Renata Oliveira da Rocha Calixto
Caracterização de glicoproteínas e
glicolipídios de superfície do fungo
Cladosporium (Amorphotheca) resinae
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências (Microbiologia), Instituto de
Microbiologia Prof. Paulo de Góes da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em
Ciências Biológicas (Microbiologia)
Orientadoras: Eliana Barreto Bergter
Maria Helena da Silva
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PROF PAULO DE GÓES
RIO DE JANEIRO
MARÇO DE 2010
I
I
FICHA CATALOGRÁFICA
Calixto, Renata Oliveira da Rocha
Caracterização de glicoproteínas e glicolipídios de superfície do fungo Cladosporium
(Amorphotheca) resinae / Renata Oliveira da Rocha Calixto – Rio de Janeiro – 2010.
XIII, 79p
Tese de Doutorado [Doutorado em Ciências – Microbiologia]
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de
Góes, 2010.
Orientadoras: Eliana Barreto Bergter e Maria Helena da Silva
Referências Bibliográficas: 76-79.
1.Cladosporium resinae 2.Glicoconjugados 3.Peptidogalactomanana 4.Glicolipídios
5.Monohexosilceramida 6.Atividade antimicrobiana
I. Barreto-Bergter, Eliana & Silva, Maria Helena (orientadoras). II. UFRJ. Instituto de
Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Doutorado em Ciências – Microbiologia. III.
Caracterização de glicoproteínas e glicolipídios de superfície do fungo Cladosporium
(Amorphotheca) resinae
II
II
FOLHA DE APROVAÇÃO
RENATA OLIVEIRA DA ROCHA CALIXTO
Caracterização de glicoproteínas e glicolipídios de superfície do
fungo Cladosporium (Amorphotheca) resinae
Rio de Janeiro, 10 de março de 2010
Prof. Eliana Barreto-Bergter – Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Guilherme L.Sassaki – Doutor, Universidade Federal do Paraná
Prof. Carlos P.Taborda – Doutor, Universidade de São Paulo
Prof. Celuta Sales Alviano – Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. André Luis Souza dos Santos – Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro
III
III
O presente trabalho foi realizado no Laboratório de Química Biológica de
Microrganismos, Departamento de Microbiologia Geral, Instituto de
Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde (CCS),
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação das Professoras
Eliana Barreto-Bergter e Maria Helena da Silva.
IV
IV
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pois sem Ele nada disso estaria acontecendo.
Aos meus pais, pois sem eles, eu não estaria aqui.
Aos meus irmãos por sempre quererem saber o eu estava fazendo e dando aquele
incentivo.
À prof. Eliana Barreto-Bergter que além de orientadora se tornou uma grande amiga,
obrigada pela acolhida e por todos os ótimos momentos.
À prof. Maria Helena da Silva que me mostrou a oportunidade para que eu pudesse
estar nessa empreitada, e pelo carinho desde o início de tudo, lá na graduação.
Á grande equipe do laboratório 065, que se tornaram bons amigos: Vera Carolina, Livia,
Mariana, Bianca, Rodrigo e Fátima que me ajudaram nas horas mais árduas, mas
também nas mais agradáveis. Obrigada pelas conversas, risadas, lanches...
Ao prof Guilherme Sassaki, ao prof Philip Gorin e a todos da UFPR, em especial ao
Thales e ao Lauro pela ajuda com os experimentos de RMN, metilação e ESI-MS e pela
agradável acolhida enquanto estive em Curitiba.
À coordenação de pós-graduação do IMPPG, representada pela prof. Ana Paula
Colombo.
A CAPES, FAPERJ e PRONEX pelo apoio financeiro.
V
V
RESUMO
Renata Oliveira da Rocha Calixto
Caracterização de glicoproteínas e glicolipídios de superfície do fungo
Cladosporium (Amorphotheca) resinae
Orientadoras: Eliana Barreto-Bergter e Maria Helena da Silva
Os glicoconjugados estão presentes na parede celular dos fungos, e apresentam várias
funções como adesão, reconhecimento, crescimento, diferenciação celular e
antigenicidade. No presente trabalho, glicoproteínas e glicolipídios extraídos de micélio
do fungo Cladosporium resinae foram analisados. As glicoproteínas foram extraídas e
identificadas como peptidogalactomananas (pGMs), por possuírem na sua porção
carboidrato manose e galactose (49,4% e 45,3% , respectivamente) e apresentavam
pesos moleculares de 44 e 47 kDa. Essa porção carboidrato consistia de cerca de 57%
da molécula, enquanto que a porção protéica consistia de 18%, sendo constituída por
alanina, glicina, treonina, serina e ácido glutâmico como principais aminoácidos. A
porção carboidrato foi caracterizada por análise de metilação e ressonância magnética
nuclear e a glicoproteína mostrou ser constituída por cadeias laterais de unidades de βGalf (1→5) ligadas a um “core” principal de manana (1→6) ligada. Análises realizadas
após a remoção das unidades de Galf por hidrólise ácida parcial, assim como a remoção
de oligossacarídeos O-ligados por reação alcalina de β-eliminação redutiva sugerem que
tanto as unidades Galf quanto os oligossacarídeos O-ligados estão envolvidos no
reconhecimento da molécula por anticorpos anti-células totais de C. resinae. Além
disso, os glicoesfingolipídios foram purificados a partir de extratos lipídicos de C.
resinae e analisados por cromatografia em camada fina e espectrometria de massa.
Essas técnicas permitiram identificar espécies moleculares de monohexosilceramidas
(CMHs), sendo a principal constituída por uma unidade de glicose ligada a uma base de
cadeia longa, 9-metil-4,8-esfingadienina, que estava ligada por uma ligação amida por
um ácido graxo de 16 átomos de carbono, saturado e hidroxilado (ácido β-OHpalmítico). As moléculas de CMH foram evidenciadas na superfície tanto dos conídios
quanto das hifas. Anticorpos monoclonais anti-CMH foram capazes de inibir a
diferenciação dos conídios em hifas, sendo que esse efeito foi melhor evidenciado após
42 horas de crescimento. Outras frações lipídicas foram purificadas por cromatografia
VI
VI
em sílica gel e HPTLC preparativa e mostraram atividade antimicrobiana quando
testado frente a bactérias da espécie Bacillus pumilus (MIC 250 µg/ml), mas não
tiveram efeito sobre espécies de fungos do gênero Candida (Candida albicans e C.
tropicalis).
Palavras chave: Cladosporium resinae, Glicoconjugados, Peptidogalactomanana,
Glicolipídios, Monohexosilceramidas, Atividade antimicrobiana
Rio de Janeiro
Março de 2010
VII
VII
ABSTRACT
Renata Oliveira da Rocha Calixto
Caracterization of glycoproteins and glycolipids from the surface of the fungus
Cladosporium (Amorphotheca) resinae
Orientadoras: Eliana Barreto-Bergter e Maria Helena da Silva
Glycoconjugates are present on the fungal cell wall and are involved in various
functions such as adhesion, recognition, growth, cell differentiation and antigenicity. In
this work, glycoproteins and glycolipids were isolated from mycelium of Cladosporium
resinae and analyzed. The glycoproteins were identified as peptidogalactomannans
(pGMs), presenting mannose and galactose (49.4% and 45.3%, respectively). The
carbohydrate portion consisted of about 57% of the molecule, while the protein moiety
was 18% and it is predominantly composed of alanine, glycine, threonine, serine and
glutamic acid as amino acids. Methylation analysis and nuclear magnetic resonance
(NMR) showed that it consisted of side chains of β-Galf (1 → 5) units linked to the
mannan core having α-D-Manp units (1→6)-linked. Analysis carried out after removal
of the units of β-Galf by partial acid hydrolysis or by removal of O-linked
oligosaccharides by β-elimination reductive reaction, suggested that both β-Galf units
and O-linked oligosaccharides are involved in the recognition of the molecule by
antibodies raised against whole cells of C. resinae. Glycosphingolipids were purified
from lipid extracts of C. resinae and analyzed by thin layer chromatography and mass
spectrometry
(ESI-MS/MS).
These
techniques
allowed
the
identification
of
monohexosides (CMHs) as molecular species containing a glucose unit attached to a
long chain base, 9-methyl-4,8-sphingadienine linked to a fatty acid, C16:OH. CMH
molecules were located on the surface of both conidia and hyphae forms. Monoclonal
anti-CMH antibodies were able to inhibit the differentiation of conidia into hyphae, and
this effect was seen most clearly after 42 hours of differentiation. Other lipid fractions
were purified by chromatography on a silica gel column and preparative HPTLC and
presented antimicrobial activity when tested against Bacillus pumilus (MIC 250mg/ml).
VIII
VIII
However, they were not able to inhibit the growth of two Candida species, C. albicans
and C. tropicalis.
Key
words:
Cladosporium
resinae,
Glycoconjugates,
Peptidogalactomannan,
Glycolipids, Monohexoside ceramide, Antimicrobial activity.
Rio de Janeiro
Março de 2010
IX
IX
Índice
INTRODUÇÃO
1
O FUNGO CLADOSPORIUM (AMORPHOTHECA) RESINAE
2
BIODEGRADAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E CONTAMINAÇÃO MICROBIOLÓGICA
EM TANQUES DE ESTOCAGEM
4
IMPORTÂNCIA E COMPOSIÇÃO DA PAREDE CELULAR
5
OBJETIVOS
19
OBJETIVO GERAL
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
20
20
MATERIAIS E MÉTODOS
21
1.
MICRORGANISMO E CONDIÇÕES DE CULTIVO
22
2.
ANÁLISE DE GLICOCONJUGADOS
23
3.
ANÁLISE DAS GLICOPROTEÍNAS
24
3.1. EXTRAÇÃO DAS GLICOPROTEÍNAS
3.2. FRACIONAMENTO DAS GLICOPROTEÍNAS
3.3. ANÁLISES COLORIMÉTRICAS
3.4. ANÁLISE EM HPSEC
3.5. PURIFICAÇÃO DA PGM EM COLUNA DE EXCLUSÃO EM GEL
3.6. COMPOSIÇÃO MONOSSACARÍDICA DA GLICOPROTEINA
3.7. ANÁLISE DE METILAÇÃO DA PGM
3.8. ANÁLISE DOS AMINOÁCIDOS COMPONENTES DA PGM
3.9. ESPECTROSCOPIA DE RMN
3.10. ANÁLISE DA PGM POR ELETROFORESE EM GEL DE POLIACRILAMIDA (SDS-PAGE)
3.11. HIDRÓLISE ÁCIDA PARCIAL
3.12. REAÇÃO DE β-ELIMINAÇÃO REDUTIVA
3.13. OXIDAÇÃO COM METAPERIODATO DE SÓDIO
3.14. ELISA INDIRETO
3.14.1.OBTENÇÃO DO SORO CONTRA CÉLULAS TOTAIS DE C. RESINAE
3.15. INIBIÇÃO DO ELISA INDIRETO
3.16. FACS
24
24
24
25
25
26
26
27
27
27
28
28
29
29
30
30
31
4.
31
4.1.
4.2.
ANÁLISE DOS GLICOLIPÍDIOS
EXTRAÇÃO DE LIPÍDIOS TOTAIS
31
FRACIONAMENTO DOS LIPÍDIOS NEUTROS E PURIFICAÇÃO DOS GLICOESFINGOLIPÍDIOS 32
X
X
4.3. ANÁLISE QUÍMICA E IMUNOLÓGICA DOS GLICOESFINGOLIPÍDIOS E AVALIAÇÃO DE SEU
PAPEL NA DIFERENCIAÇÃO CELULAR.
33
4.3.1. ANÁLISE QUÍMICA E CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL
33
4.3.2. REATIVIDADE DA FRAÇÃO GLICOLIPÍDICA PURIFICADA COM ANTICORPO MONOCLONAL
ANTI-CMH (MAB ANTI CMH)
34
4.3.2.1. “IMMUNOSTAINING”
34
4.3.2.2. AVALIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA MOLÉCULA DE CMH NA DIFERENCIAÇÃO
CELULAR DO C. RESINAE
35
4.3.2.3. AVALIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA MOLÉCULA DE CMH NA VIABILIDADE CELULAR
35
DO C. RESINAE
4.3.2.4. IMUNOLOCALIZAÇÃO DA MOLÉCULA DE CMH
36
4.4. AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE BIOLÓGICA DOS LIPÍDIOS EXTRAÍDOS DO MICÉLIO DE C.
RESINAE.
36
4.4.1. MICRORGANISMOS TESTES
36
4.4.2. TESTE DA ATIVIDADE BIOLÓGICA DAS FRAÇÕES LIPÍDICAS EM MEIO DE CULTURA EM
PLACAS DE PETRI
36
4.4.3. TESTE DA ATIVIDADE BIOLÓGICA DAS FRAÇÕES LIPIDICAS -BIOAUTOGRAFIA
37
4.4.4. PURIFICAÇÃO DA AMOSTRA COM ATIVIDADE BIOLÓGICA
37
4.4.5. AVALIAÇÃO DA EFEITO INIBITÓRIO DE “AM” SOBRE O CRESCIMENTO MICROBIANO.
38
4.4.5.1. TESTE DE TOXICIDADE DO DMSO
38
4.4.5.2. EFEITO INIBITÓRIO DE “AM”
38
4.4.6. AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE BIOLÓGICA DE “AM” SOBRE A VIABILIDADE CELULAR
39
5.
ANÁLISES ESTATÍSTICAS
39
RESULTADOS
40
DISCUSSÃO
70
CONCLUSÕES
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
79
ANEXOS
85
XI
XI
LISTA DE ABREVIATURAS
AM – Amostra com atividade antimicrobiana
aaMAs – Aminoácidos metil ésteres
BSA – Soro albumina bovina
CETAVLON – Brometo de Hexadeciltrimetilamônio
CMH – Monohexosilceramida
DAB – Diaminobenzidina
DMSO – Dimetilsulfóxido
ELISA – Ensaio imunoenzimático
FACS – “Fluorescence Activated Cell Sorting” (Seleção de células ativadas por
fluorescência)
FITC – Isotiocianato de Fluoresceína
GC-MS – Cromatografia líquido-gás acoplada a espectrometria de massa
GPb – Glicoproteína bruta
HSQC – Correlação heteronuclear ( 1 H – 13 C) em 2 dimensões
HPLC – Cromatografia líquida de alta performance
HPSEC – Cromatografia de exclusão de alta performance
HPTLC – Cromatografia em camada fina de alta resolução
LB – meio caldo Letheen
MHz – Megahertz
Mw – Massa molar
MTT – “(3-(4,5-Dimethylthiazol-2-yl)-2,5-diphenyltetrazolium bromide, a tetrazole)”
OPD – Ortofenilenodiamina
PBS – Tampão salina fosfato
PBS-T – Tampão salina fosfato adicionado de Tween
pGM – Peptido Galactomanana
RMN – Ressonância magnética nuclear
RI – Índice de refração
SAB-M – meio Sabouraud modificado
SDS-PAGE – Eletroforese em gel de poliacrilamida contendo dodecilsulfato de sódio
TFA – Ácido Trifluoroacético
TLC – Cromatografia em camada fina
XII
XII
Introdução
INTRODUÇÃO
O fungo Cladosporium (Amorphotheca) resinae
O ascomiceto Amorphotheca resinae Parbery (1969) é um fungo filamentoso
constituinte da microflora do solo, largamente distribuído na natureza. Cresce em
substratos ricos em hidrocarbonetos como combustível de aviação, cosméticos e
madeira preservada com creosoto ou piche (SEIFERT, et al ., 2007).
Pertence à classe dos Ascomicetos e é largamente conhecido pelo nome do seu
anamorfo Hormoconis resinae (Lindau) Arx & G.A. de Vries ou pelo seu sinônimo
obrigatório Cladosporium resinae (Lindau) G.A. de Vries (MONTEIRO, 1995;
SEIFERT, et al., 2007).
Este fungo foi descrito por LINDAU em 1907 como Hormodendrum resinae,
sendo mais tarde classificado por DE VRIES (1952) como Cladosporium, devido a sua
aparente afinidade com tal gênero. No entanto, após a descoberta do estado perfeito
neste fungo e a verificação de sua divergência em relação ao gênero Cladosporium por
Parbery (1969), passou a ser denominado como Amorphotheca resinae.
Após observações de VON ARX & DE VRIES (1973), foi proposto para o
fungo um novo nome genérico, Hormoconis, pela presença de dentículos cilíndricos
entre os conídios da cadeia e pela falta de cicatrizes escuras nos locais de brotamento
dos conídios. No entanto, este fungo pode ser citado como Hormodendrum,
Cladosporium e Hormoconis (MONTEIRO, 1995).
É um fungo que produz uma leve pigmentação amarronzada em meios de cultura
e apresenta micélios septados com a presença de conidióforos ramificados semelhantes
a verrugas e com cadeias de conídios apresentando brotamento acropedal e sem a
presença de “cicatrizes” conspícuas (MONTEIRO, 1995; SEIFERT, et al., 2007).
(Figura.1).
