Por uma Angola melhor
INSTITUTO
PARA A
CIDADANIA
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS
NAS ESCOLAS CATÓLICAS
ESTUDOS DE CASO: BENGUELA, HUAMBO, LUANDA E MALANGE
Relatório de Pesquisa 2014
www.mosaiko.op.org
Siglas e Abreviaturas
CPEE
Comissão de Pais e Encarregados de Educação
CRA
Constituição da República de Angola
EMC
Educação Moral e Cívica
IBEP
Inquérito ao Bem estar da População [Angola 2008]
ICRA
Instituto de Ciências Religiosas de Angola
IMNE
Instituto Médio Normal de Educação
INAC
Instituto Nacional da Criança
INIDE
Instituto Nacional de Investigação e
Desenvolvimento da Educação
FICHA TÉCNICA
ISCED
Instituto Superior de Ciências da Educação
Título:
O Ensino dos Direitos Humanos
nas Escolas Católicas.
Estudos de Caso: Benguela,
Huambo, Luanda e Malange.
OMA
Organização da Mulher Angolana
ONG
Organização Não Governamental
OPA
Organização do Pioneiro Angolano
OUA
Organização de Unidade Africana (actualmente
União Africana)
edição: ©2014, MOSAIKO
Instituto para a Cidadania
Contactos:
Bairro da Estalagem - Km 12
Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola
TM: (00244) 912 508 604
TM: (00244) 923 543 546
E-mail: [email protected]
www.mosaiko.op.org
/MosaikoAngola
Depósito legal: 6871/2014
PeDIDOS PARA:
MOSAIKO | INSTITUTO
PARA A CIDADANIA
Apoio
OXFAM NOVIB
SIAC
TPA
UNICEF
ZIP
Organização não governamental holandesa
Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão
Televisão Pública de Angola
Fundo das Nações Unidas para a Infância
Zona de Influência Pedagógica
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Índice
Siglas e Abreviaturas
Pág. 03
Índice
Pág. 05
Apresentação
Pág. 07
Sumário Executivo
Pág. 17
1. Introdução
Pág. 19
Pág. 19
Pág. 22
Pág. 24
Pág. 25
Pág. 26
2. Contexto: Ensino de Direitos Humanos em Angola
Pág. 27
3. Metodologia
Pág. 31
Pág. 31
Pág. 32
Pág. 36
Pág. 37
Pág. 38
Pág. 38
Pág. 39
Pág. 40
Pág. 45
Pág. 47
Pág. 47
4. Resultados: Grupos focais com alunos
Pág. 49
Pág. 49
Pág. 50
Pág. 51
Pág. 52
Pág. 53
Pág. 54
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5 Análise histórica do ensino em Angola
Ensino pós independência em Angola
Introdução da disciplina de Educação Moral e Cívica
Ensino de Direitos Humanos em África
Base legal e Tratados internacionais ratificados por Angola
4.1 Conhecimento geral sobre Direitos Humanos
4.2 Direito à Educação
4.3 Direito à Vida
4.4 Direito à Liberdade
4.5 Direito à Integridade Física
4.6 Direito ao Trabalho
4.7 Direito à Família
4.8 Violência
4.9 Democracia participativa
4.10 Competências para a vida
4.11 Fontes de informação
5. Resultados: entrevistas com professores
5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6 Direitos e Deveres
Ensinar “Educação Moral e Cívica”
Conteúdo dos Manuais
Promover a Democracia na Escola
Violação de Direitos e Deveres
Recomendações feitas pelos Professores
|3
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Pág. 55
Pág. 55
Pág. 58
Pág. 60
Pág. 63
Pág. 65
Pág. 66
Pág. 67
Pág. 67
Pág. 68
Pág. 68
Pág. 70
4|
6. Análise e discussão dos resultados
6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 Conhecimentos sobre Direitos Humanos
Prática e Defesa dos Direitos Humanos
A Escola como oficina de Democracia
Ensino de Educação Moral e Cívica e Direitos Humanos
Fontes de informação
Oportunidade para Igreja Católica
7. Principais conclusões
7.1 7.2 7.3 7.4 Conhecimentos sobre Direitos Humanos
Prática e Defesa dos Direitos Humanos
Ensino de Educação Moral e Cívica e Direitos Humanos
Violência Doméstica
8. Recomendações
Pág. 71
Pág. 71
Pág. 73
Pág. 74
Pág. 75
Pág. 78
8.1 8.2 8.3 8.4 8.5 Pág. 79
Bibliografia
Pág. 81
Pág. 81
Pág. 83
Pág. 86
Pág. 86
Anexos
Melhorar o ensino de Direitos Humanos
Combater a violação comum dos Direitos da Criança
Tornar a Escola uma oficina de Democracia
Educar a Dociedade sobre o funcionamento do Sistema Judicial
Combater a Violência Doméstica
Anexos 1: Guião de entrevista para Grupos Focais
Anexos 2: Guião de entrevista para Professores
Estória nº 1: Direito a Educação
Estória nº 2: Democracia
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Apresentação
Quatro factores principais levaram o Mosaiko a realizar
uma pesquisa sobre o ensino dos Direitos Humanos em
Angola, partindo da experiência de leccionação da disciplina de “Educação Moral e Cívica”, a saber:
w Primeiro - conscientes de que é necessário conhecer para agir correctamente e, tendo em
conta o papel insubstituível que o ensino “formal” tem na educação de crianças, adolescentes e jovens - conhecer melhor a experiência de
discurso e de prática dos Direitos Humanos nos
ambientes de educação “formal” em Angola;
Sendo este um conjunto de estudos
de caso, é importante frisar que
esta metodologia se centra em cada
realidade estudada, procurando
entender o como e o porquê, um
privilégio enormíssimo da técnica
qualitativa.
w Em segundo lugar, procurar dar uma resposta adequada e fundamentada às crescentes solicitações para formação - ou outros tipos de
apoio- que o Mosaiko recebe de cada vez mais
por parte das instituições de ensino (desde o 1º
ciclo ao ensino superior);
w Em terceiro lugar, considerando que o seu potencial está longe de ser atingido, contribuir
para que o ensino “formal” e, concretamente, a disciplina de “Educação Moral e Cívica”,
seja abrangente e constitua um pilar marcante
na educação de crianças, adolescentes, jovens e
adultos contribuindo para uma cultura de Direitos Humanos em Angola;
w Por fim, suscitar debate público sobre a importância do ensino dos Direitos Humanos em
todos os níveis de escolaridade e mobilizar os
diferentes actores envolvidos - instituições do
Estado, professores e sindicatos, associações de
pais e encarregados de educação, Associação
das Escolas Católicas, organizações da sociedade civil, etc. - para dar corpo ao estabelecido no
preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos que diz “A Assembleia Geral proclama a
presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos
e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela
educação, por desenvolver o respeito desses direitos
e liberdades […]”.
Sendo este um conjunto de estudos de caso, é importante frisar que esta metodologia se centra em cada realidade estudada, procurando entender o como e o porquê, um privilégio enormíssimo da técnica qualitativa.
Tendo em conta os recursos disponíveis e os constrangimentos enfrentados para a realização deste estudo,
ele centrou-se em grandes centros urbanos - Benguela,
Huambo, Luanda e Malange - e maioritariamente em
escolas católicas. Todavia, pensamos que os elementos
recolhidos e o conhecimento produzido já oferecem
uma base consistente para reflectir sobre as formas mais
adequadas para potenciar o ensino e a prática dos Direitos Humanos nas escolas, contribuindo para o desenvolvimento integral e hamonioso das crianças e dos
jovens [cf. CRA, artº 21º i); 35º nos 6 e 7].
Por outro lado, a consciência dos limites deste estudo,
constitui um desafio para que, a partir das experiências
apresentadas, se possam identificar elementos para outros estudos com amostras mais extensas, que sustentem a adopção de políticas e medidas eficazes para fazer
face aos problemas identificados. Instituições como o
Ministério da Educação, o UNICEF, as Universidades,
a Associação das Escolas Católicas e outras organizações
da sociedade civil terão certamente um papel relevante
a desempenhar neste campo.
Este estudo só foi possível graças à colaboração e ao
apoio de várias pessoas e instituições a quem gostaríamos de endereçar o nosso profundo agradecimento.
O primeiro agradecimento é dirigido a Deus, o autor da
vida e fundamento último da dignidade humana.
Agradecemos à Oxfam Novib, cujo apoio financeiro
6|
permitiu realizar não apenas esta pesquisa e esta publicação, mas também outras actividades inseridas no
programa de acção do Mosaiko. É com tristeza que em
2014, após tantos anos de frutuosa colaboração com
diferentes organizações angolanas, vemos a Oxfam
Novib retirar-se de Angola.
Os nossos sinceros agradecimentos à Drª Mary Daly
pela extraordinária competência técnica, profissionalismo e carinho com que liderou e assessorou a equipa
do Mosaiko na realização deste estudo. Agradecemos
igualmente o empenho da equipa do Mosaiko envolvida nesta pesquisa - Eduardo Nicolau, António Ebo
e Pe. Angelino Tchivanja - assim, como os técnicos de
pesquisa - Teresa Fernandes, Alberto Carlos e Anacleto
Pambassangue - que colaboraram na facilitação de vários grupos focais.
Por fim, um grande obrigado às Direcções das Escolas
que aceitaram participar neste estudo, aos professores
e aos alunos/as que contribuíram com as suas ideias.
De igual modo, agradecemos aos vários informanteschave, técnicos e responsáveis de escolas e de instituições com os quais conversamos para recolha de dados e
perspectivas.
Concluímos, destacando que um dos desafios mais
mencionados pelos alunos/as é a dicotomia entre o
discurso e a prática e desejando que este estudo sirva
para nos estimular a viver aquilo que ensinamos e para
que os vários actores envolvidos na Educação procurem
reflectir em conjunto, colaborando na promoção dos
Direitos Humanos.
Luanda, Dezembro 2014
frei Júlio Candeeiro, op
Director Geral
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Sumário Executivo
Sendo este um conjunto de estudos
de caso, é importante frisar que
esta metodologia se centra em cada
realidade estudada, procurando
entender o como e o porquê, um
privilégio enormíssimo da técnica
qualitativa.
O MOSAIKO é um Instituto angolano, sem fins
lucrativos, fundado em 1997 pelos Missionários
Dominicanos, tendo sido a primeira instituição
angolana a assumir explicitamente como missão
promover os Direitos Humanos em Angola. No
âmbito da pesquisa social orientada para a acção, o
Mosaiko realizou um projecto de pesquisa sobre a
realidade do ensino de Direitos Humanos no ensino primário e no 1º ciclo do ensino secundário em
Angola, cujo trabalho de campo foi realizado em
2014. O estudo foi realizado com métodos qualitativos para permitir a equipa explorar opiniões
diversas num ambiente seguro para os participantes, que foram alunos e professores. Alertamos
que as informações apresentadas, por terem sido
recolhidas com métodos qualitativos, não poderão ser generalizadas com sendo representativas
para todas as escolas ou para todas províncias. A
informação deverá ser interpretada como sendo
descritiva sobre as condições de ensino para os
professores e indicativa sobre os fenómenos relacionados ao ensino de Direitos Humanos (e outros
temas da disciplina Educação Moral e Cívica) que
deverão ser estudados, eventualmente, num outro
estudo quantitativo.
A hipótese de pesquisa foi definida da seguinte
forma:
 Os alunos da 6ª classe (ensino primário) e da
9ª classe (primeiro ciclo do ensino secundário) demonstram conhecimentos de Direitos Humanos que correspondem aos temas
previstos no programa da disciplina Educação Moral e Cívica e conseguem narrar práticas de defesa de direitos que observam na
vida quotidiana;
 Os professores da 6ª classe (ensino primário) e 9ª classe (primeiro ciclo do ensino
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
secundário) implementam o ensino de Direitos Humanos com base num programa
coerente e usam o espaço da escola para introduzir os alunos na prática real de valores
democráticos.
Os objectivos específicos da pesquisa são:
a. Avaliar os conhecimentos sobre Direitos
Humanos e cidadania dos alunos nas escolas
seleccionadas;
b. Recolher experiências e práticas de ensino
existentes e avaliar a sua incidência sobre o
conhecimento dos alunos;
c. Avaliar o impacto do conhecimento sobre
Direitos Humanos na vida dos alunos;
d. Advogar, com base nas experiências, melhorias no ensino de Direitos Humanos no
sistema de ensino primário e secundário
(primeiro ciclo) em Angola.
Durante a pesquisa, foram realizados 22 grupos
focais com alunos de 6ª classe e 21 grupos focais
com alunos da 9ª classe. Cada grupo era composto
por 10 participantes, cinco meninas e cinco rapazes. A equipa realizou também 14 entrevistas
semi-estruturadas com grupos de professores que
leccionam a disciplina Educação Moral e Cívica.
O plano inicial previa a realização, em cada província, de oito grupos focais em escolas católicas
e quatro em escolas públicas para servir de controlo. Na prática, foi extremamente difícil organizar grupos focais e entrevistas com professores
em escolas públicas dentro do tempo previsto para
realizar o trabalho de recolha de dados no campo.
Foi possível realizar dois grupos focais em escolas públicas nas províncias de Luanda, Malange e
Benguela e uma entrevista em grupo com professores duma única escola pública em Luanda. Não
foi possível realizar nenhum grupo focal ou entrevista com professores numa escola pública do
Huambo.
8|
Contexto histórico
O contexto histórico foi analisado em quatro períodos:
 o período 1865 a 1914, quando se inicia a
“segunda evangelização” e a Igreja começa
a desempenhar um papel mais relevante na
educação dos autóctones.
 O período 1914 a 1961, quando, apesar de
uma certa evolução com a criação de escolas nas novas Missões, o sistema continuava
muito elitista e muito centralizado, principalmente nas cidades. A esmagadora maioria da população continuava a não ter acesso
à escola.
 O período antes de independência (19611975) foi marcado por grandes convulsões
políticas que desembocaram na luta armada
anti-colonial. A luta pela independência levou a que o sistema colonial procurasse apaziguar as pretensões nacionalistas, através
de uma resposta no campo social, incluíndo
obviamente a extensão da rede escolar.
 O período pós-independência, pode subdividir-se num período inicial (1975-1991)
quando todas as escolas foram nacionalizadas cabendo unicamente ao Estado definir
as políticas de educativas e prover ao acesso à Educação. Em 1977, o Estado angolano configura uma reforma educativa com
claros objectivos, princípios e organização,
facto que resultaria numa “explosão escolar”, eivada também por vários constrangimentos. No período pós-1991, a educação
abriu-se novamente à inciativa das Igrejas e
de entidades privadas e foi iniciado um debate sobre o processo de formulação de um
Novo Sistema Educativo - que não avançou
na altura devido ao retomar da guerra após
as eleições de 1992 - e que só veio a tomar
forma no ano 2000, com a adopção de uma
Reforma Educativa - com base no Decreto-
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Lei 6/00, de 9 de Junho -, da Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação e do Plano Nacional de Educação para
Todos, para o período de 2001-2015.
Resultados
Os resultados são abordados em dois capítulos. O
capítulo 4 apresenta os resultados recolhidos através dos grupos focais realizados com os alunos e
o capítulo 5 aborda as informações prestadas em
entrevistas realizados com professores que leccionam a disciplina Educação Moral e Cívica.
Alunos
A maioria dos alunos demonstram entender a natureza inerente à dignidade de cada Pessoa quando
se fala dos Direitos Humanos; menos de metade
dos participantes soube explicar a característica
universal e permanente dos direitos, mas foram
poucos os alunos que falaram do seu carácter inalienável e nenhum participante mencionou a natureza indivisível e interdependente dos direitos.
A maioria de participantes - tanto alunos como
professores - mostraram atitudes positivas em relação aos direitos, opinando que são para o bem
da sociedade e demonstrando entender que, enquanto portadores de direitos, têm também a responsabilidade de respeitar os direitos dos outros.
Poucos alunos entendem que os direitos são protegidos pela Lei e nenhum participante explicou
que os Direitos Humanos estão consagrados como
princípios fundamentais da Constituição de Angola.
Todos os participantes entendem que o direito à
educação é inalienável, mas dizem que há crianças pobres que, ou não são matriculadas ou estão
frequentemente ausentes da escola porque os pais
as obrigam a trabalhar. Dizem também que nem
todas as escolas aceitam matricular crianças com
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
deficiências físicas ou com outros problemas de
aprendizagem. A maioria dos participantes descreverem em detalhe as responsabilidades dos pais
quanto ao acompanhamento dos estudos dos filhos
e o dever dos filhos valorizar os estudos. Na óptica da maioria dos alunos, a educação é o motor do
desenvolvimento do país e garantirá a “mobilidade
social” dos jovens a fim de eles terem emprego e
viverem uma vida independente e bem-sucedida.
Todavia, vários professores mostraram-se preocupados com a falta de emprego para futuros licenciados.
A maioria dos participantes falou com confiança
sobre o direito à vida e mostrou estar conscientesde que o direito a vida envolve necessariamente tomar conta da sua própria vida e não pôr em
perigo a vida de outra pessoa. Em geral, os alunos
mostram ter domínio sobre as mensagens principais relativas à prevenção de acidentes rodoviários,
acidentes domésticos e sexualidade responsável.
Notamos que foram poucos grupos que discutirem
o direito à liberdade e menos ainda os que discutiram a liberdade de expressão. Os que discutiram
o direito à liberdade mostraram-se conscientes de
que a liberdade é para ser exercida duma maneira
responsável e para realizar algo útil na vida. Contudo, vários participantes mostraram-se receosos
em relação o exercício “excessivo” da liberdade e
às possíveis consequências se se “desrespeitar o governo”.
A importância de as crianças viverem em famílias
harmoniosas, onde os pais vivam juntos, foi enfatizada em muitos grupos. Contudo, houve participantes em todos grupos que contaram estórias
de violência perpetrada pelos pais contra os filhos
e pelos maridos contra as mulheres. Foram poucos
os casos de violência doméstica referidos em que
a vítima tenha recorrido à protecção formal dos
seus direitos.
O entendimento de democracia evidenciado pela
maioria dos alunos participantes tende a ser re10 |
duzido ao acto de votar ou eleger. Também pelos
exemplos discutidos, os alunos atribuíam igual
importância tanto a eleições para estrelas de futebol e da moda como a eleições para governantes.
Um número significativo de participantes acha
que governadores de províncias e directores de
empresas são eleitos. Na maioria das turmas representadas pelos alunos entrevistados, os delegados de turma foram nomeados e não eleitos. A
maioria das escolas onde foi realizado o estudo não
têm Conselhos Disciplinares a funcionar e uma
única escola disse ter um mecanismo para sancionar o professor que comete uma infracção.
As fontes de informação mais usadas pelos alunos
sobre Direitos Humanos são os manuais da disciplina Educação Moral e Cívica e a televisão.
Professores
O propósito do conteúdo programático da disciplina Educação Moral e Cívica é formar o cidadão
para se integrar na sociedade e consciencializar o
indivíduo para que este adquira uma conduta responsável. Alguns professores consideraram que a
componente integração na sociedade tem maior
ênfase comparada com a conduta ética do indivíduo quando tem de tomar decisões. Muitos disseram que os valores democráticos ensinados no
programa não são praticados na sociedade e, por
consequência, os professores sentem dificuldades
para gerir as críticas dos alunos sobre violações de
direitos que ocorrem na comunidade e que não são
punidas. Alguns professores são de opinião de que
“o excesso de democracia” na turma poderia perturbar a ordem e dificultar o ambiente de aprendizagem.
As principais dificuldades que os professores de
Educação Moral e Cívica dizem encontrar são:
a) O modelo de manual é aberto e aponta sugestões e temas, mas não tem todo o conteúdo necessário para explicar o tema aos
alunos;
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
b) Os temas do programa são interessantes
tanto para o aluno como para o professor,
mas são temas abrangentes e multidisciplinares; e os professores não se sentem adequadamente formados para leccionar todos
os temas com propriedade e confiança;
de licenciatura em EMC oferecido pelo Instituto
João Paulo II (associado à Universidade Católica
de Angola). As fontes de informação sobre Direitos Humanos mais usadas pelos professores são os
manuais de aluno e a internet.
c) A maioria dos professores entrevistados,
disseram não ter tido acesso ao “Guia de Direitos Humanos” elaborado pelo INIDE ou
ao “Manual de Ferramentas Didácticas para
os Direitos Humanos” elaborado pela Editora
Dom Bosco – Angola;
Principais conclusões
d) A carga horária de um período por semana
foi considerada insuficiente por todos.
No sector de educação, as instituições de Estado
não oferecem cursos de formação para professores
em Educação Moral e Cívica. Os institutos médios
associados à Igreja Católica oferecem uma formação ao nível médio de EMC e há um único curso
Conhecimento sobre Direitos Humanos:
1. Os alunos demonstram ter conhecimentos
sobre determinados temas que fazem parte do programa de Educação Moral e Cívica, mas os conhecimentos sobre os Direitos
Humanos são limitados.
2. Os alunos não demonstram conhecimentos
sobre os Tratados internacionais ratificados
por Angola e não têm conhecimento sobre
as instituições do Estado que têm a responsabilidade institucional para promover a
defesa dos direitos do cidadão em Angola.
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Prática e Defesa dos Direitos Humanos:
1. Os participantes mostraram pouco entendimento das obrigações do Estado democrático na protecção dos Direitos Humanos.
2. No contexto da prática de democracia na
escola, na maioria das turmas cujos alunos
participaram neste estudo, os delegados de
turma não foram eleitos e poucas escolas
têm os seus regulamentos afixados em lugar
público.
3. São poucas as escolas que têm Conselhos
Disciplinares que funcionem regularmente.
A maioria das escolas não tem mecanismos
formais para lidar com infracções cometidas por professores.
4. A prática comum de transferir as alunas
grávidas para estudar no horário nocturno
constitui uma violação de direito das raparigas estudarem em pé de igualdade como
qualquer outro aluno.
5. Muitos professores mostraram-se ambivalentes em relação à prática da democracia
participativa na escola, afirmando que “o
excesso de democracia” poderá perturbar a
ordem na turma.
6. Tanto os professores como os alunos disseram que os valores democráticos apresentados nos manuais não são respeitados no
contexto de Angola.
Ensino de Direitos Humanos:
1. A carga horária de um “tempo” por semana
é insuficiente para leccionar os temas previstos no programa de Educação Moral e Cívica.
2. Os professores entrevistados, sem excepção, são de opinião que o conteúdo dos manuais de alunos é indicativo. Julgam que a
informação é incompleta e insuficiente para
leccionar os temas previstos.
12 |
3. A maioria dos professores entrevistados não
tem acesso ao “Guia de Direitos Humanos
para o Professor do Ensino Pré-escolar e Primário” elaborado pelo INIDE ou ao “Manual de Ferramentas Didácticas para Professores” publicado pela editora Dom Bosco
Angola.
4. A maioria dos professores opinou que não
possui uma formação apropriada para leccionar EMC e disseram que, no contexto
actual de Angola, eles não estão preparados
para leccionar em regime de monodocência.
Violência Doméstica:
Tanto os professores como os alunos testemunham
uma elevada prevalência de violência doméstica
nas famílias e na comunidade e nenhuma das vítimas nos casos que foram contados exerceu o seu
direito de recorrer ao sistema de Justiça.
Recomendações
1. Melhorar o ensino de Direitos Humanos.
Este primeiro grupo de recomendações visa
reforçar e melhorar o ensino do actual conteúdo da disciplina Educação Moral e Cívica.
Para o Ministério de Educação:
w Promover a distribuição ampla de material
existente de apoio para professores sobre o
ensino de Direitos Humanos, tanto em forma de livro como através da internet;
w Criar módulos e programas de formação
para a disciplina Educação Moral e Cívica
que tenham um caracter obrigatório na formação de todos os professores que leccionam em regime de monodocência;
w Criar módulos e programas de formação
para a disciplina Educação Moral e Cívica
para serem incorporados nos programas de
formação contínua dos professores da disciplina;
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
w Seleccionar conteúdos do programa de
EMC – que têm a ver com o exercício de direitos e deveres na escola e na sociedade – e
incluí-los na formação contínua de todos os
professores.
w Aumentar a carga horária da disciplina
EMC de modo a que o tempo de leccionação
seja adequado à extensão e importância dos
conteúdos leccionados;
w Criar ao nível do IMNE, nas escolas públicas, uma formação específica para professores de EMC;
w Criar ao nível do ISCED cursos de formação
superior que preparem os estudantes especificamente para leccionar a disciplina de
EMC;
w Estender a disciplina de EMC ao 2º ciclo do
ensino secundário com conteúdos adequados ao desenvolvimento pessoal e social dos
alunos nesta etapa de formação académica;
w Introduzir no programa da disciplina de
EMC um item relativo ao estudo da religião
numa vertente não-confessional, que permita a todos os alunos, independentemente
das suas opções religiosas, compreender a
importância do fenómeno religioso na vida
das pessoas e das sociedades e conhecer a
história e os principais elementos das religiões mais praticadas no mundo.
Recomenda-se que os Professores de Educação
Moral e Cívica:
w Procurem obter e utilizar os manuais de
apoio disponibilizados pelo Ministério da
Educação e pela Editora Dom Bosco.
w Solicitem às organizações da sociedade civil
materiais de apoio sobre Direitos Humanos
e outros temas do programa de EMC.
w Promovam visitas de estudo tanto às instituições ligadas à promoção dos Direitos
Humanos como às instituições de recurso
em caso de violação destes Direitos como a
Polícia, Provedoria, Procuradoria, Tribunal
e INAC.
[Recomendamos] Estender a
disciplina Educação Moral e Cívica
ao 2º ciclo do ensino secundário
com conteúdos adequados ao
desenvolvimento pessoal e social
dos alunos nesta etapa de formação
académica.
Para promover a participação informada dos alunos na promoção de justiça social, recomenda-se
à Associação de Escolas Católicas e às Escolas
Católicas que:
w Aproveitem o convénio com o Ministério da
Educação para aumentar o tempo lectivo da
disciplina de EMC.
w Distingam entre os tempos lectivos e os
conteúdos de Educação Moral e Cívica e de
Moral e Religião Católica.
w Elaborem um programa específico para melhorar o ensino de Educação Moral e Cívica
nas Escolas Católicas.
w Participem activamente na criação e operacionalização das ZIP - Zonas de Influência
Pedagógica para melhorar o conteúdo e a
prática de ensino da disciplina EMC.
