FACULDADE SETE DE SETEMBRO-FASETE
CURSO: LICENCIATURA EM LETRAS
HABILITAÇÃO: PORTUGUÊS/INGLÊS
ROSÂNGELA BENJOINO FERREIRA
AS DIVERSAS FACES DO AMOR NA OBRA DE VINÍCIUS DE
MORAES
PAULO AFONSO
NOVEMBRO/2008
ROSÂNGELA BENJOINO FERREIRA
AS DIVERSAS FACES DO AMOR NA OBRA DE VINÍCIUS DE
MORAES
Monografia apresentada ao Curso de Letras da
Faculdade Sete de Setembro - FASETE como parte
dos requisitos para a obtenção do título de
Licenciatura em Letras com habilitação em
Português e Inglês, sob a orientação da profª. Msc.
Maria de Socorro Pereira de Almeida
PAULO AFONSO
NOVEMBRO/2008
ROSÂNGELA BENJOINO FERREIRA
AS DIVERSAS FACES DO AMOR NA OBRA DE VINÍCIUS DE
MORAES.
Monografia submetida ao corpo docente da Faculdade Sete de Setembro –
FASETE, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciatura
em Letras com Habilitação em Português e Inglês.
Aprovada por:
Prof. Ms. _____________________________________ Orientadora
Maria do Socorro Pereira de Almeida.
Prof. Dr. _____________________________________
Sérgio Luiz Malta de Azevedo.
Prof. Ms. _____________________________________
Luiz José da Silva
PAULO AFONSO – BA
NOVEMBRO – 2008
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho, com muito amor, aos meus pais Francisco Ferreira e
Almerinda Benjoino, que além de me ensinarem tantas coisas, ensinaram-me a
amar e respeitar meu semelhante.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo amor, pela força, por nunca ter me deixado desamparada.
À minha doce Maria por me iluminar e me proteger nessa longa jornada.
Aos meus pais, pelo exemplo de vida que me deram e pela razão de minha
existência.
Aos meus irmãos Ricardo, Roberto, Gonzaga, Roberval, Rômulo que apesar da
distância sempre serão os meus mosqueteiros.
À minha Tia Cleonice Benjoino por me apoiar e acreditar no meu potencial, jamais
esquecerei suas palavras.
A todos os meus familiares, ao Sr: Severino e família por me acolherem em seu lar
com muito carinho e amor.
À Alaide Miranda, à Roseany Martins e Gilvan por também fazerem parte desse
mesmo acolhimento meu, muito obrigada!
Aos meus grandes amigos, Rosemere, Marivania Lucas, Adriana Alves, Fabrício,
Lucivânio, Jaciara, Maria Aparecida, Eduardo, Dorisvan, Magali e Érica, por terem
compartilhado, lindos momentos que ficaram guardados para sempre em minha
memória.
Ao meu anjo da guarda, Marcos Alex por está sempre presente nos momentos em
que mais preciso, por ser sempre companheiro e amigo.
À minha querida professora, Socorro Almeida por ser sempre um exemplo de mulher
e ser humano, pela sua dedicação, sua paciência e seu grande talento na literatura.
A todos meus professores e colegas de faculdade por todos esses anos de amizade
que fizemos e da grande família que nos tornamos.
A todos que colaboraram diretamente ou indiretamente para a realização deste
trabalho, que é uma grande conquista em minha vida.
“O valor das coisas não está no tempo em que elas
duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso
existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e
pessoas incomparáveis”. (Fernando Pessoa)
RESUMO
Este trabalho analisa os poemas e composições do poeta Vinícius de Moraes, com o
objetivo principal de evidenciar as diversas faces do amor em sua obra,
reconhecendo seu estilo e suas características mais marcantes no que diz respeito
ao amor. Também faremos um belo passeio pela sua vida, passando pela década
do rádio em que foi introduzida a música popular brasileira. Dentro desse movimento
também participaremos indiretamente do nascimento da “Bossa Nova” e da
importância que este movimento teve dentro da sociedade na década de 50 e sua
influência até os dias de hoje, não esquecendo que Vinícius de Moraes através de
sua sensibilidade e paixão pela música deu sua grande contribuição para o sucesso
da Bossa Nova. O último capítulo traz a análise da obra do poeta, mostrando as
faces do amor. Ao final da pesquisa observou-se que o autor, como ele próprio
disse, cantou o “amor de todas as formas”, deixando esse sentimento como um dos
maiores do ser humano.
Palavras Chaves: Poesia – Música – Amor, Vinícius de Moraes
ABSTRACT
This work is going to show the analysis of the poems and compositions of the poet
Vinícius de Moraes, with the main objective of show up the diverse faces of the love
in his work, recognizing its style and its more outstanding characteristics in what
concerns the love. Also we will do a beautiful walk by his life, passing for the decade
of the radio in that was introduced the Brazilian popular song. Inside that movement
also we will participate indirectly of the birth of the "Bossa Nova" and of the
importance that this movement had inside the society in the decade of 50 and his
influence to the days of today, not forgetting that Vinícius of Moraes through its
sensibility and passion by the song gave its big contribution for the success of the
Bossa Nova. The last chapter brings the analysis of the work of the poet, showing
the faces of the love. To the end of the research observed itself that the author, as
he own said, sung the "love of all the forms", leaving that feeling like one of the most
greatest of the human.
Keywords: Poetry – Music – Love, Vinícius de Moraes
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09
2. VIDA E OBRA DE VINÍCIUS DE MORAES .......................................................... 11
3. O MOVIMENTO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA ...................................... 18
4. AS DIVERSAS FACES DA OBRA DE VINÍCIUS DE MORAES .......................... 24
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 40
6. REFÊNCIAS .......................................................................................................... 41
APÊNDICES
ANEXO A .................................................................................................................. 43
ANEXO B .................................................................................................................. 45
9
1. INTRODUÇÃO
Pretende-se mostrar nas páginas deste trabalho a vida e obra do poeta e compositor
Vinícius de Moraes, que foi um dos grandes nomes da música popular brasileira até
hoje. Iremos, no decorrer desta monografia, além de conhecer mais intimamente sua
vida e seu cotidiano com os amigos, vamos ter o prazer de desfrutar suas
magníficas parcerias e suas excelentes obras. Vamos dar um passeio por um dos
movimentos da música popular brasileira que foi a “Bossa Nova” e descobrir a
importância que esse movimento teve para a sociedade na década de 50, além de
reconhecer a influência deste movimento para a música.
Devido seu estilo e suas características literárias marcantes, a obra de Vinícius se
divide em muitas faces, dentre elas a face amorosa, que se amplia no universo do
autor. Neste trabalho analisaremos dentro dos poemas e composições, as diversas
faces do amor na obra do poeta, tendo como objetivo maior, resgatar esse
sentimento que anda perdido nos dias de hoje e mostrar que o amor possui muitas
faces.
Este ano a Bossa Nova completa cinqüenta anos de existência, em meio a tantos
ritmos que nasce dentro da nossa cultura brasileira, esta é uma forma de
homenagear este monstro da literatura e da música popular brasileira que foi
Vinícius de Moraes.
Para o cumprimento do objetivo proposto nos debruçamos em diversas fontes
bibliográficas para um maior e melhor embasamento da idéias aferidas. Nesse
contexto, divide-se este trabalho em três partes: em princípio adentramos a vida e a
obra do autor no intuito de conhecer melhor suas facetas literárias e ao mesmo
tempo apresentá-lo a quem possa interessar. Num segundo momento, buscamos
um pouco da história da música brasileira para saber como se dão os movimentos
musicais e o que significa Bossa Nova, movimento, no qual está inserido o poeta.
Finaliza-se o trabalho com uma viagem pela poesia de Vinícius de Moraes,
buscando interpretar as diversas faces do amor na poética do autor.
10
Dessa forma, esperamos que este trabalho possa contribuir para um melhor
conhecimento e entendimento da obra desse autor, ao mesmo tempo em que se
oferece um deleite literário através de sua poesia.
11
2. VIDA E OBRA DE VINÍCIUS DE MORAES
Este trabalho pretende investigar a obra poética de Vinícius de Moraes no intuito de
observar uma de suas faces, talvez a mais evidente, a sua face amorosa. No entanto,
apesar de ser um poeta já bastante conhecido, há alguns fatos curiosos sobre sua
vida que merecem ser vistos, por isso começaremos a pesquisa com fatos sobre sua
biografia.