2
INTRODUÇÃO
Figura 1. Cladosporium resinae: características da colônia e da micromorfologia do
anamorfo. A: Morfologia da colônia após 10 dias de crescimento em PDA. B:
Microscopia óptica dos conídios. C: Microscopia eletrônica de varredura dos
conidióforos mostrando o brotamento acropedal dos conídios, ramoconídios e
blastosporo. (SHERIDAN & TROUGHTON, 1973; SEIFERT et al., 2007).
É também conhecido vulgarmente como “fungo do creosoto”, “fungo do
querosene” ou “fungo do combustível de aviação” (SEIFERT, et al., 2007), por ser um
dos mais proeminentes fungos que utilizam hidrocarbonetos (WALKER & COONEY,
1973) e freqüentemente tem sido isolado de amostras de água de fundo de tanques de
combustíveis. Também é capaz de crescer na interface água-óleo, alcançando altas
concentrações, acarretando problemas de corrosão, obstrução de filtros de turbinas de
equipamentos e deterioração de combustíveis (MONTEIRO, 1995). Dependendo da
composição química da superfície colonizada por tal fungo, pode ocorrer alteração da
qualidade do ar devido à produção de gases nocivos e por poder causar problemas de
deterioração do material de armazenamento do combustível.
3
INTRODUÇÃO
Biodegradação de Combustíveis e Contaminação Microbiológica em
Tanques de Estocagem
A indústria de refinaria do petróleo é uma das maiores indústrias manufatureiras
no mundo. Grandes investimentos são empregados ao ano em equipamentos,
modernização e manutenção, incluindo a prevenção e o tratamento da contaminação
microbiana. O principal problema microbiano na indústria está na contaminação dos
produtos estocados, o que pode permitir a perda da qualidade do produto, a formação de
lama e a deterioração dos ductos e dos tanques de estocagem, tanto para a refinaria
quanto para o usuário final. Tal contaminação vem aumentando substancialmente
devido ao aumento da demanda por diesel e pela alta qualidade da gasolina e dos
combustíveis para a aviação. (GAYLARDE, BENTO & KELLEY, 1999).
Em relação aos combustíveis para aviação, este deve possuir algumas
características, tais como: “explodir” facilmente sob todas as condições e queimar
prontamente sem descarga. Deve produzir níveis mínimos de partículas e deve possuir
alta pressão de vapor e baixo ponto de congelamento (GAYLARDE, BENTO &
KELLEY, 1999). Esses requisitos são encontrados no querosene contendo parafina ou
ainda, numa mistura contendo frações de querosene e gasolina com um conteúdo
aromático abaixo de 25%. Os agentes surfactantes podem ser adicionados ao
combustível por possuírem uma atividade bioestática (NEIHOF & BAILEY, 1978). Os
hidrocarbonetos são degradados facilmente por alguns microrganismos.
A degradação de hidrocarbonetos por comunidades microbianas depende da
composição da comunidade e da sua resposta adaptativa à presença de hidrocarbonetos.
As bactérias e os fungos são os agentes principais dessa degradação, com as bactérias
assumindo um papel importante nos ecossistemas marinhos e os fungos se tornando
mais importantes em ambientes terrestres e naqueles contendo água fresca (LEAHY &
COLWELL, 1990; BRAKSTAD & BOUANET, 2006).
Dentre as espécies fúngicas, os gêneros Aureobasidium, Candida, Rhodotorula e
Sporobolomyces spp são os isolados marinhos mais comuns enquanto que o
Trichoderma e Mortinella spp são os isolados mais comuns dos solos. Espécies de
Aspergillus e Penicillium que degradam hidrocarbonetos têm sido freqüentemente
isoladas de ambos os ambientes (LEAHY & COLWELL, 1990).
4
INTRODUÇÃO
Os microrganismos provenientes do solo, do ar, da água de lavagem poluída,
dutos contaminados ou do biofilme presente nas paredes do tanque (GAYLARDE,
BENTO & KELLEY, 1999), podem contaminar os combustíveis. No entanto, uma boa
manutenção (remoção da água e o uso de biocidas) contribui para a diminuição do seu
crescimento.
O componente mais importante que favorece o crescimento bacteriano é a água,
além do oxigênio. O nitrogênio e o ferro também podem ser componentes limitantes
(GAYLARDE, BENTO & KELLEY, 1999). Tem-se mostrado que os fungos crescem
muito rapidamente no sistema de combustíveis que contêm solução de sais minerais.
Nesse tipo de combustível as conseqüências mais importantes da contaminação
bacteriana são a corrosão induzida microbiologicamente nos tanques de estocagem e a
formação de biofilme microbiano, com a capacidade para bloquear filtros e dutos e
aumentar o uso nas bombas (GAYLARDE, BENTO & KELLEY, 1999). Em tanques de
combustível de avião feitos com alumínio, o Cladosporium resinae pode ser um
problema principalmente por causar a corrosão e/ou a penetração no revestimento do
tanque.
Além dos hidrocarbonetos, os microrganismos podem obter nutrientes dos
aditivos dos combustíveis, da sujeira que entra no sistema ou do crescimento dos
organismos considerados como colonizadores primários. Os hidrocarbonetos mais
facilmente utilizados variam de C10 a C18 átomos de carbono. Diferentes cepas de C.
resinae, no entanto, têm sido reportadas como sendo capazes de utilizar diferentes
tamanhos de cadeias para seu crescimento (GAYLARDE, BENTO & KELLEY, 1999).
Importância e composição da parede celular
A parede celular é uma estrutura complexa e dinâmica que protege a célula
contra estresses ambientais, além de manter as características apresentadas pelo micélio,
corpos frutificantes e esporos. Por ser uma estrutura externa, é o primeiro contato entre
a célula fúngica e seu hospedeiro proporcionando desta forma a adesão e posterior
invasão de tecidos (REISS et al., 1992). Essa estrutura é composta por vários
polissacarídios interconectados, incluindo quitina e uma variedade de glucanas que não
5
INTRODUÇÃO
estão presentes nas células de mamíferos, o que a define como um alvo importante para
o desenvolvimento de drogas (Figura 2).
Figura 2: Estrutura da parede celular de Candida (Cummings & Doering, 2009)
Durante o crescimento do fungo, ocorre uma reorganização da parede celular e
neste processo, várias enzimas como as glucanases e quitinases estão envolvidas sendo
capazes de clivar a parede celular pré-existente e desempenhar um papel crucial nesse
processo celular (HEARN & BARRETO-BERGTER, 2004). Já no processo de extensão
apical da hifa, as vesículas que medeiam o transporte de proteínas e lipídios são
importantes representantes das unidades formadoras da nova parede (ASHIMOTO et
al., 2002; CASADEVALL et al., 2009).
Os fungos dematiáceos incluem um grande grupo de organismos pertencentes à
classe dos Deuteromicetos com base na sua pigmentação. Uma molécula responsável
por essa pigmentação é a melanina. A maioria dos fungos encontrados no solo são
melanizados e a produção desse pigmento pode proteger o microrganismo de diversas
adversidades ambientais. A importância da melanização fúngica como um produto
metabólico é sugerida pelo fato de que tais fungos produzem quantidades grandes de
melanina (NOSANCHUK & CASADEVALL, 2003). Existem muitos tipos de melanina
no reino Fungi, mas a maioria é derivada do 1,8-dihidroxinaftaleno (DHN) e são
conhecidas como DNH-melaninas. A via biossintética que catalisa a DNH é encontrada
principalmente em ascomicetos e deuteromicetos relacionados (BELL & WHEELER,
6
INTRODUÇÃO
1986). Alguns patógenos humanos que formam melanina por essa via incluem
Aspergillus nidulans, A. niger, A.fumigatus, Alternaria alternata, Cladosporium
carrionii, Exophiala (Wangiella) dermatitidis, Exophiala jeanselmei, Fonsecae
compacta, F. pedrososi, Hendersonulla toruloidii, Phaeoannellomyces werneckii,
Phialophora richardsiae, P. verrucosa, Xylohypha bantiana, and Sporothrix schenckii.
No entanto, Cryptococcus neoformans produz eumelanina pela via dos polifenoloxidase
(laccase) que cataliza uma etapa de oxidação de dihidroxifenois em intermediários da
quinona que subsequentemente auto-oxida para formar melanina (GÓMEZ &
NOSANCHUK, 2003).
Dentre os fungos pertencentes ao gênero Cladosporium, encontramos os agentes
de cromoblastomicoses (C. carrionii), alergenos (C. cladosporioides), patógenos de
plantas (C. fulvum) e contaminantes de tanque de estocagem de óleo combustível (C.
resinae). Nesse grupo, a estrutura da parede celular e a presença de melanina têm sido
relacionadas com a virulência, com a resistência a antimicóticos ou à sobrevivência em
ambientes hostis (SAN-BLAS et al., 1996).
A análise da parede celular de espécies de Cladosporium (C. carrionii e C.
resinae) por métodos colorimétricos, difração de raios-X, espectroscopia de
infravermelho (IV) e ressonância magnética nuclear (RMN), demonstraram que as
paredes
celulares
eram
compostas
principalmente
por
hexoses
(34-74%),
predominantemente β-1,3-glucanas e traços de galactose e manose. A quitina parece
estar ausente. Resultados preliminares sugeriram que a galactose e a manose estavam
ligadas a proteínas formando um complexo proteína-galactomanana precipitável com
solução de Fehling. O restante da parede era composto por aminoácidos (6-10%) e
melanina (10,8-23,3 %) (SAN-BLAS et al., 1996).
A composição da parede de conídios de Cladosporium tem sido examinada em
poucas espécies. A glucose parece ser a principal hexose encontrada na parede das
espécies saprófitas C. cladosporoides e C. herbarum, enquanto a parede de espécies
zoopatogênicas de Cladosporium é rica em manana e galactomanana. Estudo da parede
de conídios de C. cladosporioides demonstrou que a mesma consistia de
aproximadamente 48,9% do peso seco do conídio e que sua composição química era
essencialmente de β-1,3-glucanas (80%) e melanina (17,8%). Baixas concentrações de
7
INTRODUÇÃO
manose (8%) e galactose (12%) foram encontradas. Uma concentração alta de lipídios
(16,5%) foi detectada na sua superfície, o que pode estar relacionado com a sua
hidrofobicidade (LATGÉ, BOUZIANE & DIAQUIN, 1988).
O estudo das camadas externas da parede dos conídios de Cladosporium revelou
dois tipos de estrutura coincidindo com suas características taxonômicas. As camadas
externas são essencialmente lisas nas espécies patogênicas humanas (C. bantinum, C.
carrionii, C. trichoides). Em contraste, arranjos chamados de “rodlets” nos conídios
foram observados com a técnica de “freeze-fracture” das espécies saprófitas C.
cladosporioides, C. coralloides, C. herbarum, C. sphaerospermum e C. variabile. A
única exceção é a da espécie C. elatum que apresentou uma superfície lisa (TAKEO et
al., 1995).
Os “rodlets” (camadas de hidrofobinas) foram bem caracterizados nos gêneros
Neurospora e Schizophyllum. Estas estruturas fazem parte de uma característica
morfológica comum em conídios aéreos de fungos. Podem ter a função de um filtro
seletivo, funcionando como uma zona permeável permitindo a entrada e a saída de
metabólitos (BOUZIANE, 1989), além de serem responsáveis pela repulsão da água e
dispersão aérea dos conídios. Uma única mutação, das hidrofobinas, proteínas presentes
nestas estruturas, torna a superfície do conídio lisa e bastante seca, além de não permitir
a sua dispersão no ar (TAKEO et al., 1995).
Os polissacarídios e os peptidopolissacarídios são blocos de construção
fundamentais dos organismos, contribuindo para a estrutura, integridade e função de
células procariotas e eucariotas. Essas moléculas são especialmente relevantes para a
arquitetura da parede celular, mas muitas delas são compostas imunologicamente ativos
com grande potencial como reguladores da patogênese e da resposta imune do
hospedeiro (PINTO, BARRETO-BERGTER & TABORDA, 2008).
8
INTRODUÇÃO
Polissacarídios
A composição da parede varia freqüentemente entre as espécies fúngicas
(ADAMS, 2004; PINTO, BARRETO-BERGTER & TABORDA, 2008). Essa parede
celular possui uma estrutura altamente dinâmica e sujeita a constantes mudanças. É
composta por 85-90% de polissacarídios, 10-15% de proteínas e uma menor
porcentagem de lipídios. Entre os polissacarídios encontrados podemos citar as glucanas
e as mananas (CABIB et al., 1988). Para quase todos os fungos, o “core” central da
parede celular formado por polissacarídios é constituído por β-1,3 e β-1,6 glucanas que
se ligam à quitina. Essas cadeias polissacarídicas são constituídas por ligações
glicosídicas (β-1,6) e são encontradas em cerca de 3% a 4% do total das ligações de
glucanas, tanto em Saccharomyces cerevisae quanto em Aspergillus fumigatus. No
entanto, esse “core” estrutural depende da espécie fúngica (LATGÉ, 2007).
Além de quitina e glucanas, outros polissacarídios também podem ser
encontrados, como as mananas, em espécies de Candida, e as galactomananas, em
espécies de Aspergillus e Penicillium e outros fungos filamentosos (LATGÉ et al, 1994;
SHIBATA et al, 2007).
Em A. fumigatus, as galactomananas são bastante abundantes. O polissacarídio
extraído de micélio de Aspergillus fumigatus, consistia de uma galactomanana contendo
cadeia principal de unidades de α-D-manopiranose (1→6)-ligadas substituídas em O-2
por 1 a 3 unidades de α-D-manopiranosil que são (1→2)- interligadas. Cadeias laterais
de cerca de 6 unidades compostas por unidades β-D-galactofuranosídicas (1→5)interligadas e ligadas(1→6) ao “core” de manana. Os polissacarídios extraídos dos
conídios possuíam uma estrutura diferente, onde as cadeias laterais eram compostas por
uma única unidade de β-D-galactofuranose ligada (1→6) a unidades adjacentes de α-Dmanopiranose (BARRETO-BERGTER et al., 1980; 1981).
Latge et al (1994) propuseram uma estrutura semelhante para a galactomanana
de A. fumigatus descrita anteriormente por Barreto-Bergter et al (1981), que apresentava
um “core” linear de manose com ligações α-1,2 e α-1,6. As cadeias laterais eram
compostas por unidades de β-Galf ligadas por uma variedade de ligações, incluindo
ligações (1→3), (1→5) e (1→6). (Figura 3).
9
INTRODUÇÃO
Figura 3. Estrutura da galactomanana de A. fumigatus proposta por LATGÉ et al.
(1994). Os valores propostos para p variam de 3-4 e para n de 9-10 unidades.
Esses polissacarídios são compostos de um “core” linear de manana ramificado
com pequenas cadeias contendo unidades de galactofuranose (Galf) ligadas 1,5. Estas
unidades estão ligadas covalentemente a β-1,3-glucana da parede celular e podem ser
encontradas ancoradas a um lipídio de membrana por um glicosilfosfatidilinositol ou ser
liberada no ambiente durante a invasão tecidual ou crescimento em cultura
(SCHMALHORST, et al . 2008). Por estarem presentes na matriz extracelular, as
galactomananas secretadas são usadas para testes sorológicos de diagnóstico de
aspergilose invasiva. Na Europa, um teste de ELISA sanduíche é comercialmente
disponibilizado no qual detecta a galactomanana de Aspergillus utilizando anticorpos
monoclonais que reconhecem essas unidades de β-D-Galf (1→5) ligadas presentes na
galactomanana (STYNEN, et al.1995; LOMBARDI, et al.2002).
Diferentes polissacarídios também podem ser encontrados em outros fungos.
Exemplos dessas estruturas glicídicas são encontradas na forma de ramnomananas em
P. boydii, S. prolificans (PINTO, et al. 2001; PINTO et al. 2005; BARRETOBERGTER et al., 2008) e conjugados a ácido siálicos em P. brasiliensis, C. neoformans
e F. pedrosoi, S. schenkii que podem ser produzidos e transferidos a terminais contendo
unidades de β-galactofuranosil, não dependentes da composição do meio de
crescimento (ALVIANO, TRAVASSOS & SCHAUER, 1999).
10
INTRODUÇÃO
Glicoproteínas
Proteínas e glicoproteínas estão expostas na camada mais externa da estrutura da
parede celular fúngica e estão envolvidas em muitos tipos de interações entre a parede
fúngica e o ambiente extracelular (PINTO, BARRETO-BERGTER & TABORDA,
2008).
As glicanas cobrem as superfícies de todas as células de mamíferos e são
adicionadas a uma porção protéica ou lipídica através do processo chamado de
glicosilação. Durante esse processo essas moléculas são transportadas do retículo
endoplasmático até o Complexo de Golgi e a membrana celular. A glicosilação é
mediada por uma maquinaria coordenada que envolve glicosiltransferases, enzimas que
catalisam a transferência do açúcar do nucleotídeo doador ou do lipídio doador para um
substrato, e glicosidases, enzimas que catalisam a hidrólise das ligações glicosídicas nas
estruturas glicanas. A expressão dessas enzimas é altamente regulada de acordo com o
metabolismo celular, ativação e mudanças no microambiente. A glicosilação pode dar
origem a variações estruturais dentro de uma mesma proteína, permitindo que esta seja
ligada a diferentes estruturas glicanas (glicoformas). A porção carboidrato (glicana)
pode se ligar covalentemente a proteína originando as glicoproteinas N- e O-ligadas.