Recomenda-se que as organizações da sociedade civil:
w Interajam com os professores de EMC,
dando a conhecer o seu trabalho, quando tal
seja adequado aos temas da disciplina.
w Disponibilizem os materiais produzidos nas
suas áreas de intervenção para que possam
ser conhecidos e utilizados pelos professores de EMC.
| 13
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Recomenda-se especificamente ao Mosaiko que:
w Crie uma página de facebook direccionada
aos professores de EMC.
w Em parceria com a Associação das Escolas
Católicas, organize um Encontro de reflexão sobre a contribuição das Escolas Católicas para o ensino da EMC em Angola.
2. Combater a violação comum de direitos das
crianças:
w Crianças portadoras de deficiência: É
possível que haja um número significativo
de crianças com deficiência fora do sistema
de ensino. Recomendamos que o Ministério
de Educação e os demais actores na sociedade civil realizem um estudo sobre:
w o acesso à educação para crianças com
deficiência;
w a qualidade de ensino nos serviços de
ensino especial prestados em escolas de
ensino especial;
w a inclusão de crianças com necessidades
específicas no ensino regular.
w Trabalho infantil: É provável que haja um
número significativo de crianças que se encontra em situação de sub-aproveitamento
escolar por estarem frequentemente ausentes da escola, sendo obrigadas a ajudar os
pais, tanto em trabalhos domésticos como
noutros. Recomendamos que haja uma
análise comparativa dos dados existentes
sobre absentismo escolar e uma campanha
multi-sectorial de sensibilização dos pais,
das autoridades locais e das autoridades tradicionais contra o absentismo escolar, com
destaque para as zonas rurais.
14 |
w Gravidezes precoces: Notamos que a forma como tanto as escolas como as famílias
lidam com situações de gravidez precoce
constitui, muitas vezes, uma flagrante violação dos direitos da menina grávida e do
bébé. Recomendamos que as escolas lide-
rem um processo de mudança das atitudes
discriminatórias que prevalecem. As acções
importantes são:
w Compreender que uma criança, pelo
facto de engravidar, não passa a ser um
adulto;
wValorizar as - poucas - experiências em
que as alunas continuaram os seus estudos, na mesma turma, apesar de uma
gravidez precoce, destacando que isto
não encoraja a ocorrência de outros casos, mas constitui uma ocasião de aprendizagem para todos os colegas;
w Quando o pai do bébé for um colega de
escola, envolver ambos – e as respectivas
famílias - no processo de decisão;
w Cessar a prática de transferir as meninas
grávidas para estudarem no horário nocturno;
w No caso de uma gravidez precoce, que
seja nomeada uma professora que acompanhe e aconselhe a menina e a sua família, com o propósito de encorajar a menina a continuar os estudos.
w Educação de pais sobre os Direitos da
Criança: Promover programas de educação
de pais sobre os seus deveres no contexto
dos 11 Compromissos para com a Criança adoptados pelo Governo de Angola em
2004 (ver pág. 73), através de programas e
actividades correntes:
w O Estado poderá promover um programa de sensibilização dirigido aos funcionários públicos e às empresas privadas;
w As Igrejas poderão promover programas
através de grupos, movimentos e associações, escolas e outras instituições já
existentes;
w As ONG’s e as Igrejas poderão organizar actividades dirigidas a pessoas que
trabalham no sector informal;
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
w Os Meios de Comunicação Social devem dar destaque a este assunto em diversos programas.
3. Promover a escola como oficina de democracia
w Que as Direcções Escolares – e, particularmente, as que pertencem à Associação de
Escolas Católicas - adoptem a abordagem
de Escola Amiga de Criança proposta pelo
UNICEF (ver pág. 76-77);
w Que as práticas democráticas aplicáveis à
gestão escolar descritas nos manuais de Educação Moral e Cívica e promovidas na metodologia Escola Amiga de Criança - como
eleições por delegados de turma, discussão
aberta e validação de regulamentos escolares, afixação de regulamentos escolares em
lugar público - se tornem práticas correntes
em todas as escolas;
w Que as Direcções Escolares promovam espaço para que as Associações de Estudantes
e os delegados ganhem um perfil representativo e responsável que contribua para a
gestão participativa e eficaz da escola;
[Recomendamos] que as práticas
democráticas aplicáveis à gestão
escolar descritas nos manuais
de Educação Moral e Cívica e
promovidas na metodologia Escola
Amiga de Criança - como eleições por
delegados de turma, discussão aberta
e validação de regulamentos escolares,
afixação de regulamentos escolares
em lugar público - se tornem práticas
correntes em todas as escolas
w Que haja Conselhos Disciplinares rigorosamente estabelecidos e operacionalizados em
todas escolas;
w Que todas as escolas reúnam regularmente
o Conselho Pedagógico com a presença de
representantes da Direcção, dos professores, dos alunos e das Associações de Pais e
Encarregados de Educação.
w Que os Comissões de Pais e Encarregados de
Educação sejam apoiadas para participarem
na vida escolar.
4. Educar a sociedade sobre o funcionamento
do sistema judicial
Recomendamos que:
w O Ministério de Justiça operacionalize os
mecanismos de recurso dentro do contexto
actual do país;
w Os actores principais no sistema de Justiça o Ministério de Justiça e Direitos Humanos,
a Polícia, a Procuradoria-Geral da República e a Provedoria de Justiça - e actores da
sociedade civil como a Ordem dos Advogados promovam actividades educativas para
funcionários públicos e a população em geral sobre o funcionamento do sistema e dos
serviços judiciais;
w As escolas convidem representantes de órgãos judiciais e da Polícia, de modo regular,
para falar com os alunos e as Comissões de
Pais e Encarregados de Educação;
w Todos os funcionários das entidades judiciais saibam lidar com menores de idade,
sendo formados especificamente para este
efeito.
5. Combater a violência doméstica
Apesar do foco do presente estudo não incluir especificamente a violência doméstica, perante o
elevado número de episódios deste tipo relatados
pelos alunos, não podemos deixar de recomendar
que:
w Todos os actores envolvidos na escola - professores, alunos/as, funcionários/as, pais e
encarregados de educação - tenham alguma
| 15
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
formação sobre o combate à violência doméstica e sobre a lei 25/11, de 14 de Julho,
conhecida como a “Lei contra a violência
doméstica”;
w O Ministério da Família e Promoção da Mulher e as demais instituições do Estado implicadas criem e divulguem - com o apoio
das igrejas, autoridades tradicionais e organizações da sociedade civil - os mecanismos
de protecção à vítima de violência doméstica
e criem condições - nomeadamente através
de centros de acolhimento - que garantam
efectivamente a protecção e a segurança da
vítima.
w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da Criança” - escola sem violência - se
16 |
estabeleçam parcerias em que os alunos/as
possam colaborar com instituições do Estado - Procuradoria, Polícia Nacional, ... - de
modo a fazer face às situações de violência
doméstica.
w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da
Criança” cada escola desenvolva actividades
- envolvendo professores, alunos, funcionários e pais e encarregados de educação que promovam a resolução não violenta de
conflitos e a educação para a não-violência.
Estas actividades poderão ser realizadas com
a colaboração de organizações da sociedade
civil ou de outras entidades preparadas para
o efeito.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
1. Introdução
O MOSAIKO | Instituto para a Cidadania é um
Instituto angolano, sem fins lucrativos, fundado
em 1997 pelos Missionários Dominicanos, tendo sido a primeira instituição angolana a assumir
explicitamente como missão promover os Direitos Humanos em Angola. Visa produzir e difundir
uma reflexão contextualizada e rigorosa, alimentada pela pesquisa social e desenvolvida em acções
de formação para capacitar os diferentes actores
sociais na construção de uma cultura de Direitos
Humanos em Angola.
Esta pesquisa foi concebida para
procurar analisar até que ponto a
disciplina Educação Moral e Cívica
- como é actualmente leccionada em
Angola - dá importância e relevo
ao ensino e à prática dos Direitos
Humanos.
No âmbito da pesquisa social orientada para a acção, o Mosaiko realizou um projecto de pesquisa
sobre a realidade do ensino de Direitos Humanos
no ensino primário (1ª à 6ª classe) e no 1º ciclo do
ensino secundário (7ª à 9ª classe) em Angola, cujo
trabalho de campo foi realizado em 2014.
Esta pesquisa foi concebida para procurar analisar
até que ponto a disciplina Educação Moral e Cívica
- como é actualmente leccionada em Angola - dá
importância e relevo ao ensino e à prática dos Direitos Humanos.
Depois de uma recolha preliminar de informações
tendo em vista a concepção e operacionalização da
pesquisa, a equipa fez a opção de estudar o caso
de ensino de Direitos Humanos nas Escolas Católicas porque estas escolas têm melhores condições
para reforçar e aprofundar o ensino de Direitos
Humanos com base no protocolo celebrado entre
a Igreja Católica e o Estado Angolano na área da
Educação. O Mosaiko pensa que, a partir de experiências bem-sucedidas, será mais fácil advogar
junto do Ministério da Educação para que estas se
estendam a todo o sistema de ensino.
| 17
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
A hipótese de pesquisa foi definida da seguinte
forma:
 Os alunos da 6ª classe (ensino primário) e da
9ª classe (primeiro ciclo do ensino secundário) demonstram conhecimentos de direitos
humanos que correspondem aos temas previstos no programa da disciplina Educação
Moral e Cívica e conseguem narrar práticas
de defesa de direitos que observam na vida
quotidiana;
 Os professores da 6ª classe (ensino primário) e 9ª classe (primeiro ciclo do ensino
secundário) implementam o ensino de Direitos Humanos com base num programa
coerente e usam o espaço da escola para introduzir os alunos na prática real de valores
democráticos.
18 |
Introdução
Os objectivos específicos da pesquisa são:
a. Avaliar os conhecimentos sobre Direitos
Humanos e cidadania de alunos das escolas
seleccionadas;
b. Recolher experiências e práticas de ensinode Direitos Humanos e avaliar a sua incidência sobre o conhecimento dos alunos;
c. Avaliar o impacto do conhecimento sobre
Direitos Humanos na vida dos alunos;
d. Advogar, com base nas experiências recolhidas, melhorias no ensino de Direitos
Humanos no sistema de ensino primário e
secundário (primeiro ciclo) em Angola.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
2.Contexto:
Ensino de Direitos Humanos em Angola
Este capítulo apresenta uma análise histórica do
ensino em Angola e um enquadramento do ensino dos Direitos Humanos nas condições actuais de
ensino.
2.1 Análise histórica do
ensino em Angola
Para estudar os Direitos Humanos
em África e em Angola, foram
produzidos vários materiais,
dentre os quais, em língua portuguesa,
destacamos “Siniko - Para uma
Cultura de Direitos Humanos em
Africa” e “Direitos Humanos. Guia
de Apoio a Cursos de Formação”.
A expansão eurpeia no século XV, não provocou
um verdadeiro encontro de culturas, mas um
contacto e um choque de culturas, com formas de
domínio dos colonizadores sobre os autóctones
que suscitaram naturais resistências e represálias
subsequentes. Isso gerou uma “formação” dos
autóctones voltada quase exclusivamente para o
trabalho - frequentemente forçado ou escravo - e
para a religião.
Até meados do século XIX, exceptuando-se o relacionamento inicial ente os europeus e o Reino do
Congo1, a presença do poder colonial e da Igreja
não têm reflexos significativos a nível da educação dos autóctones. As mudanças verificadas no
século XVIII, com a nacionalização do ensino e a
expulsão da Companhia de Jesus pelo Marquês de
Pombal, não significaram uma melhoria no acesso à educação por parte dos autóctones. A colónia limitava-se então a alguns territórios junto à
costa, sendo a presença colonial portuguesa muito
limitada em relação ao actual território de Angola.
Em 1863, contavam-se na colónia 24 escolas primárias públicas, mas na sua grande maioria eram
frequentada por alunos de origem europeia2.
Em meados do séulo XIX, com o impulso da Propaganda Fidei 3 - e perante a desconfiança do sistema de Padroado Português4 - inicia-se a chamada
“segunda evangelização” onde, além das paróquias
tradicionais nos poucos centros urbanos então
| 19
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
existentes, viradas principalmente para a população de origem europeia, se desenvolvem Missões
com o intuito de evangelizar as populações autóctones. Estas Missões vão situar-se fora dos centros
urbanos e vão ter como protagonistas os Missionários do Espírto Santo (1866) e as Irmãs de S. José
de Cluny e as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras de
Nossa Senhora da Conceição (1883) 5 - congregações da Igreja Católica - e várias denominações
evangélicas - Baptistas (1879), Congregacionais
(1880), Metodistas (1885).
Este impulso evangelizador, está muito ligado à
escolarização, pois na tradição evangélica é necessário que os fiéis possam ler a Bíblia e a tradição
católica vê na instrução uma forma de promoção
humana inerente ao processo de evangelização.
Período de 1865 a 1914
A escolha deste período para contextualizar a experiência do ensino em Angola não é indiferente.
Embora tivessem existido precedentes, 1865 é uma
data importante para o surgimento das Missões
cristãs em Angola, que terão progressivamente
um impacto significativo no acesso à instrução
por parte dos autóctones.
Importa referir que é neste período que o Papa
Leão XIII publica a quela que é consideráda a primeira encíclica social6 - Rerum Novarum 7 (1891) -
20 |
onde, analisando a situação dos operários à luz do
Evangelho, aborda os direitos e deveres do capital
e do trabalho. Neste texto, já se pode entrever a
consciência formal dos Direitos Humanos, que
viriam a ser proclamados em 1948.
Neste período há que sublinhar vários acontecimentos importantes, tanto a nível mundial como
a nível de Portugal, que tiveram repercussões salientes para Angola, e que são per se um prelúdio
ao reconhecimento da dignidade humana, assim
como à consciência da importância da educação e
do ensino:
1878 “o fim da escravatura”, pelo código de trabalho;
1881 a presença da colónia Bóer na Humpata;
1883 a criação da Escola Profissional de Artes e
Ofícios;
1884 o início da Conferência de Berlim para a
partilha de África;
1902 o início das campanhas militares no Planalto Central;
1906 a reforma do ensino primário (9 de Maio);
1906 a criação, em Luanda, da Escola Profissional D.Carlos I;
1910 a independência, proclamada pela minoria
branca, da República Sul-Africana;
1910 a proclamação da 1ª República Portuguesa
(1910-1926);
Missão da Omupanda - Reino do Kuanhama
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
1911 a promulgação pela Constituição da República Portuguesa de manter a obrigação dos
indígenas terem que trabalhar, proibindo,
no entanto, o uso de castigos corporais;
1914 o início da 1ª Guerra mundial (1914).
Durante este período são abertas em Angola mais
de 15 Missões, onde muitos de angolanos têm a
primeira oportunidade de aceder ao ensino, ainda
que em níveis muito limitados.
Período de 1914 a 1961
Já “em 1914, as características de um sistema educativo unicamente angolano tinham-se desenvolvido.
As linhas da expansão do governo e das missões e a
resposta dos angolanos à nova instituição da escola
haviam-se tornado claras”8.
Neste período, a grande maioria da população de
Angola continuava analfabeta e ligada a crenças
pagãs, sem qualquer abertura a “outros mundos”.
A instrução aparece então como uma forma de
acesso a horizontes até então desconhecidos. A
instrução das primeiras letras, continua a ser confiada principalmente às Igrejas com a suas “Casas
dos Rapazes”, para significar centros de formação
masculina e escolas de artes e ofícios. Para tal,
eram preparados professores e monitores de posto
ou centro de formação: Para o reconhecimento da
formação adquirida, neste centros dispersos pela
colónia, na época de provas vinha um inspector
enviado pelo Estado para realizar os exames.
O mesmo se diga da formação ministrada nas
“Casas das Meninas”, onde aprendiam sobretudo
actividades domésticas elementares: cozinhar,
coser, lavar roupa e também “algumas letras”.
Com a criação dos “Magistérios Femininos”, algumas meninas passaram a ter um acesso a níveis
mais elevados de escolarização.
Em suma, neste período, o Estado colonial continuava sem assumir o seu dever de assegurar o
acesso à educação. Muitas pessoas não eram sequer consideradas cidadãs e, consequentemen-
te, não tinham acesso à educação. Todavia, onde
houvesse uma estrutura física de Missão - tanto
católica como evangélica - também havia uma
“Casa de Rapazes” e uma “Casa de Meninas” para a
sua formação e instrução.
Em 1940, em Angola, o número de crianças indígenas na escola já tinha ascendido a um total de
3.665.829 contra 72 118 de origem europeia. Em
1950, a percentagem de crianças entre os 5 e os 14
anos que frequentava a escola era inferior a 5% e
a percentagem de analfabetismo rondada 97% da
população. Só em 1941, o ensino liceal foi estabelecido em Angola, começando a ser leccionado o
curso geral e os cursos complementares dos liceus9.
Apesar da evolução verificada, o sistema continuava muito elitista e muito centralizado, principalmente nas cidades. Por isso, até ao início dos
anos 60, Angola tinha uma das mais baixas taxas
de escolaridade de África, pois além das insuficiências gerais do ensino secundário, a esmagadora
maioria da população continuava a não ter acesso
à escola, nem sequer o ensino primário.
Período de 1961 a 1975
O ano de 1961 foi marcado por grandes convulsões
políticas que desembocaram na luta armada anticolonial. A luta pela independência levou a que o
sistema colonial procurasse apaziguar as pretenções nacionalistas, através de uma resposta no
campo social, incluíndo obviamente a extensão da
rede escolar. Em 1962, instituiu-se o ensino superior em Angola, ainda que só em 1963 começou
a funcionar. Também em 1962 é instituído o Magistério Primário nas cidades de Kuito-Bié (então
Silva Porto) e Malange10.
Em 1973, Angola tinha 512.942 alunos matriculados no ensino primário e 72.000 no ensino secundário. Em 1974, Angola tinha 4.175 alunos
matriculados no ensino superior. Estes dados estatísticos incluem estudantes autóctones e de origem europeia. A população de Angola, era então
estimada em mais de 4,5 milhões de habitantes. 11
| 21
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Na altura da independência Angola tinha uma taxa
de analfabetismo cifrada nos 85%. Havia pouca
representatividade no ensino médio e muito menos no ensino superior. Com excepção do ensino
primário, o sistema de educação estava concentrado nas cidades12.
Neste período, continuaram a existir em grande escala gravíssimos atropelos aos Direitos Humanos.
2.2Ensino pós independência
em Angola
Período de 1975 a 1991
Em 11 de Novembro de 1975, Angola alcançou a
independência. No período pós-independência
o tema central é a formação do País novo, Estado
novo, Homem novo; procurando contrariar a elevada taxa de analfabetismo herdada do colonialismo, que constituiu o primeiro grande obstáculo
ao desenvolvimento do país e que motivou o lançamento de uma grande campanha de alfabetização.
22 |
O Estado angolano adoptou um sistema de governo
de tipo socialista e, por consequência, todas as escolas foram nacionalizadas, cabendo unicamente
ao Estado definir as políticas de educativas e prover o acesso à Educação. Procurando dar prioridade à educação como um instrumento fundamental
para desenvolver o potencial humano e económico
de Angola, em 1977, o Estado angolano configurou uma reforma educativa com claros objectivos, princípios e organização, facto que resultaria
numa explosão escolar, atravessada também por
vários constrangimentos. A nível financeiro, eram
grandes os constrangimentos porque a grande
prioridade do país era a defesa, sendo o orçamento
do Estado insuficiente para fazer face às necessidades educativas e de outras áreas sociais. A nível dos
recursos humanos, para fazer face à demanda do
ensino, o Estado teve que recorrer à colaboração
docente, envolvendo no ensino pessoas que não
tinham experiência pedagógica ou formando pro-
fessores de forma acelerada, o que, naturalmente,
teve consequências negativas ao nível da qualidade
de ensino. Por outro lado, o enquadramento tardio de novos docentes, a escassez de funcionários
administrativos e de limpeza foram outros factores negativos. Acrescente-se o ineficiente processamento de dados estatísticos nas Delegações
Provinciais de Educação como consequência da
baixa qualificação ou preparação dos recursos humanos, nomeadamente do sector administrativo.
No ensino primário - da 1ª à 4ª classe - prevalece a monodocência; o professor tem que dar todas as disciplinas como acontecia antigamente no
ensino primário e, neste caso, sem a preparação
adequada. Acrescem dificuldades que se prendem
com o material insuficiente para todos os alunos e
professores, bibliotecas sem livros, problemas de
formação de professores e ainda o desfasamento
entre a área de formação do docente e a disciplina
real que dá para corresponder às necessidades.
Apesar dos constrangimentos enfrentados, “em
1977, dois anos depois da independência, Angola
adopta um novo Sistema de Educação e Ensino, caracterizado essencialmente por: massificação do ensino; aumento de oportunidades educativas; gratuidade
do ensino de base; obrigatoriedade de frequência das
quatro primeiras classes; aperfeiçoamento do pessoal
docente”13. Assim, o primeiro período do sistema
educativo Angolano, no período pós independência, tem sua génese em 1978, com o primeiro Sistema de Educação e Ensino e estende-se até 1991,
quando - em resposta à Conferência de Educação
para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia) em
Março de 1990 -, decorreu, em Luanda, de 22 a 27
de Julho, a “Mesa Redonda sobre Educação para Todos” com participação das instituições do Estado
e também da Sociedade Civil, tendo-se definido
as linhas de força para um projecto de educação e
instrução básica para o século XXI. Neste evento,
o Ministério da Educação definiu o quinquénio de
1991-1995 como o da Preparação e Reformulação
do Novo Sistema Educativo.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Período de 1991 a 2001
O período entre 1991 e 2002 foi caracterizado pelo
regresso à guerra - após as eleições de Setembro de
1992 - com a destruição de infra-estruturas, incluindo as de ensino; pelo decréscimo de instituições escolares em todo o país; com fluxo migratório para as cidades e para o litoral, superlotando
as escolas das principais cidades e redução drástica
do Orçamento Geral do Estado para a Educação.
Todavia, com a adopção de um sistema democrático pluripartidário, o Estado Angolano abre também a iniciativa no campo da Educação a outros
actores sociais, nomeadamente, às Igrejas e à iniciativa privada.
O decénio de 1995 a 2005 marcará também a formulação do Plano-Quadro Nacional de Reconstrução do Sistema Educativo, empenhando o Ministério da Educação e Cultura e algumas agências
das Nações Unidas num processo inter-sectorial e
pluridisciplinar, “com o objetivo de adequar o Ensino às exigências para o desenvolvimento humano
sustentável numa perspectiva de reconstrução sobre
novas bases, quando mais uma vez se previa o fim do
conflito armado”14.
Período de 2001 a 2014
No final de 2001, são identificados no Sistema de
Educação da República de Angola “dois problemas
fundamentais: o acesso e a qualidade, sendo mais
grave a situação no domínio da educação básica e da
formação média, impondo assim a urgente tomada
de medidas de fundo para a inversão da situação”15.
O esforço tendente à dignificação e unificação do
povo angolano, motivou reformulações no sistema educativo e viria a dar corpo à lei 13/01, de 31
de Dezembro - Lei do Sistema Educativo Angolano. A alínea a) do artigo 3º desta lei é perentória
em incentivar o desenvolvimento das capacidades
físicas, intelectuais, morais, cívicas, estéticas e
laborais da jovem geração, de maneira contínua e
sistemática e elevar o seu nível científico, técnico e
tecnológico, a fim de contribuir para o desenvol-
vimento socio-económico do País. Porém, face
aos horizontes abertos pela educação estruturada
que se almeja, está-se diante de um instrumento
que ainda exige muito trabalho e empenho para
atingir as competências nele propostas.
Desde 2002, as políticas educativas desenvolvemse num contexto de pós-conflito e de reconstrução
do país. Há uma explícita “vontade da população
em busca do sistema educacional e a necessidade do
Ministério da Educação criar condições para receber
crianças, jovens e adultos no exercício de cidadania,
em busca de formação”16.
De facto, a Lei de Bases do Sistema de Educação
- que marca a 2ª Reforma Educativa iniciada em
2004 - foi precedida pela aprovação de um novo
Estatuto Orgânico para o Ministério da Educação
(Decreto-Lei 6/00, de 9 de Junho), da Estratégia
Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação
e do Plano Nacional de Educação para Todos, para
o período de 2001-201517.
A actual reforma educativa foi programada em
cinco fases, a saber:
w A primeira fase começou em 2002, onde
houve a criação das condições indispensáveis para poder assegurar o seu normal
funcionamento nomeadamente a adequação dos sistemas de administração e gestão
a nível central e local.
w A segunda fase teve início em 2003 e permitiu a experimentação dos novos currículos escolares, planos de estudos, programas
e matérias pedagógicas.
w A terceira fase começou em 2006, tendo-se
dedicado à avaliação e introdução de correcções, com base nos dados que foram sendo recolhidos na fase experimental.
w A quarta fase, decorreu de 2006 a 2011 e
consistiu na introdução progressiva da reforma educativa nos vários anos de ensino,
culminando com a extinção do anterior sistema educativo que integrava o ensino pri-
| 23
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
mário, secundário, médio e superior.
w A quinta fase da reforma educativa decorre
entre 2012 e 2015 e sendo dedicada à avaliação do novo sistema.18
2.3Introdução da disciplina
de Educação Moral e
Cívica
As mudanças verificadas em 1991-92 são de grande importância para a história de Angola. Dentre
os vários aspectos que sofrem mudanças muito
rápidas e acentuadas, destacamos a mudança de
relacionamento entre o Estado angolano e a Igreja católica que deixaram de ser caracterizadas pela
tensão - e até hostilidade - que marcara o período
pós-1975 e passaram a ser de uma abertura e colaboração surpreendentes. Assinalando esta mudança foi realizado em Luanda, em Outubro 1991,
o “Simpósio sobre os cinco séculos de Evangelização
de Angola”, o Papa João Paulo II visitou várias
zonas de Angola, em Junho 1992, com discursos
conciliadores. Por consequência, a Igreja católica poderia voltar a desenvolver a sua acção social
na educação e na saúde (tal como outras igrejas),
teria acesso à comunicação social através de uma
celebração eucaristica semanal na TPA, sendo-lhe
devolvida a Rádio Ecclesia e - mesmo se muito degradados - os edifícios que tinham sido confiscados após a independência.