No dia 19 de outubro, de 1913, em meio a um forte temporal, nasce Vinícius de
Moraes, na cidade do Rio de Janeiro, filho de Lydia Cruz de Moraes e Clodoaldo
Pereira da Silva Moraes, também sobrinho do poeta cronista, Mello Moraes Filho e
neto do historiador Alexandre José de Mello Moraes. Vinícius passa uma boa parte de
sua infância em Botafogo onde também nasce seu irmão Helius e sua irmã, Lygia.
Eles vão estudar na escola primária Afrânio Peixoto, localizada na Rua da Matriz.
Vinícius muda-se com a família para Rua Real Grandeza nº 130, lá conhece várias
garotas e começa a namorar, é batizado na maçonaria a pedido de seu avô. Também
residiu com a família na Rua Voluntário da Pátria, onde aconteceu um acidente, uma
bomba foi jogada nas proximidades de sua casa, sua família transferiu-se para Ilha do
Governador, na praia de Cocotá, onde o poeta gozou suas férias. Sobre esse assunto
José Castello afirma que:
A família terá outros três endereços em Botafogo: sempre
casas de um pavimento, as janelas debruçadas sobre a rua, a
vida concentrada numa área interna cercada por clarabóias ou,
extremo oposto, num porão obscuro. Residências típicas dessa
sombra do Rio antigo que Botafogo soube conservar. (1997:
p.34)
Vinicius fez sua primeira comunhão em 1923 na Igreja Matriz, também iniciou o curso
secundário no colégio Santo Inácio, participava do coral da igreja e fez grandes
amizades com Moacyr Veloso Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia este, sobrinho
de Raul Pompéia, com os quais escreveu um livro chamado Épico inspirado nos
acadêmicos. Daí por diante ele começou a participar de festivais escolares seja
cantando ou atuando em peças.
Em 1927 o poeta forma, com os amigos Paulo e Haroldo Tapajoz, um conjunto
musical que atua em festas escolares e em casas de família. Em 1928 Compõe
12
Loura ou Morena e Canção da Noite que alcança grande sucesso popular. Sobre
isso Castello diz:
Vinícius se inspirará em Kierkegaard no momento de batizar seu livro
O caminho para a distância, impressionado pela tese do pensador
dinamarquês de que o desespero é apenas um reflexo da distância
de Deus. (1997: p.67)
Forma-se em Bacharelado em letras, no Colégio Santo Inácio e se muda novamente
para Rua Lopes Quintas. Em 1930 entra na faculdade de Direito, sem nenhuma
vocação especial, defende uma tese falando a respeito da vinda Dom João VI e faz,
mais uma vez, grandes amizades no centro acadêmico. Entra para o centro de
preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), forma-se em Direito em 1933 com ajuda
do amigo Otávio de Faria e pública seu primeiro livro, O caminho para a distância,
editora Schimidt.
Em 1936 conhece Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, dos quais se
torna amigo, pública o poema “Ariana, a mulher” que é censurado. Vinícius ganha
uma bolsa do conselho Britânico para estudar na Inglaterra, Literatura Inglesa, na
Universidade de Oxford (Magdalen College), ele parte em agosto de 1938. Trabalha
no programa brasileiro da BBC, conhece Augusto Frederico Schimidt e Jayme Ovalle.
Vinícius é flechado pelo cúpido e casa-se com Beatriz Azevedo de Mello, sai da
Inglaterra com a explosão da segunda guerra mundial, vai a Lisboa onde encontra
seu amigo, Oswald de Andrade com quem viaja para o Brasil. De acordo com José
Castello:
Vinícius e Tati estão de volta ao Rio. Continuam mantendo contato
com o casal Oswald de Andrade. O poeta se encanta com Tati
(Beatriz) e a enche de gentilezas. Ao lhe dar, um dia, o exemplar de
luxo número 247 da edição limitada em 299 exemplares de seu
Primeiro caderno de poesia, de 1929, Oswald de Andrade, com seu
gosto pelo chiste e pelos jogos de palavras, autografa: “Pra ti, Tati,
ta!”. (1997: p.110)
Em 1940, em São Paulo, nasce sua primeira filha Suzana, em São Paulo, passa uma
boa temporada próximo ao amigo Mário de Andrade. Começa a fazer um jornalismo
sério como crítico e cinematográfico, com ajuda dos seus colaboradores e amigos,
13
Rineiro Couto, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Afonso Arinos de Melo Franco,
sob a orientação de Múcio Leão e Cassiano Ricardo, como afirma Castello:
O pequeno apartamento da Rua das Acácias vive cheio de amigos.
Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Rubem Braga e Sérgio Porto estão
entre os mais assíduos. Os artistas plásticos, de quem o poeta se
aproximou por intermédio de Aníbal Machado, como Di Cavalcanti e
Cícero Dias, entram e saem á vontade. É o tempo também em que
Vinícius se junta aos quatro mosqueteiros mineiros que o seguirão
pelo resto de seus dias: Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Paulo
Mendes Campos e Otto Lara Resende. Pela ordem crescente,
figuras decisivas na vida do poeta. (1997: p.114)
Vinícius torna-se Diplomata do Itamarati a convite de Juscelino Kubitschek, chefia
uma caravana de escritores brasileiros para Belo Horizonte. Seu leque de amizades
se estendeu tanto que partia da roda literária, a artistas e arquitetos, com grandes
nomes como Oscar Niemeyer.
Vinícius faz muitas publicações entre os anos de 1943 e 1944, são as Cinco Elegias
em edição mandada fazer por Manoel Bandeira, Anibal Machado e Otávio de Faria.
Também lança vários livros de seus amigos Oscar Niemeyer e Pedro Nava, Pública
desenhos artísticos de artistas pouco conhecidos, colabora como crítico de cinema
em vários jornais e revistas.
Em 1945 sofre um acidente de avião, Vinícius passa cinco anos em Los Angeles,
como vice-cônsul, pública em edição luxo Poemas, Sonetos e Baladas. Em 1947 em
Los Angeles, estuda cinema com Orson Welles e Greg Toland, também Produz com
Alex Viany a revista Film, que logo em seguida João Cabral de Mello Neto pública em
Barcelona, na edição de cinqüenta exemplares o Poema “Pátria Minha”.Viajando
para o México para fazer uma visita a Pablo Neruda, gravemente enfermo, conhece o
pintor David Siqueira e reencontra seu grande amigo Di Cavalcanti, depois retorna ao
Brasil com a morte de seu pai Clodoaldo.
Casa-se pela segunda vez com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli, visita, fotografa e filma
com seus primos, Humberto e José Francheschi, as cidades mineiras que compõem o
roteiro de Aleijadinho, falando da vida e obra do artista. É nomeado delegado no
festival de Punta Del Leste e em seguida parte para Europa, começa a trabalhar na
14
organização dos festivais de Cannes, Berlim, Locarno e Veneza. No sentido de
realizar um festival de cinema em São Paulo.
Em Paris conhece seu tradutor francês Jean Georges Ruell, com quem trabalha na
tradução de suas Cinco Elegias. Nasce sua filha Georgina, Vinicius faz mais uma
edição de seu livro Cinco Elegias só que em francês com a ajuda de Pierre Seghers,
torna-se amigo do cubano Nicolas Guillen.
Em 1953 além do nascimento de Georgiana, Vinicius compõe seu primeiro samba,
música e letra. “Quando tu passa por mim”. Faz diversas crônicas de vanguarda e
parte para Paris como segundo secretário da Embaixada. Em 1954 sai seu novo livro
Antologia Poética, a revista Anhembi pública sua peça Orfeu da Conceição
premiada no concurso de teatro do IV centenário do estado de São Paulo.
