue em razão da facilidade de sua coleta.
Ressalte-se que o exame de DNA pode ser realizado a partir de material
genético dos possíveis avós paternos, ou na falta destes, pode ser extraído dos filhos e
irmãos do investigado.
Ante sua confiabilidade, o exame pericial em DNA é um poderoso aliado da
justiça, que reconhece sua relevância ímpar como meio de prova em função de
apresentar a verdade real da paternidade e não mais jurídica ou presumida 57.
Por se tratar a ação investigatória de paternidade de ação de estado, cujo direito
é indisponível e personalíssimo, amparado pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, a qualquer tempo poderá ser requisitada a prova pericial, inclusive na fase
recursal. Belmiro Pedro Welter entende que considerado o fato da garantia de quase
100% de afirmação de paternidade, não é possível que o formalismo predomine sobre a
verdade real 58.
56
WELTER, Belmiro Pedro, Investigação de paternidade. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 245.
ALMEIDA, Maria Christina de, Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p.75.
58
WELTER, Belmiro Pedro, op. cit. p. 248.
57
31
2.2.2 Legitimidade
A Lei 8.560/9259, que regula a investigação de filhos havidos fora do casamento,
dispõe que a legitimidade para propor a ação é do filho e, ainda, estendida ao Ministério
Público, conforme preceitua o § 4º de seu art. 2º:
§ 4º - Se o suposto pai não atender no prazo de 30 (trinta) dias a notificação
judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao
representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos
suficientes, a ação de investigação de paternidade.
Cumpre ressaltar que a referida notificação judicial advém do disposto no caput
do art. 2º do mesmo diploma legal, consoante se extrai que, nos casos em que conste
somente o nome da mãe do menor no registro de nascimento, o oficial tabelião, deverá
remeter ao juiz a certidão do registro bem como, elementos de identificação do suposto
pai, a fim de que se proceda à averiguação oficiosa da paternidade.
A extensão ao Ministério Público ocorre em função das atribuições conferidas no
art. 127, caput da CF/88, quais sejam, a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, estando sob a égide
deste último, o direito ao estado da pessoa, conseqüentemente o estabelecimento da
paternidade 60.
Luiz Roberto de Assumpção entende que não é requisito essencial para a
averiguação oficiosa da paternidade, a informação sobre o suposto pai, vez que tais
elementos podem ser fornecidos durante a averiguação oficiosa, com a oitiva da mãe
do menor, que pode não ter sido a declarante 61.
Ao ser notificado, o suposto pai pode confirmar a paternidade perante o juiz, com
a conseqüente averbação do registro em cartório. Contudo, caso não atenda a
notificação em trinta dias ou ainda, se negar a paternidade, os autos serão
encaminhados ao Ministério Público a fim de que promova a ação de investigação de
59
Vade Mecum, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1.469.
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 117.
61
Ibidem, p. 117.
60
32
paternidade, caso haja elementos que indiquem a possível paternidade, do contrário
requererá o arquivamento dos autos 62.
62
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 119.
33
CAPÍTULO 3
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA
A Constituição é a lei fundamental do país, que contém normas referentes à
organização do Estado, ao reconhecimento e à garantia dos direitos fundamentais do
ser humano e do cidadão, às formas, aos limites e às competências do exercício do
Poder Público 63.
É uma lei em grau hierarquicamente superior às demais. Tem aplicação direta de
suas normas e princípios.
Nela estão elencados preceitos que norteiam todo o sistema jurídico do país. De
forma expressa nos artigos 1° ao 4° da Constituição e, outros, implicitamente esparsos
em seu teor.
Com a evolução histórico-jurídica, esses preceitos ou princípios, foram elevados
ao mais alto patamar em nosso ordenamento, alicerçando a Constituição Federal e
demais normas vigentes no Estado.
3.1 Conceito de Princípio Jurídico
Inicialmente na fase jus naturalista, os princípios jurídicos habitavam uma esfera
totalmente abstrata, como paradigmas que inspiravam os postulados de justiça.
Situavam-se os princípios num patamar superior ao ordenamento jurídico. Assim, a sua
normatividade era basicamente nula 64.
Na segunda fase, positivista, os princípios gerais ingressam nos códigos como
fonte subsidiária do Direito, figuram na Constituição como disposições individuais ou
63
FERRAZ JR., T.S. Função Social da dogmática jurídica, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, apud
DINIZ, Maria Helena, Norma Constitucional e seus efeitos, 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 10.
64
GARCIA, Edinês Maria Sormani. Direito de Família, princípio da dignidade da pessoa humana, São
Paulo: Editora de Direito, 2003. p. 13.
34
como mensagens progmáticas dotadas de baixa eficácia jurídica. São introduzidos nos
códigos para estender sua eficácia de modo a impedir lacunas da lei e se induzem por
via de abstração ou de sucessivas generalizações do próprio Direito Positivo. Então, o
valor dos princípios lhes vem por derivarem das próprias leis 65.
Na fase contemporânea, pós-positivista, segundo Paulo Bonavides, os princípios
“passam a pedestal normativo sobre o qual assenta todo edifício jurídico dos novos
sistemas constitucionais” 66.
No mesmo sentido, De Plácido e Silva:
(...) No sentido jurídico, notadamente no plural (princípios), que significar as
normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como
alicerce de alguma coisa (...). Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os
pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do
67
próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito .
A conceituação de princípio por Celso Antônio Bandeira de Melo:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
68
tônica e lhe dá sentido harmônico .
Em suma, o sistema jurídico está fundamentado em preceitos norteadores, que
trazem relação com o contexto social vivido pelo estado e, tais preceitos, são elementos
vitais do próprio Direito. Não necessitam de disposição expressa no texto da
Constituição. Podem ser implícitos.
65
FLOREZ Valdez ; ARCES Joaquim, Los princípios generales del derecho y su formulacion
constitucional, p.38, apud GARCIA, Edinês Maria Sormani, Direito de Família, princípio da dignidade da
pessoa humana, São Paulo: Editora de Direito, 2003. p. 13
66
BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional p. 235, apud GARCIA, Edinês Maria Sormani,
Direito de Família, princípio da dignidade da pessoa humana, São Paulo: Editora de Direito, 2003. p. 14.
67
SILVA, De Plácido e, Vocabulário jurídico, p. 354, apud GARCIA, Edinês Maria Sormani, Direito de
Família, princípio da dignidade da pessoa humana, São Paulo: Editora de Direito, 2003. p. 15.
68
MELLO, Celso Antônio de, Curso de Direito Administrativo, p.450-451, apud GARCIA, Edinês Maria
Sormani, Direito de Família, princípio da dignidade da pessoa humana, São Paulo: Editora de Direito,
2003. p. 15-16.
