Comércio e Contratos: a construção de uma rede de negócios na primeira metade do século XVIII nas Minas Alexandra Maria Pereira1 Resumo Esta comunicação pretende analisar a construção da rede de negócios do importante comerciante e contratador português Jorge Pinto de Azevedo durante a primeira metade do século dezoito. Para tanto, acompanhamos sua trajetória como comerciante nas Minas setecentistas e sua inserção no universo dos contratos régios. Por meio da caracterização da sua trajetória, destacamos que a aludida rede, na qual se inseria o dito comerciante, figurou com destaque dentro do mercado interno das Minas setecentistas. Dita rede, mais ainda, decerto imbricou-se com as relações tecidas no eixo da América portuguesa bem como no conjunto do Império luso. 1 Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutoranda em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP. 1 Comércio e Contratos: A construção de uma rede de negócios na primeira metade do século XVIII nas Minas Nos primeiros anos da década de 1730, aproximadamente, o português Jorge Pinto de Azevedo atravessou o Oceano Atlântico rumo à colônia lusitana na América. Naquela época se faziam recorrentes as vantagens decorridas da extração mineratória na região das Minas; sobretudo, os meios propícios de se angariar fortuna, prestígio e distinção social em função da intensa circulação mercantil promovida, naquele momento, pela mineração do ouro e diamantes. Natural do bispado do Porto, Jorge Pinto de Azevedo nasceu na freguesia de Santa Marinha e era um dos três filhos do casal Josepha Pinto e Manuel Cardoso Pinto (LAMAS, 2005). Veio para as Minas juntamente com seu irmão Manuel Cardoso Pinto no intuito de servirem como caixeiros da loja de seu primo, João da Costa Resende, situada no Arraial da Itaubira (atual Itabirito), freguesia da Comarca de Vila Rica do Ouro Preto, como consta em processo de execução datado de 1736 e movido por ele contra Ana Gonçalves da Silva, na seguinte forma: (...) que o executante Jorge Pinto de Azevedo no tempo em que a contraio a divida alguns anos antes diso e seu irmão Manoel Cardoso Pinto herão primos caixeiros e sócios do dito João da Costa Rezende e por taes conhecidos tidos e havidos tanto na Freguesia da Itaubira donde (...) como no Serro do Frio e nesta vila [Vila Rica] aonde e em todos os lugares referidos fazia as cobranças a todos os mais negócios do dito seu primo sócio ou amo João da Costa Rezende 2. Tendo em vista as informações contidas no referido processo, ao que tudo indica e em um curto espaço de tempo, Jorge Pinto e seu irmão Manuel firmaram sociedade por ele encabeçada, para estabelecimento de uma loja em Vila Rica. Certamente pela projeção adquirida em função da atividade mercantil, ingressou já em fins da mesma década no universo dos contratos régios3. Daí em diante, percebemos a consolidação de uma próspera carreira, como homem de negócios e contratador que culminou com seu retorno para Portugal nos primeiros anos do decênio de 1740. Na capital do Império português continuou a desempenhar suas atividades, sobretudo, 2 AMI/CPOP. Execução (1736). Códice 378, Auto 7698, 1º ofício, fls. 34 e 34verso. 3 Jorge Pinto de Azevedo foi contratador das Entradas para as Minas Gerais; Dízima da Alfândega do Rio de Janeiro; Dízimo na Capitania de Minas Gerais e do contrato dos Diamantes do Serro Frio. (LAMAS, 2005, p. 17) 2 aquelas ligadas aos contratos régios; posto que, tanto a sua participação no contrato dos diamantes e a arrematação das entradas para a Capitania de Minas Gerais constam em data posterior a sua estadia no Brasil. Neste caso, é datado de 1741 o seu ingresso na Companhia que arrematara o primeiro contrato dos diamantes da demarcação diamantina. Assumiu a função de administrador e caixa do contrato em Portugal, responsabilizando-se pela venda dos diamantes, função esta que perdurou até sua morte, ocorrida em maio de 1747 (LAMAS, 2005). Além das informações acerca da atuação em contratos régios, com a leitura do seu testamento, Lamas destacou a titulação alcançada por Jorge Pinto