UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO A CÉLULA – UNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DOS SERES VIVOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM: MATEMÁTICA E CIÊNCIAS DA NATUREZA MARIA CRISTINA FERREIRA TEIXEIRA Vila Real, 2008 UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO A CÉLULA – UNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DOS SERES VIVOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM MATEMÁTICA E CIÊNCIAS DA NATUREZA MARIA CRISTINA FERREIRA TEIXEIRA Orientadores: Professor Doutor Jorge Ventura Ferreira Cardoso Professor Doutor Dario Loureiro dos Santos Vila Real, 2008 “Nenhum ser vivo é igual a outro. Mas, todos eles possuem algo em comum”. Evans, Ifer AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos especiais: Esta dissertação é dedicada aos meus Pais – Alcino e Rosa e ao meu marido Sérgio pela confiança e apoio e por toda a compreensão dada e tornar menos árdua esta longa caminhada. Aos meus orientadores, Professor Doutor Jorge Ventura e Professor Doutor Dario Santos, pelo incentivo e apoio no decorrer da orientação, confiança, dedicação, amizade e disponibilidade mostrada em todos os momentos. Aos meus irmãos pelo constante incentivo e motivação. À minha amiga Cláudia pela amizade, ajuda e apoio nos momentos mais difíceis ao longo desta e de outras caminhadas. A todas as pessoas envolvidas na realização desta dissertação, em particular todo o grupo de trabalho dos Laboratórios do DEBA, pela disponibilidade e cooperação, sem as quais não poderia ter concretizado este trabalho. A todos, o meu muito OBRIGADA. i RESUMO A célula representa a menor porção de matéria viva dotada da capacidade de auto-duplicação independente. São as unidades estruturais e funcionais dos organismos vivos. Podem ser comparadas aos tijolos de uma casa. Cada tijolo seria como uma célula. Alguns organismos, tais como as bactérias, são unicelulares (consistem em uma única célula). Outros organismos, tais como os seres humanos, são multicelulares. A teoria da célula, desenvolvida primeiramente em 1839 por Matthias Jakob Schleiden e por Theodor Schwann, indica que todos os organismos são compostos por uma ou mais células. Todas as células provêm de células preexistentes. As funções vitais de um organismo ocorrem dentro das células, e todas elas contêm informação genética necessária para funções de regulação e transmissão da informação para a geração seguinte. Com a elaboração desta tese de dissertação pretendeu-se aprender um pouco mais sobre a célula e a sua importância na constituição de todos os seres vivos. Procurou-se numa parte inicial, reunir de forma sintética e selectiva informação sobre a célula a nível estrutural e funcional. Numa parte intermédia, dedicada ao estudo da microscopia, fez-se uma breve abordagem da sua história e descreveu-se de forma mais detalhada a constituição e funcionamento do microscópio óptico comum, dado ser o utilizado nos laboratórios das Escolas Preparatórias em Portugal e ao qual os professores de Ciências da Natureza recorrem nas aulas dedicadas à unidade didáctica sobre a célula. No final foram reunidos alguns protocolos práticos de simples realização e adequados a este nível de ensino, de modo a que as aulas práticas da disciplina de Ciências da Natureza possam gerar um maior interesse e motivação, tanto para os alunos como para o professor. ii ABSTRACT The cell represents the lower portion of living matter given the ability of independent self-duplication. They are the structural and functional units of living organisms. They can be compared to the bricks of a house. Each brick would be like a cell. Some organisms, such as bacteria, are unicellular (consisting of a single cell). Other organisms, such as humans, are multicellular. The theory of the cell, first developed in 1839 by Jakob Matthias Schleiden and Theodor Schwann, indicates that all organisms are composed of one or more cells. All cells come from existing cells. The vital functions of an organism happen within the cells and they all contain genetic information required for functions of regulation and transmission of information to the next generation. It was the purpose of this dissertation to learn a little more about the cell and its importance in the formation of all living beings. In a first step, there has been an effort to briefly and selectively gather information about the structure and function of the cell. In an intermediate stage, dedicated to the study of microscopy, it was made a brief approach on its history and also a detailed description of the optical common microscope’s constitution and functioning, once it is the one being used at the Portuguese Schools’ laboratories and the one which teachers of Science use in class when teaching about the cell. Finally, some practical protocols of simple achievement and appropriate for this level of education were gathered, so that the practical Science lessons can generate greater interest and motivation, both for students and for the teacher. iii ÍNDICE GERAL AGRADECIMENTOS i RESUMO ii ABSTRACT iii I – ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO 1 1.1 – Introdução geral 2 1.2 – A ciência como agente de mudança 3 1.3 – Objectivos do estudo 4 1.4 – Contextualização da célula no ensino preparatório 5 1.5 – Importância do estudo 7 II – A CÉLULA – UNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DOS SERES VIVOS 8 2.1 – A célula – Unidade na constituição dos seres vivos 9 2.2 – Células Procarióticas e Eucarióticas 10 2.3 - Uma visão panorâmica de Células Eucarióticas 14 O núcleo – a livraria genética da célula. 17 Ribossomas – fábrica de proteínas na célula. 19 Retículo Endoplasmático 21 iv Complexo de Golgi 23 Lisossomas 25 Cloroplastos e Mitocôndrias 26 Vacúolos 30 Peroxissomas 32 Citosqueleto 33 Parede Celular 34 III – A MICROSCOPIA 35 3.1 – Um pouco de história 36 3.2 – O microscópio 38 3.3 – Tipos de microscópios 38 Microscópio fotónico 38 Microscópio electrónico 38 Microscópio protónico 38 3.4 – Constituição do microscópio óptico comum 42 Parte mecânica 42 Parte óptica 43 3.5 – Ampliação do microscópio 44 3.6 – Funcionamento do microscópio óptico 45 Cuidados a ter com o microscópio Recomendações a seguir depois da utilização do microscópio 45 45 v IV – EXPERIÊNCIAS LABORATORIAIS 46 4.1 – Importância das experiências laboratoriais 47 4.2 – Lista de material de laboratório mais usual 48 4.3 – Protocolos experimentais 49 Protocolo I – Observação de células da epiderme do bolbo da cebola 49 Protocolo II – Observação de células do parênquima da polpa de tomate 52 Protocolo III – Observação de células do tubérculo da batateira 54 Protocolo IV – Observação de cloroplastos 57 Protocolo V – Observação de seres vivos de uma infusão 58 Protocolo VI – Observação de um esfregaço sanguíneo humano 61 V – CONCLUSÃO 64 VI – BIBLIOGRAFIA 66 vi ______________________________ I ______________________________ ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO 1.1 – Introdução geral 1.2 – A ciência como agente de mudança 1.3 – Objectivos do estudo 1.4 – Contextualização da célula no ensino preparatório 1.5 – Importância do estudo Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico 1.1 – INTRODUÇÃO GERAL Na actualidade sabe-se que as células são as unidades básicas de construção e funcionamento de todos os seres vivos. Contudo, o seu conhecimento é relativamente recente na história da ciência. Desde a Antiguidade numerosos investigadores naturalistas, entre eles o célebre Aristóteles, dedicaram-se à colheita, observação e classificação baseada na morfologia dos diversos organismos. Existem documentos contendo descrições razoavelmente precisas da morfologia externa e interna (de aparelhos, órgãos, etc.) dos seres vivos, mostrando já um certo conhecimento sobre eles. A partir do século XVII diversos acontecimentos vieram alterar substancialmente esta realidade, nomeadamente uma corrente de opinião conhecida por “Revolução Científica”, que ao contrário das tendências passivas até aí existentes, de descrição e classificação dos fenómenos, dinamizou a vontade de aprofundar os conhecimentos humanos em todos os domínios, aumentando o interesse pela criação e aperfeiçoamento de instrumentos de pesquisa. Particularmente na área da óptica, foi incrementado o aperfeiçoamento dos sistemas ampliadores de imagem – lentes e sistemas de lentes, com o consequente aumento da capacidade de observação humana. Boa parte da investigação actual é dedicada ao estudo celular. As esperanças depositadas nesta investigação são enormes. A cura de grande número de doenças, a solução das deficiências genéticas, a produção de novos alimentos e a erradicação da fome no mundo, tudo isso parece ao nosso alcance, à medida que se vai avançando no conhecimento da célula. Investigar a célula é investigar o próprio cerne da vida. Não se trata apenas de obter a solução para muitos problemas que a Humanidade enfrenta. Conhecer a célula é um passo necessário para nos conhecermos a nós próprios. Toda a informação teórica e prática referida ao longo desta tese teve como suporte uma pesquisa bibliográfica cientificamente credibilizada citada no final da mesma. 2 Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico 1.2 – A CIÊNCIA COMO AGENTE DE MUDANÇA Na idade da escolaridade primária, a criança é extraordinariamente receptiva às ciências da natureza: o seu ensino desenvolve a personalidade, a inteligência, o espírito crítico e a relação com o mundo. Para aprender, a criança não pode contentar-se com o observar e manipular, deve ser guiada pelo professor e pelas suas perguntas. A ciência desempenha um papel essencial nas sociedades contemporâneas. Transforma as nossas maneiras de viver. Tem, por vezes, efeitos perversos, especialmente quando destrói tecidos sociais ancestrais ou destabiliza fracções importantes da sociedade que a vêem então como uma ameaça. Sobretudo, deixa indiferentes sectores inteiros da população que se contentam com o desfrutar das suas contribuições no domínio do conforto material, da saúde, do número e diversidade dos prazeres aos quais permite aceder. Ao entrarmos num novo século, torna-se cada vez mais evidente a nossa dependência dos avanços da ciência e da tecnologia, a que constantemente recorremos para tomar decisões, quer individuais, quer colectivas. A ciência e a tecnologia deixaram de fazer parte do discurso académico de alguns, para serem vistos como uma “coisa pública”, de construção social, que deve fazer parte dos conhecimentos básicos de todos os cidadãos. Se, por um lado, a ciência é elucidativa, enriquecedora, libertadora do espírito, por outro, comporta potencialidades de subjugação, numa ambivalência que tem de ser compreendida e estudada. Paradoxalmente, a ciência é por si uma fonte de poder e é também ela própria dominada pelos outros poderes, o que lhe confere uma profunda ambiguidade. Porém, estas realidades só podem ser geridas e analisadas por um público cada vez mais alfabetizado cientificamente, e onde a escola será chamada a desempenhar um papel indiscutível. São estas ideias consensuais que inspiram e enquadram a grande maioria dos trabalhos de investigação. Durante várias décadas muitos foram os cientistas que tentaram descobrir o cerne da vida. 3 Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico O mundo das células foi ignorado até meados do século XVIII, época em que os “espíritos” curiosos começaram a utilizar o microscópio. Entre os pioneiros na observação de células ao microscópio óptico destaca-se Robert Hooke (1637 – 1703), astrónomo, físico e naturalista inglês. Os trabalhos de Hooke no estudo da célula encorajaram outros cientistas na observação de material biológico muito variado. A ideia de que todos os seres vivos são constituídos por células e de que cada célula provém da divisão de uma célula preexistente é relativamente recente e foi somente apresentada na segunda metade do século XIX. O aperfeiçoamento dos microscópios e a constante evolução de técnicas de preparação do material a observar permitiram um notável progresso no conhecimento da célula. 