Este diálogo reconhecido entre o Estado e a Igreja
criou um espaço fértil para a inserção da disciplina de “Educação Moral e Cívica” no currículo do
ensino primário. Assim, ela insere-se na estrutura curricular como independente, no ano de 1992,
de acordo com o XV Conselho Consultivo do Ministério da Educação.
De facto, até 1991, a situação da educação em geral
não registava o nível de corrupção nem de absentismo de alunos e professores que veio a verificarse depois.
24 |
Mas, em 1992, explodiu uma espécie de capitalismo selvagem, onde cada um procurava lucrar de
qualquer forma. Neste contexto, o frei João Domingos, op - que era Reitor do ICRA desde 1988
- lançou a ideia de contribuir para moralizar a sociedade começando pelas escolas, propondo que
houvesse um curriculum académico que incluísse
Moral e Religião.
Todavia, sendo Angola um Estado laico, o Governo
optou por introduzir uma disciplina de “Educação
Moral e Cívica”. Uma vez aceite pelo Ministério da
Educação a disciplina EMC, a Comissão Episcopal de Educação (nomeada pela CEAST), elaborou uma proposta de programa da 1ª à 12ª classe
para esta disciplina e alguns manuais, que foram
ensaiados primeiro nas escolas católicas. Posteriormente, tanto a os programas como os manuais
foram assumidos pelo INIDE, começando então
as aulas no II nível (5ª e 6ª classe), pedindo-se que
fosse alargado para as classes seguintes. Mesmo
antes da sua implementação pelo Ministério da
Educação, algumas escolas católicas e metodistas
procuravam ensinar, fundamentalmente a partir
da Bíblia, alguns conteúdos de Educação Moral e
Cívica. As escolas católicas dos Salesianos de Dom
Bosco produziram também materiais pedagógicos
para esta disciplina.
O ICRA - Instituto de Ciências Religiosas de Angola, foi a primeira instituição a preparar professores para lecionarem Educação Moral e Cívica.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Só a partir de 2005, o Instituto Superior João Paulo II vai preparar técnicos superiores com formação específica para leccionar a disciplina.
2.4Ensino de Direitos
Humanos em África
A chegada dos europeus, no século XV, à costa da
África sub-sahariana, marca uma grande viragem história nesta região. A nova etapa história é
marcada pela exploração da costa africana com a
tónica de comércio e também por guerras entre
diferentes tribos, onde a tribo derrotada se tornava escrava da tribo vencedora.
Se, por um lado, já estava presente em vários elementos culturais uma reivindicação velada da
dignidade humana nas sociedades africanas précoloniais, a existência de escravos e de outras práticas desumanas eram, neste período, uma das
evidências da sua violação.
Todavia, as violações da dignidade humana viriam
a agravar-se, nos séculos XVI a XIX, com o tráfico de escravos, em que milhões de africanos foram
negociados como se de coisas se tratasse. Os europeus negociavam com as tribos vencedoras a captura/aquisição de escravos e “exportavam-nos”
como mão de obra escrava para vários pontos do
mundo naquilo que ficou conhecido como “tráfico negreiro”.
Por outro lado, à luz da mentalidade europeia, os
africanos eram vistos como povos sem história,
nada tendo dado à humanidade e nunca referidos
em epopeias; povos sem dignidade e inclusivamente, suspeitavam alguns, “desprovidos de alma”.
As consequências que adviriam destas premissas
são irremediavelmente violadoras de dignidade
humana.
A partir de 1880, a competição entre as metrópoles pelo domínio dos territórios africanos intensifica-se. A partilha da África tem início, de facto,
com a Conferência de Berlim (1884), que institui
normas para a ocupação, onde as potências coloniais negociaram entre si a divisão da África. A
partilha é feita de maneira arbitrária, sem qualquer participação dos africanos, não respeitando
as características étnicas e culturais de cada povo.
No célebre mapa cor-de-rosa, tribos aliadas foram separadas e tribos inimigas foram unidas.
Só após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, as legítimas
aspirações dos povos africanos começaram a ser
gradualmente reconhecidas, sendo-lhe reconhecida a sua indepêndencia. Todavia, apesar do entusiasmo então reinante, muitas das expectativas
dos africanos/as foram frustradas, sob formas de
neo-colonialismo e de abusos das elites que exerceram o poder.
Porém, a OUA - Organização da Unidade Africana vai dar um contributo relevante à compreensão
dos Direitos Humanos através da Carta Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos adoptada, em
Junho de 1981, pela décima oitava Assembleia de
Chefes de Estado e Governo da OUA, realizada
em Nairobi, no Quénia. Nesta mesma conferência
reafirmou-se a adesão dos Estados-membros aos
princípios dos Direitos Humanos e das liberdades
dos Povos contidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e noutras declarações, convenções e demais instrumentos adoptados pela OUA
e pelas Nações Unidas. A Carta Africana destaca
a dimensão comunitária dos Direitos Humanos,
afirmando o direitos dos Povos - e não apenas das
pessoas individualmente consideradas - à autodeterminação e ao desenvolvimento. A OUA,
criou também a Comissão Africana que, a nível do
continente, tem a missão de promover e defender
os Direitos Humanos.
Para estudar os Direitos Humanos em África e em
Angola, foram produzidos vários materiais, dentre os quais, em língua portuguesa, destacamos
“Siniko - Para uma Cultura de Direitos Humanos
em Africa” 19 e “Direitos Humanos. Guia de Apoio a
Cursos de Formação” 20.
| 25
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Cf. André Vela Ngaba, Políticas educativas em Angola
(1975-2005). Entre o global e o local: o sistema educativo
mundial, ed. Sedieca (Mbanza-Kongo 2012) 117.
1,
Ibidem, 119.
2
Organismo da Santa Sé, criado em 1622, que se dedica
a promover a Evangelização dos Povos.
3
Pacto entre o Rei e a Igreja, em que cabia ao Rei prover
à evangelização dos territórios conquistados no ultramar, decidindo onde eram enviados os missionários
das diferentes congregações religiosas.
4
Cf. Eduado André Muaca, Breve História da Evangelização de Angola, ed. CEAST (Luanda 2001) 100103.
5
Uma enciclica é uma carta aberta escrita pelo Papa . O
adjectivo social indica o assunto tratado na carta.
6
“As coisas novas”
7
Michael Anthony Samuels. A História do ensino em
angola (1878-1914). Ed. Mayamba, INIDE (Luanda
2011) Introdução.
8
André Vela Ngaba, op. cit,, 119-121.
9
Ibidem, 121.
10
11
Ibidem, 130.
12
Maria Helena Miguel. “ Políticas Públicas de Educação em Angola”, in Jornadas para a Cidadania 2014
- Educação e Direitos Humanos. (Luanda 23.09.2014).
Francisca do Espírito Santo, História recente da
educação em Angola, in Educação para uma Cultura
da Paz - Actas da Semana Social Nacional 1999, ed.
Mosaiko e CEAST, (Luanda 2000) 156.
13
República de Angola. Conselho de Ministros, Estratégia integrada para a melhoria do Sistema
de Educação 2001-2015 (Luanda 2001) 11.
14
Ibidem,11.
15
República de Angola. Ministério da Educação, Evolução da Educação e Ensino em Angola
(2002-2008). (Luanda 2008) 4.
16
A Constituição Angolana fundamenta-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e dá larga margem à sua interpretação e vivência.
Angola ratificou/aderiu à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; Carta da OUA sobre
os Direitos e Bem-estar da Criança; Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção Internacional dos Direitos da Criança; Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos;
Pacto Internacional sobre aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais; Convenção nº 182 relativa às piores formas de Trabalho das Crianças e a
acção imediata com vista a sua eliminação; bem
como o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
De notar que aquando da sua candidatura como
membro do Conselho de Direitos Humanos da
ONU, e da sua eleição a 17 de Maio de 2007, para o
período de 2007/2010, Angola comprometeu-se
a acelerar o processo e ratificar num futuro próximo:
w a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial (1970);
Cf. Ibidem, 6.
w Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou
Degradantes (1988);
Natália Malesso Joaquim das Belas, A reforma educativa desde 2002 a 2015, in http://br.monografias.
com/trabalhos3/reforma-educativa/reforma-educativa.shtml (acesso em 29.12.2014).
w Convenção Internacional sobre a Protecção
dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias;
Aministia Internacional, Siniko - Para uma cultura de Direitos Humanos em África, in http://www.
amnistia-internacional.pt/files/documentacao/
Siniko.pdf
w Convenção Internacional contra o Recrutamento, Uso, Financiamento e Formação de
Mercenários (4.12.1989);
17
18
19
Mosaiko, Direitos Humanos. Guia de Apoio a Cursos
de Formação, ed. Mosaiko, 3ª (Luanda 2009).
20
26 |
2.5. Base legal e Tratados
internacionais ratificados por Angola
w Protocolo à Carta Africana e dos Povos relativos aos Direitos da Mulher em África (na
Assembleia Nacional, desde 2007).
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
3. Metodologia
O estudo foi realizado com uma metodologia qualitativa. O exercício principal com os alunos foi
conduzido através de um exercício formativo para
perceber o conhecimento dos alunos sobre os temas que fazem parte da disciplina Educação Moral
e Cívica. O uso de métodos qualitativos permitiu
recolher as diversas opiniões dos alunos e facilitou
que os alunos explicassem, usando a sua própria
linguagem, como é que eles entendem a aplicação
dos Direitos Humanos na vida quotidiana. O uso
de técnicas qualitativas permitiu à equipa explorar
a diversidade de experiências e de opiniões num
ambiente em que os alunos se sentissem à vontade para opinar e discutir abertamente os temas da
pesquisa.
O uso de métodos qualitativos
permitiu recolher as diversas opiniões
dos alunos e facilitou que os alunos
explicassem, usando a sua própria
linguagem, como é que eles entendem
a aplicação dos Direitos Humanos na
vida quotidiana.
A desvantagem de um método qualitativo é que,
apesar da riqueza da informação, a informação não
é representativa. Assim, as informações apresentadas neste estudo não poderão ser generalizadas
como sendo representativas para todas as escolas
ou para todas províncias. A informação deverá ser
interpretada como sendo descritiva sobre as condições de ensino para os professores e indicativa
sobre os fenómenos relacionados com o ensino de
Direitos Humanos (e outros temas da disciplina
Educação Moral e Cívica) que deverão ser estudados num outro estudo quantitativo.
No exercício principal, foram realizados 22 grupos focais (cf. Anexo 1.1) com alunos de 6ª classe
- que corresponde ao segundo dos cinco anos (5ª
à 9ª classe) em que a disciplina de Educação Moral e Cívica é leccionada - e 21 grupos focais dos
alunos da 9ª classe que corresponde ao último ano
de lecionação desta disciplina. A equipa realizou
14 entrevistas semi-estruturadas com grupos de
professores que leccionam a disciplina Educação
Moral e Cívica (cf. Anexo 1.2).
| 27
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
A tabela descreve os grupos focais e entrevistas
realizados por província e por tipo de escola.
Os guiões para os grupos focais e para as entrevistas foram elaborados e testados em Luanda. O
guião para os grupos focais foi estruturado através de exercícios participativos para dinamizar e
orientar a discussão em grupo com adolescentes e
facilitar que os temas previstos fossem discutidos
o mais amplamente possível em todos grupos focais. A duração dos grupos focais foi entre 45 minutos e 1 hora e 30 minutos.
Tanto os grupos focais como as entrevistas com
um grupo de professores foram realizados por
duas pessoas. Uma facilitava a discussão entre os
28 |
Metodologia
alunos ou entrevistava os professores e a segunda
pessoa fazia o relatório. Quando possível, o par
completava a transcrição do narrativo completo
do grupo focal ou da entrevista dentro de um período de 24 horas após a realização.
A análise dos narrativos foi feita em Luanda por
duas “equipas”, sendo uma constituída por duas
pessoas e outra por uma pessoa, fazendo uma
análise de duplo controlo com base em parâmetros seleccionados para análise. Cada “equipa”
fazia uma primeira análise do narrativo; a seguir
juntavam-se ambas para comparar e confrontar
as respectivas análises e para chegarem a acordo
sobre a versão final da análise.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
O plano previa a realização, em cada província,
de oito grupos focais em escolas católicas e quatro em escolas públicas para servir de controlo. Na
prática foi extremamente difícil organizar grupos
focais e entrevistas com professores em escolas
públicas dentro do tempo previsto para realizar o
trabalho de recolha de dados no campo. Foi possível realizar dois grupos focais em escolas públicas
nas províncias de Luanda, Malange e Benguela e
uma entrevista em grupo com professores duma
única escola pública em Luanda. Não foi possível
realizar nenhum grupo focal ou entrevista com
professores numa escola pública do Huambo.
Cada grupo focal foi constituído por dez participantes, cinco meninas e cinco rapazes. A extensão da idade dos membros dos grupos focais difere
muito entre escolas e entre províncias. Os alunos
em Luanda aparentam ter a idade prevista para a
classe e não houve participantes com mais de 18
anos na 9ª classe. Fora de Luanda houve dois grupos da 9ª classe em que os alunos tinham idades
entre os 15 e os 23 anos e entre os 18 e os 33 anos,
respectivamente. Nas províncias de Benguela,
Huambo e Malange, os participantes de 6ª classe
tinham idades entre os 10 e os 16 anos.
Todos os grupos focais e as entrevistas com professores foram realizados no recinto da escola com
a autorização do/a Director(a) da Escola.
Foram realizadas dez entrevistas com informantes
chave do Ministério da Educação, activistas sociais
empenhados no sector da Educação e professores
com experiência de ensino de Direitos Humanos
em Luanda e em Benguela que serviram para a
concepção da pesquisa e para a interpretação da
informação recolhida.
| 29
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
30 |
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
4.Resultados:
Grupos focais com alunos
4.1Conhecimento geral
sobre Direitos Humanos
Características e Valores de Direitos
Humanos
... é comum que o direito da criança
à educação seja negado. Os exemplos
que deram incluíam crianças que
vivem na rua e disseram que muitas
vezes estas crianças vivem na rua por
causa de maus tratos da parte dos pais
ou tutores. Outras crianças que não
têm acesso à educação são crianças de
famílias pobres quando os pais não têm
dinheiro para pagar o necessário para
os filhos irem à escola...
A maioria dos alunos mostraram entender a natureza da inerência dos Direitos Humanos relativamente ao ser humano pelo simples facto de este ser
uma pessoa humana. Os participantes falaram de
“tudo o que nos pertence” e “algo que é de todo o ser
humano”. Contudo, só menos de metade dos participantes souberam explicar a natureza universal e permanente dos Direitos. Somente em duas
escolas, uma no Huambo e outra em Malange, os
participantes explicaram a característica inalienável dos Direitos Humanos e nenhum participante
fez referência às suas características de indivisibilidade e interdependência.
Os participantes de todas as idades fizerem referência aos valores de dignidade, liberdade e igualdade através da descrição de casos que ocorrem nas
suas vidas. Contudo, não parecem entender que o
respeito pelos Direitos Humanos, protegido pela
lei, permite ao ser humano viver com dignidade,
em liberdade e igualdade. Somente um participante, em Malange, explicou que os Direitos Humanos são “leis baseadas em valores morais”. Houve
uma única referência a justiça social (em Luanda)
quando um participante explicou que o respeito
aos Direitos Humanos permite promover a justiça
social.
Um maior número de alunos opinou que continua
a existir uma clara desigualdade na sociedade angolana entre ricos e pobres e entre as classes sociais
em comparação com o número de alunos preocupados com o racismo como base de discriminação
| 31
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
na sociedade. O manual da 9ª classe para a disciplina Educação Moral e Cívica aborda estereótipos
sobre o comportamento sexual e o emprego, mas
notou-se somente uma referência específica à importância da igualdade de género numa escola pública, em Luanda.
Direitos e Deveres
Muitos participantes falaram de direitos no sentido de serem regras para serem respeitadas em
casa, na escola e na sociedade. Vários participantes
falaram que os Direitos são “para o bem da sociedade”. A maioria mostrou entender que, enquanto
portador de direitos, o ser humano tem também o
dever de respeitar os direitos dos outros. Um aluno numa escola pública disse: “conhecer os direitos
humanos é importante para conhecermos os nossos
direitos e a nossa liberdade. Ajuda-nos a conhecer a
liberdade do outro mutuamente”.
Poucos participantes mostraram entender que os
direitos são garantidos por lei. Num grupo, no
Huambo, uma menina disse que “o direito é algo
reconhecido pela Lei”. Somente numa escola em
Malange, os alunos (9ª classe) explicaram com clareza que quem é vítima de abuso dos seus direitos
poderá recorrer à Justiça - “a lei é para cumprir,
mas também é para defender aquilo que é teu”.
Contudo, nenhum participante explicou que os
Direitos Humanos estão consagrados como princípios fundamentais da Constituição Angolana e
não mostraram ter conhecimentos sobre os Tratados Internacionais que foram ratificados por
Angola. Na maioria dos grupos focais, os alunos
enumeraram os direitos humanos; somente numa
escola, em Malange, um participante explicou que
os direitos estão divididos em categorias - “direitos políticos, económicos e sociais”. Nenhum participante mencionou os direitos culturais.
32 |
Um número significativo de participantes confundiu Direitos Humanos com o estudo da Lei ou
o exercício de alguma profissão associada ao sistema de Justiça. Não se notou uma diferença signifi-
Resultados: Grupos focais com alunos
cativa de conhecimentos sobre Direitos Humanos
entre os alunos das escolas públicas e das escolas
católicas. Também não houve diferenças significativas em termos de conhecimentos sobre Direitos Humanos entre os alunos de 6ª classe e da 9ª
classe.
4.2 Direito à Educação
O direito à educação foi discutido em todos os
grupos focais que foram realizados. Os facilitadores contaram a estória dos amigos Bernardo e
João (cf. Anexo 2 - Ilustração Nº 1). O pai de Bernardo é professor; ele matriculou o Bernardo na
escola. Bernardo falta muito às aulas, não estuda
e faz o que quer. O pai de João é mecânico e não
matriculou o filho na escola, dizendo que é mais
importante para o filho trabalhar na oficina para
aprender ser mecânico e ter uma profissão. As informações apresentadas a seguir são o produto de
análise pelos alunos da estória contada em termos
de direitos e deveres dos pais e dos filhos no contexto da educação.
Deveres dos pais e direitos dos filhos
Os participantes nas discussões mostraram que os
alunos sem excepção entendem o carácter inalienável do direito à educação. Em todos os grupos,
os participantes disseram que é dever dos pais
matricular os filhos e sustentá-los na escola; disseram que todo o ser humano e todos os cidadãos
têm o direito de estudar. Os participantes explicaram que a educação da escola é importante para
ter um futuro, aprender uma profissão e para “ser
alguém” na sociedade.
“Se não sabermos ler, não vamos ser nada na vida.
Se um dia nos derem casa, não vamos saber assinar o
documento” (Huambo).
Muitos alunos disseram que para os filhos serem
bem-sucedidos na escola, os pais têm o dever de
acompanhar os estudos dos filhos. As actividades
de “acompanhamento” descritas por muitos alunos
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
foram as de acompanhar as tarefas, contactar com
os professores para assegurar que o filho estude e se
comporte bem na escola e participar nas reuniões
escolares. Os outros comportamentos que os alunos julgam serem deveres dos pais são ter paciência
com os filhos, proporcionar o tempo de dar atenção e carinho, conversar e aconselhar e preocupar-se com os filhos quando os filhos estão doentes.
Alguns participantes explicaram que é importante respeitar o sonho da criança, procurar saber o
que ela quer ser na vida e aconselhar a criança com
base naquilo que ela sonha fazer na vida. Muitos
participantes falaram que a criança tem direito à
liberdade para escolher a sua profissão. Um participante em Benguela disse:
“Há pais que se lhes dizes quero ser isso e ele diz tens
que ser aquilo. Fica complicado, às vezes, o filho sai
de casa.”
De modo geral, os alunos fizeram uma distinção
clara entre a educação na escola e o dever do pai
acompanhar o processo de educação escolar e a
educação de casa que é responsabilidade dos pais.
“A educação que recebemos em casa é a base de nossa
identidade” (Huambo).
Os alunos opinaram que os pais têm de consultar
e ouvir os filhos, reconhecendo que os filhos também têm o direito de expressar as suas opiniões.
Na visão de muitos, os pais deverão orientar-los
com base na vontade dos filhos; não deverão obrigar os filhos a fazerem coisas sem ouvirem as suas
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
opiniões. Alguns participantes acrescentaram que
os pais têm o dever de castigar os filhos quando os
filhos se comportam mal.
Muitos falaram que é um abuso dos direitos da
criança obrigá-la a fazer trabalhos pesados. Nenhum participante concordou com a decisão do
pai de João não matricular o filho na escola. Alguns, poucos, admitiam que o João fosse à oficina
nos seus tempos livres, enquanto fosse estudante.
Outros disseram que nos tempos modernos o João
nunca poderia ser um mecânico sem estudar. Outros acrescentaram que, sem estudar, o João não
vai poder saber distinguir e controlar as peças dos
veículos. Julgam que o João, em consequência da
decisão do pai, corre o risco de ser mais tarde desempregado e sem estudos. Um aluno em Benguela disse:
“Aprender uma profissão não justifica não estudar”.
Outro aluno, também em Benguela, disse que se o
João trabalhar fora das horas de estudo, ele poderia ganhar algum dinheiro para comprar as coisas
que ele precisa para estudar.
Deveres dos filhos
Todos os participantes se mostraram conscientes de que o direito de estudar confere também o
dever de aproveitar e valorizar os estudos. Vários
participantes explicaram que o aluno tem a responsabilidade de participar na aula e em outras
actividades escolares, chegar a horas à escola, não
perturbar a turma, não faltar à escola e fazer as tarefas.
34 |
Resultados: Grupos focais com alunos
disseram que os alunos têm a responsabilidade de
não bater e não roubar outros colegas.
Falou-se mais sobre a importância de colaborar
e não desrespeitar o delegado de turma nos grupos focais realizados em Luanda comparando com
os realizados em outras províncias. Numa escola,
também em Luanda, disseram que não se deve
“prometer surra ao Delegado”. Só alguns grupos
em Malange e poucos no Huambo e em Benguela
falaram sobre a importância de cumprir os regulamentos da escola.
Muitos participantes falaram da importância de
respeitar ou obedecer aos professores. Houve uma
menina numa escola de Benguela que referiu a
necessidade de respeitar também as empregadas
de limpeza e o outro pessoal de apoio na escola.
Outros falaram ainda que é dever da criança não
copiar os maus exemplos dos adultos. O mesmo
grupo considera que é responsabilidade da criança
ter “boas companhias”.
Importância da Educação
Os participantes em todos grupos concordaram
sobre a importância da educação. Opinaram que a
educação é o alicerce da vida; explicaram a necessidade de saber ler para assinar documentos e deram exemplos de documentos que é preciso assinar
na vida quotidiana; disseram que se não souberem
ler serão humilhados e chamados analfabetos. E,
finalmente, disseram que sem educação, a pessoa
não terá acesso a emprego e não será ninguém na
vida ou na sociedade.
Muitos realçarem que o gozo do direito à liberdade passa pelo processo de viver a liberdade com
responsabilidade. Alguns falaram da importância
de estudarem para serem um dia independentes e
terem a capacidade de ganhar a vida e evitar a pobreza.
“Escolas sem professores devidamente
formados prejudicam os alunos e o
futuro do país.”
Na maioria dos grupos, os participantes falaram da
importância de respeitar os outros colegas e não os
ofender. Em Benguela e Malange, os participantes
Muitos acrescentam que precisam de ser educados
para garantir o futuro da família e ajudar os seus
próprios pais quando forem velhos. Na maio-
Grupo focal de alunos - Malange
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
ria dos grupos, os participantes explicaram que
a educação sustenta o desenvolvimento do país.
Explicaram que, se não houver acesso à educação,
o país não terá professores e outros profissionais.
No Huambo, um grupo explicou que é através da
educação que a sua geração procura aprender as
competências e o profissionalismo para dirigir o
país no futuro. Uma menina, num grupo em Luanda, disse que a educação forma-os para gerir
os recursos do país. Participantes num grupo, no
Huambo, disseram que se notam os resultados de
educação na prática:
“Podemos ver as aplicações práticas. Por causa de
educação há novas escolas construídas e mais alunos
a estudar” (Huambo).
Um outro grupo, no Huambo, opinou:
“Sem estudos não haverá criatividade, novas pontes,
estradas, construções e novas tecnologias”.
Por outro lado, foram vários os participantes que
falaram da importância da qualidade da educação.
Participantes num grupo em Malange disseram:
“Escolas sem professores devidamente formados prejudicam os alunos e o futuro do país.”
Em todas as províncias descrevem casos de professores que batem, chamam nomes aos alunos e
procuram outras formas de humilhar o aluno. Há
professores que não admitem que o aluno faça perguntas. Disseram que há escolas onde o professor
vem em estado de embriaguez para dar aulas. Há
escolas onde os professores chegam tarde e faltam
muito. Disseram que:
“Há professores que são professores por necessidade
não por vocação” (Benguela).
Disseram que a corrupção persiste. Falaram que
há alunos que apenas sabem ler e escrever e são
aprovados e há professores que pedem dinheiro ou favores sexuais em troco de boas notas. Na
província de Benguela, disseram que os livros escolares que deveriam ser gratuitos, são vendidos.
Surgiu também a preocupação,
“Podemos ter o direito de estudar, mas se não tivermos as condições mínimas, não vamos conseguir”
(Malange).
Os participantes falaram da importância da educação na formação do cidadão. Disseram que a
educação facilita
“Saber o que se passa na realidade e aprender os limites como cidadão” (Huambo).
Em alguns grupos, os participantes afirmaram
que a educação forma a pessoa para viver e conviver com os outros na sociedade, para ser aberta a
ideias novas e para saber distinguir o bem e o mal.
Outros consideraram que as pessoas educadas não
são facilmente enganadas. Em Malange, os participantes em alguns grupos realçaram o papel da
educação na formação para saber exercer os seus
direitos e para saber defender-se dos maus tratos.