de Azevedo, (...) Jorge Pinto de Azevedo era portador do destacado título de cidadão do Porto, honra cobiçada por muitas cidades e por muitas pessoas em todo o Império português, em função, principalmente, dos privilégios que as leis desta cidade proporcionavam àqueles que detinham este título. Professo na prestigiada Ordem de Cristo e na Ordem Terceira de São Francisco, essa última estabelecida na cidade de Lisboa desde o ano de 1289, e considerada como uma das mais antigas e prestigiosas irmandades de Portugal, o contratador Jorge Pinto de Azevedo atuou como muitos de seus contemporâneos, ou seja, buscou referendar as distinções sociais através do pertencimento às irmandades (LAMAS, 2006, p. 67). Com o breve relato pontuamos alguns elementos da trajetória de Jorge Pinto de Azevedo que, igualmente, foram fatores expressivos de uma carreira bem sucedida, percorrida por este homem de negócios; mas que ao mesmo tempo demonstram estratégias recorrentes desenvolvidas por grande parte da pequena nobreza lusitana proveniente das relações tecidas no eixo mercantil deste Império em fins de Antigo Regime. De acordo com as observações de Jorge Pedreira, as práticas empregadas pela elite mercantil lisboeta apresentaram características de uso comum. Vale destacar, (...) Alguns homens de negócio, como teremos oportunidade de verificar, eram efectivamente muito ricos. Porém, as suas fortunas tinham sido construídas por eles mesmos, quando muito pelos seus pais. Não estavam portanto em condições de beneficiar de um enobrecimento apenas pela sua opulência. O seu lugar na estrutura social era definido não só pela sua capacidade econômica e financeira mas também pela possibilidade de conversão dos recursos assim acumulados em capital simbólico, isto é, era em grande parte determinado pela taxa de câmbio entre os recursos financeiros e as distinções simbólicas – tais como as insígnias de cavaleiros das ordens 3 militares que conferiam o reconhecimento social de que careciam (PEDREIRA,1995, p. 102). Temos, então, um espectro de discussão no qual se entrelaçam relações tecidas no Império português, especificamente, na América portuguesa, e os mecanismos de um recorte em perspectiva individual, através da conformação de uma rede de interesses que teve por fundamentação inicial uma casa de comércio radicada em Vila Rica. Por conseguinte, uma investigação histórica com vistas à verificação das estratégias tecidas inicialmente na atividade mercantil, configurada por Jorge Pinto de Azevedo nas Minas setecentistas. Para tanto, faremos uso das informações lançadas na contabilidade de sua loja, em um livro de contas correntes, com registros para o período entre fevereiro de 1737 e agosto de 1738.4 Nas últimas décadas, tem-se firmado no meio historiográfico um debate bastante profícuo acerca dos processos relacionados à forma como se deu a consolidação das estruturas e organização do Império português. Os resultados dessa abordagem sugerem, cada vez mais, uma cumplicidade assumida entre os mecanismos adotados pelo Estado português e as articulações vinculadas ao setor mercantil. Desse modo, o referido debate privilegia o estudo das ações desencadeadas nos quadros do setor mercantil; assim como, os desdobramentos e peso efetivo desempenhado por elas dentro das ações política, econômica e social do Império em fins de Antigo Regime5. Em nosso recorte temático avaliamos, especificamente, um estudo de caso inserido nas relações assumidas entre a Coroa portuguesa e a sua colônia no continente americano; que se desenvolveu, sobretudo, em função das alterações ocasionadas a partir da descoberta do ouro e dos diamantes. As atividades geradas com a exploração mineratória foram basilares para o processo de desenvolvimento da região das Minas e, em grande medida, determinaram o modo como Portugal administrou o referido espaço. Uma característica marcante das proporções assumidas pelo processo desencadeado com a mineração, como sugeriu Carrara, foi a configuração de um espaço econômico que inicialmente determinou o modo como se processou a ocupação da região. Daí decorreu, como afirmou o autor em sua tese de doutoramento, uma ênfase 4 APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. Para o debate, ver entre outros: ARAÚJO (2006); BICALHO & FERLINI (2007); BICALHO & GOUVÊA (2001); BLAJ (2002); BORREGO (2006); BOXER (2000); CAMPOS (2002); CARRARA (2007); CHAVES (1999); FRAGOSO (1998); FURTADO (1999); OSÓRIO (1999); PEDREIRA (1995); SAMPAIO (2003); SOUZA (2006). 