1.3 – OBJECTIVOS DO ESTUDO Numa primeira etapa, o presente estudo aborda os principais aspectos relacionados com os constituintes da célula, tanto em células procarióticas como em células eucarióticas. As células eucarióticas são maiores e mais complexas; o seu genoma é maior e possuem mecanismos muito mais elaborados de regulação da expressão genética. O ADN das células eucarióticas encontra-se confinado num compartimento próprio, delimitado por membranas, o núcleo. No citoplasma existem também vários compartimentos (organelos) delimitados por membranas e especializados em funções específicas. Dois destes organelos, as mitocôndrias (especializadas na produção de energia) e os cloroplastos (especializados na fotossíntese), são, muito provavelmente, descendentes de organismos procarióticos ancestrais que se estabeleceram como simbiontes de células maiores, anaeróbicas. Outra característica das células eucarióticas é a presença, no citoplasma, de redes filamentosas (citosqueleto) que servem tanto de apoio estrutural como desempenham funções de trilhos e motores responsáveis pelos movimentos celulares. 4 Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico Neste contexto, esta importante distinção entre os dois tipos de células vai permitir uma análise mais precisa dos seus componentes e das funções desempenhadas pelos mesmos. Por último, a componente prática centra a sua atenção na realização de protocolos de fácil execução e adaptados ao desenvolvimento intelectual da faixa etária correspondente ao 2º ciclo do Ensino Básico. Deste modo, a concretização destes protocolos permitirão a observação dos diferentes constituintes de células de distintos seres vivos e por em prática os conhecimentos adquiridos sobre o tema em questão. Com base nos pressupostos mencionados, desenvolveu-se um trabalho de pesquisa orientado pelos seguintes objectivos: Actualização científica relativa aos conteúdos descritos. Definição de protocolos experimentais que tratem o tema abordado. 1.4 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA CÉLULA NO ENSINO PREPARATÓRIO O tema da célula insere-se no programa da disciplina de Ciências da Natureza – 5º ano de escolaridade. Unidade III – Unidade na diversidade dos seres vivos 1 – A célula – Unidade na constituição dos seres vivos. - Constituintes, forma e dimensões da célula. - Seres unicelulares e seres pluricelulares. 2 – Classificação dos seres vivos - Importância da classificação. - Como classificar os seres vivos. Numa análise concisa a vários manuais de 5º ano de escolaridade facilmente se comprova que o tema da célula é exposto de forma sucinta e com recurso a poucas actividades experimentais, sendo estas constantemente repetitivas. 5 Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico Assim, esta tese visa ser uma mais valia para o ensino e aprendizagem das ciências apresentando inicialmente uma revisão teórica dos conteúdos inerentes ao conhecimento do conceito de célula e seguidamente são apresentados protocolos experimentais que visam a aquisição de novos conhecimentos. A componente experimental nesta área (o estudo da célula) é um pouco restrita nas escolas do 2º ciclo, o que se traduz, na maior parte dos casos, em protocolos experimentais a nível das células vegetais. Contudo, estes apresentam um cariz laboratorial/experimental apresentando vários objectivos a serem alcançados pelos alunos, tais como: 1 – Identificar os constituintes fundamentais da célula. 2 – Fazer esquemas de observações efectuadas no microscópio óptico. 3 – Reconhecer a diversidade da forma e dimensão das células. 4 – Reconhecer a existência de uma estrutura básica nos seres vivos. 5 – Distinguir seres unicelulares de seres pluricelulares. 6 – Dar exemplos de seres unicelulares de seres pluricelulares. 7 – Identificar a importância do microscópio no estudo dos seres vivos. 8 – Identificar as partes constituintes do microscópio óptico. 9 – Promover uma sólida formação de base, no domínio tecnológico /científico. 10 – Desenvolver as capacidades, competências e atitudes do aluno. Na elaboração dos protocolos experimentais foi tido em conta a adequação dos mesmos aos laboratórios escolares do 2º ciclo. Assim, foram sugeridos materiais de baixo custo ou mesmo materiais que se utilizam no nosso quotidiano. Estes protocolos permitirão tornar as aulas mais apelativas para os alunos, motivando-os para a unidade em questão. Foram ainda elaborados alguns protocolos que não se adequam ao 2º ciclo devido à sua complexidade. Estes poderão ser utilizados em acções de formação de professores de ciências do 1º e 2º ciclos, onde poderão contactar com novas técnicas e metodologias do trabalho de investigação. 6 Capítulo 1 – Enquadramento Pedagógico 1.5 – IMPORTÂNCIA DO ESTUDO Qualquer estudo que tenha por objectivo explorar e conhecer o fenómeno da vida, realizado na disciplina de Ciências da Natureza exige um conhecimento adequado e mais ou menos profundo de acordo com o grau de ensino, das características básicas e específicas da célula. Em complemento, quem se aventure neste estudo beneficia com um conhecimento da metodologia adequada para a visualizar. Este trabalho visa a familiarização com o conceito de célula, assim como os seus componentes, e a aprender sobre os instrumentos e experiências que permitam compreender detalhes subcelulares. Não obstante as limitações inerentes a uma investigação conducente ao tema proposto, este estudo é um importante instrumento para professor e aluno tomarem contacto com uma realidade pouco divulgada no âmbito do grau escolar a que se pretende aplicar. O conjunto de protocolos experimentais apresentados são, também eles, um instrumento de trabalho que permitirá ao professor tornar as aulas mais motivantes ao leccionar a referida unidade. 7 ______________________________ II ______________________________ A CÉLULA – UNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DOS SERES VIVOS 2.1 – A célula – unidade na constituição dos seres vivos. 2.2 – Células Procarióticas e Eucarióticas 2.3 – Uma visão panorâmica da Célula Eucariótica O núcleo – a livraria genética da célula. Ribossomas – fábrica de proteínas na célula. Retículo Endoplasmático Complexo de Golgi Lisossomas Cloroplastos e Mitocôndrias Vacúolos Peroxissomas Citosqueleto Parede Celular Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos 2.1 – A CÉLULA – UNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DOS SERES VIVOS Em Biologia, a Célula é definida como unidade básica dos Seres Vivos. A célula é tão fundamental para a Biologia como o átomo é para a Química. Mas o que actualmente se sabe sobre esta estrutura biológica é produto de trabalho essencialmente dos últimos duzentos anos. Em 1824, Dutrochet começou a comparar sistematicamente tecidos animais e vegetais, tendo chegado à conclusão de que a célula é de facto uma unidade básica na construção de todos os organismos vivos. No entanto, a sua obra teve dificuldades em se impor devido ao seu conteúdo “revolucionário”. A aceitação desta hipótese criou um novo campo de investigação, pois as células eram individualizadas e havia que descobrir a importância biológica dos conteúdos celulares. Schleiden e Schwann, em 1838, estabeleceram claramente a ideia de que as células são a unidades estruturais básicas dos seres vivos, desde os unicelulares até aos pluricelulares mais complexos. Esta generalização bastante importante passou a constituir uma teoria que é a pedra basilar da Biologia – teoria celular: cada animal representa o somatório de unidades vitais, cada uma das quais reúne por completo todas as propriedades da vida. Esta teoria foi adquirindo progressivamente significados mais amplos à medida que os investigadores chegavam a novas conclusões sobre os fenómenos que se processam a nível da célula. Em 1958 Rudolf Virchow postulou que a célula não só é a unidade estrutural dos seres vivos mas também a unidade fisiológica. Mais tarde este investigador faz outra generalização ao afirmar que as células têm sempre origem noutras préexistentes. Mais recentemente foi acrescentada à teoria celular uma outra generalização – as células contêm material hereditário através do qual as características específicas passam de uma célula mãe para outras células – células filhas. 9 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Actualmente sabemos que cada célula possui uma organização molecular que lhe permite desempenhar as funções que caracterizam a vida: crescer, reproduzir-se e adaptar-se ao meio exterior. A vida a nível celular emana da ordem estrutural, reforçando a ideia de que existe uma correlação entre estrutura e função. Por exemplo, o movimento de uma célula animal depende de uma inter-relação entre as estruturas que constituem um esqueleto celular. Um outro tema recorrente na Biologia é a interacção do organismo com o seu meio ambiente. As células sentem e respondem ao ambiente que as rodeia. Contudo, as células podem diferir substancialmente uma das outras, mas partilham algumas características em comum. Todas as células possuem organização interna comum, baseada no princípio da compartimentação funcional. Tal como nas sociedades humanas, nas células ocorre uma divisão de tarefas, e cada tarefa ou função é suportada por uma determinada estrutura. 2.2 – CÉLULAS PROCARIÓTICAS E EUCARIÓTICAS Os organismos encontrados na Terra são constituídos por um dos dois tipos de células – procarióticas ou eucarióticas (Tabela 1). Os organismos denominados Bactéria e Archaea são constituídos por células procarióticas. Por outro lado, os Protistas, Fungos, Animais e Plantas apresentam células eucarióticas na sua constituição. As células procarióticas e eucarióticas apresentam várias características básicas comuns: uma membrana plasmática, cromossomas, assim como possuem ribossomas, pequenos organelos que fazem com que as proteínas obedeçam às instruções dos genes. As diferenças entre ambas as células são observáveis ao nível ultra-estrutural. Como se pode observar na Tabela 1, a principal diferença entre as células procarióticas e eucarióticas diz respeito ao facto de nas primeiras não existirem organelos membranosos individualizados. No quadro seguinte referem-se as principais diferenças entre células eucarióticas e procarióticas. 