A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO OBRAS INDICADAS PELA COPEVE - UFPI RESUMO DA OBRA SONETOS Vinícius de Moraes A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI SONETOS (Vinícius de Moraes) SONETO DA CONTRIÇÃO 1º QUARTETO Veja o canto de amor do sonetista para com sua amada. Observe que aumentando a intensidade dos sofrimento, da dor, aumenta também o amor dele para com ela. Na mesma proporção. 2º QUARTETO Não obstante, o amor é também fruto do mistério. Tudo que envolve um vai não vão; um pode não pode determina a obscuridade, a dúvida. E o que é o amor além de sofrimento, alumbramento, dor, catarse, evasão, ... 1º TERCETO Aqui há o grau comparativo de igualdade de onde, alma e coração se eqüivalem na importância do amor. O que também é devido à presença e a saudade. 2º TERCETO A alma, a humildade, o equilíbrio e a harmonia se junta para dar o alumbramento daquele momento de alteridade e sublimicidade. Por que tens, por que tens olhos [escuros E mãos lânguidas, loucas e sem fim Quem és, que és tu, não eu, e estás [em mim Impuro, como o bem que estás nos [puros? Que paixão fez-te os lábios maduros Num rosto como o teu criança assim Quem te criou tão boa para o ruim E tão fatal para os meus veros [duros? SONETO À LUA Fugaz, com que direito tens-me [presa A alma que por ti soluça nua E não és Tatiana e nem Teresa: E és tão pouco a mulher que anda [na rua Vagabunda, poética e indefesa Ó minha branca e pequenina lua! Desde os remotos tempos a lua provoca suspiros enamorados nos enamorados. O clima, o momento de sedução que a lua prova e da fé àqueles que, numa evasão total buscam nela lua a realização de seus sonhos. É a magia, o enigma, o belo. É a lua! www.procampus.com.br 2 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI SONETO DE SEPARAÇÃO De repente do riso se fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o [espanto. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de [repente De repente fez-se o vento Que dos olhos desfez a última [chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o [drama 1º QUARTETO Bem como em outros sonetos, a rima é uma forte aliada quanto à sonoridade, quanto ao poder de musicalidade de que temo soneto. Observe a rima rica no 1º e 4º verso e a rima pobre no 2º e 3º verso. 2º QUARTETO A adversidade entre as idéias dá origem à antítese uma preocupação extremada do autor na busca das extremidades, dos extremos; mar / terra; Europa / América (extremos do Oceano Atlântico; paixão / pressentimento; calmaria / tempestade e outras mais) 1º TERCETO Veja a dualidade entre tristeza / amante e sozinho / contente. Além do mais a repetição do que, como pronome relativo enriquecendo este terceto o que não diminui a antítese, aliás aflui ainda mais ou talvez na mesma velocidade. 2º TERCETO Ainda continua na mesma antagonicidade entre claro / escuro; entre o mar / terra; entre céu / mar numa subjugação daquilo que é confortável, harmônico. SONETO DO MAIOR AMOR Maior amor nem mais estranho [existe Que o meu, que não sossega a coisa [amada E quando a sente alegre, fica triste www.procampus.com.br 3 Louco amor meu quando toca, fere E quando fere, vibra, mas prefere Ferir a fenecer - e vive a esmo [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI E se a vê descontente, dá risada. Fiel à sua lei de cada instante Desassombrado, doido, delirante Numa paixão de tudo e de si mesmo. E que só fica em paz se lhe resiste O amado coração, e que se agrada Mais da eterna aventura em que [persiste Que de uma vida mal-aventurada. Olhe com que velocidade, com que ânsia quer o sonetista amar, amor, ser amado, estar amando. É a vida que brota a todo instante de seus 20 anos. É uma constante busca do maior amor, do melhor amor, do eterno amor enquanto dure. Explícita ou implicitamente em todos os sonetos o tema regente é o amor. Amor eterno, amor distante, amor próximo. Amor é o lema na poesia e na música. Não é por menos que Vinícius é considerado o mais apaixonado dos sonetistas