35
3.1 Princípios Constitucionais Relacionados com o Direito de Família
3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Primordialmente, cabe ressaltar que o mais importante dos princípios elencados
na Carta Magna é o da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1˚ da
Constituição Federal Brasileira.
A tutela da dignidade permeia toda a Constituição e todo o ordenamento jurídico,
de modo que, a partir desse princípio tão importante, outros, mais específicos, irão
orientar a interpretação e a aplicação da norma ou do direito às situações concretas.
Na concepção de Miguel Reale, em Fernando Ferreira dos Santos, o princípio da
dignidade humana, historicamente percorreu três fases, senão vejamos:
a)
Individualismo: cada homem, cuidando de seu interesse, protege e
realiza, indiretamente, os interesses coletivos. O ponto de partida é o indivíduo.
Neste sentido, o juízo da dignidade da pessoa humana é entendido de maneira
muito limitada e a interpretação da lei teria o objetivo de salvaguarda a
autonomia do individuo, sendo que num conflito indivíduo versus Estado,
privilegia-se àquele;
b)
Transpersonalismo: contrário ao individualismo, os valores coletivos
preponderam e a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo. A
tendência na interpretação do direito sob esta teoria é privilegiar os interesses
da sociedade em detrimento dos individuais;
c)
Personalismo: esta corrente rejeita as concepções individualista e
coletivista. Busca esta teoria a inter-relação entre valores individuais e
coletivos e distingue indivíduo de pessoa. Nesse sentido a solução há de ser
buscada em cada caso, ponderando-se o que cabe ao indivíduos e o que cabe
69
ao outro.
E conclui:
“Não há no mundo valor que supere o da pessoa humana”.70
Para Fernando Ferreira Santos, a dignidade seria um princípio absoluto, que
ainda que se opte, em determinada situação pelo valor coletivo, não se deve nunca ferir
o valor da pessoa 71.
69
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana. Fortaleza:
Celso Bastos, Editor, 1999. p. 29-31.
70
Ibidem, p. 29-31.
36
Para Rodrigo Pereira da Cunha, o princípio da dignidade da pessoa humana, é
um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade autonomia privada,
cidadania, alteridade, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.72
Na concepção de Carmem Lúcia Antunes Rocha:
“Dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é que dita a
condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso é que a
dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social. Não se há
ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa
73
contingência, é um direito pré-estatal” .
Pode-se concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana é absoluto e
serve como base para todas as relações em nosso ordenamento, mormente em relação
ao direito de família, vez que valores tão intrínsecos, sobremaneira particulares,
constituem as relações familiares.
71
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana. Fortaleza:
Celso Bastos, Editor, 1999. p. 29-31.
72
PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 94.
73
ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. O Princípio da dignidade humana e a exclusão social. In: Anais do
XVVI Conferência Nacional dos Advogados – Justiça: realidade e utopia. Brasília: OAB, Conselho
Federal, p.72, v.I, 2000 apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais norteadores para o
direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 95.
37
3.1.2 Princípio da paternidade responsável
O princípio da paternidade responsável encontra-se abarcado pelo art. 226 § 7º
da Constituição Federal que expõe, in verbis:
Art. 226, § 7. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte dessas
74
instituições oficiais ou privadas” .
Para Eduardo de Oliveira Leite, não pode se furtar das conseqüências aquele
que teve o ato de gerar um novo ser, sob o argumento de impedimento legal do
estabelecimento da paternidade como ocorria no passado 75.
Extrai-se que os pais são responsáveis pelo planejamento familiar, dessa forma
são responsáveis pela educação aliada à educação promovida pelo Estado,
responsáveis por guiar, instruir, de prover sustento e principalmente possibilitarem o
conhecimento de sua identidade. Pois, o direito de ostentar o nome do pai é de
especial importância para a integração da pessoa na sociedade, como ser dotado
de personalidade.
3.1.3 Princípio da igualdade entre os filhos
O princípio da igualdade entre os filhos está previsto no artigo 227, § 6º da
Constituição Federal, expondo que “os filhos havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim, os filhos
nascidos fora do casamento não podem ser objeto de discriminação e, a lei ou
74
Vade Mecum, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 68.
LEITE, Eduardo de Oliveira, Procriações artificiais e o direto, São Paulo: RT, 1995, apud BOSCARO,
Márcio Antônio, Direito de Filiação, São Paulo: RT, 2002, p. 153.
75
38
repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.
Para tanto houve a revogação das regras de direito civil que atribuíam aos filhos
“legítimos” melhores direitos sucessórios em relação aos filhos “ilegítimos”, ou que
limitavam o reconhecimento de certas categorias de filhos “ilegítimos”.
Hoje os filhos são iguais, havidos ou não do casamento, da mesma forma os
filhos adotivos ou inseminados de forma heteróloga, ou seja, com material genético
de terceiro.
3.1.4 Princípio do melhor interesse da criança
O artigo 227, caput, da Constituição, regulamentado pela Lei 8.069 (Estatuto da
Criança e do Adolescente), prevê proteção integral à criança, inclusive no que
concerne aos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
Faz-se necessário especial atenção ao menor, pois este não possui maturidade
suficiente para conduzir sua própria vida. O menor encontra-se construindo sua
personalidade, portanto deve ter atenção privilegiada no âmbito familiar.
Rosana Amara Girardi Fachin explicita:
De acordo com a Constituição, o modelo institucional de família é atenuado
para residir na relação entre pais e filhos o poder paternal, que está centrado
na idéia de proteção. A paridade de direitos e deveres tanto do pai quanto da
mãe está em assegurar aos filhos todos os cuidados necessários para
desenvolver de suas potencialidades para a educação, formação moral e
76
profissional .
Rodrigo da Cunha Pereira, esclarece que os princípios são relativos, desta forma
há que se observar o caso em concreto para a aplicação. Os princípios não trazem
76
FACHIN, Rosana Amaral Girardi. Da filiação. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da; DIAS, Maria Berenice
(Coords). Direito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.111 apud PEREIRA,
Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p. 128.
39
conceitos predeterminados, assim como sua aplicação deve ser prima facie. Devem
ser aplicados a cada caso determinado 77.
O princípio do melhor interesse da criança deve ser prioridade em todos os
âmbitos governamentais, judiciários, legislativos, seus direitos fundamentais devem
ser universalmente salvaguardados e, aos pais, o dever de dirigir cuidados especiais
às crianças.
Quanto ao reconhecimento do melhor interesse da criança, explica Rodrigo
Pereira da Cunha:
A conseqüência do reconhecimento de tais dispositivos como fonte de
princípios é que eles informarão a interpretação de todo o ordenamento jurídico
pátrio, além de serem fonte de orientação das decisões judiciais a serem
tomadas, em que envolvam crianças e adolescentes, sem olvidar da atividade
78
legislativa, que também deve tê-los como seu norte hermenêutico .