10 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Tabela 1. Comparação entre célula procariótica e eucariótica (Adaptado de Campbell e Reece, 2005). CÉLULA PROCARIÓTICA O material genético não CÉLULA EUCARIÓTICA está envolvido por membrana nuclear. uma membrana nuclear. Cromossomas constituídos por ADN. Não possuem cloroplastos, mesmo quando realizam a fotossíntese, mas sim Cromossomas constituídos por ADN e histonas (proteínas). vesículas fotossintéticas. O material genético está envolvido por Possuem sistemas intracelulares. Não possuem mitocôndrias, mas sim - Cloroplastos invaginações da membrana plasmática, com - Mitocôndrias uma função equivalente à mitocôndria – - Aparelho de Golgi mesossoma. - Retículo endoplasmático Não possuem aparelho de Golgi, nem retículo endoplasmático. No processo mitótico não se forma Os organelos No processo mitótico forma-se o fuso cromático. fuso acromático. membranosos Os organelos envolvidos na mobilidade são geralmente numerosos e mais complexos. envolvidos na mobilidade são em menor número e mais simples. 11 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Nas células eucarióticas observa-se internamente, o citoplasma, caracterizado por um meio opticamente inerte, no seio do qual se podem observar dispersas algumas estruturas internas da célula. Destas estruturas internas é particularmente evidente uma formação globulosa – o núcleo. No interior deste é muitas vezes visível uma outra estrutura sensivelmente esférica de pequenas dimensões – o nucléolo. Na célula eucariótica, os cromossomas constituídos pelos genes encontram-se no núcleo, enquanto numa célula procariótica localizam-se numa região chamada nucleóide, sendo estas células designadas por células anucleadas (Tabela1). Toda a região entre o núcleo e a membrana plasmática é chamada de citoplasma, termo também utilizado para definir o interior de uma célula procariótica. Enquanto o citoplasma de uma célula eucariótica tem uma grande variedade de membranas rodeando organelos com formas e funções especializadas, estes estão ausentes em células procarióticas. A verdade, é que a presença ou ausência de um verdadeiro núcleo é só um exemplo da disparidade na complexa estrutura entre os dois tipos de células. Fig.1 – A célula procariótica (Campbell e Reece, 2005). Complementarmente, nas células eucarióticas vegetais observam-se diversas estruturas de contorno arredondado ou elíptico, apresentando diversas colorações – os plastos. Nestas células observa-se ainda a presença 12 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos de cavidades no citoplasma limitadas por uma membrana, por vezes de dimensões consideráveis – os vacúolos. Através do microscópio é possível verificar a presença de diversos tipos de estruturas na célula animal e vegetal. Na periferia das células nota-se a existência de uma membrana limitante – membrana plasmática (Fig.2.). Na célula vegetal a periferia é muito mais espessa, em virtude de exteriormente à membrana plasmática existir uma parede celular de natureza celulósica. A função da membrana plasmática é de funcionar como barreira selectiva que permite a passagem suficiente de oxigénio, nutrientes e resíduos para manter todo o volume da célula. Fig.2 – Membrana plasmática (Campbell e Reece, 2005). A velocidade das trocas de substâncias entre o interior da célula (citoplasma) e o seu exterior, em que participa a membrana plasmática, é tanto mais reduzida quanto mais pequena for a superfície exterior. As trocas com o meio extra-celular podem ser particularmente inadequadas para manter uma célula que apresenta um citoplasma de grande volume. A necessidade de uma área suficientemente grande para acomodar o volume ajuda a explicar o tamanho microscópico da maior parte das células. Uma razão suficientemente elevada de área superficial/volume é especialmente importante nas células que trocam material com o seu meio envolvente, tais como as células intestinais. Essas células podem ter muitas projecções extensas e finas da sua superfície, chamadas microvilosidades, que aumentam a área superficial sem alteração significativa do volume. 13 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Os requerimentos metabólicos impõem limites teóricos para o tamanho de uma única célula. À medida que um objecto com uma forma particular aumenta de tamanho, o seu volume aumenta de forma proporcional à sua área superficial (a área é proporcional a uma dimensão linear quadrada, enquanto que o volume é proporcional a uma dimensão linear cúbica). No entanto, quanto mais pequeno for o objecto, maior é a razão entre a área superficial e o volume (Fig.3). Fig.3 – Relação geométrica entre área superficial e volume (Campbell e Reece, 2005). 2.3 – UMA VISÃO PANORÂMICA DE CÉLULAS EUCARIÓTICAS As células eucarióticas existem, quer como organismos unicelulares, quer como constituintes de organismos multicelulares. Os seres unicelulares eucarióticos mais simples são as leveduras, enquanto os protozoários são organismos unicelulares extremamente complexos que desenvolveram inúmeras especializações funcionais. Provavelmente, foi o desenvolvimento de características predadoras por parte das células eucarióticas que tornou possível a captura de células procarióticas e sua subsequente “domesticação” dando origem a organelos tais como as mitocôndrias e os cloroplastos. Uma célula eucariótica tem extensos e elaborados arranjos inter-membranares, que 14 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos dividem a célula em compartimentos – os organelos membranares mencionados anteriormente. Entre as células eucarióticas de maior importância destacam-se as de origem animal e vegetal. Na célula animal (Fig 4), o mais proeminente organelo é normalmente o núcleo. Fig.4 – A célula animal (Campbell e Reece, 2005). Por seu lado, a célula vegetal (Fig.5) apresenta um conjunto de organelos designados por plastídeos. O mais importante tipo de plastídeos é o cloroplasto no seio do qual se realiza a fotossíntese. Muitas células vegetais apresentam um grande vacúolo central; algumas podem ter um ou mais vacúolos pequenos. Do lado de fora da membrana plasmática das células vegetais existe uma espessa parede celular perfurada por canais chamados de plasmodesmata. 15 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Em qualquer um deste tipo de células, a informação genética está armazenada no núcleo e transportada para o exterior deste através de ribossomas. Fig.5 – A célula vegetal (Campbell e Reece, 2005). Num primeiro momento iremos abordar dois dos organelos envolvidos no controle genético da célula: o núcleo que contém a maior parte do ADN das células, e os ribossomas, que utilizam a informação do ADN para a síntese de proteínas. Posteriormente, num segundo momento, serão abordados os outros organelos, não menos importantes, observáveis numa célula. 16 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos 2.3.1 – O NÚCLEO – A LIVRARIA GENÉTICA DA CÉLULA O estudo da ultra-estrutura e funções dos vários organelos citoplasmáticos evidencia claramente que as actividades celulares estão compartimentadas em várias estruturas que realizam funções específicas e muito complexas, mas extraordinariamente organizadas. Ao considerarmos a célula como um sistema de elevada complexidade estrutural e funcional, imediatamente somos conduzidos a pensar que esta tem de dispor de um sistema coordenador, ou melhor dizendo, um centro de controlo da sua actividade. Tal centro contém instruções que especificam a estrutura celular e comandam as suas funções. Nas células eucarióticas o centro de controlo onde se localiza a informação genética é o organelo designado por núcleo (Fig.6). O núcleo contém a maior parte dos genes das células eucarióticas (alguns genes estão localizados nas mitocôndrias e cloroplastos). Nele encontramos o património genético da célula, sob a forma de moléculas de ADN. Sendo o núcleo uma esfera com aproximadamente10 µm de diâmetro, o ADN só poderá lá caber enrolado, uma vez que mede cerca de 2 m de comprimento. Na verdade, o ADN é “empacotado” com a ajuda de um conjunto de proteínas denominadas histonas. O ADN e histonas formam a cromatina, que se espalha pelo interior do núcleo. Estudos revelam que a cromatina é constituída por longos e finíssimos filamentos enovelados – as fibras cromatídicas ou nucleofilamentos – constituídas quimicamente por ADN e proteínas. Como são muito longas, finas e se encontram enoveladas, estas fibras não dão a impressão de serem entidades individuais. Na realidade, elas estão individualizadas formando uma entidade designada cromossoma, que se torna claramente visível durante a mitose. Para além da cromatina, identifica-se no núcleo uma outra estrutura, denominada nucléolo. Os nucléolos são densos, com forma mais ou menos esférica e constituídos por grandes quantidades de ARN do tipo ribossómico e proteínas. Esses nucléolos são estruturas dinâmicas. Numa zona específica designada região organizadora do nucléolo, normalmente associada à cromatina, produzem continuamente ARNr (ribossómico) que é transportado 17 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos para o citoplasma e se destina à formação de ribossomas, participando na síntese de proteínas. Fig.6 – Núcleo (Campbell e Reece, 2005). O núcleo encontra-se separado do citoplasma por um sistema membranar denominado invólucro nuclear. Esta membrana é a estrutura que separa os componentes nucleares dos citoplasmáticos, conferindo individualidade ao núcleo como organelo celular. Deste modo, os fenómenos da expressão genética, para além de separação temporal, passam a estar segregados espacilamente. O invólucro nuclear tem uma organização estrutural complexa que sofre modificações ao longo do ciclo celular. É formado por duas membranas, ambas de natureza lipoproteica semelhante ao plasmalema. Entre as duas membranas existe um espaço perinuclear. 18 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Do ponto de vida funcional o invólucro nuclear está, inequivocamente, envolvido no transporte núcleo-citoplasmático, sendo-lhe ainda atribuídas funções na organização espacial da cromatina e na replicação de ADN. O núcleo é assim o centro que assegura a transmissão do material hereditário, sendo no hialoplasma que são recebidas e executadas as informações emanadas do núcleo, que se traduzem em reacções das quais dependem estruturas, formas e funções particulares, conforme os diferentes modelos dessas informações. 