(Figura 4). A presença de sítios de glicosilação N- e O- ligados ao esqueleto da proteína,
juntos com a presença ou ausência de glicosiltransferases e glicosidases no retículo
endoplasmático são elementos chave na determinação da extensão e natureza da
glicosilação de uma determinada proteína. (VAN KOOYK & RABINOVICH, 2008).
11
INTRODUÇÃO
Figura 4. Exemplo de uma proteína contendo glicanas O- e N-ligadas. As N-glicanas são
covalentemente ligadas a moléculas de asparagina nas proteínas, especificadamente a
porção Asn-X-Ser/Thr. Em contraste as O-glicanas são ligadas aos grupamentos
hidroxilas dos aminoácidos serina, treonina ou hidroxilisina (VAN KOOYK &
RABINOVICH, 2008).
Estes glicoconjugados estão envolvidos na interação do fungo com a célula
hospedeira, despertando um grande interesse na glicobiologia. Estas moléculas
presentes na superfície das células fúngicas são reconhecidas por células do sistema
imune inato do hospedeiro, participando dos eventos iniciais do reconhecimento célulacélula (PINTO, BARRETO-BERGTER & TABORDA, 2008). Estudos relacionados a
glicoproteínas de fungos vêem demonstrando que a parte constituída por carboidratos
dessas moléculas são importantes no reconhecimento do sistema imunológico do
hospedeiro. Dados na literatura têm mostrado que oligossacarídeos O-ligados em
diversos fungos são epítopos no reconhecimento pelo sistema imune. Os
oligossacarídeos existentes na peptidoramnomanana (pRM) em Pseudallescheria boydii
12
INTRODUÇÃO
e os oligossacarídeos existentes nos epítopos imunodominantes das unidades de β-Galf
na galactomanana de A. fumigatus, quando removidos por reação de β-eliminação
redutiva diminuía a imunorreatividade das moléculas com os antisoros (LEITÃO et al,
2003; PINTO, et al, 2005). Outro estudo mostrou a caracterização de oligossacarídeos
O-ligados presentes na ramnomanana de Scedosporium prolificans (PINTO et al, 2001).
As cadeias oligossacarídicas contendo Rhap em S. prolificans se assemelham as
encontradas em Sporotrix schenckii, podendo ser considerados como epítopos
imunodominantes (BARRETO-BERGTER et al, 2008). Em P. boydii, seis
oligossacarídios foram isolados, sendo o mais abundante um hexassacarídio que foi
capaz de inibir a reação entre a pRM de P. boydii e o soro hiperimune de coelho em
75%. Em S. prolificans identificou-se um pentassacarídio predominante contendo
unidades de β-D-Galf e a existência de traços de um trissacarídio sem a presença de
unidades de Rhap (BARRETO-BERGTER et al., 2008). Além da contribuição dos
oligossacarídios O-ligados para a antigenicidade da pRM de P. boydii, a O-glicosilação
é crítica para a adesão do fungo à célula hospedeira, uma vez que a molécula de-Oglicosilada inibiu eficientemente a adesão de conídios de P. boydii a células epiteliais
(HEp-2) e inibiu a endocitose (PINTO et al , 2004).
Outros glicoconjugados vêm sendo isolados da parede celular de fungos e suas
estruturas e possíveis funções biológicas determinadas. Por exemplo, peptido
galactomananas foram isoladas de Cladosporium wernecki, A. fumigatus, A. wentii,
espécies de Malassezia, Chaetosartorya chrysella, manoproteínas foram estudadas em
C. albicans e outras espécies de Candida e peptidoramnomananas foram identificadas
em P. boydii, Scedosporium apiospermum, S. prolificans e Sporothrix schenckii
(LLOYD, 1970; HAIDO, et al., 1998; PINTO et al., 2002; LEITÃO et al, 2003;
GÓMEZ-MIRANDA et al., 2004; SHIBATA, et al., 2009).
Em C. werneckii, uma peptidogalactomanana foi extraída com tampão fosfato a
quente e apresentou cerca de 14% de Galactose e 78% de Manose e a sua porção
protéica consistia de 11% da molécula. Esta molécula possuía uma massa molecular
entre 150 e 200 kDa e os açucares possuíam configurações α e β. Análise de metilação
mostrou que as unidades manopiranosídicas estavam ligadas principalmente por
ligações do tipo α(1→2), apresentando ainda algumas unidades (1→6) e (1→3)
13
INTRODUÇÃO
substituídas. È uma estrutura pouco ramificada e todas as unidades de galactose são
terminais não redutores presentes nas formas D-piranosídicas e D-furanosídicas.
(LLOYD, 1970).
Peptidogalactomananas N- e O-ligadas foram obtidas de duas cepas de A.
fumigatus. A principal diferença entre elas foi o grau de ramificação e a percentagem de
unidades terminais de α-D-Manp e β-D-Galf. Estas moléculas reagiram com soro
hiperimune de coelho contra células totais de A. fumigatus, assim como soro de
pacientes com aspergilose. A importância da porção carboidrato desta molécula foi
demonstrada através de vários tratamentos. Hidrólise ácida parcial, beta- eliminação
redutiva e tratamento com metaperiodato de sódio removeram praticamente a
reatividade com os soros testados. (HAIDO, et al., 1998). Estudos posteriores
mostraram que os oligossacarídios O-ligados componentes da peptidogalactomanana de
A. fumigatus eram responsáveis por uma parte significativa da antigenicidade da
molécula, pois a de-O-glicosilação diminuía 50% da reatividade com o soro. Os
epítopos imunodominantes estavam presentes nos tetra-e hexasacarídios que continham
grupamentos terminais β-D-Galf-(1→5)-β-D-Galf Estes haptenos eram inibidores
potentes (90%) do reconhecimento entre a peptidogalactomanana e o soro de pacientes
(LEITÃO et al , 2003)
As estruturas das galactomananas A. wentii, Chaetosartorya chrysella, e A.
fumigatus foram elucidadas por metilação, 1D- e 2D- RMN e MALDI-TOF. As
estruturas identificadas foram semelhantes às descritas anteriormente por outros grupos,
correspondendo a unidades repetidas de [→3)-β-D-Galf-(1→5)-β-D-Galf-(1→]n →
“core” de manana. O “core” de manana era constituído por unidades de α-Manp (1→6)
ligadas, substituídas na posição 2 por cadeias contendo 1 a 7 unidades de α-Manp
(1→2) interligadas (GOMEZ-MIRANDA et al. 2004).
Em espécies de Malassezia, fungos lipodependentes, peptidopolissacarídios
foram estudados química e imunologicamente. A porção polissacarídica era constituída
de uma galactomanana, contendo uma proporção de Gal: Man de 15:1. Análises por 1H
e
13
C RMN mostraram ser a galactomanana um polímero linear de unidades
galactofuranosídicas β-1,6 ligadas, contendo uma pequena quantidade de manana. A
análise do “core” de manana mostrou a presença de unidades de α-Manp (1→2) ligadas
14
INTRODUÇÃO
e em menor quantidade α-Manp (1→3) ligadas e que essa manana possuía uma
estrutura ramificada (“comb like”- estrutura em forma de pente) similar a encontrada em
Sacharomyces cerevisae e Candida albicans. As unidades de galactofuranose β-(1→6)
ligadas parecem ser importantes na resposta imune, uma vez que anticorpos
monoclonais com especificidade para unidades galactofuranosídicas β-(1→5) ligadas
não reagiram com esta peptidogalactomanana. Estes resultados sugerem que a
identificação de uma nova galactomanana com unidades de Galf β-(1→6) pode ser
considerada como um antígeno em potencial para ser usado no diagnóstico de doenças
causadas por espécies de Malassezia (SHIBATA, et al. 2009).
Um peptidopolissacarídio foi isolado da forma de micélio de P. boydii e
caracterizado química e imunologicamente. Análise de seus monossacarídios, análises
de metilação e ressonância magnética nuclear de 1H- e 13C- RMN indicaram a presença
de uma ramnomanana com uma estrutura distinta da encontrada em outros fungos,
como a peptidoramnomanana de S. schenckii (LOPES-ALVES et al., 1994). Em P.
boydii, cadeias laterais contendo epítopos Rhap(1→3)Rhap estavam ligados a cadeia
principal de manose (1→6) por ligações (1→3). A peptidoramnomanana de P. boydii
reagiu fracamente com soro hiperimune contra células totais de S. schenckii e
fortemente contra antisoro anti-células totais de P. boydii. Essas características e
diferenças imunológicas sugerem que esse antígeno contendo ramnose presente na
superfície de micélio e conídios de P. boydii pode seu útil para o diagnóstico específico
de infecções causadas por esse fungo (PINTO et al., 2002).
Glicoesfingolipídios
Outra importante classe de glicoconjugados são os glicoesfingolipídios (GSLs),
que são glicosídios de ceramida ou mio-inositol-(1-O)-fosforil-(O-1)-ceramida. É uma
subclasse esfingolipídica estrutural e funcionalmente diversa encontrada e distribuída
em todas as espécies de eucariotos e também em algumas espécies de bactérias
(LEVERY, 2005). Essas moléculas têm sido implicadas em muitos processos celulares,
incluindo crescimento, diferenciação, morfogênese e com a resposta imune do
hospedeiro. GSLs podem também modular a sinalização celular e a reorganização e
15
INTRODUÇÃO
atividades específicas de proteínas plasmáticas de membrana (HAKOMORI, 1993;
KASAHARA & SANAI, 2000). São moléculas amplamente encontradas nos fungos
desde a classe dos Ficomicetos até os Basidiomicetos (PINTO, BARRETO-BERGTER
& TABORDA, 2008).
Os glicoesfingolipídios são moléculas anfipáticas constituídos por uma ceramida
(N-acilesfingosina) ligada a uma cadeia glicana de tamanho e estrutura variada. Os
glicoinositolfosforil ceramidas (GIPCs) pertencem à classe dos glicoesfingolipídios que
diferem dos GSLs clássicos na sua porção açúcar ligada a ceramida via uma ponte de
inositol fosfato. Já as monohexosilceramidas (CMH ou cerebrosídios) são compostos
por uma unidade monossacarídica, geralmente glucose ou galactose, ligada a uma
ceramida de C19, possuindo um grupo metil no carbono-9 e ligada via uma ligação
amídica aos ácidos graxos 2-hidroxi-octadecanoico e/ou 2-hidroxi-hexadecanóico
(Figura 5). Essas moléculas têm sido reportadas como constituintes da parede celular e
da membrana celular tanto de fungos patogênicos quanto dos não patogênicos. Estas
diferenças estruturais tornam os CMHs fúngicos alvos importantes para o
reconhecimento seletivo por agentes antifúngicos (BARRETO-BERGTER, PINTO &
RODRIGUES, 2004). Essas moléculas são estruturalmente conservadas (Tabela 1), com
pequenas modificações que incluem a presença de insaturação e a variação no
comprimento da cadeia de carbono dos ácidos graxos componentes da sua porção
ceramida (BARRETO-BERGTER, PINTO & RODRIGUES, 2004).
Base de cadeia longa
Unidade monossacarídica
Ácido 2-hidroxi-octadecanoico e/ou 2-hidroxi-hexadecanóico
Figura 5. Estrutura química geral das moléculas de CMH que podem ser encontradas em
fungos, ilustrando as variações de açúcares que podem ser encontradas (galactose ou
16
INTRODUÇÃO
glucose), no número de carbonos presentes no ácido graxo (16-18 átomos de carbono) e
no grau de insaturação dos mesmos (WARNECKE & HEINZ, 2003).
Tabela 1. CMHs encontrado em vários fungos, mostrando a porção de açúcar e os
ácidos graxos componentes. A base de cadeia longa componente da porção ceramida
está presente em todos os CMHs estudado e foi identificada como 9-metil-4,8esfingodienina (BARRETO-BERGTER, PINTO & RODRIGUES, 2004).
Os fungos apresentam vias exclusivas de síntese de CMH que são importantes
para a manutenção da viabilidade celular (LEIPELT et al., 2001). Por apresentarem tal
característica, é grande o interesse no estudo e desenvolvimento de novos antifúngicos
que tenham como alvo esses importantes glicolipídios.
Também são moléculas antigênicas e estão envolvidas no crescimento celular
e/ou diferenciação em S. commune, C. neoformans, P. boydii, C. albicans, A. nidulans,
A. fumigatus e F. pedrosoi (BARRETO-BERGTER, PINTO & RODRIGUES, 2004).
Utilizando anticorpos monoespecíficos ou monoclonal anti-CMH foi possível
observar a presença destas moléculas na superfície de C. neoformans (RODRIGUES, et
17
INTRODUÇÃO
al, 2000) e nas formas de micélio e conídio de fungos dos gêneros P. boydii (PINTO et
al, 2002), Colletotrichum gloesporioides (DA SILVA, et al. 2004).
Os glicoesfingolipídios também fazem parte dos domínios de membrana
resistente à ação de detergentes (BRIOLAY et al., 2009) e estão envolvidos na
patogenicidade de algumas espécies fúngicas (NIMRICHTER et al., 2005). Estudos
recentes indicam que os glicolipídios apresentam propriedades antifúngicas e
antimicrobianas (KULAKOVSKAYA et al., 2009). Em células fúngicas, os CMHs têm
sido caracterizados como moléculas bioativas com algumas funções distintas. Por
exemplo, monohexosilceramidas de M. grisea, um fitopatógeno, produz um elicitador
ativo que causa uma resposta de hipersensibilidade em arroz (KOGA et al. 1998;
UNEMURA et al. 2000). Essas moléculas induzem a acumulação de compostos
antimicrobianos, morte celular, expressão de proteínas relacionadas a patogênese em
folhas de arroz e protege as plantas de arroz contra infecções fúngicas.
Algumas ceramidas apresentam atividade citotóxica, antimicrobiana e também
imunomodulatória, favorecendo o estabelecimento da infecção, no caso de
microrganismos patogênicos, ou a colonização de novos ambientes, no caso de espécies
saprófitas (WU et al., 2009). O estudo de moléculas lipídicas (cerebrosídios,
fitofosfoesfingolipídios) com atividade antimicrobiana tem sido feito através da
extração dessas moléculas principalmente de plantas (CATENI, et al., 2003; CHEN et
al., 2003; WU et al., 2009). Essas moléculas também têm sido encontradas em
microrganismos, como por exemplo, em fungos, onde possuem um papel na regulação
do crescimento microbiano (SHU et al., 2004; DERENGOWSKI et al., 2009). Um
exemplo é a presença dessa estrutura em P. brasiliensis, que revelou diferenças
quantitativas na expressão entre as formas micelial e leveduriforme deste fungo
(TOLEDO et al., 1999), mostrando assim, o envolvimento dessas moléculas em
processos de sobrevivência fúngica (TOLEDO, et al. 2000).
O fungo C. resinae apresenta poucos relatos na literatura e os mesmos se
limitam a sua identificação e isolamento do meio ambiente. Deste modo o presente
estudo se propôs estudar os glicoconjugados presentes na sua parede celular,
comparando as moléculas encontradas com aquelas já identificadas em fungos
saprófitas e patogênicos. Além de estudar a função biológica desempenhada por estas
moléculas na célula fúngica.
18
OBJETIVOS
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Caracterizar as glicoproteínas e glicolipídios extraídos da superfície do fungo
Cladosporium resinae e descrever suas possíveis funções biológicas no
crescimento e desenvolvimento do fungo.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Isolar, purificar e caracterizar química e imunologicamente as glicoproteínas.
Isolar,
purificar
e
caracterizar
química
e
imunologicamente
os
glicoesfingolipídios.
Testar a atividade biológica dos glicoesfingolipídios isolados.
Analisar a atividade antimicrobiana de outras moléculas presentes no extrato
lipídico extraído de micélio de Cladosporium resinae frente a microrganismos.
20
MATERIAIS E MÉTODOS
MATERIAIS E MÉTODOS
1. Microrganismo e condições de cultivo
Neste trabalho, foi utilizada uma amostra do fungo Cladosporium resinae,
isolado de combustível de aviação, cepa INCQS 40035, cedida pela Dra Marília Martins
Nishikawa do INCQS, Fiocruz. A cultura foi mantida em meio Caldo Batata Dextrosado
(Acumedia) (Tabela 2), com repiques a cada 10 dias.
Para a obtenção do micélio, a amostra foi repicada em frascos Erlenmeyer
contendo 1000 ml de Caldo Batata Dextrosado e incubada por 10 dias, sob agitação e à
temperatura ambiente. Após o período de incubação, o micélio foi filtrado, lavado com
água destilada e estocado a -20°C.
Para obtenção de conídios, o fungo foi crescido em meio Agar Batata
Dextrosado (Acumedia) (Tabela 2) por 10 dias , os conídios foram raspados com PBS –
pH 7,2 (NaCl -16g, KCl -0,4g, KH2PO4 - 0,4g, Na2HPO4 - 2,4g QSP 2000 ml) estéril,
filtrados em algodão e centrifugados (3.000 x g, por 4 minutos) e o número de conídios
determinado por contagem em câmara de Neubauer, em microscópio óptico.