A proteção integral demonstra-se necessária em razão da criança estar em
condição
de
pessoa
em
desenvolvimento,
ou
seja,
maior
fragilidade
e
vulnerabilidade, dessa forma autorizando um regime especial de proteção para que
consigam se estruturar e se governar enquanto pessoa humana 79.
77
PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 129.
78
PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 130.
79
Ibidem, p. 130.
40
3.2 A Constitucionalização do Direito Civil
A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, trouxe grande avanço ao
sistema jurídico nacional, principalmente no que concerne a valoração do princípio da
dignidade da pessoa humana, já apresentado em seu artigo 1º.
A intenção do legislador ao salientar tal princípio, foi garantir aos cidadãos
condições mínimas para exercer com dignidade suas vidas 80.
Assim, franqueou o amplo acesso à ordem jurídica, o exercício de todos os
direitos e garantias sem obstáculos, concedendo ao cidadão a possibilidade de utilizar
os todos os meios existentes para perquirir seu direito 81.
Nesse intuito, o legislador infraconstitucional tem adequado as normas ao que
preceitua a Carta Magna e, dessa forma, como bem esposado por Cristiano Chaves,
“torna real e concreta a aspiração constitucional por uma sociedade mais justa e
solidária, buscando adequar velhos e clássicos institutos a uma noção mais próxima da
realidade social do povo brasileiro” 82.
No que concerne ao direito de família, em especial o direito de reconhecimento
da paternidade, a Carta Magna de 1988 proibiu qualquer distinção entre os filhos
havidos ou não do casamento, o que derrogou os dispositivos do Código Civil de 1916,
vigentes até a edição da nova Constituição. Insta ressaltar que o legislador de 1988,
procurou pautar-se sempre no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana para instituir
as normas regentes da sociedade.
80
FARIAS, Cristiano Chaves de, O novo procedimento da Separação e do Divórcio, 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 1.
81
Ibidem, p. 2.
82
Ibidem, p. 2.
41
CAPÍTULO 4
A CONDUÇÃO COERCITIVA DO INVESTIGADO AO EXAME SOB O PONTO DE VISTA
CONSTITUCIONAL
4.1
Primeiro Caso de Recusa de Submissão ao Exame de DNA perante o STF –
HC71373-4
4.1.1 Considerações Iniciais
Em ação de investigação de paternidade proposta no Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, o suposto pai impetrou habeas corpus a fim de evitar fornecer material
genético para a realização de exame de DNA.
Em primeira instância, na data de 20/05/92, a juíza determinou a produção da
prova pericial em DNA, tendo o investigado comunicado a não submissão à feitura do
exame, oportunidade em que foi reconhecido o direito da parte quanto à não ser
obrigada à realização da prova. Contudo, em sua última decisão referente ao caso,
datada de 27/11/92, a magistrada reviu seu posicionamento e exarou a seguinte
decisão:
Tendo em vista nova jurisprudência que começa a despontar sobre o tema da
recusa em fazer o exame para comprovação da paternidade, representada
pelo agravo de instrumento nº. 588021022, da 4ª Câmara Cível do E. TJRGS,
Rev. de Jurisp. nº. 147, págs. 301 a 304, reviso minha posição de fl. 81. No
presente caso estão em jogo interesses de duas menores. Outrossim, pelo que
está nos autos, uma das partes está faltando com a verdade e o exame dirime
dúvida estabelecendo, praticamente em definitivo, com quem está a verdade,
desmascarando-se a oportunista ou que tenta eximir-se da responsabilidade
da paternidade. Não há motivo para que réu se negue ao exame, a menos que
esteja com receio do resultado. Hoje, com o avanço das pesquisas genéticas,
é inconcebível que não seja feito tal exame neste tipo de ação. Assim,
determino a realização do exame, a ser realizado pelo Dr. Jobim, já
compromissado. Oficie-se para a marcação de data. Deverá o réu comparecer,
assim que intimado, sob pena de condução sob vara, eis que no caso, seu
42
corpo é ‘objeto de direitos’, não sendo cabível invocar ‘direito personalíssimo
83
de disponibilidade do próprio corpo’ .
Em razão de agravo de instrumento interposto pelo investigado, suspendeu-se o
efeito da imposição. Após o julgamento do agravo pela Oitava Turma Cível do TJRGS,
manteve-se a decisão de primeira instância por dois votos contra um.
Em embargos de declaração oferecidos pelo investigado, em dezembro de 1993,
face às omissões do acórdão, a decisão os acolheu, fundamentando e mantendo o
acórdão ora vergastado.
Assim, a decisão da r. magistrada, confirmada pela Oitava Câmara Cível, concluiu
pela condução sob vara do investigado.
Ante a decisão da Câmara, o investigado interpôs Recurso Especial, indicando
que decisão contrariou o disposto no art. 332 do Código de Processo Civil 84, bem como
divergiu da interpretação a ele dada pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça
de São Paulo em acórdão publicado (RJTJSP, Lex, 111/350 – 353).
Interpôs igualmente, recurso Extraordinário, argumentando que decisão contrariou
diretamente os incisos II e X do art. 5º da Constituição da República 85.
Tendo em vista que os referidos recursos excepcionais não possuem efeito
suspensivo, a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul continuou a produzir efeitos,
sendo marcada nova data, horário e local para a realização do exame e a intimação do
investigado a comparecer, sob pena de condução sob vara.
Assim, o investigado impetrou habeas corpus a fim de livrar-se da ameaça de
violência contra sua liberdade de locomoção, tendo em vista a iminência de ser
conduzido sob vara para se submeter ao exame contra sua vontade, enquanto
83
(HC71373 – STF – PLENO, pub. 22/11/96 DJ PP-45686) INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE –
EXAME DNA – CONDUÇÃO DO RÉU ‘DEBAIXO DE VARA’. Discrepa, a mais não poder, de garantias
constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, do império da lei e da
inexecução específica e direta da obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de
investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório
“debaixo de vara”, para coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se
no plano jurídico instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas
ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos (HC71373 – STF – PLENO, pub. 22/11/96 DJ PP45686).
84
Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código,
são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
85
Princípio da legalidade e princípio da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, respectivamente.
43
aguardava o curso dos dois recursos excepcionais interpostos, os quais poderiam
alterar a decisão da Oitava Câmara Cível do TJRGS.
Concedeu-se liminar ao investigado para não ser compelido a fazer o exame, até o
julgamento do habeas corpus pelo STF.
4.1.2 Posição do STF em face do HC 71373-4
Ao julgar o habeas corpus interposto pelo investigado, o STF deferiu o pedido
numa decisão bastante acirrada, cinco votos a quatro, prevalecendo o entendimento
dos ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches, Néri da Silva, Moreira Alves e Octávio
Gallotti, os quais entenderam pela impossibilidade de determinação judicial para
condução coercitiva do réu sob vara para a coleta do material genético para a produção
do exame de DNA.