Outro aluno, no Huambo, diz que a educação faz
com que,
“Cada um tem o que é seu e não tem de ir buscar
aquilo que é do outro” (Huambo).
Outro aluno, em Malange, falou que sendo educado
“Não teremos de ir no caminho da ilegalidade”.
Violação do direito à educação
Nas quatro províncias, os participantes disseram
que ainda é comum que o direito da criança à educação seja negado. Os exemplos que deram incluíam crianças que vivem na rua e disseram que estas
crianças vivem muitas vezes na rua por causa de
maus tratos da parte dos pais ou tutores. Outras
crianças que não têm acesso à educação são crianças de famílias pobres quando os pais não têm dinheiro para pagar o necessário para os filhos irem
à escola; são crianças obrigadas a ir à lavra, a vender na praça ou a tomar conta da casa, em vez de
ir à escola.
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Um aluno, em Benguela, contou que tem um colega que tem “problemas de locomoção” e que um
professor faltou respeito ao seu colega dizendo:
“Aqui nesta escola não é escola de deficientes físicos
e os deficientes físicos deveriam estar nas escolas especiais.”
Na província de Malange, alguns participantes
também disseram que as crianças deficientes físicas não são admitidas em todas as escolas.
Um aluno, no Huambo, disse ter pesquisado na
internet e viu que após a Segunda Guerra Mundial,
houve pais na Europa a tirarem os filhos da escola
para irem trabalhar. Ele disse que hoje em dia, em
Angola, há pais que fazem a mesma coisa, fazendo
que os filhos faltem muito à escola por serem obrigados a pastar os bois ou a cuidar da casa.
36 |
Resultados: Grupos focais com alunos
4.3 Direito à Vida
Os participantes na maioria dos grupos concordaram que sem vida não haverá pessoas para gozarem
de outros direitos. Estando em vida, o indivíduo
tem responsabilidade para cuidar da sua vida e da
vida dos outros. Um disse: “se matar não pode devolver a vida”. Em vários grupos, os participantes
fizeram referências ao aborto. Um aluno disse:
“... é-lhes tirada a vida, antes mesmo de nascerem;
se o Homem veio do macaco e o macaco de Deus; então, conforme Deus nos deu a vida, é conforme pode
nos tirar; não devermos tirar a gravidez, mas nascer;
o aborto não é certo porque suja a reputação da mulher e não fica bem psicologicamente”.
Alguns participantes explicaram que Deus deu a
vida e as mães não têm o direito de abortar a vida
de um bébé. Dois participantes, ambos da 9ª classe, referiram que pessoas com debilidades físicas
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
têm o mesmo direito à vida que qualquer outra
pessoa.
Vários participantes explicaram que é errado tirar
a vida de alguém, como também é errado tirar a
sua própria vida. Um único participante disse que
tirar a vida de alguém é pecado.
A maioria dos alunos mostrou plena consciência
da responsabilidade que o ser humano tem de cuidar da sua vida. Alguns participantes falaram da
responsabilidade que cada um tem por “respeitar
e preservar a vida própria e amar a vida de forma a
não tirar a vida do outro”.
Na maioria dos grupos focais os participantes enumeraram várias maneiras de cuidar da vida. Tanto
na 6ª como na 9ª classe falaram de alimentar-se
bem, ir ao médico quando se está doente, não tomar medicamentos “à toa”, ter cuidado com a higiene corporal e apanhar vacinas. Os participantes
da 9ª classe falaram mais frequentemente sobre a
sexualidade responsável, os riscos de terem muitos parceiros sexuais e como prevenir esses riscos.
Muitos recomendaram comportamentos em relação aos acidentes e à não-violência. Falaram de
não provocar acidentes na estrada por descuido,
como, por exemplo, levantar a roda da mota ou
fazer corridas de mota, não conduzir em estado
de embriaguez e atravessar a estrada com cuidado.
Falaram ainda sobre a prevenção de outros tipos
de acidentes como acidentes com gás de cozinha e
com electricidade. Recomendaram não lutar com
garrafas, não lutar entre conhecidos, não empurrar quem não sabe nadar, não envenenar as pessoas e ter cuidado para não se encontrar em sítios
onde há bandidos.
ram que ter vida confere também a responsabilidade para cuidar da terra, das plantas e dos animais.
4.4 Direito à Liberdade
Surgiu uma discussão aprofundada sobre o direito
à liberdade em menos de metade das escolas. Os
grupos que discutiram o direito à liberdade foram
tanto da 6ª classe como da 9ª classe e as discussões
ocorreram tanto em escolas públicas como em escolas católicas.
Os participantes apresentaram ideias claras sobre
o direito à liberdade. Primeiro mostraram plena
consciência da importância do direito a liberdade - “Sem liberdade somos escravos” (Benguela).
Contudo, consideraram imprescindível que a liberdade seja exercida de uma forma responsável
dentro da sociedade e em conformidade com as
leis. A palavra mais usada para descrever a falta
de responsabilidade no exercício de liberdade foi
“libertinagem”. Os participantes referiram ideias
como:
“Todos temos liberdade mais cada um tem que saber
viver em liberdade” (Malange);
“... ninguém tem direito de privar outro [do seu direito] e algumas pessoas com 18 anos têm liberdade
mas não têm responsabilidade” (Luanda);
“Ser livre não significa fazer o que quiser, mas é ter
direitos e deveres” (Benguela);
“[Liberdade] é ser o que queres ser e fazer o queres fazer, mas não fazer coisas más” (Huambo).
Foram poucos os participantes que se mostraram
preocupados com o ambiente; estes argumenta-
Notou-se também uma preocupação com a possibilidade de “muita liberdade” poder trazer problemas. Um participante disse:
“Ser livre não significa fazer o que
quiser, mas é ter direitos e deveres.”
“a liberdade pode trazer muitos benefícios ou não; se
formos muito livres, poderemos desrespeitar os nossos
governantes” (Huambo).
Grupo focal de alunos - Benguela
| 37
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Vários participantes falaram especificamente sobre a situação das crianças, sublinhando que a
criança tem direito à liberdade, mas dentro de determinados limites:
“As crianças têm direito a liberdade porque se ficarem muito tempo trancadas em casa, não vão saber
andar na rua; sem liberdade não poderemos conhecer
outros sítios” (Luanda);
“As crianças são livres, mas não são livres para fazerem coisas erradas. Devem respeitar os pais” (Huambo).
Liberdade é “fazer aquilo que quisermos (cantar,
dançar, brincar) sem passar os limites” (Luanda).
Em vários grupos, discutiram o propósito da liberdade e muitos participantes descreveram com
clareza a ideia de que a liberdade é para ser exercida a fim de realizar algo. O tema de construir
felicidade, amor e estar bem na família surgiu em
muitas discussões,
38 |
Resultados: Grupos focais com alunos
4.5Direito à Integridade
física
Notou-se uma preocupação em várias discussões
sobre a segurança física. Contudo, os participantes tiverem maior tendência a considerar que o
indivíduo tem a responsabilidade principal para
evitar situações de violência. Fizeram recomendações como não andar em zonas ou a horas “em
que há bandidos”. Somente em duas escolas, uma
no Huambo e outra em Luanda, os participantes
fizeram referências à responsabilidade do Estado
para garantir a segurança do cidadão.
“O ser humano tem direito à segurança da parte do
Estado; todo o ser humano tem direito a permanecer
em segurança em qualquer parte do Estado, porque
se não os bandidos podem até lhe matar” (Huambo);
“Todos os indivíduos com base na personalidade jurídica devem ser protegidos e viver em bairros que
lhes dá segurança” (Luanda).
“Não podemos ficar só num sítio como se fossemos
presos; todo o ser humano deve ser livre... para podermos ter amigos, conhecer e amar alguém” (Luanda).
4.6 Direito a Trabalho
Nas províncias de Huambo e Malange houve alguns grupos que discutiram a liberdade de expressão. De novo, os participantes foram claros
em dizer que a pessoa goza de liberdade de expressão e de pensamento, mas os seus actos têm que
estar em conformidade com a lei. Um aluno da 9ª
classe, em Malange, disse que o respeito pelo direito à liberdade de expressão evitará muitos casos
de violência doméstica. Outro participante, em
Malange, opinou que:
“Se os pais não têm trabalho para comprar coisas, as
crianças vivem na rua sem comida e sem educação”
(Malange).
Participantes de muitos grupos, nas quatro províncias, disseram que os pais têm de ter trabalho
para comprar alimentos, roupa, pagar renda de
casa e pagar propinas. Explicaram que:
“Alguns pais não têm nada para comprar alimentos.
Neste caso não devem fazer filhos. Estão a fazer filhos
para sustentar os pais” (Benguela).
“... a liberdade de expressão é importante porque
permite ao cidadão dizer tudo o que sente e vê, desde
o mau funcionamento das instituições, como das acções do governo” (Malange).
“Sem o vestuário não podemos nos proteger do frio e
da chuva e não podemos ir à escola. Não podemos andar totalmente nus para que todo o mundo veja como
ele é, o nosso corpo é templo do Senhor” (Benguela).
O mesmo aluno considera que todos têm o dever
de lutar a favor da liberdade de expressão.
“Quando vamos arranjar um emprego a apresentação é tudo; uma pessoa mal apresentada jamais será
aceite num local de trabalho” (Benguela).
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Alunos da 9ª classe, numa escola pública, no Huambo, disseram que o direito económico, é importante por ser a base do desenvolvimento e
crescimento do país:
“O país e as pessoas sem economia não têm desenvolvimento e o país não vai crescer”.
Um aluno explicou que o desenvolvimento económico facilita a melhoria das condições sociais para
as famílias. E acrescentou:
“Sem economia não conseguimos entrar na mobilidade social, quer horizontal e quer vertical”.
Na mesma escola, um aluno da 6ª classe disse,
“Por vezes o governo dá trabalho mas o Homem tem
preguiça para trabalhar”.
4.7 Direito à Família
Alguns grupos, nas quatro províncias, discutiram
a importância do direito à família. Uns descreveram a família como sendo uma família nuclear
- mãe, pai e irmãos - e outros descreveram-na
como sendo um grupo alargado de pessoas unidas
por laços de sangue. Para todos os que discutiram
o conceito da família, o mais importante é que a
família seja feliz e que viva em harmonia. A justificação foi que a família feliz assegura carinho e
amor às crianças, fazendo com que as crianças tenham ânimo para “ir em frente e estudar bem”.
Uma menina disse: “A minha família está separada
e sinto-me mal por isto. Onde há felicidade, os pais
estão juntos” (Huambo).
Outro rapaz, no Huambo, disse:“Não vale a pena
termos famílias se o pai bate na mãe, se não têm bons
hábitos e o pai bebe, porque não ajuda. Os pais não
devem beber e chegar em casa e baterem nos filhos e
na mulher sem motivo. Uma família onde os pais bebem, fica desorientada.”
Uma menina em Benguela descreveu o caso de
uma amiga sua cujo pai bateu tanto na mulher
que pensou tê-la morto. O pai perdeu o emprego
a seguir e, mais tarde, a mãe faleceu. Hoje ,o pai
tornou-se alcoólico e bate nos filhos quando está
em estado de embriaguez.
Participantes em vários grupos referiram a responsabilidade da família para educar e aconselhar
os filhos de modo a que estes se tornem úteis à sociedade.
“Aprendemos na família aquilo que não aprendemos
na escola. Crescemos e aprendemos a distinguir o bem
e o mal” (Luanda).
Alguns enfatizaram a importância do acompanhamento do pai nos estudos e em outras actividades na vida. Outros falaram da responsabilidade
dos pais em aconselhar os filhos,
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
“As crianças podem escolher o que é melhor para si,
mas às vezes há escolhas que não podemos fazer, se for
uma decisão que dará resultados negativos, aí o pai
tem que explicar que a escolha não é boa” (Benguela).
Muitas crianças consideraram que, quando os pais
não conhecem ou não respeitam os direitos da
criança e quando as crianças são maltratadas, fogem para viver na rua. Alguns disseram que acontecem casos de jovens que se tornam drogados em
consequência dos maus tratos sofridos em casa.
Surgiram discussões, nas quatro províncias, sobre
violência doméstica e violência dentro da família.
4.8 Violência
A pesquisa procurou obter informações sobre o
modo de recurso, quando existem abusos através
da investigação do tema de experiência de violência e as respostas consideradas comuns e adequadas no caso de violência. A secção a seguir aponta
as informações recolhidas sobre violência na família, violência na escola e violência na comunidade em geral. Um grupo em Huambo opinou que
a agressão física, o homicídio voluntário e a guerra
travam o desenvolvimento de uma sociedade.
Violência na família
Na maioria dos grupos focais realizados os participantes descreveram casos de violência no seio
da família e na comunidade. Disseram que há pais
que batem e gritam em vez de falar educadamente
e corrigir os erros dos seus filhos. Deram exemplos
de crianças que são batidas por não lavar a loiça,
por não querer ir dormir quando são mandadas,
por não cumprir uma tarefa como foi mandado e
por saírem de casa sem autorização. Um grupo em
Malange opinou que o castigo apropriado nestes
casos seria,
“…tirar televisão, bonecos, passeios, pois ela [a
criança] é um ser como o próprio pai”.
40 |
Outros alunos, no mesmo grupo, acham que a
criança merece ser batida com uma vara se ofen-
Resultados: Grupos focais com alunos
der uma pessoa na rua. Num grupo, no Huambo,
um menino de sexta classe opinou:
“Não é mau que o pai bata desde que não aleije, não
faça mal e não prejudique”.
Os participantes descrevem casos específicos de
maus tratos a crianças pelos seus próprios pais
ou tutores, nas quatro províncias. Um grupo em
Malange descreveu o caso de um menino que roubou leite e o pai colocou os mãos do filho em água
quente queimando-as de tal maneira que não podia escrever na escola. Os participantes julgaram
que isto foi uma grande irresponsabilidade da parte do pai e que este deveria educar - e não agredir o seu filho. Também em Malange, os participantes
contaram os casos de uma mãe que queimou a mão
do filho por ele ter roubado dinheiro e de um pai
que queimou o pé do seu filho porque achava que
o menino resmungava muito. Os participantes falaram de um menino que,
“... é o filho mais velho e os pais obrigam-no a ir
vender. Senão, não come ou poderá vir a ser expulso
de casa” (Malange).
Um grupo, no Huambo, descreve o caso de um
vizinho que “batia sempre no seu filho até criar
manchas no corpo”. Neste último caso, os outros
vizinhos falaram com ele e ele mudou e melhorou
o seu comportamento.
Em Luanda um grupo opinou,
“Os pais aprisionam ou proíbem os filhos, tirando a
liberdade, porque têm medo que eles façam o que os
pais fizeram”.
Os participantes num outro grupo, em Luanda,
contaram casos que ocorreram nas suas famílias.
Um menino contou a história de um primo que
“… foi surrado tanto pela tia que quase morreu e teve
de ser levado ao hospital”.
Outro disse que o seu pai zanga-se com facilidade e uma vez lançou um prato de vidro à mãe. Um
aluno descreveu o caso da sua avó que tentou sui-
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
cidar-se colocando químicos de pilhas na comida
dela. Uma menina contou o caso de uma sua amiga
a quem o pai molhava primeiro antes de bater para
que o castigo com vara doesse mais.
“Abortar significa desrespeitar a vida e perante estes
casos eu diria que se quando a tua mãe estava grávida
não te abortou, porque é que tu vais tirar a vida de
outro?”
Violência entre casais
Um rapaz de 9ª classe disse que “quem namora tem
que aceitar as consequências do namoro”.
Os participantes, nas quatro províncias, contaram
episódios de violência doméstica, principalmente
de maridos que batiam nas suas esposas por razões
tão banais como não fazer o jantar ou não cuidar
das galinhas. Um grupo em Malange descreve o
caso de um marido que “veio stressado de Luanda”
e deu “um soco” na esposa que caiu morta no mesmo momento. Um outro grupo, na mesma província, fala de um senhor que deitou óleo quente
na sua esposa, mas ela permanece em casa por não
ter lugar onde refugiar-se. Os participantes neste
grupo concordaram que muitas mulheres
“… suportam maus tratos porque não podem falar.
Vivem e sofrem em silêncio”.
Nas quatro províncias, vários grupos discutiram
abortos provocados como sendo um abuso contra
o direito de toda criança a nascer. Em alguns casos
os participantes consideram a prática de aborto
como sendo uma forma de violência doméstica.
Todas as discussões foram com base em casos reais
que ocorreram dentro das famílias ou na comunidade. Em Benguela, dois grupos diferentes descreveram casos de meninas que faleceram como
consequência de abortos provocados; em ambos
os casos a menina que fez o aborto sangrou durante vários dias sem que alguém se tenha apercebido
da situação de perigo a vida. Todas as histórias tiveram elementos semelhantes. Os namorados não
quiseram assumir a responsabilidade e, por vezes,
deram dinheiro para a menina realizar o aborto.
Em alguns casos, as mães ou as tias, com o conhecimento dos pais, assumiram a organização do
aborto.
Todos os participantes que opinaram sobre este
assunto expressaram sentimentos de ofensa e até
de cólera quando falaram. Uma menina disse:
Um grupo, no Huambo, falou de um caso de infanticídio no seu bairro. Um senhor não gostava
de sua mulher que estava grávida. Quando nasceu
o bebé, o marido não quis que a mulher ficasse
com o bebé e bateu o bebé no chão até ele morrer.
Neste caso, todos foram unânimes em dizer o recurso certo seria ir à Polícia.
Violência na comunidade
Os participantes nos grupos focais relataram experiências de violência no dia-a-dia da sua comunidade, nas quatro províncias. Não foi notado
qualquer diferença no tipo ou na gravidade dos
casos descritos nas quatro províncias. Contudo, os
alunos em Luanda parecem viver em maior proximidade e ter com maior frequência experiências
de violência.
Em todas as províncias os participantes descreveram casos de brigas entre jovens que variam entre
brigas que se resolviam entre as pessoas envolvidas
até lutas com o uso de facas, garrafas partidas e tesouras. Na maior parte dos relatos não aparentava
existir uma “causa maior” para as brigas. Em Malange e Luanda falou-se de “gangues” que fazem
confusão nos bairros; quando a Polícia é chamada,
os mesmos “gangues” fazem confusão com a Polícia.
Contaram casos de roubo em todas as províncias.
Entretanto, assaltos a casas e roubos associados a
assassinatos foram mais frequentemente referidos
pelos participantes nos grupos focais de Luanda.
Os participantes, nas quatro províncias, falaram
de desentendimentos entre vizinhos que levaram
a actos de violência. No Huambo, dois vizinhos
lutaram porque um devia dinheiro ao outro e não
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
lhe pagou; os outros vizinhos chamaram a Polícia
que resolveu o assunto no local.
Um jovem, em Luanda, contou a história de um
vizinho adulto que atirou pedras e garrafas a um
grupo de rapazes que jogavam à bola porque a bola
fez cair o seu pincho no chão. O grupo opinou que
o senhor não devia fazer justiça por mãos próprias
e que a resposta correcta nesta situação seria solicitar dinheiro para comprar outro pincho.
Num mercado, no Huambo, duas crianças foram encontradas amarradas num contentor. Uma
criança morreu no contentor e outra morreu a caminho do hospital. O dono de contentor fugiu,
ninguém sabia quem eram as crianças e a comunidade não sabe mais sobre o assunto.
Violação sexual
Nas províncias de Benguela, Luanda e Malange, os
participantes descreverem casos de violação sexual. Num caso em Benguela, a moça reconheceu
42 |
Resultados: Grupos focais com alunos
os moços que a violaram e foi assassinada. Os perpetradores foram encontrados. No grupo surgiu
uma discussão sobre o devido tratamento. Uns
defendem que os perpetradores também devem
ser mortos. Outros disseram que não se deve fazer
justiça por mãos próprias e outros achavam que os
perpetradores deveriam ser presos.
Um grupo em Malange contou o caso de um jovem que violou raparigas diferentes. Quando uma
queixa é feita à Polícia, o perpetrador é detido por
pouco tempo na esquadra; aconteceram casos
em que ele volta à comunidade no mesmo dia. Os
moradores sentem-se frustrados, mas não sabem
o que fazer.
Abuso praticado por pessoas em
posição de autoridade
Em Malange, um aluno contou que estava na fila
do SIAC - Serviço Integrado de Atendimento ao
Cidadão, quando apareceu um comandante que
foi direitamente ao balcão e foi atendido. O alu-
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
no, descontente, perguntou à jovem balconista
porque que o senhor foi atendido primeiro. O comandante disse que o jovem estava a desrespeitar
a sua autoridade, questionando o seu comportamento. O jovem respondeu: “todos temos direitos
[de atendimento] iguais”. O comandante prendeu
o jovem. Na esquadra, os outros polícias diziam:
“ Neste mundo só sobrevive quem está em cima”.
Quando o pai do jovem chegou, que também é
chefe da polícia, os responsáveis da unidade mentiram e disseram que o jovem assaltou uma cantina. Até que a verdade fosse esclarecida, o jovem
teve problemas sérios com o seu próprio pai. O
jovem lamentou: “No nosso país não há liberdade de
expressão e de pensamento. Quando as pessoas dizem
o que pensam ou manifestam-se são maltratadas e
nalguns casos são mortas”.
Num grupo, em Luanda, um jovem disse que a
demolição à força de casas e o desalojamento de
pessoas à força de um bairro para outro é uma violação de direitos.
Em Luanda, dois grupos contaram histórias de
abuso em termos de acesso aos serviços de saúde.
Um jovem contou que o seu vizinho levava um filho muito doente a hospital. Os guardas não quiseram abrir o portão e o vizinho rompeu o portão
com o carro. Num outro caso, uma mulher fez o
parto fora do hospital porque os guardas não abriram o portão.
À pergunta qual seria a acção ou a resposta certa
quando confrontados com situações de violência,
muitos participantes opinaram que quando não
for um assunto muito grave recorre-se primeiro ao
diálogo e aos mais velhos na comunidade. Quando
for um assunto de maior gravidade, a maioria optou por recorrer à Polícia.
“Levar o caso à Polícia porque a Polícia é quem defende os nossos direitos” (Huambo).
Em Benguela, quando se tratasse de uma clara violação do direito de uma criança, os participantes
recomendaram recurso ao INAC. Houve um participante no Huambo que propôs mostrar a página do manual de Educação Moral e Cívica sobre os
direitos de criança ao pai que batesse no seu filho.
No caso de casos de violência doméstica descrito
em Benguela e no Huambo os participantes recomendaram que as vítimas recorressem à Promoção
de Mulher e em alguns casos à OMA. Em Luanda,
alguns defenderam o recurso ao pároco quando se
tratasse de um assunto de família.
Um grupo, no Huambo, contou o caso de uma
mulher cujo marido lhe batia quando desaparecesse uma galinha do quintal. O marido dizia
que se juntou a ela para ela cuidar das galinhas. A
mulher foi aconselhada pelos vizinhos para fazer
queixa à OMA, mas a mulher temia que o marido a
matasse se fizesse uma queixa. Outros alunos disseram que, neste caso, a senhora deveria recorrer
ao Ministério de Justiça para queixar-se do marido que ameaçava matá-la.
Quando os participantes falaram de recorrer às
autoridades falou-se principalmente da Polícia.
Em poucos casos, os participantes recomendaram
recorrer à Administração ou ao Tribunal.
Violência na Escola
Em 77% dos 43 grupos focais realizados, os participantes descreveram casos de violência na escola.
Os casos mais comuns são: roubo de coisas de colegas como lápis, cadernos e outras coisas de uso
de rotina na escola; brigas e agressões entre colegas e destruição de património da escola, nomeadamente escrevendo nas paredes e nos bancos.
Em resposta à pergunta, qual o recurso apropriado quando houver casos de violência na escola, os
participantes apresentaram sugestões adaptadas a
diferentes categorias de violência. Por casos menores, como o roubo de material escolar, a maioria
propôs falar primeiro com o colega e, se não resultar, falar com um professor ou com os encarregados de educação. Em Luanda, os participantes
num grupo propuserem envolver o chefe de tur-
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
ma. No caso de serem agredidos por outros colegas, uns meninos disseram que,
“… é devolver primeiro a chapada e queixar-se a seguir”.
Contudo, houve também um rapaz que disse que
não devolver a chapada não significa que a pessoa
vítima seja “burro”.
Na mesma linha, muitos falaram que vão buscar
mais velhos para ajudar a enfrentar os agressores. Somente em algumas escolas, em Luanda, os
participantes descreveram o fenómeno de alunos
criarem grupos,
“Eles vivem dentro dos seus grupos e discriminam
contra os outros”.
Resultados: Grupos focais com alunos
morar” com ele, em troca de boas notas e o caso
(também em Benguela) de alunos que partiram o
vidro do carro de um professor porque não obtiveram boas notas nos exames. Numa escola, em
Luanda, as meninas relataram o caso que ocorreu
numa outra escola onde as casas de banho para os
alunos estão fechadas. Uma menina que precisava
ir à casa de banho foi sozinha a uma outra escola
perto da sua escola, pois a casa de banho da sua escola encontrava-se fechada por estar degradada.
Lá, foi surpreendida por um grupo de delinquentes que a violaram. Os participantes consideravam
que a violência ocorreu como consequência de um
acto errado por parte da Direcção da escola que
fechou as casas de banho.
Feitiçaria
Quando os participantes falaram de recorrer à Direcção por causa de um problema com um professor, surgiram algumas discussões sobre a eficácia
deste recurso. A tendência é pensar que recorrer à
Direcção da escola não resulta quando se tratar de
um problema com um professor porque a Direcção
optará sempre por proteger o professor. Em Malange, um grupo sugeriu recorrer à Associação de
Estudantes ou ao Ministério de Educação no caso
de um professor que pratique actos de violência.
Aconteceram também discussões sobre o recurso
à Polícia. Uns disseram que a Polícia tem obrigação de proteger as pessoas e outros afirmam que
a Polícia prende e bate às pessoas, não resolvendo
nada. No Huambo e em Malange, alguns participantes falaram especificamente sobre a Brigada
Escolar, como sendo a Polícia de primeiro recurso,
quando acontecem casos de violência na escola.