Compõe em Paris várias canções juntamente com o Maestro Cláudio Santoro,
começa a trabalhar no roteiro do seu filme Orfeu Negro. Retorna ao Brasil junto com
o produtor Sasha Gordine para pedir financiamento para a produção do filme, não
conseguindo regressa a Paris. Já no ano de 1956 retorna ao Brasil em gozo de
licença-prêmio, nasce sua terceira filha Luciana, nessa época recebe um convite de
Jorge Amado para trabalhar no quinzenário e lança o poema “O operário em
Construção”. Também deu ensejo nos trabalhos do filme Orfeu Negro e na produção
de sua peça Orfeu da Conceição, no teatro municipal, que aparece também em
edição comemorativa de luxo, ilustrada por Carlos Scliar. Convida Antônio Carlos
Jobim para fazer a música do espetáculo, iniciando com ele uma grande parceira e
uma bela amizade, logo depois convidaram o violonista João Gilberto que daria o
inicio ao movimento de renovação da música popular brasileira denominado de
Bossa Nova. É Transferido da embaixada em Paris para a Delegação do Brasil junto
à UNESCO. Também vai para Montevidéu, regressando, em trânsito ao Brasil.
Pública a primeira edição de seu Livro de Sonetos, em edição de livros de Portugal.
Sobre seu trabalho com Jobim Castello diz:
A parceria com Antônio Carlos Jobim, iniciada sob a gerência
espiritual de Orfeu, serve de marca definitiva para uma virada na
carreira do poeta. O inspirado Tom desloca a atenção de Vinícius do
silêncio e da atmosfera reservada própria à poesia e a dirige para o
15
cenário mais amplo e arejado da música popular. O poeta se torna
um cantador. Um show-man esperto e insinuante, a capitanear a
nova geração de grandes letristas que nasce com a Bossa Nova.
(1997: p.186)
Em 1958 sofre um grave acidente de automóvel, casa-se pela terceira vez com Maria
Lúcia Proença. Sai o LP Canção do Amor Demais, com músicas suas e de Tom
Jobim, cantadas por Elizete Cardoso. Nesse disco escuta-se pela primeira vez a
batida da Bossa Nova e do violão de João Gilberto, uma parceria inesquecível com a
explosão do sucesso “Chega de Saudade” o marco inicial desse movimento. Em
1959 sai o LP “Por Toda Minha Vida”, com canções suas e do amigo Tom, cantadas
por Lenita Bruno. O Filme ”Orfeu Negro” ganha a Palme d`Or do Festival de Cannes e
o Oscar de Hollywood, como melhor filme estrangeiro do ano. Lança seu livro Novos
Poemas II, casa sua filha Susana. Ainda segundo Castello:
A ida de Vinícius para o cargo de vice-cônsul do Brasil em
Montevidéu afasta bastante os dois parceiros. O amor enlouquecido
por Lucinha, mais ainda. Em 61, Vinícius passa a dividir sua alma
musical com um novo companheiro: Carlos Lyra. Logo surge em vida
outro nome que o acompanhará numa guinada importante rumo às
raízes africanas da música popular brasileira: o violonista Baden
Powell. A fidelidade a Tom é rompida. (1997: p.221)
Orfeu Negro é traduzido em Italiano pela Academia Editrice de Milão. Também
começa a compor com Baden Powell, dando inicio ao Afro-Sambas entre os quais
estão os sucessos “Berimbau e Canção de Ossanha”. Vinícius compõe com Carlos
Lyra as canções “Podre menina rica, Garota de Ipanema, Samba da benção” que
acabaram virando um belo espetáculo. O show foi na boate “Au Bom Gourmet”,
onde também cantou com o grande compositor Ari Barroso. Sobre isso afirma
Castello que:
O musical conta a História de amor de uma menina rica com um
mendigo poeta. Os dois vivem um amor fogoso até que, um dia, o
mendigo poeta herda uma fortuna de seu amigo Num-Dou, um ricaço
que vivia disfarçado de homem miserável. Diante da súbita riqueza
de seu amado, a podre menina rica se desinteressa dele. O musical
é uma espécie de West Side Story da Bossa Nova. (1997: p.226-227)
16
Em 1964 faz show de grande sucesso com o amigo Dorival Caymmi, lançando
Quarteto em Cy, do show é feito um lindo LP. Lança a primeira edição de “Para viver
um grande amor” livro de crônicas e poemas. Mas o mistério dos seus amores ainda
causa comentário, no entanto Castello afirma que:
Ex - ou futuras mulheres de Vinícius terminarão por reconhecer, mais
tarde, que Lucinha Proença foi, de fato, seu grande amor. A prova
talvez esteja-nos próprios escritos de Vinícius de Moraes. (1997: p.
233)
Diante dessa afirmação é possível concordar com a opinião do autor por meio de
tantos poemas e declarações feitos a Lucinha, Vinícius tem um amor eternizado pela
sua musa inspiradora, que carrega até o último dia de sua vida. Vinícius ganha o
primeiro e segundo prêmio do festival de música popular de São Paulo, da TV Record
em canções de parceria com Edu Lobo e Baden Powell.Parte para Paris para
escrever o roteiro de seu filme “Arrastão”, em seguida discute com o diretor e retira
suas músicas do filme. De Paris voa para Los Angeles no intuito de encontrar seu
amigo, Tom Jobim, depois de algum tempo muda-se de Copacabana para o Jardim
Botânico, começa um novo trabalho com o diretor Lean Hirszman do cinema novo
escrevendo o roteiro do filme Garota de Ipanema.
Em 1966 são feitos documentários sobre a vida do poeta, para as redes de televisão
Americanas, Alemã, Italiana e Francesa. Também foi realizado o lançamento do seu
livro de crônicas “Para uma menina com uma flor, Samba da benção” foi incluída
em versão do compositor e ator Pierre Barouh, no filme “Um homme...une femme”,
que foi vencedor do Festival de Cannes do mesmo ano. Lançou pela editora Sabiá, a
sexta edição de Antologia poética e a segunda de seu livro de sonetos em versão
aumentada. Em 1968 falece sua mãe, no dia 25 de fevereiro. Também traduzida para
Italiano sua Obra Poética, pela companhia José Aguilar Editora. É exonerado do
Itamarati por volta de 1969 e casa-se com Cristina Gurjão. Passados dois anos, se
encanta pela linda baiana Gesse Gessy e casa-se pela sétima vez, tem uma filha por
nome de Maria e inicia uma parceria com seu amigo “paulistinha” Toquinho.
17
Em 1971 muda-se para Bahia e passa alguns dias na Itália, a trabalho, retorna da
Itália com seu amigo Toquinho e gravam junto o LP “Per vivere um grande amoré”.
Em 1973 Pública “A Pablo Neruda”, trabalha no roteiro do filme não concretizado
“Polichinelo”. Em 1975 Vinícius dá uma de turista e faz uma bela excursão pela
Europa e grava com Toquinho dois discos na Itália. Escreve letras de “Deus lhe
pague” em 1976 com parceria de Edu Lobo e casa-se pela oitava vez com Marta
Rodrigues Santamaría.
Em 1977 grava um LP com Toquinho em Paris, faz um show com Miúcha, Toquinho e
Tom, no Canecão. Em 1978 casa-se com Gilda de Queirós Mattoso, a qual conhece
em uma dessas viagens a Paris. Em 1979 é homenageado em Leitura no Sindicato
de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo a convite do Líder Luis Inácio da Silva
(Lula), no mesmo ano, voltando da Europa, sofre um derrame cerebral dentro do
avião.
Vinícius de Moraes nos deixou na manhã do dia 9 de junho, em que se encontrava na
companhia do grande parceiro Toquinho e sua companheira Gilda, o Brasil perde o
pai da Bossa Nova, um apaixonado, aquele que traduzia cada sentimento seu com
intensidade e poesia. Um homem para quem o sofrimento era apenas um intervalo
entre duas felicidades.
18
3. O MOVIMENTO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Como já foi enfatizado no trabalho, a pretensão é observar a obra de Vinícius de
Moraes, no entanto o poeta não se restringiu apenas a poesia, ele também foi
compositor e cantor, sua relação com a música foi muito forte, através de suas
composições se lançavam cantores vários cantores que fazem sucesso até hoje
como é o caso de Toquinho.
Vinícius, também, foi um dos responsáveis por um dos movimentos musicais muito
importantes no Brasil e que também trazia fusão cultural rítmica. Daí a importância
de conhecer melhor a música brasileira para entender melhor o trabalho do autor e
de como se formaram os ritmos brasileiros.