Em suas razões para o deferimento do habeas corpus, o ministro Marco Aurélio
expõe que a condução coercitiva do investigado é de “violência ímpar e discrepa não só
da ordem constitucional, em vigor, como também das normas instrumentais comuns
aplicáveis”. Alerta que o Código de Processo Civil, em seu art. 343, § 2º, explicita que
quando a parte não comparece para depor, ocorre a confissão ficta, a qual deveria ser
aplicada no caso da recusa do investigado na ação de investigação de paternidade.
Elucida que devem ser respeitados os princípios da legalidade, bem como o princípio
da intangibilidade do corpo humano, uma vez que amparados pelo art. 5º da
Constituição Federal.
Contudo, contrapõe-se ao direito do investigante solucionar a demanda pela
confissão ficta. Busca-se justamente com a investigação biológica, a certeza de sua
origem, impor a confissão ficta à quem persegue sua real identidade parece não
solucionar a querela.
O ministro Sydney Sanches, por sua vez, fundamenta seu voto no princípio da
intangibilidade do corpo humano. Ressalta quanto à admissão ficta quando da recusa e,
salienta que o reconhecimento da paternidade é direito disponível, razão pela qual não
44
se justifica a compulsoriedade, pois o direito ao reconhecimento da paternidade é
personalíssimo, pode ou não ser exercitado pela parte.
Porém, não se pode conceber que o direito de personalidade seja disponível.
Nesse sentido Humberto Theodoro Júnior leciona:
Direitos indisponíveis são os essenciais da personalidade, também chamados
fundamentais, absolutos, personalíssimos, eis que inerentes da pessoa
humana. [...] são todos aqueles que não possuem um conteúdo econômico
86
determinado e que não admitem a renúncia ou comportem a transação .
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 27, preceitua que o
reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível. Dessa forma, entendemos como equivocada fundamentação do referido
voto.
O ministro Néri da Silveira inicia seu voto analisando até que ponto o investigado
poderá ser obrigado a colaborar com a Justiça – art. 339. Conforme explicitado pelo
ministro, o investigado não poderá colaborar, pois estaria dispondo de um direito
indisponível. De igual sorte, ampara-se no princípio da legalidade, quando expõe que
não há lei que obrigue o investigado a se submeter ao exame.
Já o ministro Moreira Alves, afirma que o direito à investigação de paternidade é
um direito disponível, esclarecendo que o investigante pode deixar de propor a ação de
investigação. Elucida que a inviolabilidade da intimidade deva sobrepor-se ao direito de
investigação.
Finalmente, o ministro Octávio Gallotti propõe expõe que não é certo afirmar que o
direito que se pretende ver declarado na ação de investigação de paternidade seja
meramente patrimonial. Contudo, trata-se de um direito individual e não de um interesse
coletivo, razão pela qual não se pode conceber a possibilidade de conduzir sob vara o
investigado. Ressalta os efeitos decorrentes da recusa, como a presunção favorável às
alegações do investigante.
86
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1990. p.
392 apud Investigação de paternidade e efeito da revelia. Arnoldo Camanho de Assis. Artigo apresentado
no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil.
Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira . Belo Horizonte: Del Rey, 2004
45
Os ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence,
que votaram pelo indeferimento do habeas corpus, elucidaram quanto à necessidade
de proteção ao direito do investigante. Vejamos.
O relator Francisco Rezek inicia seu voto ressaltando a confiabilidade do exame
de DNA na investigação de paternidade, bem como os direitos da criança os quais
foram objeto de grande atenção do legislador de 1988. Expõe que a visão
individuocêntrica, preocupada com as prerrogativas do direito do investigado, está
cedendo espaço ao direito elementar que tem a pessoa de conhecer sua origem
genética, assim, a verdade jurídica, geralmente fundada em presunção, passa a poder
identificar-se com a verdade científica. Expõe que a recusa do investigado implica
descumprimento de um “dever processual de colaboração”, conforme disposto no art.
339 do Código de Processo Civil. Explica quanto ao investigado que, o direito ao
próprio corpo não é absoluto ou ilimitado, que, por vezes a incolumidade corporal dever
ceder espaço a um interesse preponderante, como no caso da vacinação, em nome da
saúde pública. Que o direito de família, o corpo é, por vezes, objeto de direitos. Que o
princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve
dar lugar ao direito à identidade, que salvaguarda, em última análise, um interesse
também público. Que o sacrifício imposto à integridade física o investigado é risível
quando confrontado com o interesse do investigante, bem assim com a certeza que a
prova pericial pode proporcionar à decisão do magistrado. Que a Constituição impõe
como dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança o direito à
dignidade, ao respeito, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência.
O ministro Ilmar Galvão elucida:
[...] com a investigação de paternidade não se busca a satisfação de interesse
meramente patrimonial, mas, sobretudo, a consecução de interesse moral, que
só encontrará resposta na revelação da verdade real acerca da origem
biológica do pretenso filho, posta em dúvida pelo próprio réu ou por outrem [...]
87
.
87
(HC71373 – STF – PLENO, pub. 22/11/96 DJ PP-45686)
46
Esclarece que é uma ação de estado, portanto, de interesse público, tanto que a
intervenção do Ministério Público é obrigatória. Por essa razão posiciona-se em favor
do filho.
Carlos Velloso cita em seu voto o art. 227, caput, da Constituição quando da
proteção da criança. Que o direito ao conhecimento acerca do pai biológico esteja
inserido no referido dispositivo constitucional. A presunção da paternidade não é
conclusiva quando estamos diante de interesses morais, como o direito à dignidade e,
assegura que “não há no mundo interesse maior do que este: o filho conhecer ou saber
que é o seu pai biológico”. Elucida que o art. 332 do Código de Processo Civil, sirva
como mecanismo para a realização obrigatória do exame.
O ministro Sepúlveda Pertence ratifica a expressão utilizada pelo ministro Rezek
quando diz que é “risível o sacrifício imposto à inviolabilidade corporal à iminência dos
interesses constitucionalmente tutelados à investigação de paternidade”.
A doutrinadora Maria Christina de Almeida, com bastante propriedade, divergindo
do entendimento majoritário esposado pelo STF, expõe sobre a preponderância do
direito do filho sobre o suposto pai:
A partir da problemática ora exposta, o que se pretende pontuar aqui é a
defesa de uma nova forma de conceber o direito de estado de filiação, para
dele emergir uma releitura do sistema jurídico brasileiro no sentido de fazer
prevalecer o direito do filho, em decorrência da premissa teórica de que se está
diante de um direito de caráter humanitário e personalíssimo, não mais
meramente funcional ou instrumental, de forma a atribuir à descoberta da
origem biológica uma relevância maior do que ao “atentado” à integridade
física, evitado pelo suposto pai, estabelecendo-se uma hierarquia entre os
valores em jogo para proteger aquela das partes que, por certo, não pode ser
88
responsabilizada pelo fato de seu nascimento .