Tabela 2: Composição dos meios de cultura utilizados para a obtenção de massa celular
do fungo C. resinae.
Meio de cultura
Composição (QSP 1000ml)
Caldo Batata Dextrosado
20g de dextrose
4g de sólidos de infusão de batata
Agar Batata Dextrosado
4g de sólidos de infusão de batata
20g de dextrose
15g de agar bacteriológico
22
MATERIAIS E MÉTODOS
2. Análise de Glicoconjugados
Os glicoconjugados (Glicoproteínas + Glicolipídios) foram extraídos conforme
figura abaixo.
Massa inicial: 267g (peso úmido)
Massa: 160g
(peso seco)
Massa: 2,3g
(peso seco)
Álcool comercial
Figura 6: Esquema de extração das glicoproteínas e glicolipídios a partir de massa
miceliar de C. resinae.
23
MATERIAIS E MÉTODOS
3. Análise das Glicoproteínas
3.1. Extração das Glicoproteínas
As glicoproteínas foram extraídas do micélio de C. resinae com tampão fosfato
de sódio 0,05 M, pH 7,2, sob refluxo de 2 horas a 100oC (HAIDO et al., 1998). Após
centrifugação a 5000 x g por 10 minutos, o sobrenadante foi coletado e concentrado em
evaporador rotatório a vácuo a um volume de 100 ml, o qual foi precipitado com 3
volumes de etanol, “overnight”, a 4oC. O precipitado formado foi dissolvido em água
destilada e dialisado contra a mesma por 48 horas. A solução foi liofilizada resultando
na glicoproteína bruta (GPb).
3.2. Fracionamento das Glicoproteínas
A glicoproteína bruta foi fracionada com brometo de hexadeciltrimetilamônio
(Cetavlon) segundo Lloyd (1970). A fração correspondente à peptidogalactomanana
(pGM) foi obtida a partir da precipitação do sobrenadante na presença de ácido bórico a
1%, pela adição de NaOH 2 N, até pH 8,8. O precipitado formado foi centrifugado
(2000 x g, por 15 minutos), lavado com ácido acético 2%, dialisado contra água
destilada por 48 h e liofilizado.
3.3. Análises colorimétricas
Dosagem de açúcares totais (DUBOIS et al., 1956): 50 µl de uma solução
contendo 1,0 mg/ml da amostra foram misturados a 20 µl de fenol 80% (p/v) e 1,5ml de
H2SO4 a 75% (v/v). Essa mistura foi aquecida a 80°C por 20 minutos e as leituras feitas
em espectrofotômetro no comprimento de onda de 490 nm. Uma solução de padrão de
manose (1,5mg/ml) foi utilizada como padrão na faixa de 15 a 125 µg.
Dosagem de proteínas: as proteínas foram dosadas em um sistema miniaturizado
em placa NUNC MaxiSorp através do método de Lowry (1951). A curva padrão de
BSA (1µg – 20 µg) e as amostras foram depositadas separadamente nos poços em um
volume final de 20µl. Foram adicionados 100µl do reagente D (5ml da solução A + 50ul
da solução C + 50ul da solução B). Após 10 minutos de incubação em temperatura
24
MATERIAIS E MÉTODOS
ambiente, foram adicionados 10µl do reagente E (FOLIN/água 1:1). Após 30 minutos
de incubação foi realizada leitura em leitor de microplacas Bio-Rad no comprimento de
onda de 630-660nm.
-Reagente A: carbonato de sódio 2% em NaOH 0,1M
-Reagente B: Sulfato de cobre 1%
-Reagente C: Tartarato de sódio e potássio 2%
3.4. Análise em HPSEC
A homogeneidade e a massa molar (Mw) da pGM de C. resinae foi determinada
por cromatografia de exclusão de alta performance (HPSEC) acoplada a um detector de
índice de refração (REED, 1995). Foram usadas quatro colunas de gel filtração de
Ultrahidrogel em série, com tamanhos de exclusão de 7 x 106, 4 x 105, 8 x 104, and 5 x
103 Da. O eluente foi uma solução de NaNO2 0,1mol/L contendo 200 ppm de NaN3 num
fluxo de 0,6ml/mim. A amostra foi previamente filtrada em membrana de 0,22µm, e
aplicada na coluna (100 µl) em uma concentração de 1mg/ml. O aumento específico do
índice de refração (dn/dc = 0.129) também foi determinado e os resultados processados
usando o software ASTRATM 5.0 (Wyatt Technologies).
3.5. Purificação da pGM em coluna de exclusão em gel
A pGM de C. resinae foi dissolvida em tampão fosfato 0,01M, pH 7,0 e
aplicados em uma coluna (10x300mm) empacotada com a resina SUPERDEX 200
(Pharmacia Biotech) em um cromatógrafo AKTA (Pharmacia). Foi utilizado gradiente
contínuo de tampão fosfato de sódio 0,01M acrescido de NaCl 0,15M (pH 7,0), com
fluxo de 0,5 ml/minuto. O conteúdo protéico foi acompanhado por leitura dos eluatos a
280 nm e o conteúdo de carboidratos foi acompanhado pelo método de fenol-ácido
sulfúrico modificado para sistema de microtitulação como descrito no trabalho de
Leitão et al.(2003) no qual foram utilizados 30 µl da amostra, 45µl de fenol 5% e 150 µl
de ácido sulfúrico concentrado. A leitura foi realizada em leitor de microplacas Bio-Rad
a 490 nm.
25
MATERIAIS E MÉTODOS
3.6. Composição monossacarídica da glicoproteina
Para análise da composição de monossacarídios, a pGM (1 mg) foi hidrolisada
com TFA 3 M/100oC/3h. O ácido foi co-evaporado com água destilada através do uso
do evaporador rotatório. Os produtos de hidrólise foram reduzidos com 1ml de NaBH4
(Boridreto de Sódio) e acetilados com anidrido acético/piridina (1:1 v/v), durante a
noite, à temperatura ambiente. Para a eliminação da piridina excedente, foram utilizadas
misturas de sulfato de cobre e clorofórmio que auxiliam na visualização da separação da
fase aquosa e clorofórmica. A piridina, por ser polar, encontra-se solúvel na porção
aquosa de sulfato de cobre (azul escuro) enquanto a mistura de alditol acetatos é
encontrada solúvel na porção clorofórmica (azul claro e ao final da lavagem
transparente). A mistura de alditol acetatos foi analisada por cromatografia líquido-gás
acoplada a espectrometria de massa (GC-MS) usando uma coluna capilar de DB-225
(30 m x 0.25 mm d.i.) e uma temperatura de 50 C° (1 min) até 230°C (40°C /min).
O gás veicular do sistema utilizado foi o gás hélio. Os alditóis acetatos foram
identificados por meio dos seus tempos de retenção e pelo seu perfil de fragmentação
por ionização eletrônica (EI), como descritos nos trabalhos de Pinto et al. (2001) e
Leitão et al (2003).
3.7. Análise de metilação da pGM
A pGM (5mg) foi metilada pelo método de Ciucanu & Kerek (1984). A amostra
a ser metilada foi solubilizada em 1ml de DMSO. Um excesso de NaOH triturado e seco
foi adicionado à solução seguido pela adição de 1ml de CH3I sob agitação em vortex
por 30 mim (ou até solidificar) e repouso por 24h. A metilação foi interrompida com
água destilada sob banho de gelo e a solução foi acidificada com ácido acético glacial.
A porção carboidrato da amostra metilada foi extraída com CH3Cl e lavada diversas
vezes com água destilada. A fase clorofórmica foi evaporada e o material hidrolisado
com H2SO4 50% (v/v 0,5 ml) por 1h a 0ºC, seguido pela diluição a 5,5% (v/v; adição de
4ml de água destilada) e aquecimento a 100ºC por 17h (SAEMAN et al. 1954). O
material hidrolisado foi neutralizados com BaCO3, filtrado, reduzido com NaBD4 e
acetilado. Os alditóis acetatos foram analisados por GC-MS usando uma coluna capilar,
DB-225 (30m x 0.25mm i.d.) e identificados pelos tempos de retenção e perfis de
26
MATERIAIS E MÉTODOS
fragmentação obtidos por impacto de elétrons por comparação com uma mistura de
padrões (JANSSON et al., 1976; SASSAKI et al., 2005).
3.8. Análise dos aminoácidos componentes da pGM
A análise dos aminoácidos foi realizada conforme Sassaki et al. (2008). A pGM
(2mg) foi hidrolisada com TFA 2 M “overnight” em estufa a 100ºC. Após evaporar o
TFA, adicionou-se 300µl de NH4OH 0,5 M e a reação foi deixada por 10 min em
repouso. Adicionou-se NaBH4 e deixou-se reduzindo por 10 mim a 100ºC. A amostra
foi seca e a reação neutralizada com ácido acético. A amostra neutralizada foi então,
dissolvida em solução aquosa de metanol (200µl; 1,5: 8,5; v/v) contendo HCl 0,6N e
0,1% de fenol (v/) e aquecido a 100ºC por 15 mim. A solução foi evaporada sob pressão
de N2, resultando em um resíduo contendo ésteres metílicos de aminoácidos. Esse
resíduo foi tratado com piridina-MeOH-Ac2O (300 µl; 1:1.4; v/v) a 100ºC por 1h,
resultando em aminoácidos metil ésteres (aaMAs). Nesse caso particular, a mistura não
pode ser misturada a CuSO4 aquoso ou evaporado devido a formação de azolactona,
sendo diretamente analisada por GC-MS.
3.9. Espectroscopia de RMN
O espectro de RMN da pGM foi obtido a 400 MHz em um espectrômetro
modelo AVANCE III equipado com sonda inversa de 5mm com gradiente. As análises
de 1H- (400 MHz) and 13 C-NMR (100.6 MHz) foram realizadas dissolvendo a pGM em
água deuterada (D2O) a 99,7% e em várias temperaturas. Os deslocamentos químicos
(chemical shifts) foram expressos em δ ppm, relativos a um padrão externo de acetona
(δ 30.2 and δ 2.224 para os sinais de
13
C e 1H, respectivamente). Os espectros de
HSQC, COSY e TOCSY foram obtidos de acordo com o manual Bruker.
3.10.
Análise da pGM por eletroforese em gel de poliacrilamida
(SDS-PAGE)
O perfil eletroforético da pGM foi determinado por SDS-PAGE segundo Bolag,
1996. As amostras foram preparadas a partir de uma solução estoque de 1 mg/ml (pGM
27
MATERIAIS E MÉTODOS
e Glicoproteína Bruta), sendo utilizados 24 µl de cada amostra + 6 µl de tampão de
amostra (2,5 ml da Solução A* + 2,5 ml de SDS 20% + 2,0 ml de glicerol QSP 18,5 ml
de água destilada), para um volume final de 30 µl. Foram aplicados 20 µl de cada
preparação por poço. A corrida foi realizada em gel de poliacrilamida 10% (1,6 ml de
bis-acrilamida 30% + 1,25 ml de Tris 1,5 M pH 8,8 + 2,0 ml de água destilada + 50 µl
de SDS 10% + 25 µl de persulfato + 5 µl de Temed), com amperagem constante de 30
mA. Para a visualização das bandas, o gel foi corado com “Coomassie Blue”.
* Solução A: 6g de Tris-base
2ml de SDS 20%
3.11.
QSP 100ml de água destilada
pH 6,8
Hidrólise ácida parcial
A pGM (2mg) foi submetida à hidrólise ácida parcial com HCl 0,1N, à 100°C,
por 20 minutos. Após a hidrólise, a amostra foi dialisada contra água destilada, para a
retirada do ácido e posteriormente liofilizada e utilizada para a realização de ELISA e
cromatografia em camada fina (TLC). Os produtos de hidrólise foram analisados por
TLC usando como sistema de solventes de corrida: n-butanol:acetona:água (4:5:1; v/v).
A placa foi visualizada por orcinol-H2SO4.
3.12.
Reação de β-eliminação redutiva
A reação de β-eliminação foi realizada segundo Leitão et al. (2003). A pGM (50
mg) foi dissolvida em 50 ml de 0,5 M de Boroidreto de Sódio (NaBH4) em 0,1 M
NaOH e mantido a temperatura ambiente com agitação constante. Após 24h, a mistura
foi neutralizada com ácido acético glacial e produto da reação foi passado em coluna de
Amberlite 120P (Sigma) e liofilizado. O material resultante foi lavado com metanol
para a remoção do borato. A amostra foi analisada por TLC usando como sistema de
solventes de corrida: n-butanol: etanol: água (2:1:1, v/v) e visualizada por orcinolH2SO4. Oligossacarídeos obtidos pela hidrólise de uma dextrana comercial foram
usados como referência de pesos moleculares.
28
MATERIAIS E MÉTODOS
3.13.
Oxidação com metaperiodato de sódio
Essa oxidação foi realizada conforme Haido et al. (1998). A pGM (4 mg) foi
adicionada a concentrações de 10, 25, 50 e 100 M de NaIO4 (metaperiodato de sódio)
em PBS. As amostras foram incubadas por 18h a 4ºC no escuro e após este tempo, o
NaIO4 foi removido pela adição de quantidade equimolar de glicerol por 15 min. Em
seguida adicionou-se quantidade equimolar de NaBH4 e as amostras ficaram reagindo
sob agitação a 4ºC por 2h. Por fim, as amostras foram dialisadas e liofilizadas.
3.14.
ELISA indireto
O teste de ELISA foi realizado conforme Voller & Bidwell (1986).
Placas de microtitulação Falcon sensibilizadas com 100 µl / poço de uma
solução de 5 µg/ml do antígeno (pGM) durante 1h, a 37°C e durante a noite, a 4ºC.
Foram feitas três lavagens com 150 µl de PBS contendo Tween 20 a 0,05% (PBS-T
0,05%) e os sítios inespecíficos foram bloqueados por incubação com PBS-T 0,1%
contendo 5% de leite por 1h a 37°C, em câmara úmida. O antisoro contra células totais
de A. fumigatus, Candida parapsilosis e Cladosporium resinae foram diluídos a 1:800
em PBS-T 0,1% leite 5% e 100µl de cada diluição foram adicionados aos poços
contendo o antígeno. Após incubação por 1h, a 37°C, as placas foram lavadas com PBST 0,1% como anteriormente e 100µl de conjugado anti-IgG de coelho-peroxidase
(SIGMA) diluído a 1:3000 em tampão de bloqueio foi acrescentado aos poços das
placas, procedendo-se a incubação como na etapa anterior. A placa foi lavada como
previamente
descrito
e
100
µl
do
substrato
enzimático,
constituído
de
ortofenilenodiamina (OPD-4mg) (SIGMA) em 10ml de tampão fosfato-citrato, pH 5,0 e
4 µl de H2O2 foram adicionados. A reação foi processada na ausência de iluminação
direta, à temperatura ambiente, e após 20 minutos foi paralisada com adição de 50 µl de
H2SO4 3 M em cada poço. A absorbância foi lida a 490 nm em leitor de microplacas
BIO-RAD. Soro pré-imune de coelho foi usado como controle negativo.
29
MATERIAIS E MÉTODOS
3.14.1.
Obtenção do soro contra células totais de C. resinae
Os soros imunes a serem utilizados foram obtidos por Monteiro (1995), por de
esquema de imunização em dois coelhos brancos adultos, conforme descrito abaixo:
Antes de iniciar a imunização, os animais foram sangrados por punção intracardíaca para a obtenção de soros pré-imunes.
Os animais foram imunizados sob um esquema de três imunizações sendo que na
primeira imunização utilizou-se adjuvante completo de Freund e as duas posteriores
adjuvante incompleto de Freund.
Na primeira imunização foi utilizado 1ml de suspensão de C. resinae (1 mg da
amostra liofilizada/ ml de água destilada) emulsificado com igual volume de adjuvant
completo de Freund (Sigma Chemical Company). Para as duas posteriores doses foram
utilizadas preparações de 0,5mg de amostra do fungo liofilizada + 1ml de uma
suspensão contendo 1 x 108 esporos/ml de água destilada, emulsificadas com igual
volume de adjuvante incompleto de Freund. Os animais foram sangrados 7 dias após a
última dose de imunógeno e após coagulação do sangue (37oC por 1h e 4oC por 18h), o
soro foi separado e centrifugado a 1500 x g/ 15 min. O material será estocado a -20oC
até o momento do uso.
3.15.
Inibição do ELISA indireto
Para testar a importância dos oligossacarídios O-ligados na reatividade, placas
de microtitulação Falcon foram sensibilizadas com 100 µl / poço de uma solução de
5µg/ml do antígeno (pGM) durante 1h, a 37°C e durante a noite, a 4ºC. Foram feitas
três lavagens com 150 µl de PBS contendo Tween 20 a 0,05% (PBS-T 0,05%) e os
sítios inespecíficos foram bloqueados por incubação com PBS-T 0,1% contendo 5%
de leite por 1h a 37°C, em câmara úmida. Foi usado como inibidor a mistura de
oligosacarídios obtida por reação de β-eliminação nas concentrações finais de 0.5, 5,
50 e 500 ng. Essas amostras foram pré-incubadas com o soro anti-células totais de C.
resinae na diluição final de 1:400 em PBS-T 0,1% leite 5% por 1h a 37ºC. Após esse
período essas amostras (100 µl) foram adicionados aos poços contendo o antígeno.