5 4 atribuída ao dinamismo econômico da capitania de Minas Gerais. Sobretudo, o interesse em “compreender uma lógica de funcionamento da economia mineira” (CARRARA, 2007, p. 35). Para além do auge da produção mineratória, sua análise privilegiou igualmente o período em que se sobrepôs a decadência da mesma. Desse modo, o panorama gerado por meio do mercado interno das Minas setecentistas ressaltou o caráter irregular daquele espaço, ou seja, de que não seria apropriado falar em Capitania de Minas Gerais como um conjunto de regiões economicamente homogêneas (CARRARA, 2007, p. 59). Contudo, as características da empresa mineradora e da economia que ela engendrou, desde cedo conformaram outro padrão nas regiões de mineração. A constituição de um amplo mercado de terras – e águas – minerais, os limites impostos pelo tempo de duração de uma lavra e a disponibilidade de uma fronteira aberta, logo obstaram a que o monopólio da terra fundamentasse um mercado de arrendamentos (CARRARA, 2007, p. 58). Dessa característica de estruturação do espaço econômico da Capitania das Minas surgiu um diversificado e intenso setor mercantil. De variadas formas o comércio se difundiu na região; fixa ou volante, a atividade abrigou uma diversidade de pessoas que almejavam melhores condições econômicas e consequentemente distinção social6. Geralmente diferenciada pela capacidade de investimento, a atividade mercantil assumiu uma estrutura hierárquica bem definida, com peso significativo na conformação daquela sociedade. Em um estudo voltado para o comércio fixo das Comarcas de Vila Rica e Serro Frio setecentistas, lançamos algumas considerações que acreditamos possam ser estendidas para a atividade mercantil como um todo na capitania do ouro. Nesse sentido, Com efeito, o entendimento estaria muito mais relacionado à prática social do comércio, que por sua vez era solidamente fundamentado dentro de uma estrutura de hierarquização da atividade mercantil. Isto posto, a distinção apregoada dentro daquele universo colonial pode ser interpretada a partir de elementos atribuídos à capacidade de investimento de cada proprietário, identificados na localização das casas de comércio, assim como por fatores sociais, políticos e econômicos de cada um (PEREIRA, 2010, p.3). Haja vista a importância das abordagens relativas ao comércio torna-se pertinente inferir que, comerciantes, sobremaneira aqueles de grande porte, atuaram de 6 Para melhor entendimento dessa temática, ver: CAMILO (2009); CHAVES (1999); FURTADO (1999); PEREIRA (2008); PUFF (2007); VENÂNCIO&FURTADO (2000); ZEMELLA (1951). 5 forma expressiva para o fomento do processo de interiorização dos interesses metropolitanos nas Minas setecentistas. Como apontou Luiz Antônio Araújo em sua dissertação de mestrado, Tiveram os comerciantes papel importante no processo de interiorização da presença metropolitana na região mineradora, usufruindo de privilégios através da concessão de títulos e direito de cobranças de tributos a serviço do Erário Real (por exemplo, a arrematação do direito de cobrança de dízimos, entradas, direito de passagem). Neste sentido, sem negarmos os conflitos entre as classes sociais e destas com as autoridades reais; sem negarmos as imposições de uma sociedade do tipo Antigo Regime, onde ainda prevaleciam elementos de origem feudal, o comerciante se constituía em parceiro do empreendimento colonial na área de mineração, principalmente se considerarmos que diante da carência de recursos do Estado metropolitano e do caráter mercantil e voltado para a produção de mercadoria-dinheiro (ouro) da economia mineira, o comércio era importante caminho da