e músicos do País. Em "Quatro Sonetos de Meditação" o poeta não fala apenas de amor entre um homem e uma mulher. Fala principalmente da necessidade do renovo, do rejuvenescer o amor. Mesmo que na vida esvai seu amor, logo você encontrará outro amor e tocará sua vida e será ou quem sabe buscará sempre, o amor. SONETINHO A PORTINARI O pintor pequeno O grande pintor Ruim como um veneno Bem como uma flor Vi-o da Inglaterra Uma tarde, vi-o No ermo, vadio Brodovski onde a terra É cor de pintura Muito louro, vi-o Dentro da moldura De um quadro de aurora O olhar azul frio: - Lá ia ele embora. Um dos maiores pintores do modernismo brasileiro, Portinari, elevou a arte da pintura brasileira aos padrões mais aceitáveis mundialmente falando. Viveu na mesma época de Vinícius, eram amigos e certamente buscavam idéias e idéias um no outro. SONETO AO INFERNO Inverno, doce inverso das manhãs Translúcidas, tardias e distantes Propício ao sentimento das irmãs E ao mistério da carne das amantes: Por que ruflaste as tremulantes asas Ala do céu? O amor das coisas [várias Fez-te migrar - inverno sobre casas! Quem és, que transfiguras as maçãs Em iluminações dessemelhantes E enlouqueces as rosas temporãs [instantes? Ó anjo das luminárias Preservador de santos e de estrelas Que importa a noite lúgubre escondê-las? www.procampus.com.br 4 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI O translúcido, talvez a opacidade do inverno europeu, já que o soneto foi escrito durante a estada do sonetista em Londres no ano de 1939. Atente-se para os dois versos finais do primeiro quarteto. "Propício ao sentimento das irmãs E ao mistério da carne das amantes:" A inocência virginal das irmãs e o pecado atenuante das amantes que buscam na carne a sua felicidade. EPITÁFIO Aqui jaz o Sol Que criou a aurora E deu luz ao dia E apascentou a tarde Aqui jaz o Sol O andrógino meigo E o violento, que O mágico pastor De mãos luminosas Que fecundou as rosas E as despetalou Possui a forma De todas as mulheres E morreu no mar. É uma elegia aquilo que é fúnebre. Não é por menor que já no primeiro verso dá-se a construção. "Aqui jaz o sol", Jazigo tudo que se encerra em féretro, morto, enterrado. No segundo quarteto observamos que aquele que constrói (3º verso) é também o mesmo que destrói (4º verso). É o jogo de palavras para dar vida ao poema, dando ao sol todos os poderes naturais que lhe é devido. No quarto terceto observamos que apesar de possuir a forma de todas as mulheres, este morre no mar. SONETO DE FIDELIDADE De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre e [tanto Que mesmo em face do maior [encanto Dele se encante mais meu [pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento www.procampus.com.br E assim, quando mais tarde me [procure Quem sabe a morte, angústia de [quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem [ama Eu possa me dizer do amor (que [tive): 5 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI Em seu louvor hei de espalhar meu [canto E ir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ao seu contentamento. Que não seja imortal posto que é [chama Mas que seja infinito enquanto dure. Aqui há o excedente, o excesso, o ápice do zelo, do cuidado em não pecar contra ti, Oh amada! Pode-se notar o equilíbrio suave, porém forte, das palavras mimetricamente colocadas nos devidos lugares. Caso o tiremos uma apenas, não teremos mais o mesmo poema e sim, outro. Enquanto eu amar-te é lindo, é sublime, porém se acaso o amor faltar, deixa de ser sublime e passa a ser uma coisa qualquer, incapaz de contigüidade. Este soneto é o mais conhecido de Vinícius. Muitos e de muitas formas é utilizado para demonstrar qualquer plangência de amor platônico, efervescente. SONETO DE DESPEDIDA Uma lua no céu apareceu Cheia e branca; foi quando, [emocianada A mulher a meu lado estremeceu E se entregou sem que eu dissesse [nada. Mas não partira delas; a mais louca Apaixonou-me o pensamento; dei-o Feliz - eu de amor pouco e vida [pouca Larguei-as pela jovem madrugada Ambas cheias e brancas e sem véu Perdida uma, a outra abandonada Uma nua na terra, outra no céu Mas que tinha deixado em meu [enleio Um sorriso de carne em sua boca Um gota de leite no seu seio. Veja a bela construção deste soneto. Foi só a lua aparecer e como um encantamento, quase uma hipnose, a mulher entregou-se ao amor do homem ao seu lado estava sem sequer uma palavra de persuasão. Ambas brancas, cheias e sem véu. O véu está invocando a não virgindade de ambas, já que, as duas conforme o autor participação do ato. BILHETE A BAUDELAIRE Poeta, um pouco à tua maneira E para distrair o spleen Que estou sentindo vir a mim Em sua ronda costumeira Que não revia desde o tempo Em que te lia e te relia A ti, a Verlaine, a Rimbaud... Folheando-te, reencontro a rara Delícia de me deparar Com tua sordidez preclara Como passou depressa o tempo Como mudou a poesia Como teu rosto não mudou! www.procampus.com.br 6 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI Ao ler o soneto percebemos o encantamento que o discípulo tem para com seu mestre. Conforme Otto Lara Resende, Vinícius iniciou suas leituras lendo justamente: Rimbaud, Verlaine e Baudálaire, poetas considerados grandiosos na construção da poesia pura européia. MÁSCARA MORTUÁRIA DE GRACILIANO RAMOS A epopéia a Graciliano Ramos nos dá a noção do poder de canto que tem este soneto e seu viador. Ao amigo Graciliano de tantas lutas e tantas vitórias. Podemos perceber também a busca da mortalidade. É o sincronismo em ação. Feito só sua máscara paterna Sua máscara tosca, de acridoce Feição, sua máscara austerizou-se Numa preclara decisão eterna. Feito pó, feito pólen, feito fibra Feito pedra, feito o que é morto e [vibra Sua máscara enxuta de homem forte Feito só, feito pó, desencantou-se Nele o íntimo arcanjo, a chama [interna. Da paixão em que sempre se [queimou De seu duro corpo que ora longe [inverna. Isto revela em seu silêncio à escuta: Numa severa afirmação da luta Uma impassível negação da morte. OS QUATRO ELEMENTOS O fogo, a terra, o ar e a água representam as formas de construção deste planeta. Porém metaforicamente Vinícius os elevou para a excentricidade da mulher que está ou pode ser formada a partir destes elementos. Há também presença picante no final do 2º elemento: a terra. Veja. Mas eu que não sou bobo, digo nada... Ah, é assim... (só penso). Muito bem: Antes que a terra a coma, como eu. QUESTÃO DE VESTIBULAR Inelutavelmente tu Rosa sobre o passeio Branca! E a melancolia Na tarde do seio. As cássias escorrem Seu ouro a teus pés Conheço o soneto Porém tu quem és? www.procampus.com.br ÁRIA PARA ASSOVIO O madrigal se escreve Se é do teu costume Deixa que te eu leve. (Sê... mínima e breve: A música do perfume Não guarda ciúme). 7 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI QUESTÃO 01 - O soneto acima pode ser analisado, como a) uma metáfora; b) a mulher amada vista num deslumbramento todo cheio de utensílios, aparatos, acessórios...; c) um soneto de canto e encantamento da mulher ideal. Não aquela mulher subjetiva imaterial, mas sim, aquela de carne e osso acometida também de pecados; d) é um canto de amor; e) todas corretas. Conheço o soneto Porém tu quem és? QUESTÃO 02 - Marque a alternativa INCORRETA quanto aos versos acima, retirados do soneto, Ária para Assovio. a) o sonetista se diz conhecedor de todos os sonetos; b) o autor de diz conhecedor dos sonetos, mas indaga a mulher, quem és? c) Apesar de conhecer o soneto o autor desconhece as artimanhas das mulheres; d) Devido às várias características da mulher e suas perscrutações o autor diz-se não conhecedor de mulheres; e) B - C e D são corretas ANFIGURI Aquilo que eu ouso Não é o que quero Eu quero o repouso Do que não espero. Não quero o que tenho Não sei de onde venho Sei para onde vou. Homem, sou a fera Poeta, sou um louco Amante, sou pai. ida, quem me dera... Amor, dura pouco... Poesia, aí!... QUESTÃO 03 - Conforme soneto acima a figura de linguagem