Após incubação por 1h, a 37°C, as placas foram lavadas com PBS-T 0,1% como
30
MATERIAIS E MÉTODOS
anteriormente e 100 µl de conjugado anti-IgG de coelho-peroxidase (SIGMA) diluído
a 1:3000 em tampão de bloqueio foi acrescentado aos poços das placas, procedendose a incubação como na etapa anterior. A placa foi lavada como previamente descrito
e 100 µl do substrato enzimático, constituído de ortofenilenodiamina (OPD-4 mg)
(SIGMA) em 10ml de tampão fosfato-citrato, pH 5,0 e 4 µl de H2O2 foram
adicionados. A reação foi processada na ausência de iluminação direta, à temperatura
ambiente, e após 20 minutos foi paralisada com adição de 50 µl de H2SO4 3 M em
cada poço. A absorbância foi lida a 492nm em leitor de microplacas BIO-RAD.
3.16.
FACS
Conídios de C. resinae (1x106 células) foram obtidos por centrifugação a 7000 x
g por 3 min, lavados duas vezes em tampão salina fosfato (PBS), pH 7,2. O soro anticélulas totais de C. resinae foi pré-incubado com pGM (10µg/ml) de A. fumigatus,
manoproteina de C. parapsilosis e pGM de C. resinae por 1h a 37ºC. Após, os conídios
foram incubados com o soro tratado (pré-incubados com as pGM) e não tratado por 1h a
37ºC. Então, as amostras foram incubadas com IgG anti-coelho marcado com FITC
(1:100) por 1h a 37ºC. As células foram lavadas com PBS, contendo azida 0,1%
(tampão de FACS), ressuspendidas no mesmo tampão e analisadas por FACScan
(Becton Dickinson). Os dados de 10.000 células foram analizados usando o software
“Windows Multiple Document Interface Flow Cytometry Application (WinMDI) versão
2.8”. Os conídios que foram incubados apenas na presença do anticorpo secundário
foram usados como controle negativo.
4. Análise dos Glicolipídios
4.1. Extração de Lipídios Totais
A extração de lipídios foi feita através da suspensão da massa celular em
clorofórmio/metanol 2:1 (v/v) e posterior trituração em “Waring Blender” por dois
minutos seguido de agitação por duas horas à temperatura ambiente (VILLAS BOAS et
31
MATERIAIS E MÉTODOS
al., 1994; DA SILVA et al., 2004). O extrato lipídico foi filtrado à vácuo em filtro de
vidro sinterizado. O resíduo celular foi ressuspenso em clorofórmio/metanol 1:2 (v/v) e
foi repetido o mesmo procedimento anterior. Em seguida, os dois extratos foram
reunidos e evaporados à secura em evaporador rotatório a vácuo. O extrato lipídico
bruto foi submetido à partição de Folch (clorofórmio/ metanol/ KCl 0,75%; 8:4:3 v/v) e
o sistema deixado em repouso “overnight” para separação das fases (FOLCH et al,
1957).
4.2. Fracionamento
dos
lipídios
neutros
e
purificação
dos
glicoesfingolipídios
A fase inferior resultante da partição de Folch, rica em lipídios neutros, foi
retirada e evaporada à secura. Em seguida, tal fase foi dissolvida em clorofórmio e
aplicada em uma coluna de sílica gel 60 (70-230 mesh, Merck, 5 x 100cm). A coluna foi
eluída com volumes iguais de clorofórmio, acetona e metanol, nessa seqüência. As
frações coletadas foram concentradas e analisadas por cromatografia em camada fina
(TLC) em placa de sílica gel (Merck, Darmstadt, Germany). O solvente de corrida
utilizado foi clorofórmio/ metanol/ NH4OH 2N - 40: 10: 1 (v/v) e as bandas foram
visualizadas pela revelação com vapores de iodo (MARINETTI, 1986) e com orcinol/
H2SO4 (KANFER & HAKOMORI, 1983). A identificação dos glicoesfingolipídios foi
feita por comparação com a mobilidade cromatográfica de um padrão de cerebrosídio
bovino.
A fração rica em glicoesfingolipídios parcialmente purificada (fração acetona)
foi submetida ao fracionamento em coluna de sílica gel 60 (5 x 100cm), equilibrada
com clorofórmio. Para eluição foram usados como sistemas de solventes CHCl3/CH3OH
nas proporções 100:0, 90:10, 80:20, 70:30, 50:50, 0:100 (v/v). As frações eluídas foram
recolhidas em tubos (5ml/ tubo), concentradas e analisadas por TLC conforme descrito
anteriormente. As frações contendo glicoesfingolipídios neutros foram reunidas e
repurificadas em nova coluna de sílica gel 60 montada em pipeta Pasteur conforme
protocolo já descrito acima.
32
MATERIAIS E MÉTODOS
A amostra do glicolipídio purificada foi utilizada para a análise química e
imunológica da molécula e as demais frações lipídicas foram utilizadas para a realização
dos testes de inibição do crescimento microbiano (Figura 7).
Testes de atividade
antimicrobiana
Análise química
Análise Imunológica
Papel na diferenciação celular
Imunolocalização
Figura 7: Esquema das atividades realizadas após obtenção do extrato lipídico
4.3. Análise química e imunológica dos glicoesfingolipídios e avaliação
de seu papel na diferenciação celular.
4.3.1. Análise química e caracterização estrutural
Análise dos açúcares: Para a análise dos açúcares, o glicoesfingolipídio
purificado foi submetido à hidrólise ácida com TFA 3M, por 3 horas a 100°C. Foi
realizada a co-evaporação do ácido com água destilada e o monossacarídio resultante foi
identificado por TLC. Para tanto, foi utilizada como padrão uma mistura de açúcares
conhecidos e a placa sensibilizada com fosfato de potássio dibásico 0,3M. A separação
foi desenvolvida utilizando como sistema de solvente: n-butanol/acetona/água, 4:5:1
(v/v/v). A revelação dos açúcares foi feita com orcinol-H2SO4, a 100°C.
33
MATERIAIS E MÉTODOS
Caracterização estrutural: A análise estrutural da monohexosil ceramida
obtida foi feita por espectrometria de massa utilizando a técnica de ESI-MS/MS em
modo positivo em um espectrômetro Quattro LC (Waters) analisadas em triquadripolo.
Nitrogênio foi utilizado como gás nebulizador e carreador das amostras. As amostras
foram analisadas por injeção direta após solubilização em metanol (100 µg/ml). O fluxo
foi mantido constante em 10µl/min e a energia do cone e do capilar foram mantidas em
60 V e 2.8 kV, respectivamente.
4.3.2. Reatividade
da
fração
glicolipídica
purificada
com
anticorpo
monoclonal anti-CMH (Mab anti CMH)
4.3.2.1.
“Immunostaining”
Para a realização do “immunostaining”, os glicolipídios extraídos de micélio de
C. resinae e a glucosilceramida de F. oxysporum, usada como controle, foram aplicadas
em duas placas de TLC e submetidas à separação por cromatografia em camada fina em
condições de corrida para glicolipídios neutros.
Após a separação, uma das placas foi impermeabilizada com uma solução de
poli-isobutil meta-acrilato 5% em clorofórmio, diluída em uma solução de 1:10 (v/v) de
n-hexano. Foi procedido, então, o bloqueio usando PBS-BSA 1%. A placa foi coberta
por uma solução contendo o anticorpo monoclonal anti-CMH (34µg/ml) de A.
fumigatus, “overnight” a 4°C e após este tempo foi adicionado o anticorpo secundário
(1:1000) por 3h à temperatura ambiente.
A placa foi revelada por DAB (Diaminobenzidina - SIGMA), na concentração
de 5mg em 10ml de PBS e 5µl de água oxigenada concentrada, e as bandas
reconhecidas pelo anticorpo foram comparadas com as bandas de glicolipídios reveladas
por impregnação por iodo e por “spray” de orcinol.
34
MATERIAIS E MÉTODOS
4.3.2.2.
Avaliação da participação da molécula de CMH na diferenciação
celular do C. resinae
O papel do CMH na diferenciação celular foi avaliado através da realização de
um ensaio de inibição da diferenciação celular. Para a determinação dos tempos
utilizados nesse ensaio, foi realizada uma cinética de crescimento celular, onde 106
conídios ressuspendidos em 200 µl de meio mínimo (30 mM glicerol; 10 mM MgSO4;
29,4 mM KH2PO4; 13 mM glicina e 3 mM tiamina) foram submetidos à incubação a
37°C. Os conídios foram observados em microscópio invertido após 18, 24, 42 e 48h de
incubação.
Para a realização do ensaio de inibição da diferenciação celular, os conídios
(105) ressuspendidos em 100 µl de meio mínimo foram incubados com concentrações de
100, 50, 25, 12,5 e 6,25 µg/ml de anticorpo monoclonal anti-CMH. Como controles
negativos, foram utilizados conídios incubados somente com o meio mínimo e com
meio mínimo acrescidos de uma IgG irrelevante (100 µg/ml). Após 42 horas de
crescimento, os conídios foram visualizados em microscópio invertido, em aumento de
40x, fotografados, contados e o resultado foi expresso como a porcentagem de conídios
germinados.
4.3.2.3.
Avaliação da participação da molécula de CMH na viabilidade
celular do C. resinae
Para a realização do ensaio de atividade celular, 20 µl da suspensão celular
retirada após as 42h de incubação, de cada ponto testado anteriormente, foram
adicionados a 20 µl de MTT (3-(4,5-dimetiltiazol-2yl)-2,5-difenil brometo de
tetrazolina) numa concentração de 5mg/ml e incubados a 37ºC por 2h. A adição do
MTT possibilitou a evidenciação de células metabolicamente ativas através da presença
de precipitação da formazana. Para a dissolução desse precipitado foram adicionados
100µl de DMSO e o sistema incubado “overnight” a 37ºC, e a leitura realizada em leitor
de microplacas Bio-Rad em comprimento de onda de 490 nm.
35
MATERIAIS E MÉTODOS
4.3.2.4.
Imunolocalização da molécula de CMH
Para a realização do ensaio, os conídios recém-colhidos e hifas foram fixados
em paraformaldeído 0,4% por 1h em PBS. Após serem lavados (3X) com PBS, as
amostras foram incubadas com tampão de bloqueio (PBS + BSA 1%) por um período
de 1h a 37ºC. Após incubação e lavagens, as amostras foram incubadas com anticorpos
monoclonais anti-CMH murinos (50 µg/ml) e anticorpos humanos anti-melanina (50
µg/ml) por 1h a 37ºC e “overnight” a 4ºC. Após lavagens, anticorpos anti-IgG murinos
conjugados com Alexafluor (1/200) e anticorpos anti-IgG humana conjugados com
FITC (1/100) foram adicionados e incubados por 3h a 37ºC. Para a montagem das
lâminas foi utilizado n-propilgalato (VETEC) (para a preservação da amostra) e as
lamínulas foram seladas com esmalte. O reconhecimento da molécula de
glicoesfingolipídio e da melanina pelos anticorpos foi visualizado por meio de
microscopia de fluorescência Axioplan.
4.4. Avaliação da atividade biológica dos lipídios extraídos do micélio
de C. resinae.
4.4.1. Microrganismos testes
A atividade biológica das amostras lipídicas extraídas de micélio de C. resinae
foi avaliada frente a uma cepa de Bacillus pumilus, isolada de reservatório de petróleo
no Brasil, cedido pela Professora Lucy Seldin do Departamento de Microbiologia Geral
- Instituto de Microbiologia – UFRJ e frente a duas espécies de Candida (C. albicans e
C. tropicalis) pertencentes à coleção de nosso laboratório.
4.4.2. Teste da atividade biológica das frações lipídicas em meio de cultura em
placas de Petri
Lipídios neutros eluídos de uma coluna de sílica com acetona foram aplicados
em uma segunda coluna de sílica gel e a amostra foi separada por sistemas de
36
MATERIAIS E MÉTODOS
solventes contendo CHCl3/ MeOH em concentrações decrescentes de CHCl3 e
crescentes de MeOH (95:5; 90:10; 80:20; 70:30; 50:50 e 0:100). Após
fracionamento, os eluatos foram reunidos de acordo com perfil em TLC e foram
então separadas três frações. Estas foram testadas para a atividade biológica frente a
microrganismos (Bacillus pumilus e Candida albicans). Estes microrganismos
foram semeados por “spread plate” em meios sólidos (meio LB para bactérias e
meio SAB-M para fungos) e 10 µl das frações dissolvidas em CHCl3/MeOH
(2:1v/v) foram aplicadas sobre a semeadura. Como controle foi utilizado a mistura
de CHCl3/MeOH (2:1v/v).
4.4.3. Teste da atividade biológica das frações lipidicas -Bioautografia
Este teste foi realizado segundo Korenblum (2005) com algumas modificações.
Frações lipídicas selecionadas foram ressuspendidas em clorofórmio/metanol (2:1v/v) e
aplicadas em duas placas de TLC usando como sistema de solventes de corrida: éter de
petróleo / éter etílico / ácido acético - 60: 40: 1 (v/v). Uma das placas foi visualizada
com vapores de iodo e com orcinol/ H2SO4 e a outra foi utilizada para a realização do
teste. Após o término da corrida, a placa foi submetida a ação do UV por cerca de 30
min e então colocada em uma placa de Petri contendo meio LB sólido. Em cima da
placa de TLC, foi colocado um volume determinado do meio LB semi-sólido inoculado
com o Bacillus pumilus e o sistema foi incubado a 27ºC por 24h.
4.4.4. Purificação da amostra com atividade biológica
A fração testada que apresentou uma atividade biológica foi purificada
inicialmente em uma coluna em sílica gel 60 e eluída com n-hexano, nhexano/diclorometano (9:1 v/v), n-hexano/diclorometano (1:1 v/v), diclorometano,
diclorometano/metanol (9:1 v/v) e metanol. As várias frações obtidas foram
vizualizadas por TLC usando como sistema de solventes de corrida: éter de petróleo /
éter etílico / ácido acético - 60: 40: 1 (v/v) e coradas com orcinol/H2SO4. As frações
mais ouras foram reunidas e repurificadas por HPTLC preparativa. A amostra foi, então,
37
MATERIAIS E MÉTODOS
aplicada em placas de HPTLC e desenvolvida no sistema de solvente já descrito acima.
Após a corrida, a placa foi revelada por vapores de iodo e a banda correspondente a
substância com maior atividade (comprovado pela técnica da bioautografia) foi raspada
e ressuspendida em CHCl3/MeOH (1:1v/v). Essa amostra foi chamada de “AM” e foi
usada nos demais experimentos.
4.4.5. Avaliação da efeito inibitório de “AM” sobre o crescimento microbiano.
4.4.5.1.
Teste de toxicidade do DMSO
Para a realização deste teste, foi utilizada a amostra “AM” dissolvida em DMSO
100%. Para determinação do volume de DMSO utilizado para dissolver as amostras foi
realizado um teste de toxicidade do DMSO para o B. pumilus. Neste teste, 50 µl da
suspensão bacteriana foram adicionados a 200 µl de meio LB contendo concentrações
crescentes de DMSO (1, 2, 3, 4, 5, 10 e 20 %). Após incubação por 24h a 37°C, foi
procedida a leitura em leitor de microplacas em 660 nm. Foi considerada tóxica a
concentração de DMSO que foi capaz de inibir o crescimento microbiano, resultando
em uma menor leitura da densidade óptica, quando comparada ao controle contendo
apenas a suspensão bacteriana em volume equivalente de meio LB. A inibição do
crescimento bacteriano foi observada somente na presença de 10% de DMSO.
4.4.5.2.
Efeito inibitório de “AM”
O efeito inibitório de “AM” foi realizado conforme Cruz et al. (2007).
Diferentes concentrações da amostra “AM” foram testadas frente ao B. pumilus e
espécies de Candida (C. albicans e C. tropicalis). Essa atividade foi avaliada em
microplaca estéril para cultura de células de 96 poços. A concentração final de DMSO
em cada poço correspondia à menor concentração necessária para dissolver a amostra e
que não era tóxica para as células utilizadas (5%). Foi realizada uma diluição seriada da
amostra “AM” em DMSO 100% (500 a 15,6 µg/ml) em meio de cultura LB. A cada
38
MATERIAIS E MÉTODOS
poço contendo o meio e a AM, foram adicionados 50µl da suspensão de B. pumilus ou
de Candida contendo 106 e 104 células, respectivamente. Foram utilizados como
controles, os meios de cultura não inoculados e inoculados sem a amostra AM e
acrescido da concentração de DMSO utilizada para dissolver a amostra. Os resultados
foram baseados na turbidez do crescimento bacteriano medido através de leituras em
leitor de microplacas BioRad, em comprimento de onda de 660nm, após 24 horas de
crescimento a 37°C.