cobrança de tributos que beneficiavam o tesouro real, canalizando parcela significativa do ouro extraído para o Erário e negociantes metropolitanos (ARAÚJO, 2002, p. 45). Em virtude das conclusões aqui expostas, e sob tal perspectiva, retomemos o nosso objeto de estudo. A movimentação financeira da loja de Jorge Pinto de Azevedo para o ano de 1737, como consta de uma análise detalhada do seu borrador (livro de contas correntes), em um valor aproximado, foi de R$ 53:681$323, distribuídos entre a venda à vista e a prazo, o balanço anual das mercadorias e o empréstimo de ouro em pó. Desse valor total, as vendas no crédito e à vista alcançaram a cifra R$ 27:100$377. O restante, distribuído entre o balanço anual, com um valor aproximado de oito contos de réis e o empréstimo de ouro em pó com um total em torno de 19 contos7. Uma movimentação financeira muito significativa se comparada ao montante total dos inventários post mortem da época, bem como dos valores das arrematações dos contratos régios8. Ao estudar o movimento comercial do processo de venda no crédito da loja, foi possível identificar 440 clientes que adquiriam produtos oferecidos pela casa, e entre eles, verificamos uma acentuada diversidade social. Ademais, entre alguns havia a ação de uma rede relacional com o comerciante apreendida, sobretudo, com as operações de empréstimo de ouro em pó, o abastecimento de outras casas mercantis e a mediação desse homem de negócios em processos de execução. 7 APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. Para comparação dos valores ver, por exemplo: ANTEZANA (2006); CARRARA (2007); PEREIRA (2008). 8 6 Embora a documentação sobressalte uma rede significativamente mais vasta do que a demonstrada por meio da investigação aqui encetada, um estudo com esse propósito assumiria proporções pouco mensuráveis a essa proposta; desse modo, optamos por um recorte debruçado em alguns personagens. Destacadamente pessoas presentes em princípios da sua trajetória nas Minas setecentistas. No dia 19 de dezembro de 1735 Jorge Pinto de Azevedo nomeou por procuração pública para representação em processo de execução por dívida, movido contra Ana Gonçalves da Silva, os doutores Francisco Xavier Ramos e José Cerqueira, o capitão Francisco da Silva Neto, Manuel Cardoso Pinto, “irmão delle outrogante”, João Fernandes de Oliveira, Simão da Rocha Pereira, Manoel de Miranda Fraga; “nos Goiazes” Antônio Pinto de Távora, “irmão delle outrogante”, José dos Santos Pereira, Estanislau Pereira, o Sargento-mor Bento Pinto da Fonseca, Antônio de Araújo Lanhoso; no Rio de Janeiro João Carneiro da Silva, Paulo [Pereira] de Andrade, Manuel Pinto Viana, João Gomes de Campos, Manuel dos Santos Pinto, Antônio Fernandes Fontes; além de três procuradores que não foi possível identificar a localidade, quais sejam, Diogo de Moura Coutinho, Luiz de Queirós e o Reverendo Padre Gonçalo da Mota Marques, assim como outros nomes que não tiveram condições de serem transcritos por conta do estado de danificação do suporte documental9. Algumas das pessoas indicadas na referida procuração, e, por assim dizer, reconhecidas como de confiança desse português, por seu turno, também constavam como clientes da loja em Vila Rica para o período compreendido no borrador. Uma vez isto posto, em três de dezembro de 1737 foram somadas todas as quantias de ouro em pó tomadas por empréstimo no referido ano pelo Sr. João Fernandes de Oliveira, que totalizaram R$ 4:785$937,50. Na mesma data e registro, constava que Jorge Pinto havia entregado ao “dito Senhor 49 oitavas e meia de pedras para me mandar vender ao Rio de Janeiro as quais são de Itetiaia”. Para além dessa vultosa soma de dividendos, João Fernandes também foi o único integrante desse grupo a assistir o comerciante na função de credor. Isto porque encontramos uma operação de empréstimo para agosto de 1737, a rogo de Azevedo, em nome do Sr. Simão da Rocha Pereira no valor de 100 oitavas de ouro, ou seja, R$ 150$000,00. Já em 18 de setembro 9 AMI/CPOP. Execução (1736). Códice 378, Auto 7698, 1º ofício, fls. 26 e 26verso. 