UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA Salvador 2011 15 LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens – PPGEL/UNEB para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profª Drª. Lícia Soares de Souza. Salvador 2011 16 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB – SISB Almeida, Liz Maria Teles de Sá Waly Salomão : a fabricação da poesia / Liz Maria Teles de Sá Almeida .– Salvador, 2011. 97f. Orientadora: Profª Drª Lícia Souza Soares Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. Campus I. Contém referências. 1 Poesia . 2. Waly Salomão - 1944 – 2003 . 3. Metalinguagem. 4. Pós – modernismo ( Literatura) . I. Soares , Licia Souza . II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD : B869.1 17 TERMO DE APROVAÇÃO LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pela seguinte banca examinadora: Profa. Dra. Lícia Soares de Souza (Orientadora) ____________________________________ Universidade do Estado da Bahia Profa. Dra. Márcia Rios da Silva ________________________________________________ Universidade do Estado da Bahia Prof. Dr. Raimundo Lopes Matos _______________________________________________ Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Salvador, ____ de _______________ de 2011. 18 A meus pais, pelo amor e confiança que sempre depositaram em mim; a meu irmão, me pelas orações que mantiveram em pé ao longo desta jornada; a meu companheiro, pela tolerância nos dias de angústia; aos meus alunos, pela crença de que, no fim, eu voltaria mais preparada para juntos promovermos transformações na Escola e em nossas vidas. 19 AGRADECIMENTOS Antes, umas considerações necessárias: eu não construí esta dissertação sozinha, ao longo da minha jornada, pois tive a sorte de contar com a colaboração de pessoas amadas que tornaram a minha trajetória mais branda. Sinto-me muito feliz por ter podido contar com tanta gente solidária. Talvez Fernando Pessoa tenha dito que ―agradecer é mistério‖ por não ter tido a oportunidade de conhecer pessoas como estas que me ajudaram a chegar até aqui e tornaram a minha vida mais fácil, e a quem serei grata por toda minha vida. Nem todo objeto de pesquisa nasce de um caso de amor, alguns – assim como alguns amigos que fazemos – nos são apresentados. Foi assim com o Waly. Ainda na graduação, ele me foi sugerido por um professor para ser meu objeto de estudo e ensaio monográfico. Entretanto, nessa ocasião, eu já estava envolvida com outro baiano de Santo Antônio de Jesus – Pedro Kilkerry. Após a graduação, o assunto foi retomado pelo Prof. Dr. Vitor Hugo Fernandes e, dessa vez, sem nenhum impedimento, fui-me envolvendo com a poética de Waly a cada dia que passava, tomada pela curiosidade em decifrar aqueles poemas. Foi assim que aprendi a amar este baiano de Jequié. E foi assim também que aprendi a diferenciar um professor de um mestre. Por que o mestre, além de ensinar, ilumina, esclarece, acompanha, cuida, torce e vibra com seu resultado. E eu tive a sorte de ter encontrado na minha vida um carioca que me acompanhou durante todo este processo, sempre me fazendo acreditar que era possível chegar até aqui e construir uma pesquisa relevante. Por isso, ao Prof. Dr. Vitor Hugo, um preito especial, por ter estado comigo (mesmo que geograficamente separados) e ter acreditado em mim por todo este tempo, e por suas aulas, pelos livros, pelas conversas, por estar sempre disponível. Especialmente, a meus pais, pessoas capazes de abrir mão de suas próprias vidas para que eu não desistisse. Quantas foram as vezes que deixaram um ao outro e deixaram seus trabalhos, correram 400 km para me dar um apoio, uma palavra de tranquilidade, uma vitamina C! São perfeitos, e eu os amo. Tudo que fiz e faço em minha vida é pensando neles, em deixá-los alegres e orgulhosos do esforço que fizeram por me criar e não me deixar faltar nada. Como nasci exatamente na família certa, tudo que estas pessoas doidas fizeram e fazem por mim me deixam mais forte para seguir na caminhada, não posso me esquecer de Sandrinha e Tomé, por todas as vezes que me perguntavam: ―Esse negócio de mestrado não acaba nunca, não?‖ Acreditem, isso me dava uma força para concluir o trabalho; também de Olívia e Marcelo (Jiló), por ficarem inconformados todas às vezes que eu não podia sair, o que me deixava irritada, mas ao mesmo tempo me fazia perceber o quanto gostariam de estar comigo, e é sempre bom se sentir amada nos momentos de fragilidade. A meu irmão Neto, muito querido, pelas orações indicadas e realizadas, que me mantiveram em pé, pois a caminhada foi dolorosa. E não só por ter ouvido minhas confissões, mas também por me ter compreendido mesmo sem ter falado, pois nem tudo falamos, que é para a família não ficar preocupada. A Virgínia e Ricardo, dois grandes amigos, que se encarregaram praticamente de me sequestrar nos piores momentos, para aliviar o peso da tripla jornada de trabalho que quase 20 me fez desistir, não fosse o desejo de pesquisar e de vivenciar a universidade, apesar de, fisicamente, ter sido uma batalha, pois o corpo parecia não aguentar tanto esforço para superar as dificuldades. Às diretoras Juçara e Noelma, que, mais do que gestoras, foram amigas, compreendendo a importância desta etapa que estou vivenciando, suportando e justificando minha ausências, assumindo o risco, trabalhando por mim quando precisei sair, fazer cursos, apresentar trabalhos, etc. Cumpriram o papel que deveria ser do Estado, que não reconhece a necessidade de o profissional se qualificar, para melhor servir à Educação, que retira os profissionais qualificados para assumir cargos, ao invés de garanti-los em sala de aula. E também às vicediretoras Márcia do Monte e Débora Coutinho, pelo carinho e compreensão. A meus alunos, pela compreensão das minhas falhas, pelo carinho, por entenderem que, no fim, daria tudo certo, para mim e para eles, e por terem reconhecido que amadureci neste processo e que hoje podem cobrar muito mais de mim do que ontem. Aos colegas dos colégios estaduais Dásio José de Souza e Polivalente de Candeias, do colégio municipal Adauto Pereira de Souza, pelo carinho e por acreditarem que, mesmo jovem e recém-chegada à Educação, poderia contribuir para a construção de escolas com qualidade. E, ainda, por me terem recebido tão bem e, mesmo conhecendo as minhas ―maluquices‖, continuarem me respeitando. E especialmente: a Martha e seu Velhinho, pelas caronas e amparo durante as chegadas tardias da estrada de Candeias para Salvador; ao Professor Genival, que, além de amigo, é exemplo de superação e força; a Andreia e Dino, por me terem ensinado tanto sobre a vida, sobre a História; à professora Girlane, amiga/mãe/irmã, talvez o maior presente que conquistei no Colégio Polivalente, e que leu meu texto e questionou tanto. A todos, em geral, por tornarem minhas viagens de Candeias a Salvador as melhores, as mais divertidas e as mais educativas. A Cristian e André, que me consolaram com suas próprias dificuldades e nunca me desampararam nestes dois anos de PPGEL. E também pelas saídas para descansar, mesmo quando não conseguíamos falar de outra coisa que não fossem nossas dissertações. Mas também pelas risadas e pelos bilhetinhos durante as aulas. E pela amizade, que será para vida toda. A minha orientadora, Profª Drª. Lícia Soares, por suas valiosas contribuições; pela liberdade que me concedeu durante a construção do trabalho; pelas orientações que sempre me divertiram muito; por ter dividido parte de sua vida comigo; pela torcida calorosa, pois, depois deste convívio, me tornei mais confiante. A meus professores do Campus XXI – Elisângela Santana, Rocio Castro, José Humberto da Silva, Márcia Torres, Murilo Costa, Silvana Biondi, Márcia Auad –, pela dedicação e empenho durante nossa formação em Letras, por nos mostrarem o caminho da pesquisa, em uma realidade na qual nem sequer havia iniciação científica, dada a precariedade de um campus que estava iniciando, e por nos acompanharem a diversos lugares para divulgar nossas produções acadêmicas. E, especialmente, à professora e colega Adilma Nunes e ao professor Otávio Assis, que se empenharam em me conseguir disciplina em que pudesse efetuar o tirocínio docente, e, mais do que isso, garantiram minhas viagens para concluir esta etapa do mestrado. 21 A Camila e Danilo (secretários e o ―coração‖ do PPGEL), por me receberem sempre com sorriso e atenderem carinhosamente a todos os meus pedidos, mesmo quando eram feitos de ultima hora. Às colegas do Profuncionário, pelo carinho com que me trataram ao longo do ano que passou, e por serem meu refúgio em meio ao caos em que eu estava vivendo. Aos professores da linha 1 do PPGEL, que foram fundamentais neste processo, sobretudo à Profª Drª Márcia Rios, por ter aceitado carinhosamente o convite para estar nesta banca, e ao professor convidado Dr. Raimundo Matos, por contribuírem imensamente durante o processo de qualificação, com suas ―dicas‖, sugestões, indicações bibliográficas, etc. À professora Solange Mendes da Fonsêca, que, além de revisar, comentou, sugeriu, criticou esta dissertação e sempre carinhosamente atendeu a minhas solicitações apressadas. A Denison, pela compreensão durante os momentos de crise provocados pela ansiedade da escrita, pelas vezes em que foi um companheiro, que esteve perto, que aceitou meu silêncio, que pesquisou comigo, por todo o apoio que me deu. Seu amor foi fundamental para me manter aquecida e confortada. 22 Se nenhuma obra se deixa entender sem que sua técnica seja compreendida, tampouco esta ultima se deixa entender sem a compreensão da obra. (Adorno) 23 RESUMO Esta dissertação trata da metalinguagem no processo de composição crítico-criativo do letrista e poeta baiano Waly Salomão (1944-2003). Nas sete obras publicadas deste poeta, nos impressiona a recorrência com que opera com a metalinguagem em seus textos. A metalinguagem permite a Waly Salomão construir versos cujas temáticas desenrolam-se em torno do seu próprio processo de criação; discutir a situação do poeta contemporâneo e refletir as inquietações do tempo em que inscreve sua poética: a pós-modernidade. Nesta pesquisa, pretendemos analisar seus metapoemas, para, a partir destes, compreendermos o seu modus operandi ao utilizar tal procedimento. Para tanto, fazemos um percurso em torno do pósmoderno, a fim de percebermos como este tempo se estabelece e como o sujeito responde às questões advindas dessas transformações por meio de sua poética. Por fim, investigamos minuciosamente o processo de composição de Waly Salomão para descrever como se estabelece o seu fazer poético. Palavras-chave: poesia, metalinguagem, Waly Salomão, pós-modernidade. 24 ABSTRACT This dissertation discuss the metalanguage in the critical-creative process of the writer and poet from Bahia Waly Salomão (1944-2003). Within all the seven works he published, the usage of metalanguage becomes evident. The metalanguage lets Waly Salomão build verses whose themes unfold themselves around their own creation process; to discuss the situation of the contemporary poet and reflect the concerns of the time that his poetic forms: the postmodernity. In this research, we intend to analyze his meta poems, to understand his modus operandi to use such a procedure. For this, we make a journey around the postmodern, in order to feel like this time is established and how the subject responds to questions arising from these transformations through his poetry. Finally, we investigate in detail the Waly‘s process of composing to describe how his poetry is established. Keywords: poetry, metalanguage. Waly Salomão, post-modernity. 25 LISTA DE SIGLAS UFBA – Universidade Federal da Bahia ONG – Organização não-governamental USP – Universidade de São Paulo CPC – Centro Popular de Cultura PAV II – Pavilhão dois do Presídio Carandiru 26 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14 1 UM POETA DA TROPICÁLIA? 20 2 PÓS-MODERNIDADE E IMPLICAÇÕES NA LÍRICA DE WALY SALOMÃO 35 2.1 UM BREVE PASSEIO PELO UNIVERSO PÓS-MODERNO 2.2 A LÍRICA WALYNIANA NA (PÓS)MODERNIDADE 2.3 A EXPERIÊNCIA DOS B-A-B-I-L-A-Q-U-E-S 35 43 52 3 O PROCESSO CRÍTICO-CRIATIVO NA POESIA DE WALY SALOMÃO 58 3.1 DOS METAPOEMAS DA LITERATURA BRASILEIRA 3.2 A FABRICAÇÃO DA POESIA: DA METALINGUAGEM EM JAKOBSON ÀS OUTRAS METAS DE CAMPOS 3.3 A METAPOESIA NAS ALGARAVIAS DE WALY SALOMÃO 58 63 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS 89 REFERÊNCIAS 92 27 CONSIDERAÇÕES INICIAIS No fim da graduação, surgiu, em mim e em alguns colegas de turma, um interesse por estudar poetas da contemporaneidade (Ana Cristina César, Paulo Leminski, Waly Salomão, Solano Trindade, entre outros). Aliada a este desejo, uma grande dúvida: como compreendêlos e classificá-los? Os poetas escolhidos por nós aproximavam-se pelo momento em que escreviam. Todavia, parecia ser apenas isso que os unia e, entre eles, mais desencontros e descaminhos que aproximações. É sempre uma tarefa difícil estudar o presente, o que está em constante mudança, em movimento. Paira um sentimento de insegurança quando é necessário nos debruçarmos sobre um momento de instabilidade e de saberes científicos em fase embrionária ou se consolidando. Até porque nos falta uma fortuna crítica que só vai sendo construída com o tempo. Todas as inquietações descritas acima só serviram de estímulo na tentativa de compreender o poeta deste tempo. Sobretudo, quando somos apresentados a um dos mais complexos e irreverentes deles – Waly Salomão (1943-2003). Com ele, as dificuldades transformam-se em desafios e a curiosidade em condição sine qua non para estudarmos sua poética. ―Eu não sou um fóssil, sou um míssil‖ (apud PERRONE-MOISÉS, 2004)– reclama o poeta e compositor baiano Waly Salomão, contrário a qualquer forma de congelamento. Reivindica seu lugar junto aos poetas que não se enquadram, pois se trata de identidades desestabilizadoras em nosso tempo. Ler Waly Salomão acreditando que ele é um poeta da Tropicália é negar todos os espaços que ele desbravou e nos quais se inseriu. Afinal, foi este ―poeta multimídia‖ um dos timoneiros da Revista Navilouca, publicada por artistas da contracultura na década de 70 do século passado. Durante as décadas de 60 e 70, conviveu com artistas da Tropicália; alguns deles tornaram-se intérpretes e/ou parceiros, a exemplo de Gal Costa e Caetano Veloso. Produziu shows de artistas da música popular brasileira, compôs uma infinidade de canções para artistas e, em parceria com estes, ministrou cursos de Filosofia em periferias de Salvador e palestrou para estudantes de medicina. Poetou. Filmou. Atuou... E encerrou sua carreira na política, num cargo na Secretaria da Leitura, durante a gestão do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Morreu desejando que se efetivasse sua proposta de baratear o custo do livro nas editoras, para alimentar a fome de leitura do povo, acrescentando livros em suas cestas básicas. 28 Diante desse breve esboço por alguns (des)caminhos por onde circulou o poeta dos babilaques, é possível imaginarmos o quão polivalente foi sua peformance1 nesta vida e, portanto, quão espinhoso é categorizá-lo. Waly Salomão precisa estar livre para ser compreendido em seu tempo, tempo este de grande complexidade, de mudanças muito íngremes, instabilidade e pouca solidez. Poeta polifônico2, segundo definição própria em poema encontrado no livro Algaravias - câmara de ecos: DESEJO & ECOLALIA3 – O que você quer ser quando crescer? – Poeta polifônico. (SALOMÃO, 2007a, p.75). Nesses versos, Waly Salomão é múltiplo, já que é o poeta que revela, traduz, interpreta e cria as outras vozes de sua poesia. Sendo assim, faz-se necessário compreendê-lo e entender a insistência em operar com a metalinguagem em seus metapoemas, quer dizer, uma das formas de manifestação da metalinguagem (no caso dos poemas que estudaremos, basta entender este fenômeno como as evidências, em um poema, de reflexões sobre a poesia e sobre literatura, ou sobre o próprio fazer poético). Mas por que será que Waly problematiza tanto sua condição de poeta? Por que será que suas poesias refletem seu próprio fazer? Por que seus poemas trazem como temática o processo de criação literária? Por que esta necessidade de traduzir as angústias do poeta diante do seu ofício e diante da vida? O último aspecto levantado, a consciência metalinguística de Waly Salomão, justifica a escolha do autor como nosso objeto de estudo. Entendemos que aí reside um dos interesses pós-modernos da leitura walyniana. Embora este olhar interessado esteja sendo revelado muito mais no âmbito da prosa (ficção) do que na poesia – haja vista o trabalho da teórica canadense Linda Hutcheon, Poética do pós-modernismo (1991), e a recente publicação do 1 Diz respeito a sua atuação nos diferentes espaços culturais que transitou, por ser ator e por ter um jeito bem particular de gesticular e impostar a voz ao falar, seus contemporâneos costumam dizer em entrevistas e documentário que Waly Salomão parecia estar representando a todo momento. 2 Segundo Mikhail Bakhtin (2002, p.4), ―[...] polifonia é a multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis [...]‖ presentes em um discurso. Embora Bakhtin tenha utilizado o conceito para tratar das vozes dialógicas no romance, o poeta Salomão utiliza o conceito para identificar as diferentes vozes que apresenta em seu discurso poético e marcar a multiplicidade que o caracteriza. No poema ―Amante da Algazarra‖ (2000, p.61), compôs uns versos que ressaltam este caráter polifônico de seus textos: ―Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar./ É a estranha criatura que faz de mim o seu encosto/ [...] Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro/ [...] É esta/ Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde‖. 3 Um tipo de afasia, a repetição sonora (e ideológica) do discurso alheio (SANT‘ANNA, 1995, p.33). 29 professor Gustavo Bernardo, O livro da metaficção (2010). Portanto, não podemos negar que a metalinguagem é um fenômeno da linguagem que acompanha o sujeito que escreve desde sempre. E isto independe da modalidade textual adotada, sobretudo na poesia de Waly Salomão, em que a metalinguagem é a ―linguagem fim‖, para encerrar questões que ajudam a esclarecer o pensamento de um sujeito acerca dos problemas de um escritor, de uma época, suas concepções e considerações sobre Literatura ou um gênero literário específico. Portanto, escolhemos como objeto de nossa investigação a metalinguagem na poesia de Waly Salomão. Afinal, o que quer a metalinguagem? Esta palavra composta pelo prefixo grego meta, que significa ―autorreferência‖, pode significar também ―além de‖, ou seja, linguagem que reflete a própria linguagem e linguagem que está para além da linguagem. A necessidade da autoexplicação nasce exatamente da insuficiência desta e, portanto, Falo para entender ou comunicar, mas quando o faço provoco sucessivos mal-entendidos. Toda linguagem é simultaneamente pletórica e insuficiente: falo sempre mais do que queria e menos do que devia. Uso a palavra para ter acesso à coisa, mas a palavra me afasta da coisa em si. Como a linguagem não me basta por mais que me esforce, preciso ir além dela e explicá-la: chegamos à metalinguagem da gramática, da lingüística, da lógica, da própria filosofia. No entanto, toda metalinguagem não deixa de ser uma linguagem, ainda que sobre outras linguagens; [...] (BERNARDO, 2010, p. 11). É nesta tentativa de explicação, esclarecimento da linguagem sobre ela mesma, que escapam os efeitos que nos interessam. Ao utilizar, por exemplo, o poema para refletir seu próprio fazer, Waly Salomão revela sua postura como poeta que acredita na transformação do sujeito por meio da arte literária e, com isto, dedicará parte do seu universo literário para discutir seu fazer poético transformador. Desse modo, entendemos que é possível fazer uma análise da obra walyniana por esse viés metalinguístico, ainda não explorado pela crítica. E aqui tocamos numa questão crucial para estudarmos a literatura de Waly Salomão: a escassez de fortuna crítica sobre o poeta. A dimensão metalinguística de sua produção poética já contribui para isto desde o primeiro momento. A metalinguagem livra o poeta dos rótulos, uma vez que sua poesia expõe suas influências. É refletindo seu próprio processo crítico-criativo que produz a lírica da quaseintimidade; revisita criticamente a tradição poética; traduz seu cotidiano e revela um sujeito de identidade fragmentada, desestabilizada, por meio da angústia que é o processo de escrita. 30 É desse modo que a metalinguagem em Salomão difere deste mesmo procedimento utilizado por tantos outros poetas. Se observarmos os prefácios dos seus livros, elaborados em sua maioria por professores universitários, como Leyla Perrone-Moisés, Antônio Medina, Antônio Cícero, José Miguel Wisnik, podemos perceber que eles pontuam caminhos possíveis para entendermos a poesia walyniana. É importante ressaltar que Waly Salomão, quando propõe as relações dialógicas, os intertextos e as citações de seus poemas, pressupõe um leitor já iniciado em poesia e com um razoável repertório literário, filosófico, musical, fílmico, etc. Aí reside a explicação para a existência de tão poucos trabalhos sobre o poeta. Sua leitura exige um leitor conhecedor de outras e variadas leituras, capaz de fazer as conexões necessárias para a interpretação. Isso explica também o fato de a maioria dos admiradores de Waly Salomão ser composta por poetas, ou amantes de poesia. São poucos os trabalhos publicados sobre este baiano. Para realizar nossa pesquisa, contamos com a publicação de pesquisadores como Flávio Boaventura, O amante da algazarra: Nietzsche na poesia de Waly Salomão (2009) e textos organizados em livro como Literatura brasileira hoje (2004), de Manuel da Costa Pinto. O meio eletrônico é que fornece a maior parte dos trabalhos da crítica universitária, assim, pudemos contar com entrevistas, artigos, ensaios e resenhas de Helloisa Buarque de Hollanda (Entrevista A poesia no poder), Silviano Santiago (artigo de jornal, ―Os abutres‖), Antônio Cícero (ensaios publicados em seu blog), os textos do crítico Felipe Fortuna, os artigos da professora Judite Silva Botafogo (―Algaravias do pós-tudo‖) e do professor Raimundo Lopes Matos (Dialogismo poético em Gregório de Matos e Waly Salomão: linguagens e estilos Barroco e Neobarroco), além de algumas poucas dissertações de mestrado e teses de doutorado já defendidas sobre Waly Salomão, sua performance. e seus escritos, a exemplo da tese de doutoramento de Sérgio Carvalho de Assunção: Fricção e ficção em Waly Salomão. Assim sendo, optamos por investigar a metalinguagem nos poemas de Waly Salomão por ser um aspecto já observado, porém não explorado pela crítica. À luz das reflexões desses críticos, pretendemos neste trabalho compreender como Waly Salomão opera com a metalinguagem em seus textos. Compreendendo esse jogo, será possível, por consequência, perceber como constrói a ideia de homem e poeta de seu tempo; tempo este de grandes (in)definições e que não deve ser negado, pois marca o trabalho deste baiano como mais uma poética que respinga os efeitos da pós-modernidade. No que toca às questões acerca da pós-modernidade, seguimos um percurso teórico, começando por Jean François-Lyotard e sua A condição pós-moderna (1979), passando ainda 31 por Gilles Lipovetsky, Stuart Hall, Zygmunt Bauman, Teixeira Coelho, Ítalo Moriconi, entre outros, que colaboraram para a elucidação de um panorama da sociedade pós-moderna. Para realizar este estudo, foi necessário selecionarmos, nas obras publicadas de Waly Salomão, seus poemas essencialmente de natureza metalinguística. Passamos por todas as suas produções, desde o polêmico Me segura qu’eu vou dar um troço, lançado em 1972, a Pescados Vivos, publicado em 2004, um ano após sua morte. Escolhemos como corpus alguns poemas e destes retiramos os fragmentos mais significativos para investigação no primeiro e no segundo capítulos. Adotamos, entre suas publicações, Algaravias: câmaras de ecos como a unidade referencial para este estudo, por ser, entre todas, a obra com mais reflexões metalinguísticas, realizando, no terceiro capítulo, uma análise minuciosa dos diversos aspectos que a compõem, sobretudo do metapoema, ―Fábrica do poema‖. Nos metapoemas de Waly Salomão, encontramos poemas que exercem a função destinada à crítica literária e atacam poetas cujo trabalho literário não traduz o verdadeiro valor desta atividade. Vemos citações diretas ou indiretas (intratextualidade e intertextualidade) de outros trabalhos de escritores e artistas criativos, ocidentais e orientais, que refletem o próprio ―fazer‖ (produzindo um diálogo intratextual). Também observamos os que questionam a situação do poeta contemporâneo diante do desinteresse pela arte por este produzida. Na tentativa de organizar metodologicamente o trabalho, dividimo-lo em três capítulos, a saber: no primeiro, “Um poeta da Tropicália?