4.4.6. Avaliação da atividade biológica de “AM” sobre a viabilidade celular
O ensaio de viabilidade celular foi realizado por ensaio colorimétrico usando
MTT modificado segundo Mosmann (1983).
Após a leitura em 660 nm dos pontos de crescimento após 24h, foram retirados
20 µl de cada suspensão bacteriana na presença ou ausência da amostra e 20 µl do
controle negativo (somente meio de cultura) e colocados em uma nova placa de 96
poços, acrescidas de 20 µl de MTT (5mg/ml) seguidas de incubação por 2h, a 37°C. A
adição do MTT possibilitou a evidenciação de células metabolicamente ativas através
da presença de precipitação de formazan. Para a dissolução desse precipitado foram
adicionados 100µl de DMSO a cada poço e então incubados “overnight” a 37ºC. A
leitura foi realizada em leitor de microplacas Bio-Rad em comprimento de onda de 490
nm.
5. Análises estatísticas
As análises estatísticas foram realizadas utilizando GraphPad Prism versão 5.00 para
Windows (GraphPad Software, San Diego CA). Todos os resultados foram analizados
pelo teste One-way ANOVA sendo que as comparações individuais dos grupos foram
feitas usando um pós-teste Bonferoni. Um intervalo de confiança de 90-95% foi
determinado em todos os experimentos.
39
Resultados
RESULTADOS
Análise das Glicoproteínas
1. Análise Química e Estrutural de Glicoproteínas
1.1. Isolamento e purificação de glicoproteínas de C. resinae
As glicoproteínas brutas foram obtidas por extração do micélio de C. resinae com
tampão fosfato a quente (Figura 5). Através do fracionamento destas glicoproteínas com
Cetavlon (LLOYD, 1970), foi obtida uma fração precipitada em pH 8,8 na presença de
borato de sódio (pGM), rica em açucares que foi posteriormente ré-purificada.
1.2. Análises colorimétricas da GP bruta e da pGM de C. resinae
A Tabela 3 mostra a % de proteínas e açúcares totais da GP bruta e da fração
resultante da precipitação por CETAVLON (pGM). A porção de carboidratos da pGM
era de 57,6% enquanto que a porção protéica era constituída apenas por 17,5% da
molécula. Esse resultado sugeria a presença de um peptidopolissacarídio.
Tabela 3. Dosagem de açúcares totais e proteínas
Amostras
% proteínas(**)
% açúcares(*)
GP bruta
30,5
52,8
pGM
17,5
57,6
(*) Método de Dubois (1956) e (**) método de Lowry.
1.3. Análise da composição de monossacarídios e de aminoácidos da pGM
A pGM possui cerca de 18% de proteína na sua constituição e a análise de
aminoácidos mostrou a presença de alanina, glicina, treonina, serina e ácido glutâmico,
como os principais aminoácidos componentes da porção peptídica da molécula.
A análise quantitativa por cromatografia líquido-gás acoplada a espectrometria
de massa (GC-MS) mostrou que a pGM obtida possuía manose, galactose e glucose , na
41
RESULTADOS
proporção molar relativa de 49,4%, 45,3% e 5,3%, respectivamente. Esse resultado
indica a presença majoritária de manose e de galactose, indicando a presença de uma
peptidogalactomanana (pGM). A análise por HPSEC, mostrou um perfil de eluição
heterogêneo para a pGM, apresentando dois componentes (Figura 8B).
Figura 8. Análise das pGM de C. resinae. A: SDS-PAGE mostrando 2 bandas principais
coradas por “Comassie Brillant Blue”. B: Perfil de eluição de HPSEC usando um
detector de índice de refração.
1.4. Análise do perfil protéico da pGM
A pGM foi submetida a eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) e
observou-se a presença de 2 bandas coradas por Coomassie Blue com massas
moleculares de 44 e 47 kDa (Figura 8A). A presença dessas bandas foi confirmada pelo
perfil de eluição de HPSEC (Figura 8B), onde observou-se um componente de massa
molecular de 46 x 104 g/mol, referente as bandas de 47 e 44 kDa visualizadas no gel de
poliacrilamida. O outro componente encontrado pode ser referente a algum outro
fragmento menor ou até mesmo alguma contaminação residual proveniente da
separação por Cetavlon.
42
RESULTADOS
1.5. Purificação da pGM em coluna de exclusão em gel
Como a pGM apresentou um perfil de eluição heterogêneo (Figura 8B), foi então
purificada em coluna de exclusão em gel (Superdex 200), dando origem a uma
fração homogênea (Figura 9) que foi utilizada para as análises de metilação e RMN.
Figura 9: Perfil de eluição da pGM em coluna de exclusão em gel (Superdex 200).
() Leitura de proteína a 280 nm. () Dosagem de açúcares totais a 490 nm.
Análise de metilação da pGM
A análise de metilação (Tabela 4) por GC-MS, mostrou que a pGM é uma
estrutura
ramificada
e
apresenta
alditóis
acetato
parcialmente
O-metilados,
correspondendo a unidades terminais não redutoras (6%), 5-O- (41%) e 6-Osubstituídos (traços) de galactofuranose, terminais não redutores (6%), 2-O-(18%), 6-O(12%), 2,6-di-O-(11%) e 3,6-di-O-subst (2%) de manopiranose, além de derivados de
glucopiranose , 4-O-(3%)
e
4,6-di-O-substituidos (1%). Essas estruturas foram
demonstradas por metilação através da acetilação de hidroxilas livres oriundas da
quebra das ligações glicosídicas, ou seja, da quebra da ligação entre as unidades de
açúcares. Por análise de metilação, o O-metil alditol acetato referente a 2,3,6-Me3-Gal
43
RESULTADOS
pode ser resultado de uma galactose na forma furano ou pirano. No entanto, por análises
de RMN e pelo espectro de HSQC, foi visto que a forma para essa molécula era a de
furano e por isso, está relatada como Galf na Tabela 4.
Tabela 4. Percentagem molar dos O-metil alditóis acetatos obtidos na análise de
metilação da pGM de C. resinae.
O-Metil alditol acetato*
Tempo de retenção
Ligação Glicosídica
% Molar
(min.)
2,3,4,6-Me4-Man
8,70
Manp-(1→
6
2,3,5,6-Me4-Gal
9,02
Galf-(1→
6
3,4,6-Me3-Man
11,10
→2)-Manp-(1→
18
2,3,6-Me3-Gal
12,05
→5)-Galf-(1→
41
2,3,4-Me3-Man
12,18
→6)-Manp-(1→
12
2,3,6-Me3-Glc
12,28
→4)-Glcp-(1→
3
2,3,5-Me3-Gal
13,45
tr.
→6)-Galf-(1→
3,4-Me2-Man
17,44
11
→2,6)-Manp-(1→
2,4-Me2-Man
17,69
2
→3,6)-Manp-(1→
2,3-Me2-Glc
18,09
1
→4,6)-Glcp-(1→
*O-Metil alditóis acetatos foram obtidos por metilação, hidrólise, redução e acetilação
sucessivas e analizados por GC-MS em uma coluna capilar DB-225.
1.6. Espectroscopia de RMN da pGM
O espectro de
13
C-NMR da pGM é complexo e contém muitos sinais na região
de C-1 (Figura 10). Por comparação com os sinais de uma galactofuranomanopiranana
obtida do micélio de Aspergillus fumigatus, contendo uma cadeia principal de unidades
α-Manp (1→6) ligadas, os três maiores sinais de β-Galf presentes na pGM de C.resinae,
δ 108.24, 108.40 e 107.70, correspondem às unidades (1→5)-ligadas das cadeias
laterais. O outro sinal proeminente foi o de δ 100.69, correspondente as unidades não
substituídas (1→6)-ligadas presentes na α-manana da cadeia principal. Sinais de menor
intensidade estão presentes em δ 103.60 e 102.19 e correspondem aos grupamentos
terminais e internos, respectivamente, da α-Manp-(1→2)-[α-Manp]n. ligados ao “core”
de manana. Um sinal em δ 98.97 pode ser atribuído as unidades de manopiranosídicas
2,6-di-O-substituídas na cadeia principal. Outro sinal de interesse foi encontrado em δ
107.70, que poderia ser de unidades de β-Galf ligadas (1→2) ao “core” de manana
44
RESULTADOS
(Estrutura 1, Figura 12). Este sinal confirma os dados de metilação mostrados na Tabela
4 e assinalamentos feitos em trabalhos anteriores (GORIN, BARRETO-BERGTER &
DA CRUZ, 1981). Outros sinais proeminentes podem ser assinalados para as unidades
de galactofuranose β-Galf-(1→5)- ligadas, como os sinais do C-2 e C-4 (δ 82.2 e 83.1),
C-3 (δ 77.6) e C-5 (δ 76.7) (GIMÉNEZ-ABIÁN et al., 2007). Sinais na região do C-6
foram encontrados como o sinal em δ 66.9 que corresponde a Manp-(1→6)-α- Manp,
assinalado anteriormente para a manana da levedura de padaria (baker’s yeast) (BOCK
& PETERSON, 1983; TISCHER et al., 2002). O sinal em δ 63.3 (C-6`) pode ser
atribuído a β-Galf-(1→2)-α- Manp, pois β-D-Galf-(1→2)-α- D-Manp apresenta em δ
63.8 (C-6`) and 61.9 (C-6), respectivamente. Um sinal adicional na região de C-6 em δ
61.0 foi detectado do espectro de RMN e corresponde a unidades de α-hexosamina que
pode ter uma ressonância em C-6 em campo mais alto que a da α-mannopiranose. Os
deslocamentos químicos correspondentes as estruturas descritas acima estão resumidos
na Tabela 5.
Tabela 5. Deslocamentos químicos na região de C-1 das principais estruturas presentes
na pGM de C. resinae
Estrutura
δ ppm
-β-Galf-(1→2)-α-Manp[β-Galf-(1→5)]n-β-Galf-(1→2)-α-Manp-
107.70
108.24 < 108.40
% Área do
Sinal
15
35
→2,6)-α-Manp→6)-α-Manp-(1→6)α-Manp-(1→2)-[α-Manp-(1→2)]nα-Manp-(1→2)-[α-Manp-(1→2]n
98.97
100.69
102.19
103.60
12
15
14
9
Através do espectro expandido da região C-1, foi possível quantificar a
superposição dos sinais do C-1 de β-Galf com os deslocamentos químicos em δ 108.24
e 108.40. Quando estas áreas são combinadas e comparadas com a área do sinal em δ
107.70, podemos sugerir que as cadeias laterais de β-Galf ‘possuem aproximadamente
3-4 unidades (Estrutura 2, Figura 12).
O espectro de HSQC, mostrado na Figura 11, contém sinais predominantes de
unidades de β-Galf em δ 4.995/107.7 e 5.11/108.4. Sinais correspondentes a unidades
45
RESULTADOS
de α-Manp também estão presentes em δ 4.80/101.2, 4.91/99.0, 4.93/100.7, 4.95/103.7
e 4.98/100.1 e têm freqüências relativamente altas indicando configurações do tipo α. O
espectro também apresenta 3 pequenos sinais em δ 5.09/102.2, 5.10/102.2 e 5.11/102.2,
que correspondem a unidades internas das cadeias laterais de manopiranose, como
mostrado na Figura 12, Estrutura 3.
Figura 10: Região de C-1 expandida do espectro de
13
C-NMR da pGM de C.resinae
obtido a 50°C em D2O.
46
RESULTADOS
Figura 11: Espectro de HMQC da pGM de C.resinae obtido a 50°C em D2O
Figura 12: Grupamentos estruturais da peptidogalactomanana do C. resinae deduzidos a
partir de análises químicas e espectroscópicas.
1.7. Hidrólise acida parcial e reação de β-eliminação redutiva da pGM
A hidrólise ácida parcial da pGM confirmou a presença de unidades de galactofuranose
na sua estrutura, comprovado pela diminuição da galactose por HPTLC (Figura 13A).
Resultados da reação de β-eliminação mostraram a presença de oligosacarídios Oligados na pGM. Um dissacarídio e um tetrassacarídio foram os principais
47
RESULTADOS
oligosacaridios presentes, como mostrado por cromatografia em camada fina (Figura
13B).
Figura 13: TLC dos acúcares componentes da pGM submetida a:(A) hidrólise parcial
ácida e (B) reação de β-eliminação redutiva.
2. Análise Antigênica da pGM de C. resinae.
2.1. Reatividade cruzada entre a pGM de C. resinae, pGM de A.
fumigatus e manoproteína de C. parapsilosis
Possíveis semelhanças estruturais entre a pGM isolada da parede celular de C.
resinae e a pGM de A. fumigatus foram avaliadas através da análise da reatividade
da pGM de C. resinae com soro de coelho anti-células totais de C.resinae. Também
foi observada a presença de epítopos de reação cruzada com a manoproteína de C.
parapsilosis (Figura 14A). Esses resultados mostram que o soro anti-C. resinae é
capaz de reconhecer predominantemente estruturas contendo galactofuranose na
pGM de A. fumigatus e estruturas ricas em manose presentes em C. parapsilosis.
Para confirmar tal resultado, foi realizado um FACS onde o soro anti-C. resinae foi
pré-incubado com as pGMs de A. fumigatus e C. resinae e com a manoproteína de
C. parapsilosis, antes de reagir com os conídios de C. resinae. O resultado se
mostrou interessante, pois tanto estruturas presentes na pGM de A. fumigatus quanto
48
RESULTADOS
nas manoproteínas de C. parapsilosis também são expressas na superfície do fungo
(Figura 14B). Isso sugere que a pGM de C. resinae possui epítopos contendo αMan(1→2) e β-Galf (1→5).
Controle Positivo
Controle Negativo
B
100
Ligação (%)
0.5
50
*
*
*
nt
ro
M
pG
p
-C
Co
M
an
pt
n
-A
f
ve
le
Po
sit
i
-A
M
pG
pt
n
M
an
.f
C.
p
.r
-C
M
pG
r
0
0.0
-C
Absorbancia (490 nm)
1.0
pG
M
A
Antígenos (5µ
µg/ml)
Figura 14: Reatividade cruzada do soro anti-C. resinae frente a galactomananas e
mananas. (A) Teste de ELISA, onde o controle positivo se refere ao soro anti-C. resinae
(1/800) e o controle negativo se refere ao soro pré-imune. (B) FACS com a reatividade
do soro anti-C. resinae (1/400) pré-incubado com os diferentes glicoconjugados
reagindo posteriormente com o conídio do C. resinae. (*) p < 0,001. [pGM-C.r
(Peptidogalactomanana de C. resinae); pGM –A.f (Peptidogalactomanana de A.
fumigatus); Manptn-C.p (Manoproteína de C. parapsilosis)]
2.2. Avaliação do papel da porção de carboidrato da pGM na
reatividade da pGM com soro hiperimune de coelho anti-células
totais de C. resinae
Com a finalidade de se testar o papel dos epítopos contendo carboidrato
presentes na peptidogalactomanana de C. resinae, a reatividade da pGM íntegra e
submetida a vários tratamentos químicos, foi testada por ELISA usando um soro
hiperimune de coelho contra células de C. resinae. Os resultados mostraram que a
remoção das unidades de β-Galf após hidrólise ácida parcial resultou em um
decréscimo de 30% na reatividade pGM- soro de coelho. Um decréscimo grande na
49
RESULTADOS
reatividade (70%) foi observado quando os oligossacarídeos O-ligados foram
removidos da pGM pela reação de β-eliminação redutiva. Após o tratamento da
pGM com periodato de sódio, foi observado que em todas as concentrações testadas
a reatividade foi praticamente abolida, comprovando mais uma vez a importância da
porção carboidrato no reconhecimento da pGM pelos anticorpos. (Figura 15A)
Como acima mostrado, os oligossacarídeos O-ligados parecem ter um papel
importante no reconhecimento da pGM pelos anticorpos. Para se testar a
imunodominância destes açúcares, foi realizado um teste de inibição de ELISA para
saber que em que concentração estes oligossacarídeos (mostrados na Figura 13:
Mistura contendo di-, tri- e tetrassacarídios) inibiriam o reconhecimento da pGM
pelo anticorpo. Os resultados mostraram que as concentrações de 5 e 50 ng são
capazes de inibir aproximadamente 40% da ligação do antígeno com o anticorpo.
(Figura 15 B).
A
3.0
pGM C.resinae
Hidrólise HCL
2.5
Absorbancia (490nm)
B
Reação de β- Eliminação redutiva
Periodato de Sódio 10mM
2.0
1.5
*
1.0
0.5
*
*
0.0
Soro anti-C. resinae
Figura 15: Reatividade da pGM de C. resinae. (A) Teste de ELISA: o soro anti-C.
resinae (1/400) foi pré-incubado com a pGM após vários tratamentos químicos. (B)
Teste de Inibição de ELISA: o soro anti-C. resinae (1/400) foi pré-incubado com a
mistura de oligossacarídeos obtidos pela reação de β-eliminação em concentrações
crescentes. Nos dois experimentos a placa foi sensibilizada com a pGM de C. resinae
(5µg/ml). (*) p < 0,001. [pGM (Peptidogalactomanana)].
