# 14 – dezembro 2012 Boca no trombone As curvas de um revolucionário C arioca do bairro das Laranjeiras, Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer nasceu em 15 de dezembro de 1907, simbolicamente pouco tempo depois da execução dos planos de urbanização do Rio promovidos pelo prefeito Pereira Passos. Filho de família tradicional -seu avô foi ministro do Supremo Tribunal FederalNiemeyer primeiro começou a trabalhar como tipógrafo, auxiliando o pai. Em 1929, entrou para a Escola Nacional de Belas Artes, onde recebeu o diploma de engenheiro arquiteto em 1934. A partir daí, a trajetória profissional de Niemeyer se cruza de maneira fundamental com a do também arquiteto Lúcio Costa. Foi no escritório de Costa que Niemeyer começou sua carreira, em 1935. Mesmo precisando de dinheiro para sustentar uma família em formação, Niemeyer começou trabalhando de graça, para se aperfeiçoar. Seria ali que, no ano seguinte, na equipe que participou do projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde, conheceria outros dois nomes importantes para sua formação: o ministro Gustavo Capanema e o arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Foi o papa do modernismo arquitetônico quem primeiro diagnosticou a obsessão de Niemeyer por curvas com uma observação metafórica: “Você tem as curvas dos morros do Rio na retina.” Seu primeiro projeto individual foi o edifício Obra do Berço, no Rio, em 1937, no qual já mostrou características que marcariam seus trabalhos ao longo dos anos, como plantas e fachadas livres. Em 1939, projetou o Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova York, ao lado de Lúcio Costa, e no ano seguinte conheceu o prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek. Foi com o Conjunto da Pampulha, na capital mineira, que seu nome ganhou projeção. Ali, o próprio arquiteto descobriu seu estilo de formas leves e sinuosas de concreto. “Sem a Pampulha não teria havido Brasília”, reconhecia Niemeyer, que seria procurado quase duas décadas mais tarde por Kubitschek, agora presidente, para desenvolver o plano-piloto do amigo Lúcio Costa sobre a nova capital da República, no meio do cerrado. Construída sob uma estética modernista que explora ângulos curvos no lugar de linhas retas, o uso de concreto armado, o célebre formato da cidade inspirado em um avião-, avenidas largas, blocos de edifícios afastados e amplos espaços vazios, rampas e vastas áreas verdes, Brasília seria o palco para algumas das mais radicais experimentações de Niemeyer, tais como: Congresso Nacional, Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal, Praça dos Três Poderes, Ministério da Justiça, Catedral, Teatro Nacional, Esplanada dos Ministérios e Palácio da Alvorada (aclamado pelo ministro da Cultura de De Gaulle, André Malraux, como a "invenção arquitetônica mais importante desde as colunas gregas"). Impedido de trabalhar no Brasil pela ditadura militar, Niemeyer se mudou em 1966 para Paris, onde abriu um escritório de arquitetura. Projetou a sede do Partido Comunista Francês e fez o Centro Cultural Le Havre, atualmente Le Volcan. Também realizou obras na Argélia, Itália e Portugal. Após a anistia, retornou ao Brasil, no início dos anos 1980. JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil. www.casadobrasil.com.uy Editor: Leonardo Moreira. Mail: [email protected] # 14 – dezembro 2012 No Rio, projetou os CIEP (Centros Integrados de Educação Pública, apelidados de "brizolões"), o Sambódromo, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e participou de projetos educacionais e culturais de Darcy Ribeiro. Em São Paulo, suas obras mais famosas são o Parque do Ibirapuera e o complexo de pavilhões do local, o Edifício Copan e o Memorial da América Latina. Em Curitiba, encontra-se o Museu Oscar Niemeyer, conhecido como o Museu do Olho, com prédios que lembram