7 de 1737, dessa vez, tomou para si emprestado 300 oitavas de ouro com o dito João Fernandes de Oliveira10. Das relações estabelecidas entre a empresa e sua rede clientelar, cabe-nos salientar, as operações que envolviam João Fernandes de Oliveira sugerem, com clareza, um estreitamento de laços maior. Tomemos o exemplo da situação referida no parágrafo anterior, em que Jorge Pinto de Azevedo se coloca como intermediador de concessão de crédito para Simão da Rocha; a operação, por si, manifestou certa cumplicidade entre ambos. Acresce ainda, na medida em que estendemos para os anos seguintes, que as ditas situações tornam-se cada vez mais ilustrativas da solidez da parceria firmada entre eles, especialmente, no caso dos contratos régios. Segundo consta na pesquisa de Lamas, o administrador e caixa do contrato dos dízimos da Capitania de Minas Gerais em nome de Jorge Pinto de Azevedo para o triênio de 1737 a 1740 foi João Fernandes de Oliveira. (LAMAS, 2005, p. 77). Do mesmo modo, durante o mês de agosto de 1739, João Fernandes de Oliveira arrematou o primeiro contrato dos diamantes em sociedade com Francisco Ferreira da Silva; e em seguida, foi a vez de Jorge Pinto de Azevedo ingressar como sócio nessa companhia. Do seu ingresso, o mesmo autor sugere, A função exercida por Jorge Pinto de Azevedo nesses contratos (primeiro e segundo contratos dos diamantes) foi de suma importância, uma vez que ele foi o responsável pela venda dos diamantes no mercado europeu. Jorge Pinto de Azevedo tornou-se sócio de Francisco Ferreira da Silva e de João Fernandes de Oliveira em 20 de julho de 1741. Pela sociedade estabelecida entre estes homens de negócios, Jorge Pinto de Azevedo foi nomeado para atuar “na Corte na cidade de Lisboa na forma e nas condições do dito contrato (...)” na função de “caixa e administrador da atual Companhia dos diamantes (LAMAS, 2005, p. 101). Cabe ainda ressaltar dessa parceria consolidada entre Jorge Pinto de Azevedo e João Fernandes de Oliveira o caráter eminente e precípuo de indissociável atuação dos critérios sociais e econômicos, que por sua vez compunham as relações estreitadas no universo do Império português em tempos de Antigo Regime. Uma vez estreitados os laços de confiança e amizade, os mesmos perduravam ao longo das trajetórias individuas e sua difusão se fazia sentir nas diversas esferas de atuação, inclusive, as de ordem econômica; como neste caso, bem explicitado. 10 APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. 8 O Doutor Francisco Xavier Ramos foi de fato quem advogou na causa contra Ana Gonçalves e também era cliente da loja. Tal cliente possuía um arrolamento de produtos com um valor total de 17 mil réis; mas nenhuma situação envolvendo o seu nome de modo incisivo na rede relacional da empresa. Os dividendos de Simão da Rocha Pereira alcançaram a quantia de 139 mil réis em mercadorias tomadas na loja, um valor expressivo da sua condição, destacada pelos tecidos e artigos de luxo do Reino. Além disso, por conta das transações mercantis entre Jorge Pinto e João Fernandes averiguamos que ele estava inserido nas operações de créditos da loja, embora em seu nome não fosse possível verificar registros relacionados à referida operação. Um dos mais vultosos arrolamentos de produtos para abastecimento de outras atividades mercantis adquiridos na loja esteve vinculado ao nome de Antônio Pinto de Távora em conjunto com José dos Santos. Em estudo anterior (PEREIRA, 2008), mencionamos que seguramente dentro da avaliação das dívidas do abastecimento por grosso, as compras por eles realizadas ocuparam destaque significativo pela quantidade de itens e consequentemente pela magnitude de valores. Entretanto, não foi possível calcular os ditos valores posto que curiosamente os mesmos não estivessem expressos nos registros do borrador. Com a identificação da propriedade desse livro de contas correntes, a partir do processo de execução mencionado anteriormente, foi possível identificar também Antônio Pinto de Távora como um dos dois irmãos de Jorge Pinto; naquela época, encontrava-se