predominante, é a) metáfora; b) antítese; c) hipérbole; d) metonímia; e) catacrese. QUESTÃO 04 - A presença mais acidentada da picante libido de Vinícius nesta obra está nos sonetos: a) Os Quatros elementos; Poética; b) Os Quatro elementos; Soneto de Despedida; c) Os Quatro elementos; Poética; d) Soneto da Rosa; Poética. www.procampus.com.br 8 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI QUESTÃO 05 - Quanto à obra é CORRETO afirmar, a) tem construção em prosa; b) faz parte do Parnasianismo brasileiro; c) faz parte do modernismo brasileiro; d) pode ser considerada uma epopéia. GABARITO: 1 - E, 2 - A, 3 - B, 4 - B, 5 - C A DISCUSSÃO DO SONETO VINÍCIUS DE MORAES estreou em 1933, aos vinte anos, com O Caminho para a Distância - um livro, a começar pelo título, embriagado pela vertigem das grandes abstrações e das grandes alturas. Com invocações ao Espírito e à Verdade - tudo com maiúsculas - o poeta reivindica um lugar privilegiado, como ser assinalado e meio esotérico, compassivo para com os homens, mas certamente acima de todos os homens: A vida do poeta tem um ritmo diferente. E a sua alma é uma parcela do infinito distante. Sua alma sofre "pavorosamente a dor de ser privilegiada". O poeta está comprometido, como um missionário, com "o infinito que ninguém compreende": Ele é o eterno errante dos caminhos Que vai pisando a terra e olhando o céu. Na verdade, olhava mais o céu do que pisava a terra; a que se sentia, contudo, atraído por uma incoercível, terrena e já evidente - pelo menos nas entrelinhas - lei de gravidade. Ao primeiro livro, segue-se Forma e Exegese, que é de 1935, no qual o autor anunciava de cara - "em preparo"- um romance (O Conhecimento do Amor) e novo livro de poemas (A Face do Anjo), dois títulos expressivos e reveladores. Amor e Anjo, ambos com A grande, eram entidades próximas, senão a face de um mesmo e único Mistério (também com M grande). A dedicatória mantém-se na mesma soberba altitude: A JEAN-ARTHUR RIMBAUD E JACQUES RIVIÈRE EM DEUS Em Forma e Exegese, já está um dos primeiros poemas que Vinícius selecionaria para a sua Antologia Poética - "Ausência", no qual o lírico dribla o cipoal de angústias metafísicas em que o "poeta altíssimo" andava enredado. Forma e Exegese respira o mesmo estro que O Caminho para a Distância, mas é ainda mais ambicioso, mais altissonante, mais pomposo. O poeta espraia-se num ritmo solene, é um sacerdote que, do alto de sua sapiência, fala à turbamulta, sem com ela confundirse. www.procampus.com.br 9 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI Em 1936, surge Ariana, a Mulher, que, segundo o próprio autor, encerra "a sua fase transcendental, freqüentemente mística", Transcendental, sim; mística, nem tanto, a menos que se tome a palavra no sentido vulgar, de "alegórico", ou "esotérico", e que estará próxima de um juvenil mistifório do que de um misticismo contemplativo. A verdade, porém, é que Ariana, mais do que o sotaque antigo, guarda ainda a opulenta retórica da primeira fase e nela assenta como a luva à mão. A data da mudança que se operou no poeta não pode ser fixada com precisão, mas é fora de dúvida que ele, que só celebrava no altar de Rimbaud e outros clérigos de alto coturno, transitou do reino do sublime para o plano do real. Despojou-se da contemplação narcisista de seus provavelmente imaginários tormentos pessoais. A linguagem, como tinha de ser, desce ao natural, senão ao coloquial. Desaparecem os sustenidos artifícios e os falsetes que não lhe pertenciam. O poeta deixa de fazer pose; cedo enjoa de orgulhosas inquietações mais ou menos postiças e, no seu caso, de uma ênfase muito mais adolescente do que poética. Nessa primeira fase, de que Forma e Exegese, até pelo título, é tão característica, o ritmo é largo, claudeliano, ou brasileiramente schmidtiano (não nos esqueçamos de que Schmidt, editor do livro de estréia de Vinícius, foi, com este, objeto de um longo estudo apologético de Octavio de Faria - Dois Poetas). As metáforas, pandas, têm