Alguns participantes disseram que, no caso de um
aluno persistir num comportamento que perturbe
os colegas na sala de aulas, este aluno deverá ser
expulso da escola.
44 |
Os participantes apresentaram casos isolados de
violência e casos mais graves como um professor
(Benguela) que procurou obrigar uma aluna a “na-
Nenhum grupo, em Luanda, falou de feitiçaria.
Os participantes em quatro grupos- de Benguela,
Huambo e Malange - discutiram o fenómeno de
crianças serem acusadas de feitiçaria. Dois grupos
- um em Huambo e outro em Malange - contaram
casos de dois rapazes que foram expulsos de casa
por serem acusados de feitiçaria. Em ambos os casos houve envolvimento de “kimbandeiros”. Num
segundo caso, em Malange, a criança foi obrigada
participar numa cerimónia de juramento conduzida por um “kimbandeiro”. A criança faleceu
depois de beber o líquido usado na cerimónia. Os
pais e o “kimbandeiro” tiveram de fugir do bairro.
Em todos os casos discutidos, os alunos consideraram que a acusação de feitiçaria é um flagrante
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
abuso dos direitos de uma pessoa, quer seja adulta
ou criança. Uma aluna, em Malange, disse que as
crianças nunca devem ir ao “kimbandeiro” e outra
aluna acrescentou que os pais nunca têm o direito
de expulsar uma criança de casa porque a criança
não tem idade para viver sozinha.
Alguns alunos que discutiram sobre a feitiçaria recomendaram o recurso ao INAC quando acontecerem acusações de feitiçaria contra uma criança.
Um menino, em Malange, disse que uma criança
que está sendo abusada fisicamente pelos pais ou
pelos tutores, poderá recorrer a um lar [de acolhimento].
4.9Democracia participativa
A disciplina Educação Moral e Cívica introduz o
tema da democracia e do exercício da democracia
a partir da 7ª classe. Nos grupos focais, os facilitadores procuraram recolher conhecimentos e opiniões sobre o conceito de democracia e a prática de
democracia na escola e na sociedade.
Conceito
A explicação mais frequente foi a de escolher, votar ou participar em eleições. Palavras associadas a
democracia foram paz, amor e harmonia. Muitos
alunos, nas quatro províncias, falaram que o Estado democrático permite a participação do Povo na
tomada de decisões. Outros enfatizaram a democracia como sendo uma garantia para a liberdade
de escolha e de expressão. Alguns grupos, no Huambo, disseram que:
“A democracia é todos unidos para defendermos o
país”.
Em Malange, um grupo falou que a democracia é
uma
“Forma de escolher ou votar para chegar a uma decisão para a sociedade”.
Um outro menino, no mesmo grupo, em Malange, explicou:
“Democracia vem do grego e significa poder do
povo”.
Muitos grupos explicaram o que significa o acto
de votar. Um grupo, no Huambo, explicou que
votar
“É um acto de entrega de um boletim para ser depositado na urna”.
Um rapaz, da 6ª classe, em Malange, alertou que a
democracia significa
“Escolher uma pessoa capaz, mas não com mentes
compradas com motos, festas, dinheiro, etc”.
Um outro menino, da 6ª classe, em Luanda, disse
que:
“Democracia é algo que o governo usa para fazer alguém subir e descer de cargo”.
Os alunos falaram também de exemplos de democracia que conhecem ou que observam. O exemplo mais frequentemente citado foi o de eleger um
delegado de turma. Em termos de frequência, as
citações sobre as eleições presidenciais no país e
sobre questões ligadas ao futebol foram iguais.
Quanto ao futebol referiram a eleição do melhor jogador de mundo, a eleição do Presidente
da FIFA e disseram que votam para o capitão da
equipa, quando jogam futebol no bairro. Em terceiro lugar, com frequências semelhantes, citaram
eleições de miss e de governadores, directores de
empresas e deputados. É de notar que um número significativo de alunos acham que os directores
de empresa e os governadores são eleitos. Alguns
alunos, nas quatro províncias, falaram de eleições para moderadores e para líderes juvenis nas
Igrejas. No Huambo e em Malange, alguns alunos
falaram de eleições para sobas, coordenadores de
bairro e membros da comissão do bairro.
Vários grupos, em Luanda, discutiram sobre a democracia como sistema de governação. Uns acham
que o sistema democrático permite
“Avaliar e escolher quem seja mais qualificado”.
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
E outros opinaram que, apesar de a democracia,
com eleições livres, ser a forma mais justa de governar o país,
“O povo nem sempre acerta na sua escolha”.
Outros ainda referiram que o voto secreto evita
que as pessoas sejam ameaçadas e representa uma
escolha mais justa por eliminar o “amiguismo”.
Em Malange, dois grupos recomendaram acções
para os jovens contribuírem na prática e no fortalecimento da democracia. As propostas incluíram:
“Promover e lutar para que a democracia seja exercida; participar na mudança de mentalidade e implementar e sensibilizar as pessoas para evitar a burocracia extrema, divulgando o conhecimento sobre
Direitos Humanos”.
No segundo grupo, os participantes recomendaram:
“Estar informados; participar na criação de regras e
normas; deixar a corrupção; criar mais debates sobre
Direitos Humanos e procurar melhorar a aplicação
dos Direitos Humanos na escola e na comunidade.”
Democracia na escola
O manual de Educação Moral e Cívica da 7ª classe
introduz a ideia de praticar a democracia na sala de
aula através da eleição para o delegado de turma.
A maioria dos alunos acha que a melhor maneira
de escolher um delegado é por eleição porque garante que a escolha seja da maioria. Uns acrescentaram que o processo de eleger,
“evita ter um delegado que bate”(Benguela).
46 |
Vários alunos, nas quatro províncias, explicaram
que quando todos têm o direito a voto, a pessoa
eleita sabe que ganhou honrosamente e os demais
não podem reclamar ou recusar aceitar a autoridade do delegado. Disseram que delegados que
são nomeados não gozam de respeito da parte dos
colegas. Muitos alunos referiram que o voto é uma
manifestação de liberdade. Alguns alunos, no Hu-
Resultados: Grupos focais com alunos
ambo, disseram que quando o delegado é eleito, se
não desempenhar bem a função, poderá ser substituído. Muitos afirmaram que o delegado eleito,
por ser da escolha da maioria, consegue manter
ordem na turma na ausência do professor. Alguns
alunos, em Malange, disseram que o voto
“Evita trocas de palavras entre os vários grupos na
sala; evita golpe de Estado e contradições e evita escolher uma pessoa errada ou incapaz”.
Contudo, foram poucos grupos que disseram que
o delegado foi eleito na prática. Um grupo em
Benguela explicou
“a melhor forma de escolher um delegado é de o eleger. O director de turma indicou o nosso delegado e
nós não gostamos”.
Numa escola, no Huambo, os alunos explicaram
que o professor nomeou o delegado sem consultar
os alunos. Disseram que, inicialmente, provocou
discórdia; mas a discórdia foi ultrapassada porque
o delegado exercia as suas funções de uma maneira
exemplar.
Um outro grupo, no Huambo, explicou que o delegado foi nomeado pela professora que justificou
a sua decisão, dizendo que ela conhece melhor os
alunos. Os alunos opinaram que:
“o delegado por nomeação goza da confiança da pessoa que o nomeou”.
Um grupo, no Huambo, disse que quando há diferenças de opinião sobre quem deverá ser o delegado de turma, a melhor solução é pôr o assunto em votação. Ao descrever o acto de eleger um
delegado, uns falaram em boletim secreto; outros
disseram que o professor coloca nomes no quadro e que os alunos votam nos nomes ao levantar
as mãos; outros grupos disseram que o professor
coloca os nomes no quadro e os alunos põem um X
em frente do candidato de sua preferência.
Os facilitadores dinamizaram uma discussão sobre o perfil de um delegado de turma no contex-
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
to da prática de democracia na escola. As funções
principais de um delegado parecem ser a manutenção de ordem na sala e a orientação dos alunos
na ausência do professor. Poucos grupos falaram
sobre a função de representar a turma e notaram-se apenas duas referências à função de “protecção
dos colegas”. As características mais discutidas,
por ordem de frequência, foram
Em dois grupos, um em Benguela e outro em Luanda, falou-se do papel de mediador entre colegas, quando houver diferenças de opinião. Muitos
alunos, em Luanda, falaram sobre a importância
de um delegado ter o sentido de justiça, defender a
igualdade e saber distinguir o certo e o errado. Um
aluno, no Huambo, opinou que “a única maneira
de ser bom delegado é ser ditador”.
a. Ser inteligente; alguns acrescentaram que o
delegado deve ser um aluno com boas notas;
Um aluno de Benguela disse que o professor deverá nomear o aluno malandro como delegado para
que este aluno ganhe juízo e responsabilidade.
b. Ser disciplinado e responsável: falaram de
ser um exemplo e ser disciplinado em termos
de vir regularmente às aulas, ser pontual e
respeitar as normas da escola. A maioria de
alunos citou “responsabilidade” como sendo
uma característica essencial de um delegado. Contudo, somente em Luanda se apresentou uma explicação sobre o significado
de “responsável”, sendo referido “não ser
influenciável, possuir autoridade e assumir as
suas decisões”;
c. Ser respeitoso e simpático, no sentido de
não desrespeitar, disparatar ou ofender os
demais colegas por ser delegado.
d. Não ser agressivo - foram referidos como
exemplos de agressão que um bom delegado deverá evitar: não bater nos colegas e não
tirar coisas do lanche, sob justificação de
castigo. No Huambo, alguns participantes
disseram que o delegado não deve “exagerar quando bater nos colegas” e não deve ter
“uma mão pesada”. Alguns alunos discutiram a necessidade de ter um delegado grande, forte e alto. A justificação foi que uma
pessoa que é grande não sofrerá pressões e
ameaças da parte de outros colegas e, eventualmente, poderá proteger os colegas mais
pequenos contra agressões praticadas por
alunos de outras turmas.
e. Bem apresentado: os alunos falaram de ser
limpo, bem vestido e ter boa higiene.
4.10 Competências para a
vida
A disciplina de Educação Moral e Cívica apresenta um conteúdo desenvolvido sobre “competências
para a vida” e a consciencialização do aluno para
que este adquira uma conduta responsável, livre
e assuma as suas responsabilidades com base nas
suas próprias decisões. Nas 6ª e 7ª classes, o conteúdo realça questões gerais de higiene e os cuidados a ter para prevenir as doenças. Os temas
associados ao exercício responsável da sexualidade
são desenvolvidos a partir da 7ª classe. Na maioria
dos grupos focais com alunos de 6ª classe surgiram discussões e recomendações sobre higiene e
a prevenção de doenças. Nota-se que os alunos
percebem que eles têm de assumir a responsabilidade para tomar conta dos seus próprios corpos.
Nas discussões com alunos da 9ª classe, as preocupações apresentadas foram relacionadas com a
sexualidade segura e responsável, a importância
de prevenir as gravidezes precoces e a responsabilidade que cada um tem de prevenir as doenças
sexualmente transmissíveis.
4.11 Fontes de informação
Quando perguntados sobre as fontes de informação para aprendizagem sobre os Direitos Humanos,
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
participantes na maioria dos grupos focais falaram
da disciplina Educação Moral e Cívica. Uns alunos
falaram de outras disciplinas onde o professor que
as lecciona aproveita determinados temas para
discutir assuntos ligados a Direitos Humanos. As
outras disciplinas mencionadas incluem “Língua
Portuguesa”, “Educação Religiosa”, “Ciências da
Natureza”, “História” e “Geografia”. Uma aluna explicou que o professor de “Educação Física”
falou sobre o direito à vida quando interveio para
resolver uma luta entre dois jogadores.
Resultados: Grupos focais com alunos
Os participantes, na maioria dos grupos focais,
falaram também da rádio e da televisão. Referiram especificamente os programas de “Hora da
Lei” na TV Zimbo, “Lei para Todos” na TPA 1, os
programas infantis como “Carrocel” e o programa infantil que passa ao Domingo na TV Zimbo.
Referiram também o ZAP Brinca, as músicas de
Yanick e as telenovelas para crianças como “Viva
as Crianças”, “Sonhos e Caramelos” e “Alegria e
Rabujus”.
Um número significativo de participantes falou
também da internet.
Um participante, em Luanda, referiu o jornal
Nova Gazeta. Houve uma referência ao livro sobre
Direitos Humanos editado pelo Mosaiko, uma referência ao Jornal Mural Escolar. Foram registadas
duas referências à OPA - Organização de Pioneiros
de Angola, ambas fora de Luanda e três referências
aos Escuteiros, também todas fora de Luanda.
Os participantes referiram ainda a Constituição
da República, a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Código Penal, o Código Civil e o
Código da Família. Também falaram da Igreja, da
catequese e da Bíblia como sendo fontes de informação sobre Direitos Humanos.
Um número significativo de alunos disse que
aprenderam sobre determinados aspectos de Direitos Humanos em casa com os seus pais. Uns explicaram que o pai, a mãe ou os irmãos mais velhos
estudam Direito ou outro curso na faculdade. Outros falaram que os pais são professores ou agentes
da Polícia. Uma aluna falou que a mãe é agente da
Polícia e falou com ela e os seus irmãos sobre os
Direitos da Criança.
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O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
5.Resultados
Entrevistas com professores
A equipa que conduziu a pesquisa entrevistou
professores que leccionam a disciplina de “Educação Moral e Cívica” em catorze escolas; concretamente em treze escolas católicas (nas quatro cidades) e uma escola pública, em Luanda.
5.1 Direitos e Deveres
Os direitos mais citados pelos professores nas
quatro províncias são o direito à vida, à educação
e à saúde. Na maioria dos grupos entrevistados,
pelo menos um professor falou da importância da
igualdade. Explicaram como o país vive desigualdades gritantes e como é importante que as crianças se sintam iguais na escola.
Os direitos mais citados pelos
professores nas quatro províncias
são o direito à vida, à educação e
à saúde. Na maioria dos grupos
entrevistados, pelo menos um
professor falou da importância da
igualdade. Explicaram como o país
vive desigualdades gritantes e como é
importante que as crianças se sintam
iguais na escola.
“…é preciso que os alunos comecem a saber que humanamente são todos iguais, embora venham de famílias diferentes” (Malange).
Na província de Huambo, os professores mostraram-se preocupados com o direito à liberdade de
expressão.
“As pessoas ainda não têm o verdadeiro sentido de liberdade de expressão; vivemos num país democrático,
mas não se faz sentir a liberdade de expressão porque
fala-se com muitas restrições e as pessoas ainda não se
sentem livres para falar”.
Alguns professores, em Luanda, falaram sobre o
direito a trabalho, dizendo que não valia a pena
estudar se não houver emprego quando terminar os estudos. No Huambo e em Malange, certos
participantes mostraram-se preocupados com o
direito à alimentação e à habitação e disseram que
é particularmente importante focar estes direitos
no meio rural. Uma professora, em Malange, no
decorrer da discussão sobre direito à habitação,
explicou a importância dos alunos compreende-
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
rem que uma casa deverá ter compartimentos, a
fim de garantir a privacidade.
Nas quatro províncias, alguns professores enfatizaram os valores de união, harmonia, amor e carinho como sendo direitos. Uns falaram que muitas
famílias vivem situações de violência doméstica
e outros disseram que é importante promover a
convivência harmoniosa na escola para criar um
melhor ambiente de aprendizagem para os alunos.
Uma professora, em Luanda, acrescentou que um
aluno poderá sentir-se seguro na escola, enquanto que ele, muitas vezes, não se sente seguro, nem
em casa, nem na comunidade.
5.2Ensinar “Educação
Moral e Cívica”
Sem excepção, os professores entrevistados são de
opinião que a disciplina de “Educação Moral e Cívica” é importante por ser a única disciplina que
procura ensinar valores para o ser humano viver
em sociedade. Opinaram que o ensino de direitos humanos e educação moral e cívica permite ao
aluno:
a. Saber e conhecer como viver os direitos e
deveres, promovendo boa convivência e
harmonia na sociedade. Um professor citou
o provérbio “de pequenino se torce o pepino”.
b. Desenvolver-se integralmente como ser humano, despertando para saber defender-se,
saber o que acontece no país, ter uma consciência crítica, ser mais aberto ao mundo e
tornar-se agente de transformação do país e
da comunidade.
c. Aprender a não discriminar e saber que os
direitos são de todos.
Um professor em Benguela disse que:
“É uma das cadeiras mais importante para os alunos
porque não adianta ser tecnicamente formado e não
saber respeitar o bem público e o próximo”.
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Resultados: entrevistas com professores
[Educação Moral e Cívica] é uma
das cadeiras mais importante para
os alunos porque não adianta ser
tecnicamente formado e não saber
respeitar o bem público e o próximo”
Professor - Benguela
Alguns professores disseram que há alunos que
trazem comportamentos errados de casa e são os
professores que têm de corrigir os mesmos comportamentos. Alguns professores disseram que
o professor tem que servir de “guia modelo” e de
exemplo para o aluno.
O maior desafio apontado por todos os professores é o tempo limitado para leccionar a disciplina.
Quando a disciplina Educação Moral e Cívica foi
introduzida a carga horária foi de três “tempos”
por semana. No processo de reforma educativa, a
carga horária passou para um único “tempo” por
semana. Vários professores disseram que a carga
horária determinada pelo Ministério da Educação
mostra que este não dá importância nenhuma a
esta disciplina.
“Tem sido banalizada por não ser de ordem técnica”
(Benguela).
Outros professores explicaram que como a disciplina é leccionada através de debates e trabalhos
em grupo, um período por semana não é suficiente para abordar todo o conteúdo dos manuais.
Disseram que os manuais foram elaborados para
corresponder a três “tempos” de aula por semana.
Um professor, em Benguela, disse que prevalecem duas falsas noções sobre o ensino de Educação
Moral e Cívica: uma é que qualquer pessoa pode
leccionar a disciplina e a segunda noção falsa é que
se trata de uma disciplina que é da competência
exclusiva de “madres e padres”.
Professores, nas quatro províncias, disseram que,
de modo geral, os professores não estão prepara-
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
dos para o sistema de monodocência que foi introduzido no processo de reforma educativa. Uma
professora, no Huambo, desabafou:
“Nas classes posteriores à 5ª classe a monodocência é
uma forma de mutilar os alunos, porque é impossível um professor saber ou ser competente em todas as
disciplinas”.
Um professor, em Malange, explicou:
“Os alunos carregam muitas debilidades por causa das debilidades dos professores. No primeiro ciclo,
os professores têm de voltar a trabalhar as questões de
base como a alfabetização”.
Outro problema, é o facto de que, para ser professor de EMC, requer-se uma preparação e formação em cultura geral que nem todos os professores
possuem. Uma professora, no Huambo, disse:
“…é preciso uma formação adicional para transmissão dos valores morais que estão no manual”.
Quando questionado sobre as fontes de material
que usam para enriquecer as aulas, a única fonte referida por todos foram os manuais de alunos.
Além dos manuais, muitos recorrem à internet.
Os professores, em Luanda, apontam maior variedade de material, quando comparados com os
professores que trabalham nas outras províncias.
Alguns professores, em Luanda, falaram de comprar livros na Livraria das Irmãs Paulinas, mencionaram os textos do IMNE-Marista e o manual
para o professor preparado pelo INIDE. Disseram
também trocar informações entre professores.
Contudo, o manual para professor não foi distribuído e a maioria dos professores, tanto em Luanda
como nas províncias, nem sabem que esse manual
existe. Alguns professores, nas quatro províncias,
afirmam ter usado a Lei Constitucional. Um grupo, no Huambo disse que usa a informação ouvida na rádio e na televisão. Alguns professores, no
Huambo e em Malange, disseram usar a Bíblia e
extractos de textos atribuídos a Santa Teresa e
Santo António.
5.3Conteúdo dos Manuais
Nas quatro províncias, os professores opinaram
que o conteúdo dos manuais é resumido; faltam
explicações coerentes e completas sobre os temas tratados e a linguagem e os conceitos são de
difícil compreensão para muitos alunos. Alguns
professores opinaram que os manuais elaborados
no processo de reforma educativa deverão trazer
quadros para explicação de vocabulário difícil,
como existiam nos manuais antigos.
Um grupo, no Huambo, afirmou que os temas são
muito interessantes tanto para o aluno como para
o professor. Contudo, julgam que o conteúdo é
muito pobre e incompleto para dar aulas a adolescentes e jovens sobre os temas previstos.
“O conteúdo de um capítulo parece esqueleto. É difícil para o professor orientar-se” (Benguela).
Alguns professores afirmaram que:
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
“A linguagem nos manuais não é bem a nossa” (Malange).
Disseram que alguns temas são tratados meramente com citações ou referências a personalidades conhecidas. Outros disseram que os manuais
focam sobre assuntos como “estar na comunidade ou na sociedade” e não sobre valores éticos para
guiar as decisões de cada um, como indivíduo.
52 |
Resultados: entrevistas com professores
Os professores, nas quatro províncias, opinaram
que é importante incluir o tema religião no sentido
de permitir que os alunos conheçam e respeitem as
diferentes religiões. Muitos professores falaram da
importância de incluir temas sobre a cultura local, a língua local e costumes locais para os alunos
aprenderem a valorizar a sua própria cultura.
Muitos alunos não possuem o seu próprio manual
porque a disciplina não é considerada como disciplina importante.
5.4Promover a Democracia
na Escola
Uma professora considera que o manual confunde
a sexualidade com a prática sexual, mas a maioria
opina que a sexualidade e as doenças sexualmente transmissíveis não são abordadas nos manuais
com a profundidade necessária e que estes não
contêm informação suficiente para responder às
dúvidas apresentadas pelos alunos. Alguns professores mostraram-se muito preocupados com a
frequência de gravidezes precoces.
Quando perguntado sobre os métodos que usam
para promover a democracia na escola, a maioria
dos professores entrevistados contribuíram com
algumas ideias. Citaram:
a. Criar debates nas turmas de forma a que
todos consigam expor as suas ideias, incentivar os participantes a respeitar as opiniões de outros colegas e promover a troca de
ideias entre colegas;
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
b. Incentivar os alunos a ler os jornais e assistir
à televisão para saber o que passa no país e
no mundo;
c. Promover o trabalho em grupo para que os
alunos aprendam a trabalhar em conjunto e
respeitem a contribuição de todos;
d. Organizar eleições para o delegado de turma. Muitos professores entrevistados falaram sobre a organização de eleições para
delegados de turma. Alguns explicaram que
orientam um processo onde os alunos seleccionam primeiro quatro candidatos; há um
debate a seguir sobre o perfil e as qualidades
de um bom delegado e depois os alunos passam à etapa de eleição;
e. Promover a participação associativa em
grupos de estudo, grupos de debate e grupos de dança;
f. Usar experiências de vida como exemplos.
Contudo, se a maioria dos professores falaram sobre a eleição do delegado da turma, a maioria dos
alunos disseram que os seus delegados de turma
não foram eleitos. Alguns professores disseram
que a visão do aluno sobre as qualidades de um
bom delegado nem sempre corresponde à visão do
professor e que o trabalho do professor é incentivar os alunos para que escolham quem irá desempenhar bem as funções.
Os alunos que participaram nos grupos focais
também falaram de debates e trabalho em grupo
como sendo exercícios de aprendizagem para viver
em democracia.
Muitos professores disseram encontrar dificuldades porque os alunos são muito críticos quando
fazem uma comparação entre os valores da democracia apresentados nos manuais e a realidade
do contexto angolano. Os professores concluíram
que os alunos não sentem o impacto da democracia na sua vida quotidiana.
Uma professora, no Huambo, disse que os alunos
hoje têm confiança para revindicar os seus direitos
na escola, nomeadamente para pedir explicações
até entenderem a matéria.
Alguns professores falaram da tensão que eles julgam existir entre os valores de democracia e liberdade e a necessidade de manter ordem na turma.
Uma professora, em Luanda, disse que:
“a disciplina de EMC é uma faca de dois gumes porque desperta os alunos e leva-os a exigir os seus direitos e deveres”.
Alguns professores testemunharam que não tem
sido fácil orientar práticas democráticas na sala de
aula porque muitos alunos fazem confusão entre
liberdade e libertinagem. Uma professora disse
que os alunos, por causa da globalização, não sabem o seu lugar e procuram enfrentar e ameaçar
os professores.
“Com estes comportamentos, nós, os professores somos obrigados a limitar a democracia na turma para
haver controlo” (Malange).
5.5Violação de Direitos e
Deveres
As escolas, na província de Luanda, aparentam ter
estruturas mais desenvolvidas para enfrentar problemas disciplinares. Os professores, em Luanda,
falaram da importância de
“Não deixar passar nenhuma violação”.
As três escolas católicas, em Luanda, onde os professores foram entrevistados, os professores afirmam encaminhar casos disciplinares graves aos
Conselhos ou Comissões Disciplinares. Nenhum
professor, em Benguela, Huambo ou Malange falou de Conselhos Disciplinares. Os professores,
duma escola em Luanda, falaram de envolver a
Assembleia de Encarregados de Educação na resolução de infracções disciplinares. Mas outra escola, em Luanda, instalou câmaras de vigilância
nas salas de aula. Na escola, onde há câmaras de
vigilância, os professores disseram que a instala-
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
ção das mesmas contribuiu a redução significativa
de problemas na sala de aulas.
Somente no caso de uma escola, em Luanda, os
professores afirmam ter um mecanismo para
manusear casos disciplinares onde o professor é
o infractor. Primeiro, procuram conversar com
o professor e, se ele não muda de atitude, é feita
uma nota disciplinar. Provavelmente, a falta de
mecanismos formais, na maioria das escolas, para
disciplinar professores contribui para a impressão
que os alunos têm de que os professores são impunes e de que a Direcção sempre os protegerá.
A maioria dos professores entrevistados, em Benguela, disseram que a situação disciplinar melhorou muito nas escolas da Província. Hoje, acontecem poucos casos e os casos são menores - como
por exemplo, casos de ofensas verbais entre alunos. Os professores disseram falar primeiro com
o aluno. Se o aluno não melhorar o seu comportamento, chamam o encarregado de educação.