‖, apresentamos o poeta Waly Salomão nos diferentes ambientes artístico-culturais dos quais participou, a fim de compreender como se resolve sua poética diante de tantas e diversas influências. No segundo, ―Pós-modernidade e implicações na lírica de Waly Salomão‖, investigamos as teorias e estudos sobre o pós-moderno, para compreendermos o panorama histórico em que Waly Salomão produz seus poemas, bem como buscamos entender como sua poesia se comporta no ambiente de pós-modernidade e de que modo responde a questões deste tempo. Além disso, analisamos as experiências do poeta com os seus babilaques. Neste capítulo, coube ainda uma reflexão de como as várias experiências que viveu nas artes foram traduzidas por meio de sua poesia, principalmente o cinema e o teatro, que colaboraram na construção da sua poesiaperformance, o que, para nós, já é metalinguagem, uma vez que temos a linguagem poética traduzindo outras linguagens. Também não podemos desprezar sua atuação na cultura brasileira, pois ―[...] uma experiência tão singular de criação não existe sem a marca de uma 32 vivência igualmente singular, de um modo próprio de afirmação do sujeito‖ (VILLAÇA, 2003, p. 153). Seguimos estudando este baiano como um poeta multimídia, resultado do envolvimento com os diferentes movimentos culturais de que participou, pois esta característica aponta a metalinguagem como um recurso que se manifesta exatamente a partir dessa fusão. Ela permite [com] que Waly se posicione, por meio de sua poesia, para falar dos espaços vários por onde disseminou discussões culturais. Para compreendermos o resultado da poética walyniana, buscamos apoio na discussão de Alfonso Berardinelli (2007), que apresenta os dilemas da poesia contemporânea. No terceiro capítulo, ―O processo crítico-criativo na poesia de Waly Salomão‖, nos concentramos na análise do corpus, o livro Algaravias: câmaras de ecos, com ênfase num estudo minucioso do poema intitulado ―Fábrica do poema‖, à luz das discussões de Roman Jakobson, Haroldo de Campos, Samira Chalhub, Affonso Romano de Sant‘anna e Modesto Carone Netto, acerca da metalinguagem, do metapoema e do fazer poético. Embora não tratemos aqui, especificamente, de intertextualidade –, digo, não nos deteremos neste procedimento, pois julgamos que precisaríamos construir uma outra dissertação para tratar apenas deste tema em Waly Salomão –, não podemos, entretanto, deixar de identificar as referências apontadas por meio de seus poemas, pois julgamos o intertexto como metalinguagem. Afinal, essas referências nem sempre são diretas, estão diluídas no texto e acabam explicando influências que implicam o fazer do poeta em questão. Deste modo, procuramos identificar como as referências metalinguísticas dialogam com outros poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Francis Ponge, Edgar Allan Poe, Hafiz, entre outros. Assim, trabalhando com a metapoesia como um traço de uma manifestação maior – a metalinguagem –, acreditamos que, como o prefixo grego sugere, este é um fenômeno que nos possibilita ir além da linguagem para compreendê-la e, sobretudo, entender o legado de um grande poeta que, enquanto viveu, lutou para que não apenas a poesia, mas também outras diversas formas de arte pudessem transformar os nossos dias. 33 1 UM POETA DA TROPICÁLIA? quem fala que sou esquisito hermético é porque não dou sopa estou sempre elétrico nada que se aproxima nada me é estranho fulano sicrano beltrano seja pedra seja planta seja bicho seja humano quando quero saber o que ocorre a minha volta ligo a tomada abro a janela escancaro a porta experimento invento tudo nunca jamais me iludo quero crer no que vem por aí beco escuro me iludo passado presente e futuro urro arre i urro viro balança reviro na palma da mão o dado futuro presente e passado tudo sentir total é a chave de ouro do meu jogo é fósforo que acende o fogo da minha mais alta razão e na sequência de diferentes naipes quem fala de mim tem paixão (SALOMÃO, 2008, p.11) Ser rotulado não era desejo de Waly Salomão. Portanto, cabe uma ponderação sobre a passagem deste baiano pelo tropicalismo (1967-1968) para compreendermos em que medida seus versos recebem influências deste movimento e se há evidências, em sua poética, que levam estudiosos e críticos de sua vida e obra a o intitularem de Poeta da tropicália4. Bahia, década de 60. A capital baiana, Salvador, passara por uma série de mudanças que sinalizariam, a partir dali, um novo momento na história cultural da cidade, do Estado e, por consequência, do País. O embrião dessas transformações foi gestado na Universidade Federal da Bahia, pelo então reitor Edgar Santos, que, com seu espírito visionário, cultivou um terreno fértil (promovendo, entre outras ações, a reforma da Universidade), de onde iriam brotar os novos artistas, intelectuais e agitadores políticos da Bahia, cujas atuações viriam a proporcionar força motriz a movimentos como o Cinema Novo e a Tropicália. 4 Tropicalismo – Movimento libertário de ruptura que se iniciou em 1967 sem publicações oficiais e teve duração de pouco mais um ano, pois foi reprimido pelo governo militar. Culminou com a prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Inicialmente não produziu livro, mas promoveu happening, shows, lançaram discos e participaram dos programas de televisão como o programa do Chacrinha e os festivais de MPB da Record (SANTA‘ANNA, 1980). Seus principais representantes e mentores intelectuais foram os cantores/compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, que contaram com participação da cantora Gal Costa e do cantor/compositor Tom Zé, da banda Mutantes e do maestro Rogério Duprat. O movimento ainda contou com Nara Leão, os letristas José Carlos Capinan, Torquato Neto e o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte. Tropicália – Diz respeito à formação de um tropicalista ou integrante do movimento tropicalismo. 34 Edgar Santos mobilizou diferentes frentes de pensamento e atividades culturais da Cidade do Salvador, dentro dos muros da Universidade e, assim, personalidades de diferentes esferas culturais foram envolvidas em torno de grandes projetos e atividades em parceria com a UFBA. Deste modo, foi possível reunir um quadro de professores e colaboradores que contava com nomes como Lina Bo Bardi, que veio para a Bahia assumir a direção do Museu de Arte Moderna. Além desta, não deixaram de dar suas contribuições para a Universidade: o diretor de teatro Martim Gonçalves, um pernambucano, já com ampla experiência em artes cênicas e que aceita vir lecionar na escola de Teatro da UFBA, aqui permanecendo entre os anos de 1955 e 1962; o músico suíço Anton Walter Smetak, que passa a ser professor e pesquisador da UFBA a convite de Hans Joachim Koellreutter, musicólogo alemão, fundador da Escola de Música da Universidade Federal; o historiador português Agostinho da Silva e a polonesa Yanka Rudzka, professora de dança contemporânea. Segundo a pesquisadora Ana de Oliveira (2010), além desses nomes internacionais, participaram ativamente daquele momento de efervescência cultural, vivendo intensamente a Universidade: [...] profissionais e amadores como o jornalista João Ubaldo Ribeiro, os jovens Glauber Rocha, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Waly Salomão e Tom Zé, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o filósofo Carlos Nelson Coutinho e muitos outros foram ativos freqüentadores do dia-a-dia da universidade. Seus trabalhos posteriores os colocam como representantes de um meio intelectual baiano, cujas atividades saíram da UFBA e dos circuitos boêmios e culturais de Salvador para o resto do mundo. Esses foram alguns dos principais agitadores durante esta importante movimentação cultural que a Bahia viveu naquela época. Todavia, o trabalho iniciado na Universidade ocuparia outros espaços como o Museu de Arte Moderna, os cineclubes de críticos como Walter da Silveira, o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), conduzido pelo professor Agostinho da Silva e frequentado por artistas como Carybé, Pierre Verger e Mário Cravo Júnior. Livrarias da cidade também se tornaram espaços de reuniões, assim como teatros e cinemas. Nesses locais, foi organizado o pensamento político-cultural de toda uma geração de estudantes, intelectuais e artistas que, com o endurecimento político do regime militar, posteriormente migraria para o Sudeste do País, a fim de levar ao Brasil o resultado dessa construção de uma experiência revolucionária. Foi então que Waly Salomão, após concluir o bacharelado em Direito, mudou-se para o Rio de Janeiro (período em que Caetano ganhava o Brasil com Alegria, Alegria), onde pôde 35 conviver com outros baianos que se arriscavam na carreira artística. Em 1964, período de represália e efervescência política no Brasil, muda-se para São Paulo – lugar em que terá as primeiras experiências na arte literária –, a convite de Caetano Veloso e Dedé Gadelha. Salomão sobreviveu como redator de algumas publicações e colaborador em jornais da época, sempre assinando com o pseudônimo de Sailormoon (marinheiro da lua5). Na companhia do casal de amigos, lia Clarice Lispector, discutia Cinema Novo e obras de Guimarães Rosa. Dividia o apartamento com Dedé Gadelha e Caetano Veloso, na Rua São Luís, no auge do Tropicalismo, até a ocasião da prisão deste, segundo relata o poeta em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda (2003). Voltando um pouco no tempo, foi na Bahia que Salomão conheceu Gilberto Gil, no tradicional Colégio Central, início da década de 60. Organizavam encontros na casa de amigos, então leitores de Marx, Camus, Merleau-Ponty, formando um grupo de ―esquerda marxista-existencialista‖, num momento de movimentação política e cultural na Bahia. Salomão, em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda (2003), assim relembra esse período: Assisti aos primeiros shows deles, da Bethânia, do Tom Zé. Era uma época de grande fermentação na Bahia. Havia a Escola de Música, que era poderosa, com Koellreutter falando de dodecafonismo, o Walter Smetak falando de micro tons. Junto com a faculdade de direito fui aluno da Escola de Teatro. Era também um espaço poderoso que, além de grandes nomes como Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves, era bem equipada, tinha até ciclorama. Lá eram montadas peças de Albee, Brecht, ―Morte e vida Severina‖, teatro nô. Era a época de Yoná Magalhães, Helena Ignez, Sérgio Cardoso, Gianni Ratto como coreógrafo. Salomão participou do CPC6 baiano ao lado de Carlos Capinan, Tom Zé e Geraldo Sarno. Juntos produziam peças e as apresentavam na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, bem como estendiam tais apresentações às áreas de periferia da cidade, como Nordeste de Amaralina. A partir de 1964 e nos demais anos de repressão política brasileira, já não havia mais possibilidade de manter a militância por meio de atividades culturais. Foi então que Waly partiu para o Rio de Janeiro. Em entrevistas que concedeu, Salomão declarava com saudosismo os momentos de convivência com baianos e integrantes do movimento 5 Pensamos que a melhor tradução para tal pseudônimo seja: lunático, viajante que vaga pela lua, lugar no qual parece estar quando escreve, nos seus devaneios transformados a posteriori em poesia. 6 Centro Popular de Cultura – projeto de ação política e popularização da cultura. Reunia artistas, estudantes e intelectuais com o objetivo de transformar o Brasil por meio de ações de conscientização popular. 36 tropicalista. Todavia – insiste o poeta – a convivência com Torquato, Oiticica, Gilberto Gil, Caetano, Tom Zé e outros não o tornou um tropicalista. Do ponto de vista temporal, Salomão produziu em período pós-tropicalismo7 e vai experimentando, amadurecendo na arte de escrever. O reconhecimento viria quase trinta anos depois com a obra Algaravias: câmara de ecos, já na década de 90. É possível, a partir de alguns depoimentos de Caetano Veloso em Verdade Tropical (1998), pensarmos neste nomadismo vivido por artistas e intelectuais durante os anos de repressão política brasileira. Afinal, era comum na década de 60 (principalmente depois do endurecimento político durante o regime militar) a migração de jovens artistas baianos para o Rio de Janeiro. Havia uma tendência a viverem em comunidade. Alguns já se conheciam, outros eram apresentados por baianos ou artistas que dividiam os mesmos espaços de militância político-cultural. Portanto, eram jovens que se aproximavam por algumas razões que os uniam: a arte, o sentimento de territorialidade e a militância política. Entretanto, nem sempre se constituíam como grupo (comunidade), motivo que fez Waly Salomão transitar entre os concretistas8 (os irmãos Campos e Décio Pignatari [1956]), os tropicalistas, e ainda circulava entre alguns artistas marginais9 na década de 70. Salomão gostava de ressaltar, quando era entrevistado, que conviveu mais intensamente com os artistas plásticos do que com os literatos, apesar do ofício de escritor que decidiu exercer com tanta seriedade. Estar condicionado a um grupo e às ideologias ali disseminadas o levaria à exaustão. Contudo, precisava abastecer-se de todo conhecimento possível de ser construído, em diferentes espaços, com esta diversidade de pessoas com quem conviveu, nas conversas, nos debates, nos processos de criação, ou mesmo como ouvinte em círculos de artistas e intelectuais que começavam os primeiros movimentos para se organizar e desorganizar (ao mesmo tempo) a estrutura política do País, tentando mudar, deste modo, os rumos da história nacional. 7 O ano de sua primeira publicação, Me segura qu’eu vou dar um troço, é 1972. Considera-se aqui o fato de o Tropicalismo, enquanto movimento, ter existido pouco mais de um ano, entre 1967 e 1968, embora as publicações de artistas deste movimento sejam datadas a partir de 1970, período já marcado como póstropicalismo em decorrência da prisão de Caetano e Gil em 1968, dissolvendo a expressão maior que era o movimento musical. 8 O concretismo foi um movimento que se iniciou na Europa em 1917 e chegou ao Brasil por volta de 1950. e teve sua expressão popularizada pelo arquiteto suíço Max Bill em 1956 e suas concepções de linguagem plástica na Exposição Nacional da Arte Concreta. No Brasil, o movimento teve força na literatura e seus expoentes foram Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. 9 Os artistas marginais integravam um grupo de poetas (denominado de poetas marginais) de um movimento cultural fundado em 1970. Formavam este grupo Chacal (Ricardo Carvalho Duarte), Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Francisco Alvim e Cacaso (Antônio Carlos de Brito). Poetas e universitários, escreviam suas poesias no mimeógrafo, de forma bem artesanal. Como atuaram num contexto de repressão política, os poemas dos marginais circulavam no contato mão-a-mão entre poetas e leitores. 37 Entendamos por que, do ponto de vista da linguagem, não tratamos neste trabalho de um poeta marginal, nos poemas e composições de Salomão: é possível observar um jogo onde o erudito e o vulgar se entrecruzam e constroem um texto sem excessos. Foi um poeta que se autopublicou, e apenas seus últimos lançamentos foram organizados por uma editora de referência no mercado, a Rocco. Do ponto de vista acadêmico, está à margem das discussões, fora das antologias dos poetas brasileiros e distante de classificações como a dos cânones literários, por exemplo. Levantamos algumas hipóteses sobre este ostracismo acadêmico do poeta: a questão mais problemática em Salomão é talvez a mesma que caracteriza a sua poética de modo tão peculiar – um estilo construído a partir de todos os estilos, impossibilitando sua categorização em uma abordagem literária específica, como solicitam as normas acadêmicas de estudo da Literatura. Acreditamos que o não reconhecimento acadêmico de Salomão procede de vários pontos: de ele escrever poemas não convencionais, no limite entre a prosa e a poesia; da temática dos seus escritos, que polemizam, entre outras, questões metalinguísticas que discutem o seu próprio fazer, o que, talvez, explique o fato de Salomão ser muito lido, criticado e resenhado por outros poetas e escritores, pois os intertextos utilizados em seus poemas exigem um leitor com competência literária; e, sobretudo, do motivo de só recentemente a crítica ter atentado para sua produção e utilizado um grande meio de difusão, que é a Internet, para espalhar notas sobre a vida e a obra de Salomão10. Após algumas revisões críticas de professores da USP, como José Miguel Wisnik e Leyla Perrone-Moisés, e prefácios que referenciavam, com certa autoridade, os poemas compostos por Salomão, outros olhares mostraram-se interessados pelo poeta que, no campo literário, ganhou a mesma notoriedade que já havia conquistado entre compositores e intérpretes da música popular brasileira. Waly Salomão, além de escritor, poeta, compositor, editor e ator, foi militante revolucionário de uma versatilidade inconfundível. Filho de pai sírio e mãe baiana, nasceu no dia 3 de setembro de 1943 em Jequié, interior da Bahia, cidade de sua infância. Sobre Jequié, retrata o seu passado sertanejo, em vários dos seus poemas. No poema que selecionamos do 10 É importante salientar que a crítica de Waly Salomão, hoje, é formada por professores universitários e escritores que trabalham com o contexto da poesia de 1970 e poetas marginais, como fazem Antônio Carlos Medina, Helloisa Buarque de Hollanda, Antônio Cícero, entre outros, e poetas críticos ou críticos que produzem poesias, que utilizam blogs e sítios na Internet para divulgar o poema de Waly Salomão bem como as críticas que constroem sobre o poeta. 38 seu livro Tarifa de embarque (2000), Salomão tece uma colcha de retalhos com imagens de suas memórias durante os anos de vida no interior da Bahia11. Vejamos ―Janela de Marinetti‖: 1 cidade dura e arreganhada para o sol como uma posta de carne curtida ao sal onde na rua do maracujá adolesci e, louco, sorvia a vida a talagadas de cachaça de alambique. graveto-do-cão pitu luar do sertão. uma ponte corta um rio de fazer contas. arco e flecha de Sultão das Maltas mira certeira as ventas do dragão lá na lua. uma seta e um nome tupi de cidade em uma placa – é, é, jequi, cesto oblongo de cipó pra pegar peixe n'água, é, é e a rua de paralelepípedo e a rua de chão batido e a outra rua metade paralelepípedo metade chão batido lembra jurema pé de joá cacto mandacaru. fruta de palma perde os espinhos mergulhada dentro da bacia cheia de areia. bolo de puba umburana flor de sisal. cidade dura e arreganhada para o sol como uma posta de carne curtida no sal, meu museu do inconsciente é um prédio mais duro de roer mais arreganhado para o sol mais curtido nas salinas do canal lacrimal. (SALOMÃO, 2000, p.44-45). Em publicações subsequentes, muda o tom ao falar da ―cidade sol‖. É possível perceber em Salomão o ressentimento pelo fato de a cidade natal não ter despertado para o filho ilustre que possuía. Desse modo, no ano de 2004, numa publicação póstuma – Pescados Vivos –, localizamos um epigrama cívico, como denomina o próprio autor, intitulado ―Tirode-guerra‖, no qual caracteriza satiricamente sua Jequié: Se bicha fosse bala Se maconha fosse fuzil Jequié estava pronta Pra defender o Brasil. (SALOMÃO, 2004, p.33). Salomão vocifera, nesse epigrama, a sensação de descontentamento para com seus compatrícios. Sentimento declarado em diversas falas durante entrevistas concedidas e que revelaram um poeta que sentia na pele a repulsa de conterrâneos pelo seu legado poético e 11 Jequié é a cidade natal do poeta Waly Salomão. O título de sírio-sertanejo é devido a sua filiação: pai árabe e mãe baiana do interior da Bahia. 39 também pela arte literária. Esta angústia aparece, no referido poema, no modo ardiloso com que fala da cidade. Ver o desprezo por essa arte, ver a poesia em decadência, despertou nele sentimentos como o que foi manifestado nesse poema. Segundo Pound (1990, p.37), ―É muito fácil fazer com que as pessoas compreendam a indignação impessoal que a decadência da literatura pode provocar em homens que compreendem o que isso implica e a que fim isso pode levar‖ (grifos do autor). Salomão foi poeta consciente da importância e da possibilidade de transformação social da arte literária, e com certa fúria respondeu (por meio de seus poemas, entrevistas e palestras) aos que não viam no ofício poético um lugar no mundo, como expressa Pound (1990, p.37): ―[...] é quase impossível exprimir o menor grau que seja dessa indignação sem que chamem a gente de ‗amargurado‘ ou qualquer coisa desse gênero‖. E, de fato, essa postura rendeu equivocadamente títulos negativos a Salomão. Muito distante da terra natal, Jequié, foi no eixo Rio-São Paulo que Salomão pôde conviver e produzir intensamente com artistas do movimento tropicalista, como Jards Macalé, Caetano Veloso, Maria Betânia, Torquato Neto, Gilberto Gil e Gal Costa. Com Macalé e Torquato, fez parceria em composições musicais; para Gal, produziu músicas, bem como alguns shows. Posteriormente, teve como parceiros, nas produções musicais, artistas como Caetano Veloso (―Mel‖, ―Talismã‖), Adriana Calcanhoto (―A fábrica do poema‖, ―Pista de dança‖), Lulu Santos (―Assaltaram a gramática‖), Frejat (―Balada de um vagabundo‖) e Moraes Moreira (―Grito de guerra‖, ―Cabeleira de Berenice‖). No ano de 2003, assumiu um cargo na Secretaria da Leitura a convite do ministro Gilberto Gil. Defensor da leitura, enquanto forma de libertação, dizia com frequência: ―eu preciso ler, ler, ler, nisso eu cumpro os versos de Castro Alves que dizem ‗livros, livros à mão cheia‘‖. Para Waly, o livro é uma carta de alforria e a arte, uma possibilidade de salvar a humanidade. Na Secretaria de Leitura, criou algumas propostas para baratear o custo das editoras e facilitar o acesso ao livro em nosso país, entre estas, a mais importante: acrescentar livros na cesta básica dos brasileiros. Queria proporcionar aos brasileiros a mesma possibilidade de acesso que teve quando criança, em casa, com seus livros. Segundo Salomão, sua mãe discutia Guerra e Paz, de Tolstoi, com seus irmãos como se discutisse uma novela de Glória Perez, e aquilo o impressionava e o motivava a estar sempre na biblioteca pública de Jequié. Sua tia Etelvina lia sem parar, por isso ele retirou da biblioteca pública uma versão de Dom Quixote para emprestar-lhe. Em sua história de leitura, ainda se recorda do lançamento de Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. Foram 40 necessários três exemplares para satisfazer a ânsia dos leitores de sua residência. Sua irmã possuía uma versão de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em capa dura, e o obrigou a ler12. Imerso neste universo onde a leitura não é apenas um ato de prazer, mas um elemento imprescindível ao sujeito, não é incomum imaginar que tais referências adquiridas por meio dos livros saltassem para fora do seu texto. Na poesia de Salomão, o diálogo é estabelecido com autores que fazem emergir outras vozes, implícitas ou mesmo referências diretas, apropriadas por meio de recursos como a paródia, a paráfrase e o pastiche. Consideramos, para entender estas definições, a leitura amalgamada de Affonso Romano de Sant‘Anna (1995), que explica tais conceitos a partir daqueles que primeiro dissertaram sobre paródia, paráfrase, pastiche, bem como outros procedimentos de montagem e apropriação. São eles: Tynianov, Bakhtin, Todorov, Silviano Santiago, entre muitos outros. A paródia é um efeito de linguagem sintomático da arte em nosso tempo, pois é frequente o exercício da arte contemporânea de voltar-se para si num jogo de espelhamento. O termo paródia foi institucionalizado a partir do século XVII, todavia, na Poética, de Aristóteles, já existe um comentário a respeito do termo. Contudo, alguns autores apontam o Hipponax de Éfeso (sec. 6 a.C.) como ―pai da paródia‖. Na origem, a paródia é musical (já que surge de ode, um tipo de poema que era cantado) e, na modernidade, se define por meio do jogo intertextual (SANT‘ANNA, 1995, p.12). Iuri Tynianov torna o conceito de paródia mais sofisticado, ao estudá-lo, comparandoo com o conceito de estilização. Segundo esse autor, são conceitos que se aproximam, já que nesta modalidade os planos devem ser discordantes, então, a paródia de uma tragédia será uma comédia, assim como a paródia de uma comédia será uma tragédia. Na estilização, não há esta necessidade de oposição à fala, podendo haver fusão de vozes, concordância, porém, quando esta recebe uma carga cômica intensa, se transforma em paródia (discordância), aí reside a diferença (SANT‘ANNA, 1995). Paráfrase veio do grego para-phrasis que significa continuidade e repetição de uma sentença. Podemos entendê-la como uma tradução, uma alteração produzida num texto por mudanças lexicais, ortográficas, sem alteração semântica. Na literatura, a aproximação entre tradução e paráfrase apareceu com Jonh Dryden (1631-1700), que compreendia o tradutor como aquele que teria liberdade não só de mudar a palavra, mas também o sentido. Dryden estabelece a distinção entre ―metáfrase‖, que seria a tradução literal, linha a linha, palavra por 12 Todas essas experiências de leitura são relembradas pelo autor em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda publicada no site Jornal da Poesia, por ocasião da posse de Waly Salomão na Secretaria Nacional do Livro em 2003, pouco antes de sua morte. 