Os movimentos musicais brasileiros se iniciaram no século XVIII por volta de 1730,
quando em Salvador e Rio de Janeiro começa o progresso colonial, só que é por
volta do século XIX que a música entra como forma de expressão urbana dentro dos
sons indígenas, negros e portugueses e veio à junção dos ritmos de grande
significação na formação da cultura musical brasileira. A música representa para o
povo a função social e política nos diferentes momentos históricos passados na
sociedade. No Brasil, em todos esses momentos, a música marca uma época
registrando fatos importantes, estilos e tendências musicais.
Segundo Mário de Andrade (1987) o ritmo o cateretê, de origem tupi, tendo uma
forte influência negra no aspecto dançante. Pelas pesquisas historiográficas pouco
se registrou deste ritmo, pois os jesuítas chegaram para quebrar esse ritmo, devido
à bagagem cultural que eles estavam trazendo, foi então que surgiu o canto
gregoriano por volta de 1650, foi a partir daí que esses dois ritmos se fundiram e
percebemos o quanto a música pode se tornar a união de povos tão distintos,
também tendo nascido na época uma responsabilidade política e social.
De acordo com Mário de Andrade (1987) Lundu foi outro ritmo negro que se
misturou com o ritmo indígena e logo depois passou a sofrer preconceitos por alguns
pesquisadores pela forma de dançar, era uma mistura de sapateado, batuques,
19
remelexos dos quadris e a umbigada. Chegou a um tempo em que a igreja foi sendo
mais receptiva. Para Mário de Andrade mascarava sem dúvida um desejo implícito
de desfrutar dessa sensualidade. Muitas influências vêm acrescentar a nossa raça
misturada que faz de nós, brasileiros, fortes na musicalidade.
Von Weech (1987) afirma que “A musicalidade é inata no povo do Brasil “e lamenta
nossa ignorância e leviandade, que irão nos deixar completar estudos musicais
sérios e nos levar a fazer música quase como canários. Podemos observar que essa
musicalidade é real e que os frutos do povo inculto são maiores que na música
erudita.
Diante do que Mário de Andrade (1987) fala a música popular brasileira nasceu do
acolhimento, moldando formas, desconstruindo antigos estilos e fecundando sempre
uma nova criação. A partir daí, nasceram novas manifestações tão variadas que
confundem, até mesmo, os estudiosos. Os ritmos mais conhecidos são a toada, o
romance de caráter rural, a modinha, o maxixe, o cateretê, lundu, a valsa, o samba,
o bumba-meu-boi (Nordeste) boi bumbá (Amazônia) reisados de natal, os
caboclinhos e os maracatus de carnaval. Esses ritmos todos fazem sucesso,
principalmente, pela diversidade de instrumentos que são: a viola, sanfona, o ganzá,
o violão a flauta, o clarinete, o reco-reco e até mesmo o saxofone.
Segundo Mário de Andrade (1987) a serenata é de caráter noturno e popular,
geralmente, realizada ao relento. Já o choro no geral tem junção de uma pequena
orquestra com instrumentos de solo. A feitiçaria é a mistura da canção e da dança
que nasceu com a influência africana do candomblé, macumba, xangô e se
consolidou no século XIX e continuaram até hoje.Podemos citar nomes importantes
nas modinhas Xisto Baia, Mussurunga nos maxixes, Ernesto Nazaré de caráter
carioca e Marcelo Tupinambá, Donga, Sinhô, Noel Rosa e muitos outros que viraram
figuras contemporâneas.
Na década de 1910, diante dos conflitos de guerra, nasceram tendências, que vão
de encontro à estética Europa, o Brasil passava por muitas mudanças entre elas das
artes, foi aí que surgiu o movimento modernista no Brasil, o movimento cujo
20
interesse era desestruturar o modelo de perfeição existente na época ditado pelos
europeus.
O movimento foi evidenciado por um grupo de jovens artistas que queriam chocar a
sociedade paulistana de 1910, criticando a burguesia e os interesses de guerra,
contra a ditadura nazi-fascista, criticando friamente o governo de Getúlio Vargas,
fazendo pressão para sua renúncia, através das artes de um modo geral. Foram
eles Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade e
Monteiro Lobato, que anunciaram as novas idéias artísticas.
Em Fevereiro de 1917, em São Paulo, acontece a Semana da Arte Moderna no
teatro municipal, sendo um marco na história do Brasil. Por terem sido criticados
pelo público, que reagiu mal e a imprensa que criticou maciçamente, houve a
necessidade de ser criado um espaço para manifestações artísticas contrárias, daí
surgiram as revistas Terra Roxa e Antropofagia em 1928.
A arte moderna abriu portas para estilos futuristas, expressionistas, românticos,
naturalistas e nacionalistas, fazendo uma verdadeira salada mista chamada de
“anos loucos”, esse movimento acabou ganhando o mundo inteiro, através dos
poemas e pinturas dos grandes artistas da época que por sua vez se estenderam
por várias gerações de novos artistas.
Esses aspectos ficam mais evidentes na música quando, além das novas idéias e
ideais musicais vai haver também um resgate, do passado em termos de gêneros,
ou seja, com a virada do século, os artistas são influenciados também pela
necessidade de alguns ritmos do passado como lundu, cateretê, maxixe e outros
ritmos que estão chegando.
Com a junção desses ritmos chegou o samba de Noel Rosa, Cartola, Carmem
Miranda e o romantismo de Nelson Gonçalves. Tudo, praticamente, deu início com a
chegada do rádio na década de 1922, trazido por Edgard Roquete Pinto, durante a
comemoração do centenário da independência, realizado no Corcovado, Rio de
Janeiro. Nasce a rádio sociedade que aos poucos foram sendo imbuídos vários tipos
de tecnologia que, para época já era um ótimo avanço. Foi rompido o elitismo da
21
época e a inovação em não mostrar somente notícias de guerra mas sim da um
entretenimento para a sociedade. Daí chegavam às canções no rádio e com elas,
belas vozes como de Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Emilinha
Borba entre outros.
Segundo Rocha (2006) na década de 1930, vem um furacão por nome de Carmem
Miranda que junto com seus músicos que formavam a denominada “banda da lua”
cantava “O que é que a baiana tem?”. Com seu remelexo e suas roupas
extravagantes conquistou o Brasil, Carmem não era brasileira mais se considerava
tal, fez tanto sucesso que foi parar nas telas de Hollywood e levou seu samba para o
mundo inteiro ouvir.
De acordo com Murgel (2003) na década de 1930 também nasce outro grande
interprete, Cartola que, com seus amigos do morro da Mangueira, faz samba de
malandro. Cartola como era conhecido por causa do chapéu que o protegia contra o
cimento que caia em sua cabeça, quando era servente de obra. Cartola tem o
samba nas veias, mas diante de discussões com seus camaradas, acaba sumindo
de cenário, deixando o samba “Chega de Demanda” cantado na verde e rosa
Estação primeira de Mangueira.
Segundo Murgel (2003), outro grande nome do samba foi Noel Rosa que também
fez sucesso na década de 1940, Noel era rapaz tímido e recatado, deixou a
Medicina para ser sambista que, por sinal, foi uma ótima escolha, tinha inspiração
para qualquer hora e criou vários sambas entre eles “Com que roupa eu vou”, que
fez muito sucesso no carnaval da época. Também tinha uma rixa na época com
Wilson Batista. Trocavam farpas através da música.
O sucesso do rádio foi aumentando e com ele vieram as novelas. No dia 5 de junho
de 1941 estreava a novela “Em Busca da Felicidade”, um vento de emoção varreu o
país de Norte a Sul. Era a primeira história radiofônica da época, cheia de efeitos
especiais e com muitas propagandas, entre elas os produtos Colgate.
Murgel (2003) afirma que Juntamente com essa grande audiência, entra no rádio
uma voz inigualável que por insistência acaba vencendo e entrando no mundo da
22
música. Nelson Gonçalves, o saudoso Boêmio que, apesar de ser gago como seus
amigos o chamavam, tinha uma voz aveludada e cantava num ritmo romântico,
bolero e tango. Nelson fez muito sucesso na época, mas houve um tempo que
declinou devido a sua separação e só veio gravar novamente já na década de 1970,
fez novas parcerias com artistas da MPB da nova geração até os anos 1990.