naves espaciais. Obcecado pela novidade e pela busca de soluções originais, Niemeyer deixou em mais de 70 anos de atividade cerca de 1.000 projetos, mais da metade já executados nas principais cidades brasileiras e em países como Líbano, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Israel, Itália e Estados Unidos, onde foi um dos convidados a construir a sede da Organização das Nações Unidas. Recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio Pritzker -o Oscar da arquitetura-, Prêmio Unesco, na categoria Cultura, Royal Gold Medal do Royal Institute of British Architects, Prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza e Medalha de Ouro da Academia de Arquitetura de Paris. Homenageado com exposições, títulos e condecorações ano após ano, Niemeyer continuou projetando obras em vários cantos do planeta até o fim de sua vida. Em 2007, projetou o Centro Cultural de Avilés, sua primeira obra na Espanha, construído durante três anos e inaugurado em 2011. Mais de 60 anos após a realização do Conjunto da Pampulha, o arquiteto voltou a assinar um projeto de grande porte em Minas Gerais em 2010, com a inauguração da Cidade Administrativa do governo do Estado, na Grande Belo Horizonte. Naquele mesmo ano, Niemeyer também lançou o projeto da Universidade de Música e Artes Cênicas Daisaku Ikeda, em Araraquara (SP), projetou um museu em Havana e foi aberto ao público o Auditório de Ravello, seu último projeto na Itália. Recentemente, o arquiteto havia voltado, ainda, a desenvolver um projeto para a cidade de Argel. O prédio da Biblioteca dos Países Árabes e Sul-Americanos dividirá a paisagem da capital argelina com outras obras desenhadas por Niemeyer durante a década de 1970. Atualmente, em Santos, está finalizando seu projeto para o Museu Pelé. Neste 2012, Niemeyer assinou um projeto comercial ao lado do Sambódromo, para salas comerciais e hotelaria. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, encomendou-lhe uma nova quadra para a escola de samba Mangueira. Ainda para a capital fluminense, o arquiteto havia elaborado uma nova casa de shows. Em Niterói, está em execução o chamado Caminho Niemeyer e será erguida uma torre em formato de cogumelo de 60 metros. Também recebeu a encomenda de um novo complexo administrativo para a Prefeitura de Curitiba. Em Manaus, o Memorial Encontro das Águas, projetado em 2006, deve finalmente começar a ser construído para ser um ponto de encontro na cidade durante a Copa de 2014. Embora a maioria de suas obras tenham sido grandiosas e de alto custo financeiro, Niemeyer cobrava relativamente pouco para o nome que tinha e desenhou vários projetos de graça por questões éticas ou de amizade. “Aprecio as coisas mais diferentes. Gosto de Le Corbusier como gosto de Mies van der Rohe. De Picasso como de Matisse. De Machado de Assis como de Eça de Queiroz. Somente no campo da política sou radical, intransigente”, dizia Oscar. "Não é a linha reta que me atrai. Dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual que encontro nas montanhas, no curso sinuoso dos rios, nas nuvens, no corpo da mulher bonita. De curvas é feito todo o universo, O universo curvo de Einstein." Em seus quase 105 anos de vida, Niemeyer foi vários personagens convivendo no mesmo homem: o ateu que se tornou mestre em projetar igrejas, o comunista fervoroso que trabalhou estreitamente com vários governos capitalistas e até o homem que via no casamento uma ilusão burguesa, mas que vivia desde 1928 com a mesma mulher, Annita Baldo. Ambos tinham uma filha, quatro netos, onze bisnetos, três trinetos e muitos amigos. # 14 – dezembro 2012 Ao pé da letra Volta por cima M uito original e primorosamente elaborado num período de seis meses, “Volta por cima”, de 1962, não só foi um grande sucesso da música brasileira. Este samba altivo marcou tanto que propagou a expressão, já