50
RESULTADOS
Análise dos Glicolipídios
2. Análise química e estrutural dos glicoesfingolipidios
2.1. Extração e purificação dos glicoesfingolipídios
Os glicolipídios foram extraídos do micélio de C. resinae com
clorofórmio/metanol 2:1 (v/v) a temperatura ambiente durante 2 horas e a seguir com
clorofórmio/metanol 1:2 (v/v), durante a noite. O extrato lipídico bruto foi submetido à
partição de Folch, para a separação dos lipídios neutros. A fase inferior de Folch foi
submetida a uma nova separação em coluna de sílica gel 60 tendo como fase móvel
clorofórmio, acetona e metanol. (Figura 16)
Figura 16: Esquema de extração e purificação do extrato lipídico bruto para a
obtenção de glucosilceramidas (GlcCer) purificadas.
2.2. Análise química e estrutural do CMH extraído de micélio de
C. resinae
51
RESULTADOS
A fração glicolipídica, eluída da coluna de sílica com clorofórmio/metanol 8:2
v/v e que possuía um Rf semelhante ao padrão de cerebrosídeo de cérebro bovino
(Figura 17A) e apresentava dupla marcação para iodo e orcinol foi submetida à análise
química e estrutural. Após hidrólise ácida do glicolipídio e cromatografia do hidrolisado
em HPTLC, a hexose presente no CMH de C. resinae era a glucose, indicando a
presença de uma glucosilceramida (Figura 17 B).
Glucose
Figura 17: HPTLC de CMH de C. resinae. (A) CMH purificado com Rf semelhante ao
padrão de cerebrosídeo bovino. (B) CMH hidrolisado com TFA 3M e identificação de
glucose como a hexose componente da molécula de CMH.
A análise do CMH por espectrometria de massa utilizando ionização por ESIMS (Figura 18), identificou 3 íons moleculares com m/z 751, 749 e 735 [M+Li]. Dentre
esses três íons moleculares foram encontrados 2 predominantes (m/z de 751 e m/z de
749). Estes íons foram submetidos a uma segunda fragmentação (MS2), gerando
fragmentos menores (Figuras 19A, 20A e 21A), que permitiram sugerir as estruturas
químicas correspondentes às espécies moleculares presentes em C. resinae (Figura 19B,
20B e 21B). Das 3 estruturas propostas, apenas a estrutura correspondente ao fragmento
de m/z 735 foi comprovada através da análise adicional do seu ácido graxo componente,
por GC-MS. Este glicoesfingolipídio foi identificado como N-2`hidroxihexadecanoil- 9
-metil-4,8-esfingodienina. No espectro de MS2, aparecem diversos fragmentos que
52
RESULTADOS
descrevem os componentes estruturais da molécula, como o fragmento de m/z 169
correspondente à perda de uma hexose, o fragmento de m/z 480 correspondente à perda
de um ácido graxo e o fragmento de m/z 572 corresponde a uma molécula de ceramida
ligada a um ácido graxo (Figura 21B). O fragmento de m/z 255, resultante da subtração
do fragmento de m/z 572 [M-Hex], pelo fragmento de m/z de 318, referente a
esfingodienina,
indica a presença de perda neutra (“neutral loss”). Esse tipo de
fragmento indica a presença de uma hidroxila na base de cadeia longa da molécula de
CMH.
A estrutura sugerida para o íon molecular m/z 749 (Figura 19B) necessita ser
confirmada através de outros experimentos que confirmem a posição da terceira
insaturação da base de cadeia longa, bem como a posição da terceira hidroxila. A
estrutura sugerida para o íon molecular m/z 751 (Figura 20B) precisa ser confirmada
por acetilação da molécula para que possa haver a comprovação do grupamento
hidroxila no carbono 4 da base de cadeia longa.
53
RESULTADOS
Figura 18: Espectro de massa (MS1) dos CMHs isolados de C. resinae, mostrando 3 espécies moleculares com m/z 735, 749 e 751
[M+Li].(B, C e D) MS2 dos principais fragmentos encontrados.
54
RESULTADOS
B
A
Figura 19: (A) Espectro de massa (MS2) íon molecular m/z 751 e (B) Estrutura proposta para um dos CMHs presentes em C. resinae.
55
RESULTADOS
B
A
Figura 20:(A) Espectro de massa (MS2) íon molecular m/z 749 e (B) Estrutura proposta para um dos CMHs presentes em C. resinae.
56
RESULTADOS
Figura 21: (A) Espectro de massa (MS2) íon molecular m/z 735 e (B) Estrutura proposta para um dos CMHs presentes em C. resinae.
57
RESULTADOS
2.3. Análise Imunológica do CMH extraído de micélio de C. resinae
2.3.1. Reatividade da fração glicolipídica purificada com
anticorpo monoclonal anti-CMH (Mab- anti CMH )
A reatividade do CMH purificado com anticorpo monoclonal antiglucosilceramida de A. fumigatus foi demonstrada por ELISA (Figura 22) e
“immunostaining” (Figura 23). Os resultados confirmam a presença de estruturas
semelhantes nas moléculas de CMH presentes em C. resinae e A. fumigatus e F.
oxysporum usado como controle. Essa estrutura é conservada entre gêneros diferentes
de fungos, o que justifica o reconhecimento por anticorpo produzido a partir de um
único gênero fúngico.
2,000
1,800
1,600
1,400
D.O 490nm
1,200
1,000
0,800
0,600
0,400
0,200
0,000
3,000
1,500
0,750
0,375
0,188
0,094
0,047
0,023
µg de Mab anti-CMH
Figura 22: Reatividade do CMH de diferentes gêneros fúngicos (C. resinae e de F.
oxysporum) com Mab anti-CMH, evidenciada pela técnica de ELISA. Símbolos: ()
CMH de F. oxysporum, () CMH de C. resinae () soro pré-imune de camundongo.
58
RESULTADOS
Figura 23: Reatividade do CMH de C. resinae com Mab anti-CMH.evidenciada pela
técnica de
“immunostaining”.(A) CMH revelado por vapores de iodo. (B) CMH
revelado por orcinol / H2SO4. (C) CMH revelado por DAB após imunorreação com Mab
anti-CMH de A. fumigatus. 1- Padrão de cérebro bovivo. 2- CMH de F. oxysporum. 3CMH de C. resinae.
2.3.2. Imunolocalização do CMH na superfície de C. resinae
Através de imunofluorescência usando o MAb anti-CMH observamos que o
CMH está distribuído por toda a extensão da hifa de C. resinae. Como é um fungo
dematiáceo, apresenta melanina e esta presença poderia interferir no reconhecimento da
molécula de CMH pelo anticorpo. Usando um anticorpo anti-melanina observamos que
apesar da marcação para melanina ser bem intensa no micélio isso não pareceu ocorrer
na fase conidial. (Figura 24). Observando-se a Figura 24, podemos detectar as duas
marcações, mostrando que a presença de melanina não influencia no reconhecimento do
CMH pelo Mab-anti CMH. Como observado na figura 24 C e G, a expressão de
melanina parece ser mais evidente nas hifas do que nos conídios, enquanto que a
expressão da molécula de CMH parece ser bem expressa nas duas morfologias (Figura
24 B e F). Isso pode ter ocorrido pois na fase conidial a expressão de melanina deve ser
baixa, uma vez que essa forma está mais relacionada a distribuição do fungo pelo
ambiente do que a sua manutenção num substrato específico. Na hifa, essa expressão
59
RESULTADOS
pareceu ser mais evidente porque a melanina é considerada como uma molécula
responsável pela proteção e aumento da sobrevivência do fungo no ambiente, sendo
considerada como fator de virulência em diversas espécies. Outra explicação para a
menor expressão desta molécula nos conídios pode ser as condições de crescimento do
fungo, como por exemplo a presença de luz.
A
E
B
F
C
G
D
H
60
RESULTADOS
Figura 24: Imunolocalização das moléculas de CMH e melanina na superfície de C.
resinae. A-E: DIC; B-F: Mab anti-CMH; C-G: anticorpo anti-melanina; D-H:
sobreposição das imagens. Bar = 20µm.
2.4. Análise do papel do CMH na diferenciação celular de C.
resinae
Para verificar o papel do CMH na diferenciação celular, conídios de C. resinae
foram incubados com o Mab anti-CMH ou uma IgG irrelevante (Mab anti-CD4) na
concentração de 6,25 a 100 µg/ml ou 100 µg/ml, respectivamente. Para determinar em
qual tempo de crescimento seria melhor observado tal efeito foi realizada uma cinética
de crescimento, onde foi observado o comportamento do crescimento fúngico em
diversos tempos. De acordo com tais resultados, o melhor tempo de crescimento foi o
referente à 42h, tempo no qual havia cerca de 50% de diferenciação dos conídios. Após
observação em microscópio invertido, e contagem das células germinadas após 42h, foi
visto que a concentração de 6,25 µg/ml do Mab anti-CMH foi a que melhor inibiu a
diferenciação do fungo. Uma inibição foi também observada nas concentrações de 12,5
e 25µg/ml, mas não na concentração de 100 µg/ml. No entanto, a IgG irrelevante
mostrou um efeito contrário, ou seja, na concentração usada (100 µg/ml) estimulou a
diferenciação celular, o que pode ser explicado pelo possível utilização do anticorpo
pelo fungo como fonte de aminoácidos (Figura 25). Essa utilização pode ter ocorrido
porque o fungo deve produzir e/ou excretar proteases que foram capazes de degradar a
IgG presente, uma vez que estava livre no meio e não ligada a alguma molécula de
superfície fúngica. E essa degradação por enzimas tornou possível a disponibilidade dos
nutrientes necessários para o crescimento fúngico.
61
RESULTADOS
Figura 25: Ensaio de inibição da germinação de conídios de C. resinae após 42 h de
crescimento e usando Mab anti-CMH de A. fumigatus ou Mab anti-CD4 (IgG
irrelevante - 100µg/ml). (A) Microscopia óptica de crescimento fúngico. (B) Percentual
de conídios germinados. (*) p<0,05.
Para testar se o Mab anti-CMH também era capaz de atuar no metabolismo
energético da célula, foi realizado em paralelo um ensaio de viabilidade com MTT. O
resultado obtido mostrou que apesar do fungo ter seu crescimento inibido na
concentração de 6,25 µg/ml do Mab anti-CMH, a viabilidade do fungo permaneceu
mantida. Estes resultados demonstram que o Mab anti-CMH não interfere na viabilidade
celular fúngica. E que esta diminuição discreta na viabilidade pode ser explicada pela
menor atividade metabólica do próprio fungo, que tem um tempo maior para germinar
do que outros fungos descritos na literatura. Em relação à IgG irrelevante, os resultados
estão de acordo com os mostrados na Figura 24, onde uma maior porcentagem de
germinação está relacionada a uma maior atividade celular (Figura 26). Quando utilizase uma IgG irrelevante pretende-se demonstrar a especificidade da IgG testada, no caso
o Mab anti-CMH. Ou seja, o uso da IgG irrelevante demonstraria que uma IgG não
62
RESULTADOS
específica não seria capaz de se ligar a algum epítopo existente na superfície do fungo a
fim de que haja o desencadeamento de alguma reação antígeno-anticorpo específica, no
caso, a IgG irrelevante usada foi um Mab anti-CD4, uma molécula não existente na
superfície fúngica, e que não está relacionada com nenhuma função biológica no
próprio fungo, atuaria como se não houvesse nenhuma IgG, mimetizaria a condição na
qual existe apenas os conídios e o meio de crescimento (seria como um controle
negativo). Os resultados relativos ao uso da IgG irrelevante demonstraram que o fungo
teve seu crescimento estimulado, como mostram as figuras 25 e 26.
Figura 26: Ensaio de viabilidade celular com MTT referente ao ensaio de inibição da
germinação de conídios de C. resinae após 42 h de crescimento e usando Mab antiCMH de A. fumigatus ou Mab anti-CD4 (IgG irrelevante - 100µg/ml)..
2.5. Teste da atividade biológica do glicoesfingolipídio e outras
componentes lipídicos presentes no extrato de lipídios totais
obtidos do micélio de C. resinae
CMH e outros componentes presentes no extrato lipídico do micélio de C.
resinae foram testadas com relação a outras atividades biológicas, não relacionadas com
63
RESULTADOS
o crescimento / diferenciação celular. As frações lipídicas utilizadas para os testes estão
mostradas na Figura 27.
Figura 27: Esquema da extração do extrato lipídico bruto e purificação de outras frações
lipídicas.
2.6. Análise da atividade antimicrobiana das frações lipídicas
frente a microrganismos
2.6.1. Efeito inibitório do crescimento microbiano
Frações lipídicas enriquecidas em CMH (amostras 1 e 3 , Figura 28 D) e outra
fração contendo lipídios mais apolares (amostra 2, Figura 28 D) foram testadas frente a
uma espécie bacteriana (Bacillus pumilus) e uma espécie fúngica (Candida albicans).
Os resultados mostram que apenas a Fração 2 (Figura 28 D, amostra 2) foi capaz de
inibir o crescimento bacteriano. No entanto não teve nenhuma ação no crescimento
fúngico. As outras frações testadas (amostras 1 e 3 , Figura 28 D) foram inativas.
64
RESULTADOS
D
Figura 28: Teste do efeito inibitório das amostras lipídicas em placa de Petri. (A) Placa
com meio de cultura sólido semeada com Bacillus pumilus; (B) Placa revelada com
MTT para visualizar o halo de inibição (indicado com uma seta); (C) Placa com meio de
cultura sólido semeada com Candida albicans; (D) TLC das amostras lipídicas testadas.
(C/M = CHCl3/MeOH)
Uma vez que a amostra lipídica 2 (Figura 28 D) mostrou atividade biológica no
teste em placa de Petri, foi realizado um ensaio de bioautografia para tentar identificar
quais bandas componentes da fração 2, eram responsáveis pela atividade. Nesse caso, o
solvente de desenvolvimento usado na corrida foi mais apolar, para que as bandas vistas
na TLC (Figura 28 D) pudessem ser mais bem separadas. Pelo resultado obtido na
Figura 29, pode-se visualizar a atividade de um grupo de bandas com Rfs perto do ponto
de aplicação da amostra na placa de TLC, com a presença de uma banda com maior
atividade, de coloração mais escura.
65
RESULTADOS
*
Figura 29: Bioautografia da amostra lipídica 2. (A) Revelação com iodo; (B) Revelação
com orcinol / H2SO4; (C) Visualização com MTT. O asterisco marca a banda mais
abundante. Sistema de solventes: Éter de petróleo / Éter etílico / Ácido Acético (60:40:1
v/v)
A partir desses resultados iniciais, a amostra lipídica 2 foi purificada em
cromatografia de sílica gel 60 e eluída com n-hexano, n-hexano/diclorometano (9:1;
v/v), n-hexano/diclorometano (1:1; v/v), diclorometano, diclorometano/metanol (9:1;
v/v) e metanol. As frações eluídas com os vários solventes foram acompanhadas por
TLC usando como sistema de solventes de corrida: éter de petróleo / éter etílico / ácido
acético - 60: 40: 1 (v/v). A fração mais purificada (Figura 30, asterisco) foi repurificada
por HPTLC preparativa (Figura 31) desenvolvida no sistema de solventes,
anteriormente descrito na Figura 29.
Figura 30: TLC das frações obtidas a partir da amostra lipídica 2 em coluna de sílica gel
66
RESULTADOS
Figura 31: TLC da fração 2 após purificação em HPTLC preparativa. Sistema de
solventes: Éter de petróleo / Éter etílico / Ácido acético (60:40:1 v/v)
Para os testes de atividade com a molécula purificada, o DMSO foi testado como
diluente, uma vez que não seria possível dissolver a molécula de natureza lipídica em
CHCl3/MeOH, por causa da toxicidade. Um primeiro experimento foi realizado para
verificar qual seria a concentração mínima a ser usada de DMSO para que não fosse
tóxico para as células bacterianas. Conforme visto na Figura 32, a menor concentração
de DMSO que não afetava o crescimento foi de 5%. Esta concentração foi usada para
solubilizar a molécula lipídica purificada a ser testada nos experimentos a seguir.
Crescimento (655nm)
1.25
1.00
D.O
0.75
0.50
0.25
0.00
0
1
5
7,5
10
20
30
meio
% DMSO
Figura 32: Teste de toxicidade do DMSO sobre o crescimento e a viabilidade celular das
células de B. pumilus.
67
RESULTADOS
Os testes de inibição de crescimento foram feitos com os microrganismos:
Bacillus pumilus (Figura 33), C. albicans e C. tropicalis (Figura 34), sendo que para as
duas espécies de Candida também fora testadas a ação citotóxica do composto. Os
resultados obtidos mostraram que nas concentrações de 62,5 a 500 µg/ml tanto o
crescimento bacteriano quanto a atividade celular foram inibidas, mostrando que essa
molécula tem um efeito tóxico sobre a célula. Observando os resultados, podemos dizer
que o MIC para tal espécie é de 250 µg/ml. Em relação às espécies de Candida essa
molécula não foi capaz de inibir nem o crescimento, nem atuar sobre a atividade celular.