então envergadura condoreira e buscam, aflita e presunçosamente, uma eloqüência que abomina o silêncio e exerça o comezinho. Dentro de um contexto de reação às trivialidades, às piadas e às rastaqüerices da onda modernista, que vinha de 1922, o poeta imposta e alça a voz para cantar a "mulher desespero", a "que perpetua o desespero humano", o "ser ignorado", O "fardo da carne" acentua os espasmos de uma adolescência literariamente manipulada para encher o seu farnel metafórico; O que lhe importa não é ver o que existe e o cerca, mas o que está para lá do que existe e o cerca. Cuida de entrever mais do que ver. É um vidente, à maneira de Rimbaud. A inspiração confunde-se freqüentemente com o delírio, ainda que fabricado a duras penas. Além de feroz o altíssimo, como se confessa, o poeta quase imberbe é grave, gravíssimo, até que a aceitação do real o convide a deixar de ser inquilino do sublime, a recolher as velas de sua desbragada inspiração. É natural, pois, que a princípio a mudança lhe soe como empobrecimento. Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem. Feito homem, homem entre homens, homem entre coisas, o poeta se dá conta de seus cinco sentidos alertas, que de resto nunca lhe faltaram, pois os eflúvios místicos - vá lá - de sua fase sublime sempre se mesclaram de inequívocos arrancos sensuais, sobretudo em O Caminho para a Distância, quando ele estava, quem sabe, menos consciente de sua aristocrática missão de... bardo (ou de vate, à escolha). Descendo ao concreto o poeta faz as pazes com a vida. Caminha para assumir a sua naturalidade. Livra-se das penas de pavão e de águia que se tinha acrescentado. Já não é uma ave do paraíso. Não mais necessita de exacerbar, por vanglória de super-homem, as razões de sua angústia. Ao contrário, procura apazigá-las. Descobre o chão em que pisa, encara o cotidiano e não se envergonha - a partir de Novos Poemas - de falar como todo mundo, tão coloquial quanto... Manuel Bandeira (que de resto lhe fornece a epígrafe para aquele livro: "Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis"). A poesia já não é desdenhosa; não é contra, mas a favor; não se derrama em apóstrofes nem se despenha em cascatas espumejantes para inglês ver; nasce do encontro e não do conflito, da aliança e não do atrito. Poeta e cidadão se encontram, entendem-se, falam a mesma língua. E a mulher se encarna. Ainda estará longe do padrão meio faceto e muito íntimo da www.procampus.com.br 10 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI famosa "Receita de Mulher", mas já não é mais uma transfiguração perturbadora e etérea - espécie de fantasma inexistente de um castelo que também não existe. A mulher agora é gente, vai ser companheira e amiga: Não, tu não és um sonho, és a existência Tens carne, tens fadiga e tens pudor No calmo peito teu. O poeta reconhece os amigos: "Soneto a Octávio de Faria", "Saudade de Manuel Bandeira", "Balada de Pedro Nava", "Mensagem a Rubem Braga", "Máscara Mortuária de Graciliano Ramos", "A Última Viagem de Jayme Ovalle". Volta-se para o tempo presente, esquece as profecias de timbre apocalíptico. Talvez já não pense na posteridade e, por isso, quem sabe, começa a assegurála. Os poetas intelectuais franceses e os poetas metafísicos ingleses fazem parte de uma aventura espiritual encerrada. Pablo Neruda, sensual e social, e Garcia Lorca, valorizado pelo martírio, tornamse familiares. Vinícius veste-se sob medida, põe-se à vontade dentro de um lirismo que, sobretudo a partir de Cinco Elegias (1943), está mais - solto, mais desenvolto. Os largos verbos de largo fôlego despem a sua adjetiva púrpura de nobreza perfunctória - e duvidosa. O poeta multiplica os seus ritmos e persegue a sua substância, desvenda os próprios temas. Dispõe de um instrumento hábil e adestrado. Sua manipulação do verso é acrobática, com uma flexibilidade musical capaz de fazer misérias. É a época das baladas. A "Balada do Mangue", cuja publicação na Revista do Brasil constitui um