41 palavra e a ―paráfrase‖, tradução ampla em que se mantém o sentido, sem seguir o sentido estrito da palavra, mas mantendo a mesma ideia. Portanto, em literatura, a paráfrase seria a (re)criação (SANT‘ANNA, 1995). Em termos mais simples, porém, não menos complexos, aqui tratamos o pastiche13 como o recorte do fragmento, da ideia, de uma sentença ou texto colado noutro contexto. Palavra derivada da forma italiana pasticcio (massa amalgamada de elementos compostos), pastiche foi aplicada pejorativamente no campo da pintura, indicando plágio durante a Renascença até chegar à França quando se converte no galicismo pastiche, no século XVIII. Pastiche afirma-se como ―a maneira de‖ e se desencadeia em processos como adaptação, apropriação, bricolage (colagem de termos diferenciados e híbridos) e montagem. Exemplificamos os conceitos adiante, à medida que surgem nos poemas ora investigados. Todos estes aparecem em poemas de Waly Salomão, e foi esta a forma de manifestar as vozes recalcadas das leituras que fazia, em seu discurso poético. Ao ler, Salomão instituía uma apropriação criativa do que o interessava. Ler para criar, ler para verbalizar, ler para declamar, ler para representar. É, pois, a leitura uma ferramenta de luta na vida deste poeta, tão relacionada ao seu ofício quanto a sua existência como sujeito social. Salomão vivenciou experiências em que a leitura e a arte fizeram mudanças na vida de jovens da periferia do Rio de Janeiro, pois, durante o período em que foi diretor do grupo Afroreggae (ONG de Vigário Geral), queria possibilitar o acesso aos livros a todos os brasileiros de baixa renda, fazer do livro uma ferramenta, uma ―carta de alforria‖ (como ele mesmo gostava de denominar) e proporcionar a libertação da situação de opressão por meio da leitura. Estreou, em 1972, com a publicação de sua obra intitulada: Me segura qu’eu vou dar um troço (doravante Me segura), que surgiu durante o período em que esteve preso, na década de 60. A prisão ocasionada por porte de um cigarro de maconha, segundo Salomão (2003), representou, paradoxalmente, a sua possibilidade de libertação. E foi por meio da escrita que o poeta percebeu-se livre. Me segura foi produzido durante sua passagem pelo PAV14 II do Carandiru e apresentado a alguns de seus companheiros artistas. Apenas Hélio Oiticica mostrou-se interessado pelos escritos e resolveu diagramá-lo. Obra anárquica, fragmentária, Me segura ficou conhecido como um clássico da contracultura. 13 Definição baseada no Dicionário Virtual de Termos Literários, de Carlos Ceia. Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/index.htm>. Acesso em: 20 jul. 2010. 14 Pavilhão II do Presídio Carandiru, situado no bairro de nome homônimo na Cidade de São Paulo. 42 1983 foi o ano em que Salomão publicou seu primeiro livro de poesias, Gigolô de bibelôs, onde já indica para o seu leitor a origem da sua poesia – o cotidiano. Nesta obra, reúne textos de outras publicações como Me segura, matérias jornalísticas inventadas pelo poeta, letras de canções, poemas visuais entre tantos outros bibelôs que posteriormente organizaria por meio de ensaio e os depositaria em seu ―Armarinho‖. Em 1993, escreve um livro de ensaios intitulado Armarinho de miudezas, no qual seleciona textos que foram publicados outrora em suplementos e cadernos literários, revistas de literatura e jornais. Com isso, Salomão compõe o que Hermano Vianna intitulou, em prefácio da 2ª edição dessa obra, ―[...] estranha autobiografia intelectual, feita com fragmentos das vidas alheias‖ (2005, p.11). No armarinho de Waly Salomão, existe espaço para a Bahia, Helio Oiticica, Carnaval, João Cabral de Melo Neto, Tropicalismo, Torquato Neto, Maiakovski, entre diversos outros temas problematizados por meio de ensaios pontuais para compreendermos o pensamento crítico e parte do repertório teórico do poeta. Escreveu a biografia do amigo Hélio Oiticica, Qual é Parangolé? (1996), na qual publica textos sobre o artista plástico, seu amadurecimento nas artes e sua genialidade na invenção dos Parangolés – obra de arte que permitia interação com o público. No mesmo ano, publicou o também premiado Algaravias: câmara de ecos. Neste livro de poemas, Salomão brinca com a palavra ―algaravias‖, termo que é oriundo do vocabulário árabe – al-garb (significa gritaria de várias pessoas, que, por falarem simultaneamente, não deixa compreender o que é dito). Nessa obra, o poeta deixa-se revelar por outras vozes (confirmando seu desejo de ser polifônico), que se entrecruzam, formando um emaranhado intertextual, no qual aponta diversos nomes de autores da literatura universal e nacional que o influenciaram em sua formação como escritor. Ainda no ano de 1996, recebe dois importantes prêmios por esta obra: o Alphonsus de Guimarães15 e o Prêmio Jabuti16. É de sua autoria o livro Lábia (1998), no qual continua o projeto iniciado em Algaravias, fazendo um trabalho de bricolage, em que diversas temáticas, antes de serem lançadas por meio dos seus versos, são recortadas, afinal, ―[a] memória é uma ilha de edição‖ (SALOMÃO, 1998, p.14-15) e, nos versos, só cabe o que a memória selecionou. O título ambíguo aponta principalmente para os registros informais utilizados pelo autor para marcar o tom de oralidade. Salomão percorre diferentes lugares do mundo como mercador de imagens e significados com seu livro Tarifa de embarque (2000). Neste, saúda o mundo e convida o 15 16 Prêmio concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Prêmio oferecido pela Biblioteca Nacional. 43 leitor para uma viagem que parte do Rio de Janeiro com conexões no Egito e paradas em Jequié, entre outros destinos. A Editora Rocco o convidou para organizar a sua antologia poética, O mel do melhor (2001), para a qual selecionou os textos mais relevantes, segundo categorização própria, em uma obra intitulada com uma expressão retirada de uma letra de música de sua autoria (Mel). Brinca também com o verdadeiro significado da palavra antologia – flor de poemas – da qual pretendeu selecionar, na sua fábrica, somente o mel do melhor. Sob olhar atencioso, escolheu textos desde o Me segura (1972) até sua ultima publicação. Dedicou a obra ao amigo Hélio Oiticica e produziu uma capa ao modo das capas dos livros dos poetas clássicos da literatura mundial. No livro Pescados Vivos (2004), publicado postumamente, Waly Salomão declara sua capacidade de misturar preferências temáticas e teóricas. Nesta obra de título pescado da metáfora de Antonio Machado – ―El poeta es un pescador, no de peces, sino de pescados vivos; entendémonos: de peces que puedan vivir después de pescados‖ (apud SALOMÃO, 2004, p.8) –, aglutina textos de diversos temas confirmando ser um poeta multimídia. Da mitologia à Internet, seus poemas são extraídos do cotidiano e revelados num espaço onde ―o que cai na rede é peixe‖ – para concordar com Leyla Perrone-Moisés, em prefácio da obra citada (2004). A personalidade inquietante e a performance, nutridas a partir do trânsito nos diversos espaços de socialização por onde o poeta circulou, todavia sem fixar morada, confirmando seu espírito nômade e viajante, herança árabe paterna, não lhe permitiram criar uma obra congelada, possível de se adequar a alguma das manifestações artísticas ou literárias durante seu período de produção. Ele próprio recusa os rótulos e manifesta sua rejeição em vários espaços em que pôde falar sobre o tema. Cabe aqui relatarmos uma dessas passagens em que o poeta, durante um congresso para o qual foi convidado, ao lado do sociólogo Carlos Alberto Messeder, compôs uma mesa de debates que discutia a década de 70, os principais fatos artísticos e culturais, assim como os agitadores culturais daquele período e suas respectivas produções. No evento, Salomão realizou um ―contradiscurso‖ (2005, p.132) em que questionava a fala dos outros dois componentes da mesa: o sociólogo Carlos Alberto Messeder Pereira e Michel Maffesoli. Estes dissertaram com certa autoridade sobre a temática e aproveitaram seu tempo na mesa para analisar historicamente a década em questão, ressaltar as figuras que se destacaram, bem como os principais marcos daquele período. 44 Nesse encontro, Salomão encerrou a mesa com um discurso característico, que denominou de ―contradiscurso‖ (2005, p.131), pois, além de ir de encontro à ―redondez‖ da fala do sociólogo Messeder, contrariava a própria ideia da categorização histórica estabelecida por alguns estudiosos que o compreendem como poeta de uma década específica (a de 70, neste caso), um tropicalista ou um marginal. Foram estas as palavras utilizadas por Salomão na ocasião: Se você pegar Anos 70: Literatura – que aliás tem na capa um trecho extraído do Me segura Qu’eu Vou Dar um Troço –, lá dentro das minhas declarações são similares às de hoje nesse sentido. Acho que o artista tem até quase imposição – como é que chama? –, uma pulsão pára a acronologia, para não se acomodar na gaveta anos 60 ou anos 70 ou anos 80 ou anos 90, nesse baú de ossos da cronologia, do tempo assim medido. (SALOMÃO, 2005, p.134, grifos do autor). Desse modo, posicionando-se contrário a tais categorizações cronológicas, Salomão dizia não se considerar um poeta dos anos 70. Nessa década, apenas começara a escrever, dando os primeiros passos de uma longa carreira. Com relação aos demais poetas citados na fala de um dos componentes da mesa, reagiu dizendo: Porque é difícil enquadrar assim, e olhe bem, você citou Torquato, Waly e Chacal, inicialmente temos traços de parentesco, nos tangenciamos em muitos pontos, só que sou publicado em livro em 1972 e digo claramente na orelha do volume que é: Por ocasião das Retrospectivas Da Semana de Arte Moderna de 22 Um livro prospectivo Incremento para as Novas gerações (SALOMÃO, 2005, p.135). Com essas palavras, Salomão acreditou que estaria salvaguardando a ―acronologia‖ de sua obra. Entretanto, o poeta apropriou-se, ao mesmo tempo, de outros recursos estilísticos e estruturais que foram utilizados para marcar esta característica do ‗destempo‘, ou melhor, a perda da historicidade, conforme analisaremos adiante. Além desta, outras marcas deixadas em suas obras nos impedem de categorizá-lo, pois Salomão, para concordar com a professora Judite Maria de Santana Silva Botafogo (2008) é ―pós-tudo‖. Heloisa Buarque de Hollanda, ao escrever a orelha de uma obra de Salomão (2008), também ressalta o fato de a originalidade da obra de Salomão impedir de classificá-lo como pós-tropicalista, haja vista a 45 ―[...] complexidade e o vigor experimental de seu talento no manejo e na criação da linguagem poética‖. Pensamos que a definição abrangente de Botafogo seja possível, na medida em que não engessa, mas aproxima o poeta do tempo que acabou, por representar: a pós-modernidade. Neste cenário, Salomão encontra o palco para suas diferentes representações, como bem define a pesquisadora citada (2008, p.1): Waly cabe bem nesse contexto em que tudo vale, todos os discursos são válidos pelo seu caráter policultural e sua multiplicidade de vozes, sua hiperinformação. Waly é um escritor pós-modernista, pós-tropicalista, pósconcretista; pós-tudo; sua poesia se distancia da esteira dos ―ismos‖ para evocar a lógica multicultural. Uma amostragem de estilos onde tudo pode ser remexido e reordenado de todas as formas possíveis. A imagem dessas interfaces quer ajustar-se à forma de um novo produto estético sempre voltado para o presente e o futuro (― meta – promessa mantida: não voltar às vistas para trás‖, ou ―todo passado está morto;/só vive o que vem, o que surge‖. É de Waly a expressão: ―criar é não se adequar a vida como ela é, nem tão pouco se grudar às lembranças pretéritas que não sobrenadam mais‖). As contribuições da pesquisadora citada vão além do descrito na citação. Seu pensamento sobre o estilo da poética de Salomão aproxima-se do pensamento do professor Raimundo Lopes Matos. Este tem publicado trabalhos nos quais ressalta o caráter acronológico da obra de Salomão quando propõe um estudo comparativo entre a produção deste baiano de Jequié e do também baiano Gregório de Matos Guerra. Matos (2010), em seu artigo ―Dialogismo poético em Gregório de Matos e Waly Salomão: linguagens e estilos Barroco e Neobarroco‖, aponta aproximações na obra destes dois sujeitos que viveram épocas histórica e cronologicamente distantes. Segundo o autor (2010, p.1), há uma relação dialógica entre os dois poetas – ―[...] em termos geográficos e temáticos, imbricando, grosso modo, as duas poéticas‖ e, ainda que quatro séculos os separem fisicamente, ―[...] estão próximos em termos formais, estéticos, filosóficos, antropofágicos, intertextuais e culturais. Isto aproxima os dois vates nos aspectos poéticos e sincrônicos‖. Os fragmentos de poemas apresentados por Matos evidenciam essa influência na poesia de Salomão. Cabe aqui pontuarmos a ideia de influência tal qual desmistificada tão claramente por Harold Bloom (2002) em A angústia da Influência. Seja em forma de inspiração, como quisera Shakespeare, ou como apropriação consciente ou inconsciente de suas memórias de leituras e/ou experiências traduzidas em palavras, a ideia da influência não está mais associada a plágio ou falta de criatividade – problemas pelos quais tantos autores já foram injustamente condenados. É preciso engenho para negar as referências subjacentes, sobretudo 46 em um texto poético; por ser uma obra de arte, o inconsciente encarrega-se de revelar o que está nas entrelinhas ou mesmo sobre as linhas. Tratando-se dos textos modernos/pósmodernos, podemos falar em referências à vista de todos, pois a problematização agora é em torno desta apropriação, se criativa ou não. No caso do poeta Salomão, seus antecessores não são negados verbalmente, tampouco em suas poesias. Seus versos construídos sobre versos de outros poetas, reapropriados em seus textos, sob forma de paródia, paráfrase e bricolagem. Nele, o poema se traduz em ―angústia realizada‖, para concordar com Bloom (2002, p.23), já que a apropriação poética se efetiva por meio dos jogos de linguagem, como pode ser observado nesta estrofe de ―A vida é paródia da Arte‖ (SALOMÃO, 2004, p.39-40): Anacreonte Fragmentos de Safo Hinos de Höderlin Odes de Reis El jardín de senderos que se bifurcan Jardim de Epicuro Éden Agulhas imantadas & frutas frescas para a vida diária & O desejo Um exemplo de reapropriação está na paráfrase do título do conto de Jorge Luis Borges (1944), ―El jardín de senderos que se bifurcan‖, utilizado como o quinto verso nesta estrofe do poema. Tal registro aponta um poeta impávido em confirmar suas influências. Entretanto, suas angústias, assim seguirão diluídas nos seus textos poéticos. As influências nos revelam parte da trajetória de formação, ―o ciclo vital do poeta como poeta‖ (BLOOM, 2002, p.58), e, embora Bloom na obra citada nos traga Shakespeare, para revelar que não se trata de um procedimento novo, julgamos que a apropriação, à maneira pela qual observamos em Salomão, seja característica destes tempos ditos modernos/pós-modernos. Em outros momentos do contexto mencionado, é possível perceber outros modos de apropriação. É o caso de Silviano Santiago no seu livro Em liberdade (1981) e Salomão em ―Fábrica do poema‖ (2007a, p.35); no primeiro, há um pastiche do gênero memorialista a partir de Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, e o segundo assume traços do estilo drummondiano de compor poemas e propõe uma poesia que dialoga e retoma o processo de composição do poema ―A procura da poesia‖ (1943). 47 Guardadas as devidas proporções, se alguns temas e/ou características aproximam os poetas Gregório de Matos e Waly Salomão, o modus operandi com o texto poético os distancia e atribui a Gregório o título de visionário poeta seiscentista; quanto a Salomão, seus textos apresentam evidências deste tempo, portanto, deve ser lido à luz das circunstâncias histórias em que foi produzido – a pós-modernidade. E é precisamente neste ambiente de pósmodernidade, onde ter estilo é não ter estilo, ou ter estilo é ter todos os estilos, que devemos compreender poetas como os já citados Torquato Neto e Salomão. Flávio Boaventura17, em artigo publicado na revista eletrônica Zunái (2009), sinaliza que há um interesse crescente pela poética de Salomão. No entanto, há, com isto, uma tendência dos pesquisadores e estudiosos a destacar o viés tropicalista, desprezando outras abordagens – até mais importantes – para se compreender o poeta, como ―[...] a exuberância da alegria; o devir trágico da vida e o próprio fazer poético‖. O fato é que não parece possível a um poeta com a versatilidade de Salomão ser enquadrado em determinada categoria. Todavia, é necessário ler seus escritos à luz do tempo em que foram concebidos, para que se tenha clareza quanto à literatura produzida por este baiano e para entender os efeitos dos jogos (meta)linguísticos construídos em suas produções poéticas. 17 Flávio Boaventura é autor do livro O amante da algazarra: Nietzsche na poesia de Waly Salomão, no qual discute ligações entre o poeta Waly Salomão e o filósofo Nietzsche. Foi publicado, pela UFMG, no ano de 2009. 48 2 PÓS-MODERNIDADE E IMPLICAÇÕES NA LÍRICA DE WALY SALOMÃO Eu, por exemplo, inteiramente perdido, Passei a confiar só em mim E sou a pessoa menos digna de fidúcia Porque não sou uno monolítico, inteiriço. Uma cega labareda me guia Para onde a poesia em pane me chamusca. Pensei ter pisado solo firme Quando descobri No texto, What is Zen, de D. T. Suzuki Que a palavra inglesa elusive poderia solidamente me definir de uma vez por todas. Qual o quê. Vou onde poesia e fogo se amalgamam. Sou volátil, diáfano, evasivo (WALY SALOMÃO, 1998, p.63). 2.1 UM BREVE PASSEIO PELO UNIVERSO PÓS-MODERNO18 O termo pós-modernidade carrega um prefixo que, em outro contexto, marcaria um rompimento19 com a ideia de modernidade. Entretanto, neste, aponta para um momento posterior, já que o ―pós-‖ indica também uma preexistência. Em outras palavras, a pósmodernidade implica a existência anterior da modernidade. A ideia de coexistirem dois tipos de ordem na contemporaneidade ratifica o pensamento de Zygmunt Bauman (1998), quando explica sobre a impossibilidade de vanguarda – avant garde – na pós-modernidade. Para o filósofo, o conceito de vanguarda transmite uma ideia de espaço e tempo ordenados, um ―para frente‖ e ―para trás‖ em tempos e espaços distintos. Na pós-modernidade, está tudo em movimento, entretanto, os movimentos não possuem ordenação, são aleatórios, dispersos e destituídos de direção. Não se sabe, portanto, onde é ―para frente‖ e ―para trás‖, assim como não se pode dizer se o movimento é ―progressivo‖ ou ―regressivo‖ (BAUMAN, 1998, p.121-122). O que podemos perceber, com convicção, são os diferentes movimentos, pensamentos dicotômicos, 18 Aqui, adotaremos a orientação dessacralizadora dos teóricos da pós-modernidade e utilizaremos os termos pós-modernismo, pós-modernidade, pós-moderno com a grafia em minúscula, como fizeram Bauman, Jameson, Lyotard, entre outros. 19 O estudioso Sérgio Paulo Rouanet, em As origens do Iluminismo (1987), argumenta que, na transição da modernidade para a pós-modernidade, o que há é uma ―consciência de ruptura‖, não uma ―ruptura real‖ devido à necessidade de sair de um estágio em que ocorreram diversos e marcantes acontecimentos, a exemplo das grandes guerras mundiais, que colaboraram para um mal-estar social. 49 passado e presente, tradição e originalidade, elementos que coexistem simultaneamente no mesmo espaço. Apesar de questões como esta levantada por Bauman, o termo que nomeia essa tendência contemporânea ainda tem sido alvo de teorias, estudos e pesquisas. A problemática relacionada ao ―pós-‖ decorre dos rumos que o emprego do prefixo tomou depois de justapor-se ao vocábulo ―modernidade‖ e ser utilizado para indicar o marco do período pós-industrial e as décadas subsequentes. A ambigüidade do prefixo gerou certo incômodo entre estudiosos, pois alguns consideram que, por esse motivo, houve um esvaziamento do sentido. Ocorre que, tratando-se de pós-modernidade, a própria ambiguidade transforma-se num possível jogo de sentidos, a despeito do pensamento daqueles que lidam com cautela ao utilizar o termo. Augusto de Campos brinca com o termo no poema ―Póstudo‖ (1984): ―QUIS/ MUDAR TUDO/ MUDEI TUDO/ AGORAPÓSTUDO/ EXTUDO/ MUDO‖. O poeta concretista, ironicamente, satiriza o termo pós-modernidade e o dispõe no poema de forma a torná-lo ainda mais ambíguo. Tal disposição caracteriza-o por seu grau de criticidade contundente. Moriconi (1994), em sua obra A provocação pós-moderna, reflete acerca da dupla significação carregada pelo prefixo ―pós‖, que anuncia tanto a ideia de depois quanto uma qualificação (pós-estruturalista, pós-industrial, pós-vanguarda). E, ao pensar sobre o poema supracitado, encerra o pensamento de que o ―pós‖ representa ao mesmo tempo o esgotamento e o desdobramento da palavra-núcleo e, enquanto aventura de mudança, aventura de destruição e construção, ao mesmo modo. Assim, o ―pós‖ seria o resultado de tais incursões e marca um deslocamento e uma inversão com relação a suas metas, mas nunca uma irreversibilidade (moderno). Campos reconhece a insuficiência gerada pelo uso excessivo e arbitrário do termo quando argumenta: [...] o termo ―pós-modernista‖ peca pela ambigüidade com a mais conhecida expressão ―pós-moderno‖, hoje muito desmoralizada pela sua imprecisão e porque utilizada, geralmente, como excusa [sic] para mais um retorno eclético e conservador. Por isso mesmo, numa de suas dimensões metalingüísticas, o poema ―pós-tudo‖, implodindo o conceito de pósmoderno, buscou satirizá-lo. (apud GAMBARATO, 2004). O impasse gerado pela ambiguidade do ―pós-‖ se prolongou, e distorções e equívocos surgiram deste problema. Concomitante às tentativas de teorização para explicação e estudo do termo (bem como do fenômeno), vê-se a emergência do novo sujeito que, transitando entre 50 a passagem da sociedade moderna para a pós-moderna, firma(va)-se cotidianamente e surge sob a égide desta transição. As leituras da fortuna crítica sobre o sujeito moderno mostram que a modernidade produz um sujeito antropocêntrico que, cada vez mais crente nele mesmo e na razão, cunha sua maior invenção – a ciência. A autonomia gerada pelo entendimento de que o homem é capaz de servir-se a si mesmo, marcado no lema iluminista Sapere aude!, produz um sujeito autônomo, mas não independente, haja vista as escalas hierárquicas a que ele deve obediência nos espaços públicos e privados que frequenta. Sobre esse pensamento, que reporta à ideia da origem do sujeito moderno, assim como ao princípio da autonomia, encontramos refúgio no opúsculo20 de Kant (1784) intitulado ―O que é Iluminismo?‖ A pós-modernidade se apresenta como a contraface crítica do moderno (YÚDICE, 1989), portanto, vislumbrará um sujeito autônomo, responsável por suas ações, questionador consciente do seu pensamento (caro à modernidade) e, ao mesmo tempo, resultado de um conjunto de ―experiências‖. Este sujeito, não mais essencialista, se define a partir de uma construção histórica advinda, sobretudo, de suas próprias experiências (caro à pósmodernidade). O que caracteriza o indivíduo da contemporaneidade é exatamente este sujeito que carrega marcas residuais da modernidade fundidas com as evidências da pós-modernidade. Afinal, esta não se limita à revisão crítica da modernidade, uma vez que, como projeto, tinha a razão, a dessacralização, o antropocentrismo, o progresso etc.; aquela hipervaloriza a montagem, o pastiche, o fragmento, a descontinuidade, entre outras coisas. As previsões feitas por Salomão, nos anos 70, na esfera cultural fizeram sentido. O poeta pontuou uma questão metodológica numa coluna escrita para o jornal Última Hora21: ―[...] que o melhor e o pior espírito do Modernismo de 22 ecoaria na década de 1970, a fim de comemorar em retrospectiva‖. Aponta um retorno das experiências pré-modernistas nos poetas contemporâneos seus, sobretudo da arte antropofágica. O ano de 1970 se configura no Brasil como outro momento, no qual as expressões artísticas e culturais já se manifestavam em novo cenário, onde eram ensaiados rumos para a década seguinte, que seria marcada pela anistia e pela abertura política. Já é possível perceber no País sinais dos descentramentos que advieram do panorama mundial. Assim, a década seguinte, a de 80, apresenta-se como um terreno fértil, um laboratório privilegiado tanto para 20 O que é iluminismo? é um manifesto produzido pelo filósofo para relatar a estruturação da consciência moderna. 