Essa face da música popular brasileira foi muito rica, pois saiu do samba tradicional
de batuque, para o samba de mesa. De repente, misturou o samba com a melodia
mais lenta e romântica, que foi se ajustando nos lugares menos esperados e
nascendo um novo ritmo que parecia ser mais lento do que o normal, que dava
sono, nostalgia, era ela que vinha, a Bossa Nova, como uma onda que ganhava
ritmo e leveza, traduzida na voz de grandes intérpretes entre eles o apaixonante
Vinicius de Moraes.
Em meados de 1940 a 1950 Vinícius estourou com o ritmo da Bossa Nova, ritmo
esse que fala de amor, amizade que retrata bem os momentos do poeta em cada
criação sua. Vinícius, o poeta da paixão encontra pelo caminho parceiros, que se
tornaram verdadeiros amigos entre eles estão Antônio Carlos Jobim e Toquinho.
Vinícius de Moraes já surgiu como um poeta moderno, pela estilística
e estrutura de sua poesia, sem, contudo, jamais ter sido um
modernista. Apareceu numa época em que o Modernismo tinha
superado a sua primeira fase, mais destrutiva e negativa do que
construtiva e, propriamente, criadora: A que já se denominou de
descoberta ou ciclo da terra. Estava-se em plena fase da
redescoberta da pessoa e do espírito, desde o aparecimento de
Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e da
ruptura total com o período anterior, realizada, declarada e
acintosamente, por Augusto Frederico Schmidt, com sua denúncia da
poesia do pitoresco geográfico, social ou histórico. (Cruz, 1957).
Suas características estéticas eram incríveis, pois ele fez um resgate na música
popular brasileira jamais vista naquela época, buscou primeiramente o romantismo
trovadoresco nos compassos mais lentos e ousou ir além, foi nas raízes africanas e
enfeitou o samba criando um novo ritmo o afro-samba. Daí por diante tudo era
motivo pra se inventar e inovar na música, com uma bagagem de conhecimento
musical imensa em vários ritmos nacionais e internacionais, foi do Samba a Bossa
Nova. Foi do Jazz ao Bolero e as melodias mais românticas, eis aqui o trabalho de
23
Vinícius de Moraes, o pai da Bossa Nova que esse ano faz cinqüenta anos de
existência. De acordo com Barros:
A palavra “Bossa” era um termo da gíria carioca que, no fim dos anos
cinqüenta, significava jeito maneiro modo. Quando alguém fazia algo
de modo diferente, original, de maneira fácil e simples, dizia-se que
esse alguém tinha “bossa”. Se Ricardo desenhava bem, dizia-se que
tinha bossa de arquiteto. Se Paulo escrevia, redigia bem, tinha bossa
de jornalista. E ai a expressão “Bossa Nova” surgiu em oposição a
tudo o que um grupo de jovens achava superado, velho, arcaico,
antigo. Sem, mas o quê era julgado superado e velho, na música
popular brasileira. Tudo dizia a mocidade bronzeada de Copacabana.
A Bossa Nova veio, realmente, quebrar com todos os paradigmas já existentes na
música popular brasileira, um jeito novo meio carioca, talvez ousado demais para a
época mais que encantou a todos, fez com que nascessem grandes amigos,
grandes encontros.
24
4. AS DIVERSAS FACES DO AMOR DE VINÍCIUS DE MORAES
Vinícius de Moraes é um poeta extremamente intenso no que diz respeito ao amor.
Seu estilo vai do romântico, sensual, patriota, naturalista, espiritualista e fraternal. É
uma verdadeira explosão de emoções e sentimentos que torna sua obra ímpar e
peculiar.
Vinícius de Moraes viveu, praticamente, tudo que escreveu, em meio a seus amigos
e suas paixões era um ser humano apaixonado pela arte de viver, como ele mesmo
falava: “A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”.
Talvez fossem esses encontros e desencontros que o tornaram um dos grandes
nomes da música popular brasileira, ou melhor, o poetinha da Bossa Nova, como os
amigos e a sociedade o chamavam carinhosamente.
A primeira face do Poeta Vinícius é a face social, como diplomata não concordava
com algumas questões políticas no congresso, mas mesmo assim procurava
desabafar através da poesia. Uma delas foi ”Pátria Minha”. Em que o poeta fala:
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho.
Pátria, eu semente que nasci do vento,
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço,
Em contato com a dor do tempo, eu elemento,
De ligação entre a ação e o pensamento,
Eu fio invisível no espaço de todo adeus,
Eu, o sem Deus!
O poeta transmite a sua angústia e a angústia dos amigos, por não poder viver na
sua própria pátria, devido ao exílio. Também retrata claramente o amor e a saudade
que sente por sua terra e a sensação de ser humano perdido, abandonado, sem
chão, sem Deus, sem pensamentos, como igual a um filho sem sua mãe.
Ponho no vento o ouvido, e escuto a brisa,
Que brinca em teus cabelos e te alisa,
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha,
Atento à fome em tuas entranhas,
E ao batuque em teu coração.
25
Composição: Vinícius de Moraes (1947)
O autor nesse fragmento fala de sua pátria como uma mulher que encanta com seus
cabelos e seu perfume e que ele sente a necessidade de deitar no seu seio,
adormecer e sentir o pulsar de seu coração. Vê que o poeta faz uma mistura de
sentimentos envolvendo o amor patriota e o amor maternal.
Tarde em Itapoã
Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar
Depois na praça Caymmi
Sentir preguiça no corpo
E numa esteira de vime
Beber uma água de coco
É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã
Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha
Argumentar com doçura
Com uma cachaça de rolha
E com o olhar esquecido
No encontro de céu e mar
Bem devagar ir sentindo
A terra toda a rodar
É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã
Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz
E o diz-que-diz-que macio
Que brota dos coqueirais
E nos espaços serenos
Sem ontem nem amanhã
Dormir nos braços morenos
Da lua de Itapuã
É bom
Passar uma tarde em Itapuã
26
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã
Composição: Vinícius de Moraes / Toquinho (1971)
Na segunda face, o poeta mostra traços naturalistas no poema Tarde em Itapuã. O
autor descreve, em versos, os dias que passou na praia em Salvador, o poema
reflete também aspectos românticos ao descrever com sutileza detalhes da natureza
como a imensidão mar, o arco-íris, o calor do sol que nos transporta para dentro
desse poema, extremamente saudosista e romântico. Esse mesmo poema tornou-se
uma bela composição cantada na voz de Toquinho.
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça
É ela a menina que vem e que passa
Num doce balanço, caminho do mar
Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, se ela soubesse que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor
Composição: Vinícius de Moraes / Tom Jobim (1967)
Numa outra face do amor o autor mostra seu lado sensual, a composição Garota de
Ipanema foi feita por Vinícius de Moraes e Tom Jobim, que ao vê passar a linda
Heloisa Pinheiro pela praia de Ipanema com seu rebolado, não hesitaram em
transformar aquele momento em poesia. Garota de Ipanema retrata a beleza da
mulher carioca, com seu corpo dourado e escultural, além de ser um poema
naturalista, é romântico quando o poeta a trata como uma musa inspiradora,
mostrando sua face mais sensual. Há quem diga que a verdadeira dona dessa
composição não tenha sido Heloisa Pinheiro.
27
Eu Sei Que Vou te Amar
Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida.
Composição: Tom Jobim / Vinícius de Moraes (1959)
Entre os amores existe também o amor total, existe uma entrega tanto da parceria
quanto do sentimento, esse poema é um dos mais belos feitos pela dupla Tom e
Vinícius. Eu sei que vou te amar é um hino de amor cantado por muitos casais
apaixonados, além de refletir também a intenção maior do amor, seja ele maternal,
seja ele em forma de amizade, ou de um amor perfeito, de um juramento de
fidelidade por toda vida. Essa é a face mais transparente do poeta, pois ele em meio
aos seus amores, sempre se entregava por inteiro.