O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal não encerrou as
discussões sobre o tema, pelo contrário, reascendeu quanto à necessidade de se
analisar de fato o direito prevalente em casos dessa natureza.
88
ALMEIDA, Maria Christina de, O direito à filiação integral à luz da dignidade humana. Afeto, Ética,
Família e o novo Código Civil. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
428.
47
Há que se ter em mente que, no momento em que se investiga uma paternidade,
tanto o investigante quanto o suposto pai terão sua intimidade invadida, pois não há
outro modo para buscar a verdade real, contudo, é importante ressaltar, que todas as
ações dessa natureza estão sob a proteção do segredo de justiça, o que de fato
assegura às partes quanto ao sigilo de fatos relativos à sua intimidade.
4.2
Posição do STJ ante a Recusa do Investigado ao Exame de DNA
O STJ utilizando-se da presunção sumulou entendimento sob o nº. 301, que
expõe:
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção juris tantum da paternidade” 89.
Conforme se extrai, a recusa do suposto pai demonstra receio quanto ao
resultado, o que é suficiente para concluir que este é pai biológico do autor, pois se não
fosse, não perderia a oportunidade provar seu direito.
Contudo, a presunção juris tantum admite contraprova. Dessa forma, a súmula tem
o condão da inversão do ônus da prova, cabendo ao investigado provar que não é pai
do autor, ou ainda, a presunção da paternidade. Assim, indiretamente o investigado é
levado a produzir o exame de DNA no momento em que é demandado, ou para fazer
prova em contrário a paternidade que lhe foi imputada presumivelmente.
Há que se questionar quanto à efetividade da aplicação da súmula 301 do STJ,
pois, uma vez que se dispõe de um meio seguro e eficaz para a revelação da
ascendência biológica, não há como conceber que alguém tenha sua paternidade
reconhecida por mera presunção.
Ademais, ao editar a referida súmula, o STJ conferiu ao exame de DNA
prevalência sobre os demais meios de prova, razão pela qual ante a negativa ao teste,
presume-se que o investigado seja o pai. Assim, segundo esposado pelo próprio STJ
89
Site do STJ, acesso em 30 de abril de 2007.
http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=t
rue&t=&l=10&i=41.
48
na edição da súmula, o exame de DNA apresenta relevante importância Demonstrando
para a solução de conflitos dessa natureza.
4.3 Da Colisão de Princípios Fundamentais
A colisão de direitos fundamentais ocorre em razão dos direitos fundamentais
serem heterogêneos, ou seja, possuem na maioria das vezes conteúdo aberto e
variável, apenas podendo ser verificado quando diante de um caso concreto.
Edilson Pereira de Farias esclarece que a colisão de direitos pode ocorrer de
duas formas:
(1) O exercício de um direito fundamental colide com o exercício de outro
direito fundamental (colisão entre os próprios direitos fundamentais)
(2) O exercício de um direito fundamental colide com a necessidade de
preservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente
90
(colisão entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais) .
Os princípios fundamentais não possuem hierarquia entre si, contudo, ao aplicálos, deve-se levar em consideração a importância relativa a cada direito, a fim de
escolher qual deles, no caso concreto, predominará ou sofrerá menos compressão.
O conflito advindo da investigação de paternidade está amparado no mesmo
princípio constitucional, ou seja, dois direitos fundamentais abarcados no principio da
dignidade da pessoa humana.
O confronto de direitos fundamentais, segundo Belmiro Pedro Welter, ocorre
“quando o exercício ou a realização do direito fundamental de um titular de direitos
fundamentais tem conseqüências negativas sobre direitos fundamentais de outros
titulares de direitos fundamentais” 91.
Juarez Freitas expõe quanto à solução de conflitos de direitos fundamentais:
90
FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e imagem versus
a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: S.A Fabris, 2000. p. 116.
91 WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003.
p. 128.
49
Todas as colisões podem somente então ser solucionadas se ou de um lado ou de
ambos, de alguma maneira, limitações são efetuadas ou sacrifícios são feitos, pelo que
os princípios constitucionais jamais devem ser eliminados mutuamente, ainda quando
92
em colisão, à diferença do que se sucede com as normas e regras .
No mesmo sentido Robert Alexy elucida:
Quando dois princípios entram em colisão – tal como é o caso quando
segundo um princípio algo está proibido e, segundo outro princípio, está
permitido – um dos princípios tem que ceder ante o outro. Mas, isto não
significa declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio
desprezado há que ser incluída uma cláusula de exceção. O que sucede, mais
exatamente, é que, sob certas circunstâncias um dos princípios precede o
outro. Sob outras circunstâncias, a questão da precedência pode ser
solucionada de maneira inversa. Isto é o que se quer dizer quando afirma que
nos casos concretos os princípios tem diferente peso e que prevalece aquele
com maior peso. Os conflitos de regras resolvem-se na dimensão da validade;
a colisão de princípios – como somente podem entrar em colisão princípios
válidos – tem lugar mais além da dimensão da validade, na dimensão do peso
93
.
Consoante leciona Jorge Miranda, nos casos que em que há conflito de princípios:
Deve o julgador harmonizar o interesse dos titulares dos direitos, considerados
em sua individualidade, com aqueles interesses que pertencem a toda a
comunidade política de modo a permitir a convivência, o quanto possível
integral, entre três ordens distintas de interesses: interesses individuais,
interesses coletivos (ou supra individuais onde se incluem os direitos
94
chamados interesses coletivos) e interesses gerais ou públicos .
Luiz Roberto de Assumpção explica que a colisão de direitos de direitos
fundamentais pode ser resolvida com a aplicação dos princípios constitucionais da
proporcionalidade e razoabilidade. Vejamos:
92
FREITAS, Juarez. Tendências atuais e perspectivas da hermenêutica constitucional. Revista Ajuris:
doutrina e jurisprudência 76/398, Porto Alegre, ano XXXVI. Dez 1999 apud WELTER, Belmiro Pedro,
Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p. 129.
93
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução: Garzón Valdés, Ernesto. Madrid:
Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 89 apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra,
imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 101102.
94
MIRANDA, Jorge (Organizador). Perspectivas constitucionais, Coimbra: Coimbra Editora, 1999 apud
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com
outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 104.
50
A colisão de direitos fundamentais pode ser resolvida com a aplicação dos
princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, voltados para a
salvaguarda do equilíbrio entre valores conflitantes. Esses princípios guardam,
em sua essência, o critério da valorização dos interesses envolvidos, cedendo
espaço o menos lesivo, o de menor sacrifício, em favor do mais prioritário.