21 Em texto escrito para a coluna ―Geléia Geral‖, organizada por Torquato Neto no ano de 1972, e publicado no Jornal Ultima Hora. 51 os artistas, cantores, poetas e demais produtores de cultura, como para os cientistas, teóricos e estudiosos, produtores do saber científico. Segundo o teórico culturalista Stuart Hall (2006), a tensão e a emergência entre algumas teorias e movimentos no século XX provocaram o descentramento do sujeito moderno, até então visto como unificado. As identidades estabilizadoras do mundo social entraram em colapso, e emergiu um novo indivíduo de identidade fragmentada. Hall defende a ideia de que esse descentramento foi provocado, principalmente, por alguns paradigmas emergentes na modernidade, a saber: a desconstrução do sujeito na teoria marxista; as contribuições de Freud, que, no tocante ao inconsciente, apresenta um sujeito muito além do ―penso logo existo‖ cartesiano; o pensamento de Saussure na linguagem como uma construção fundamentalmente social; o poder disciplinador, capaz de regular a vida social, defendido por Michael Foucault e introduzido em sua ―genealogia do sujeito moderno‖; por fim, o feminismo (a que se podem agregar todos os outros movimentos sociais liberais), constituído como movimento social. Tais paradigmas, de acordo com Hall (2006), contribuíram para o descentramento do sujeito moderno e a configuração de um novo sujeito, de identidade não mais outorgada, mas construída. A partir da década de 50, foi possível percebermos as principais mudanças no panorama mundial para a configuração de um novo momento histórico, a pós-modernidade, cenário de surgimento e constituição deste sujeito descrito por Hall. O termo ―pósmodernidade‖ surge na América hispânica na década de 30. Em As origens da pósmodernidade, Perry Anderson (1999) conta que Frederico de Onís empregou este termo para descrever uma tendência conservadora dentro do próprio Modernismo. A noção de um estilo ―pós-moderno‖ surge pela primeira vez com Onís e se cristaliza ao entrar para o vocabulário da crítica hispanófona. Ressurge ao ser utilizado pelo historiador inglês Arnold Toynbee, quando, no oitavo volume de uma publicação sua, datada de 1954, denomina a época iniciada com a guerra franco-prussiana de ―era pós-moderna‖. De estilo, o termo no mundo anglófono passa a denominar uma época. As contribuições de Anderson situam historicamente o surgimento do termo no panorama mundial, que só teve seu conceito ampliado em 1979 com a publicação de A condição pós-moderna. O filósofo francês Jean François-Lyotard, na primeira abordagem filosófica do termo, confirma o surgimento da pós-modernidade no final dos anos 50. O marco é o fim da reconstrução da Europa (Era pós-industrial) e, segundo o filósofo, vai variar de país para país. Portanto, não é fácil precisar este surgimento. Em seu livro A condição pós-moderna (1979), 52 Lyotard estuda a situação do saber (principal força econômica de produção, distribuição e legitimação) nas sociedades desenvolvidas (pós-modernas, segundo o autor). Para ele, pósmodernidade é uma condição e caracteriza-se pela deslegitimação dos esquemas das grandes narrativas que não convencem mais. Pós-modernidade é um termo retirado por Lyotard da Sociologia e da Crítica do continente americano, utilizado para designar a cultura após as transformações ocorridas com a crise dos grandes relatos que afetaram as normas dos jogos das ciências, da literatura e das artes no fim do século XIX. Outro filósofo francês, Gilles Lipovetsky, foi um dos que popularizaram o termo, embora acredite que a pós-modernidade nunca existiu e prefira utilizar o termo ―hipermodernidade‖, para definir este período após a década de 50. Acredita que o ―pós-‖ rompe com a modernidade, ideia com a qual concorda Maria Adélia Menegazzo (2004, p.25), ao afirmar: O ―pós‖ é visto como alteração na linguagem expressiva mais do que como prefixo cronológico e linear. Implica um trabalho exaustivo e interminável de análise, de recuperação da memória cultural e de invenção das práticas expressivas. Não significa, portanto, a negação total do passado, mas um ir além que se reconhece provisório e desafiador e que levou à revisão crítica do modernismo, bem como à sua revalorização. Lipovetsky vai mais além, pontuando que o ―pós‖ também não indica o que vem depois desta (a modernidade), como sugere o prefixo, o que é perceptível neste fragmento de entrevista concedida a Cesar Fraga (2010), ao jornal eletrônico Extra Classe22: Quando eu abordei essa noção de pós-moderno, o fiz numa tentativa de explicar fatos novos e uma nova realidade. Os fatos que eu estava assinalando, assim como os demais teóricos, são bem pontuais: o fim das ideologias, o surgimento de uma nova cultura hedonista, o destino da comunicação e do consumo de massa, o psicologismo, o culto do corpo. Todas essas realidades mostravam que havia um novo capitalismo e também um novo tempo da vida democrática. Foi para marcar essa mudança muito importante que empregamos o conceito de pós-moderno, assinalando, assim, uma bifurcação. Entendo que isso foi correto e verdadeiro naquele momento. Abordamos esses fenômenos sob o conceito de pós-moderno, pois percebíamos um sentimento de liberação em relação aos grandes discursos políticos, em relação ao isolamento dentro dos costumes, inclusive no que diz respeito à vida sexual. A pós-modernidade surgia para nós como uma saída da prisão, ao mesmo tempo em que a modernidade foi um grande ciclo histórico dominado pelo futuro. Tudo girava em torno de grandes perspectivas históricas: a revolução, a luta de classes, os nacionalismos. Toda a modernidade desde o século 18 construiu-se em nome do futuro, em 22 Entrevista disponível em <http://www.facom.ufba.br>. Acesso em: 15 mar. 2010. 53 nome do novo. A nova sociedade que se implantou durante os anos 1950, 60 e 70 estava mais centrada no presente – no hedonismo, no prazer, no consumo, na liberação sexual, – com o fim das grandes crenças políticas. Segundo Lipovetsky, a ―hipermodernidade‖ expande as características da sociedade moderna, como exemplo: o individualismo, o consumo exacerbado, a fragmentação da identidade. O filósofo defende que o homem está fragilizado pelo medo, numa era em que os valores são exagerados. Caracteriza o homem da sociedade contemporânea de hiperindividualista, único responsável pela sua própria existência. Sozinho, desprovido de proteção da sociedade e das Instituições, fragiliza-se. Esta evidência pode ser comprovada ao mensurarmos os dados de suicídios, ansiedade, depressão e utilização de medicamentos nas ultimas décadas. Na sociedade hipermoderna, os conflitos são da ordem da subjetividade, o embate do sujeito é consigo mesmo, ao sofrer as pressões do tempo, do trabalho. Os rompimentos são da ordem do privado, daí o divórcio, separações e isolamentos. Esta individualidade é uma das características de que Lipovetsky se apropria para consolidar a ideia de que o que vivemos não se trata de um novo momento, mas velhos princípios constitutivos da modernidade que ressurgem hiperbolicamente, como a valorização do indivíduo, da democracia, do mercado e da tecnociência. O sociólogo Zygmunt Bauman (2003) considera a pós-modernidade um modo de denominar a modernidade póstuma. Em um de seus livros, prefere o termo ―modernidade líquida‖ – flexível, volúvel, na qual os modelos e estruturas não duram o suficiente –, definindo este fenômeno como uma realidade ambígua em que ―[...] tudo que é sólido se desmancha no ar‖ (BAUMAN, 2003). É necessário distinguirmos o termo pós-modernidade de pós-modernismo, pois se trata de diferentes vocábulos e devem, portanto, ser compreendidos nos diferentes contextos em que surgem. Para tanto, apoiar-nos-emos na definição estabelecida pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Segundo esse autor, pós-modernidade diz respeito a uma sociedade, ou mesmo a um tipo de condição humana (aqui, parece-nos possível fazer uma ligação com o pensamento do filósofo francês Lyotard, que trata a pós-modernidade como uma condição); ao passo que pósmodernismo refere-se a uma visão de mundo que pode surgir da condição pós-moderna. O sociólogo explica que a confusão semântica gerada por estes termos o fez utilizar, em seus livros de publicação mais recente, o termo modernidade líquida em detrimento do termo pós- 54 modernidade que, inclusive, já apareceu em títulos e no texto de alguns de seus livros23. Bauman insiste em que o fato de escrever sobre a sociedade deste tempo e ser um sociólogo da pós-modernidade não faz dele um pós-modernista, o que de fato não é. No âmbito do social, Bauman (2003) vai ainda mais adiante com a seguinte afirmação: Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana e assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo.24 E é esta sociedade que vem surgindo ao nosso redor que este polonês pretende desvendar, uma sociedade que ainda carrega, ora para criticar, ora para consolidar, valores da modernidade (chamada por Bauman de ―modernidade sólida‖). Por exemplo, o ideal de modernização compulsiva e ausência das antigas ilusões, marcas da modernidade que ainda se sustentam na pós-modernidade do mesmo modo. Ao utilizar o termo ―modernidade líquida‖ para definir a sociedade pós-moderna, Bauman enfatiza algumas das características deste novo momento que o fazem lançar mão da metáfora da liquidez para marcar as reais e possíveis mudanças desta sociedade de relações pessoais tão fragilizadas e solúveis. O termo ―modernidade líquida‖ serviu a Bauman não apenas para livrá-lo do rótulo de profeta da pós-modernidade (título este com que não concorda), mas também para anunciar uma sociedade em que tudo é temporário. Há uma incapacidade de manter a forma – e assim como o líquido que se molda a depender do recipiente em que é depositado –, os valores, ―[...] instituições, quadros de referência, estilos de vida, as crenças, as convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades ‗auto-evidentes‘‖ (BAUMAN, 2003). A rigor, as diferenças entre as nomenclaturas utilizadas pelos teóricos contemporâneos para tratar a pós-modernidade não nos impossibilitam de compreender as mudanças deste tempo para o homem, sobretudo para o poeta. Com a mesma relevância, preocupa-nos investigar como este sujeito reage às transformações socioculturais de sua época. 23 Um dos livros do escritor polonês recebeu o termo já no título, O mal-estar da pós-modernidade (1998). Entrevista concedida a Maria Lucia Garcia Pallares-Burke especial para a Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 out. 2003. Disponível em: <http://www.2.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 25 mar. 2010. 24 55 O que resta, após rever esse panorama, é a certeza de que, embora a pós-modernidade não se apresenta como um elemento de ruptura com o paradigma da modernidade, encara-se o pós-moderno como uma saída para o indivíduo diante dos problemas advindos da modernidade. A pós-modernidade se consolida, deste modo, como a ―fadiga‖, de um momento que se pretende refazer, reconstruir, ou rever à luz das experiências vividas pelo sujeito da modernidade que: [...] depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer [...]. O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade. (ROUANET, 1987, p.229). Enfim, as explicações para o pós-moderno ainda estão sendo construídas, as teorias consolidando-se e a inquietação produzida por este mal-estar, ainda pode ser sentida. Não obstante, contribuímos para a compreensão deste tempo complexo, expondo-o à luz daquele que nos dá pistas do que está acontecendo: o poeta, que, na sua subjetividade, traduz sem pejo o sentimento do indivíduo diante das mudanças sociais. A importância de construir um panorama para visualizarmos o atual cenário do que se afirma em torno do pós-moderno reside no fato de o pós-moderno ser um tempo que não precisa de explicações, pois as próprias produções publicadas na contemporaneidade se encarregam de voltar-se para si mesmas, refletir, revisar e pragmatizar a própria teoria, criticamente. É por isto que a Literatura vai aliar-se à História (não aquela oficial, do discurso autoritário de uma verdade) num ―[...] processo de revisão e reflexão crítica criativa‖ (RAMOS, 1995, p.16) e produzirão uma confluência de obras que refletem a sua própria condição, voltando-se para elementos envolvidos neste processo (leitor, escritor, poeta, obra, poesia, história, etc.). Assim, o texto literário produzido na pós-modernidade nos dará condições de ler ―[...] o fim das utopias, as diferenças, as minorias, as subjetividades diluídas, a sociedade do 56 consumo‖. Além do mais, as noções que sustentam o pós-moderno ―[...] são citadas, referidas e ficcionalizadas pela literatura. Os textos são repletos de citações e os personagens são simulacros de figurantes de um cenário nostálgico, emoldurado pelo kitsch, o que nos remete ao passado sem nostalgia emocional‖ (RAMOS, 1995, p 17). Destarte, vai-se firmando a literatura em tempos de simulacro, após passar por uma fase de questionamentos como foi a década de 70 e procurar as respostas na história para o que estaria por vir nos anos 90. Num diálogo voltado para si, no qual os jogos metalinguísticos se encarregarão de reconstruir as fissuras e recuperar a fadiga instalada pelo tempo. 2.2 ―UMA QUESTÃO DE MÉTODO‖: MODERNIDADE A LÍRICA WALYNIANA NA PÓS- A lírica pós-moderna traz consigo, além da figura do poeta como crítico que apresenta conscientemente um projeto de poesia (o que na verdade já se manifestara no Modernismo), a preocupação com uma nova forma de expressão que não se prende necessariamente a um conteúdo, ou, melhor dito, que se prende a vários conteúdos, o que implica também uma expressão vária. Trata-se, para usar aqui um sintagma felicíssimo de Torquato Neto, da Geléia Geral25. Daí o fusionismo ser o traço mais evidente da estética pós-moderna e não só no que diz respeito à literatura, mas a todas as manifestações artísticas. A um tempo, paráfrase (norma) e paródia (desvio), a poética da pós-modernidade, por isso mesmo, cria uma junção entre incompreensibilidade e fascinação, e propõe ao leitor um jogo de deciframento. Esse jogo opera no campo da espacialidade, da fragmentação, da negação da referencialidade linear, do amalgamento intertextual, da autorreferenciação. É fruto da relação crítica do autor com o texto na sua ordem tradicional, da exploração crítica das potencialidades expressivas da língua e do código escrito, e exige o posicionamento crítico do leitor. Assim, a poesia pós-moderna pede para ser entendida, não decifrada. A poesia se apresenta despreocupadamente com relação à forma, algumas se estendendo a ponto de visualmente se confundirem com o texto em prosa. É uma (des) definição da forma tradicional. Tanto a lírica quanto a ficção apresentarão temáticas várias, referências exageradas, muitas citações, bricolagem, um retorno à própria literatura, ao fazer poético e literário, a reivindicação da postura crítica do leitor perante a obra e a reflexão sobre 25 Termo do poeta Décio Pignatari, utilizado pelos compositores tropicalistas Torquato Neto e Gilberto Gil como título de uma canção-manifesto. 57 a situação do poeta de seu tempo. Portanto, a lírica pós-moderna constitui-se com um caráter intertextual e metalinguístico e pressupõe um leitor conhecedor de um variado repertório textual. É nesse ambiente que devemos compreender os poetas Torquato Neto e Salomão. A fabricação da poesia deste último revela uma tentativa de compreender o processo de construção poética e, desse modo, propõe uma nova concepção mixórdica26 de poesia, seja quanto aos temas, seja quanto às formas. Por isso, num mesmo poema de Waly Salomão há várias histórias e vários dizeres, sobretudo poéticos, o que exige um leitor com bom repertório (literário, musical, teatral, etc.). A poesia produzida em ambiente de pós-modernidade, em geral, não obedece ao rigor e à disciplina formal. Ao contrário, nela predomina a desconstrução dos versos, da linguagem e da métrica. Salomão, por exemplo, marca essa característica nos versos de seu poema ―Exterior‖: Por que a poesia tem que se confinar às paredes de dentro da vulva do poema? Porque proibir à poesia estourar os limites do grelo da greta da gruta e se espraiar em pleno grude além da grade do sol nascido quadrado? Porque a poesia tem que se sustentar de pé, cartesiana milícia enfileirada, obediente filha da pauta? Por que a poesia não pode ficar de quatro e se agachar e se esgueirar para gozar – CARPE DIEM! fora da zona da página? Por que a poesia de rabo preso sem poder se operar e, operada, polimórfica e perversa, não pode travestir-se com os clitóris e balangandãs da lira? (SALOMÃO, 1998, p.55). 26 De mixórdia, segundo o Dicionário Ediouro da Língua Portuguesa (2000), significa miscelânea, misturada, confusão, embrulhada. 58 Esteticamente, nesse poema, há uma nova forma de comunicação poética: a gráfica, bebida na fonte dos concretistas brasileiros (os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari), aliada à dimensão crítico-satírica, hiperbólica, sobretudo transformadora, de Vladimir Maiakóvski. Há, em ―Exterior‖, a transgressão comportamental e também estética. Para o poeta russo, não há conteúdo revolucionário sem forma revolucionária. Salomão escreve como quem concorda com Maiákóvski. Versos despreocupados, quanto à forma, porém presos a um conteúdo. No poema, está contida a manifestação ou quase repúdio à disciplina formal. O eu lírico reclama quanto à rigidez dos versos tradicionais que espremem o poema e o impossibilitam de extravasar. O léxico selecionado remete a uma atmosfera não-pudica, na qual alguns vocábulos, como ―pauta‖, ―zona da página‖, assumem um sentido erotizado. Entre as manifestações artísticas que existem, a poesia é uma das que mais sensivelmente capturam as transformações do homem e da sociedade. Essas transformações podem ser reveladas na forma, na estrutura do poema, na temática escolhida, nas palavras utilizadas ou mesmo nas imagens construídas. A ideia de que o poema nascia pronto e o poeta apenas o materializa, transpondo-o para o papel, já foi refutada. É sabido que há um trabalho árduo até deixar um poema acabado, ou pelo menos apto para a apreciação de um leitor. Ainda que fruto de um eterno fazer e refazer, não se deixa ali de inserir suas marcas. As marcas de um homem e de um tempo são impressas, consciente ou inconscientemente, naquele projeto. Por isso, a produção dos poetas e artistas nas décadas de 60 e 70 é tão peculiar. Em 1960, observamos um movimento denominado de contracultura, que é um termo originado na imprensa norte-americana, para nomear um conjunto de manifestações ou movimentos de contestação radical. Caracterizava-se pela oposição à forma de cultura estabelecida pelas instituições de poder e refere-se à cultura que não é reconhecida, que se desenvolve à margem de um sistema socialmente referendado, uma anticultura. Pode ser compreendido como um fenômeno histórico, possível de ser localizado nos anos 60, bem como um posicionamento, ou melhor, uma postura que vem de encontro à cultura convencional (PEREIRA, 1986). Contracultura nomeia uma série de movimentos iniciados nos Estados Unidos e disseminados para o resto do mundo. Os beatninks foram grupos que se destacaram inicialmente pela ―rebeldia marginalizadora‖ nos anos 50. Envolvidos por doutrinas orientais, assim como seriam os hippies da década de 60, rejeitavam o intelectualismo, optavam por uma vida sensorial e desprezavam uma vida padronizada, convencional, por julgarem esta 59 regularidade como uma ―caretice‖. Os movimentos de oposição à cultura dominante se estenderam a diversas formas de manifestação artísticas, como a música e a poesia; os estilos de vida alternativos como o dos hippies; os grupos de jovens universitários, entre outros. Na poesia americana, vimos os rebeldes dos bairros boêmios que produziam a poesia beat. Tiveram como representantes Allen Ginsbeg, cujos versos polêmicos no poema ―Howl‖ (1956) dizem: ―I saw the best minds of my generation detroyed by madness 27‖, traduzindo a angustiante experiência de sua geração. Outros nomes, como William Burroughs e Jack Kerouac, também surgiram em meio a este movimento. Este último, em seu livro On The Road (1958), manifesta a rebeldia de uma época em seus versos quando diz: ―Eliminai a inibição literária, gramatical e sintática‖, sem ―nenhuma disciplina que não seja a da exaltação retórica e da afirmação não censurada‖ (apud PEREIRA, 1986, p.34). O reflexo da contracultura americana não tardou a chegar a outros lugares, inclusive ao Brasil (PEREIRA, 1986). A indisciplina dos versos pode ser observada, sobretudo naqueles autores que subverteram a ordem, poetas engajados, poetas dos movimentos de contracultura, que produziram (produzem) a poesia do ―desbunde‖, registrando seu posicionamento de oposição a um sistema estabelecido. No Brasil, o símbolo máximo do ―desbunde‖ desses artistas da geração de 70 foi a criação da revista Navilouca, uma publicação que ―[...] evidencia a atitude básica pós-tropicalista de mexer, brincar e introduzir elementos de resistência e desorganização nos canais legitimados do sistema‖ (HOLLANDA, 2004, p.83). Foi publicada em 1972, após o suicídio de Torquato Neto. A única edição da revista teve apoio financeiro de Caetano Veloso e participação de artistas como Haroldo de Campos, Chacal, Lygia Clark, Ivan Cardoso, Décio Pignatari, Hélio Oiticica, Stephen Berg, Luiz Otávio Pimentel, Jorge Salomão, Rogério Duarte, Duda Machado e Oscar Ramos. O artista plástico Hélio Oiticica, assim como o amigo Salomão, receberam influências diretas de Gertrude Stein. Ambos os escritores fizeram, cada um a seu modo, declarações de apreço à escritora. Oiticica confessou sua estima a Stein, por meio de cartas a amigos, e Salomão imprimiu marcas em sua poética que remetem ao estilo da poeta americana28. Esses 27 ―Vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela loucura‖ (apud PEREIRA, 1986, p.34) Helio Oiticica, em 28/02/1972, no texto ―Como Gertrudes Stein‖, enviado para a coluna Geléia Geral, de Torquato Neto, mandada de Nova York para um jornal brasileiro, fala, em tom ensaístico, do livro Me segura qu’eu vou dar um troço, estabelecendo uma relação de proximidade entre Salomão e Stein e a capacidade dos dois escritores de criarem insights, como o trocadilho ALPHA ALPHA alfavela VILLE, criado por Salomão cuja primazia é dada pelo artista plástico ao poeta. Oitica ainda afirma, referindo-se ao termo, que o trocadilho tratase de um conceito, não apenas de um título, como foi pensado por Waly Salomão (SALOMÃO, 2003, p.203) 28 60 diálogos revelam o verdadeiro espírito da pós-modernidade, porquanto se revisita criticamente o Modernismo e se recuperam elementos de vanguarda que traduzem inquietações que também são da ordem da contemporaneidade. Exemplifiquemos com o Me segura, pois, neste, a escrita de Waly Salomão se percebe ora sem pontuação, ora pontuada de modo a dar um ritmo de diálogo (conversa) ao texto. Em alguns trechos, as pausas são longas e imprimem velocidade na leitura, fazendo transparecer a ansiedade do sujeito na descrição dos relatos. Na pós-modernidade, além do repúdio à disciplina formal, são recorrentes os poemas apresentados em versos fragmentados, estrofes indefinidas, formando uma atmosfera que caracteriza a própria fragmentação do indivíduo, descrita por Hall (2006). Tal atmosfera remete a um sujeito de identidade flutuante, móvel, que se estabelece a cada nova situação que precisa enfrentar. Imagens são construídas por meio de fragmentos, na tentativa de recompor um passado – como podem ser observadas no poema ―Janela de Marinetti‖, (SALOMÃO, 2000, p.24), apresentado no início deste capítulo – em suspensão, distante e disperso, que não dialoga com o presente e que, por isso, encontra-se em fragmentos e precisa ser reconstituído. o anúncio ditava: ... ‗a farmácia estreita da rua larga‘... abro minha caixa de amor e ódio abuso da enumeração evocativa, desando a disparar: rua alves pereira... rua Apolinário peleteiro... rua do cochicho... distingo bem o caroço duro o de umbu chupado da bostica, da bustiquinha redondinha que nem biscoito de goma que a cabra da caatinga fabrica.