Muitas vezes os encarregados não vêm à escola;
neste caso o assunto é encaminhado à Direcção da
Escola ou à Direcção Pedagógica. Os professores,
em Malange e Huambo afirmam usar os mesmos
mecanismos de correcção. Uma escola, no Huambo, falou de recorrer à Brigada Escolar em casos
graves. Os professores, em duas escolas de Malange, disseram ter expulsado alunos e os professores
numa escola, aplicam trabalhos correctivos como
castigo.
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Resultados: entrevistas com professores
5.6Recomendações feitas
pelos Professores
À semelhança dos alunos, os professores recomendaram que a carga horária para o ensino de
EMC seja aumentada e que haja maior divulgação
de direitos humanos nas Comunidades e nas Igrejas. Os professores opinam também que:
a. O conteúdo dos manuais deverá ser mais
simples e mais completo, usando explicações em rodapé ou vocabulário para palavras difíceis;
b. As bibliotecas deverão ter mais livros de
consulta, tanto para os professores como
para os alunos;
c. O programa deverá incluir a tema de religião, no sentido de conhecer e respeitar todas as religiões.
Um grupo, em Luanda, recomendou que o Mosaiko proporcionasse maior número de palestras
e seminários para professores sobre “Direitos Humanos e Cidadania”.
Um professor, em Malange, recomendou:
“… que os professores não usem o seu poder para encobrir as suas deficiências”.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
6.Análise e discussão dos
resultados
Este capítulo analisa e interpreta as informações
apresentadas nos dois capítulos anteriores.
6.1Conhecimentos sobre
Direitos Humanos
Os conhecimentos demonstrados pelos alunos
correspondem aos temas incluídos no currículo da disciplina de Educação Moral e Cívica, mas
não espelham todos os temas que fazem parte da
disciplina. Os alunos mostraram conhecimentos
mais abrangentes sobre temas como a vida familiar e sexual, educação para a prevenção rodoviária e outros acidentes domésticos, educação para a
participação social e educação para saúde.
os alunos identificaram categorias de
crianças que não estão a gozar do seu
direito à educação, nomeadamente
crianças cujos os pais são pobres e
obrigam os filhos a trabalhar, crianças
que vivem na rua e crianças com
deficiências físicas que não têm meios
para ir à escola e também escolas
que não possuem infra-estruturas
adaptadas para facilitar o acesso a
alunos com deficiência.
Os direitos previstos no programa são: direito à
igualdade, à vida, à liberdade, à participação, à
segurança, ao trabalho, à saúde, à alimentação,
ao vestuário, à habitação e à educação. Contudo
os direitos humanos que foram mais amplamente discutidos, de forma espontânea, foram direito
à vida que foi discutido pela maioria e o direito à
liberdade que foi discutido em menos de metade
dos grupos focais. Não se registaram diferenças
notórias em termos de conhecimentos e preocupações entre as alunas e os alunos.
Nas discussões realizadas sobre o direito a vida,
a maioria de alunos defende a abordagem cristã e
católica, reconhecendo que o direito à vida começa na concepção, mas descrevem casos de aborto
que ocorreram nas suas famílias e comunidades,
uma nítida dicotomia entre valores ensinados e
as práticas vividas na sociedade. Provavelmente,
a maioria dos professores que leccionam em escolas católicas partilham e promovem os ensinamentos da Igreja Católica sobre a vida e sentemse confiantes para orientar aulas sobre o tema.
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Notou-se que alguns professores disseram usar a
Bíblia como fonte de informação para enriquecer o conteúdo das aulas de “Educação Moral e
Cívica” e certos professores entrevistados afirmaram que consideram ser a responsabilidade
do professor transmitir valores morais aos alunos
porque muitos alunos vivem em famílias que não
transmitem uma boa educação aos seus filhos.
A maioria dos alunos mostraram uma consciencialização forte sobre a responsabilidade que cada
um tem para não se envolver em comportamentos de risco, um fenómeno que nos parece sugerir
uma evolução positiva quando comparado com as
crenças culturais sobre o “destino”, que facilitam
que os indivíduos não assumam para as suas próprias acções/responsabilidades. Os alunos citaram
comportamentos de risco específicos que contribuem frequentemente para acidentes, como por
exemplo, levantar as rodas de motorizadas e conduzir em estado de embriaguez.
Os alunos mostraram ter entendido as mensagens
principais sobre a sexualidade responsável, no
contexto da educação para a saúde, para prevenir
doenças e também no sentido de evitar gravidezes
precoces. Contudo, tanto alunos como professores, disseram que muitas meninas engravidam
precocemente, o que demonstra que o conhecimento em si não é suficiente para que os jovens
assumam comportamentos diferentes.
As narrativas dos alunos sobre abortos ilegais,
meninas expulsas de casa por causa da gravidez,
e a transferência obrigatória de uma aluna grávida
para a turma de noite sugerem que “o superior interesse” dos menores, tanto da adolescente grávida
como do bebé, não são tidos em conta quando as
famílias e as autoridades escolares deliberam sobre
este tipo de problema. A sociedade toleraria que as
funcionárias da escola ou as professoras grávidas
fossem obrigadas trabalhar nas turmas da noite,
apenas por estarem concebidas?
56 |
Trata-se de um claro procedimento discriminatório quando aplicado a alunas grávidas e uma
Análise e discussão dos resulatdos
violação do direito de estudar quando aplicado a
uma aluna menor de idade. Em pleno século XXI,
trata-se de uma clara discriminação com base no
género, quando as sanções são aplicadas unicamente à menina, quando o acto foi cometido por
duas pessoas - um rapaz (que, por vezes, é colega
de turma ou de escola) e por uma rapariga.
Por outro lado, sendo o aborto considerado crime
público pela legislação angolana, e sendo tão frequentes as narrativas sobre casos de aborto, como
se explica que as pessoas que fazem desta prática
criminosa uma fonte de rendimento não sejam intimadas pelo Ministério Público a responder pelo
seus crimes perante sistema de Justiça? Este é mais
um elemento que contribui para acentuar a dicotomia entre o que é legislado e ensinado e o que é
vivido.
Menos de metade dos grupos focais discutiram
o direito à liberdade com profundidade, o que
constitui uma possível indicação de que há professores que não se sentem confiantes para lidar
com o tema. Os participantes que discutiram sobre a liberdade mostraram entender que o direito
à liberdade é para todos, mas que este direito confere a responsabilidade (dever) de viver de modo
responsável e não infringir os direitos dos demais
membros da sociedade. Também mostraram possuir uma visão de viver a liberdade de uma forma
construtiva a fim de se realizarem na vida e viver
em harmonia. Foi notável, em discussões sobre vários temas, a importância que os jovens atribuem
a harmonia na família e na sociedade. Contudo,
tanto alguns alunos como professores, mostraram
alguma ansiedade em relação às consequências do
“excesso de liberdade”. Os professores temiam não
poder manter ordem na turma e os alunos receavam que pudesse haver situações de “desrespeito
ao Governo”. Estas preocupações poderão estar
associadas ao facto de a democracia participativa
ser um exercício novo para todos, tanto para os
cidadãos como para os representantes do Estado.
Além disso, a cultura tradicional promove respeito pela hierarquia; no caso de dúvida a pessoa com
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
menos poder tenderá a cumprir as orientações de
quem tem mais poder.
Foram somente alunos de dois grupos focais que
falaram da liberdade de expressão. Os que falaram sobre este tema, explicaram que a liberdade
de expressão é uma das bases do relacionamento
entre o Estado e o cidadão e facilita que o cidadão
apresente as suas ideias e opiniões às instituições
do Estado e aos governantes. Contudo, notou-se
que foram poucos os participantes que aparentam
sentir-se seguros no exercício do direito à liberdade e, especificamente, à liberdade de expressão.
Nas discussões sobre a democracia participativa,
também notamos uma preocupação que “demasiada” participação de alunos na tomada de decisão na escola ou de cidadãos na sociedade poderá
eventualmente criar “desordem”.
O direito à educação foi amplamente discutido
através de exercícios estruturados para o efeito. A
maioria dos alunos mostraram entender o carácter inalienável do direito à educação. Contudo, os
alunos identificaram categorias de crianças que
não estão a gozar do seu direito à educação, nomeadamente crianças cujos os pais são pobres e
obrigam os filhos a trabalhar, crianças que vivem
na rua e crianças com deficiências físicas que não
têm meios para ir à escola e também escolas que
não possuem infra-estruturas adaptadas para facilitar o acesso a alunos com deficiência. Os que
opinaram sobre o tema do acesso à educação disseram que é responsabilidade do Estado assegurar
que todas as crianças tenham acesso à educação.
Consoante os dados da Direcção Nacional para
o Ensino Especial há dezassete escolas de ensino
especial no país e mais seiscentas escolas normais
onde são matriculadas crianças com necessidades
educativas especiais. Com a excepção de duas escolas em Luanda - a Escola Oscar Ribas que é especializada em ensino para crianças cegas e o
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Complexo Escolar de Rangel que é especializado no ensino para crianças surdas e crianças com
deficiências mentais -, todas as outras escolas especiais atendem crianças com todos os tipos de
deficiência. A política do Ministério de Educação
é potenciar as escolas regulares para que se tornem inclusivas no sentido de não discriminar em
termos de infra-estrutura física nem em termos
de atitudes da parte dos professores. Contudo, as
informações prestadas pelos alunos indicam que
continuam a existir professores e escolas que ostentam condições e atitudes discriminatórias em
relação a crianças com deficiência.
Em termos de trabalho infantil, as opiniões dos
alunos correspondem às informações de IBEP
2008-09 que apontou para 36.5% de crianças
entre os 5 e os 14 anos que vivem em zonas rurais
realizam trabalho infantil, o que implica que estas
crianças matriculadas estão regularmente ausentes da sala de aula, prejudicando o seu desempenho escolar.
Os alunos participantes neste estudo explicaram
com clareza as responsabilidades dos pais e tutores
para matricular e acompanhar os estudos dos filhos. Os jovens participantes incluíram nas tarefas
dos pais, a responsabilidade de amar e dar apoio
moral aos filhos. De novo, foi notável a importância atribuída pelos jovens à paz e harmonia dentro
de família. Os jovens foram também claros quando
citaram as responsabilidades do aluno, quer para
trabalhar e valorizar os seus estudos, quer para
contribuir para o bem-estar na escola, não perturbando as aulas, não danificando o património
da escola e não ofendendo ou insultando os demais
colegas.
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Os jovens defenderam a importância da educação
em duas vertentes, a vertente individual e a vertente da sociedade. Primeiro, disseram que é através da educação que vão poder adquirir as competências e conhecimentos para terem uma profissão
e serem independentes. Alguns acrescentaram que
a profissão e o emprego os dotarão de meios para
Análise e discussão dos resulatdos
Muitos [alunos] focaram o aspecto da
mobilidade social, no sentido que é a
educação que permitirá que eles - e
as suas famílias - saiam da pobreza e
melhorem as suas condições sociais.
tomar conta dos seus pais quando forem velhos.
Muitos focaram o aspecto da mobilidade social,
no sentido que é a educação que permitirá que eles
- e as suas famílias - saiam da pobreza e melhorem
as suas condições sociais. Disseram que a educação é o motor do desenvolvimento do país e que
sem educação não haverá engenheiros para construir prédios, estradas e pontes. Alguns alunos realçaram a importância da qualidade no sistema de
educação e falaram que uma educação de péssima
qualidade não contribuirá para o desenvolvimento
do país. Contudo, alguns professores mostraram-se preocupados com a falta de emprego, dizendo que o investimento do Estado e o esforço dos
alunos não terá efeito se o alunos não encontrarem
emprego quando terminarem os seus estudos. Estas preocupações realçam a importância de iniciar
uma monitoria contínua de taxa de sucesso em
termos de inserção no mercado de trabalho, mediante o curso concluído, após a formação média
profissional e a formação universitária. No futuro,
um número crescente de jovens formados e desempregados constituirá um possível foco de instabilidade para o país.
6.2Prática e Defesa dos
Direitos Humanos
Tanto os alunos como os professores opinaram que
o ensino de Direitos Humanos é para o bem da sociedade e mostraram atitudes positivas em relação
à defesa de Direitos Humanos. Também demonstram a consciência do que é justo ou injusto. Contudo, não descrevem acções e comportamentos de
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
defesa de direitos na vida quotidiana, como, por
exemplo, o recurso a instituições como os Tribunais, a Procuradoria ou a Provedoria de Justiça,
mesmo se o estudo foi realizado em centros urbanos onde há acesso ao sistema de Justiça formal.
A pesquisa realizada pelo Mosaiko, em 2012, sobre “Acesso à Justiça fora dos grandes centros urbanos” sugeriu que um dos maiores impedimentos
ao recurso à Justiça é que os serviços não existem
fora dos centros urbanos. Contudo, neste caso, é
possível que os constrangimentos incluam a falta
de conhecimento sobre o funcionamento dos órgãos oficiais de administração da Justiça e a falta
de experiências positivas comprovadas no recurso
aos mesmos órgãos. Deste modo, o gozo do direito
não é efectivado por não se recorrer a uma instância de protecção do direito.
Os abusos de direitos mais descritos pelos alunos
foram casos e experiências de violência na família,
violência na escola e violência na comunidade em
geral. Ambos os sexos afirmaram que há crianças
que saem de suas casas em consequência de maus-tratos por parte dos pais e que muitas mulheres
abusadas pelos maridos sofrem em silêncio por
medo dos maridos e por não terem onde se refugiarem em segurança.
Não é possível opinar se os níveis de violência
narrados pelos participantes representam um fenómeno novo, resultado de uma desestruturação
das famílias em consequência da guerra e de um
processo de “modernização” acelerado ou se este
tipo de violência já existia, mas só agora é que as
pessoas ganharam a consciência que não é aceitável serem sujeitas a violência.
Muitos jovens realçaram que o abuso de álcool
contribui para a violência doméstica nas comunidades onde vivem. Quando questionados, os jovens sugeriram algumas acções de recurso, como
por exemplo, recorrer ao INAC ou à OMA, mas,
na realidade, a maioria das vítimas de violência
nas histórias contadas por eles não são protegidas
e os jovens parecem não alimentar a expectativa de
que os problemas sejam solucionados. Provavelmente, são poucos os menores que recorreriam a
uma instituição pública ou à OMA sem o apoio de
um adulto. É também difícil, em todas as culturas,
que uma criança se queixe do comportamento de
alguém da sua própria família. No caso das mulheres que são violentadas pelos maridos, os jovens
disseram com clareza que estas sofrem em silêncio
por terem medo do marido e por não ter onde refugiar-se em segurança, numa clara indicação de
que o recurso só é uma opção válida quando está
associado à segurança da vítima. No estudo “Acesso
a Justiça fora dos grandes centros urbanos” realizado
em 2012 pelo Mosaiko, 53% dos inquiridos opinaram que o comportamento correcto para uma
mulher que é batida pelo marido é conformar-se;
35% opinaram que o comportamento correcto é
resolver o assunto dentro de família. Este estudo
realizado com adolescentes sugere que a violência
doméstica é comum e os dois estudos demonstram
que, apesar da legislação em vigor, as vítimas de
violência doméstica não recorrem às entidades
estabelecidas para reclamar a protecção dos seus
direitos. Parecem existir e persistir vários factores que contribuem para esta situação. Tanto as
vítimas como as famílias pensam que a violência
doméstica é apenas um assunto interno da família. Os mecanismos de recurso formal, como os
Tribunais poderão ser fisicamente acessíveis, mas
é possível que as vítimas julguem que o processo
de exercício de direito é demasiado complexo e
burocratizado para constituir uma opção válida.
Também não existem mecanismos anónimos de
queixa e, na prática, não há garantia de segurança
física para a parte queixosa. Contudo, estes dois
estudos reforçam a urgência de operacionalizar os
mecanismos de recurso e a necessidade de educar
a população sobre o funcionamento das instituições judiciais estabelecidas por Lei.
Os participantes nas províncias de Benguela, Luanda e Malange contaram casos de violação sexual. Num caso, a vítima foi assassinada e o caso foi
encaminhado à Polícia. Contudo, parece que nem
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
todos os casos de violência sexual são encaminhados para a Polícia, particularmente se não houver
vítimas mortais. Um grupo, em Malange, descreveu o caso de um jovem que cometeu várias vezes
o crime de violação, mas que é sempre posto em
liberdade pela Polícia. Supomos que se trata de um
menor que, pela Lei do Julgado de Menores, não
poderá ser detido em serviços prisionais. Contudo, a comunidade concluiu que o perpetrador fica
impune devido a actos de corrupção, enquanto
o problema é, provavelmente, que os serviços de
Justiça Juvenil não funcionam fora de Luanda e os
Tribunais e a Polícia não possuem os meios para
implementarem as sanções previstas pela Lei de
Julgado de Menores. Contudo, os participantes
tiveram maior tendência para opinar que o individuo tem a responsabilidade principal de evitar situações de violência na comunidade e foram poucos que apontaram a responsabilidade do Estado
para garantir a segurança do cidadão.
Por outro lado, os alunos que identificaram opções de recurso não distinguiram entre os programas de aconselhamento oferecidos por uma organização partidária como a OMA e os serviços de
entidades do Estado como a “Família e Promoção
da Mulher” e as instituições de defesa de direitos
humanos estabelecidas pela Lei.
Na maioria dos grupos realizados, os participantes relataram casos de violência no recinto escolar.
A maioria dos casos descritos foram de natureza
menor, como o roubo de lápis, cadernos e outras
coisas de uso de rotina na escola, brigas e agressão
entre colegas e destruição de património da escola
por escrever nas paredes e nos bancos. Os professores realçaram que é importante que a escola seja
um lugar seguro para os alunos e estes, tanto da 6ª
como da 9ª classe, também se mostraram preocupados com a sua segurança física.
60 |
Quando questionados sobre as acções desencadeadas no caso de infracções disciplinares, a maioria
dos alunos participantes nos grupos focais disseram recorrer ao delegado de turma e a seguir ao
Análise e discussão dos resulatdos
professor. Nenhum aluno falou da intervenção
de uma Comissão Disciplinar. Todos professores
entrevistados em Luanda falaram de recurso ao
Conselho Disciplinar e nenhum professor entrevistado fora de Luanda fez menção a um Conselho
Disciplinar ou outro mecanismo institucional de
gestão de processos disciplinares. Numa única escola, em Luanda, os professores descreveram um
mecanismo formal para gestão de infracções cometidas por um professor.
A maioria das escolas que fizeram parte do estudo
parecem não ter um mecanismo formal, institucional e transparente para a gestão de infracções
disciplinares praticadas por alunos ou por professores. Como resultado, os alunos vivem uma
experiência que eles sentem como um exercício
arbitrário de autoridade e poder, reforçando a dicotomia entre a visão da sociedade apresentada
nos manuais de Educação Moral e Cívica e a realidade encontrada na vida quotidiana.
6.3 A escola como oficina
de democracia
Na visão do Mosaiko | Instituto para a Cidadania,
o ensino dos Direitos Humanos, que são consagrados na Lei, passa pelos desafios de promoção e
defesa dos Direitos Humanos no contexto da vida
concreta.
A disciplina de “Educação Moral e Cívica” introduz
o tema da democracia e do exercício de democracia
na escola a partir da 7ª classe. Contudo, a maioria
dos alunos apresentou um conceito de democracia
reduzido à acção de votar. No decorrer das discussões, parecem considerar a eleição de um líder do
governo com o mesmo nível de importância como
as eleições de estrelas de futebol e da moda. Não foi
possível esclarecer as causas desta banalização das
eleições no quadro da governação do Estado, mas
é possível que esteja associada à experiência de que
os governantes estão distantes e não são acessíveis,
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
enquanto que a mediatização das estrelas da moda
e do futebol torna estas figuras mais presentes na
vida dos jovens.
Os poucos alunos que falaram de acções para os
jovens contribuírem para a prática e o fortalecimento da democracia, recomendaram:
 Lutar para que a democracia seja exercida;
 Participar na mudança de mentalidades;
 Estar informados;
 Melhorar a aplicação dos Direitos Humanos
na escola e na comunidade.
Estas preocupações indicam que os poucos alunos que estão sensibilizados sobre a importância
da democracia não julgam que esta esteja a ser
actualmente exercida na comunidade e na escola. Contudo, a maioria dos participantes não se
mostrou preocupado ou informado sobre o que é
o Estado Democrático. Isto é provavelmente mais
uma indicação de que há temas da disciplina de
“Educação Moral e Cívica” que muitos professores
não se sentem confiantes e suficientemente informados para leccionar.
A equipa de pesquisa procurou investigar a prática
da democracia na escola questionando os alunos
e os professores sobre a escolha dos delegados de
turma e a participação dos alunos na elaboração
ou validação de regulamentos nas escolas, dois dos
temas abordados nos manuais para alunos da disciplina de “Educação Moral e Cívica”. Os alunos,
nas quatro províncias, explicaram que os alunos
têm o direito de votar para eleger um delegado de
turma e que, nesse caso, a pessoa eleita sabe que
ganhou honrosamente e os demais não podem reclamar ou recusar a autoridade do delegado. Dis-
| 61
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
seram que os delegados que são nomeados não
gozam de respeito por parte dos colegas. Muitos
alunos referiram que o voto é uma manifestação
de liberdade. Alguns alunos, no Huambo, disseram que quando o delegado é eleito, se não desempenhar bem a função, poderá ser substituído. Contudo, foram poucos os grupos de alunos
que disseram que o seu delegado de turma tinha
sido eleito na prática, enquanto que a maioria dos
professores que foram entrevistados falou sobre a
eleição do delegado de turma como um exercício
de democracia que eles promovem na sala de aula.
Os mesmos professores descreverem com clareza
as etapas num processo educativo de realizar eleições. O que poderá estar a acontecer é que os professores de Educação Moral e Cívica estejam sensibilizados para o exercício da democracia na escola
e os professores de outras disciplinas não estejam
consciencializados para tal, tendo maior tendência para nomear um delegado de turma. Contudo, mesmo alguns professores de EMC que foram
entrevistados mostraram uma ambivalência em
relação à prática da democracia participativa na
escola afirmando que o “excesso” de democracia
poderá perturbar a ordem na turma.
Num estudo realizado no Brasil pela Universidade
Federal de Alagoas, 58% dos professores achavam
ser desnecessário ensinar direitos humanos na sala
de aula e 45% mostraram franca desconfiança a
uma proposta de ensino de direitos humanos na escola. Os professores entrevistados por este estudo,
pelo contrário, mostraram atitudes positivas em
relação ao ensino de Direitos Humanos. Contudo,
além da ansiedade referida em termos de poder
manter a ordem na turma, os professores disseram
que os valores democráticos apresentados nos manuais não são respeitados no contexto de Angola.
Na opinião deles, com esta dicotomia entre os valores ensinados e a realidade da vida torna-se difícil gerir as críticas dos alunos quando estes apresentam casos de flagrante abuso de direitos que
acontecem nas comunidades e não são punidos.
62 |
Análise e discussão dos resulatdos
A equipa de pesquisa questionou os alunos sobre
o perfil do delegado da turma num exercício que
procurou obter a visão dos alunos sobre as qualidades necessárias para ser bom líder. As discussões
mostraram que a tarefa principal de um delegado
é manter ordem na turma na ausência do professor e, na prática, os delegados têm muito pouca ou
mesmo nenhuma responsabilidade representativa.
A diferença vivida entre o discurso e a prática de
valores democráticos na sociedade é uma questão
mais ampla do que o ensino de EMC. Os principais
desafios que a questão levanta para o ensino de Direitos Humanos na escola são:
a. Que a sensibilização dos alunos para violações de Direitos Humanos demostra uma
situação em que os jovens estão melhor informados e mais dispostos a associar conhecimento e acção, quando comparados com a
sociedade no seu conjunto.
b. Que os alunos tenham confiança em si mesmos e nos professores para trazerem as suas
preocupações para a sala de aula. É provável
que os alunos exprimam as suas críticas e as
suas dúvidas antes de mais com os professores na sala de aula.
A aparente confiança que os alunos demostram no
sistema de educação, torna o ensino geral como a
plataforma mais indicada para o ensino de Direitos Humanos aos jovens e reforça a importância de
assegurar a preparação adequada dos professores
em matéria de Direitos Humanos. Contudo, parece existir uma necessidade de desenhar intervenções educativas para os adultos, tanto sobre o papel dos pais e tutores dentro da família como sobre
o papel dos professores. Ensinar valores aos jovens
quando os mesmos valores não são praticados por
as entidades de influência próxima nas suas vidas,
como os professores e os líderes na Igreja cria um
ambiente onde o jovem é levado a pensar que os
valores e a ética ensinados são meramente teóricos
e não se adaptam ao seu contexto. Como é comum
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
dizer-se em Angola, é apenas “para o Inglês ver”.
A timidez e o desconforto expresso pelos professores quando discutiam o tema da democracia
participativa pode revelar dois possíveis cenários
de vida. Um primeiro, pode ser o medo de serem
conotados como “da oposição” e temer represálias,
o que na experiência do Mosaiko constitui um sério desafio para muitos actores sociais, sobretudo
se são funcionários públicos. O segundo cenário, é
que os próprios professores disseram não se sentir
adequadamente preparados para leccionar os temas de Direitos Humanos e outros temas incluídos nos manuais de EMC.
6.4Ensino de Educação
Moral e Cívica e Direitos Humanos
A Educação Moral e Cívica é uma disciplina cuja
aprendizagem incide principalmente no domínio
de atitudes e na interiorização de valores numa
abordagem integral e multidisciplinar. O propósito principal é formar o cidadão para que se in-
tegre na sociedade e consciencializar a pessoa para
que esta adquira uma conduta responsável, livre
e assuma as suas responsabilidades com base nas
suas diversas decisões. Vários professores opinaram que o actual conteúdo curricular enfatiza
a componente integração na sociedade e não dá
destaque suficiente à conduta ética do indivíduo
quando toma decisões.
A implementação do ensino pressupõe o aprofundamento do estudo de distintos aspectos imprescindíveis para a formação do cidadão. O conjunto
de temas que fazem parte da disciplina de “Educação Moral e Cívica” incluem a educação sobre ética,
valores cívicos e patrióticos, vida familiar e sexual, a Constituição de Angola e outras convenções,
educação ambiental, educação para a prevenção
rodoviária, educação para a participação social e
política, Direitos Humanos e educação para saúde.