dicionarizada, “dar a volta por cima”, com o sentido de superar uma dificuldade com orgulho, conseguir recuperar-se e ter sucesso depois de um fracasso ou decepção. Mestre em zoologia pela Universidade de Harvard e compositor nas horas vagas, sem saber tocar nenhum instrumento, Paulo Vanzolini mostrou a música para a amiga Inezita Barroso, mas apesar de gostar, ela achou que não era viável comercialmente. Ainda assim, Vanzolini foi atrás de um tal Zelão, amigo de cantorias de bar em São Paulo. Como estava brigado com a gravadora, não pôde levar “Volta por cima” para o estúdio, mas indicou um conhecido, “uma grande voz, o Mário”. O Mário em questão era Mário de Souza Marques Filho, conhecido como Noite Ilustrada (1928-2003), quem gravou o samba no seu segundo disco e acabou se tornando o maior sucesso da sua carreira. Universidade de São Paulo (USP) -que dirigee conseguiu formar um acervo considerável. Chorei Não procurei esconder Todos viram, fingiram Pena de mim não precisava Ali onde eu chorei Qualquer um chorava Dar a volta por cima que eu dei Quero ver quem dava Um homem de moral Não fica no chão Nem quer que mulher Lhe venha dar a mão Reconhece a queda E não desanima Levanta, sacode a poeira E dá a volta por cima Vanzolini foi pego de surpresa: ao voltar de uma longa viagem de pesquisa pela Amazônia, o zoólogo ouviu no rádio que sua composição estava completando três semanas nas paradas. Daí em diante, seu hobby foi tão ou mais célebre que suas atividades acadêmico-profissionais. Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em 2003, declarou que a canção representava “uma questão de filosofia de vida, como eu gostaria de ser” e que preferia ser conhecido apenas como um “zoólogo que escreve música”. Aliás, levou tão a sério esse não-comprometimento com a composição que preferiu não embolsar o dinheiro dos direitos autorais que deveria receber. Em vez disso, destinou-o à compra de livros para a biblioteca do Museu de Zoologia da Discos onde ouvir Noite Ilustrada – Noite Ilustrada (1963) Paulo Vanzolini – Onze sambas e uma capoeira (1967) Maria Bethânia – Anjo exterminado (1972) Beth Carvalho – Canta o samba de SP (1993) Roberto Silva – Volta por cima (2002) Jorge Aragão – Da noite pra o dia (2003) # 14 – dezembro 2012 O mundo é uma bola O tricolor que é tetra cantores, artistas, personalidades ligadas à cúpula do futebol mundial e, desta forma surgiu a ideia de um símbolo tricolor: o cartola. Em 1919, para socorrer a Confederação Brasileira de Desportos, que queria sediar o Campeonato Sul Americano de Futebol (vencido pela primeira vez pelo Brasil), o Tricolor deu uma demonstração de força e prestígio e, em tempo recorde, ergueu o Estádio das Laranjeiras com capacidade para 18 mil pessoas. O Fluminense se consagrou tetracampeão do Campeonato Brasileiro, logo após conquistar os títulos de 1984 e 2010, o do extinto Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1970, que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) reconhece como o Nacional da época, e vencer neste “Brasileirão” 2012. O Fluminense Football Club foi fundado no Rio de Janeiro em 21 de julho de 1902. O nome do clube nasceu sem maiores debates: surgiu Fluminense por identificar os nascidos no Estado do Rio de Janeiro e, na época, no Distrito Federal, apesar de por lei haver distinção, mas o povo considerava todos fluminenses. Uma outra versão para o nome tem por base o vocábulo “flumem”, que significa rio e por analogia se chegou a palavra Fluminense. O primeiro uniforme possuía as cores branca e cinza claro, gola e escudo sobre o coração, com as letras FFC em vermelho. O calção era branco, as meias pretas e muitos jogadores ainda usavam boné com as cores da camisa. Mas em 1905 mudou para as cores encarnado, branco e verde. O Fluminense sempre se caracterizou por possuir torcedores