2.3.2 – RIBOSSOMAS – FÁBRICA DE PROTEÍNAS NA CÉLULA No citoplasma são sintetizadas todas as moléculas que permitem à célula crescer, multiplicar-se, diferenciar-se e comunicar com as outras células de um organismo pluricelular. Estas moléculas são maioritariamente proteínas, cuja estrutura (e, consequentemente, função) é determinada pela sequência de pares de bases do respectivo gene. Cada gene que codifica uma proteína é inicialmente copiado no núcleo por um mecanismo denominado transcrição, dando origem a uma molécula de ARN mensageiro (ARNm). As moléculas de ARNm são transportadas para o citoplasma, onde se associam a ribossomas. Com o auxílio de moléculas adaptadoras, denominadas ARN de transferência (ARNt), a sequência de nucleótidos de cada ARNm é traduzida numa sequência de aminoácidos, ou seja, numa proteína. As proteínas desempenham um papel fundamental na compartimentação funcional das células eucarióticas. São proteínas as enzimas que catalisam as reacções específicas de cada organelo, e são proteínas as moléculas que controlam o transporte de componentes entre os vários compartimentos. Numa célula humana existem cerca de dez mil tipos distintos de proteínas, rigorosamente distribuídas pelos diversos compartimentos onde exercem as suas funções. Parte das proteínas celulares é sintetizada por ribossomas (Fig.7) localizados no citosol, enquanto outras são sintetizadas por ribossomas associados ao retículo endoplasmático. As proteínas de localização nas membranas celulares, bem como as proteínas destinadas aos lisossomas e as proteínas de secreção são todas sintetizadas com uma sequência-sinal que 19 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos indica que devem ser conduzidas para o retículo endoplasmático. As restantes proteínas, desprovidas deste sinal, são sintetizadas por ribossomas e polissomas (conjunto de vários ribossomas que, num determinado momento, se encontram a traduzir a mesma molécula de ARNm) livres no citosol. Fig.7 – Ribossomas (Campbell e Reece, 2005). Cada ribossoma é composto por duas subunidades, cada uma das quais é constituída por moléculas de ARN ribossomal (ARNr) associadas a proteínas. A subunidade maior contém uma molécula de RNAr maior, e a subunidade menor contém uma molécula de ARNr mais pequena. As subunidades ribossomais, bem como as moléculas de ARNr que as constituem, são normalmente identificadas em termos de coeficiente de sedimentação medido em unidades de Svedberg (S). Os tamanhos das moléculas de ARNr, a quantidade de proteínas em cada subunidade e, consequentemente, os tamanhos das subunidades, são diferentes entre as células eucarióticas e procarióticas. Uma consequência importante desta diferença é que certos compostos de natureza química (fármacos…) interagem especificamente com os ribossomas procarióticos, sem interferir com os ribossomas eucarióticos. Muitos dos antibióticos usados em medicina actuam por este mecanismo. No entanto, os ribossomas das mitocôndrias e dos cloroplastos, cujas características são semelhantes aos ribossomas procarióticos, podem ser sensíveis a estes fármacos. Por esta razão alguns antibióticos, ao penetrar nas 20 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos mitocôndrias ou cloroplastos, podem causar efeitos tóxicos graves sobre as células eucarióticas. 2.3.3 – RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO O retículo endoplasmático (Fig.8) é constituído por um labirinto intracelular de cisternas, delimitadas por membranas. Parte destas cisternas estão revestidas por ribossomas e denomina-se retículo endoplasmático rugoso. Outra parte não se associa a ribossomas e denomina-se retículo endoplasmático liso. O retículo endoplasmático rugoso é responsável pela síntese de todas as proteínas secretadas para o exterior da célula., bem como de todas as proteínas transmembranares e das enzimas lisossómicas. Na verdade, a síntese destas proteínas inicia-se em ribossomas localizados no citosol. No entanto, estas proteínas distinguem-se das restantes por possuírem uma molécula-sinal que consiste numa sequência específica de aminoácidos. No citosol existe um complexo macromolecular denominado SRP (Sinal de Reconhecimento de Partículas) que se liga especificamente a estes aminoácidos, bloqueando a tradução do resto da proteína. O bloqueio só termina quando o conjunto ribossoma-ARNm-proteína nascente-SRP encontra uma cisterna do retículo endoplasmático rugoso. Aí, a SRP interage com um receptor específico localizado na membrana do retículo e desliga-se da cadeia de aminoácidos. Deste modo, a tradução reinicia-se, ao mesmo tempo que a proteína é transportada para o interior da cisterna (lúmen). No lúmen do retículo endoplasmático as proteínas recebem um conjunto de açúcares (glúcidos), transformando-se em glicoproteínas. Ao contrário do retículo endoplasmático rugoso, o retículo endoplasmático liso é escasso na maioria das células. No entanto, este compartimento encontra-se particularmente desenvolvido em certos tipos especializados de células. É o caso das células do fígado, células musculares e células produtoras de hormonas esteróides. Nas células do fígado, o retículo liso acumula, por um lado, as enzimas que degradam fármacos e compostos tóxicos para o organismo. O retículo é também o local de acumulação das enzimas responsáveis pela síntese de hormonas esteróides a partir do 21 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos colesterol e, por isso, encontra-se muito desenvolvido nas células produtoras deste tipo de hormonas. Finalmente, o retículo liso contém proteínas de transporte e armazenamento de cálcio e, por isso, é muito abundante nas células musculares. Fig.8 – Retículo endoplasmático (Campbell e Reece, 2005). 22 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos 2.3.4 – COMPLEXO DE GOLGI O complexo de Golgi (Fig.9) localiza-se, geralmente, perto do núcleo e é constituído por uma série de cisternas empilhadas, rodeadas por inúmeras vesículas. Em cada pilha de cisternas distingue-se uma face cis (ou face de entrada), mais próxima do núcleo e uma face trans (ou face de saída), mais afastada do núcleo. Junto à face cis, as vesículas representam um sistema de vaivém entre o Golgi e o retículo endoplasmático rugoso: das cisternas do retículo destacam-se, continuamente, vesículas que se fundem com as cisternas do complexo de Golgi, transportando as proteínas destinadas à via de secreção. Em sentido inverso, destacam-se vesículas das cisternas do complexo de Golgi que retornam ao retículo transportando proteínas que não entram na via de secreção (denominadas proteínas residentes no retículo). Da face trans destacam-se vesículas destinadas ou à via de secreção ou aos lisossomas. Ao atravessar o complexo de Golgi as proteínas sofrem uma série de modificações que incluem a remoção de alguns açúcares (geralmente resíduos de manose), a adição de outros (por exemplo, galactose, e ácido siálico). O complexo de Golgi é, portanto, o local da célula onde se produzem as glicoproteínas e os proteoglicanos. Fig.9 – Aparelho de Golgi (Campbell e Reece, 2005). 23 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Da face trans do complexo de Golgi destacam-se, permanentemente, vesículas que acabam por fundir com a membrana plasmática num processo denominado de exocitose. Em consequência, as proteínas transportadas no lúmen da vesícula são lançadas para o meio extracelular, enquanto as proteínas transportadas na membrana da vesícula ficam localizadas na membrana plasmática. Para além desta via (denominada via de secreção constitutiva), algumas células especializadas possuem, adicionalmente, um mecanismo de secreção regulada que permite o armazenamento das proteínas de secreção em vesículas ou grânulos de secreção, cuja exocitose ocorre apenas por resposta a um sinal vindo do exterior. Para compensar o aumento de superfície decorrente da exocitose, a membrana plasmática sofre, continuamente, um processo de internalização através de invaginações que acabam por dar origem a vesículas de endocitose. Mediante este processo as células ingerem passivamente pequenos volumes do fluído e solutos presentes no meio extracelular. Adicionalmente, as células possuem meios de internalizar preferencialmente determinadas moléculas do meio extracelular. Este mecanismo denominado de endocitose mediada por receptores, baseia-se na existência de receptores específicos na membrana plasmática. Um exemplo bem conhecido é o da internalização de colesterol transportado no sangue e meio extracelular sob a forma de lipoproteínas (LDL). Na membrana plasmática existem receptores proteicos específicos para as LDL. Os receptores são proteínas transmembranares que interagem, no interior da célula, com uma proteína denominada clatrina. A ligação de LDL ao receptor desencadeia neste uma modificação que facilita a associação de várias moléculas de clatrina entre si. Em consequência, forma-se um revestimento de clatrina que favorece a internalização da membrana, dando origem a uma vesícula. No interior do citoplasma, a vesícula perde o revestimento de clatrina e adquire transportadores transmembranares de protões, transformando-se num endossoma. Com o transporte de protões para o interior do endossoma e consequente acidificação do meio interno, as LDL desligam-se dos receptores. Os receptores livres concentram-se numa pequena zona da membrana do endossoma que se destaca sob a forma de uma pequena vesícula e que acaba por se fundir com a membrana plasmática. Entretanto, o endossoma funde-se 24 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos com um lisossoma onde as LDL são digeridas e o colesterol é libertado para ser usado como nutriente pela célula. 2.3.5 – LISOSSOMAS Os lisossomas (Fig.10) são vesículas intracelulares delimitados por uma membrana e contendo enzimas hidrolíticas, capazes de digerir todas as macromoléculas da célula. Conhecem-se cerca de 40 tipos de enzimas lisossómicas, que incluem proteases, nucleases, glicosidases, lipases, fosfatases e sulfatases. Todas estas enzimas têm uma particularidade: são preferencialmente activas em meio ácido e, para acidificar o seu meio interno, os lisossomas possuem na membrana uma bomba de protões. Por outro lado, a membrana impede o acesso das enzimas ao citoplasma. E, no caso de eventual fuga, as enzimas não são activas a um pH neutro do citoplasma. Fig.10 – Lisosoma (Campbell e Reece, 2005). Na célula, os lisossomas exercem fundamentalmente três funções: 1. Os lisossomas digerem macromoléculas provenientes do exterior pela via da endocitose, fornecendo nutrientes para o metabolismo da célula. É o caso, por exemplo, das partículas de lipoproteínas que são internalizadas por 25 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos endocitose mediada por receptores e incorporadas em endossomas que se fundem com os lisossomas. No lisossoma as lipoproteínas são digeridas, libertando o colesterol que é utilizado pela célula na biosíntese de membranas. 2. Os lisossomas desempenham, adicionalmente, um papel fundamental na destruição de componentes celulares obsoletos. Neste processo, denominado autofagia, os organelos que atingiram o limite do seu tempo de vida ou que deixaram de ser necessários à célula, são incorporados em vesículas (autofagossomas) que se fundem com os lisossomas. 3. Finalmente, os lisossomas participam na degradação de microrganismos ou partículas nocivas à célula através do mecanismo de fagocitose. As células humanas especializadas neste mecanismo são os macrófagos e os neutrófilos. Os corpos reconhecidos como estranhos são fagocitados pela célula e incorporados em fagossomas que se fundem com lisossomas. Todas as hidrolases ácidas destinadas aos lisossomas são sintetizadas no retículo endoplasmático e transportadas para o complexo de Golgi. Aí recebem um sinal específico, que consiste numa manose fosforilada na posição 6 (M-6-P). Ao atingirem a face trans do Golgi, estas enzimas são incorporadas em vesículas, que possuem na membrana receptores para M-6-P e que se fundem, especificamente, com lisossomas pré-existentes. Deste modo, as enzimas hidrolíticas marcadas pelo sinal M-6-P separam-se, à saída do complexo de Golgi, das proteínas destinadas à via da secreção. 2.3.6 – CLOROPLASTOS E MITOCÔNDRIAS As mitocôndrias e os cloroplastos são constituintes essenciais das células eucarióticas, pois são estes organelos que fornecem à célula a energia necessária para todas as reacções do metabolismo. Os cloroplastos (Fig.11) existem nas células fotossintéticas (células vegetais), sendo o seu número muito variável nas plantas superiores. Em corte, apresentam a forma de discos lenticulares de cor verde com 3-10 µm de diâmetro e 1-2 µm de espessura. As clorofilas a e b e os carotenóides (carotenos e xantofilas) são os pigmentos mais importantes. 