caso nacional. "Rosário", em que se viram reminiscências lorquianas ("La Casada Infiel"). A 'Balada das Meninas de Botafogo": a mulher já não tem nada da idealização de musa incorpórea. Das pobres flores gonocócicas à amada, a mulher agora é de carne e osso. Mulher que trabalha, que anda de bicicleta, que habita em suma a cidade do real. E porque aí também habita, o poeta está impregnado de uma consciência social que o convoca para as preocupações de seu tempo. Tempo de guerra: "Balada dos Mortos dos Campos de Concentração", "A Bomba Atômica", "A Rosa de Hiroxima". De um certo desdém altivo, que não lhe era genuíno, Vinícius caminha assim para a compreensão e depois para a via larga e misericordiosa da absolvição geral: Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres. A matéria do poeta, "a quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante", é a vida "e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime". Nada que é humano lhe é estranho. Uma sublimidade pejorativamente angélica cede lugar ao "sentimento da fecundidade da vida". A fórmula viniciana de viver intensamente guarda, contudo, ressaibos da antiga sede de absoluto, ou qualquer coisa parecida: a consciência do insatisfatório, a certeza de que tudo afinal é pouco. O poeta altíssimo está, finalmente, na boca das multidões. Agora, sim, olha o céu, mas sobretudo pisa a terra. Já n'O Caminho potra a Distância, seu livro de estréia, Vinícius divulga os seus primeiros sonetos. O primeiro deles, pela ordem de paginação, Revolta, é claramente, um autoconvite para abandonar o pranto, a solidão, o espaço e, deixando de ser água das alturas infinitas, vir habitar o mundo: O mundo é bom. O espaço é muito triste... www.procampus.com.br 11 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI É uma antecipação premonitória do itinerário que aqui procuramos rastrear. Já o segundo soneto d'O Caminho chora copiosamente: o poeta é um incompreendido, um perdido, um desesperado que se esforça em demonstrar-se que é impraticável conciliar a alegria de viver com a nobre missão de poetar. Dois versos logo no primeiro quarteto definem uma pretensa filosofia de cunho romântico, tão século XIX: - A vida é um sonho vão que a vida leva - Cheio de dores tristemente mansas. A mesma temática reaparece no terceiro e último soneto d'O Caminho - "Judeu Errante", que nada tem ainda da marca pessoal de Vinícius. Essa marca só vai aparecer, nítida e finalmente livre, em Novos Poemas, que se abre com "Ária para Assovio", incorporada à Antologia mais tarde selecionada pelo poeta. A seguir, "Amor nos Três Pavimentos" assinala a chegada de Vinícius ao mundo, ao chão de todo mundo. Fundem-se aí a linguagem do amor e a linguagem da infância. Amar á ser feliz, logo, ser criança. O poeta entra na posse de um instrumento literário capaz de lhe dar, de saída, o seu "Soneto de Intimidade", a que se seguem - todos incluídos nos Novos Poemas - o "Soneto à Lua", o "Soneto de Agosto", o "Soneto de Katherine Mansfield", o "Soneto de Contrição", o "Soneto de Devoção" e o "Soneto de Inspiração". Uma vez na posse de sua língua pessoal, Vinícius nunca mais deixará de compor os seus sonetos. Observa Paulo Mendes Campos, com razão, que "depois do modernismo, inimigo do soneto, foi Vinícius de Moraes que começou a criar gosto pelo soneto de forma regular". Composição poética de quatorze versos, com dois quartetos e dois tercetos, há mil maneiras de fazer um soneto, sem contar a estrambótica. O soneto está em todas as literaturas e, desde o século XIII, resiste a todas as revoluções. Não há a rigor grande poeta que não tenha sonetado - Dante, Petrarca, Shakespeare. Nas letras portuguesas, as duas mais altas vozes são de exímios sonetistas - Camões e Fernando Pessoa. O soneto é, a bem dizer, a carta de identidade de um poeta. É preciso chamarse, porém, Charles Baudelaire, ou equivalente, para meter-se na caminha de força - de um soneto e de fato empreender, com disciplina e liberdade, obra