Eu Não Existo Sem Você
Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você
28
Composição: Vinícius de Moraes / Toquinho (1959)
Vinícius continua falando de amor, de um amor sofredor, que é viver sem seu ser
amado. Retrata claramente que o amor é um sentimento que caminha junto com a
tristeza, que ele não consegue viver sem amar, que o amor só é grande quando é
triste, quando não é correspondido, ou quando se esta longe, que o amor em meio a
suas tantas faces, se mistura com a dor, com o prazer, com a ausência, mas que
nada pode apagar um verdadeiro amor. É um amor que se entrega sem medo de
sofrer e deixa claro que para o sentimento a distância não existe. Na última estrofe
percebe-se comparações do sentimento do eu poético com as causas da natureza.
Mostra-se que um não vive sem o outro, que um precisa do outro para existir, assim
como no universo algumas coisas só existem pela existência de outra como a
nuvem e a chuva.
Insensatez
A insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor
O seu amor
Um amor tão delicado
Ah, porque você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração que nunca amou
Não merece ser amado
Vai meu coração ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade
Vai, meu coração pede perdão
Perdão apaixonado
Vai porque quem não
Pede perdão
Não é nunca perdoado
Composição: Vinícius de Moraes / Toquinho (1975)
Esse é o amor que perdoa, no poema Insensatez o autor descreve uma situação
em que é sofrida uma desilusão amorosa, retrata minuciosamente a dor, o
sofrimento, a falta de amor, a falta de perdão, sentimentos bem extintos em certos
momentos de nossa vida. Observa-se no poema acima um diálogo em que o eu
29
poético fala ao seu coração, como se lhe recriminasse por ter feito sofrer um amor.
Ao mesmo tempo ele mostra-se
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
seu dorso frio é campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Composição: Vinícius de Moraes (1936)
No poema Ariana, aparecem os primeiros sinais de sensualidade e erotismo. O
desejo pela mulher que passa de querer tocá-la, acariciá-la deixam bem claro do
desejo do autor e sua carência. De certa forma o eu poético deixa transparecer seu
desejo por uma forma que a princípio parece inacessível, porém no decorrer do
poema percebe-se a intimidade Teus pêlos leves são como relva boa. “Fresca e
macia”. Porém mesmo assim há uma efemeridade na relação e por isso a o desejo e
o anseio até certo ponto vassalo, trazendo um toque trovadoresco ao poema,
especialmente na primeira estrofe.
Soneto de fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
30
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Composição: Vinícius de Moraes (1959)
No soneto de fidelidade o poeta retrata sua oitava face, a de que o amor é igual a
uma chama, que não pode se apagar, que em tudo deve estar atento igualmente a
um incêndio, pois o amor pode ser finito e infinito e eterno enquanto durar. Observase o sentimento de entrega, de fidelidade, de um amor que se vive intensamente. Na
terceira estrofe, porém o eu poético é formado pelo fluxo da realidade e mostra o
que é inexorável à vida e também a conseqüência do amor que pode ser a solidão.
No entanto o eu poético mostra que o importante é viver o amor e viver
intensamente, uma vez que é infinito “posto que é chama” e como chama uma hora
vai acabar, porém enquanto existir deve ser intenso como se fosse infinito.
Canção Do Amor Demais
Quero chorar porque te amei demais
Quero morrer porque me deste a vida
Oh meu amor, será que nunca hei de ter paz
Será que tudo que há em mim
Só quer sentir saudade
E já nem sei o que vai ser de mim
Tudo me diz que amar será meu fim
Que desespero traz o amor
Eu nem sabia o que era o amor
Agora sei porque não sou feliz
Composição: Antonio Carlos Jobim / Vinícius de Moraes (1958)
Aqui o poeta, mostra um ser desesperado,quer realmente deixar de viver por causa
desse amor, o desespero toma conta de seu pensamento e o faz se sentir um ser
infeliz. Há um romantismo presente na saudade e na infelicidade da solidão. Um eu
poético que “chora” por se sentir impotente diante de um sentimento grande,
inesplicável, confuso com o qual ele não sabe lidar e por isso sofre.
Samba da Benção
Cantado
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
31
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Falado
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Cantado
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Falado
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Cantado
32
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Falado
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Cantado
33
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Composição: Vinícius de Moraes / Baden Powell(1963)
Eis o poeta do samba, o branco mais preto do Brasil, nessa composição junto com
Baden ele fala da alegria que o samba transmite para muitas gerações, que não
existe distinção de cor ou raça, ou mesmo classe social, que na arte da vida o
samba sempre ensina que é melhor ser alegre do que ser triste, que o sorriso é
sempre a melhor coisa que existe, até mesmo na hora de conquistar. O poeta
também fala que o samba é branco na poesia, por ser ele e Baden que estão
compondo o samba, todavia ele é negro no coração, retrata claramente suas raizes
a flor da pele misturada com todo seu misticismo, sua crença nos orixas, seu lado
religioso, amigo, que se reflete em forma de agradecimento a seus companheiros
pelas parcerias feitas e de grande sucesso.
Observa-se, através de uma meta, o fazer poético como mostra a segunda quarta e
quinta estrofe. Observe também, mas na voz a mulher representada, comparada ao
fazer poético na terceira estrofe. A penúltima estrofe mostra a importância da
presença do amor no que se faz. O poema mostra ainda a raiz negra do samba, que
embora tenha muitos aspectos brancos sua essência, seu motivo, seu sangue é
negro.
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
34
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
Composição: Vinícius de Moraes(1959)
Neste soneto o autor descreve a separação de uma forma muito dolorosa, retrata
momentos felizes que se distorcem em determinadas situações, exatamente o que
passamos quando nos deparamos com alguma decepção, seja ela no amor, ou na
amizade. Em um poema recheado de antíteses e paradoxos o poeta canta e
lamenta uma separação.
Pobre Menina Rica
Eu acho que quem me vê, crê
Que eu sou feliz, feliz só porque
Tenho tudo quanto existe
Pra não ser infeliz
Pobre menina tão rica
Que triste você fica se vê
Um passarinho em liberdade
Indo e vindo à vontade, na tarde
Você tem mais do que eu
Passarinho, do que menina
Que é tão rica e nada tem de seu
Eu acho que quem me vê, crê
Que eu sou feliz, feliz só porque
Tenho tudo quanto existe
Pra não ser infeliz
Pobre menina tão rica
Que triste você fica se vê
Um passarinho em liberdade
Indo e vindo à vontade, na tarde
Você tem mais do que eu
Passarinho, do que menina
Que é tão rica e nada tem de seu
Composição: Carlos Lyra e Vinícius de Moraes(1961)
Vinícius, além de falar de uma determinada classe social, ele compara a felicidade a
uma liberdade impossível para algumas pessoas, como no caso da “pobre menina
35
rica”, que é realmente pobre por não ter liberdade de escolha, por não ser livre como
um pássaro, por não escolher seu amor.
Se todos fossem iguais a você
Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre os teus braços e canta
A última esperança
A esperança divina
De amar em paz
Se todos fossem
Iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir, nem sofrer
Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você
Composição: Tom Jobim / Vinícius de Moraes (1956)
Nesse
poema Vinícius e Tom afirmam Se todos fossem iguais a você, que
maravilha seria viver, uma junção de sentimentos de amor, paz, e esperança em que
mesmo que existisse essa possibilidade de todos serem iguais, não iriam existir a
monotonia, a rotina coisas que poderiam atrapalhar o percurso de uma história de
amor.
Minha Namorada
Meu poeta eu hoje estou contente
Todo mundo de repente
Fica olhando, fica olhando
Eu hoje estou me rindo
Nem eu mesma sei de quê
Porque eu recebi
Uma cartinhazinha de você
Se você quer ser minha namorada
Ah! Que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
36
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas estórias de você
E de repente
Me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porquê
Mas se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada prá valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E, talvez, o meu caminho
Seja triste prá você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços, o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois
Composição: Carlos Lyra e Vinícius de Moraes (1966)
Carlos Lyra e Vinícius retratam um sentimento de amor puro e sincero ao falar de
“minha namorada”. Este poema é uma verdadeira canção de amor, que faz da
simples namorada sua grande amada, o poema cresce com as intenções que o
autor descreve esse amor que começa de uma maneira inocente e segue com um
amor mais maduro.