26 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos Do ponto de vista ultrastrutural, os cloroplastos possuem invólucros constituídos por uma membrana externa e uma membrana interna, as quais delimitam o espaço intermembranar. Em alguns casos, como por exemplo no milho, a membrana interna invagina-se e origina uma rede complexa de túbulos, o retículo periférico. Fig.11 – Cloroplasto (Campbell e Reece, 2005). O invólucro delimita o estroma no seio do qual se encontram os tilacóides. Estes são sáculos achatados de natureza membranosa que, regra geral, se dispõem segundo o eixo maior do cloroplasto. Os tilacóides podem agrupar-se, constituindo empilhamento de discos achatados uns sobre os outros, designam-se, neste caso, tilacóides dos grana. Os tilacóides do estroma são sáculos polimórficos não empilhados que aparecem, muitas vezes, a ligarem entre si tilacóides de grana diferentes. O estroma é constituído por uma substância, fundamentalmente granular, onde se encontram glóbulos osmiófilos ou plastoglóbulos, ribossomas, grãos de amido e ADN cloroplastidial formando nucleóides. De todos os constituintes do estroma só os grãos de amido são observáveis ao microscópio óptico, surgindo como estruturas refringentes quando corados com soluto de lugol. Na fase inicial da diferenciação dos cloroplastos, a membrana interna do invólucro do proplasto invagina-se, formando vesículas e lamelas que, mais 27 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos tarde, originarão os tilacóides. No decurso da ontogenia cloroplastidial, as invaginações da membrana interna podem originar vesículas que se acumulam em locais definidos do proplasto, formando o corpo prolamelar. Nalguns casos, o corpo prolamelar forma arranjos cristalinos. Se a planta for mantida em condições de iluminação adequada, o corpo prolamelar e/ou as lamelas formadas a partir da membrana interna organizam-se para formar um sistema tilacoidal funcional (fotossintetizante). Ao mesmo tempo que se diferenciam as membranas tilacoides, tem lugar a conversão do protoclorofilídeo em clorofilídeo e este em clorofila. As mitocôndrias (Fig.12) são organelos celulares presentes na maioria das células eucarióticas e responsáveis, em condições aeróbias, pela obtenção de energia necessária às células que as possuem. Têm aspecto morfológico muito variável, podendo ocorrer, contrariamente ao que o seu nome indica (“grânulo fusiforme”), sob diversas formas, como redonda, oval e em bastonete ou filamento, e apresentando variações no seu tamanho, número e distribuição, não só segundo os diferentes tipos de células como também durante o ciclo de vida de uma mesma célula. Uma célula humana contém, em média, cerca de 3000 a 5000 destes organelos citoplasmáticos. Fig.12 – Cloroplasto (Campbell e Reece, 2005). 28 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos O termo mitocôndria, introduzido em finais do século XIX por Benda, deriva das palavras gregas “mitos” e “chondros”. Até essa altura, esses organelos subcelulares foram designados por diversos nomes, ficando o de bioblastos como o mais conhecido. Altman, em finais do séc. XIX, considerava que as mitocôndrias eram as unidades básicas da actividade celular e, baseando-se nas semelhanças de forma e tamanho que encontrou entre bioblastos e bactérias, sugeriu que aqueles organelos deveriam ser capazes de existência independente e que as células eucarióticas que as possuíam adquiriram, por isso, capacidade de vida. É interessante notar que essas ideias tornaram a surgir, embora sob diferente forma, na actual teoria endossimbiótica da origem evolutiva da mitocôndria. Ainda em finais do século XIX, Michaelis desenvolveu uma técnica para corar selectivamente mitocôndrias. Este facto foi de grande importância pois, além de ter sido a primeira indicação de que a mitocôndria tem a capacidade de reduzir um corante, forneceu um critério definitivo para a sua identificação citológica. Em 1940, tinha-se progredido o suficiente para formular um esboço da cadeia de transporte de electrões. Antes disso, tinham já sido descritas as reacções enzimáticas do ciclo do ácido cítrico, tendo-se também demonstrado que a oxidação de vários intermediários do ciclo estava ligada à formação de ATP. Na década seguinte (1940 – 1950), as mitocôndrias foram identificadas como locais de metabolismo energético. Nos anos 50, o melhoramento de técnicas de microscopia permitiu uma descrição das principais características morfológicas da mitocôndria. Também nessa altura os investigadores (particularmente Hatefi e colaboradores) tiveram sucesso no isolamento de porções da cadeia respiratória enzimaticamente activas. Em 1961, Mitchell propôs a hipótese quimiosmótica para explicar a produção de energia na forma de ATP, em que basicamente sugere que, durante a transferência de electrões, é formado um gradiente de iões hidrogénio através da membrana interna, posteriormente utilizado para a síntese de ATP. Várias descobertas, como a de que as mitocôndrias possuem uma maquinaria para sintetizar algumas proteínas, dirigiram a investigação para o problema da biogénese mitocondrial. Os estudos de genética mitocondrial também evoluíram bastante desde que Ephrussi descobriu uma mutação não cromossomal (citoplasmática), que causava deficiências respiratórias em 29 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos leveduras e Schatz, em 1964, descreveu a existência de ADN mitocondrial nesse organismo. Mais recentemente, tem vindo a ser descrita a associação entre defeitos mitocondriais e uma grande variedade de doenças humanas. São doenças ainda raras que se podem manifestar com diversos sintomas, mais ou menos severos, que incluem: problemas de crescimento e aprendizagem, problemas respiratórios, neurológicos, cardíacos, visuais e/ou auditivos, enfraquecimento muscular, e outros. As doenças afectam particularmente órgãos com maiores necessidades energéticas, como o cérebro, coração e músculos, e estão a ser alvo de investigação intensa. 2.3.7 – VACÚOLOS Nas células vegetais diferenciadas, uma parte significativa do seu volume é ocupado pelo vacúolo (Fig.13). Este aparece como um espaço delimitado por uma membrana denominada tonoplasto. O tonoplasto tem a capacidade de manter constante o pH ácido do fluido vacuolar. Dependendo do tipo de célula, o volume ocupado pelo vacúolo ou conjunto de vacúolos – Vacuôma – varia entre 5 e 95%. A biogénese do vacúolo é assunto de relativa controvérsia. Os vacúolos podem formar-se nas células meristemáticas por dilatação de túbulos do retículo endoplasmático ou por fusão de vesículas derivadas, quer do retículo endoplasmático, quer dos dictiossomas. Nestas células, o vacuoma é formado por pequenos e numerosos vacúolos globulares ou filamentosos. Durante a diferenciação celular, os vacúolos são, de entre os organelos celulares, os que apresentam alterações mais notórias. Os vacúolos das células vegetais podem assemelhar-se aos lisossomas das células animais por armazenarem grande número de enzimas hidrolíticas. Na célula vegetal desempenham, porém, funções muito diversas. O vacúolo funciona, predominantemente, como uma estrutura de hidratação da célula com a consequente ocupação de espaço e manutenção da forma celular. A formação de células de grandes dimensões, como é o caso das células vegetais definitivas, preenchidas unicamente por citoplasma, exigiria grande dispêndio de energia, quer em termos de síntese inicial, quer em termos de 30 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos manutenção. Embora num processo de diferenciação normal as células renovem os seus conteúdos citoplasmáticos e produzam algum citoplasma adicional, o facto é que a diferenciação se traduz, na maioria dos casos, na acumulação de água em pequenos vacúolos que progressivamente coalescem, originando o vacúolo único, de grandes dimensões, das células definitivas. Fig.13 – Vacúolo (Campbell e Reece, 2005). O vacúolo pode ainda armazenar compostos de natureza diversa, muitos dos quais são tóxicos para a célula se acumulados no citoplasma. Entre os produtos armazenados no vacúolo encontram-se alguns de utilização metabólica imediata. Tal é o caso das plantas que fixam o dióxido de carbono durante a noite e o convertem em malato, que é armazenado no vacúolo até ser utilizado na síntese de açúcares, síntese esta que ocorre na presença de luz. Muitos dos compostos acumulados no vacúolo têm papel importante na interacção animal/planta, nomeadamente as antocianinas das pétalas, que são importantes na atracção de polinizadores. No entanto, nem todos os compostos têm papel tão inofensivo. Muitas plantas acumulam, no vacúolo, alcalóides extremamente tóxicos, que impedem os herbívoros de as utilizar na sua dieta. O vacúolo pode ainda acumular proteínas, como acontece com as sementes das gramíneas, que são mobilizadas durante a germinação. 31 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos 2.3.8 – PEROXISSOMAS Os peroxissomas (Fig.14) foram descritos, pela primeira vez, por Rodhin, em 1954, no citoplasma das células dos tubos contornados proximais do rim de ratinho e designados com o nome de “microcorpos”. Em 1960, De Duve e colaboradores, caracterizaram-nos bioquimicamente e, em 1966, De Duve e Baudhuin introduziram a designação de peroxissoma para definir o organelo que continha uma oxidase que formava peróxido de hidrogénio (H2O2), e catalase que decompunha esta substância. Mais tarde, os peroxissomas foram observados em numerosas células animais e vegetais e designados por peroxissomas, microperoxissomas, microcorpos e glixissomas. Estes termos assinalam diferenças estruturais e funcionais do organelo peroxissoma nas várias espécies animais e vegetais e até entre os órgãos e tecidos da mesma espécie. Fig.14 – Peroxissoma (Campbell e Reece, 2005). Os peroxissomas são organelos citoplasmáticos rodeados de membrana simples com matriz moderadamente densa, por vezes com uma estrutura cristalina no seu interior. Observam-se em quase todas as células animais (exceptuam-se os eritrócitos) em numerosas células vegetais e até em protozoários, leveduras e algumas bactérias. Contêm numerosas enzimas que catalisam reacções importantes para o metabolismo celular, intervêm na 32 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos produção e degradação de H2O2, na oxidação dos ácidos gordos de cadeia muito longa, prostaglandinas, purinas e poliaminas, na biossíntese dos ácidos biliares e plasmalogénios, no catabolismo dos ácidos fitânicos, pipecólico e glioxílico e desempenham importantes funções metabólicas e de regulação hormonal. Recentemente começaram a caracterizar-se doenças – doenças peroxissómicas (ou peroxissomais) – originadas por deficiência de uma ou mais funções peroxissómicas, consequência da ausência de uma ou outra enzima habitualmente presentes nestes organelos. 