ilustres e famosos, presidentes, Entre suas principais glórias, o Fluminense conta com: 9 Taça Guanabara, 31 Campeonato Carioca, 2 Taça Rio, 1 Copa do Brasil (2007) e 4 Campeonato Brasileiro (1970, 1984, 2010 e 2012), além de ser vice-campeão da Copa Libertadores (2008) e da Conmebol/Sul-Americana (2009). São reconhecidos como ídolos históricos, entre outros: Amoroso, Branco, Carlos Alberto Torres, Carlos Castilho, Darío Conca, Didi, Diego Cavalieri, Edinho, Ézio, Fred, Gérson, Marcão, Pinheiro, Renato Gaúcho, Ricardo Gomes, Parreira, Rivellino, Telê Santana, Thiago Silva, Waldo (o maior artilheiro, com 314 gols), Washington e Welfare. O tetracampeonato foi conquistado com uma campanha irretocável e com três rodadas de antecedência. Em 38 jogos, foram 22 vitórias, 11 empates e apenas 5 derrotas, sendo o melhor ataque (61 gols marcados) e a melhor defesa da competição (33 gols sofridos). De quebra, ainda tem o artilheiro, Fred (foto), que marcou 20 gols e também foi escolhido o craque do Brasileirão. # 14 – dezembro 2012 Mão na roda Orelhão, uma ligação que faz 40 anos tropical do Brasil, já que é mais arejada. Os orelhões –como são popularmente conhecidos– foram testados pela primeira vez em 1971, quando 13 cabines foram distribuídas pela cidade de São Paulo. Em 1972 eles foram definitivamente apresentados à população brasileira e instalados em maior escala nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e posteriormente no resto do país. No ano em que foi criado o orelhão, a CTB registrava 4.200 aparelhos pelo Brasil. Hoje são mais de 52 mil. O Telefone Público faz parte da vida da população brasileira desde 1920, quando já se tinha notícia sobre a utilização de aparelhos conhecidos como semi-públicos. No entanto, foi em 1934 quando a Companhia Telefônica Brasileira (CTB) instalou na cidade de Santos (SP) os primeiros Telefones Públicos de Pagamento Antecipado. A princípio, os Telefones Públicos ficavam em postos telefônicos e estabelecimentos credenciados, como bares, cafés e padarias. Junto a eles havia uma caixa coletora de moedas, e as ligações eram realizadas com a ajuda de uma telefonista. Em 1970 a arquiteta e chefe da Engenharia de Prédios da CTB, Chu Ming Silveira, percebeu que a empresa buscava uma alternativa para substituir as cabines cilíndricas. Foi assim que ela deu início a um projeto onde um abrigo oval em fibra de vidro era acoplado a um suporte de metal. Chu Ming sabia que a melhor forma acústica era o ovo e queria que seu projeto levasse simplicidade e conforto sem custar mais caro. Isso justifica o uso da fibra de vidro, porque é bem mais barata que os outros materiais (vidro e acrílico), ocupa menos espaço e se ajusta perfeitamente ao clima Foi um longo caminho até chegar ao modelo atual. Em 1934, para fazer uma ligação era necessário ter uma moeda de 400 réis. Porém, com a mudança da moeda brasileira em 1945, foi necessário mudar também o dispositivo interno dos telefones, que passaram a receber duas moedas de 20 centavos. Para evitar o retrabalho de alterar a configuração dos aparelhos toda vez que a moeda do país fosse modificada, foi criada a ficha telefônica, mas cada companhia possuía modelos de fichas exclusivos. Foi então que em 1964 a CTB criou um modelo de ficha padrão, que poderia ser utilizado em todo território atendido pela companhia. As fichas foram utilizadas até o ano de 1992, quando a Telebrás criou o cartão telefônico que vai subtraindo os créditos de acordo com o tempo de ligação. Esse cartão é utilizado até os dias atuais. # 14 – dezembro 2012 Como dizia o poeta Vinicius de Moraes Poema de Natal Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. Para isso fomos feitos: Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar os nossos mortos – Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra. Poética I Assim será a nossa vida: Uma tarde sempre a esquecer Uma estrela a se apagar na treva Um caminho entre dois túmulos – Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver A noite dormir em silêncio. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Não há muito que dizer: Uma canção sobre um berço Um verso, talvez, de amor Uma prece por quem se vai – Mas que essa hora não esqueça E por ela os nossos corações Se deixem, graves e simples. Pois para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre Para a participação da poesia Para ver a face da morte – De repente nunca mais esperaremos... Hoje a noite é jovem; da morte, apenas Nascemos, imensamente. Soneto de separação De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: – Meu tempo é quando. Soneto de fidelidade De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa lhe dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro, 1913- 1980) foi diplomata, dramaturgo, jornalista, compositor e poeta brasileiro. Esses poemas pertencem às obras “Poemas, sonetos e baladas” (1946) e “Livro de sonetos” (1957). # 14 – dezembro 2012 Estilos musicais Frevo é declarado Patrimônio da Humanidade A 7ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial aprovou por unanimidade, neste 5 de dezembro, a inscrição do Frevo – Expressão Artística do Carnaval do Recife como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A ministra da Cultura, Marta Suplicy, e a presidenta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Jurema Machado, integraram a delegação brasileira que participou da reunião que aconteceu na sede da UNESCO, em Paris. Suplicy ressaltou que “o Frevo é uma força viva que junta dança, música, artesanato. É um enorme orgulho, ter todas estas capacidades reconhecidas”. T Dança instrumental, marcha em tempo binário e andamento rapidíssimo. Assim o ensaísta Mário de Andrade sumariza o frevo em seu “Dicionário Musical Brasileiro”. Tratase de um gênero musical urbano que surgiu no final do século XIX, no carnaval de Pernambuco, como uma forma de expressão popular em um momento de transição e efervescência social. As bandas militares e suas rivalidades, os escravos recém-libertos, os capoeiras, a nova classe operária e os novos espaços urbanos foram elementos definidores da configuração do Frevo, que desde suas origens expressa protesto político e crítica social em forma de música, dança e poesia, constituindo-se em símbolo de resistência da cultura pernambucana e expressão significativa da inventividade e diversidade cultural brasileira. Inicialmente chamado "marcha nortista" ou "marcha pernambucana", o Frevo dos primórdios trazia capoeiristas à frente do cortejo. Das gingas e rasteiras que eles usavam para abrir caminho teria nascido o passo, que também lembra as czardas russas. As denominações dos passos são até hoje associadas ao universo do trabalho: alicate, serrote, tesoura, ferrolho, parafuso, martelo. Até as sombrinhas coloridas seriam uma estilização das utilizadas inicialmente como armas de defesa dos passistas. A música frenética, ligeira e vigorosa do Frevo nasceu da fusão de gêneros musicais, tais como marcha, dobrado, maxixe, quadrilha, polca e peças do repertório erudito, resultando suas três modalidades, ainda vigentes: Frevo de Rua, Frevo Canção e Frevo de Bloco. O Frevo de Rua é o irmão mais velho da família, sendo sua instrumentação emblemática no gênero. Há predominância de instrumentos de bocal (trompetes, trombones, tuba); de instrumentos de naipe dito “das madeiras” (saxofones, clarinetes, requintas, flautas) e de percussão (surdos, caixas, pandeiros). A instrumentação do Frevo Canção é basicamente a mesma do # 14 – dezembro 2012 Frevo de Rua, porém sua execução é mais comum nos palcos ou estúdios. Já no Frevo de Bloco, a instrumentação típica, chamada de pau-e-corda se baseia em cordas dedilhadas ou tocadas com