[...] (SALOMÃO, 1998, p.26). A pós-modernidade é marcada pela negação da refencialidade linear. Portanto, cabe aqui destacarmos momentos na poesia de Salomão em que o tempo perde a historicidade, a capacidade de evolução temporal, quando, num mesmo poema, se fundem elementos de períodos distantes, produzindo uma sensação atemporal. Em ―Interfaces‖ (SALOMÃO, 2004, p.27), a tecnologia interfere na noção de tempo, quando signos relacionados ao contexto virtual (como o título do poema) emergem junto à evocação aos ―deuses do Olimpo‖, ou referências a ―armas‖ e vocábulos da informática como ―hipertexto‖, ―portais‖, são aproximados a verbetes como ―barões‖ (título comum a nobres fazendeiros de café durante séculos anteriores ao advento da informática). A junção de elementos que marcam 61 temporalidades distintas cria um produto cultural que parece surgir do aleatório, como explica Frederic Jameson (2007, p.52): A crise da historicidade agora nos leva de volta, de um outro modo, à questão da organização da temporalidade em geral no campo de forças do pós-moderno e também ao problema da forma que o tempo, a temporalidade e o sintagmático poderão assumir em uma outra cultura cada vez mais dominada pelo espaço e pela lógica espacial. Se, de fato, o sujeito perdeu sua capacidade de estender de forma ativa suas pretensões e retenções em um complexo temporal e organizar seu passado e seu futuro como uma experiência coerente, fica bastante difícil perceber como a produção cultural de tal sujeito poderia resultar em outra coisa que não um ‗amontoado de fragmentos‘ e em uma prática da heterogeneidade a esmo do fragmentário, do aleatório. Para Jameson, a perda da historicidade torna o produto cultural fragmentário cuja unidade (poema) propõe uma ideia que se desconecta devido à distancia temporal dos termos combinados no texto, tal qual acontece em ―Interfaces‖ (2004, p.27), quando um poema cujo título se inscreve na era tecnológica dialoga num contexto em que outros vocábulos evocam tempos completamente distantes ―Ride/- daí dali daqui do Olimpo-/Ó deuses que regei as interfaces/ Hipertexto de horrores e êxtases./ Armas pipocam/ Barões pipocam/ Praiasocidentais/ orientais- pipocam/ Toques de recolher pipocam‖ 29. Lyotard (2009), em A condição pós-moderna, pontua que uma das evidências desta condição é o fim das grandes narrativas. No paradigma da pós-modernidade, as grandes histórias com grandes personagens tornam-se insuficientes. É preciso uma história que dê conta dos microespaços e das micropersonagens. A micro-história passa a apontar importantes agentes que nunca formam citados, pequenos fatos que simulavam o comportamento de determinados grupos e ajudavam na compreensão de fenômenos sociais e fatos históricos, haja vista obras historiográficas, como Il ritorno de Martin Guerre, de Natalie Zemon Davis (1989), O queijo e os vermes, de Carlos Ginzburg (1976), até obras de cunho mais intimista como Minha vida de menina (1942), inspirada nos diários pessoais de Helena Morley. No Modernismo, observou-se um apreço pela ideia de grandiosidade produzida pela macrovisão da razão iluminista; na pós-modernidade, a preferência é pelas pequenas coisas. A título de ilustração, em 1997, a escritora indiana Suzanna Arundhati Roy publicou o livro O Deus das pequenas coisas. Neste trabalho, o nome da obra nos serve de metáfora para 29 A palavra-título retirada da informática significa ―um dispositivo que permite trocas e interações entre diferentes atores‖. Interface, 2010. Disponível em: < http://fr.wikipedia.org/wiki/Interface>. Acesso em: 25 abr.2010. 62 entender que, na pós-modernidade, no lugar de um grande Deus, serve-nos mais um pequeno Deus, que se possa levar no bolso. Tal metáfora reforça a noção de proximidade, uma vez que entre esse Deus e o homem não haveria distância. A partir de então, é possível pensarmos na ideia do individualismo, cara à pós-modernidade, pois cada pessoa com seu Deus no bolso teria a quem recorrer sem precisar de intermédio. Esse individualismo produz um sujeito preocupado com questões inerentes a ele mesmo e distante das macroquestões. Os grandes temas não interessam mais do que as narrativas individuais, os temas de cunho intimista. É possível observarmos, por exemplo, o escritor que se despe, sem se preocupar com as críticas, exposto, apresenta suas falhas e seus desvios. Atitudes como estas revelam o que de mais humano há por trás do sujeito que escreve e, ao mesmo tempo, revelam um comportamento subversivo. Salomão inicia sua vida literária assim, despido das contaminações estéticas e estilísticas da literatura tradicional e constrói uma ―obra símbolo da contracultura‖ (BOAVENTURA, 2007), pelo nível de subversão presente. Me segura é declaradamente uma obra produzida durante uma passagem pela prisão e Salomão finaliza o primeiro texto desta obra assim: ―São Paulo, Casa de Detenção, 18 dias de janeiro-fevereiro 1970‖ (SALOMÃO, 2003, p.31). Seus escritos publicados neste livro revelam um poeta de comportamento alternativo e apreço pela transgressão. Declarar o uso de drogas é um gesto transgressor, não uma novidade. Salomão opta por abrir mão de uma imagem sacralizada da figura do escritor e apontar uma imagem ―demasiadamente humana‖30. Me segura foi o primeiro passo para essa trajetória introspectiva: o self deste escritor sempre foi um ponto de partida para discutir questões diversas. As temáticas que permeiam suas obras trazem discussões sobre a situação do poeta de seu tempo, o (des)interesse pela arte literária, o leitor, a arte e sua capacidade de transformação social, etc. Mesmo assim, nenhum cotidiano passa despercebido aos olhos desse poeta, pois lhe servem de ingredientes para sua arte poética, o habitual mais puro, os micros e cyberespaços, por exemplo. Ainda em Me segura, um elemento bastante revelador utilizado por Salomão é a linguagem. Bacharel em Direito, escolhe o registro informal, às vezes vulgar, não por desconhecer a norma culta, mas para provocar, dar ao texto um tom que forja uma conversa. Aliás, é uma característica da poética de Salomão essa fusão entre o erudito e o vulgar, o oral e o escrito, sem desprestigiar qualquer dos registros. José Miguel Wisnik, na orelha do livro 30 Termo retirado da tradução da obra do filósofo alemão Frederich Nietzsche, Humano, demasiado humano, de 1878. 63 de poesias Lábia (1998), ressalta essa característica na poética de Salomão, denominando de ―con/fusão clarificadora entre o oral e o escrito que define uma dicção particular de vida e obra‖. Salomão define que essa marca vem do imediato com que os versos surgem, das outras vozes que saltam e se acondicionam em seus versos e unem a ―espontaneidade do coloquial e o estranhamento pensado‖ (SALOMÃO, 1998, p.89). Se retrocedermos algumas décadas na história da Literatura brasileira, perceberemos que essa junção do registro formal e informal no texto literário não é uma novidade. Os modernistas de 1922 já reivindicavam o lugar da fala popular, da linguagem coloquial em poesia. Os poemas de Oswald de Andrade, desde o Manifesto Pau-Brasil (publicado em 18 de março de 1924, no Jornal Correio da Manhã), se posicionava por uma ―[...] língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros‖. Em alguns dos seus poemas, defendeu esse posicionamento. Vejamos este exercício no poema intitulado ―Vício na fala‖: Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. (ANDRADE, 1991, p.22). Com o mesmo objetivo, escreveu Manoel Bandeira acerca da contribuição do registro informal da linguagem. Bandeira se posiciona a favor da ―língua do povo‖, a poesia que nasce das cantigas de rodas, dos pregões das vendedoras, das ruas, dos boatos e mexericos da vizinhança. Segundo esse poeta, foi nestes espaços que buscou as temáticas para suas composições: A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada […] (BANDEIRA, 1971, p.133-135). O uso do registro informal em Salomão colabora com a construção de uma linguagem ígnea, concebida sob influência dos tropicalistas e poetas marginais com quem conviveu, 64 quando o ―desbunde‖ e a postura contracultural eram sinônimos de resistência à dureza dos conhecidos ―anos de chumbo‖ da ditadura militar. Assim relembra Costa Pinto (2004, p.41), que ainda enfatiza que a oralidade, aliada à logopeia31 de Salomão, confunde os registros de prosa e poesia, do ensaio e da ficção, justificando: Por isso, os textos fragmentários de Me Segura Qu'Eu Vou Dar um Troço (1972), as anotações ensaísticas de Armarinho de Miudezas (1993) e os poemas de Algaravias (1996) e Lábia (1998) têm aquele mesmo ritmo vertiginoso descrito por ele no poema ‗Elipses Sertanejas‘ (de Tarifa de Embarque, 2000): ―Eu não nasci pra ser clássico de nascença:/ Assestar o olímpico olhar sobre o mundo nítido,/ Filtrar os miasmas externos e os espasmos do ego,/ Sob a impassibilidade dos céus tranqüilos e claros.../ [...] Fiz tudo ao contrário... Sou todo ao convulsivo.../ Cafarnaum de vielas e becos sem saídas.../ Quebra-queixo feito da crosta de dura substância‖. E, apesar dessa afirmação recortada por Costa Pinto, Salomão declara não ter nascido para ser clássico, porém, é na tradição que busca inspiração para seu fazer poético e afirma isso quando sustenta, em ―Orapronobis‖ (SALOMÃO, 2000, p.12), os seguintes versos: ―cafungo a minha dose diária de Murilo e Drummond‖. Acompanha o ritmo do tempo em que escreve, afinal, a pós-modernidade não rompe, mas se sustenta também das releituras e revisões críticas do Modernismo. Contudo, Waly Salomão não é refém da tradição (para acompanhar o raciocínio de Costa Pinto). É um nômade, adere rapidamente às mudanças, sejam elas bruscas, repentinas ou diacrônicas. Seu olhar aguçado de poeta possui ―aderência absoluta ao instantâneo‖ (SALOMÃO, 2000, p. 53). O uso da oralidade, de uma linguagem coloquial, não deve ser confundido como afirmação de uma vertente marginal, pois, no texto em que esses registros aparecem, do mesmo modo emergem as referências eruditas, citadas, parafraseadas. Os intertextos fazem ressoar as vozes de Goethe, Pound, Drummond, Walter Pater, Paul Celan, Ashbery, entre muitos outros. 31 Logopeia, de acordo com Ezra Pound, é uma das três esferas poéticas, e refere-se às capacidades reflexivas da linguagem poética. Remete-nos à construção de ideias, de sentidos. 65 2.3 A EXPERIÊNCIA DOS B-A-B-I-L-A-Q-U-E-S Os babilaques (1975-1977) são fotografias de poemas e outros escritos criados pelo poeta Salomão e fotografados em diferentes ambientes, paisagens naturais ou simuladas, para a composição da imagem. Seus cadernos com escritos, rascunhos de poemas, eram abertos em um cenário determinado pelo autor e fotografados. A intenção do poeta era mostrar como a poesia que há em uma palavra pode ser modificada, caso apresentemos esta palavra num ângulo diferenciado. Deste modo, submete seus cadernos aos mais inusitados cenários e fotografa suas páginas individualmente. Esta nova proposta de apresentar seus escritos foi organizada na década de 70. Salomão pretendia expor o resultado numa amostra denominada ―Babilaques: Alguns Cristais Clivados‖. Salomão consegue propor uma nova possibilidade para o exercício poético, já que as palavras dessa poesia para ter significância precisarão contar com um leitor atento não apenas ao que está escrito, mas ao conjunto que aquela imagem organiza. Dentro dessa perspectiva, caberia questionamento para a concepção de ―leitor‖, uma vez que não temos mais o poema no sentido tradicional do termo, mas a fusão de textos com artes visuais. O termo ―babilaques‖ deriva da palavra ―badulaques‖ e significa um conjunto de coisas miúdas que alguém traz consigo, mas pode ser também um jargão utilizado por policiais para denominar ―documentos‖. Entretanto, na ocasião em que intitulou suas criações, a palavra não era dicionarizada, e tal fato fazia o poeta acreditar que permitia ao vocábulo ―possibilidades virtualmente infinitas‖. Salomão definiu esta experiência como performancespoético-visuais, pois, para ele, poesia visual tratava-se de uma definição pouco abrangente e não dava conta da somatória de linguagens articuladas pelos babilaques. Em um primeiro momento, a impressão causada por esta experiência de Salomão é de estranhamento e nos faz lembrar a curiosa diagramação dos versos dispostos em seu Me segura qu’eu vou dar um troço, no qual compõe poemas no limite entre a prosa e a poesia, fazendo com que o gênero poético ganhe definições alargadoras. Confirmando tais práticas como alternativas pós-modernas, Berardinelli (2007, p.175) justifica dizendo que ―[...] as fronteiras da poesia como gênero literário se dilatam e se restringem de acordo com a atitude de cada autor (nas diversas situações ou contingências históricas), que inclui ou exclui da linguagem poética aquilo que também pode ser dito (e é dito) em outros gêneros literários‖. Em outras palavras, é explorar todas as possibilidades do signo linguístico expostas sobre espaços incomuns. Salomão queria potencializar, dotar de significância palavras, 66 tirando-as do contexto engessado do papel e revelando-as sob luz, cores, enquadramento, ângulo, recorte do universo da fotografia: É o desejo de tocar o outro por meio da palavra, colocada mais próxima da vida do que da regra. Para que isto aconteça, é necessário rachar a moldura sintática, o enquadramento lógico, moral, estático e libertar a palavra do cárcere formal do significado: babilaques. Desreprimir a palavra em contraste com a moral militar contaminada em contraste com a moral militar contaminada em uma sociedade passiva e paroquial. (SALOMÃO, 2008, p.84) Ou apenas forçar os limites de sua poesia, pois, no olhar crítico de Berardinelli (2007, p.179): [...] na Pós-modernidade, a poesia forçou seus limites: 1) recuperando dimensões da prosa ou, às vezes da teatralidade; 2) reabrindo o diálogo com a tradição pré-moderna; 3) praticando uma pluralidade de vias possíveis e saindo da tutela de poéticas fundadas numa consciência histórica do tipo monista; 4) mantendo, recuperando ou desconstruindo o espaço clássico da lírica como absoluto monólogo a meio caminho entre ―universo humano‖ da experiência e ―idioleto‖ estilístico. A fusão das linguagens advém da insuficiência do verbo que precisa ser apresentado como numa performance e, assim, revelar-se polissemicamente. Desse modo o poeta utilizou como pano de fundo para fotografar seus poemas a grama, roupas, latas velhas, colagens, tecidos, partes de um carro, sobreposto em outros cadernos, calçada, etc., aproximando sua poesia do mesmo espaço onde afirma sair seus versos, o cotidiano. Sobre o cenário escolhido, era fixado um caderno com um poema e fotografado. O resultado da experiência era um produto visual que apontaria a um leitor precavido com o texto e com a multiplicidade de significados que o conjunto da imagem remete. Neste exercício poético-visual anticonvencional, outros sentidos são estimulados, e a expurgação viria de um misto de estranheza e novidade com a exploração de sentidos em busca de novos significados para o texto. Na maioria, os registros fotográficos dos seus babilaques foram realizados pela sua esposa Martha Braga em Nova York, Salvador e Rio de Janeiro. Esta nova modalidade artística requer um tipo de leitor-expectador para sua apreciação. Os babilaques de Salomão surgem de uma primeira experiência datada de 1971. Ano em que o artista plástico Carlos Vergara promove uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, intitulando-a curiosamente de ―Exposição‖. Este evento apresentou obras de artistas que nunca tiveram 67 experiência com artes plásticas, Salomão participou apresentando um poema visual. Neste, havia uma mão sobreposta aos símbolos do Rio de Janeiro (Corcovado, Cristo Redentor, algumas araras, palmeiras), na palma da mão, o inscrito: ―conheço o Rio de Janeiro como a palma da minha mão cujos traços desconheço‖ 32. É transitando nos descaminhos das artes e dos artistas do século XX que Salomão consolida seu inusitado projeto de poesia, exercendo a multiliguagem e alcançando uma pluralidade de significados para seus textos. O resultado artístico obtido com os babilaques, a representação do real, o produto da apreciação do leitor-expectador é o simulacro poético. Ao ressignificar o modo de composição e apreciação do texto poético, Salomão evidencia o novo lugar e os limites da poesia contemporânea, afinal ―[...] a obra nunca tem, portanto, uma pura e única finalidade artística, mas tem uma finalidade existencial‖ (BARTHES, 2005, p.77). No caso de Salomão, suas criações são reveladoras da sua existência enquanto sujeito múltiplo. Não raro escreveu em Lábia (1997, p.63): ―Sou a pessoa menos digna de fidúcia/ porque não sou uno, monolítico, inteiriço/ [...] sou volátil, evasivo‖. Poucos poetas na literatura brasileira conseguiram articular linguagens e gêneros tão diversos, sobretudo quando se reconhece que ao leitor cabe a última palavra sobre o poema, pois como está na orelha do livro de Waly Salomão (2001): ―[...] o autor, na verdade, é falível,/É vulnerável, e sobretudo, ele/ não detém a ultima palavra, a/ chave final sobre a propulsão/ que um poema pode despertar/ num eventual leitor...// como se sabe,/ o leitor é livre:/ pode ler assim ou assado‖. Isto torna insensata esta tarefa de escrever e ―[...] se entregar inteiramente, completamente ao olhar do outro‖ (BARTHES, 2005, p.83). A despreocupação do autor com o estranhamento que esta mixórdia pode causar reside no fato de Salomão, enquanto sujeito desejante, promover o ―encontro de todas as linguagens por meio da poesia‖. Para Assunção (2009, p.86): As vozes, os fluxos, os ritmos e os sons. As cores, os timbres, as melodias e os tons. É necessário bombardear a convencionalidade formal e experimentar novas possibilidades cinéticas a partir da palavra. Primeiro implode-se a expressão e o significado para trazer à tona a tensão entre imagens e sonoridade. A palavra desencadeia a trama livre dos sentidos pela experiência musical, poética e visual: alterar. 32 Poema visual publicado como anexo na segunda edição do Me segura qu’eu vou dar um troço, 2003. 68 À medida que os versos exigem presença física para se realizar, outras presenças também são reivindicadas por meio das suas performances-poético-visuais. O poeta Torquato Neto, o cineasta Dziga Vertov e o pintor holandês Piet Mondrian são incluídos como personagens das montagens. É o que se pode observar na disputa metafórica entre a vida e a morte representada no babilaque intitulado ―Torpedo suicida‖, construído em homenagem ao amigo Torquato Neto. Sérgio Assunção (2009, p.90) considera o referido poeta, ―[...] ícone do embate ideológico/existencial‖ e, portanto, personagem deste trabalho em que Salomão compõe, utilizando a oposição de letras brancas no caderno de fundo negro e espiral branco, grafando a seguinte inscrição: Inside Outinside os dentros do WITHIN (SALOMÃO, 2007b) Na intersecção do dentro e do fora é que reside o poeta, afinal, em Gigolôs de bibelôs, Salomão havia declarado que ―o extraordinário é a morada do poeta‖. O extraordinário reside de fato nas cenas cotidianas, de onde surgem os motivos para suas criações. Neste sentido, convêm a compreensão do babilaque que referenda Dziga Vertov, o cineasta russo. Vertov, cujos filmes evidenciam cenas cotidianas em paisagens simples, planos bem montados e cuidadosamente elaborados, conseguia dar uma seqüência narrativa e poética para suas produções. Vertov inspira Salomão na produção dos seus babilaques, e este, na montagem intitulada ―Vertozigagens V‖, parece brincar com esta influência, quando compõe sobre um tecido negro de listras vermelhas o seu caderno e cola ao lado a imagem do cineasta, com o inscrito: O homem com a câmera de Cinema Dziga Vertov Vertozigagens eu e Martha Vertov é o Picasso do cinema Com Picasso quero dizer Que Vertov é o Picasso e o Malevith e o Tatlin e o Modrian e o Cézanne E o Maiakovski e o Marinetti O OLHO SEM CRISES MONÓTONAS DE CONSCIÊNCIA Arranjos Dinâmicos (SALOMÃO, 2007b, p.101). 69 Em outro babilaque, faz um pastiche do estilo do pintor Piet Mondrian, organizando uns cadernos com as capas nas cores azul, amarelo e vermelho e sobrepondo seu caderno com inscritos intitulados ―Prazer de escrever‖. A esta montagem, Salomão atribui satiricamente o nome de ―Modrian barato‖, devido à disposição dos cadernos, que remetem ao famoso quadro com as formas geométricas, em um padrão peculiar criado pelo pintor holandês. O conjunto dos babilaques criados por Salomão revela o quão conhecedor era este poeta das vanguardas do século XX. De um modo experimental, organizou suas performances-poético-visuais misturando arte, poesia, conhecimento, e experimentando ideias novas e novas possibilidades para o texto poético. No babilaque ―Santo Graalfico‖, Salomão potencializa a capacidade metalinguística dos seus experimentos, orientado sobre a necessidade de evidenciar a palavra, que se multiplica em termos de significado e, quando, a um novo modo de apresentação cria o poema que extrapola os limites literários e apresenta-se performática: MEU AMOR MELADO NA BATALHA Pelo Santo GraaLfico Meu amor cheira líquidos químicos reveladores FAVOR COMPARECER A SALA DE RECEPÇÃO Primeira prova provas SATISFAZER A VONTADE DO CLIENTE Letra apagada acender Critério de NITIDEZ Critério de LEGIBILIDADE CHAPARA A LETRA LUPA NA MÃO letras de aumento no escuro desta região as letras saltam da ponta do estilete até onde o cromo ajuda a ampliar PALAVRAS POUSAM CHAPADAS NA PRAIA ORILLA MEU AMOR DE MUITAS CORES POLICRÔMICO FOTOLITO (SALOMÃO, 2007b, p..90). Compreendemos os babilaques de Salomão como a representação amalgâmica de todas as linguagens que sua poética deseja aproveitar. O próprio poeta definiu seu trabalho como a fusão da escrita com a plasticidade: 70 Considero BABILAQUES um crisol em que minha família de afinidades eletivas se afirma: Appolinaire, Jean Arp. Jean-Luc Godard, os futuristas italianos e russos. Faço também uma polinização cruzada com a forte corrente de experimentalidade brasileira que intimamente vivenciei desde meados dos anos 1960. Minha formação literária anterior já tendia a ser polifônica e interdisciplinar. (SALOMÃO, 2007b, p.61). Esta experiência poética peculiar amalgama um forte traço da poética walyniana, que representa o texto em forma de performance, as palavras deixam sua fixidez e encenam um diálogo articulado com diversas linguagens. É registrado pela lente fotográfica, que captura um momento da performance e a caracteriza como um registro poético-visual. Neste exercício, fica evidente a relação que o poeta estabelece com outras artes, transformando-as em exercício poético. Os babilaques nos permitem ler o poeta não como poeta, simplesmente, mas como um articulador de linguagens que cria uma modalidade capaz de definir e revelar o próprio criador. Se, até o momento, falamos de ―poesia sobre poesia‖ e de linguagem que traduz e explica outras linguagens é porque a metalinguagem é um traço marcante na poética de Salomão. Vejamos um estudo minucioso do procedimento no capítulo seguinte. 71 3 O PROCESSO CRÍTICO-CRIATIVO NA POESIA DE WALY SALOMÃO Sonho o poema de arquitetura ideal Cuja própria nata de cimento Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair Faíscas das britas e leite das pedras. Acordo E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo. Acordo O prédio, pedra e cal, esvoaça Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se, Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido Acordo, e o poema-miragem se desfaz Desconstruído como se nunca houvera sido. (SALOMÃO, 2007a, p.35). 3.1 DOS METAPOEMAS DA LITERATURA BRASILEIRA33 O filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal (1997), abre o capítulo destinado a discutir ―Os estudos literários hoje‖, com uma resposta emitida à redação de um jornal que o inquiria a respeito do atual estado da pesquisa literária. Bakhtin argumenta inicialmente que as respostas às questões dessa natureza não podem ser categóricas nem seguras, pois, quando nos pronunciamos sobre nosso tempo, estamos expostos ao erro (num sentido, ou noutro) e convém considerar este fato (BAKHTIN, 1997). A resposta de Bakhtin ao jornal conforta o sentimento que perpassa esta pesquisa desde as consideraçãoes iniciais, como deixamos registrado. Falar do transitório, do que está em movimento ou em fase de consolidação nos torna reféns dos confrontos e das teorias que podem surgir a qualquer momento dos centros de estudos e pesquisas. Entretanto, este motivo não foi para o filósofo um entrave para responder à questão lançada, tampouco é empecilho para registrar aqui nossas consideraçõe a partir das leituras e revisões teóricas realizadas. Embora falemos de um poeta contemporâneo que traduz inquietações do tempo em que vive (vivemos), o que nos interessa é pensá-lo a partir de sua metapoesia. Esta, por sua vez, não é uma modalidade nova, todavia, muito recorrente na pós-modernidade. A 33 Todos os poemas que se encontram sem referência, tópico 3.1 deste capítulo foram retirados da página do Jornal de Poesia. Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br>. Acesso em: 10 jul. 2010. 72 metalinguagem como recurso literário pode ser encontrada desde as epopeias da antiguidade, quando seus escritores evocavam os deuses para dar-lhes inspiração e iluminá-los na construção literária. É possível percebermos a metalinguagem em textos bem antigos, mas, como se trata de um contexto muito extenso, cabe aqui um panorama de como os metapoemas fazem parte de uma modalidade bastante utilizada pelos poetas da Literatura brasileira. A primeira obra com finalidade meramente literária citada pelos compêndios como publicada no Brasil é Prosopopeia (1601), do português Bento Teixeira. É um poemeto épico que conta a história de José de Albuqueque Coelho – donatário da capitania de Pernambuco – e de seu irmão Duarte. Enaltecia, por meio do narrador Proteu, os feitos dos guerreiros no Brasil e na Batalha do Alcácer-Quibir, na África: I Cantem Poetas o Poder Romano, Sobmetendo Nações ao jugo duro; O Mantuano pinte o Rei Troiano, Descendo à confusão do Reino escuro; Que eu canto um Albuquerque soberano, LX Olhai o grande gozo e doce glória Que tereis quando, postos em descanso, Contardes esta larga e triste história, Junto do pátrio lar, seguro e manso. Prosopopeia não foi considerada uma obra emblemática seiscentista pelo caráter mimético que tinha com Os lusíadas (1572), de Luis de Camões. No poema de Bento Teixeira, interessa-nos apontar o tom parodístico e as influências do poema de Camões, bem como a referência a outros poetas. Afirmando que só lhe preocupa a história do seu povo, enquanto uns cantam outros poderes, ele vai cantar a história de Albuquerque Coelho, que representa sua nação na batalha em terras estrangeiras. Ainda no século XVII, o poeta Gregório de Matos Guerra compôs um soneto em que satiricamente descreve o processo de composição deste poema de forma fixa, [composto por] que contém dois quartetos e dois tercetos. Vejamos como o ―Boca do Inferno34‖ escreve o poema que se volta para si, produzindo o metapoema: 34 Alcunha do poeta baiano. 73 Soneto Um soneto começo em vosso gabo; Contemos esta regra por primeira, Já lá vão duas, e esta é a terceira, Já este quartetinho está no cabo. Na quinta torce agora a porca o rabo: A sexta vá também desta maneira, na sétima entro já com grã canseira, E saio dos quartetos muito brabo. Agora nos tercetos que direi? Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais, Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei. Nesta vida um soneto já ditei, Se desta agora escapo, nunca mais; Louvado seja Deus, que o acabei. Os poetas árcades, escondidos por meio dos pseudônimos, com menor frequência, exercitaram a metalinguagem para explicar os versos que compunham para suas musas. Assim faz Tomas Antônio Gonzaga nos conhecidos versos Marília de Dirceu (1872, Lira V): Meus versos, alegres, aqui repetia; o eco das palavras três vezes dizia. Se chamo por ele, já não me responde; parece se esconde cansado de dar-me os ais que lhe dou. Os românticos realizaram reflexões metalinguísticas de diferentes modos. Casimiro de Abreu, poeta da segunda geração romântica, parafraseou os versos do poema ―Canção do exílio‖, do também romântico da primeira geração Gonçalves Dias. Desde a bricolage realizada no título, quando Casimiro o reproduz em seu poema, às mudanças lexicais que o alteram – porém, sem mudar o sentido, configurando uma paráfrase – é estabelecida uma metalinguagem intertextual: 74 Canção do exílio Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus! não seja já Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Outro romântico da terceira geração, o poeta baiano Castro Alves, no poema ―Depois da leitura de um poema‖, compara a genialidade do poeta com a distância entre a terra e o céu: Às vem o pastor subindo aos Alpes Lança aos abismos a canção tremente. Responde embaixo — o precipício enorme! Responde em cima — o firmamento ingente! Poeta! a voz do pegureiro errante Em ti vibrando... se alteou!... cresceu! Tua alma é funda — como é fundo o pego! Teu gênio é alto — como é alto o céu! Machado de Assis foi um dos escritores polígrafos da Literatura brasileira, escrevendo desde contos, dramas, ficção, ensaios, a poemas. Destacou-se na ficção, sobretudo pelo seu modo peculiar de desenvolver suas narrativas (curtas e longas) e introduzir diálogos diretos entre narrador e leitor. Porém, o caráter metalinguístico deste escritor não se restringiu apenas à prosa, aparecendo na poesia também. Nos últimos versos do soneto abaixo, argumenta ironicamente a escolha desta modalidade para compor o poema e fala da luta travada neste processo criativo: Soneto de Natal Um homem, — era aquela noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno, — Ao relembrar os dias de pequeno, E a viva dança, e a lépida cantiga, Quis transportar ao verso doce e ameno As sensações da sua idade antiga, Naquela mesma velha noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno. Escolheu o soneto... A folha branca Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca, A pena não acode ao gesto seu. 75 E, em vão lutando contra o metro adverso, Só lhe saiu este pequeno verso: ―Mudaria o Natal ou mudei eu?‖ Aqueles que pregaram o culto à forma do poema não poderiam deixar de compor sem justificar a importância de criar com o rigor do metro. O labor poético aparece em vários poemas de Olavo Bilac, que não se priva de declarar, por meio de seus textos, a primazia da arte entre outras atividades e, portanto, esta deve ter função apenas estética, artística, pura, como aparece nos seguintes versos: A um poeta Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. Os simbolistas, mais motivados pelas questões pessoais, refletiram menos sobre o seu fazer em detrimento de temas mais intimistas e amorosos, mesmo assim, encontramos em Cruz e Souza uma ideia sacralizada do poeta, bem como uma apologia a poetas românticos brasileiros e portugueses: Ao decênio de Castro Alves [...] Foi Deus que disse: – Poeta, Vem decantar a meus pés. Na eternidade há mais luz, Dão mais valor ao que és. Se lá na terra tens louros, Receberás cá tesouros 76 De muitas glórias até! Terás a lira adorada C'o divo plectro afinada De Dante, Tasso e Garret! Nesse breve percurso por alguns poemas da literatura brasileira, observamos que a metalinguagem não é um fenômeno próprio dos poetas modernos e pós-modernos. Já se praticavam poemas crítico-criativos desde as origens da nossa literatura. Entretanto, no Modernismo brasileiro, vemos isto tornar-se mais frequente. Com a pós-modernidade, parece exagerar-se a necessidade de o poeta tematizar o seu processo de criação. E ainda que o universo ou o cotidiano sejam temas de seus poemas, junto a estes estarão reflexões de si, do seu texto e da sua condição de poeta. Portanto, feita esta historização de alguns metapoemas da literatura no Brasil, busquemos entender como se processa o fenômeno da metalinguagem, para que percebamos como este ocorre na poesia de Salomão, que é o objetivo da nossa pesquisa. 3.2 A FABRICAÇÃO DA POESIA: DA METALINGUAGEM EM JAKOBSON ÀS OUTRAS METAS DE CAMPOS Em 1967, Haroldo de Campos teorizou sobre a função da linguagem proposta por Roman Jakobson, a metalinguagem. Também propôs uma reflexão acerca deste recurso tão utilizado pelos cânones da literatura (Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Murilo Mendes, etc.). Para Campos (1967), a crítica e a tradução são atividades metalinguísticas, pois constituem linguagem sobre a linguagem. E o objeto, ou, "linguagem-objeto" dessa metalinguagem é a obra de arte. Segundo Campos (1967), a crítica como metalinguagem é o caminho escolhido para entender os "[...] problemas concretos da poesia e da prosa brasileira contemporânea" (CAMPOS, 2004, p.12). Ele também acredita que, ao investigar a obra de invenção de alguns poetas, estaríamos apreciando o potencial inventivo de cada um. Assim, também é possível perceber como a metalinguagem revela os diálogos que cada autor estabelece com outros textos, bem como com outros autores do seu tempo. [...] aqui caberia lembrar a tese de Charles Sanders Pierce, segundo a qual todo signo traduz-se em outro signo, que o desenvolve mais amplamente ou mais condensadamente. 77 É o que faz a crítica – a literária, por exemplo, comporta-se metalinguísticamente diante do seu objeto de estudo. É o que faz a tradução: recupera a qualidade sensível do original e a surpreende na recriação do (novo) texto. É o que faz o dicionário: tenta dar conta mais amplamente possível das relações de significância das palavras. (CHALHUB, 1993, p.55. Grifos da autora). É a partir dessa definição, resumida por Chalhub, da função metalinguística que refletiremos a poesia de Salomão, poeta cuja obra está carregada de metalinguagem, sendo possível até afirmar que esta é um traço indissociável de sua produção literária/musical. A função metalinguística no texto poético de Salomão vai reclamar, assim, um leitor mais participativo, capaz de dialogar com o criador sobre a obra e o fazer poético. Sua poesia exige um leitor/receptor mais engajado, apto a produzir algo que não é fruto da inspiração, como cultuamos por muito tempo, mas fruto do trabalho e estudo do poeta, um eterno fazer, desfazer, refazer até chegar ao ponto de materialização do poema. Os poemas de Salomão não compõem uma obra pedagogizante, como fora a do também poeta Ezra Pound, mas constituem uma produção que adverte o leitor de poesia, convida-o a praticar este exercício e pragmatiza. Exercita também todas as leituras por ele realizadas ao longo de sua vida, de Drummond a Pound; sobre poesia e fazer poético. Salomão compôs poemas cujos temas refletiam o ato criador e criticou aqueles que indicavam receitas prontas para isto. Dono de um discurso livre, desprendido de quaisquer normas e preceitos, demonstra antes de tudo preocupar-se com os que trabalham com a construção do texto literário. Ao trazer a ―situação problemática‖ do poeta contemporâneo como motivo em seus textos, Salomão constrói a chamada metapoesia, um procedimento comum na modernidade e, sobretudo, na pós-modernidade: poesia sobre poesia. Não há como pensar o fazer poético sem relacionar essa discussão aos poetas modernos. Afinal, foram estes que se debruçaram sobre tal temática, trazendo o assunto para a ordem do dia. É do poeta português Fernando Pessoa (1972, p.164), a inquietante reflexão sobre o sujeito que escreve: ―o poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente‖. O que Pessoa preferiu denominar como fingimento, outros poetas compreendem como elaboração, fabricação, criação, ou seja, sintagmas diferentes para definir o mesmo processo, a composição poética. O fazer poético mobiliza escritores e poetas, há muito tempo, por ser uma forma possível de externar, por meio do produto literário, as questões existenciais. Para o escritor, é 78 possível utilizar seu próprio texto como argumento que justifique a razão de escrever e, sobretudo, olhar sua própria produção como uma ferramenta à procura de esclarecimento quanto aos seus êxitos pessoais, embora este seja um motivo que, nos poemas, tem resistido a mudanças no panorama literário. No entanto, a escrita crítico-criativa não foi concebida pelos modernistas do mesmo modo que para os pós-modernos. Revisitemos alguns daqueles que, mais eloquentemente, discutiram o fazer poético em seus escritos durante o Modernismo, para compreendermos como esta mudança se estabelece na pós-modernidade. Diversas foram as formas de apropriação, pelos poetas modernistas, da função metalinguística da linguagem para traduzir nos versos o seu próprio fazer. Manuel Bandeira, por exemplo, na semana inaugural do Modernismo no Brasil, escreveu – para deleite e, ao mesmo tempo, recusa da plateia que prestigiava a Semana de Arte Moderna (1922) – o poema Os Sapos (1918), na ocasião, declamado por Ronald de Carvalho: Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos. O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas... [...] Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: – A grande arte é como Lavor de joalheiro. (BANDEIRA, 1971, p.92-93). Nesse poema, Bandeira manifesta o pensamento de muitos artistas modernistas que pregavam desprezo pela tradição parnasiana, a qual valorizava a forma, as rimas e o metro 79 ajustado. O fazer poético de Bandeira se construiu sob a problematização da tradição literária. Não tão distante da ideia de Bandeira, Oswald de Andrade imprimiu em sua obra poética, entre as diversas temáticas que trabalhou, a reflexão do sujeito sobre sua própria língua. Oswald defendeu a inserção de uma língua brasileira natural em seus textos. Para isto, inseriu falares do cotidiano, ―a língua do povo‖, mantendo variações linguísticas e marcas da oralidade características, como estas que aparecem em seus conhecidos versos do poema ―Pronominais‖: ―Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa disso camarada/ Me dá um cigarro‖ (1991, p.22). O fazer do poeta paulistano se consolida a partir da inclusão da oralidade e da língua corriqueira, numa modalidade literária que outrora, haja vista para as produções dos poetas parnasianos, prezava pela lapidação do poema, seleção vernacular erudita de vocábulos, bem como rebuscamento dos versos. Cronologicamente mais distante dos dois poetas já citados, encontra-se Mário Quintana, um gaúcho que constrói um poema confirmando o quão penoso é este ofício, ―Eu faço versos como os saltimbancos/ Desconjuntam os ossos doloridos‖ (Apud MOISÉS, 2003, p.530). O ato de escrever é comparado por Quintana com a dor física, remetendo à árdua tarefa da criação poética. Seja qual for o sentimento de quem traduz o labor da criação poética, o que é mais relevante é que cada poeta imprime sua marca pessoal na composição, no fazer poético. No entanto, para que seja possível evidenciar a reflexão do processo crítico-criativo, todos esses poetas concordam que um recurso é necessário na construção deste tipo de texto: a metalinguagem. A metalinguagem é uma função da linguagem, cunhada e definida por Roman Jakobson em sua obra Lingüística e Comunicação (1977). Jakobson, ao dissertar sobre o processo de comunicação, sistematiza um esquema em que os elementos envolvidos – código (sistema escolhido para transmissão da mensagem), mensagem (meio em que se veicula a informação), destinatário (aquele que recebe a mensagem), remetente (aquele que envia a mensagem), contexto (contexto de referência) e o contato (suporte físico por onde circula a mensagem) – explicariam o processo comunicativo35. 35 Este modelo de Roman Jakobson é posterior ao do psicólogo austríaco Karl Bühler. Bühler compôs um modelo triádico cujos elementos envolvidos no processo comunicacional eram: o destinador, o destinatário e o contexto, segundo Chalhub (1993, p.5). Os termos ―emissor‖ e ―receptor‖, utilizados por Jakobson, foram substituídos por ―locutor‖ e ―locutário‖ ou ―enunciador‖ e ―enunciatário‖ por alguns linguistas contemporâneos, por exemplo, o professor e escritor William Roberto Cereja, substituiu os termos emissor e receptor, por compreender que ambos os sujeitos, inseridos no processo de comunicação participam ativamente como falante e/ou ouvinte, e os termos cunhados 80 Após compreender o processo comunicativo, Jakobson depreendeu seis funções da linguagem a partir dos elementos da comunicação. Cada função definida foi relacionada a um elemento do processo de comunicação, pois em cada ato de fala, segundo o teórico, a depender de sua intenção, está atrelado um elemento, e, por consequência, uma função. Afinal, diferentes mensagens portam diferentes significações. E, para que estas significações sejam efetivadas, é preciso que as marcas, os traços, os efeitos e seus modos de funcionar sejam perfeitamente definidos. Assim, as atribuições de sentido, as possibilidades de interpretação – as mais plurais – que se possam deduzir e observar na mensagem estão localizadas primeiramente na própria direção intencional do fator da comunicação, o qual determina o perfil da mensagem, determina sua função, a função de linguagem que marca aquela informação. (CHALHUB, 1993, p.6. Grifos da autora). Essa fala de Chalhub (1993) nos permite concluir que os princípios de significação estão sempre presentes na mensagem, mas a aceitabilidade dependerá, entre outros fatores, da intenção com que a mensagem foi proferida. A intencionalidade, por sua vez, determinará o uso de uma ou mais funções específicas da linguagem. Chalhub (1993) sistematiza, assim, as funções descritas por Jakobson (1971): ―função referencial‖ (quando, numa mensagem, os signos são organizados em função de um referente), ―função emotiva‖ (implica uma marca subjetiva de quem fala, no modo como fala), ―função conativa‖ (quando a mensagem está orientada para um destinatário e tenta, por meio de um esforço, convencer), ―função poética‖ ( predomínio da mensagem, com um modo muito peculiar de mostrar-se), ―função fática‖ (quando a mensagem centra-se no contato, no suporte físico, no canal), por fim, a ―função metalinguística‖ (a seleção operada no código combina elementos que retornam ao próprio código). Pretendemos aqui analisar os poemas de Salomão à luz das suas próprias reflexões acerca do poeta contemporâneo e das implicações quanto a este ofício, portanto, trataremos de poemas que remetem a uma tradição construtiva de poesia, como fizeram Oswald, Bandeira, Drummond e João Cabral, entre outros, cada um ao seu tempo e ao seu modo. Não podemos dizer que, por discutirem o processo crítico-criativo por meio de seus textos poéticos, fizerampor Jakobson (―remetente‖ e ―destinatário‖) não evidenciam tal possibilidade, acometendo ao receptor a condição de um sujeito passivo. É importante também, a partir desta discussão, mencionar os estudos de Jesus Martin Barbero (1995), A América Latina e os anos recentes, que propõe outro olhar sobre o receptor que, em um novo lugar, é um elemento extremamente necessário para repensar todo o processo de comunicação. 81 no com igualdade, no entanto, utilizaram a predominância da mesma função de linguagem nesses textos, a função metalinguística. A metalinguagem e as outras funções definidas por Jakobson surgem no âmbito da Linguística para explicar o processo de comunicação. No entanto, sabemos que a linguagem ultrapassa o sistema linguístico, ―[...] dado que linguagem enquanto estrutura refere-se a qualquer código: musical, pictórico, teatral [...] que vão permitir determinadas organizações dentro de normas já estabelecidas‖ (CHALHUB, 1988, p.2). De acordo com essa consideração de Chalhub, na transposição da Linguística para a Literatura e, principalmente, na explicação deste processo, temos metalinguagem. No processo comunicacional, a metalinguagem servirá na explicação e/ou esclarecimento do próprio código lingüístico utilizado. Na Literatura (mas não só nela como nas demais manifestações artísticas), a referida função parece ter seu campo de atuação ampliado ao possibilitar que o escritor discuta sobre o seu processo criativo ou mesmo estabeleça reflexões existenciais sobre sua condição de poeta, até para criticar o código que utiliza na composição dos seus textos, bem como estabelecer diálogos reflexivos com outros poetas e seus respectivos textos. A concepção de uma mensagem colocará em evidência uma determinada função de linguagem, de acordo com o objetivo do que pretendemos proferir. Nesta mensagem, haverá o predomínio de dada função com a possibilidade de coexistirem outras funções articuladas. No caso dos poemas de Salomão que analisaremos adiante, deparamo-nos com a seguinte problemática: a existência, nestes, da função poética, por se tratar de poemas e da carga subjetiva que lhes é atribuída. Entretanto, estes mesmos poemas foram selecionados, principalmente, pela marca metalinguística que carregam. 3.3 A METAPOESIA NAS ALGARAVIAS DE WALY SALOMÃO A reflexão acerca do seu processo crítico-criativo acompanha Salomão desde sua primeira obra publicada e se estabelece nos últimos livros de poemas do autor. Entre os últimos, em 1996, Salomão publicou Algaravias, câmara de ecos36 (doravante Algaravias). Este trabalho mostra que o poeta estava atento às inquietações que pairavam no ar, por conta das questões irresolúveis que sobreviviam do processo de transição, entre as décadas de 80 e 36 Para este estudo, utilizo a segunda edição da obra Algaravias, publicada pela Rocco no ano de 2007. 82 90, tais como a globalização, os processos de democratização e também as transformações no campo literário. Segundo o crítico Roberto Zular (2009), os ouvidos atentos de Salomão foram capazes de perceber importantes mudanças vividas pela sociedade, uma vez que nos aproximávamos de uma década que viria acompanhada de turbulências finisseculares. Em Algaravias, o poeta aponta essas questões por meio dos discursos citados e cria uma ―câmara de ecos‖ capaz de reunir vozes que o acompanham desde o início de sua trajetória, quando se lança na vida literária, durante o período de repressão política no Brasil até este momento de libertação da escritura (entre os anos de 1990 e 2003). Fato que nos faz concordar com Zular (2009, p.164) quando afirma que Algaravias é a reescritura de Me segura qu’eu vou dar um troço, que ―[...] opera in loco, no corpo do poema, como revérbero de acúmulo de temporalidades e tensões que a excessiva presentificação do contemporâneo quer apagar‖. Deste modo, Algaravias representa a reconstrução de um projeto inacabado, em um momento em que se pode falar com menos receio das questões existenciais que ainda estão no limite do vivido, ou seja, da ditadura e da contracultura, do corpo e da tortura, da liberação sexual e da repressão. O lugar escolhido por Salomão para pensar as questões do seu tempo e trazer algumas problemáticas para a ordem do dia foi a sua produção poética. Segundo Davi Arrigucci Jr. (2007a, p.79), ―[...] o primeiro mérito de Waly é trazer para o centro da lírica brasileira a experiência do descentramento dos nossos dias e a situação problemática do poeta no mundo contemporâneo‖. Em Algaravias, é por meio da metalinguagem que Salomão se propõe a iniciar tal debate. Com isso, o poeta percorre alguns caminhos temáticos: ―[...] a lírica da quase-intimidade, a reflexão sobre a poesia, o mito pessoal e/ou nacional e a ironia dos périplos de viagem‖ (RODRIGUES, 2007a, p.9). Segundo Antônio Medina Rodrigues (2007a, p.9), dos quatro eixos temáticos que apresenta nesta obra, ―a lírica da quaseintimidade‖ é que orienta a poética de Salomão e apresenta ―[...] suas tentativas de intervenção no debate da moderna poesia brasileira‖. Para percorrer estes dois primeiros caminhos temáticos, Salomão põe em discussão o lugar do poeta-feitor. A rigor, a trajetória elaborada para percebermos o modus operandi do seu processo crítico-criativo, é traçado por Salomão por meio da sua exposição, do despir-se sem pré-noções, sobretudo, da crença na importância do fazer literário. O que haveria de mais metalinguístico do que a definição de um verbete de dicionário? O código explicando o próprio código, numa operação necessária para justificar o termo-título do livro. É desse modo que Salomão abre Algaravias, com um fragmento do Diccionario 83 Etimológico de la Lengua Castellana, de autoria do Pedro Felipe Monlau, que explica o significado do termo que intitula a obra, de origem do árabe, al-garb, quer dizer: gritaria de várias pessoas que, por falarem todas ao mesmo tempo, não conseguem se entender. A partir da ideia das Algaravias, surge a câmara de ecos, que seria o locus de concentração dessas vozes. Portanto, são vozes que pululam de outras leituras feitas pelo poeta ao longo de sua trajetória e ressoam, insistentemente, como ecos neste livro de poemas. Salomão produziu guiado por essas vozes, na perspectiva de entender seu lugar no mundo, e estas vozes que ecoam em Algaravias emergem das mais inusitadas formas em seu livro. No início do livro, Salomão cola um fragmento37 do pintor japonês conhecido como Hokusai (1760-1849), ―o velho louco por desenhar‖, a fim de manifestar como a arte foi, para ambos – Salomão e Hokusai –, o caminho mais curto entre o homem e o outro. No texto, disposto fragmentadamente, sob forma de versos, Salomão utiliza o discurso de Hokusai para revelar sua perspectiva com relação ao modo como o tempo incide sobre a arte, e, de alguma forma, justificar a escrita mais bem preparada, dado o amadurecimento proporcionado pelo tempo e pelas experiências. Apresentar-se por meio do outro e deixar-se revelar por meio do pastiche, no qual suas ideias comungam com o pensamento do autor da citação, sem dizer isto diretamente, são elementos que justificam a ―quase-intimidade‖ que compõe um viés possível de perceber a lírica walyniana. É o que acontece no curto poema Câmara de ecos: Cresci sobre um teto sossegado, Meu sonho era um pequenino sonho meu. Na ciência dos cuidados fui treinado. Agora, entre meu ser e o ser alheio A linha de fronteira se rompeu. (SALOMÃO, 2007a, p.21). Quando parece percorrer o caminho do intimismo, localizado nos três primeiros versos do poema, abre-se um espaço, marcando um rompimento na composição do poema e, por 37 ―DESDE OS 6 ANOS/ EU TINHA A MANIA DE DESENHAR/ A FORMA DAS COISAS./ QUANDO ESTAVA COM 50 ANOS,/ TINHA PUBLICADO UMA INFINIDADE DE/ DESENHOS;/ MAS TUDO O QUE PRODUZI ANTES DOS 70/ ANOS DE IDADE NÃO É DIGNO DE SER/ LEVADO EM CONTA./ AOS 73 ANOS APRENDI UM POUCO/ SOBRE A VERDADEIRA ESTRUTURA/ DA NATUREZA,/ DOS ANIMAIS, PLANTAS, PÁSSAROS,/ PEIXES E INSETOS./ EM CONSEQÜÊNCIA,/ QUANDO ESTIVER/COM 80 ANOS DE IDADE/ TEREI REALIZADO MAIS E MAIS/PROGRESSOS;/ AOS 90,/ PENETRAREI NO MISTÉRIO DAS/ COISAS;// AOS 100,/ POR CERTO TEREI ATINGIDO UMA FASE MARAVILHOSA,/ E QUANDO TIVER 110 ANOS DE IDADE,/ QUALQUER COISA QUE EU FIZER, SEJA/ UM PONTO OU UMA LINHA, TERÁ VIDA// ESCRITO AOS 75 ANOS DE IDADE POR/ MIM,/ OUTRORA CHAMADO HOKUSAI,/ HOJE GWAKIO ROJIN, O VELHO LOUCO POR DESENHAR.