E conclui:
No conflito de interesses entre o direito de personalidade do pai, que não quer
submeter-se ao exame, protegendo sua integridade física no exercício de seu
direito de liberdade e dignidade, e do filho, que busca a declaração da
paternidade biológica, entende-se deve prevalecer o direito do filho, assim
atribuindo à descoberta da real ascendência genética uma relevância maior do
que ao atentado à integridade física evitado pelo suposto pai, estabelecendo
uma hierarquia entre os valores em jogo, de forma a proteger aquela das
95
partes que não pode ser responsabilizada pelo fato de ter nascido .
Conforme visto, o STF ao julgar o HC 71373-4, entendeu, por maioria dos votos,
não ser possível a condução coercitiva do investigado. Contudo, grande parte da
doutrina de família entende pela possibilidade da condução coercitiva do investigado,
frente aos interesses do menor, vez que os direitos tutelados têm maior relevância em
relação ao fato do investigado ser obrigado a ceder material genético para a produção
do exame.
A discussão nasce em torno do princípio da dignidade humana, direito que
resguarda o suposto pai quando da intangibilidade de seu corpo e, o direito
fundamental à filiação perquirido pelo menor.
O direito do filho em ter a identidade verdadeira e não presumida de seu
progenitor, está amparado no seu direito à dignidade, protegido pela Constituição
Federal e, ainda, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estado visa tutelar a
dignidade da criança em todos os sentidos, inclusive, é tarefa primária e urgente
garantir o seu direito à identidade de seus genitores.
Maria Christina de Almeida expõe:
95
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de, Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 214.
51
A nova vitalidade do direito subjetivo em questão é a consagração do direito à
revelação da ascendência genética paterna como direito fundamental, mais
humanitário e personalista e menos funcional ou instrumental, ainda,
despatrimonializado, direito este que busca garantir à pessoa o estabelecimento
de sua origem biológica como ponte para ascender ao status de filho e fundar
sua ampla personalidade como pessoa humana, constituída de uma organização
dinâmica a partir de características inatas que surgem no momento de sua
96
concepção e que a acompanham por toda a vida .
A descoberta da ascendência genética é um direito inerente à condição de pessoa,
a filiação integral e o status de filho, contribuem para a formação integral de sua
personalidade a partir da identidade pessoal de seus ancestrais.
Belmiro Pedro Welter elucida:
O estado de filho biológico, com o conseqüente ser, e não apenas conhecer, a
ancestralidade, a origem biológica, é direito fundamental indisponível,
irrenunciável, inegociável, impenhorável, imprescritível, vitalício e intangível do
ser humano, já que faz parte de sua dignidade de pessoa humana, principio
dotado, ao mesmo tempo, segundo José Afonso da Silva, de um valor
supremo, porque se encontra na base da vida nacional, atraindo o conteúdo de
todos os direitos fundamentais, desde o direito à vida, um princípio
constitucional fundamental e geral, não somente na ordem jurídica, mas
97
também na ordem política, social, econômica e cultural [...] .
A postura do judiciário nesses casos, segundo Wanessa Alpino, deve
“necessariamente, prestigiar a perícia compulsória quando essa tem por objetivo
impedir que o direito da criança e do adolescente sobre o risco de perecimento.” 98
Ressalta ainda:
A técnica de ponderação de interesses, outrossim, confere plena condição ao
Julgador de optar pela prevalência do direito da criança e do adolescente, sem
que seja necessário escamotear sua decisão sob a capa de um falso
silogismo. Naturalmente, tal postura exige o comprometimento do Judiciário
99
com os direitos humanos e sua efetivação no plano concreto [...] .
96
ALMEIDA, Maria Christina de, O direito à filiação integral à luz da dignidade humana. Afeto, Ética,
Família e o novo Código Civil. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
422.
97
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
122.
98
ALVIM, Wanessa Alpino Bigonha Alvim. Família e Jurisdição. Coordenadores: Eliene Ferreira Bastos e
Asiel Henrique de Sousa. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 367.
99
Ibidem, p. 368.
52
E conclui:
Encarando-se a questão sob o ângulo social, outra solução não se permite
senão a de dar prevalência ao direito da criança e do adolescente em conhecer
seu verdadeiro pai, trânsito essencial para sua integral inserção na vida em
sociedade como sujeito de direitos [...] o avanço tecnológico permite que os
processos investigatórios de paternidade assumam feição mais célere,
condizente com o bem jurídico tutelado, bastando que o Judiciário reconheça
que não é ouvindo testemunhas que se provará a filiação biológica e deve,
portanto, determinar, desde logo, a convocação do suposto pai para a coleta
100
do material .
Cabe ressaltar que a submissão ao exame não demanda sacrifícios corpóreos
consideráveis, que sejam legítimos a respaldar uma recusa fundada na alegação de
que a parte deve ter respeitada a sua inviolabilidade corporal. A extração de uma
amostra de sangue não causa sofrimento considerável. E, ainda que se pudesse
considerar que a extração desse material genético causasse algum sofrimento
significativo, deve-se entender que a busca pela verdade real em relação à paternidade
de um indivíduo é valor que se sobrepõe ao direito que se tem à inviolabilidade do
corpo.
A integridade física configura, neste caso, mero interesse individual se contraposta
ao direito à identidade real, o qual, referindo-se diretamente ao estado pessoal e
familiar da criança, configura, além de qualquer dúvida, interesse público, de toda a
coletividade.
Belmiro Pedro Welter, esclarece que o sacrifício do investigado justifica-se pelas
seguintes razões:
- O investigante tem o direito à identidade biológica;
- o exame de DNA oferece a segurança necessária à determinação da
paternidade biológica;
- em matéria de filiação, a ficção jurídica foi abolida. A filiação pode
101
apoiar-se apenas no dado biológico ou no socioafetivo .
100
ALVIM, Wanessa Alpino Bigonha Alvim. Família e Jurisdição. Coordenadores: Eliene Ferreira Bastos e
Asiel Henrique de Sousa. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p.369.
101
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
122.
53
Alerta-se para o fato de que além de alimentos ou bens materiais, o menor busca
conhecer suas origens, que além de genéticas, são culturais e sociais. Ademais, é
imprescindível nos dias atuais conhecer seu histórico genético, pois com a evolução
tecnológica que desponta, há possibilidade de descobrir e tratar prematuramente
doenças congênitas, ou até mesmo, em última instância, salvar vida daquele que
ascende ou descende do outro.
54
4.4 Possibilidade de Condução Coercitiva do Investigado frente à Constituição
Federal de 1988
Com a Constituição Federal promulgada em 1988, a investigação de paternidade
adquiriu força, o que desvinculou o direito de filiação do matrimônio. Assim, todo
aquele, concebido fora do casamento pode buscar a verdade real sobre sua origem
genética.