radicado nas minas dos “Goiases”. Tendo em vista a cruzamento das informações, os laços de parentesco influenciaram na forma de operação estabelecida entre esta casa mercantil e os clientes Antônio Pinto de Távora e José dos Santos, sobretudo, no que se refere a imparcialidade nos dividendos arrolados. Ademais, em 31 de julho de 1737 Jorge Pinto de Azevedo “deu oitavas de ouro para 55 cargas de molhados, couros, duas frasqueiras, um barril de azeitonas, 16 barris de água ardente de cana, 79 libras de toucinho e ouro para a capitação de cinco negros”11. Desse modo, os laços consangüíneos que uniam Jorge Pinto de Azevedo e seu irmão justificam a forma como se procedeu ao arrolamento das contas, e ao mesmo tempo, supostamente indicam um envolvimento direto de Azevedo na atividade mercantil em questão. 11 APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. 9 Manuel de Miranda Fraga desempenhava a função de caixeiro da loja e administrava juntamente com Manuel Cardoso Pinto os negócios da sociedade12. São poucos os itens discriminados em seu nome e em sua maioria também não se fazia menção aos valores. Da mesma forma estavam relacionados os poucos itens retirados por seu irmão e sócio, Manuel Cardoso Pinto; também constam retiradas de pequenos valores de ouro para pagar feitios, sangrias ao barbeiro ou para dar a Nossa Senhora do Terço.13 Em conformidade com as operações sobre os créditos e livranças, no cinco de agosto de 1738 o caixeiro Manuel de Miranda Fraga registrou que, ao regressar de uma viagem ao Rio de Janeiro, Manoel Cardoso Pinto trouxe consigo créditos do seu primo João da Costa Resende para João Carneiro da Silva, Manoel Pinto Viana, Lourenço Nogueira, Manoel Correia da Silva e Paulo Ferreira de Andrade. Além dos créditos, uma carta deste seu parente para Manoel Carvalho Ferreira, uma de José Correa de Carvalho endereçada a Manoel Pinto Viana e mais outra em nome de Francisco da Silva Carneiro a Manoel Correa da Silva; e por fim, uma letra de dois contos de réis “sobre o dito José de Andrade” e “treze créditos resgatados do Jorge Pinto de Azevedo”.14 Ao investigar as atividades mercantis descritas no borrador destacamos uma prática arraigada por laços familiares como característica precípua das medidas adotadas na estruturação dos negócios da casa de comércio de Jorge Pinto de Azevedo e seu irmão Manuel Cardoso Pinto. Inicialmente passaram para as minas da América portuguesa e trabalharam como caixeiros do primo João da Costa Resende. Depois de poucos anos desempenhando a função, certamente os dois irmãos alavancaram cabedal financeiro e articulações na esfera de sociabilidade da região suficientes para o começo de uma atividade mercantil localizada em Vila Rica. É, no entanto, interessante enfatizar dessa análise o que se tornou de imediato possível identificar. Ou seja, quando dispomos os registros referendados no livro de contas correntes e nos dados reunidos sobre o núcleo familiar de Jorge Pinto de Azevedo, acresce desse cruzamento informações que remetem à importância atribuída aos laços familiares para a estruturação da empresa encabeçada por este homem de negócios assim como aquelas que envolviam os seus parentes. Neste caso, cabe destacar 12 AMI/CPOP. Execução (1736). Códice 378, Auto 7698, 1º ofício. APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. 14 APM/ Coleção Casa dos Contos, Referência CC 2018. 13 10 o posicionamento da empresa verificado nas operações de abastecimento da atividade mercantil assumida por seu irmão Antônio Pinto de Távora e salientada anteriormente. Da mesma forma, os créditos e cartas que trouxe Manuel Cardoso Pinto do Rio de Janeiro para as Minas em nome do primo João da Costa Rezende, igualmente ilustram a cumplicidade existente nas operações que envolviam essas atividades mercantis. A prosperidade dos negócios transacionados pela empresa, devidamente registrada nos arrolamentos do livro de contas correntes e nesse estudo analisado, nos remete à dimensão tomada pelas atividades desse homem de negócios português. A sua trajetória como comerciante