‖ (HOKUSAI apud SALOMÃO, 2007, p.19-20). 84 consequência, na estrutura do pensamento. Se antes estava relegado aos cuidados do outro, doravante precisa registrar que as vozes que ecoam nesta câmara, nem sempre serão dele, pois o rompimento já foi realizado e será possível perceber isto por meio dessas vozes que surgem nos poemas. Ao utilizar a expressão ―linha de fronteira‖, o eu-poético marca o quão imbricado estavam o ―eu e o outro‖: Salomão, suas leituras, seus livros e seus escritores de referência, que até então apareciam citados em suas obras, mas só agora revelados, com suas vozes marcadas, no espaço declaradamente reservado para isto: ―a câmara de ecos‖. A ―linha de fronteira‖ se rompe e marca um lugar ambíguo: ora é o poeta ao lado do seu outro, sugerindo uma separação, um afastamento entre o eu (―meu ser‖) e o outro (―ser alheio‖). Ora é o poeta em uma fusão, onde suas vozes estarão entrelaçadas, pois o que os separava já não existe mais, a fronteira foi desfeita, numa ideia que remete aos versos do poeta português Mário de Sá-Carneiro (2001): ―eu não sou eu/ nem sou o outro/ sou qualquer coisa de intermédio‖. Justamente neste lugar onde as vozes se misturam, mas não se confundem, é que perceberemos o outro – ou os outros – em sua poesia. Salomão abre mão do ―eu‖ e produz uma ―lírica da quase-intimidade‖ (2007a, p.9), diferente de Manuel Bandeira que, segundo Antônio Medina (2007a), resolvia o mundo na intimidade. Seguindo o raciocínio de Medina, para o poeta Manuel Bandeira, só depois da intimidade o mundo era mundo. Neste aspecto, a metalinguagem de Salomão se difere da metalinguagem de Bandeira, uma vez que o primeiro pega ―[...] a intimidade romântica e deposita no mundo, anonimamente, como quem se livrasse dela pela supressão das fronteiras entre o eu e o outro‖ (2007a, p.10). Bandeira escreve em Poética: Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo (BANDEIRA, 1971, p.95). O enunciador em 1ª pessoa já denuncia o caráter particular do desabafo. Dados biográficos acendem elementos inscritos na poética. Podemos atribuir os versos citados a Bandeira sem apreensão, afinal, a questão motivadora deste já impulsionou outros poemas 85 como ―Os Sapos‖ (1918), já citado aqui, e ―Nova poética‖ (1949). O processo crítico-criativo em Bandeira é construído sobre o crivo do ―eu‖; ao passo que em Salomão há a supressão do desejo, fuga da plenitude e o subterfúgio da intersubjetividade (MEDINA, 2007a, p.9). Vejamos este fragmento de ―Rua Carioca 1993‖, retirado de Algaravias: Estilo tísico (corte cronológico século 19) de ser poeta. estilo tísico abre a boca e fala de rua como se pavimentasse com paralelepípedos seu gabinete engasgado. O que estilo tísico pensa ser rua: rua não é nem rua foi. Saudades do sapo ou do peixe-boi São imagens roubadas de poemas e poetas, [...] (SALOMÃO, 2007a, p.25). Numa tentativa de polemizar o poema de Bandeira, Salomão compõe uns versos que se pretendem ser ―próteses da fantasmagórica Rua do Sabão‖, fazendo uma referência direta ao poema ―Na Rua do Sabão‖, de Manuel Bandeira, publicado em O Ritmo Dissoluto (1924). E se a intimidade em Bandeira é clara (sobretudo neste último poema que detalha uma brincadeira infantil na rua de sua infância), a de Salomão é velada. Em ―Rua Carioca 1993‖, Salomão utiliza a memória do texto de Bandeira para inquirir sobre a ingenuidade desta construção operada pelo mesmo poeta de ―Os sapos‖. E, para não possibilitar ao leitor uma possível interpretação intimista das considerações que o eu-lírico faz no poema, declara que as imagens construídas por estes versos foram ―roubadas‖ de outros poemas e poetas, ressaltando uma característica já apontada por Heloisa Buarque de Hollanda, quando afirma: ―Sua obra potencializa a fragmentação alegórica através de um inventário poliédrico de flashes, transcrição de jornais, de relatos policiais, de cópias aleatórias, plágios explícitos, sempre sinalizando uma ironia cortante sobre o poder e o saber‖ (HOLLANDA, apud MATOS, 2010, p.9). Outro dado importante com relação às escolhas de Salomão é o fato de sua poética optar pelo velho ao invés do original e pelas releituras ou revisões das propostas anteriores ao momento em que escreve, de ser conivente com o pensamento da pós-modernidade, que prefere o pastiche, a paródia, a citação, à originalidade e à vanguarda. Em Algaravias, Salomão apoia suas hipóteses, produzindo citações a todo o momento. Este recurso provoca uma acronologia, uma vez que a citação ―rasura o passado‖ e ―se torna uma metáfora do funcionamento da memória‖ (ZULAR, 2009, p.167). Destarte, é possível estabelecer os elos 86 com o passado que se fazem presentes reestruturados no discurso poético. Assim, também podemos observar por meio da metalinguagem o retorno à tradição poética. Todavia, não para imitá-los, mas para referendar este novo projeto de poesia. E, no projeto de poesia de Salomão, estão incluídos os poemas-referência, nos quais revela apreço por aqueles que influenciaram sua trajetória como poeta. O poema ―Lausperene‖ (2007a, p.23) é um destes, em que Salomão utiliza como artifício na sua construção a ironia, pois no mesmo poema em que referenda um poeta contrário a musicalidade nos versos, finaliza a estrofe com versos que rimam. Salomão constrói poemas despreocupados quanto ao ritmo. Paradoxalmente, a melodia brota dos seus versos (talvez pelo fato de ser compositor também), a ponto de vários poemas terem sido musicados por artistas como Adriana Calcanhoto e Caetano Veloso. ―Lausperene‖ vem do latim laus perene, ou, louvor perene. O universo lingüístico de Salomão se constrói a partir destas leituras de escritores que ele reverencia e assim parece ―interpretar parte de sua poesia como resultado de uma doxa adorativa (de Valéry, de Cesário, de Cabral, etc. [sic])‖ (MEDINA, 2007a, p.12). Em ―Lausperene‖, Salomão estabelece uma crítica às antologias poéticas nacionais que parecem seguir uma seqüencia de estilos poéticos não-criativos, concisos e fechados, reduzindo o poema a uma insignificância indigna deste gênero literário que ele tanto defendeu. Num rompante, ressalta um poeta que destaca seu trabalho entre aqueles que construíram poemas despretensiosos e qualificados: Belo é quando o seco, Rígido, severo Esplende em flor. Seu nome: Cabral Nome de descobridor. (SALOMÃO, 2007a, p.23) Feito a ressalva do poeta João Cabral entre as antologias atuais, ainda cabe pontuar o trocadilho estabelecido entre a Literatura e a História na medida em que se faz a comparação entre o poeta e o português desbravador, a partir dos sobrenomes coincidentes. De que seria João Cabral descobridor? Segundo Salomão, em ―Lausperene‖, descobridor de um estilo, de uma secura que brota como flor, poética, planejada em um metro do qual Salomão não seria capaz, pois sua palavra de ordem é subversão e sua poesia não nasce do cálculo, embora não deixe de ser elaborada; mas surge da dispersão, da ausência de regras formais, sobre isto já sinalizou o poeta-crítico Antônio Cícero: 87 É por isto também que despreza a regra dada. Mesmo regras que ele impusesse a si próprio, à maneira de Cabral, seriam, no limite, inaceitáveis, pois, dado que a sua liberdade se renova a cada instante, ela não admitirá amanhã ser tolhida pelas regras que ele se tiver imposto hoje. Assim, do mesmo modo que rejeita para si o uso de qualquer forma fixa, seria para Waly impossível planejar o seu poema como o faz João Cabral. Seu movimento é, ao contrário, no sentido de ―desprogramar bulas e posologias prévias‖. Sua arte consiste, portanto, em tornar a matéria prima dada por um primeiro esboço, que como todo dado, torna-se matéria de desconfiança, e submetê-la a um trabalho obsessivo de elaboração e polimento. (CICERO, 2005, p. 50) Um aspecto importante na distinção do fazer poético em Salomão e João Cabral é o comentado por Antônio Cícero, quando reforça que o primeiro foge da métrica e de formas que o ossificam, já o segundo, adota uma ―linguagem de um programado controle‖ (VILLAÇA, 2003, p.144). Tais diferenças não apartam as influências que este pernambucano tem na obra de Salomão. João Cabral é um dos operários-construtores na fábrica da poesia de Salomão. Engenheiro das palavras, Salomão parece ter herdado deste, um estilo particular de escrever ―proesia‖ (sintagma definido pelo compositor baiano Caetano Veloso), a poesia que se constrói no limite com a prosa, como podemos confirmar na escritura do seu Me segura. Ambos os poetas descobriram que a prosa e a ironia caberiam em poesia. Extraímos um fragmento de ―Self-Portrait‖, em Me segura (2003, p.82), para visualizar a ―proesia‖ walyniana: Minha língua – mas qual mesmo minha língua, exaltada e iludida ou de reexame e corrompi – da? – quer dizer: vou vivendo, bem ou mal, o fim de minhas medidas; quer dizer: minha grande paixão é um assunto sem valor; quer dizer: meu tom de voz não fala mais grosso. Esta escrita reticente. Causa: embriaguez. Embriaguez, causa: incerteza. Incerteza, causa: Continuidade da inconclusa oclusa causa. Quer dizer: o grilo é filho da miséria e do ocaso. ocaso = acaso [...] Esta escrita anti-reticente. Vantagem é ser reticente neste século generoso. Vã chantagem é ser irônico com a generosidade deste século. Com a generosidade diabólica deste século de luzes38. 38 Salomão trata a modernidade ironicamente quando se vê na condição de poeta encarcerado, exatamente no século que se consolidou pautado na idéia da razão e do pensar. Sobre esta questão Rouanet concorda fazendo 88 Atlânticas. Vergonha do estilo próprio, fraqueza de suportar este espetáculo sem condimentos. Modesto Carone Netto, em Metáfora e montagem (1974, p. 11) relembra Aristóteles quando, em sua Poética, afirma que o gênio poético se mede pelo vigor de suas metáforas. E o que dizer quando as metáforas, o pleonasmo, a aliteração, a ironia, a metalinguagem, se tornam recursos utilizados para reforçar e traduzir o ―cotidiano estéril‖ (SALOMÃO, 1983, p.9), a fixidez dos dias passados numa cela de presídio? Percebemos, no excerto, a língua funcionando como metáfora da identidade, fragmentada, desestabilizada, aprisionada em si mesmo, e a angústia provocada por produzir uma arte a que não se atribui o devido reconhecimento. A poesia está para a sensibilidade, assim como a prosa está para a razão, segundo João Cabral de Melo Neto39, que faz a seguinte ressalva: São duas maneiras muito categóricas de ver a coisa porque existe uma prosa como a do James Joyce – é uma prosa que é poesia também – e existe uma poesia como a do Carlos Drummond – é uma poesia que também é prosa. Poesia e prosa são dois extremos mas exatamente o poeta e o prosador muitas vezes ganham de jogar em dois lados. Em ―Self-portrait‖ (2003), elementos como a narrativa do cotidiano, os temas em discussão no ―proema‖ como, a racionalidade com que o poeta levanta questões necessárias na sua situação de sujeito que despertava para a escritura, sobretudo, a condição de poeta encarcerado, atribuem um caráter de prosa ao texto. Ao passo que o tom confessional, os recursos como a aliteração, o pleonasmo, as metáforas, se encarregam de marcar o predomínio da função poética e distinguir o caráter poético do texto. A composição estrutural do texto fica no limite entre a poesia e a prosa, e a metalinguagem é a via que estabelece uma consideração à escrita reticente, vaga, inconclusa, assim como permite ao poeta elaborar uma crítica à utilização da ironia, que é um recurso que a posteriori, ele mesmo pretende adotar. Ao mesmo tempo, produz uma crítica ao projeto moderno, já que a modernidade, embora se sustentasse no projeto iluminista da razão, não se uma psicopatologização ao considerar o moderno contraditório, segundo ele, é na modernidade que Freud e depois W. Reich, estabelecem a conexão ―repressão sexual e enfermidades mentais‖, em seguida, a sociedade pós-moderna irá favorecer o surgimento de um hedonismo socializado pela mídia respondida pela própria sociedade como sintoma ―sociedade do espetáculo‖ (Debord). 39 MELO NETO, João Cabral de. Poesia. Disponível em:<http://www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 10 jul. 2010. 89 voltou para aqueles que pensavam a sociedade de um modo reflexivo e contribuíam registrando suas impressões acerca do homem e do universo. Se para João Cabral de Melo Neto, a pedra é do sono40; para Salomão, a pedra é a que ronca, que brada ao ser tocada pelo mar41. Apesar da admiração pelo estilo de João Cabral, Salomão produz uma obra poética que marca esta e outras influências e as dilui no texto. Em geral, Salomão registrará as outras vozes de sua poesia por meio de citação direta, paráfrase, paródia ou pastiche, mas nunca pela mera imitação. Seu estilo é inovador, desde o léxico escolhido ao modo de desenvolver cada tema em poesia. Uma prova disso é que no mesmo poema em que faz uma apologia ao poeta pernambucano que despreza a musicalidade dos versos, termina-o com rima, ―Esplende em flor/Seu nome: Cabral/Nome de descobridor‖. Mais adiante, em ―Hoje‖ (2007a, p.67), diz o que deseja: Hoje só quero ritmo. Ritmo no falado e no escrito. Ritmo, veio-central da mina. Ritmo, espinha-dorsal do corpo e da mente. Ritmo na espiral da fala e do poema. E apesar de exercer a atividade de compositor paralelamente à de poeta, Waly Salomão sempre marcou esta distinção. Era poeta, produzia poemas, que depois de prontos tornavam-se objetos de interesse de alguns cantores que os musicavam. Ou então compunha letras para intérpretes da música popular brasileira, geralmente a pedido destes. Na fabricação do poema de Salomão não há preocupação com a disposição do verso, na lógica da métrica tradicional. No entanto, talvez por sua experiência em compor letras de música, os poemas ganham ritmo. É preciso registrar que em ―Hoje‖, o ritmo clamado pelo eu-lírico, além da sonoridade produzida pelo verso, pode ser metáfora de estilo – o modo particular de escrever de cada autor. O processo crítico-criativo de Waly Salomão é prenhe de ironia. Compor, para o poeta, é tarefa árdua, principalmente quando se quer alcançar o tom adequado para marcar um estilo próprio. Alguém acha que ritmo jorra fácil, pronto rebento do espontaneísmo? 40 Numa alusão a primeira obra do poeta datada de 1942, Pedra do sono. Referência ao poema ―Itapuan quer dizer pedra q ronca‖, de Waly Salomão, no livro Tarifa de embarque, 2000. 41 90 Meu ritmo só é ritmo quando temperado com ironia. Respingos da modernidade tardia? (SALOMÃO, 2007a, p.67-68) Poeta crítico por excelência, é na descrição do seu ritmo que compõe a lógica do construir. Tal qual João Cabral, Waly Salomão produz a poesia da ―construção, racionalista e objetiva, contra uma poesia de expressão, subjetiva e irracionalista‖ (CAMPOS, 2004, p. 80). O poema, para Salomão, traduz as escolhas do poeta, este não deve ter medo de realizar tais escolhas, pois ―um poema deve ser a festa do intelecto‖ (2007a, p.27), a castração ocasionada pela fobia em extravasar na escolha lexical e o receio a superexposição das idéias não formam o bom poeta, nem a verdadeira poesia. Todas estas questões são tencionadas em ―Tal qual Paul Valéry‖ (2007a, p. 27): cada poema ... onde todo é equilíbrio e cálculo... constitui em si per si a resolução de ser poeta [...] Valéry não é arremedo de escudo para o acuado remoedor do ar do medo: um poema deve ser a festa do intelecto. [...] Sei, com alguns antigos e alguns vivos, Que a fobia castra os ritmos E as formas da coragem. Sá de Miranda, Camões, Cesário, João Cabral, Augusto, Ashbery: A resolução de ser poeta Sem precisar o peito Estufar Da vãvaronice. E, no mais, POESIA É O AXIAL. É necessário coragem para propor a reinvenção crítico-criativa da tradição, e Salomão parece ter peito aberto de sobra para enfrentar os entraves do mundo literário. ―Tal qual Paul Valéry‖ e ―Poema Jet-lagged‖ (2007a, p.29-32) levam-nos a dois importantes marcos da poética walyniana em Algaravias. O primeiro é a tradição evocada, que ora podemos dividir 91 em campos disciplinares; os artistas estrangeiros; escritores ocidentais, poetas brasileiros e um poeta persa, a saber: Hokusai, Michelangelo, Lina Bo Bardi, Poe, Valéry, Asbery, Drummond, João Cabral, Bandeira e Hafiz. O segundo ponto que aparece nas obras anteriores de Salomão e se repete em Algaravias, principalmente em ―Poema Jet-lagged‖ são os vocábulos, expressões, e paráfrases em língua estrangeira, formando o que o estudioso Rodrigo Guimarães (2009, p.91) definiu como uma ―cornucópia de línguas42‖. [...] a entrada de outros idiomas diz respeito a um entrechoque de vozes e línguas diversificadas que sugerem cenas prosaicas de um viajante que cruza territórios estrangeiros em espaços cosmopolitas. Evidentemente que promove efeitos de esgarçamento do fio narrativo, mas não há um trabalho específico na materialidade do significante como as palavras-montagem joycianas que aglutinam diferentes línguas em um mesmo vocábulo. (GUIMARÃES, 2009, p.91). As considerações de Guimarães sobre esta característica são pautadas na obra poética de Haroldo de Campos, entretanto servem-nos para pensar este recurso utilizado também por Salomão. Embora nos ocupemos neste trabalho da metalinguagem no âmbito literário, é importante lembrar que se trata de um fenômeno muito mais amplo. Chalhub (1988, p.8-9) pontua que a Filosofia quando reflete sobre o pensar, a História quando historia os fatos ocorridos e a Ciência quando produz uma reflexão crítica acerca da realidade do universo exercem metalinguagem. Há metalinguagem também nas artes plásticas. No famoso quadro, As meninas, de Velásquez (1656), que retrata a família real espanhola tendo ao centro a infanta Margarida Teresa de Habsburgo, é possível ver a imagem do próprio Velásquez pintando, bem como a representação de outras telas conhecidas do acervo do palácio, a pintura representando o momento da produção pictórica. Metalinguagem é um fenômeno de manifestações variadas, passível de ser observado numa canção que tematize o próprio processo de composição, ou critique determinado estilo musical, ou em qualquer outra manifestação de linguagem. Feito mais este registro, retomaremos ao estudo da metalinguagem no processo crítico-criativo de Waly Salomão. Em Algaravias, todos os elementos pré e pós-textuais parecem preparar o leitor para o poema-referência da temática ora discutida, ―Fábrica do poema‖ (2007a, p. 35-36). Desde o 42 É importante pontuar que o estudo de Rodrigo Guimarães investiga a obra Galáxias, de Haroldo de Campos, portanto, tal definição foi atribuída a Campos. No entanto, reflete com precisão o modo de Salomão repetir o mesmo artefato também utilizado por Campos, Joyce entre outros escritores. 92 verbete que traduz o significado de Algarabía, até a epígrafe de Edgar Allan Poe43, que diz ser a poesia esta ideia tal qual Proteu. Ou melhor, essa manifestação artística capaz de se metamorfosear, mutante, transformadora, como cria Salomão sobre seu ofício e reafirma a força destas palavras encerrando o livro com a mesma ideia, a epígrafe traduzida e transformada em verso. Na fabricação dos poemas de Salomão, o outro sobrevive presentificado sob a forma de citação. Esta, por sua vez, nem sempre aparece diretamente. Em ―Fábrica do poema‖, por exemplo, o ritmo dado ao poema é que constrói a enunciação que remeterá aos conhecidos versos de ―A procura da poesia‖, de Carlos Drummond de Andrade, além de alguns recursos utilizados por Salomão que também ajudam a construir uma atmosfera que antecipa a influência drummondiana do poema. Antes, vejamos o poema para confirmar as questões levantadas até aqui: sonho o poema de arquitetura ideal cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair faíscas das britas e leite das pedras. acordo. e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo. acordo. o prédio, pedra e cal, esvoaça como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se, cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido. acordo, e o poema miragem se desfaz desconstruído como se nunca houvera sido. acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas e os ouvidos moucos, assim é que saio dos sucessivos sonos: vão-se os anéis de fumo de ópio e ficam-se os dedos estarrecidos. sinédoques, catacreses, metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros sumidos no sorvedouro. não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita no topo fantasma da torre de vigia. nem a simulação de se afundar no sono. 43 Epígrafe de Algaravias,: ―What is poetry? – Poetry! that Proteus-like Idea...” (Edgar A. Poe), Transformada em poema no fim do livro por meio de uma tradução feita pelo próprio Salomão (2007, p.77): ―Poetry O que é poesia?/-Poesia!/esta idéia/ talqual/Proteu...‖ Edgar A. Poe 93 nem dormir deveras. pois a questão-chave é: sob que mascará retornará o recalcado? (mas eu figuro meu vulto caminhando até a escrivaninha e abrindo meu caderno de rascunho onde já se encontrava escrito que a palavra ―recalcado‖ é uma expressão por demais definida, de sintomatologia cerrada: assim numa operação de supressão mágica vou rasurá-la daqui do poema.) pois a questão-chave é: sob que máscara retornará? (SALOMÃO, 2007a, p. 35-36). Optamos por chamá-lo de poema-referência, por acreditar que parte das questões discutidas até este ponto do trabalho está sintetizada nos versos de ―Fábrica do poema‖. Salomão parece preparar o leitor de suas Algaravias para estas páginas em que depositará sua ―Fábrica do poema‖. Todos os poemas precedentes convocam a tradição literária, problematizando questões que Salomão deseja superar até chegar ao ―Fábrica do poema‖, que aparece diagramado entre duas imagens da arquiteta Lina Bo Bardi e dedicado a ela. A imagem da italiana não aparece no livro simplesmente pela admiração que o poeta tinha por ela e pelo trabalho que desenvolveu na Bahia durante sua gestão no Museu de Arte Moderna. Nada em Salomão é por acaso: a figura de Bo Bardi está associada às suas criações e foi em São Paulo que realizou um de seus trabalhos mais significativos – reinventou a velha fábrica de Tambores da Pompeia, transformando-a na nova sede do SESC44. O projeto da arquiteta de aliar obra de arte a um espaço desativado e manter elementos populares junto com uma arquitetura moderna, ressignificava um lugar já frequentado por famílias e proporcionava a estas pessoas um novo ambiente carregado de significados desde as paredes que o sustentavam. É uma fábrica que, na sociedade pós-industrial, cede seu espaço para o consumo de cultura. Transformar um espaço de automação num ambiente de criação, produção e representação é uma grande ideia. Todavia, mais do que isso, Dona Lina (alcunha utilizada pelos soteropolitanos para tratá-la) conseguiu aproximar a arte do povo, mantendo a integração familiar, que já acontecia naquele espaço antes do seu projeto. E neste aspecto ambos concordam: o poeta Salomão e a arquiteta possuem a crença na ideia de que a arte deve ser levada ao povo, pois é um elemento eficaz de transformação social. 44 Serviço Social do Comércio: é uma instituição sem fins lucrativos voltada para o bem-estar dos comerciários, empregados de empresas, bem como dos seus familiares. 