Chega de Saudade
Vai minha tristeza,
e diz a ela que sem ela não pode ser,
diz-lhe, numa prece
Que ela regresse, porque eu não posso Mais sofrer.
Chega, de saudade
a realidade, É que sem ela não há paz,
não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar,
37
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca,
dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim.
Não quero mais esse negócio de você longe de mim...
Composição: Tom Jobim e Vinícius (1958)
Nesse poema, o poeta mostra sua face saudosa, de querer estar perto de alguém,
fala de uma tristeza que não tem fim,de um amor que foi embora, mas que se voltar,
a vida terá mais brilho e que tudo irá mudar, irá tratá-la com mais amor e
carinho,fará agora tudo com mais intensidade.Retrata bem a nossa vida que em
muitos casos só damos valor quando perdemos algo. O poeta usa as repetições das
palavras no intuito de enfatisar seu sentimento, como se reafirmasse a promessa de
como trataria a pesoa amada se ela voltasse.
Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá
O encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus
Me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus
Já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais lararará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor
E só se pode achar
Que a luz dos olhos meus
Precisa se casar
Composição: Vinícius/Tom Jobim (1977)
38
Na décima sétima face o autor falar, de enamorar alguém com o olhar, ele transmite
intensamente através dessa composição do que um olhar é capaz de fazer,
mexendo com nossa razão e sentimento de uma maneira leve e sutil, não
esquecendo de que tudo começa com um simples olhar.
Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
Composição: Vinícius de Moraes / Gerson Conrad
Nesse poema, o autor fala da rosa de uma maneira muito especial, não como uma
simples criação divina, mais como a representação de um sofrimento irreparável,
relembrando as vítimas de Hiroshima, tendo como papel principal o ser mulher, que
foi atingido de várias formas, tanto pela tragédia quanto pela natureza, alterando o
estado natural das coisas e das vidas que jamais serão esquecidas.
Observa-se, no poema que apesar do aspecto social, o lirismo é contundente e o
olhar para o próximo passado pelo poeta salta para um clamor de justiça. Observase o fazer literário, a capacidade poética que permite fazer com que uma tragédia
seja revelada de forma especial e “bonita”. Talvez, justamente a capacidade de amar
que o poeta tinha lhe fez ver essa “rosa”, tão tenebrosa e dizê-la de forma especial
ao leitor.
39
Observa-se que Vinícius cantou o amor de todas as formas possíveis. Há em todos
os poemas um eu poético que se diz, que deseja e mostra seu desejo, seus anseios,
medos e receios do mesmo tempo que mostra-se lúcido e terno.
Percebe-se que apesar de alguns poemas trazerem a saudade e muitas vezes um
grande amor, não há exacerbação de sentimentalismo, ou pieguice, há toda uma
leveza, uma ternura um jeito todo especial de ser e fazer poético.
Numa linguagem acessível, leve, liberta de regras e convenções, Vinícius diz o que
o homem quer dizer e o que a mulher quer escutar. O poeta tem uma vasta obra
poética onde estão inseridos muitos poemas e canções feitos para criança e alguns
poemas que trazem o aspecto social como a “Rosa de Hiroshima”. Porém é no amor
que, sem dúvida, está o seu maior e mais fértil lado poético.
40
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da elaboração desta monografia, foi mostrada a vida e a obra do poeta
e compositor Vinícius de Moraes, um dos grandes nomes da música popular
brasileira. Observou-se um pouco de sua intimidade e a sua importância que ele
teve para música brasileira.
Diante do que foi escrito, observou-se que o autor teve muita influência no
movimento da Bossa Nova, tanto que foi analisada como uma das características
mais marcantes em sua obra musical, uma vez que ele foi um dos principais nomes
do referido movimento.
Buscamos analisar, na obra de Vinícius, tanto na poesia quanto na música, as
diversas faces do amor, no intuito de observar como se revela esse sentimento na
obra do autor. Um dos pontos observados no estudo, é que o amor está presente na
alma do poeta e que esse sentimento, inerente ao ser humano e aguçado em
Vinícius, é que foi o tempo todo, o elemento motriz para sua obra literária.
O amor esse grande sentimento, em que na verdade o poeta não amava somente as
mulheres, mais sim o amor, ele amava amar, seja em circunstâncias felizes ou
tristes. Vinícius no decorrer deste trabalho nos dá uma lição de vida de que nunca é
tarde para amar, independente de idade, classe ou cor o amor está presente no ser
humano. Em que devemos viver a vida intensamente como se fosse o último dia e
que nós seres humanos devemos nos dá sempre uma nova chance de recomeçar e
ser feliz.
A conclusão a que se chega é que o sentimento do amor realmente possui inúmeras
faces, que apesar de ser um sentimento complexo, ele é universal, atemporal e que
ainda vale a pena amar.
41
6. Referências
Barros, Sóstenes Pernambuco Pires. O que é ‘Bossa’? Porque ‘Bossa Nova’?
Onde,
quando
e
como
tudo
começou?
Disponível
em
<www.almacarioca.com.br/mpb>. Acesso em 30/08/2008.
Castelo, José. O poeta da Paixão. 2º Ed. São Paulo: Companhia das letras, 1994.
Chico Buarque entrevista em DVD Vinícius de Moraes. Paramount, 2005.
Cruz, Luiz Santa. O soneto na poesia de Vinicius de Moraes. Disponível em
<http://www.casadobruxo.com.br/poesia/v/vinicius182.htm>. Acesso em 05/09/2008.
Enciclopédia da Música Brasileira. Vinícius de Moraes. Disponível
<www.mpbnet.com.br/musicos/vinicius.de.moraes>. Acesso em 20/08/2008.
em
Fernandes, Vagner. Eterno Vinicius: o poeta, que completaria hoje 90 anos,
recebe
homenagem
de
amigos
e
admiradores.
Disponível
em
<www.casadobruxo.com.br/poesia/v/esp_vmjb00.htm>. Acesso em 03/09/2008.
Andrade, Mário. Pequena história da música. 2º ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.
Murgel, Carô. Cartola. Disponível em <www.mpbnet.com.br/musicos/cartola/>.
Acesso em 20/08/2008.
42
Murgel,
Carô.
Nelson
Gonçalves.
Disponível
<www.mpbnet.com.br/musicos/nelson.gonçalves>. Acesso em 20/08/2008.
em
Murgel, Carô. Noel Rosa. Disponível em <www.mpbnet.com.br/musicos/noel.rosa/>.
Acesso em 20/08/2008.
Rocha,
Tatiana.
Carmem
Miranda.
Disponível
<www.mpbnet.com.br/musicos/carmem.miranda/>. Acesso em 20/08/2008.
em
Squeff, Enio & Wisnik, José Miguel. Música: O Nacional e o Popular na Cultura
Brasileira. 2º Ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
43
APÊNDICES
ANEXO A
Pátria minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
44
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."
45
ANEXO B
Ariana, a mulher
Quando, aquela noite, na sala deserta daquela casa cheia da montanha em torno
O tempo convergiu para a morte e houve uma cessação estranha seguida de um debruçar
do instante para o outro instante
Ante o meu olhar absorto o relógio avançou e foi como se eu tivesse me identificado a ele e
estivesse batendo soturnamente a Meia-Noite
E na ordem de horror que o silêncio fazia pulsar como um coração dentro do ar despojado
Senti que a Natureza tinha entrado invisivelmente através das paredes e se plantara aos
meus olhos em toda a sua fixidez noturna
E que eu estava no meio dela e à minha volta havia árvores dormindo e flores desacordadas
pela treva.
Como que a solidão traz a presença invisível de um cadáver – e para mim era como se a
Natureza estivesse morta
Eu aspirava a sua respiração ácida e pressentia a sua deglutição monstruosa mas para mim
era como se ela estivesse morta
Paralisada e fria, imensamente erguida em sua sombra imóvel para o céu alto e sem lua
E nenhum grito, nenhum sussurro de água nos rios correndo, nenhum eco nas quebradas
ermas
Nenhum desespero nas lianas pendidas, nenhuma fome no muco aflorado das plantas
carnívoras
Nenhuma voz, nenhum apelo da terra, nenhuma lamentação de folhas, nada.