plectro (palheta) para o acompanhamento harmônico, sobretudo violões e cavaquinhos; em sopros, especialmente flautas, clarinetes e saxofones; e na percussão podem ser incorporados chocalhos, reco-recos e bandolins. De instrumental, o gênero ganhou letra no Frevo Canção e saiu do âmbito pernambucano para tomar o país. Basta dizer que “O teu cabelo não nega”, de 1932, considerada a composição que fixou o estilo da marchinha carnavalesca carioca, é na verdade uma adaptação do compositor Lamartine Babo do frevo “Mulata”, dos pernambucanos Irmãos Valença. A primeira gravação com o nome do gênero foi o “Frevo pernambucano” (Luperce Miranda/ Oswaldo Santiago) lançada por Francisco Alves no final de 1930. Um ano depois, “Vamo se acabá”, de Nelson Ferreira pela Orquestra Guanabara recebia a classificação de Frevo. Dois anos antes, ainda com o codinome de "marcha nortista", saía do forno o pioneiro “Não puxa Maroca” (Nelson Ferreira) pela orquestra Victor Brasileira comandada por Pixinguinha. Ases da era de ouro do rádio como Almirante (“Vassourinhas”), Mário Reis (“É de amargar”), Carlos Galhardo (“Morena da Sapucaia”), Linda Batista (“Criado com vó”), Nelson Gonçalves (“Quando é noite de lua”), Cyro Monteiro (“Linda flor da madrugada”), Dircinha Batista (“Não é vantagem”), Gilberto Alves (“Não sou eu que caio lá”) ou Carmélia Alves (“É de Maroca”) incorporaram frevos a seus repertórios. Em 1950, inspirados na energia do frevo pernambucano, a bordo de uma pequena fobica, dedilhando um cepo de madeira eletrificado, os músicos Dodô & Osmar fincavam as bases do trio elétrico baiano que se tornaria conhecido em todo o país a partir de 1979, quando Caetano Veloso documentou o fenômeno em seu “Atrás do trio elétrico”. Em 1957, o frevo “Evocação No. 1”, de Nelson Ferreira, gravado pelo Bloco Batutas de São José invadiria o carnaval carioca derrotando a marchinha e o samba. O lançamento era da gravadora local, Mocambo, que se destacaria no registro de inúmeros frevos e em especial a obra de seus dois maiores compositores, Nelson (Heráclito Alves) Ferreira (1902-1976) e Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa, 1904-1997). Além de prosseguir até o número 7 da série “Evocação”, Nelson Ferreira teve êxitos como o frevo “Veneza brasileira”, gravado pela sambista Aracy de Almeida e outros como “No passo”, “Carnaval da Vitória”, “Dedé”, “O dia vem raiando”, “Borboleta não é ave” e “Frevo da saudade”. A exemplo de Nelson, Capiba também teve sucessos em outros estilos como o clássico samba-canção “Maria Bethânia” gravado por Nelson Gonçalves em 1943, que inspiraria o nome da cantora. Capiba emplacou “Manda embora essa tristeza” e vários outros frevos que seriam regravados pelas gerações seguintes como “De chapéu de sol aberto”, “Tenho uma coisa pra lhe dizer”, “Quem vai pra Farol é o bonde de Olinda”, “A pisada é essa” e “Gosto de te ver cantando”. Cantores como Claudionor Germano e Expedito Baracho se transformariam em especialistas no ramo. O gênero esfuziante sensibilizou mesmo a intimista Bossa Nova. De Tom Jobim e Vinicius de Moraes (“Frevo”) a Marcos e Paulo Sérgio Valle (“Pelas ruas do Recife”) e Edu Lobo (“No cordão da saideira”) todos investiram no (com)passo acelerado que também contagiou Gilberto Gil a municiar de guitarras seu “Frevo rasgado” em plena erupção tropicalista. A baiana Gal Costa misturou frevo, dobrado e tintura funk num de seus maiores sucessos, “Festa do Interior” (ver JornalDaCasa #1) e a safra nordestina posterior não deixou a sombrinha cair. O pernambucano Carlos Fernando, autor do explosivo “Banho de cheiro”, sucesso da paraibana Elba Ramalho, organizou uma série de discos intitulada “Asas da América” a partir do começo dos 80. De Chico Buarque a Jackson do Pandeiro, do Quinteto Violado a Antonio Nóbrega, todos mantêm no ponto de fervura o frevo pernambucano.