O exame de DNA, como grande avanço tecnológico, permite aos que buscam
conhecer sua genética, precisão jamais tida com os meios utilizados até então.
Além da precisão, o exame de DNA não demanda grandes esforços daqueles que
se submetem a tal perícia. Pequenas quantidades de sangue, saliva ou até mesmo um
fio de cabelo podem revelar a ascendência genética.
Apesar disso, o STF entendeu por maioria de votos, não ser possível conduzir o
investigado “sob vara” ao exame, amparado no princípio da intangibilidade do corpo e
da legalidade, onde ninguém pode ser obrigado a fazer algo não preceituado em lei.
Contudo, o constituinte de 1988 preocupou-se em proteger os direitos daquele em
formação, ou seja, a criança e o adolescente, o fez em seu artigo 227, o qual assegura
com absoluta prioridade o direito à dignidade, que é o foco abordado no presente
trabalho. Ao instituir o absolutismo dos direitos relativos à criança e adolescente, o
legislador de forma ampla e irrestrita amparou inclusive o direito do filho em ter sua
filiação conhecida.
Assim, aquele que opera o direito, deve preservar a soberania constitucional
protegendo o direito de filiação.
O direito de filiação, conforme esposado, é indisponível, assim, todo aquele que
busca a tutela jurisdicional, não pode ter seu direito baseado em mera presunção, isso
de fato traz efeitos irreversíveis àquele ser em formação. A incerteza de sua origem
será uma constante em sua vida.
Dessa forma, o exame de DNA é prova indispensável à obtenção da verdade real,
no processo de investigação de paternidade, proporcionando o cumprimento total da
prestação da tutela jurisdicional.
55
Importante salientar que a ação de investigação é uma ação de estado, ou seja,
define o estado da pessoa, sua condição individual na sociedade.
Além disso, preceitua a Constituição em seu art. 226 § 7º, o princípio
da
paternidade responsável, no qual disciplina que os pais devem possibilitar, com base na
dignidade da pessoa humana, o conhecimento da identidade biológica do filho.
Merece esposar que a decisão do STF frente ao HC 71373-4 permitiu que o direito
de filiação desse lugar à intangibilidade do corpo humano, contudo, convém
questionarmos o que de fato é relevante nessa demanda, se é o fato de alguém se
escusar de permitir que outro possa conhecer de fato sua origem biológica, ou o outro,
ser em formação, com todas as suas necessidades psicológicas em ter sua
ascendência genética conhecida.
Entende-se ser mais razoável a corrente dos que entendem ser risível o sacrifício
daquele que se submete ao exame, ante o bem maior que diz respeito àquele que
busca a revelação de sua origem.
Belmiro Pedro Welter, com maestria defende a condução forçada do investigado:
Em vista do avanço social e biotecnológico, o Brasil ressente-se de uma
legislação sobre bioética e biodireito na reprodução humana natural e
medicamente assistida, que partindo do texto constitucional, com observância
do superprincípio da dignidade humana, possa organizar, no plano
infraconstitucional, um novo sistema de estabelecimento da filiação, como: [...]
tornar obrigatório o exame genético em DNA, inclusive, se necessário, com a
condução coercitiva do investigado, indicando o procedimento a ser seguido na
feitura dessa prova pericial, como: a) definir critérios para credenciar
laboratórios; b) regulamentar os cuidados a serem tomados na coleta do
material genético e na identificação das pessoas; c) ordenar os laboratórios a
manutenção de banco de dados das freqüências populacionais dos sistemas
genéticos utilizados; d) fiscalizar o controle de qualidade dos exames
genéticos; e) disciplina a forma de aquisição e guarda dos materiais genéticos;
f) determinar que o laboratório deve ser administrado por um médico, de
preferência com título de mestre ou doutor (Ph.D) em genética, biologia
molecular ou bioquímica e com comprovada competência prática e teórica em
determinação de paternidade; g) estabelecer que o laboratório deve empregar
a técnica de, pelo menos, duas das metodologias existentes para testes de
determinação da paternidade em DNA; h) em casos de exclusão da
paternidade, o laboratório deve garantir que esta exclusão foi com o emprego
de, pelo menos, dois tipos de exames genéticos diferentes, com apresentação
dos índices de paternidade para cada sistema genético utilizado; i) informar o
índice de paternidade para cada sistema genético utilizado; j) redigir o
resultado com linguagem acessível para Juiz e os leigos; k) descrever os
métodos utilizados e como foi realizado o cálculo estatístico para apresentação
da probabilidade da execução; l) identificar os técnicos incumbidos de cada
uma das diferentes etapas do teste e possíveis fontes de erro e problemas na
56
interpretação do resultado, incluindo no laudo fotografias das bandas do DNA
102
ou filme de Raios X marcado para o exame visual do resultado [...] .
Conforme discorrido em todo o trabalho, o filho tem amparo constitucional amplo e
irrestrito no que concerne ao seu direito de filiação. Foi um grande avanço da nossa
sociedade preocupação do legislador com a criança e o adolescente, tanto na
Constituinte, quanto na edição de uma lei específica para tutelar os direitos relativos
aos menores. Além disso, aquele que deu origem a uma pessoa não pode escusar-se
da responsabilidade de reconhecê-lo e provê-lo.
Amparado no dever de colaboração com o poder judiciário, disciplinado no art. 339
do Código de Processo Civil Brasileiro, o suposto pai deve ser compelido ao exame,
pois, conforme visto, não resulta completamente na quebra do direito à intangibilidade
do corpo humano a extração de uma pequena quantidade de sangue, saliva ou fio de
cabelo.
Wanessa Alpino nesse sentido, expõe:
A decisão do Juiz que determina ao suposto pai a submissão ao teste em DNA
não tem a roupagem inconstitucional enxergada por alguns. Trata-se, na
verdade, consoante ressaltado, de tensão constitucional entre dois princípios
válidos e hierarquicamente iguais, o que conduz à análise do peso e da
dimensão assumida por cada um, fazendo prevalecer o direito que constitua
expressão, em maior grau, da dignidade da pessoa humana, não sendo outro
103
senão o direito do filho ao conhecimento da origem biológica .
Não se deve aceitar o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova
contra si mesmo, pois, não há como concordar com a consideração de que a prova
efetiva de uma investigação de paternidade, inicialmente suspeita, é prova contra si. O
direito relevante é o de se ter certeza a respeito da existência ou não de tal vínculo
familiar. O interesse da parte em omitir a informação que seria necessária e suficiente
102
WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p.
266-267.
103
ALVIM, Wanessa Alpino Bigonha Alvim. Coordenadores: Eliene Ferreira Bastos e Asiel Henrique de
Sousa. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 367.
57
para estabelecer a verdade é vencido pelo interesse da sociedade em ver desvelada tal
informação.