A partir da 5ª e 6ª classe os assuntos relacionados
com os Direitos Humanos começam a ser tratados
como matéria de Direitos Humanos duma forma
transversal. Na 7ª classe, a ênfase do programa é a
reconciliação nacional e o facto de pertencer a um
país, independentemente da origem étnica e das
convicções políticas ou religiosas. Na 8ª classe, os
| 63
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
alunos devem aprender a expressar as suas ideias,
sentimentos e a demonstrar comportamentos assertivos e desejáveis em relação à cidadania. Na 9ª
classe, o foco é colocado na cidadania responsável
e na democracia representativa.
O conteúdo do programa apresentado no manual do aluno segue um modelo aberto e aponta
sugestões para exercícios de aprendizagem. Este
foi o primeiro constrangimento identificado pelos professores que explicaram que a abordagem
do programa requer que os trabalhos sejam feitos
em grupo, através de debates e pesquisas e que o
tempo disponível para a disciplina não é adequado para abordar com seriedade os temas
previstos.
O segundo desafio identificado pelos professores é que os temas e a matéria são interessantes e
importantes tanto para os professores como para
os alunos, mas o conteúdo é muito abrangente
e multi-disciplinar tornando-se muito difícil
um professor ter a preparação adequada para
leccionar toda a matéria. Vários professores
acrescentaram que de modo geral não foram preparados para ensinar em regime de monodocência. Um informante chave explicou que, no sector
público de educação, não há uma formação curricular para professores de EMC. Na falta de opção
melhor, os professores de língua portuguesa e língua inglesa no ensino público são informalmente
considerados aptos para ensinar EMC. Os professores entrevistados para esta pesquisa disseram
que existem situações onde qualquer professor é
considerado apto para ensinar EMC.
64 |
Existem em Angola oito institutos médios associados a Igreja Católica que leccionam um “Curso
Médio de Educação Moral e Cívica”. Os cursos de
educação a nível médio e superior em outras instituições de Estado ou privados não oferecem nem
um curso nem a disciplina de direitos humanos ou
educação moral e cívica. O Ministério de Educação não elaborou um conteúdo curricular para o
curso de professor em EMC, ao contrário do que
foi feito para todas outras disciplinas. O ICRA
submeteu uma proposta curricular para a disciplina de “Educação Moral e Cívica” ao INIDE.
Esta proposta foi bem recebida, mas não mereceu
ainda uma apreciação formal da parte do Ministério de Educação.
O terceiro desafio apontado pelos professores é a
falta de material de apoio para preparar as aulas. A única fonte que todos os professores entrevistados disseram usar foi o manual do aluno. Mas
como já foi referido, este manual foi organizado
num modelo aberto e indicativo baseado na premissa que o professor terá acesso a outras fontes
compreensivas sobre os temas propostos. Muitos
professores recorrem à internet e somente alguns
professores, em Luanda, disseram ter conseguido o “Guia de Direitos Humanos” elaborado pelo
INIDE ou o “Manual de Ferramentas Didácticas
para os Direitos Humanos” elaborado pela Editora
Dom Bosco - Angola. A equipa de pesquisa também identificou mais um manual em língua portuguesa, “Siniko - Para uma Cultura de Direitos
Humanos em Africa” - elaborado pela Amnistia
Internacional.
Ao longo dos anos 1999 a 2001, o Ministério de
Educação promoveu uma formação para professores em Educação Cívica e Democrática nas províncias de Benguela, Huila e Luanda. Contudo,
mesmo que o material relevante de apoio ao professor exista, não há um programa contínuo para
distribuir os materiais existentes aos professores e
não há um programa de formação contínua para
os professores que ensinam a disciplina de “Educação Moral e Cívica”.
Tanto professores, como certos informantes-chave do Ministério da Educação, das escolas católicas
e outros actores sociais opinam todos que o conteúdo programático da disciplina de “Educação
Moral e Cívica” é importante. Não houve nenhuma voz que sugerisse que algum tema seja retirado do programa, mas todos sugeriram, de modo
geral, que a carga horária seja aumentada, que o
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
material de apoio para o professor seja melhorado e mais acessível e que haja programas, seminários e formação “em serviço” para os professores
que leccionam a disciplina de EMC, recorrendo a
instituições especializadas nos componentes diferentes do programa curricular.
O Mosaiko é também de opinião que a escola oferece inúmeras oportunidades para promover uma
aprendizagem democrática na vida dos jovens e que
estas deverão ser optimizadas através, por exemplo, da participação na elaboração e validação de
regulamentos escolares, na promoção de eleições
para delegados de turma e conselhos disciplinares
que funcionem de maneira rigorosa e transparente. Julgamos que, além de desenhar uma formação
curricular específica para professores de EMC,
todos os professores do ensino geral, no contexto
de seu papel, como formadores de jovens, deverão
merecer uma formação em Direitos Humanos e
em outros temas incluídos na disciplina de “Educação Moral e Cívica”.
Alguns professores e informantes-chave propuseram a introdução do tema “religião”, não no
sentido de ensinar os princípios de uma confissão
religiosa, mas de orientar os alunos para perceber
a importância de religião na vida do ser humano,
do fenómeno religioso na vida das sociedades e
conhecer a história das principais religiões mundiais.
5.5Fontes de informação
A fonte de informação sobre Direitos Humanos
mais citada pelos alunos é a escola e a televisão, o
que corresponde aos resultados da pesquisa realizada pelo Mosaiko, em 2012, sobre “O acesso à
Justiça fora dos Grande Centros Urbanos”, onde as
duas fontes sobre Direitos Humanos mais citadas
por jovens menores de 30 anos foram os meios de
comunicação social e a escola. Contudo, um número significativo de alunos dizem ter ouvido falar
sobre Direitos Humanos aos seus pais. Em todos
casos referidos, os pais estudavam numa universidade ou já eram licenciados.
Por outro lado, a maioria dos professores dizem
usar regularmente a internet. Estas informações
parecem indicar que os dois canais mais indicados
| 65
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
para educar os jovens são a escola e a televisão e
existe uma oportunidade de desenvolver programas de apoio para os professores disponíveis na
internet.
6.6Oportunidade para
Igreja Católica
O estudo não procurou analisar a parceria entre o
Ministério de Educação e a Igreja Católica. Contudo, no decorrer das entrevistas surgiram várias
informações que julgamos relevantes. A maioria
de informantes-chave considerou que as oportunidades oferecidas pelo Protocolo entre o Estado e
a Igreja católica estão sub-aproveitadas por parte
da Igreja católica. Um informante chave disse:
“A Igreja Católica não está a aproveitar o protocolo por causa de certas (ou aparentes) desorganizações
que se manifestam na variedade de vozes ou de responsáveis, onde cada um procura satisfazer os interesses da sua congregação”.
A expectativa apresentada por algumas informantes-chave, tanto funcionários do Estado como
actores no sector de Educação dentro da própria
Igreja católica destacam o papel da Igreja como
66 |
potencial líder na área da Educação. As sugestões
apresentadas incluem que as escolas católicas:
a. Se organizem de uma forma mais colegial
com base num programa bem definido,
b. Aproveitem o espaço disponibilizado pelo
protocolo com o Ministério da Educação
para incluírem novos conteúdos e melhorar
o conteúdo e os métodos de ensino para os
programas existentes, nomeadamente na
disciplina de Educação Moral e Cívica.
c. Promovam trocas de experiências com base
em boas práticas.
d. Abracem as oportunidades oferecidas nas
ZIP - Zonas de Influência Pedagógica para
contribuírem a melhoria de qualidade de
ensino em Angola.
A equipa de pesquisa destaca também o programa
de Escolas Amigas de Criança que foi adoptado pelo
Ministério de Educação em Angola, liderado pela
Direcção de Ensino Geral, em 2008. Este programa oferece ferramentas para melhorar a qualidade
de ensino e a experiencia escolar através de pequenas acções baseadas em direitos, academicamente
eficiente, sensível ao género, segura, protectora e
saudável, contando com a participação dos pais e
encarregados de educação e da comunidade.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
7. Principais conclusões
7.1Conhecimentos sobre
Direitos Humanos
As discussões realizadas com os
alunos demonstram que eles têm
conhecimentos sobre determinados
temas que fazem parte do programa
de Educação Moral e Cívica, mas
os conhecimentos sobre os Direitos
Humanos são limitados. Não
entendem que o fundamento dos
Direitos Humanos é a dignidade do
ser humano que vive em liberdade e
igualdade.
1. As discussões realizadas com os alunos demonstram que eles têm conhecimentos sobre determinados temas que fazem parte do
programa de Educação Moral e Cívica, mas os
conhecimentos sobre os direitos humanos são
limitados. Não entendem que o fundamento dos Direitos Humanos é a dignidade do ser
humano que vive em liberdade e igualdade.
Muitos percebem que os direitos humanos são
universais, mas menos de metade dos alunos
entrevistados demonstraram entender que os
Direitos Humanos são inalienáveis, indivisíveis
e interdependentes. Não se notaram diferenças
significativas em termos de conhecimentos e
preocupações entre as alunas os alunos.
2. Os participantes mostraram ter pouco conhecimentos sobre os Tratados Internacionais que
foram ratificados por Angola. Alguns participantes recomendaram que sejam criadas instituições de Estado para proteger os Direitos
Humanos - que possam ser accionadas em
casos de abusos -, não demonstrando ter conhecimento sobre as instituições do Estado em
Angola, que têm a responsabilidade institucional para promover a defesa dos direitos do cidadão como a o Ministério da Justiça e Direitos
Humanos, o Provedor de Justiça e a X Comissão
da Assembleia Nacional. Poucos participantes
recomendaram recorrer à Procuradoria ou aos
Tribunais no caso de uma violação de direitos.
3. As fontes de informação sobre Direitos Humanos mais citadas pelos alunos foram os manuais
de “Educação Moral e Cívica” e a televisão.
| 67
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
7.2Prática e Defesa de
Direitos Humanos
1. O conceito de democracia demonstrado pelos
alunos tende a ser restrito ao acto de eleger ou
votar. Os participantes mostraram pouco entendimento das obrigações do Estado democrático na protecção dos Direitos Humanos.
Nenhum participante mencionou que os Direitos estão consagrados na Constituição da República e foram poucos os que entendem que os
direitos são protegidos pela lei. Os alunos que
participaram no estudo contaram muitos casos de violação de direitos que ocorrem dentro
das famílias ou na comunidade. Todavia, foram
poucos os casos que foram encaminhados a entidades de recurso e os que foram encaminhados não encontraram uma solução considerada
justa pelos participantes.
Os alunos que participaram no estudo
contaram muitos casos de violação
de direitos que ocorrem dentro das
famílias ou na comunidade. Todavia,
foram poucos os casos que foram
encaminhados a entidades de recurso
e os que foram encaminhados não
encontraram uma solução considerada
justa pelos participantes.
68 |
2. A prática da democracia na escola é abordada nos manuais de EMC através dos temas de
eleição do delegado de turma e de participação
dos alunos na elaboração de regulamentos na
sala de aulas e na escola. Os alunos defenderam
e justificaram a eleição do delegado de turma
como sendo a melhor maneira de escolher um
líder, mas, na realidade, os delegados não foram eleitos na maioria das turmas entrevistadas. Poucas escolas têm regulamentos afixados
Principais conclusões
em lugar público e os alunos, apenas em duas
escolas, disseram ter participado na elaboração
ou numa discussão sobre regulamentos existentes.
3. São poucas as escolas que possuem Conselhos
Disciplinares formais e que agem de modo
transparente. A maioria das escolas não tem
mecanismos formais para lidar com infracções
cometidas por professores.
4. A prática comum de transferir as alunas grávidas para estudar no horário nocturno constitui
uma violação de direito das raparigas estudarem em pé de igualdade como qualquer outro
aluno, e é nociva, em muitos casos, para as duas
crianças – a mãe e o bebé - menores de idade,
constituindo uma prática discriminatória com
base no género, pois se o pai da criança for um
colega de turma ou de escola, ele continua geralmente a estudar no período diurno.
5. Muitos professores mostraram-se ambivalentes em relação à prática da democracia participativa na escola, afirmando que “o excesso de
democracia” poderá perturbar a ordem na turma.
6. Tanto os professores como os alunos disseram
que os valores democráticos apresentados nos
manuais não são respeitados no contexto de
Angola. Os professores afirmaram ter dificuldades para gerir as críticas dos alunos quando
estes apresentam casos de flagrante abuso de
direitos que acontecem nas comunidades e que
não são punidos.
7.3Ensino de Direitos
Humanos
1. A carga horária de um “tempo” por semana é
insuficiente para leccionar os temas previstos no programa de Educação Moral e Cívica.
Nenhuma escola incluída na pesquisa usou a
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
prerrogativa prevista no acordo entre a Igreja
Católica e o Ministério de Educação para aumentar a carga horária.
2. Os professores entrevistados, sem excepção,
consideram que o conteúdo dos manuais de
alunos é indicativo. Julgam que a informação é
incompleta e insuficiente para leccionar os temas previstos.
3. O INIDE - Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação elaborou,
em 2012, um “Guia de Direitos Humanos para
o Professor do Ensino Pré-escolar e Primário” e
a Dom Bosco Editora publicou um “Manual
de Ferramentas Didácticas para Professores”. A
maioria dos professores entrevistados não tem
conhecimento da existência destes manuais.
Todos professores dizem usar os manuais de
aluno como fonte de informação sobre direitos
humanos e a maioria recorre também à internet.
4. A maioria dos professores considerou que não
possui uma formação apropriada para leccionar EMC e disseram que, no contexto actual de
Angola, eles não estão preparados para leccionar em regime de monodocência.
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MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
7.4Violência Doméstica
Tanto os professores como os alunos testemunham
uma elevada prevalência de violência doméstica
nas famílias e na comunidade. Nenhuma das vítimas nos casos contados exerceu o seu direito de
recorrer ao sistema de Justiça. Também não optaram por usar os serviços de aconselhamento ou
recurso às Direcções Provinciais ou Delegações
Municipais da Família e Promoção da Mulher, do
INAC ou outras organizações que intervêm neste campo como a OMA - Organização da Mulher
Angolana ou a PMA - Plataforma Mulheres em
Acção.
70 |
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
8. Recomendações
A partir das conclusões apresentadas, o Mosaiko
| Instituto para a Cidadania considera pertinentes
as seguintes recomendações:
8.1Melhorar o ensino de
Direitos Humanos
Este primeiro grupo de recomendações visa reforçar e melhorar o ensino do actual conteúdo da
disciplina de Educação Moral e Cívica.
Ao Ministério de Educação:
Tanto os professores como os alunos
apontaram a dicotomia que existem
entre os valores de direitos humanos
e democracia participativa que são
ensinados na disciplina Educação
Moral e Cívica e aquilo que é vivido
na sociedade. O Mosaiko considera
que a melhor maneira de enfrentar
esta realidade no contexto de Angola
é assegurar que, pelo menos, a
experiência vivida pela criança na
escola seja exemplar em termos da
prática de cidadania e democracia
participativa.
Tendo em conta que o ensino geral nos ciclos primário e secundário desempenha um papel decisivo na aquisição de informação sobre direitos humanos e na aquisição de atitudes e competências
para exercer os direitos com segurança e confiança
dentro da sociedade, recomenda-se:
w Promover a distribuição ampla de material
existente de apoio para professores sobre o
ensino de direitos humanos, tanto em forma de livro como através da internet;
w Criar módulos e programas de formação
para a disciplina “Educação Moral e Cívica”
que tenham um caracter obrigatório na formação de todos os professores que leccionam em regime de monodocência;
w Criar módulos e programas de formação
para a disciplina “Educação Moral e Cívica”
para serem incorporados nos programas de
formação contínua dos professores da disciplina;
w Seleccionar conteúdos do programa de
EMC – que têm a ver com o exercício de direitos e deveres na escola e na sociedade – e
incluí-los na formação contínua de todos os
professores.
| 71
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
w Aumentar a carga horária da disciplina de
EMC de modo a que o tempo de leccionação
seja adequado à extensão e importância dos
conteúdos leccionados;
w Criar ao nível do IMNE, nas escolas públicas, uma formação específica para professores de EMC;
w Criar ao nível do ISCED cursos de formação
superior que preparem os estudantes especificamente para leccionar a disciplina de
EMC;
w Estender a disciplina de EMC ao 2º ciclo do
ensino secundário com conteúdos adequados ao desenvolvimento pessoal e social dos
alunos nesta etapa de formação académica;
w Introduzir no programa da disciplina de
EMC um item relativa ao estudo da religião
numa vertente não-confessional, que permita a todos os alunos, independentemente
das suas opções religiosas, compreender a
importância do fenómeno religioso na vida
das pessoas e das sociedades e conhecer a
história e os principais elementos das principais religiões praticadas no mundo.
Aos Professores de Educação Moral
e Cívica
Recomenda-se que os Professores de Educação
Moral e Cívica:
w Procurem obter e utilizar os manuais de
apoio disponibilizados pelo Ministério da
Educação e pela Editora Dom Bosco;
w Solicitem às organizações da sociedade civil
materiais de apoio sobre Direitos Humanos
e outros temas do curriculum de EMC;
72 |
w Promovam visitas de estudo tanto às instituições ligadas à promoção dos Direitos
Humanos como às instituições de recurso
em caso de violação destes Direitos como a
Polícia, a Provedoria, a Procuradoria, o Tribunal e o INAC.
À Associação das Escolas Católicas:
Na perspectiva de promover a participação informada dos alunos na promoção de justiça social,
recomenda-se:
w Aproveitar o convénio com o Ministério da
Educação para aumentar o tempo lectivo da
disciplina de EMC;
w Distinguir entre os tempos lectivos e os
conteúdos de “Educação Moral e Cívica” e
de “Religião Católica”;
w Elaborar um programa para melhorar o
ensino de “Educação Moral e Cívica” nas
Escolas católicas, produzindo materiais de
apoio para todos os itens do programa e
assegurando-se que os professores usam o
material disponível;
w Participar activamente na criação e operacionalização das ZIP - Zonas de Influência
Pedagógica para melhorar o conteúdo e a
prática de ensino da disciplina “Educação
Moral e Cívica” com destaque para os direitos humanos e a democracia participativa.
Às organizações da sociedade civil
Recomenda-se que as organizações da sociedade
civil:
w Interajam com os professores de EMC,
dando a conhecer o seu trabalho, quando tal
seja adequado aos temas da disciplina;
w Disponibilizem os materiais produzidos nas
suas áreas de intervenção para que possam
ser conhecidos e utilizados pelos professores de EMC;
Para o Mosaiko
Recomenda-se ao Mosaiko que:
w Crie uma página de facebook direccionada
aos professores de EMC onde estes possam
partilhar experiências e colocar as suas dúvidas e solicitar apoio para temáticas ligadas
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Os 11 Compromissos
para com a Criança
em Angola
1 Esperança de vida: redução da mortalidade
materno infantil.
2Segurança alimentar e nutricional: redução da
desnutrição infantil.
3Registo de Nascimento: aumento do número de
crianças registadas dos 0- 5 anos.
4Educação da primeira infância: Aumentar o
acesso e a qualidade da educação das crianças
dos 0-5 anos de idade.
5 Educação Primária e Formação Profissional: As
crianças dos 6 aos 18 anos usufruem de uma
educação de qualidade; e os adolescentes que
se encontram fora do sistema escolar beneficiam de alternativas de educação e têm acesso a
uma qualificação profissional efectiva.
6 Justiça Juvenil: Todas as crianças que se encontram em conflito com a lei beneficiam de
uma justiça em conformidade com os padrões
internacionais.
7 Prevenção, tratamento, apoio e redução do impacto do VIH/SIDA nas famílias e nas Crianças:
Redução da incidência e do impacto do VIHSIDA.
8 Prevenção e mitigação da violência contra a
criança: Diminuição da violência, exploração e
tráfico de crianças.
9Competências Familiares e Protecção Social: Aumentar as capacidades a nível das famílias para
garantir a sobrevivência, desenvolvimento e
protecção das crianças e melhorar o acesso aos
serviços básicos.
10 A Criança e Comunicação Social, Cultura e
Despeorto: As crianças participam na divulgação dos 11 compromissos, através dos meios
de comunicação e actividades desportivas e
culturais)
11 A Criança no Plano Nacional e no Orçamento
Geral do Estado: a sustentabilidade dos 11
compromissos para com as crianças angolanas
será garantida através de orçamentos e planos
amigos da criança.
a cidadania, a direitos humanos e a outros
temas sociais;
w Organize, em parceria com a Associação
das Escolas Católicas, um Encontro a nível
nacional, onde se dêem a conhecer os resultados desta pesquisa e se possa realizar uma
reflexão comum sobre a contribuição das
Escolas Católicas para o ensino da EMC em
Angola.
8.2Combater a violação
comum dos direitos da
criança
É imprescindível garantir o acesso à educação para
todas crianças. O estudo identificou algumas situações de violação sistemática deste direito. As
recomendações que se seguem são feitas no sentido de melhorar as práticas na gestão de desafios
comuns.
w Crianças com deficiência: É possível que
haja um número significativo de crianças
com deficiência fora do sistema de ensino.
Recomendamos que o Ministério de Educação e os demais actores na sociedade civil
realizem um estudo sobre o acesso à educação para crianças com deficiência e sobre a
qualidade de ensino disponível nos serviços
de ensino especial prestados em escolas de
ensino especial e na inclusão de crianças
com necessidades educativas específicas no
ensino regular.
w Trabalho infantil: E provável que haja um
número significativo de crianças que se encontram em situação de sub-aproveitamento escolar por estarem frequentemente ausentes da escola, sendo obrigadas a ajudar os
pais em trabalhos domésticos e outros. Recomendamos que haja uma análise comparativa dos dados existentes sobre absentismo escolar e uma campanha multi-sectorial
| 73
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
de sensibilização dos pais, das autoridades
locais e das autoridades tradicionais contra
o absentismo escolar com destaque para as
zonas rurais.
w Gravidez precoce: Notamos que a forma como tanto as escolas como as famílias
lidam com situações de gravidez precoce
constitui, muitas vezes, uma flagrante violação de direito da menina grávida e do bébé.
Recomendamos que as escolas liderem um
processo de mudança das atitudes discriminatórias que prevalecem. Nesse sentido, as
acções mais importantes são:
w Compreender que uma criança, pelo
facto de engravidar, não passa a ser um
adulto;
wValorizar as - poucas - experiências em
que as alunas continuaram os seus estudos, na mesma turma, apesar de uma
gravidez precoce destacando que isto
não encoraja a ocorrência de outos casos,
mas constitui uma ocasião de aprendizagem para todos os colegas;
w Quando o pai do bebé for um colega de
escola, envolver ambos – e as respectivas
famílias - no processo de decisão;
w Cessar a prática de transferir as meninas
grávidas para estudarem no horário nocturno;
w No caso de uma gravidez precoce, que
seja nomeada uma professora que acompanhe e aconselhe a menina e a sua família com o propósito de encorajar a menina continuar estudar.
w Educação de pais sobre os Direitos da
Criança: Promover programas de educação
de pais sobre os seus deveres no contexto
dos 11 Compromissos para com a Criança adoptados pelo Governo de Angola em
2004 (ver pág. 73), através de programas e
actividades correntes:
74 |
w O Estado poderá promover um programa de sensibilização dirigido aos funcionários públicos e às empresas privadas;
w As Igrejas poderão promover programas
através de grupos, movimentos e associações, escolas e outras instituições já
existentes;
w As ONG’s e as Igrejas poderão organizar
actividades dirigidas a pessoas que trabalham no sector informal;
w Os meios de comunicação social poderão
dar maior destaque a este assunto em diversos programas e criar uma campanha
cívica específica.
8.3Tornar a Escola uma
oficina de Democracia
A escola é a primeira oportunidade que a criança
tem de lidar com a sociedade fora do âmbito da sua
família. É também a primeira vez que ela vai interagir directamente por si só com figuras de autoridade e, em muitos casos, será a primeira vez que
ela lida regularmente com adultos que tenham um
nível de formação pré-universitário ou universitário.
Tanto os professores como os alunos apontaram a
dicotomia que existem entre os valores de direitos humanos e democracia participativa que são
ensinados na disciplina Educação Moral e Cívica e
aquilo que é vivido na sociedade. O Mosaiko considera que a melhor maneira de enfrentar esta realidade no contexto de Angola é assegurar que, pelo
menos, a experiência vivida pela criança na escola
seja exemplar em termos da prática de cidadania e
democracia participativa. Reconhece-se que isto
constitui um grande desafio em termos culturais,
em termos do tempo disponível e das qualidades de
liderança necessárias para promover as mudanças.
Contudo, se não conseguirmos viver a democracia
na escola, é pouco provável que vamos conseguir
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
estabelecer e defender práticas democráticas na
sociedade. Recomendamos, por isso, as seguintes
acções;
w Que as Direcções Escolares – e, particularmente, as que pertencem à Associação de
Escolas Católicas - adoptem a abordagem
de Escola Amiga de Criança proposta pelo
UNICEF (ver pág. 76-77);
w Que as práticas democráticas aplicáveis
à gestão escolar descritas nos manuais de
“Educação Moral e Cívica” e promovidas
na metodologia “Escola Amiga de Criança”
como eleições por delegados de turma, discussão aberta e validação de regulamentos
escolares, afixação de regulamentos escolares em lugar público se tornem práticas correntes em todas as escolas;
w Que as Direcções Escolares promovam espaço para que as Associações de Estudantes
e os delegados ganhem um perfil representativo e responsável que contribua para a
gestão participativa e eficaz da escola.
w Que haja Conselhos Disciplinares rigorosamente estabelecidos e operacionalizados em
todas escolas.
w Que todas as escolas reúnam regularmente
o Conselho Pedagógico com a presença de
representantes da Direcção, dos professores, dos alunos e das Associações de Pais e
Encarregados de Educação.
w Que as Comissões de Pais e Encarregados de
Educação sejam apoiadas para participarem
na vida escolar.
w Que a “Associação de Escolas Católicas” e os
sindicatos de professores adoptem um “Código de Conduta Profissional para o Professor”. O link - http://teachercodes.iiep.unesco.
org/teachercodes/codes/Africa/Mozambique
apresenta um exemplo elaborado pelo Sindicato de Professores em Moçambique.