Em vão eu atirava os braços para as orquídeas insensíveis junto aos lírios inermes como
velhos falos
Inutilmente corria cego por entre os troncos cujas parasitas eram como a miséria da vaidade
senil dos homens
Nada se movia como se o medo tivesse matado em mim a mocidade e gelado o sangue
capaz de acordá-los
E já o suor corria do meu corpo e as lágrimas dos meus olhos ao contato dos cactos
esbarrados na alucinação da fuga
E a loucura dos pés parecia galgar lentamente os membros em busca do pensamento
Quando caí no ventre quente de uma campina de vegetação úmida e sobre a qual afundei
minha carne.
Foi então que compreendi que só em mim havia morte e que tudo estava profundamente
vivo
Só então vi as folhas caindo, os rios correndo, os troncos pulsando, as flores se erguendo
E ouvi os gemidos dos galhos tremendo, dos gineceus se abrindo, das borboletas noivas se
finando
E tão grande foi a minha dor que angustiosamente abracei a terra como se quisesse
fecundá-la
Mas ela me lançou fora como se não houvesse força em mim e como se ela não me
desejasse
E eu me vi só, nu e só, e era como se a traição tivesse me envelhecido eras.
Tristemente me brotou da alma o branco nome da Amada e eu murmurei – Ariana!
E sem pensar caminhei trôpego como a visão do Tempo e murmurava – Ariana!
E tudo em mim buscava Ariana e não havia Ariana em nenhuma parte
Mas se Ariana era a floresta, por que não havia de ser Ariana a terra?
Se Ariana era a morte, por que não havia de ser Ariana a vida?
46
Por que – se tudo era Ariana e só Ariana havia e nada fora de Ariana?
Baixei à terra de joelhos e a boca colada ao seu seio disse muito docemente – Sou eu,
Ariana...
Mas eis que um grande pássaro azul desce e canta aos meus ouvidos – Eu sou Ariana!
E em todo o céu ficou vibrando como um hino o muito amado nome de Ariana.
Desesperado me ergui e bradei: Quem és que te devo procurar em toda a parte e estás em
cada uma?
Espírito, carne, vida, sofrimento, serenidade, morte, por que não serias uma?
Por que me persegues e me foges e por que me cegas se me dás uma luz e restas longe?
Mas nada me respondeu e eu prossegui na minha peregrinação através da campina
E dizia: Sei que tudo é infinito! – e o pio das aves me trazia o grito dos sertões
desaparecidos
E as pedras do caminho me traziam os abismos e a terra seca a sede na fontes.
No entanto, era como se eu fosse a alimária de um anjo que me chicoteava – Ariana!
E eu caminhava cheio de castigo e em busca do martírio de Ariana
A branca Amada salva das águas e a quem fora prometido o trono do mundo.
Eis que galgando um monte surgiram luzes e após janelas iluminadas e após cabanas
iluminadas
E após ruas iluminadas e após lugarejos iluminados como fogos no mato noturno
E grandes redes de pescar secavam às portas e se ouvia o bater das forjas.
E perguntei: Pescadores, onde está Ariana? – e eles me mostravam o peixe
Ferreiros, onde está Ariana? – e eles me mostravam o fogo
Mulheres, onde está Ariana? – e elas me mostravam o sexo.
Mas logo se ouviam gritos e danças, e gaitas tocavam e guizos batiam
Eu caminhava, e aos poucos o ruído ia se alongando à medida que eu penetrava na savana
No entanto era como se o canto que me chegava entoasse – Ariana!
E pensei: Talvez eu encontre Ariana na Cidade de Ouro – por que não seria Ariana a mulher
perdida?
Por que não seria Ariana a moeda em que o obreiro gravou a efígie de César?
Por que não seria Ariana a mercadoria do Templo ou a púrpura bordada do altar do
Templo?
E mergulhei nos subterrâneos e nas torres da Cidade de Ouro mas não encontrei Ariana
Às vezes indagava – e um poderoso fariseu me disse irado: – Cão de Deus, tu és Ariana!
E talvez porque eu fosse realmente o Cão de Deus, não compreendi a palavra do homem
rico
Mas Ariana não era a mulher, nem a moeda, nem a mercadoria, nem a púrpura
E eu disse comigo: Em todo lugar menos que aqui estará Ariana
E compreendi que só onde cabia Deus cabia Ariana.
Então cantei: Ariana, chicote de Deus castigando Ariana! e disse muitas palavras
inexistentes
E imitei a voz dos pássaros e espezinhei sobre a urtiga mas não espezinhei sobre a cicuta
santa
Era como se um raio tivesse me ferido e corresse desatinado dentro de minhas entranhas
As mãos em concha, no alto dos morros ou nos vales eu gritava – Ariana!
E muitas vezes o eco ajuntava: Ariana... ana...
E os trovões desdobravam no céu a palavra – Ariana.
E como a uma ordem estranha, as serpentes saíam das tocas e comiam os ratos
Os porcos endemoninhados se devoravam, os cisnes tombavam cantando nos lagos
47
E os corvos e abutres caíam feridos por legiões de águias precipitadas
E misteriosamente o joio se separava do trigo nos campos desertos
E os milharais descendo os braços trituravam as formigas no solo
E envenenadas pela terra descomposta as figueiras se tornavam profundamente secas.
Dentro em pouco todos corriam a mim, homens varões e mulheres desposadas
Umas me diziam: Meu senhor, meu filho morre! e outras eram cegas e paralíticas
E os homens me apontavam as plantações estorricadas e as vacas magras.
E eu dizia: Eu sou o enviado do Mal! e imediatamente as crianças morriam
E os cegos se tornavam paralíticos e os paralíticos cegos
E as plantações se tornavam pó que o vento carregava e que sufocava as vacas magras.
Mas como quisessem me correr eu falava olhando a dor e a maceração dos corpos
Não temas, povo escravo! A mim me morreu a alma mais do que o filho e me assaltou a
indiferença mais do que a lepra
A mim se fez pó e carne mais do que o trigo e se sufocou a poesia mais do que a vaca
magra
Mas é preciso! Para que surja a Exaltada, a branca e sereníssinia Ariana
A que é a lepra e a saúde, o pó e o trigo, a poesia e a vaca magra
Ariana, a mulher – a mãe, a filha, a esposa, a noiva, a bem-amada!
E à medida que o nome de Ariana ressoava como um grito de clarim nas faces paradas
As crianças se erguiam, os cegos olhavam, os paralíticos andavam medrosamente
E nos campos dourados ondulando ao vento, as vacas mugiam para o céu claro
E um só clamor saía de todos os peitos e vibrava em todos lábios – Ariana!
E uma só música se estendia sobre as terras e sobre os rios – Ariana!
E um só entendimento iluminava o pensamento dos poetas – Ariana!
Assim, coberto de bênçãos, cheguei a uma floresta e me sentei às suas bordas – os regatos
cantavam límpidos
Tive o desejo súbito da sombra, da humildade dos galhos e do repouso das folhas secas
E me aprofundei na espessura funda cheia de ruídos e onde o mistério passava sonhando
E foi como se eu tivesse procurado e sido atendido – vi orquídeas que eram camas doces
para a fadiga
Vi rosas selvagens cheias de orvalho, de perfume eterno e boas para matar a sede
E vi palmas gigantescas que eram leques para afastar o calor da carne.
Descansei – por um momento senti vertiginosamente o húmus fecundo da terra
A pureza e a ternura da vida nos lírios altivos como falos
A liberdade das lianas prisioneiras, a serenidade das quedas se despenhando.
E mais do que nunca o nome da Amada me veio e eu murmurei o apelo – Eu te amo,
Ariana!
E o sono da Amada me desceu aos olhos e eles cerraram a visão de Ariana
E meu coração pôs-se a bater pausadamente doze vezes o sinal cabalístico de Ariana…
Depois um gigantesco relógio se precisou na fixidez do sonho, tomou forma e se situou na
minha frente, parado sobre a Meia-Noite
Vi que estava só e que era eu mesmo e reconheci velhos objetos amigos.
Mas passando sobre o rosto a mão gelada senti que chorava as puríssimas lágrimas de
Ariana
E que o meu espírito e o meu coração eram para sempre da branca e sereníssima Ariana
No silêncio profundo daquela casa cheia da Montanha em torno.
Download

Visualizar monografia