2.3.9 – CITOSQUELETO As células eucarióticas possuem uma extraordinária plasticidade, flexibilidade e mobilidade, e a estrutura responsável por tais propriedades é o citosqueleto. O citosqueleto desempenha, simultaneamente, o papel de “ossos” e “músculos” da célula, e representa um passo fundamental na evolução das células procarióticas e eucarióticas. As várias propriedades do citosqueleto devem-se à existência de três grandes tipos de estruturas proteicas com propriedades distintas: os filamentos intermediários, os microfilamentos de actina e os microtúbulos. Os filamentos intermediários (com cerca de 10 nm de diâmetro) são constituídos por agregados de proteínas filamentosas que variam consoante o tipo de célula. Por exemplo, nas células epiteliais as proteínas constituintes dos filamentos intermediários denominam-se ceratinas e desempenham um papel fundamental na coesão intercelular. Os microfilamentos de actina têm um diâmetro individual de cerca de 7nm e associam-se geralmente em feixes ou redes de localização submembranar. Estes feixes ou redes são responsáveis pela forma e plasticidade da membrana plasmática. Os microtúbulos são constituídos por cilindros ocos de 25 nm de diâmetro, cujas paredes são formadas por agregados de proteínas globulares denominadas tubulinas. Nas células em interfase, os microtúbulos emanam de uma estrutura perinuclear denominada centrossoma. Daqui os microtúbulos espalham-se por todo o citoplasma onde servem de “trilhos” para o movimento 33 Capítulo 2 –A Célula: Unidade na constituição dos Seres Vivos de vários organelos. Por exemplo, o transporte de vesículas envolvidas quer na via de secreção, quer na via de endocitose, ocorre ao longo dos microtúbulos. Estes são, também, os principais constituintes dos cílios e flagelos, contribuindo assim para o movimento celular. Durante a divisão celular, os microtúbulos desempenham ainda um papel fundamental, pois são os responsáveis pela separação equitativa dos cromatídeos pelas duas células-filhas. 2.3.10 – PAREDE CELULAR A diferença entre animais e plantas não está nos processos moleculares fundamentais, como a replicação de ADN, síntese proteica ou mesmo na arquitectura molecular das membranas protoplasmáticas. A diferença mais significativa entre estes dois grupos de seres vivos reside nas plantas possuírem uma parede celular rígida, que confere às células características peculiares, e de fixarem o dióxido de carbono atmosférico durante a fotossíntese. A parede celular é uma estrutura fundamental para o desenvolvimento das plantas. Nas zonas da planta onde o crescimento é mais intenso, a parede celular desempenha um papel preponderante na regulação do alongamento celular e na definição da forma final das células. O grau de especialização da parede, que é uma consequência do processo de maturação celular, contribui para a definição da função específica da célula no tecido e no órgão. Enquanto algumas das células definitivas mantêm a sua parede celular primária, por vezes consideravelmente espessa, como é o caso das células do colênquima, outras há que desenvolvem parede celular secundária, formada por novas camadas de parede de composição diversa. A parede celular é uma estrutura particular de matriz extracelular da célula vegetal, intimamente associada à face exoplásmica do plasmalema. Embora esta estrutura desempenhe muitas das funções atribuídas à matriz extracelular das células animais, ela é normalmente mais espessa, mais organizada e mais rígida, sendo constituída por macromoléculas completamente diferentes das que constituem a matriz extracelular das células animais. 34 _____________________________ III _____________________________ A MICROSCOPIA 3.1 – Um pouco de história 3.2 – O microscópio 3.3 – Tipos de microscópios Microscópio fotónico Microscópio electrónico Microscópio protónico 3.4 – Constituição do microscópio óptico comum Parte mecânica Parte óptica 3.5 – Ampliação do microscópio 3.6 – Funcionamento do microscópio óptico Cuidados a microscópio ter com o Recomendações a seguir depois da utilização do microscópio Capítulo 3 –A Microscopia 3.1 – UM POUCO DE HISTÓRIA Antes da época de Cristo, a propriedade de pedaços esféricos de vidro aumentarem imagens já era conhecida pelos Assírios. Esta propriedade só passou a ser efectivamente explorada por volta de 1300, quando começaram a ser utilizadas lentes para melhorar a visão. No início do século XVII, microscópios compostos produzidos por fabricantes de lentes italianos e ingleses passaram a ser comuns na Europa. Este tipo de microscópio, constituído por duas ou mais lentes associadas, denomina-se microscópio composto, enquanto aquele em que apenas uma lente é usada denomina-se microscópio simples. Os primeiros microscópios compostos produziam aumentos maiores do que os microscópios simples. Todavia, a imagem que forneciam era de péssima qualidade, devido às anomalias cromáticas. As lentes utilizadas naquela época causavam a decomposição da luz branca nas cores constituintes, aparecendo o objecto em estudo no campo de visão envolvido por linhas coloridas. Assim, muitos indivíduos preferiam utilizar microscópios simples que, quando constituídos com lentes cuidadosamente polidas, forneciam aumentos razoáveis, sem o problema de anomalias cromáticas. Um desses indivíduos foi Antonie Van Leeuwenhoek, um excelente fabricante de lentes que viveu na Holanda entre 1632 e 1723. As suas lentes manualmente polidas forneciam aumentos da ordem das 40 a 270x. Leeuwenhoek é tido como o descobridor dos seres microscópicos, tendo sido ele quem primeiro observou as bactérias e os protozoários. Outras contribuições dadas por Leeuwenhoek foram a descrição dos capilares que ligam as artérias e veias dos vertebrados, a descrição microscópica dos músculos, dentes e outros órgãos e a confirmação de que os espermatozóides estão presentes no líquido seminal de machos de mamíferos. Robert Hooke (1635 – 1703), um outro grande cientista, estudou entre outras coisas a estrutura das penas das aves, das patas das moscas e da cortiça. Em 1665, Hooke descreveu as suas observações sobre um pedaço de cortiça como sendo todo perfurado e poroso, assemelhando-se muito, quanto a isto, a um favo de mel, e que além disso, esses poros, ou células, não eram 36 Capítulo 3 –A Microscopia muito fundos, e sim constituídos por um grande número de pequenas caixas. Pode-se assinalar que foi perante esta descrição que Hooke cunhou o termo célula (pequena cela) para designar as pequenas cavidades que ele observou na cortiça. Após essas primeiras descobertas, os estudos microscópicos avançaram muito pouco. Nenhuma descoberta importante foi feita no decorrer dos 200 anos que se seguiram à descoberta da célula, por Robert Hooke. O agente limitante, neste caso, foi sem dúvida a qualidade dos microscópios, dado continuarem a apresentar anomalias cromáticas. Globo condensador Fonte de luz Ocular Tubo Objectiva Porta-objecto Fig.15 – Microscópio utilizado por Hooke e desenhos da estrutura microscópica da cortiça em dois planos de corte perpendiculares entre si. (Adaptado de http://images.google.pt/images?q=primeiro+microscopio&ndsp=18&um=1&hl=pt- PT&start=0&sa=N) Finalmente, a partir de 1830 começaram a ser produzidas as chamadas lentes acromáticas, as quais não produziam anomalias. Esta inovação resultou num enorme progresso da indústria de microscópios, que culminou com a invenção, pelo físico Ernest Abbé, do microscópio acromático com condensador, praticamente idêntico aos utilizados actualmente. Essas inovações tecnológicas abriram uma nova era para as Ciências Biológicas. 37 Capítulo 3 –A Microscopia 3.2 – O MICROSCÓPIO O microscópio é um instrumento que se destina a observar objectos de reduzidas dimensões, impossíveis de observar à vista desarmada. É um instrumento auxiliar de observação que permite aumentar o poder de separação linear do globo ocular, facultando a observação de pontos, que divergem entre si por valores muito reduzidos, como dois pontos distintos. Em suma, é um aparelho amplificador que produz uma imagem ampliada do objecto em estudo. 3.3 – TIPOS DE MICROSCÓPIOS Existem dois tipos de microscópios: ¾ Microscópio simples – contém uma lente simples ou um sistema de lentes centradas, não permitindo uma ampliação dos objectos superior a 50x. Ex. Lupa. ¾ Microscópio composto – é constituído por mais do que um sistema de lentes. A formação da imagem é determinada, em grande parte, pelo comprimento de onda da luz utilizada na iluminação da amostra e pelas propriedades físicas desta. Com base no tipo de iluminação, podemos considerar os seguintes tipos: ¾ Microscópio fotónico (óptico) – a imagem é transmitida por um feixe de fotões (luz visível ou ultravioleta). ¾ Microscópio electrónico (de varrimento e de transmissão) – a imagem é transportada por um feixe de electrões. ¾ Microscópio protónico – a imagem é transportada por protões. 38 Capítulo 3 –A Microscopia De entre os microscópios fotónicos, podemos ainda considerar os seguintes sub-tipos: ¾ Microscópio comum Utilizado para ampliar, com uma série de lentes, estruturas pequenas impossíveis de visualizar a olho nu. É constituído por um componente mecânico que suporta e permite controlar um componente óptico que amplia as imagens. (http://pt.wikipedia.org) ¾ Microscópio ultravioleta A radiação utilizada é o ultravioleta que tem um comprimento de onda (λ) perto de 0,2 a 0,3 μm, inferior aos valores de λ para a luz visível, o que permite melhorar o limite de resolução comparativamente ao microscópio de campo luminoso/claro. A óptica é constituída por lentes de quartzo, já que o vidro não transmite este tipo de radiação. (http://docentes.esa.ipcb.pt) ¾ Microscópio de fluorescência Permite observar microrganismos capazes de fixar substâncias fluorescentes (fluorocromos). A luz UV, ao incidir nessas partículas, provoca a emissão de luz visível e observa-se os microrganismos a brilhar em fundo escuro. (http://pt.wikipedia.org) 39 Capítulo 3 –A Microscopia ¾ Microscópio de campo escuro Os corpúsculos a examinar são fortemente iluminados por feixes luminosos que penetram lateralmente, o que é conseguido com condensadores especiais. Deste modo, a única luz que penetra na objectiva é a difractada pelas partículas presentes na preparação, pelo que passam a ser visíveis em fundo escuro. (http://pt.wikipedia.org) ¾ Microscópio de contraste de fase Permite a observação de microrganismos vivos, sem coloração, através do contraste devido à diferença de fase dos raios luminosos que atravessam o fundo relativamente à fase da luz que atravessa os microrganismos. (http://pt.wikipedia.org) ¾ Microscópio de polarização O microscópio de polarização possui dois prismas: um polarizador e outro analisador. A luz ao penetrar em estruturas como músculo, ossos, celulose, fibras, cabelos, etc., desdobra-se em dois feixes. O prisma deixa passar uma das vibrações luminosas mas não a outra, de modo que as estruturas que forem isotrópicas serão anuladas e no seu lugar surgirá uma imagem escura. As estruturas birrefringentes (anisotrópicas) produzirão um tipo de vibração luminosa que será emitida, ficando brilhante. Somente as estruturas birrefringentes aparecerão brilhantes, ficando o restante material escuro. (Adaptado de http://monografias.brasilescola.com) 40 Capítulo 3 –A Microscopia Relativamente aos microscópios electrónicos podemos considerar os seguintes sub-tipos: ¾ Microscópio electrónico de varrimento (SEM) Cria uma imagem ampliada da superfície do objecto. Não é necessário cortar o objecto para se observar; este pode ser colocado no microscópio sem grandes preparativos. Pode ampliar os objectos 100 mil vezes ou mais, sendo muito útil dado que permite obter imagens tridimensionais da superfície do objecto. (Adaptado de http://www.geocites.com) ¾ Microscópio electrónico de transmissão (TEM) Dirige o feixe de electrões para o objecto, cuja imagem se deseja aumentar. Uma parte dos electrões atravessa o objecto, formando uma imagem aumentada. Exige uma cuidada preparação do objecto, que necessita ser cortado em camadas muito finas. Permite ampliações do objecto até um milhão de vezes. (Adaptado de http://www.geocites.com) De todos os microscópios referidos anteriormente, apenas será referenciado com maior relevância o microscópio óptimo comum, uma vez tratar-se do microscópio utilizado nas aulas práticas de Ciências da Natureza no 2º ciclo do Ensino Básico. 