Extrato antimicrobiano (µg/ml)
Figura 33: Avaliação da atividade antimicrobiana da molécula lipídica purificada (*) p
< 0,001 , (#) p < 0,05 em relação ao ponto sem a molécula.
68
RESULTADOS
A
*
Extrato antimicrobiano (µg/ml)
B
*
Extrato antimicrobiano (µg/ml)
Figura 34: Avaliação da atividade antimicrobiana da molécula lipídica purificada sobre
fungos. (A) C. albicans (B) C. tropicalis. (*) p < 0,05.
69
Discussão
DISCUSSÃO
A parede celular é uma estrutura altamente relevante na célula fúngica,
responsável pela forma e a integridade do fungo e a interação do fungo com o ambiente
(ADAMS, 2004). Na parte mais externa, a parede celular contém moléculas glicosiladas
que estão envolvidas em importantes eventos biológicos relacionados com a virulência e
patogenicidade. Algumas destas moléculas são requeridas pelo fungo para invadir seu
nicho ecológico, assim como sua adesão e posterior invasão de tecidos (REISS et al.,
1992; HEARN et al., 1992;
BARRETO-BERGTER et al, 2006; LATGÉ, 2007,
BARRETO-BERGTER & TABORDA, 2008).
Entre os polissacarídios e peptidopolissacarídios isolados de fungos, vários
trabalhos têm sido publicados sobre a caracterização estrutural e/ou imunológica de
galactomananas (e peptidogalactomananas) em Cladosporium werneckii (LLOYD,
1970), Aspergillus fumigatus (LEITÃO et al, 2003), espécies de Malassezia,
Aspergillus wentii e Chaetosartorya chrysella (SHIBATA, et al, 2009). Ramnomananas
(e peptidoramnomananas) apresentando traços de galactose e glucose têm sido também
identificadas em espécies de Ceratocystis, Graphium, Hyalodendrum pyrium,
Sporothrix schenckii (MENDONÇA-PREVIATO, GORIN & TRAVASSOS, 1980) e
mais recentemente em Pseudalescheria boydii (PINTO et al, 2001; 2005) e espécies de
Scedoporium (BARRETO-BERGTER et al, 2008).
Neste trabalho, isolamos glicoproteínas, glicolipídios e outras frações lipídicas
de C. resinae, procurando associar as estruturas dessas moléculas com algumas
possíveis funções na célula fúngica.
Glicoproteínas foram obtidas através de extração aquosa a quente, e
posteriormente tratadas com Cetavlon na presença de borato de sódio. Uma fração
contendo 17,5% de proteína e 57,6% de açúcar foi isolada em pH 8,8. A análise da sua
composição monosacarídica revelou a presença de quantidades equimoleculares de
manose e galactose, sugerindo a presença de uma peptidogalactomanana, e traços de
glucose. Um perfil heterogêneo foi obtido através da análise por HPSEC sugerindo a
presença de 2 componentes. Quando a mesma amostra foi purificada em coluna de
exclusão em gel, observou-se um único pico, identificado a 280 nm e a 490 nm, o que
confirma a natureza glicoprotéica da molécula. As glicoproteínas obtidas de fungos têm
demonstrado serem moléculas com certo grau de heterogeneidade. Essa característica
tem sido atribuída a diversos fatores, entre eles idade da cultura ou composição do meio
71
DISCUSSÃO
de crescimento. Esses fatores podem atuar no tamanho da molécula, assim como a
quantidade de carboidratos existentes (HEARN, 1992; HEARN & MACKENZIE, 1989;
BAHIA et al, 1997). Essa diferença contribui para o reconhecimento específico por
anticorpos, como o que acontece com as glicoproteínas de C. herbarum possuindo pesos
moleculares entre 16 e 88 kDa (BOUZIANE, LATGÉ & LELONG, 2006) ou como no
caso de glicoproteínas contendo ácido siálico, que em P. brasiliensis pode ter expressão
diferenciada dependendo da fase de crescimento do fungo ( ALVIANO TRAVASSOS
& SCHAUER, 2000).
A pGM de C. resinae consiste de uma cadeia principal contendo unidades α-Dmanopiranosídicas (1→6)-ligadas substituídas na posição O-2 por cadeias laterais
contendo três unidades α-D-manopiranose (1→2)-ligadas. Também estão presentes na
estrutura da pGM cadeias de aproximadamente 3,3 unidades de β-D-galactofuranose
(1→5)-interligadas. A estrutura desta D-galacto-D-manana é bastante semelhante a
encontrada na pGM de A. fumigatus, A niger (BARDALAYE & NORDIN, 1977;
BARRETO-BERGTER et al., 1980; 1981; HAIDO et al, 1998) e difere da pGM
encontrada em Cladosporium werneckii na qual as unidades de galactofuranose se
encontram como únicos terminais não redutores β-(1→6)-ligados (LLOYD, 1970)
assim como das galactomananas de Malassezia furfur e M. pachydermatis que são
polímeros lineares constituídos de cadeias de β-D-galactofuranose ligadas por ligações
(1→6) a um pequeno “core”de manana (SHIBATA et al, 2009). Unidades de
galactofuranose terminais (1→6) ligadas, ainda não encontradas nos fungos até então
estudados, e presentes nas galactomananas de espécies de Malassezia, podem ser
consideradas epítopos dominantes com potencial para ser usado no diagnóstico das
doenças causadas por tais fungos (SHIBATA, et al. 2009).
O “core” de manana encontrado na pGM de C. resinae consistia de uma cadeia
principal de resíduos α-D-manopiranose (1→6)-ligados e substituídos na posição O-2
por três unidades de α-D-manopiranosil (1→2)-interligados, similar a cadeia principal
manana encontrada nas galactomananas de A. fumigatus, A. niger ( HAIDO et al, 1998)
e na manana de C. parapsilosis (SHIBATA et al, 1995).
A importância da porção carboidrato da pGM de C. resinae em imunoensaios foi
demonstrado nesse trabalho. A remoção das cadeias laterais de β-D-galactofuranose
(1→5)-ligadas, através da hidrólise ácida parcial com HCl 0,1M, diminuiu a reatividade
72
DISCUSSÃO
em aproximadamente 30% com o soro anti-C. resinae. Leitão et al. (2003) mostraram
que os epítopos imunodominantes em A. fumigatus estavam presentes nos tetra- e
hexassacarídios O-ligados componentes da pGM, que apresentavam grupos terminais de
Galf-(1→5)-β-Galf. No caso da pGM de C. resinae a remoção dos oligossacarídios Oligados através da reação de β-eliminação, levaram a uma diminuição da reatividade em
aproximadamente 70%. A imunodominância dessas cadeias de oligossacarídios Oligados na presença da pGM de C. resinae foi avaliada por ensaio de inibição de
ELISA, usando como inibidores a mistura dos oligossacarídios O-ligados. A inibição
resultante foi de 40%, sugerindo que os oligossacarídios O-ligados da pGM são
determinantes importantes de reatividade como já descrito em peptidopolissacarídios de
A. fumigatus (LEITÃO et al., 2003) e P. boydii (PINTO et al. 2002). O tratamento com
o metaperiodato de sódio (degradação do carboidrato por clivagem das hidroxilas
vincinais) aboliu praticamente a reatividade com o soro anti-C. resinae.
Uma reatividade cruzada entre a pGM de C. resinae e a manoproteína de C.
parapsilosis também foi observada por citometria de fluxo, sugerindo que outra
característica estrutural significante da pGM era a presença de uma alta quantidade de
unidades de α-D-manopiranose substituídas na posição O-2 por unidades de α-Dmanopiranose (1→2)-interligadas , encontradas tanto na pGM de C. resinae quanto na
manoproteína de C. parapsilosis (Shibata, et al, 1995 ).
A presença da peptidogalactomanana contendo unidades de galactofuranose em
uma espécie saprofítica do gênero Cladosporium, como o estudado nesta tese, e
compartilhando estrutura semelhante àquela encontrada em fungos patogênicos como A.
fumigatus, e outros (LLOYD, 1970; LATGÉ et al, 1994; HAIDO et al, 1998;
SHIBATA et al, 2009 ) pode ser um possível mecanismo de adaptação do fungo ao
hospedeiro. Unidades de galactofuranose encontradas em glicoconjugados de
microrganismos são essenciais para a sobrevivência ou virulência destes organismos
(PAN et al, 2001).
Além da peptidogalactomanana caracterizada em C. resinae, glicoesfingolipídios foram
também isolados, purificados e estruturalmente caracterizados. Os CMHs foram
purificados a partir de um extrato lipídico bruto obtido de micélio de C. resinae de onde
foram isolados a partir da fração que possuía os glicoesfingolipídios neutros. Essas
moléculas foram analisados por HPTLC e por espectrometria de massa (ESI-MS). A
73
DISCUSSÃO
análise por ESI-MS identificou 3 espécies moleculares com m/z de 751, 749 e 735
[M+Li], nas quais os íons de m/z de 751 e 749 eram os predominantes. Ao serem
submetidos a uma segunda fragmentação (MS2), suas estruturas puderam ser sugeridas
(Figuras XX, XX e XX). Entre as espécies encontradas apenas uma foi confirmada (m/z
de 735). Esta era uma molécula constituída por glucose ligada a base de cadeia longa (9metil-4,8-esfingadienina) ligada a um ácido graxo de 16 carbonos hidroxilado (ácido 2hidroxihexadecanóico) por ligação amídica. No entanto, a estrutura sugerida para a
espécie m/z de 749 necessita ser comprovada no que se refere a posição da terceira
insaturação da base de cadeia longa, como também a posição de uma terceira hidroxila.
Já na estrutura proposta para a espécie m/z de 751, a existência de um grupamento
hidroxila na base de cadeia longa necessita ser confirmado. As estruturas destes CMHs
propostas neste trabalho se assemelham às já descritas na literatura para diversos
fungos, diferindo apenas no tamanho da cadeia de carbono existente nos ácidos graxos e
no grau de insaturação dessas moléculas (BARRETO-BERGTER, PINTO &
RODRIGUES, 2004).
O CMH de C. resinae se mostrou reativo com anticorpo monoclonal anti-CMH
de A. fumigatus. Essa reatividade cruzada ocorre devido ao caráter conservado entre a
estrutura do CMH entre essas duas espécies.
A imunolocalização do CMH nos conídios, tubo germinativo e micélio de C.
resinae por imunofluorescência através da marcação com anticorpo monoclonal antiCMH sugerem que esta molécula é encontrada na superfície do conídio e do micélio,
sendo que no tubo germinativo parece ser pouco expressa. Em relação à presença de
melanina na superfície do C. resinae, esta não parece interferir no reconhecimento da
molécula de CMH, como acontece com células escleróticas de Fonsecaea pedrosoi,
onde o reconhecimento do CMH é mais bem evidenciado em regiões desprovidas ou
expressando menos quantidade de melanina (NIMRICHTER et al., 2005).
O envolvimento do CMH no processo de diferenciação celular foi demonstrado
em trabalhos anteriores que relataram que nos fungos C. gloesporioides, P. boydii e C.
neoformans essa diferenciação era bloqueada através do uso de anticorpos
monoespecíficos anti-CMH ou anticorpos monoclonais anti-CMH (RODRIGUES et al.,
2000; PINTO, et al., 2002; DA SILVA et al., 2004). O mecanismo pelo qual os Mabs
anti-CMH inibem o processo de crescimento ou diferenciação celular ainda não foi
estabelecido, mas existe a possibilidade de que essas moléculas estejam associadas à
74
DISCUSSÃO
formação de domínios de membrana resistente a ação de detergentes que estão
associados a enzimas envolvidas na hidrólise e síntese da parede celular e/ou com
precursores de âncoras de glicosilfosfatidilinositol durante o processo de diferenciação e
divisão celular (SANTOS et al., 2009).
Nos experimentos realizados neste trabalho, o anticorpo monoclonal anti-CMH,
foi capaz de inibir o processo de diferenciação fúngica. No entanto, essa atividade não
parece interferir no metabolismo da célula. Este fato sugere que o anticorpo atua
interferindo no crescimento, mas não na viabilidade celular. No entanto, ao se analisar o
resultado com a IgG irrelevante, que era uma IgG não específica para qualquer molécula
de superfície do fungo em questão, observou-se que houve um estímulo no crescimento,
provavelmente porque o fungo deve ter utilizado essa IgG irrelevante como fonte de
proteínas e/ou aminoácidos.
Sabe-se que enzimas proteolíticas têm sido freqüentemente sugeridas na
morfogênese e virulência de diversos fungos como C. albicans, A.fumigatus,
P.brasiliensis, S. schenckii e F.pedrosoi. A produção de peptidases é capaz de aumentar
a capacidade do organismo em colonizar e penetrar nos tecidos dos hospedeiros e evadir
o sistema imunológico degradando um número de proteínas importantes na defesa
(PEREIRA et al.,2009). Uma hipótese para que a presença da IgG irrelevante tenha
estimulado o crescimento é a de que o fungo numa maneira de adaptar-se ao ambiente
deve produzir e/ou excretar proteases e estas foram capazes de digerir essa fonte de
aminoácidos fornecendo assim, nutrientes que ataram no desenvolvimento do fungo.
Ensaios para identificar a presença de tais proteases serão posteriormente realizados, a
fim de que essa hipótese possa ser confirmada.
Além de serem moléculas envolvidas com a diferenciação celular (DA SILVA et
al., 2004), formação de domínios de membrana resistente à ação de detergentes
(BRIOLAY et al., 2009), e na patogenicidade (NIMRICHTER et al., 2005) de algumas
espécies fúngicas, estudos recentes indicam que os glicolipídios também podem
apresentar atividade antifúngica (KULAKOVSKAYA et al., 2009).
Uma possível atividade antibacteriana foi testada, através da utilização de uma
fração lipídica apolar extraída e purificada de micélio de C. resinae, denominada “AM”.
Esta fração teve a capacidade de inibir em torno de 90% o crescimento da espécie
bacteriana Bacillus pumilus. Além de inibir o crescimento, esta fração também atuou na
viabilidade celular, e o valor do MIC encontrado foi de 250µg/ml.
75
DISCUSSÃO
Essa fração também foi testada frente a duas espécies de Candida patogênicas
(C. albicans e C. tropicalis). Os resultados obtidos mostraram que em espécies
fúngicas, essa molécula não parece possuir atividade, uma vez que não houve nem
inibição do crescimento nem da atividade celular. Estudos estão sendo realizados
visando elucidar a estrutura química da fração 2 (“AM”), encontrada em grande
quantidade na fração apolar obtida no fracionamento dos lipídios totais de C. resinae
em coluna de sílica gel.
Nesse trabalho pode ser observado que espécies fúngicas não patogênicas
compartilham estruturas já descritas nos fungos patogênicos e oportunistas. A presença
de uma peptidogalactomanana contendo unidades de β-galactofuranose em C. resinae
pode ser um possível mecanismo de adaptação do fungo a célula hospedeira. Os
resultados obtidos nesta tese visam também entender o papel desses fungos no ambiente
e dessas moléculas expressas e/ou excretadas com importância médica e/ou
biotecnológica.
76
Conclusões
CONCLUSÕES
Nesse trabalho foram analisados glicoproteínas e glicolipídios extraídos da
parede celular do fungo C. resinae.
A análise das glicoproteínas mostrou que:
•
A peptidogalactomanana (pGM) continha
57% de açúcar e quantidades
equimoleculares de manose e galactose.
•
A porção carboidrato era composta por um “core” de unidades de manose (1→6)
ligadas, substituídas por unidades de β-Galf (1→5) e de α-Manp (1→2).
•
As unidades β-Galf e os oligossacarídios O-ligados (di-, tri- e tetrassacarídios)
estavam envolvidos no reconhecimento da molécula (pGM) por anticorpos.
•
A presença de uma peptidogalactomanana contendo unidades de galactofuranose
semelhante às descritas anteriormente para fungos patogênicos, sugere um
possível mecanismo de adaptação de uma espécie saprofítica do gênero
Cladosporium ao hospedeiro.
A análise de glicolipídios mostrou :
•
O isolamento de três espécies moleculares de monohexosilceramidas (CMHs).
•
A identificação de um CMH , com um íon molecular m/z 735 , contendo uma
molécula de glucose ligada a uma base de cadeia longa, 9-metil-4,8esfingadienina, ligada a um ácido graxo composto por 16 carbonos, saturado e
hidroxilado no carbono 2.
•
O envolvimento destas moléculas no crescimento e diferenciação do fungo “in
vitro”, demonstrado através do uso de anticorpos monoclonais anti-CMH.
A análise de outros lipídios mostrou :
•
A presença de uma fração lipídica apolar, que apresentou uma atividade
antimicrobiana frente a B. pumilus.
•
Esta fração, no entanto não apresentou uma atividade tão pronunciada quando
testada frente a espécies de Candida, como C. albicans e C. tropicalis em
comparação com aquela frente a B. pumilus.
78
Referências Bibliográficas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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(Amorphotheca) resinae