pessoal, poeticamente válida. No Brasil, depois da rigidez parnasiana, responsável por algumas peças marmóreas, mas perenes (Raymundo Correa, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira), a reação simbolista floresceu com sonetistas do porte de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa. O movimento modernista, para oxigenar o provinciano e sufocante ambiente literário nacional, precisou saudavelmente mover campanha mortal contra o soneto. Como era de esperar, os resultados foram positivos: o soneto não morreu, mas ressurgiu renovado e, nem por isso, menos popular. Os próprios corifeus do modernismo - Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade - conquistaram o direito de cometer os seus sonetos sem renunciar à personalidade e à poesia. Forma poética popular desde a sua origem, o soneto é, para o poeta, como diz Paulo Mendes Campos, "um desafio e uma brincadeira". Desafio sobretudo, quero crer, pelo convite a reformar uma fórmula esgotada e sempre inesgotável; brincadeira que, como todo ato lúdico, só dá prazer dentro de um mínimo de regras, nessa inebriante conciliação da liberdade com a disciplina. Vinícius é um que aceitou o desafio e saiu-se bem dele. Seu lugar, na volta ao soneto, se volta houve entre nós, está historicamente assegurado. Seus sonetos, longe de serem acadêmicos, isto é, frios, natimortos, são essencialmente modernos: respiram a mesma naturalidade de suas melhores composições. A lição camoniana, que por sua vez será petrarquiana, amplia, nos sonetos vinicianos, esse espaço imponderável, mas nítido, da liberdade interior, sem a qual o soneto é apenas www.procampus.com.br 12 [email protected] A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO COLÉGIO PRO CAMPUS - “A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO” - OBRAS INDICADAS - COPEVE - UFPI um exercício enfadonho e bem-pensante, tendente ao sublime, mas tão-só conceituoso, o que quer dizer antipoético. O cilício do soneto, para usar a expressão feliz de Carlos Parte de Moraes, como todo recurso de ascese, há de conduzir a mais liberdade, o que no caso é também mais personalidade, ou seja - originalidade. É fácil entender, por tudo isso, como faltava à bibliografia de Vinícius de Moraes este Livro de Sonetos. Aqui se juntam todos os de sua lavra que o poeta considera realizados, impregnados, pois, de sua marca pessoal. Vários deles já correm mundo e freqüentam obrigatoriamente as coletâneas do gênero. Conquistaram, com o favor do público, o direito à permanência. É o caso do "Soneto de Fidelidade", cujos ecos - pelo menos os ecos - estão em todas as oiças. Ou do "Soneto de Separação", que, como aquele, atravessa, impávido, em decassílabos espontâneos, ainda que de sabor clássico - ou camoniano, o que dá na mesma - os escolhos de um tema eterno. Na mesma linha, eu poderia citar o "Soneto do Amor Total". Metro e rima variam, porém, segundo as exigências do tema, ou segundo os caprichos do poeta, que é, no soneto ou fora dele, um malabarista que não recua diante do salto mortal. Aí está, entre tantos, "A Pêra", que não me deixa mentir. Desafiando e brincando, ao longo de trinta e cinco anos de fidelidade à poesia, Vinícius construiu este Livro de Sonetos, do qual se poderá dizer, sem querer bancar o profeta, que o público - já consagrou; com o que dá provas de bom-gosto e discernimento. De todas as formas poéticas, fora a quadrilha em redondilhas, o soneto é por certo a mais popular, inclusive - ou sobretudo porque de mais fácil memorização. A unidade da peça e até o galope dos versos, quase sempre heróicos, assim como a distribuição geométrica e visual em quartetos e tercetos, são bons arrimos para a memória, que aliás, em matéria de sonetos, é ajudada pelo seu melhor servo, que ó coração. Saber de cor, no caso, - mesmo saber de coração. Também quanto a esse aspecto da acolhida popular, é fora de dúvida que Vinícius, com os seus sonetos, várias vezes acertou na mosca. www.procampus.com.br 13 [email protected]