Ademais é desumano impor à criança a incerteza de sua paternidade. Dispor de
um direito personalíssimo não parece, à luz da Constituição, razoável.
O filho, ao conhecer sua verdadeira identidade, pode exercer na plenitude o seu
direito de personalidade, de buscar explicação para seus questionamentos, como por
exemplo, sobre suas características físicas, índole, comportamento social, propensões
ou resistências a determinadas doenças, etc.
Assim, o Estado pode, por meio de mecanismos legislativos e executivos, coagir
o pretenso pai ao exame de DNA para que se obtenha a real prestação jurisdicional na
qual o Poder Judiciário pode desempenhar.
58
CONCLUSÃO
A busca pelo conhecimento da origem biológica tem sido tema bastante discutido
e controverso no campo jurídico.
Com a Constituição Federal de 1988, a investigação de paternidade adquiriu
grande força, tornando o direito de filiação algo independente ao matrimônio. Princípios
lançados na esfera constitucional, especificados no Estatuto da Criança e do
Adolescente, revogaram antigos dispositivos do Código Civil de 1916, tais como, o não
reconhecimento de filhos havidos fora do matrimônio.
A partir da descoberta do exame em DNA, os tribunais têm visto a demanda de
processos aumentar no que concerne a ações de investigação de paternidade, pois, a
confiabilidade, conferida ao exame em DNA, possibilita o esclarecimento da
paternidade com percentual de confiabilidade de quase 100%. Amparado nesse
percentual, o exame em DNA tem se revelado como meio mais adequado para a
solução de conflitos dessa natureza.
Ao ingressar com a ação, o investigante busca além da declaração da
paternidade jurídica, a paternidade biológica, que como já citado, tem-se adotado a
técnica de exame em DNA por possuir alta confiabilidade.
Ocorre que, em alguns casos, o suposto pai ou investigado se nega a fornecer
material genético para a realização do referido exame, impossibilitando comprovar a
paternidade do investigado.
Ante
o
caso
em
tela
é
que
foi
pautado
o
trabalho,
buscando,
despretensiosamente, contribuir para solucionar tal conflito, em que se analisa a
obrigatoriedade ou não do suposto pai fornecer material genético para o exame, se
deve prevalecer o direito do investigado no que concerne a intangibilidade de seu corpo
ou o direito do investigante em saber sua origem.
O ponto de partida para a discussão foi o julgamento do HC 71373-4 pelo STF
em que deferiu a medida favorecendo o suposto pai.
O STF entendeu que o direito à intangibilidade do corpo do suposto pai, se
sobrepõe ao direito do filho de investigar sua paternidade. Todavia, apesar deste
precedente, grande parte da doutrina tem entendimento contrário, ou seja, entende que
59
o direito do filho à sua integral paternidade, deve prevalecer sobre o direito daquele que
se escusa do exame genético.
Com o presente trabalho, buscou-se demonstrar por meio do Princípio da
Paternidade Responsável, Princípio do Melhor Interesse da Criança e, principalmente,
pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, este que protege inclusive a figura do
investigado, que o direito do filho, direito à verdade real sobre sua paternidade deve
prevalecer.
Na colisão dos princípios que protegem ambas as partes, deve-se utilizar da
proporcionalidade e da razoabilidade, considerando a proteção do filho como valor
preponderante, pois, o direito que protege à intangibilidade do corpo do suposto pai,
interesse este de cunho privado, deve dar lugar ao direito à identidade do filho, direito
de caráter público.
Apesar do entendimento da Corte Suprema ser pela impossibilidade de obrigar o
suposto pai ao exame e, utilizar-se da presunção para resolver ações dessa natureza, a
presunção não traz para o filho a resposta desejada quando de seu ingresso na justiça,
pois, caso o suposto pai, não se interessando por provar o contrário, será considerado
como tal e a incerteza e a insegurança quanto à paternidade acompanharão por toda a
vida o filho.
Deve prevalecer a identidade histórica da criança. Os direitos inerentes ao
investigado devem ser mitigados face aos direitos do filho. Assim o é, porque este em
nada contribui para tal situação, assim os seus direitos devem permanecer intocáveis.
O exame de DNA, em razão de seu grande avanço tecnológico, permite, a partir
da extração de uma pequena quantidade de sangue, saliva ou até mesmo um fio de
cabelo, descobrir a paternidade, assim, não parece ser grande o esforço ou mesmo a
invasão a intimidade daquele que está sendo investigado, bem como esposado pelo
ministro Francisco Rezek no HC 71373-4, é risível o esforço do suposto pai, quando
confrontado com o direito do filho em saber sua origem.
Ademais, além de atender as expectativas daquele que busca conhecer sua
origem, o exame em DNA se mostra como um aliado eficaz da Justiça, que propicia
além da certeza, a celeridade judicial.
60
Tendo o Judiciário a possibilidade de um mecanismo como o exame de DNA,
não há como presumir ou considerar verdadeiras as alegações contidas na peça inicial.
O juiz tem nas mãos um instrumento de prova que não legitima a presunção. A
verossimilhança das alegações na investigação de paternidade é irrelevante para o
conhecimento e declaração da paternidade, pois em direito de família não pode existir
direito verossímil e sim direito verdadeiro.
A presunção, solução enunciada pelo STJ quando em casos de recusa da
submissão ao exame de DNA, não se mostra suficiente para resolver quanto à
descoberta real da paternidade, pois se tem entendido que a recusa do pai em fornecer
material genético será reconhecida, pelo Juiz, a filiação, independentemente de outras
provas. Dessa forma, permanece inconclusa a investigação da paternidade.
Há a possibilidade de que com o passar dos anos surja uma lacuna psicológica
para o filho, decorrente da necessidade de conhecer suas origens. A causa do
questionamento pode se dar pela peculiaridade de caracteres físicos, pela ocorrência
de doenças hereditárias ou simplesmente pelo desejo de saber como é, onde está e
como vive aquele que lhe deu a vida e que por não querer ou não poder, não o
reconheceu como filho.
Ante ao caráter indisponível do direito à filiação, o Estado somente poderá
satisfazer totalmente a tutela jurisdicional pretendida se dispuser de mecanismos
seguros para tal. Para tanto, o exame de DNA possibilita alcançar a certeza absoluta da
paternidade, dando supedâneo ao Estado para que este venha a dar o deslinde
satisfatório à demanda.
Os operadores do Direito devem buscar analisar com cautela os casos dessa
natureza. Não se deve impor um pai por presunção àquele que busca a verdade real
sobre sua origem. É dever do Estado a proteção da criança e do adolescente, desse
modo, todos os meios devem ser utilizados a fim de permitir que estes busquem sua
inserção na vida em sociedade como sujeitos de direitos e que possam obter a
completa tutela jurisdicional, principalmente no que diz respeito à sua identidade.
61
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