94 Voltemos aos versos do ―Fábrica do poema‖, cujo título aponta para uma ―tradição construtiva de poesia‖ (ZULAR, 2010, p.166). Faz parte de Salomão e do seu modus operandi com a metalinguagem apontar direta e indiretamente para aqueles que, assim como ele, pensam que poesia é transpiração, não inspiração45. Segundo Zular (2009, p.166), Salomão está entre os poetas que ora pendem para a espontaneidade, ora para a construção, embora até o espontâneo nele seja arquitetado (como a dedicatória e a foto de Lina Bo Bardi entre seu poema). Afinal, não poderia haver o acaso num poeta que pressupõe leitores conhecedores de poesia para adentrar seu universo literário. Cada poema de Salomão requer um leitor com amplo conhecimento na literatura e nas outras artes que dialogam com esta, sobretudo iniciado em poesia, para compreender os jogos metalinguísticos construídos por Salomão em que pôde manifestar uma modalidade ampla do fenômeno, a metapoesia. O poema em questão recebe um título que remete de imediato à ideia de um lugar que opera automaticamente homens e máquinas, manufaturando produtos massivamente. Imaginemos, então, como seria esta ―Fábrica do poema‖; logo percebemos que, concretamente, é uma alternativa irreal. Porque o que chama atenção nesse tipo de texto literário é exatamente a capacidade individual que têm os poetas de produzir – mesmo quando escrevem sobre uma mesma temática – e marcar seus trabalhos com seus estilos próprios, traços particulares que os denunciam. A ideia da ―fábrica‖, que aponta para uma atividade coletiva, é dissolvida logo nos primeiros versos, quando se marca um enunciador em 1ª pessoa, ―sonho o poema de arquitetura ideal‖. A forma ―sonho‖ aponta para uma ação particular e desprovida de concretude, contradizendo o ideal da fábrica, da dureza e da aspereza do ―cimento‖, colocado no segundo verso do poema. ―Fábrica do poema‖ apresenta a construção onírica do ideal de um poema que ele mesmo não consegue ser: falta-lhe ―a nata de cimento‖ para encaixar as palavras, ordená-las, deixá-las no lugar, haja vista o segundo verso em que ―palavra‖ cai para o terceiro, ao invés de completá-lo. cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair faíscas das britas e leite das pedras. (SALOMÃO, 2007a, p.35). 45 Paráfrase realizada a partir da conhecida frase de Thomas Edison, o ―Talento é 1% inspiração e 99% transpiração‖. 95 No quarto e quinto versos, percebemos um eu-poético interessado em externar sobre a dificuldade do processo de composição com as metáforas: ―extrair faíscas das britas‖ e ―leite das pedras‖. Para tanto, organiza uma rede de vocábulos que remetem ao campo semântico da concretude – ―cimento‖, ―britas‖, ―pedras‖ –, que formam uma atmosfera da construção e fazem alusão a uma das ―linhas de forças da poesia‖ (BOSI, 2003, p.144), convocadas por ele no início do seu livro. Os indícios chamam a memória para João Cabral, as ―palavras-pedras‖ (VILLAÇA, 2003, p. 153), que se encontram em seu percurso literário, Pedra do sono (1942) e Educação pela pedra (1966), ou para seu modo de conceber o engenho do poema, até mesmo às formas rígidas dos seus versos dispostos quase em blocos. No limite entre o sonho e a realidade, paira uma questão: a impossibilidade de materialização do poema, já que a metáfora da fabricação, ou melhor, da composição, sugerida pelo jogo entre os termos ―arquitetura‖, ―encaixa‖, ―pedra‖, ―cal‘, etc., se desfaz na velocidade do acordar. O poema se constrói paradoxalmente entre as metáforas do concreto e a dispersão diáfana das ―cinzas‖ e do ―fiapo‖. E aqui, segundo Zular (2009, p.169), ―[...] vê-se algo do drama drummondiano‖, a começar pela mesma ―estratégia de construção do sentido repleta de contradições performativas‖, que fazem lembrar os versos ―não rimarei a palavra sono/ com incorrespondente palavra outono‖. Ambos coincidem no modo de descrever o poema e seus elementos esvaindo-se, ora pelo vento, como está no fragmento abaixo de Salomão, ora pelo ―ralo da memória‖, como escreveu o poeta mineiro sobre as palavras, ―rolam por um rio difícil e se transformam em desprezo46‖. acordo. e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo. acordo. o prédio, pedra e cal, esvoaça como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se, cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido. (SALOMÃO, 2007a, p.35). O poeta é, para Drummond, a única certeza, pois o resto é passageiro, disperso como as nuvens, portanto não residiria aí a angústia do eu-lírico, que percebe a impossibilidade do poema? Este, por sua vez, em fragmentos se dissipa e, ―esvaído de qualquer sentido‖, não se realiza. O uso da copulativa ―e‖ indica a ligação existente entre o acordar e o desmanchar-se 46 Todos os excertos deste parágrafo são do poeta Carlos Drummond de Andrade nos seguintes poemas , ―Considerações de um poema‖ , ―Procura da poesia‖ e ―Conclusão‖ respectivamente. 96 do poema, como se o acontecimento do primeiro verso fosse o que desencadeasse o segundo. Deste modo, confiramos a dificuldade de materialização do poema no plano da realidade. O universo lírico de Salomão, para ser compreendido, pressupõe um leitor capaz de perceber os intertextos estabelecidos, pois a metalinguagem nem sempre ocorre declaradamente nos poemas. É preciso um olhar atento para perceber quando os caminhos percorridos pelos poetas passam por lugares já trilhados por outros. ―Fábrica do poema‖ permite a um leitor atento perceber os respingos da poética de Drummond dissolvidos em sua construção, tais como o ressentimento, no caso de Salomão, pela não consolidação do poema, a luta com as palavras e as figuras retóricas para ter o texto consumado. acordo, e o poema miragem se desfaz desconstruído como se nunca houvera sido. acordo! (SALOMÃO, 2007a, p.35). Nos versos acima, vemos o poema, a própria materialidade da poesia, não se constituir, de maneira que o poema só parece possível oniricamente, como se, no plano da realidade, da lucidez, esta composição fosse impraticável. Então as diversas formas de acordar se encarregam de interromper este processo (acordo./ acordo,/ acordo!). A possibilidade de o poema ser desfeito alude à ideia defendida por Salomão, da poesia enquanto unidade dinâmica, flexível, maleável, polimorfa, capaz de transmudar-se, tal qual Proteu, o deus da metamorfose. os olhos chumbados pelo mingau das almas e os ouvidos moucos, assim é que saio dos sucessivos sonos: vão-se os anéis de fumo de ópio e ficam-se os dedos estarrecidos. (SALOMÃO, 2007a, p.35). Num conflito (in)consciente, o despertar é marcado pelo peso da realidade que tornara os olhos pesados e os ouvidos surdos (confirmados nos versos acima), sintomas de uma possível experiência alucinógena (―vão-se os anéis de fumo e ópio‖), que estreita ainda mais os limites entre o sonhado e o vivido. A composição das imagens montadas no poema até o momento do fragmento supracitado aponta para o que o Carone Netto (1974, p. 16), chama, ao analisar o poema de Georg Trakl, de ―linguagem do indizível‖, quando [...] o entrelaçamento de metáfora e montagem se aguça na medida em que esta, aproximando num regime de descontinuidade, imagens isoladas e 97 fechadas em si mesmas, acaba por radicalizar-lhes a obscuridade e a tendência que têm de se tornarem ‗absolutas‘, ou seja, remetidas a um universo de significações que beira a indeterminação semântica. As metáforas reunidas no processo de montagem se ocupam de nomear algo que extrapola a ―experiência verbalizável‖ e produzem a indeterminação semântica. Portanto é plausível uma leitura desse fragmento vislumbrando um eu-poético que luta no processo de escrita sob efeito de entorpecentes. O que o poema não nos permite perceber é se tal fato ocorre em favor da produção do poema, ou se é este o motivo da sua não materialização. É possível que esta questão não tenha resposta: toda a angústia deste processo, registrada desde o início do ―Fábrica do poema‖, não passaria de um delírio provocado por esse estado do poeta? sinédoques, catacreses, metonímias, aliterações, metáforas, oximoros sumidos no sorvedouro. não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita no topo fantasma da torre de vigia. nem a simulação de se afundar no sono. nem dormir deveras. pois a questão-chave é: sob que mascará retornará o recalcado? No fragmento acima, vemos as figuras de retórica coisificadas, descartadas, como se fossem material concreto num trabalho de construção, numa operação em que é possível arquitetar, tal qual se projeta um espaço, uma planta, o que virá a ser o poema. Salomão não tem receio de abusar dos recursos de que dispõe – retóricos e paronomásticos –, que lhe são convenientes (―sinédoques, catacreses,/metonímias, aliterações, metáforas, oximoros‖) e juntá-los a procedimentos de deslocamento, distorções e estilização, obtendo um interessante resultado artificioso (CICERO, 2005). Para Salomão, ―[...] criar é não se adequar à vida como ela é/ nem tampouco se adequar às lembranças pretéritas/ que não sobrenadam mais‖, pois é no presente que a experiência da construção do poema tentará se firmar, ainda que se espere ―à espreita‖, na vigília, as diversas leituras ―esquecidas‖ no processo de recalcamento. Entretanto, o que preocupa o poeta não é o retorno do recalcado, mas de que forma nos surpreenderão as vozes dos outros, aprisionadas na ―câmara de ecos‖. 98 O recalcado, neste processo crítico-criativo, são os discursos conflitantes que aparecem espontaneamente no momento da sua escritura. Mas como eles apontarão, serão percebidos? Ou será melhor suprimi-los do poema? Numa intervenção que contraria a ideia construída por todo o poema, do texto que não se materializa e, em uma atitude bem machadiana, o eu-poético comunica ao leitor a decisão de suprimir a palavra ―recalcado‖ e, ainda que o faça, para nós – leitores do poema que fala do poema que não quer se compor –, a palavra continua neste, inscrita e rica de significância.Vejamos: (mas eu figuro meu vulto caminhando até a escrivaninha e abrindo meu caderno de rascunho onde já se encontrava escrito que a palavra ―recalcado‖ é uma expressão por demais definida, de sintomatologia cerrada: assim numa operação de supressão mágica vou rasurá-la daqui do poema.) pois a questão-chave é: sob que máscara retornará? (SALOMÃO, 2007a, p. 35-36). O poema surge no cenário da consciência apresentando questões que estavam ocultas. Para a Psicanálise, uma forma de manifestar o desejo não realizado é por meio do sonho. O sonho nos permite a reapresentação do desejo que não pode se realizar, assim como a possibilidade de desrecalcar e liberar certas tensões (SANT‘ANNA, 1995). O que Salomão faz neste poema é trazer à tona elementos que estão recalcados no processo de fabricação de sua poesia. Portanto, o texto que não consegue se compor no plano da realidade, aparecerá, oniricamente, junto com vários elementos necessários para o seu processo de criação. A decisão de suprimir a palavra ―recalcado‖ manifesta o desejo de que o poema se materialize, saia do plano do sonho para a realidade e constitua o texto poético que apreciamos em ―Fábrica do poema‖. Com este poema, Salomão é colocado entre os poetas que se equilibram na balança da construção e do espontaneísmo. Já compreendemos que seu ritmo não jorra fácil, ―pronto rebento do espontaneísmo‖ (SALOMÃO, 2007a, p.67). Seu verso, metro e poema são frutos de intensa elaboração, revisões e leituras amalgamadas com suas experiências. O que surge espontaneamente em Salomão são os ecos, as outras vozes, que, ressignificadas em um novo discurso e aprisionadas numa câmera, produzem a ideia da presentificação e traduzem o que há de mais contemporâneo, atual e pós-moderno. ―Fábrica do poema‖ não encerra as Algaravias de Salomão, embora nos dê subsídios suficientes para discutir o seu processo crítico-criativo. Em ―Carta aberta a John Ashbery‖ 99 (2006, p.43), poema de título metalinguístico, já que se destina ao também poeta Ashbery, a metalinguagem não opera apenas no título do poema. O primeiro verso contém uma frase que aparecerá, num processo intratextual, em seu livro subseqüente, Lábia (1998): ―A memória é uma ilha-de-edição‖ (1998, p.14-15). Este verso sinaliza uma motivação presente em Ashbery, as recordações apreendidas e selecionadas pela memória de sua infância e de sua vida, que aparecem diluídas por toda sua obra, segundo a pesquisadora Viviana Bosi Concagh (1999, p.17): Em toda obra de Ashbery (1927) as estações, a luz, as mudanças nas árvores e rios relembra-nos de sua infância em meio aos pomares da fazenda de seu pai perto de Rochester, nas cercanias do lago Ontário, ao norte do Estado de Nova York. Por outro lado, a influência do avô materno, famoso físico, deserta em Ashbery curiosidade pela cultura, numa atmosfera vitoriana que ele recorda com nostalgia. Embora sempre reticente e oblíquo em relação a fatos de sua vida, que considera de pouco interesse para os outros, todo tipo de lembranças, sentimentos e acontecimentos cotidianos se misturam em sua obra, trazendo a tona indícios das referências biográficas que conhecemos. É exatamente na memória que consistem os questionamentos feitos no poema em estudo. Como selecionar os mais importantes momentos de cada instante? Como escolher os fatos que a memória deve amar e, portanto, apreender? As perguntas lançadas intertextualmente a Ashbery propõem um diálogo em torno da memória não apenas como um registro de dados passados, pois ―os dados‖ já são ―[...] o resultado da atividade interpretativo-construtiva, de seleção, corte, cópia e colagem etc. – efetuada por um processo de edição ou montagem‖ (CÍCERO, 2005, p.45). Para analisar os poemas de Salomão, é preciso mais do que o pleno funcionamento da visão central, exercitar a visão periférica. Por todos os lados, temos ―(soli)citações, remissões e dedicatórias, comprovando esse caráter de intertextualidade, fricção, contaminação‖ (BOAVENTURA, 2009, p.48), permeando sua obra. Isso é o indicativo de que Salomão pressupõe um leitor com um vasto repertório de leituras, para conhecer seu universo literário. A despeito dos traços de intertextualidade que Salomão apresenta em sua obra, Flávio Boaventura (2009, p.48) cita o argumento de Leyla Perrone-Moisés (1978), quando diz que, no discurso poético dialógico, os textos não são abrigados para serem conservados como propriedades, mas para aquele que fez uso do discurso do outro, colocá-lo ―[...] em perda, numa migração incontrolável [...]‖; ou seja, transmutar, dialogar e polemizar com o discurso 100 alheio. E, quando esse processo ocorre, a autora acredita que a relação entre os criadores é uma relação de igualdade, pois, neste dialogismo, ambos estão no mesmo nível. Talvez esse fato explique a liberdade com que Salomão ―bebe direto na(s) fonte(s)‖ e se constitui num leitor ―luterano‖ – sem intermediários e muitas vezes sem lançar mão das ―aspas e parênteses‖ (BOAVENTURA, 2009, p.48) –, como fora de Drummond. No poema ―Domingo de Ramos‖, Salomão dialoga com Drummond citando-o num pastiche em que desloca este verso do poema ―Conclusão‖ (DRUMMOND, apud CORREIA, 2002, p.40), ―o poeta é um ressentido e o mais são nuvens‖. Nos versos seguintes, parodia o poeta mineiro e afirma que os versos deste em seu poema querem dizer, ―Assim ele, aqui, fala:/ Os ressentimentos esfiapados/ são como nuvens esgarçadas‖. O intertexto se configura como paródia porque o discurso de Drummond é utilizado por Salomão para contrapor a ideia de que o poeta é um sujeito ressentido. A oposição consiste na metáfora do ―ressentimento/ como nuvens esgarçadas‖, pois, para Salomão o poeta não é um ressentido. Em ―Carta aberta a John Asbery‖, ele já explicara que o que ficou por ser feito faz parte de um ―dado‖ localizado no passado, a partir de uma seleção feita pela memória, não havendo lugar para ressentimento. Como leitor de Drummond, Salomão reconhece que a leitura é uma experiência adâmica: a cada leitura, uma nova descoberta, aumentando o fascínio que a interpretação do poema drummondiano causa nele. Sua experiência com essa leitura pode ser comprovada em ―Ler Drummond‖ (SALOMÃO, 2004, p.43; grifos do autor): Pratico umas leituras luteranas, – e, desde que fato nunca nem há mais, Giram que giram celeradas as roldanas das interpretações – Enfio um pé aquém e outro além, um contato direto e sem intermediários como as sete faces dos seus veios poliédricos. Reler Drummond pela milionésima vez é um aventura adâmica, Um convite renovado ao espanto e a surpresa. Close readins nas internas das galerias das minas. Maga lúcida, esfinge clara: Chiar para não ser destituído do estímulo do simples enigmático. Uma pedra de tropeço quebra o sono dogmático ―Ler Drummond‖ é o momento encontrado por Salomão para externar, por meio do seu poema, a catarse do poeta diante de uma leitura prazerosa. Neste, Salomão ainda afirma que, em ―A procura da poesia‖, Drummond se mostra desprendido de qualquer vaidade, apesar do grande texto que produziu e considera que a leitura tem o efeito mutante a cada 101 nova experiência. Tal qual Sherazade, que, durante as mil e uma noites ao lado do Sultão, criou mil e uma novas histórias para livrar-se da morte. Por isso, termina com os versos: Estoicismo sem consolo nem vanglória. A procura da poesia é um aparelho processador/reprocessador Que nulifica bazófilas. Sherazadiar: ler Drummond pela milionésima e mais uma vez e mais... (SALOMÃO, 2004, p.44. Grifos do autor). Por fim, ao confirmar, em ―Domingo de Ramos‖, que certas qualidades são importadas de outros poetas e escritores como Drummond, Salomão encerra seu livro de poemas confirmando o desejo de ser este amálgama de vozes, este aparelho processador de intertextualidades, o poeta polifônico de ―Desejo e ecolalia‖. Ecolalia diz respeito a um tipo de afasia e caracteriza-se por uma repetição não significativa da fala dos outros (SCHULLER, 1979) ou de suas próprias falas. A sua poética se desenvolve num processo de espelhamento. O voltar-se para si é um procedimento natural na composição dos poemas, de modo que o seu próprio fazer fica marcado pela descrição da materialização do texto poético, das leituras que influenciaram sua formação de escritor, sobretudo as leituras que influenciaram cada poema escrito. Em seus poemas, é possível depreender as inquietações do sujeito que escreve na busca constante por seu lugar no mundo, pela necessidade de viver da arte que produz, assim como pelo desejo de ser polimorfo em poesia, mas também na vida real, para suportar as adversidades. Outrora, a metalinguagem serviu para refletir ocasionalmente o fazer e o sujeito da criação, hoje, o recurso metalinguístico é o viés encontrado pelo poeta para compreender uma questão existencial: a busca de si, na (re)construção da identidade fragmentada. Acontece que, em Salomão, a busca de si passa pelo outro, e o que podemos ver é uma gritaria de muitas vozes aprisionadas ―[...] nesta câmara de ecos, em que muitos poetas falam por ele, reiterando a mesma busca de si mesmo e da própria poesia, esquiva em toda parte‖ (ARRIGUCI, 2006, p.80). 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após realizarmos este estudo da obra completa walyniana, selecionarmos o livro, Algaravias: câmara de ecos, para uma investigação mais detalhada, empreendendo, em seguida, uma análise dos poemas de dimensão metalinguística. Percebemos que Waly Salomão inscreve sua poética na chamada pós-modernidade, o que pode ser verificado quando o poeta discute seu processo crítico-criativo a partir da fusão das diferentes experiências (do teatro, cinema, literatura, música e movimentos de contracultura) que viveu. Essas experiências possibilitam que os discursos se cruzem e escrevam sua própria trajetória na literatura, bem como expliquem aspectos necessários para a compreensão do seu processo criativo. Desse modo, a lírica walyniana responde a questões relativas à inquietação do sujeito que escreve na pós-modernidade. Os poemas de Waly Salomão apresentam-no como poeta multimídia – aquele que transita em diferentes sistemas –, capaz de traduzir vozes emblemáticas da poesia, num processo metalingüístico que explica como e por que seu discurso se constitui, a partir do discurso alheio. Daí a necessidade de recursos como o intertexto, a paráfrase, a paródia e o pastiche para construir seus textos. Em seus poemas, Waly Salomão revela-se um poeta consciente de seu processo de composição, por meio da autoexplicação da construção do texto literário, possível por conta da utilização da metalinguagem. O poeta baiano concebe a arte literária como a possibilidade de transformar a humanidade. O leitor, o único responsável pela interpretação do poema, é também um sujeito capaz de produzir poesia, desde que entenda que esta surge de um processo árduo que exige leituras variadas e um eterno fazer, refazer, até a materialização do texto final. Já o poema é concebido por Salomão como uma modalidade polimorfa, possível de misturar linguagens, estilos, vozes, temas, constituindo um discurso livre, desprendido de quaisquer normas ou intenções preestabelecidas. E se a metalinguagem é o eixo norteador na tessitura dos poemas walynianos, cabe, aqui, ressaltarmos alguns aspectos metapoéticos depreendidos do estudo da sua poética: 103 1. Consciência do seu processo crítico-criativo O poema não é fruto da inspiração, portanto, para concebê-lo são necessárias diversas leituras de outros que tão bem desenvolveram esta arte. O curioso é que as referências de Waly Salomão, diretas ou indiretas, são sempre a outros poetas que utilizaram a metalinguagem com frequência significativa nos seus textos, assim como ele. Esta consciência o faz produzir poemas de temática intratextual e, assim, discutir aspectos de sua própria poesia. 2. Certeza da leitura como a verdadeira “inspiração” para seu fazer Ao repetir nas entrevistas e em um poema seu, os versos de Castro Alves, ―livros, livros à mancheia‖, Waly Salomão reafirmava sua luta pela leitura enquanto forma de libertação, como fez no curto período que atuou como Secretário Nacional do Livro. Os intertextos produzidos em seus poemas nos aproximam do seu vasto universo de leituras. 3. O trânsito em diferentes gêneros artísticos Esta característica o fez receber o título de poeta multimídia, pois as referências nos seus poemas bebem de diferentes saberes, epistemologias e áreas de atuação, tais como filosofia, música, artes plásticas, literatura (poesia, ficção), artes cênicas, cinema e história, etc. Em seus poemas convencionais, esta fusão é perceptível por meio dos jogos metalinguísticos. Nos seus poemas experimentais (babilaques), é notória. 4. O leitor é quem detém a ultima palavra do poema Este sujeito que detém a chave da interpretação do poema é, sem dúvida, o leitor. O leitor tem liberdade interpretativa, todavia é importante marcar que, tratando-se de Waly Salomão, a poética irá pressupor um leitor engajado com o processo de escrita e previamente conhecedor de uma literatura nacional e universal. 5. A situação problemática do poeta no mundo contemporâneo 104 Como poeta que acreditou plenamente no ofício que exercia, Salomão rejeitou o diploma da sua formação inicial em Direito para viver de escrever poemas. Uma única certeza o movia – a crença na arte como possibilidade de transformação da humanidade. Com isso, enfrentou a dura realidade dos poetas que vivem numa sociedade na qual a valorização da atividade literária se restringe a poucos espaços, como a Academia, e esta, por sua vez, está impregnada de uma cultura, a qual só reconhece o talento literário daqueles que se encontram in memoriam. São as razões que o fizeram problematizar a sua condição de poeta. Acreditamos que estudar a dimensão metalinguística da obra de Waly Salomão nos proporcionou iluminar a fabricação da sua poesia. Como um dos mais notáveis poetas da literatura brasileira, embora pouco estudado, merece nossa preocupação pelo legado deixado, como sinal de que a experiência poética também é didática. Ao apreciar um poema de Waly Salomão, aprende-se a concebê-lo concomitantemente, além do mais, a leitura de seus poemas também nos possibilita compreender o pensamento de um homem e, por consequência, o tempo em que este traduz suas reflexões. 105 REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. As origens da Pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. ANDRADE, Oswald de. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 1991. ARRIGUCCI JUNIOR, David. Orelha da 1 ª edição. In: SALOMÃO, Waly. Algaravias: câmara de ecos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2007a. p.79-80 (Anexo). ASSUNÇÃO, Sérgio Carvalho de. Ficção e fricção em Waly Salomão. 2008. 104 f. Tese (Doutorado em Letras)- Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução feita do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Coleção Ensino Superior). BAKHTIN, Mikhail. 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