41 Capítulo 3 –A Microscopia 3.4 – CONSTITUIÇÃO DO MICROSCÓPIO ÓPTICO COMUM Um microscópio óptico compõe-se essencialmente em duas partes (Silva e Valente, 2003): Parte mecânica Parte óptica Fig.16 – Esquema da constituição do microscópio óptico comum (http://campus.fornecity.com). Parte Mecânica É constituído por uma série de peças que variam na forma e no tamanho consoante o tipo de microscópio. ¾ Pé/Base – Assegura a estabilidade do objecto de observação sobre a mesa. 42 Capítulo 3 –A Microscopia ¾ Coluna/Braço – Peça que se levanta verticalmente do pé. Pode ser rígida ou articulada, rectilínea ou dobrada. É a região que suporta o tubo ou canhão do microscópio e destina-se ao transporte deste instrumento de observação. ¾ Tubo ou canhão – Tubo cilíndrico que suporta nas suas extremidades a lente ocular e a lente objectiva. Na extremidade inferior encontra-se um revolver que suporta as várias objectivas e que por rotação permite a rápida troca de lentes. ¾ Platina ou mesa – Placa com forma variada (quadrangular ou circular) fixa ou rotativa. É horizontal e está fixa a meio da coluna ou articulada com esta. Destina-se a suportar a preparação do objecto a observar apresentando duas pinças para fixar o objecto. No centro tem a janela através da qual passam os raios luminosos que vão incidir no objecto. ¾ Revólver – Dispositivo que permite a rápida substituição de uma objectiva por outra. ¾ O parafuso macrométrico é utilizado na pré-focagem para movimentos de grande amplitude. ¾ O parafuso micrométrico é utilizado na focagem de pequena amplitude. Estes movimentos podem ser transmitidos ao canhão ou platina. Parte Óptica É o sistema funcional do microscópio, tendo como funções iluminar o objecto e fornecer deste uma imagem ampliada. ¾ Fonte luminosa – Feixe de raios luminosos fornecido pelo filamento incandescente de uma lâmpada, existente num suporte ajustado à base do microscópio. ¾ Condensador – A sua função essencial é projectar no plano da preparação a imagem da fonte luminosa. 43 Capítulo 3 –A Microscopia ¾ Diafragma – O diafragma limita o feixe de raios que passa pelo sistema óptico. Situa-se acima do foco inferior do condensador e permite a variação da incidência da luz que chega à preparação e passa pelo condensador. Permite a observação do campo iluminado e do campo observado. ¾ Objectiva – Uma objectiva é um sistema de lentes centradas. Esse recebe a luz do objecto e projecta uma imagem deste que é fornecida à ocular – imagem intermédia – real, ampliada e invertida. ¾ Ocular – O sistema ocular é suspenso pela extremidade superior do tubo e é constituído pela lente ocular propriamente dita (situada superiormente junto do globo ocular do observador) e pela lente colectora (situada próximo do objecto). A lente ocular é a única deste sistema responsável pela ampliação da imagem, enquanto a lente colectora conduz a imagem até ao plano focal da lente ocular. 3.5 – AMPLIAÇÃO DO MICROSCÓPIO Somente duas das lentes que fazem parte do sistema de ampliação têm funções de ampliação (Silva e Valente, 2003): ¾ Lente frontal da objectiva ¾ Lente ocular da ocular A ampliação total do microscópio é igual ao produto da ampliação da ocular pela ampliação da objectiva. Ampliação = Ampl. ocular x Ampl. Objectiva Ocular Objectiva Ampliação 10x 4x 10x4=40x 10x 10x 10x10=100x 10x 40x 10x40=400x 10x 100x 10x100=1000x 44 Capítulo 3 –A Microscopia 3.6 – FUNCIONAMENTO DO MICROSCÓPIO ÓPTICO O microscópio é um aparelho muito útil mas caro, pelo que deve ser usado com grande cuidado. Cuidados a ter com o microscópio ¾ Manuseá-lo com o máximo cuidado. Qualquer movimento que seja efectuado com ele deve ser sempre com uma mão a segurar a coluna e a outra a base. ¾ Nunca o colocar nas extremidades de qualquer superfície, para não cair. ¾ Mantê-lo sempre limpo de poeiras e de outras sujidades. ¾ Nunca tentar desmontar qualquer uma das partes constituintes. ¾ Não colocar os dedos nas lentes (condensador, objectiva e ocular) nem deixar que estes toquem na lâmina ou lamela da preparação. ¾ Limpar as lentes cuidadosamente com material próprio, de uma forma circular, sem esfregar. Recomendações a seguir depois da utilização do microscópio 9 Baixar a platina. 9 Colocar a objectiva de menor ampliação no prolongamento do tubo. 9 Retirar a preparação e arrumá-la no lugar que lhe é destinado. 9 Abrir o diafragma e subir o condensador. 9 Verificar se a platina e as lentes ficaram limpas. 9 Apagar a luz do microscópio. 9 Cobrir o microscópio com a protecção e guardá-lo na respectiva caixa e local. 45 _____________________________ IV _____________________________ EXPERIÊNCIAS LABORATORIAIS 4.1 – Importância das experiências laboratoriais 4.2 – Lista de material de laboratório mais usual 4.3 – Protocolos experimentais Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 4.1 – IMPORTÂNCIA DAS EXPERIÊNCIAS LABORATORIAIS As actividades laboratoriais têm como uma das tarefas principais a realização de um protocolo experimental que permita colocar em prática e alargar os conhecimentos assimilados no decorrer das aulas, tornando-se mais motivador para quem ensina e para quem aprende. São um meio privilegiado para o desenvolvimento pessoal e interpessoal. Envolvem a compreensão de factos, princípios e teorias, e asseguram a aquisição de práticas de manipulação. É no laboratório que se pode manipular material, aprender técnicas e experimentar a sensação de ver como as coisas acontecem (Pinto et al., 1996). A importância da realização de experiências no contexto do ensino actual é bastante significativa. Actualmente, em todos os níveis de ensino valoriza-se a pesquisa e a produção de trabalhos neste âmbito. Este tipo de trabalho vai estimular o raciocínio lógico e a pesquisa de informação, permitindo aos alunos desenvolver capacidades de manipulação de material, de planificação do trabalho, de interpretação de dados e formulação de novos problemas. Na realização deste tipo de actividade prática laboratorial cabe ao docente um papel de “guia”, orientando os alunos segundo as regras e conteúdos da disciplina de Ciências da Natureza. No entanto, sem privar os alunos do máximo de margem de manobra para que o seu raciocínio possa ser conciliado com os próprios interesses, deve tanto quanto possível zelar para que não ocorram alguns erros frequentes, tais como a leitura excessiva e não orientada da bibliografia e uma atitude precipitada para a recolha de dados e aplicação desadequada das técnicas. 47 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 4.2 – LISTA DE MATERIAL DE LABORATÓRIO (MAIS USUAL NO 2º CICLO) A inexistência de muito do material necessário às actividades experimentais nos Laboratórios de Ciências da Natureza do 2º ciclo, leva a que a maior parte das vezes as aulas práticas não sejam cumpridas. MATERIAL DE DISSECÇÃO • Agulha de ponta fina • Bisturi • Pinça de pontas finas • Tesoura de pontas finas • Tina de dissecção MATERIAL DE VIDRO OUTRO MATERIAL o Balão de vidro Almofariz o Balão volumétrico Balança o Bureta Esguicho o Caixa de Petri Espátulas o Copo de pé (graduado) Lamparina de álcool o Balão de Erlenmeyer Pinças de tubos de ensaio o Funil Placa eléctrica o Gobelé Rolhas o Lâmina e lamela de vidro Seringa o Pipeta Suporte para tubos de ensaio o Proveta Suporte universal o Termómetro o Tina de vidro o Tubos de ensaio o Vareta o Vidro de relógio 48 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 4.3 – PROTOCOLOS EXPERIMENTAIS PROTOCOLO I – OBSERVAÇÃO DE CÉLULAS DA EPIDERME DO BOLBO DA CEBOLA MATERIAL 1-Microscópio 2-Pinça 3-Agulhas de dissecação 4-Bisturi 5-Vidro de relógio 6-Lâminas e lamelas 7-Papel de filtro 8-Solução de azul-de-metileno 9-Solução de vermelho neutro a 0,5 gr/l 10-Bolbo da cebola PROCEDIMENTO 1 – Cortar o bolbo da cebola em quatro partes. 2 – Separar duas das escamas carnudas que formam o bolbo, e com a ajuda da pinça retirar da epiderme que recobre a parte côncava que ficou a descoberto. 3 – Introduzir rapidamente o fragmento da epiderme num vidro de relógio com água, evitando tanto quanto possível o enrolamento e procurando distendê-lo o mais que puder com a ajuda de duas agulhas de dissecação. 49 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 4 – Cortar com a tesoura um fragmento dessa película epidérmica e montá-lo entre a lâmina e lamela, utilizando a água como meio de montagem. 5 – Observar ao microscópio a preparação que acabou de montar, primeiro com a objectiva de menor ampliação e depois com a de maior ampliação. 6 – Deitar uma a duas gotas de solução de azul-de-metileno ao longo de uma das margens da lamela e aspirar, na margem oposta, com papel de filtro, até o corante ter penetrado entre a lâmina e lamela. 7 – Observar novamente a preparação ao microscópio. Registar o que se observou e fazer um esquema. 8 – Deitar algumas gotas de solução de vermelho neutro na água do vidro do relógio. Introduzir um fragmento da epiderme das escamas da cebola nesse soluto durante alguns segundos. 9 – Retirar o fragmento e montá-lo entre a lâmina e lamela, numa gota de água. 10 – Observar novamente a preparação ao microscópio e registar o que se observou num esquema. 50 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais OBSERVAÇÕES EFECTUADAS O bolbo da cebola é constituído por várias folhas carnudas e imbricadas – túnicas. Cada túnica é recoberta por duas epidermes uma na face côncava e outra na face convexa, sendo cada uma delas formada por uma única camada de células. Cada célula é limitada por uma parede celular incolor constituída por celulose. Nas observações efectuadas foi possível observar o núcleo (a), o citoplasma (b) e a parede celular (c). Observação de células vegetais obtidas do bolbo da cebola utilizando a água como meio de montagem (Aobj – 20x). Observação de células vegetais obtidas do bolbo da cebola utilizando o corante azul-de-metileno (Aobj – 40x). Observação de células vegetais obtidas do bolbo da cebola utilizando o corante vermelho neutro (Aobj – 20x). 51 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais PROTOCOLO II – OBSERVAÇÃO DE CÉLULAS DO PARÊNQUIMA DA POLPA DE TOMATE MATERIAL 1 – Microscópio 2 – Bisturi 3 – Lâminas e lamelas 4 – Tomate 5 – Agulha de dissecção 6 – Vidro de relógio PROCEDIMENTO 1 – Cortar transversalmente um tomate e com o auxílio do bisturi retirar uma pequena porção da polpa carnuda. 2 – Colocar o fragmento da polpa sobre uma lâmina e esmague-o com o auxílio do bisturi. 3 – Cobrir com a lamela e observar ao microscópio utilizando, como usualmente, primeiro a objectiva de menor ampliação e, seguidamente, a de maior ampliação. 4 – Fazer um esquema legendado da sua observação. 