8.4 Educar a sociedade
sobre o funcionamento
do sistema judicial
Este estudo qualitativo e o estudo quantitativo
realizado pelo Mosaiko em 2012 apontam para a
necessidade de educar a população sobre o papel e
as principais regras de funcionamento do sistema
judicial, destacando o papel da Polícia, da Procuradoria, dos Tribunais e do Provedor de Justiça.
Julgamos também importante que os serviços de
aconselhamento que são essenciais e importantes
não sejam confundidos com as entidades que tenham a responsabilidade estabelecida por lei de
proteger os direitos do cidadão. Nesta perspectiva, recomendamos que:
w O Ministério de Justiça operacionalize os mecanismos de recurso dentro do contexto actual
do país. Por exemplo, existe uma experiência
piloto de operacionalizar a Lei de Julgado de
Menores, na ausência de um Tribunal de Menores, na Província de Huíla, que deverá servir
para conceber um modelo para operacionalizar
os serviços de Julgado de Menores em outras
províncias fora de Luanda;
w Os actores principais no sistema de Justiça, o
Ministério de Justiça e Direitos Humanos, a
Polícia, a Procuradoria-Geral da República e
a Provedoria de Justiça e actores da sociedade
civil como a Ordem dos Advogados promovam
actividades educativas para funcionários públicos e a população em geral sobre o funcionamento dos serviços judiciais;
w Que as escolas convidem representantes de
órgãos judiciais e da Polícia, de modo regular,
para falar com os alunos e as Comissões de Pais;
que este tipo de encontro enfatize diálogo e interacção - que a polícia e os funcionários dos
tribunais aproveitam o espaço para contar histórias de sucesso (salvaguardando o anonimato
dos envolvidos) no recurso a instâncias judicias
| 75
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
.
Os 6 princípios da
ESCOLA AMIGA DA CRIANÇA
1: Garantia dos Direitos das Crianças
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Informar a comunidade educativa sobre os direitos
das crianças e os 11 Compromissos [ver pág. 73], através
da publicação de conteúdos diversos em placares
informativos, jornais murais, bem como a produção
de cartazes, panfletos, dísticos etc.
w Os 11 Compromissos constituem um conjunto de
responsabilidades assumidas entre o Poder Executivo,
o Sistema das Nações Unidas e Parceiros Sociais do
Estado, para garantir o desenvolvimento integral da
criança.
w Organizar encontros anuais (reuniões, palestras ou
campanhas) com a comunidade educativa, para abordar sobre os direitos das crianças e os 11 Compromissos.
w Elaborar um plano de consciencialização e formação de professores para abordagem de temas sobre a
inclusão, necessidades educativas especiais e adequações curriculares maiores ou menores, ao longo do
ano lectivo.
Os professores devem:
w Desenvolver actividades na sala de aulas e actividades
extra-curriculares, onde os alunos exprimam as suas
opiniões através de redacções, trabalhos práticos,
debates e trabalhos de grupo.
w Ajudar a eleger os delegados de turma.
w Constituir uma associação de alunos na escola.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Promover campanhas de sensibilização na comunidade durante o período de matrículas, para que todas as
crianças e em particular as com necessidades educativas especiais tenham acesso à escola.
2: Ensino e aprendizagem de qualidade
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Elaborar registos administrativos dos professores
existentes na escola (com ou sem agregação pedagógica) e ter um plano de formação contínua para os
professores nas Zonas de Influência Pedagógica (ZIP).
w Elaborar o Projecto Educativo da Escola.
w Acompanhar regularmente o trabalho dos professores na sala de aulas e dar recomendações para a sua
melhoria (grelhas de observação).
w Efectuar a distribuição e controlo do material didáctico.
76 |
Os professores devem:
w Efectuar a planificação diária das aulas e promover o
diálogo com os alunos.
w Usar diferentes estratégias para um ensino e aprendizagem eficiente, quer dizer, os alunos trabalham em
grupos flexíveis (colaboração), individual e apresentam em plenária o resultado do seu trabalho, com o
acompanhamento directo dos professores.
w Usar diversos materiais didácticos para melhorar a
compreensão dos alunos (materiais naturais ou reciclados e outros).
w Manter uma decoração nas aulas que motiva a aprendizagem (alfabeto, cartazes com palavras difíceis de
entender, tabela de multiplicação, cartazes sobre
higiene e saúde, expõem o trabalho efectuado pelos
alunos).
w Adoptar o reforço positivo nas salas ao invés do castigo físico e emocional (elogiar quando se faz um bom
trabalho, não desmoralizar os alunos mais fracos, mas
apoiá-los e motivá-los para melhorar, elaborar um
código de conduta em conjunto com os alunos, etc.).
w Avaliar o progresso da aprendizagem de todos os alunos através do preenchimento de relatórios descritivos, cadernetas mini pautas, com recomendações.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Acompanhar o trabalho dos professores visitando as
suas aulas.
w Sensibilizar os pais e encarregados sobre a importância do acompanhamento dos seus filhos na escola e da
participação regular em reuniões.
3: Participação da comunidade na escola
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Realizar palestras e encontros para a divulgação de
informação de interesse para os pais e encarregados de
educação.
w Constituir uma Comissão de Pais e Encarregados de
Educação (CPEE) funcional.
Os professores devem:
w Receber os pais e encarregados de educação regularmente e aproveitar para fornecer informações sobre o
desempenho dos seus filhos.
w Envolver os pais e encarregados de educação nas actividades extra-curriculares.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Participar na gestão e melhoria da escola através do
Projecto Educativo da Escola.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
w Promover o envolvimento dos pais e encarregados de
educação nas actividades extra-curriculares .
w Angariar fundos para melhorar as instalações escolares.
4: Escola higiénica e saudável
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Proporcionar os materiais de limpeza necessários e
contratar auxiliares da limpeza.
w Garantir que a escola tenha água e condições higiénicas para as crianças tendo em conta as necessidades
das meninas e meninos.
w Elaborar um lema da escola que fale sobre o respeito, a tolerância e a convivência pacífica sem o uso de
violência, com a participação de todos.
Os professores devem:
w Elaborar um código de conduta com os alunos sobre
as regras básicas de convivência, uso adequado do
material escolar e promoção da não-violência.
w Usar o elogio e palavras positivas para motivar as
crianças na realização e reconhecimento das suas
tarefas, para que se sintam valorizadas e estimuladas a
aprender.
w Nunca usar o castigo físico, nem emocional com os
alunos (insultos, discriminação, etc.).
w Promover a ligação com o centro de saúde local e
apoiar na vacinação e desparasitação das crianças.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Solicitar a Administração local o fornecimento da
merenda escolar.
w Usar as caixas de sugestões e reclamações de maneira
anónima.
w Afixar nas salas de aula cartazes que ilustram práticas
higiénicas e saudáveis.
w Sensibilizar os pais para que os filhos cuidem do
material escolar e respeitem os códigos de conduta da
escola.
w Explicar a importância dos comportamentos saudáveis e higiénicos para evitar doenças, como malária,
dengue, diarreia, VIH e SIDA, etc.
w Realizar campanhas e palestras para sensibilizar a
comunidade a não usar a violência contra as crianças.
Os professores devem:
w Actuar como modelo para os seus alunos, não deitar
lixo ao chão, lavar as mãos e manter as batas limpas.
w Fazer o roteiro da limpeza com os alunos para manter
a sala limpa e cuidar dos espaços verdes.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Estabelecer parcerias com as empresas locais para
proporcionarem produtos básicos de alimentação na
escola.
w Procurar alternativas para a falta de água na escola tais
como ligar a electro bomba da comunidade ao tanque
da escola.
w Participar nas campanhas de limpeza mensais da escola e sensibilizar aos pais e encarregados de educação
sobre a importância de práticas higiénicas.
5: Proteção e Segurança da Criança na escola
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Ter o controlo do número de incidentes relacionados
com a segurança e protecção dos alunos.
w Contactar organizações locais para realização de
palestras na escola sobre a prevenção de riscos e primeiros socorros.
w Tomar medidas para garantir a segurança interna
(pessoal de segurança, vedação, manutenção do
edifício, kit de primeiros socorros) e externa (sinais
de trânsito, batas dos alunos com logotipo da escola,
controlo das pessoas que entram e saem do recinto escolar, pessoal que ajude os alunos a atravessar as ruas
com maior tráfego em colaboração com as brigadas de
segurança escolar).
w Acompanhar os filhos à escola.
6: Equidade de Género
Para garantir este princípio, a Direcção deve:
w Garantir que existam instalações sanitáriasapropriadas, limpas e separadas para meninos e meninas.
w Desagregar os dados estatísticos por género.
w Trabalhar com a comunidade e os pais para que tanto
os meninos como as meninas em idade escolar, sejam
matriculados e se mantenham na escola.
w Garantir que todas as meninas e meninos tenham
igual acesso sem nenhum tipo de discriminação.
w Assegurar o equilíbrio entre professores e directores
de ambos sexos.
Os professores devem:
w Assegurar que os materiais usados nas salas não promovam a discriminação.
w Explicar aos alunos a diferença entre sexo e género e a
diferença entre os papéis tradicionais e modernos de
ambos meninos e meninas, homens e mulheres.
w Assegurar que meninas e meninos tenham igual participação nas actividades escolares e igual representação
na associação de alunos.
A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:
w Sensibilizar a comunidade sobre a importância da
escola e matrícula de todas as crianças, principalmente as meninas, nas áreas rurais e grupos nómadas,
tenham o direito de completar o ensino primário e
secundário, e preparar-se para uma vida produtiva e
carreira profissional.
Para mais informação cf. http://www.unicef.org/education/files/CFS_
Manual_Portuguese.pdf
| 77
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
e da polícia; e que os funcionários de entidades
judicias e da polícia aproveitem para, no espírito de diálogo, recolher informação sobre experiências vividas pela população;
w Que todo o funcionário de uma entidade judicial saiba lidar com menores de idade, sendo
formado especificamente para este efeito.
8.5Combater a violência
doméstica
Apesar do foco do presente estudo não incluir especificamente a violência doméstica, perante o
levado número de episódios deste tipo relatados
pelos alunos, não podemos deixar de recomendar
que:
w Todos os actores envolvidos na escola - professores, alunos/as, funcionários/as, pais e
encarregados de educação - tenham alguma formação sobre a violência doméstica e
sobre a lei 25/11, de 14 de Julho, conhecida
como a “Lei contra a violência doméstica”.
w O Ministério da Família e Promoção da Mulher e as demais instituições do Estado im-
78 |
plicadas criem e divulguem - com o apoio
das igrejas, autoridades tradicionais e organizações da sociedade civil - os mecanismos
de protecção à vítima de violência doméstica
e criem condições - nomeadamente através
de centros de acolhimento - que garantam
efectivamente a protecção e a segurança da
vítima.
w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da Criança” - escola sem violência - se
estabeleçam parcerias em que os alunos/as
possam colaborar com instituições do Estado - Procuradoria, Polícia Nacional, ... - de
modo a fazer face às situações de violência
doméstica.
w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da
Criança” cada escola desenvolva actividades
- envolvendo professores, alunos, funcionários e pais e encarregados de educação que promovam a resolução não violenta de
conflitos e a educação para a não-violência.
Estas actividades poderão ser realizadas com
a colaboração de organizações da sociedade
civil ou de outras entidades preparadas para
o efeito.
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Bibliografia
w Andrade, Júlio Vaz de. Os Valores na Formação Pessoal e Social, ed. Texto Editora (1992)
w ANGOLA, República de. Situação dos Direitos Humanos em Angola: Relatório Inicial, s.a.
w Amnistia internacional, Siniko. Para uma cultura de Direitos Humanos em África, in http://
www.amnistia-internacional.pt/files/documentacao/Siniko.pdf
w Delors, Jacques (Coord.). Os quatro pilares da educação. In Educação: um tesouro a descobrir. Ed.
Cortez (São Paulo 2004).
w Diógenes, Elione M.Nogueira. Direitos Humanos e Educação: A necessária articulação, UFAL.
w INIDE, Documento de Base - Seminário para Professores de Educação Moral e Cívica II e III níveis, ed.
INIDE (Luanda 2000).
w INIDE, Educação Moral e Cívica nas Escolas: Manual para Professores e Formadores - 1º Módulo, ed. INIDE (Benguela 2001).
w INIDE, Educação Moral e Cívica nas Escolas: Manual para Professores e Formadores - 2ºMódulo, ed.
INIDE (Benguela 2000).
w Espírito Santo, Francisca do, História recente de Educação em Angola. in Educação para uma Cultura da Paz - Actas da Semana Social Nacional 99, ed. Mosaiko e CEAST (Luanda 2000).
w Marques, Ramiro, Educação Cívica e Desenvolvimento Pessoal e Social, ed. Texto Editora (1990).
w Mata, Maria Isabel, Evangelização em Angola (1908-1975), ed. IFMM (Lisboa 2000).
w Ngaba, André Vela, Políticas Educativas em Angola (1975-2005). Entre o global e o local: o sistema
educativo mundial , ed. SEDIECA (Mbanza-Kongo 2012).
w Resultado da Pesquisa de Base para Programa de Educação Cívica e Democrática, Consórcio do Mississippi para o Desenvolvimento Internacional (MCE) - INIDE, Luanda-Angola
w Samuels, Michael Anthony, A História do ensino em Angola (1878-1914), ed.Mayamba (Luanda
2011).
w Silva, Aparecida Ignacio, Valores em Educação, ed.Vozes (Petrópolis 2000).
| 79
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
w Silva Neto, António Burity da, Situação do Sector da Educação em 2003, ed. Kulonga,ISCED (Luanda s.d.).
w Vanucchi, Aldo et alli, Fundamentos da Educação Moral e Cívica, ed.Loyola (São Paulo 1982).
Legislação:
w ANGOLA, República de. Assembleia do Povo. Constituição da República Popular de Angola. Luanda,
1975.// 1976//1977//1978//1980//1991//1992 e a Constituição de 2010.
w ANGOLA, República de. Lei 13/01, de 31 de Dezembro de 2001, estabelece a Lei de Bases do Sistema de
Educação, 2003.
80 |
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
Anexos
1. GUIÃO de entrevista a professores
Entrevistado por:
Pessoas entrevistada:
Função:
Formação académica:
Data:
O objectivo da entrevista é dialogar com os professores sobre os conteúdos de Direitos
Humanos dos programas e manuais de Educação Moral e Cívica, compreender a sua aplicação no contexto escolar. Colher as suas opiniões sobre os conteúdos de EMC no contexto
da actual reforma educativa e a exploração das diferentes temáticas de Direitos Humanos
no quadro da abertura do programa de EMC que possibilita aos professores a abordagem de
outros assuntos de interesse local e da turma.
1. DIREITOS HUMANOS
A entrevista será feita em torno da experiência dos professores no ensino da disciplina de
EMC e a aplicação dos conteúdos de Direitos Humanos com os alunos ao nível da escola e da
comunidade.
1.1
Quais são, na sua opinião, os direitos humanos mais importantes que são referenciados
no curriculo de EMC? E Porque?
1.2
Quais são as actividades extras curriculares que a escola tem desenvolvido em matéria
de Direitos Humanos?
1.3
Quais são os principais documentos que normalmente usam na abordagem de Direitos
Humanos?
Porque estes e não outros?
Se não, insistir em procurar as razões?
1.4
Os materiais (manuais e programas) usados na abordagem dos Direitos Humanos são
de fácil acesso e leitura pelos professores e pelos alunos?
1.5
Como fazem a aplicação da temática da democracia, ao nível da família, da escola e da
comunidade?
1.6
Quais são os meios pelos quais os alunos participam na vida famíliar, da escola e da
comunidade?
1.7
Como pais e professores, como que acham que se pode melhor promover a participação
associativa e democrática de jovens? Porquê? (explorar as actividades previstas nos
manuais)
1.8
Qual o papel do professor para promover a participação democrática dos alunos na vida
escolar. O que significa participação democrática do aluno?
1.9
Qual é a importância do ensino dos Direitos Humanos nas escolas?
| 81
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
1.10 Que papel têm os alunos/jovens na promoção dos Direito Humanos na escola?
1.11 Quais são as principais situações de violação dos Direitos Humanos que se verificam na
escola?
1.12 Qual tem sito o procedimento da escola em relação a tais violações?
2.DISCIPLINA DE EMC
Depois de falarmos sobre Direitos Humanos, gostaríamos agora de saber a sua
opinião e experiência de ensino em relação à disciplina e aos conteúdos de EMC.
82 |
2.1
Qual é a sua opinião sobre a introdução da disciplina de EMC no sistema de ensino?
2.2
Que outras questões sobre Direitos Humanos gostaria de ver abordadas na disciplina de
EMC?
2.3
Que opinião tem sobre os desafios do regime de monodocência em relação ao ensino da
disciplina de EMC?
2.4
Os programas de EMC do INIDE, deixam uma grande margem para abordagem de
questões de Direitos Humanos de interresse da turma em função do contexto. Quais são
os temas de Direitos Humanos que os alunos demostram maior interesse para além dos
conteúdos previstos nos programas?
2.5
O INIDE publicou um manual de Direitos Humanos para orientação dos professores do
ensino primário e um programa de EMC para o primeiro ciclo que conta com conteúdos
ligados aos Direito Humanos. Conhece-os? Se sim, qual a sua opinião sobre eles?
2.6
Acha que os aspectos de democracia e Direitos Humanos do programa são visíveis de
forma geral na formação dos alunos?
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
2. GUIÃO PARA GRUPOS FOCAIS com alunos
1. APRESENTAÇÃO DA EQUIPA
Explicar o propósito da discussão: Essa é uma discussão sobre o ensino, conhecimento e
prática dos Direitos Humanos nas escolas dos grandes centros urbanos. O debate com os
alunos centrar-se-á em torno do conhecimento dos conteúdos dos programas e materiais de
ensino de Educação Moral e Cívica; por outro lado, pretende-se perceber a aplicação prática
dos Direitos Humanos na escola, na família e na comunidade.
Nota: Ao longo da discussão sobre as fontes dos Direitos Humanos, o facilitador tem de insistir um pouco
sobre o que eles terão aprendido em sala de aula.
TÓPICOS
Conhecimento dos Direitos Humanos (direitos e deveres)
w Este exercício visa criar um ambiente dinâmico e informal entre os participantes as suas opiniões
sobre o que são direitos.
w O exercício será conduzido por um moderador. Não serão permitidas críticas nem juízos de valor
sobre a opinião de cada um dos participantes.
w Os alunos vão discutir a questão com base nos seus conhecimentos e nas suas experiências de vida. As
opiniões serão anotadas e servirão de ponto de partida para os outros exercícios.
EXERCÍCIO 1: chuva de ideias
w
Pergunta quebra-gelo: O que são direitos?
w Quais são os Direitos Humanos que conhecem?
Nota: Solicitar “Quais os direitos humanos que conhecem?”
Alistar todas as opiniões, mesmo que sejam ou não sejam Direitos Humanos.
Programar para levar 10 min.
EXERCÍCIO 2: ESTIMANDO PRIORIDADES
Neste exercício, o moderador pedirá aos alunos para que cada um escreva num cartão qual é, para si, o
direito mais importante. A medida que cada um apresenta o direito que escolheu também dirá porque
que acha que o mesmo é importante. Depois seguir-se-ão as outras questões que serão discutidas pelos
participantes.
w Quais são os Direitos Humanos mais importantes para vocês?
w Aonde é que ouviram falar destes direitos?
w Em que manuais podemos encontrar os Direitos Humanos?
EXERCÍCIO 3: CENÁRIO SOBRE DIREITO A EDUCAÇÃO (estória Nº1)
Bernardo e João
w Quais são os direitos de João e Bernardo que vocês identificam nesta estória?
w Quem é a pessoa que vê o seu direito desrespeitado na estória?
w Como alunos, quais são os deveres do Bernardo em relação ao direito educação?
Pai de João e Bernardo
w Quais são os deveres do pai do João quanto ao direito a educação?
w Qual é a vossa opinião em relação a atitude/argumento do pai de João?
| 83
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
EXERCÍCIO 3: CENÁRIO SOBRE DIREITO A EDUCAÇÃO (estória Nº1)
Perguntas gerais
w Que importância tem o direito a educação para a sociedade?
w Como é que vocês notam a aplicação (exercício) do direito a educação nas vossas
famílias e nas vossas comunidades?
w Quais são as situações de violação do direito a educação que vocês conhecem,
quer seja na escola, nas famílias ou nas vossas comunidades?
w Na vossa opinião, o que é mais importante para a vida do João enquanto criança.
Ajudar na oficina ou estudar?
CAPACIDADE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
Com esta discussão, pretende-se compreender o modo como os alunos lidam, na prática, com as situações
em que os seus direitos são violados quer seja na escola, quer seja na família ou na comunidade. A
discussão será feita em torno dos eventos que os alunos forem capazes de apresentar. Neste sentido, serão
selecionados alguns exemplos mais sigficativos para a discussão.
Ponto de partida: Por favor, contem-nos uma situação de violência em relação aos Direitos
Humanos que vocês tenham visto na escola, na família ou dentro da vossa comunidade.
Terão de ter uma abordagem que permita:
a) Escutar e anotar os exemplos apresentados pelos participantes.
b) Se forem muitos exemplos (terão de aceitar todos) será melhor seleccionar alguns para discussão.
Vocês internamente terão de ter uma lista dos direitos mais interessantes para a discussão.
w
w
w
w
w
w
w
w
Porque consideram este acontecimento como violação dos Direitos Humanos?
Em casos como os que vocês contaram de violação dos Direitos Humanos, o que fariam?
Onde se deve recorrer, em casos de necessidade, face a violação dos Direitos Humanos?
Em caso de violação de um dos vossos direitos na escola, o que vocês fariam?
Qual é a utilidade do conhecimento dos Direitos Humanos para melhorar a sociedade?
No recinto escolar tem havido respeito e cumprimento dos Direitos Humanos? Porquê?
Qual deverá ser o dever do aluno lesado nos seus direitos?
Qual é a recomendação que fariam para melhorar o cumprimento dos Direitos
Humanos?
DEMOCRACIA (ESTÓRIA Nº 2)
Neste exercício o moderador convidará os alunos a prestarem atenção à estória sobre a democracia que
será apresentada duas vezes. A discussão sobre a democracia na turma vai ser feita em torno da narrativa.
O que se pretende é saber se os alunos têm noções de democracia, se conseguem identificar os processos
democráticos na sociedade e se os aplicam na escola.
w Quais são as qualidades que um delegado de turma deve ter?
w Qual é a melhor forma para a escolha de um delegado?
w Qual é a vantagem e desvantagem da eleição?
w Qual é a vantagem e desvantagem da votação?
w Como devemos resolver as diferenças opinião ou outras? (por ex. , nesta estória)
w Qual dos dois alunos propõe uma ideia democrática?
84 |
O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014
DEMOCRACIA
w
O que significa democracia para vocês?
Quais são as vantagens da democracia que vocês conhecem?
w Como é que acham que estas vantagens podem ser postas em prática na escola e na
sociedade?
w Quais são os principais valores da democracia que conhecem?
w Quais são as práticas de democracia que vocês conhecem na escola e na comunidade?
w Há alguma lista de regras de convivência da turma? Se sim, perguntar se eles
participaram na sua criação e qual é a vantagem de participar na sua elaboração?
w Quem pode apresentar uma prática de democracia que tenha visto diferente das que
apresentram?
w Qual é o papel dos alunos na democracia?
OBS: Quando os facilitadores tiverem dúvidas ou não entenderem bem, solicitar esclarecimento.
w
Pré-encerramento do debate:
Perguntar se algum participante quer contribuir com algo que não tenha sido dito ou debatido mas, que ele
considere importante ou relevante.
ENCERRAMENTO E AGRADECIMENTO:
Terminar o debate e agradecer a participação de todos.
| 85
MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
estória Nº 1 - Educação
estória Nº2 - Democracia
O cenário servirá de base para introduzir as perguntas sobre direito a educação e os respectivos deveres.
Através destas questões pretende-se perceber o grau
de conhecimento do direito a educação por parte dos
alunos. Neste exercício o moderador convidará os
alunos a prestarem atenção a narrativa sobre o direito a educação que será apresentada duas vezes. A
discussão sobre o direito a educação vai incidir sobre
as questões levantadas em torno da narrativa, isto é,
sobre os direitos e deveres das personagens.
Ilustração: Era o começo do ano lectivo na Escola Oito. Para uns, os que acabavam de entrar
para escola, era uma oportunidade de fazer novas
amizades, para os mais antigos era o reencontro.
O branco das batas novas, sapatos e ténis novos,
penteados e cortes de cabelos acabados de fazer,
faziam o contraste habitual do início do ano lectivo. Titinho, era um daqueles alunos que tinha
transitado para a sexta classe, por isso foi transferido para a Escola Oito. Menino inteligente e simpático, rapidamente tinha conquistado a simpatia
da maioria dos colegas.
Acesso à educação - Dois rapazes, Bernardo seis anos de idade e João de oito anos de
idade, amigos acostumados a bricar juntos, vivem em Benguela. Bernardo é matriculado na escola do bairro onde o seu pai é professor. Pai de
João,mecanico de profissão, entendia que o filho
tinha de ficar na oficina a ajudar na reparação dos
carros e aprender uma profissão para garantir o
seu futuro. Por esta razão, João não foi matriculado na linda escola-nova do bairro. Era visivel a
tristeza no pequeno rosto do rapaz quando demanhazinha via Bernardo e outros meninos a colorir
as ruas do bairro em direcção a escola.
Acontece que, o Bernardo que estava na escola
furtava-se as aulas, não participava das actividades da escola e não respeitava os outros colegas.
Dizia, Bernardo, que era livre e tinha direito de
fazer o que queria.
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Professor Domingos Mateus, apelidado “Disciplina” pelos alunos, tinha ordenada que até a segunda semana a turma tinha de ter um delegado.
Parte da turma achava que Tonito, por ser o mais
alto da turma, devia ser o delegado. Titinho protestou, dizendo que tinham de fazer eleições para
escolherem o delegado. Russo, respondeu dizendo que na escola de onde tinha vindo não se fazia
eleições e o delegado sempre foi bem escolhido.
Nisto a turma ficou dividida. Na falta de consenso,
a turma resolveu pedir ajuda a vocês.
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