forneceu subsídio necessário para amealhar fortuna e estratégias favoráveis à sua inserção no universo dos contratos régios. Daí em diante, a carreira de Jorge Pinto de Azevedo como homem de negócios adquiria proporções significativas no contexto dos contratos do Império português, especialmente naqueles que envolviam a Capitania de Minas Gerais, e certamente culminaram com seu retorno para o Reino e participação como caixa e administrador dos dois primeiros contratos dos diamantes. O historiador português Jorge Pedreira, em estudo aprofundado, apresentou o panorama da elite mercantil lisboeta para a segunda metade dos setecentos. Outrossim, suas considerações salientam aspectos os quais modelavam o corpo mercantil em questão; e que oportunamente apresentamos como uma avaliação elucidativa da postura assumida por Jorge Pinto de Azevedo. Nesse sentido, A profissão de negociante, apesar das exigências da matrícula, mantinha-se aberta a novos talentos, e os mais capazes, mais arrojados ou afortunados, podiam triunfar, adquirir notoriedade e enriquecer. Contudo, certas especulações – o grosso trato propriamente dito e, em particular, as operações de financiamento do Estado – não estavam ao alcance de todos, pelo contrário, eram reservadas a um círculo mais restrito, que podia depois redistribuir os benefícios. A Adjudicação dos grandes contratos de cobrança de direitos ou de exploração de monopólios públicos, para além de proporcionar consideráveis proveitos aos arrematantes, colocava-os numa posição central, pois os termos das concessões permitiam-lhes a nomeação de sócios ou a cedência de participações no negócio, que muitas faziam em pequenas quotas. A repartição dos contratos era portanto, decisiva para definir a 11 hierarquia interna do meio comercial e para forjar uma verdadeira elite mercantil (PEDREIRA, 1995, p. 150). As questões levantadas no trabalho de Pedreira têm sido cada vez mais uma preocupação comum entre os estudiosos que se voltam para os aspectos que consolidaram o Império Português15. Por sua vez, um estudo direcionado das relações estabelecidas por meio da atuação dos grupos e redes de negócio fornece elementos sugestivos acerca da lógica de funcionamento do Império e suas possessões ultramarinas, assim como dos mecanismos pelos quais as estruturas de funcionamento do Império se reproduziam. Considerando, portanto, o embasamento historiográfico sobre a temática, os desdobramentos da atividade e atuação da empresa de Jorge Pinto de Azevedo nas Minas setecentistas, acrescidos pela magnitude dos valores apresentados com a movimentação financeira dessa casa de comércio, a sua rede mercantil, o peso atribuído aos empréstimos e a sua participação em contratos régios de expressividade, cremos nós, fica uma idéia do papel destacado atribuído à trajetória percorrida por Jorge Pinto de Azevedo nos quadros do Império português. FONTES: Arquivo do Museu da Inconfidência/Casa do Pilar de Ouro Preto. Execução (1736). Códice 378, Auto 7698, 1º ofício; Arquivo Público Mineiro/Coleção Casa dos Contos. Referência CC 2018. BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Carla M. Carvalho. Homens Ricos, Homens Bons: produção e hierarquização social em Minas Colonial (1750-1822). UFF, 2001, (tese de doutorado); ANTEZANA, Sofia Lorena Vargas. Os contratadores dos caminhos do ouro das Minas Setecentistas: estratégias mercantis, relações de poder, compradrio e sociabilidade (1718-1750). Belo Horizonte, MG: UFMG, 2006 (dissertação de mestrado); 15 Entre outros: ARAÚJO (2002); ARAÚJO (2006); BLAJ (2002); BORREGO (2006); BOXER (2000); CARRARA (2007); CHAVES (1999); FRAGOSO (1998); FURTADO (1999); OSÓRIO (1999); PEDREIRA (1995); SAMPAIO (2003); SOUZA (2006). 12 ARAÚJO, Luiz Antônio. Contratos e tributos nas Minas setecentistas: o estudo de um caso – João de Souza Lisboa (1745-1765). Niterói: PPGH/UFF, 2002 (dissertação de mestrado; ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os caminhos da riqueza dos paulistanos na primeira metade do oitocentos. 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