52 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais OBSERVAÇÕES EFECTUADAS O tomate é um fruto, uma vez que é o produto do desenvolvimento do ovário e do óvulo da flor, formando o pericarpo e as sementes, respectivamente, após a fecundação. Foi possível observar cromoplastos, isto é, constituintes celulares ricos em pigmentos (carotenóides) vermelhos, amarelos ou cor-de-laranja. Devido à fraca qualidade das imagens obtidas durante a observação dos resultados da actividade experimental, foi necessário recorrer aos manuais escolares para obtenção dessas imagens com uma certa qualidade. Células da polpa de tomate – x125 (Adaptado de Pinto et al., 1996) 53 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais PROTOCOLO III – OBSERVAÇÃO DE CÉLULAS DO TUBÉRCULO DA BATATEIRA MATERIAL 1 – Microscópio 2 – Bisturi 3 – Lâminas e lamelas 4 – Batata 6 – Água destilada 7– Água iodada ou soluto de Lugol PROCEDIMENTO 1– Cortar a batata em duas metades. 2 – Com o auxílio de um bisturi rasgar uma pequena porção da polpa da batata. 54 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 3 – Montar a raspagem numa gota de água destilada. 4 – Observar a preparação ao microscópio e elaborar um esquema do que se observou. 5 – Fazer uma nova raspagem da polpa da batata e montá-la em soluto de Lugol. 6 – Observar ao microscópio a preparação e esquematizar o que se observou. 55 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais OBSERVAÇÕES EFECTUADAS A batata é um tubérculo subterrâneo da batateira, muito empregue na alimentação. As células que o constituem formam um tecido – o parênquima amiláceo – com forma arredondada em que o citoplasma (a) apresenta inúmeros corpúsculos ovóides ou elípticos: os amiloplastos (b). Estes organelos têm como principal função o armazenamento de uma substância de reserva, o amido, sob a forma de grãos de amido (c). Foi também possível observar a parede celular (d). Observação de células do tubérculo da batateira utilizando água destilada como meio de montagem (Aobj – 40x). Observação de células do tubérculo da batateira utilizando soluto de Lugol como meio de montagem (Aobj – 40x). 56 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais PROTOCOLO IV – OBSERVAÇÃO DE CLOROPLASTOS MATERIAL 1- Ramo de Elodea 2- Microscópio óptico composto 3- Pinça 4- Agulhas de dissecação 5- Água destilada PROCEDIMENTO 1 – Destacar, com o auxílio de uma pinça, uma folha de Elodea e montá-la, entre lâmina e lamela, numa gota de água destilada. 2 – Observar ao microscópio a preparação e esquematizar o que se observou. OBSERVAÇÕES EFECTUADAS Embora não se tivesse procedido à realização desta actividade experimental, achou-se indispensável descrevê-la, devido à importância destes organelos – os cloroplastos (a) – os quais apresentam cor verde devido à existência de um pigmento, a clorofila, essencial à realização da fotossíntese. Cloroplastos da Elodea (http://azolla.fc.ul.pt/aulas/images/Aloe1_001.jpg) 57 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais PROTOCOLO V – OBSERVAÇÃO DE SERES VIVOS DE UMA INFUSÃO MATERIAL 1-Microscópio óptico composto 2-Lâminas e lamelas 3-Agulhas de dissecação 4-Pipeta 5-Infusão PROCEDIMENTO A – Preparação da infusão 1. Numa tina de vidro deitar 730 cm³ de água da torneira e 25 cm³ de água do charco. Colocar, à superfície da água, uma mão cheia de feno, deixando um espaço de cerca de 4 cm até aos bordos da tina. 2. Tapar a tina com uma placa de vidro e deixar num local iluminado à temperatura ambiente, para ser observado periodicamente. B – Observação da infusão Fazer preparações extemporâneas em diferentes fases da infusão – ao 5º, 10º e 20º dias. Para cada uma delas realizar as seguintes operações: 58 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 1. Com uma pipeta, retirar uma gota sempre à mesma profundidade. 2. Colocar a gota numa lâmina e cobrir com uma lamela. 3. Observar a preparação ao microscópio. 4. Elaborar um relatório referindo os microrganismos observados durante as três fases da experiência. OBSERVAÇÕES EFECTUADAS Devido à fraca qualidade das imagens obtidas durante a observação dos resultados da actividade experimental, foi necessário recorrer a imagens divulgadas na internet, uma vez que os manuais apresentam fundamentalmente esquemas e muito poucas imagens. Nesse sentido, optou-se por seleccionar os seres vivos (protozoários) mais frequentes em observações de uma infusão. Paramecium aurelia (http://en.wikipedia.org/wiki/Paramecium) 59 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais Euglena sp. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Euglena) Vorticella (http://en.wikipedia.org/wiki/Vorticella) Amoeba (http://en.wikipedia.org/wiki/Amoeba) 60 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais PROTOCOLO VI – OBSERVAÇÃO DE UM ESFREGAÇO SANGUÍNEO HUMANO Como se considera inconveniente a utilização de sangue humano nas aulas, é possível utilizar sangue de um qualquer animal para realizar um esfregaço sanguíneo e aplicar as técnicas de coloração adequadas. Neste caso particular, foi utilizado sangue humano previamente recolhido por uma técnica de análises clínicas. MATERIAL Microscópio óptico composto Sangue Humano Lâminas e lamelas Caixas de Petri Pipeta Água destilada Corante de Giemsa Corante de May-Grünwald PROCEDIMENTO 1. Colocar na extremidade de uma lâmina uma gota de sangue, seguidamente fazer deslocar outra lâmina sobre a anterior de forma a espalhar bem o sangue. 2. Deixar secar a lâmina agitando-a. 3. Colocá-la numa caixa de Petri. 61 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais 4. Cobrir a lâmina com 20 gotas de corante de May-Grünwald e aguardar cerca de 5 minutos. Durante este tempo misturar 20 gotas de Giemsa com 20ml de água destilada e deitar numa caixa de Petri. 5. Deitar 20 gotas de água destilada no esfregaço e aguardar 1 minuto. 6. Lavar com água destilada. 7. Colocar a lâmina com o esfregaço para baixo na caixa de Petri que contém o corante de Giemsa e aguardar 5 minutos. 8. Lavar com água destilada e deixar secar. 9. Observar ao microscópio. 10. Procurar identificar as células sanguíneas. 62 Capítulo 4 – Experiências Laboratoriais OBSERVAÇÕES EFECTUADAS O sangue é um tecido conjuntivo líquido que circula pelo sistema vascular sanguíneo dos animais vertebrados. O sangue é produzido na medula óssea e tem como função a manutenção da vida do organismo, assegurando a realização das trocas gasosas (hemácias, eritrócitos ou glóbulos vermelhos), de processos imunitários (leucócitos ou glóbulos brancos) e do mecanismo de coagulação sanguínea (plaquetas ou trombócitos). Observação de células sanguíneas – leucócitos (a) e hemácias (b) (Aobj – 40x). Observação sanguíneas – de células leucócito (a), hemácias (b), plaquetas (c) e plasma (d) (Aobj – 100x). Observação sanguíneas – de células hemácias (b), plaquetas (c) e plasma (d) (Aobj – 100x). 63 _____________________________ V _____________________________ CONCLUSÃO Capítulo 6 – Bibliografia Ao longo dos últimos anos tem sido consensual a ideia de que há uma disparidade crescente entre a educação nas nossas escolas e as necessidades e interesses dos alunos. A Ciência transformou não só o ambiente natural, mas também o modo como pensamos sobre nós próprios e sobre o mundo no qual habitamos. Aprender a ensinar é uma tarefa para a vida toda de um professor. Com base neste lema e sendo eu uma professora em início de carreira, ao observar a realidade do meu trabalho constatei que ao nível das Ciências da Natureza, nomeadamente nos domínios da Citologia e da Microscopia, não reunia os conhecimentos essenciais para ensinar aos meus alunos qualquer conteúdo no qual as actividades experimentais estivessem patentes. Assim sendo, o trabalho desenvolvido nesta dissertação serviu para aumentar os meus conhecimentos sobre a célula a nível estrutural e funcional, e a entrar em contacto com um “mundo” totalmente diferente do contexto sala de aula que é o laboratório. Aprendi a manipular o material, a manusear o microscópio, a fazer preparações para observação microscópica e a efectuar as próprias observações e registos. Tudo isto contribuiu para que me sinta hoje mais capaz de exercer a função de professora e mais preparada para leccionar os conteúdos que se enquadram no programa de Ciências da Natureza e que foram objecto de estudo desta dissertação. O conhecimento científico não se adquire simplesmente pela vivência de situações quotidianas. Há necessidade de uma intervenção planeada do professor, a quem cabe a responsabilidade de sistematizar o conhecimento, de acordo com o nível etário dos alunos e dos contextos escolares. Foi nessa perspectiva que parti para esta aprendizagem, segura de que agora reúno mais condições para poder ensinar, mas sempre consciente que ainda tenho muito para descobrir e aprender… 65 _____________________________ VI _____________________________ BIBLIOGRAFIA Capítulo 6 – Bibliografia AA.VV. (1972). Ciencias Biológicas – de las Moléculas al Hombre. Adaptación de la versión Azul del Biological Sciences Curriculum Studies (BSCS). Compañía Editorial Continental. México. ALBERTS, B., Johnson, A., Lewis, J., Raff, M., Roberts, K. & Walter, P. (2002). Molecular Biology of the cell. 4th edition. Garland Science, New York. ALTERS, S. (1999). Biology – Understanding life. 3rd edition, Jones and Bartlett Publishers, Sudbury, MA AMABIS, J.M. & Martho, G.R. (2004). Biologia das Células 1. 2ª Edição, Editora Moderna, S. Paulo. AVEIRO, M. A. (1975). Citologia, Porto Editora, Lisboa. AZEVEDO, C. (2005). Biologia Celular e Molecular, 4ª edição, Lidel – Edições Técnicas, Lda., Lisboa. BECKER, W.M., Kleinsmith, L.J. & Hardin, J. (2000). The World of the Cell. 4th edition. The Benjamin/Cumming Publishing Company, San Francisco. CAMPBELL, N.A. & Reece, J.B. (2005). Biology. 7th edition. PearsonBenjamin Cummings, San Francisco. COOPER, G.M. & Hausman, R.E. (2007). The Cell: a molecular approach. 4th edition. ASM Press, Washington. KARP, G. (2005). Cell and Molecular Biology. 4th Edition. John Wiley & Sons, Inc., New York. LEWIN, B., Cassimeris, L., Linappa, V.R, & Plopper, G. (2007). Cell. Jones and Bartlett Publishers, Sudbury, Massachusetts. 67 Capítulo 6 – Bibliografia LODISH, H., Berk, A., Matsudaira, P., Kaiser, C.A., Krieger, M., Scott, M.P. Zipursky, S.L. & Darnell, J. (2004). Molecular Cell Biology. 5th edition. W.H. Freeman and Company, New York. MACKEAN, D.G. (1987). Introdução à Biologia. Livraria Almedina, Coimbra. PANIAGUA, R, Nistal, M., Sesma, P., Alvarez-Uria, M., Fraile, B., Anadon, R. & Saez, F.J. (2003). Biologia Celular. 2ª edicion. McGraw-Hill Interamericana, Madrid. PINTO, A. M., Fialho, E., Mascarenhas, M. A., & Inácio, M.J. (1996). Técnicas Laboratoriais de Biologia I. 1ª Edicão. Texto Editora, Lisboa. PURVES, W.K., Sadava, D., Orians, G.H. & Heller, H.C. (2001). Life – the Science of Biology. 6th edition. W.H. Freeman and Company, Massachusetts. RAVEN, P.H., Johnson, G. B., Losos, J.B., Mason, K. A. & Singer, S. R. (2008). Biology. 8th edition. McGraw-Hill Higher Education, Boston. SADAVA, D., Heller, H.C., Orians, G.H., Purves, W.K. & Hillis, D. M. (2008). Life – the Science of Biology. 8th edition. Sinauer, Associates, Inc and W.H. Freeman and Company, Massachusetts. SILVA, P. & Valente, L. (2003). Microscopia Óptica. Série Didáctica - Ciências Aplicadas, Nº 213. UTAD, Vila Real. TOBIN, A.J. & Dusheck, J. (2005). Asking about life. 3rd edition. 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