FTS – FACULDADE TABOÃO DA SERRA INPG – INSTITUTO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO ALQUIMY ART ARTE É TERAPIA EM UM ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL UM PROCESSOTERAPÊUTICO CENTRADO NA ARTETERAPIA JOSEFA LUIZ DA COSTA TABOÃO DA SERRA - SP 2007 FTS – Faculdade Taboão da Serra INPG – Instituto Nacional de Pós-Graduação Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu ARTE É TERAPIA EM UM ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL UM PROCESSOTERAPÊUTICO CENTRADO NA ARTETERAPIA JOSEFA LUIZ DA COSTA Taboão da Serra - SP 2007 JOSEFA LUIZ DA COSTA ARTE É TERAPAIA EM UM ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL UM PROCESSO TERAPÊUTICO CENTRADO NA ARTETERAPIA Monografia apresentada à FTS – Faculdade Taboão da Serra, Convênio / INPG – Instituto Nacional de PósGraduação e Parceria / Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Profa Maria Beatriz Ribola. . Taboão da Serra - SP 2007 COSTA, JOSEFA LUIZ DA Arte é Terapia em um espaço de Educação Infantil: Um processo terapêutico centrado na Arteterapia / Josefa Luiz da Costa – Taboão da Serra; [s.n.], 2007. 42 p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – FTS – Faculdade Taboão da Serra, Convênio / INPG – Instituto Nacional de PósGraduação e Parceria / Alquimy Art, SP. 1. ARTETERAPIA 2. CONTOS INFANTIS FTS – Faculdade Taboão da Serra INPG – Instituto Nacional de Pós-Graduação Alquimy Art ARTE É TERAPIA EM UM ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROCESSO TERAPÊUTICO CENTRADO NA ARTETERAPIA Monografia apresentada pela aluna JOSEFA LUIZ DA COSTA ao curso de Especialização em Arteterapia em 03 / 07 / 2007 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: __________________________________________________________ Prof ª Maria Beatriz Ribola, Orientadora. __________________________________________________________ Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização. __________________________________________________________ Profª MsC. Dilaina Paula dos Santos, convidada. Dedico crianças que este trabalho proporcionaram às esses momentos maravilhosos e com seu amor fizera-me acreditar que as histórias infantis ainda os encantam. Agradecimentos Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me amparado em todos os dias da minha vida e ter me propiciado mais um momento maravilhoso que foi este novo aprendizado. ...Um tempo cujo cheiro gostoso, cor e som, continuamos perseguindo de forma consciente ou inconsciente, por toda a vida. RESUMO Esta monografia aborda de uma forma discursiva, a Arte como terapia, conceituando as duas linguagens. Descreve uma pesquisa desenvolvida em uma escola de educação infantil, com crianças que aguardavam a chegada de seus pais, após horário de aula. A pesquisa analisa a utilização de histórias infantis em atelier terapêutico, desenvolvido no formato das Oficinas Criativas. A coleta de dados parte de observação das ações e relatos das crianças, durante o processo. A análise baseia-se, em seis momentos selecionados destas oficinas, com as histórias: Sherazade; Cinderela; A casa; Clact....Clact...Clact; Meu amigo Ventinho. Confirma a prática de contar histórias como instrumento eficaz no atendimento arteterapêutico. Palavras-chave: Arteterapia – Contos infantis. ABSTRACT This monograph broaches, in a speech form, Art as Therapy, bringing the concepts of both languages. It describes a research carried out in a Kindergarten Education School at the time which children hold their parents up after class-room. It analyses the use of Fairy Tales and stories for children in a therapeutic environment that was framed by Creative Workshops. The collected data is based on the observation of children behavior and skills and reports from children during the process. The analysis of data is based on six moments drawn from the Creative Workshops where it was used story telling as: Sherazade; Cinderela; A casa; Clact...Clact...Clact; Meu amigo ventinho. It assures the use of story telling as an efficient tool for the therapeutic assessment. Key words: Art Therapy – Children’s tales. SUMÁRIO Agradecimentos.............................................................................. ................ RESUMO.......................................................................................... ................ ABSTRACT...................................................................................... ................. INTRODUÇÃO COMO TUDO COMEÇOU................................................................................ CAPÍTULO I DESVENDANDO A ARTE ATRAVÉS DE UMA HISTÓRIA............................ 1.1. O que é Arte?........................................................................................ 1.2. Arte é Terapia? Que Terapia é Arte?................................................... 1.3. As histórias infantis no atelier terapêutico........................................ 1.4. A maior Sherazade................................................... das narradoras: CAPÍTULO II MUITAS HISTÓRIAS... AÇÕES... PRODUÇÕES... ........................................ 2.1 Romeu e Julieta..................................................................................... 2.2. Cinderela................................................................................................ 2.3. A casa.................................................................................................... 2.4. Clact... Clact... Clact... .......................................................................... 2.5. Meu Ventinho............................................................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ amigo 11 INTRODUÇÃO COMO TUDO COMEÇOU... “Um sonho de manter acesa a chama vibrante, intensa e colorida da infância. Um tempo marcado pelo...” (CHALITA, 2003: 14). Olá, eu sou Josefa e aqui estou para contar uma história que ainda não acabou e certamente terá um final muito feliz! Há não muito tempo, não muito mesmo, em uma cidade nova IGACI – no Estado de Alagoas nasceu uma bela menininha. E assim ela foi crescendo, amadurecendo e conhecendo novas vivências próprias da infância. Em busca de melhores oportunidades, a família mudou para uma cidade maior, na esperança de conseguir emprego e um recomeço de vida. Quando entrou na 5a série, em uma das aulas de Geografia, enquanto fazia uma dinâmica de apresentação, o professor perguntou a origem do seu nome e como ela não sabia, ele fez uma inferência: Ah! Mas não completou. Mal sabia ele que estas palavras marcariam por um bom tempo, o coração e a vida daquela préadolescente e que daria ali um novo rumo a sua vida. Mesmo com seus medos, ansiedades, muitos problemas familiares e financeiros, tornou-se uma adolescente, tão segura quanto aquela menininha, com uma enorme força de vontade e proteção de muitas fadinhas e magos. Ao completar 14 anos, com poucas perspectivas, a família resolveu mudar novamente para outra cidade, não muito distante de onde viviam. A menina foi para 12 uma escola onde as aulas eram ministradas por professores comuns, em uma escola quase de freira, comandada por um quase padre, (chamada na época de escola religiosa), diga-se de passagem, muito tradicional. Não foi bem aceita pelas demais colegas. Sabem o que fez? Estudou, estudou e estudou muito. Então, começou a fazer as tão esperadas amizades. Nesta mesma época, aderiu a um movimento voluntário, trabalhando com crianças carentes que, atrás de uma boa sopa, iam ouvir histórias, cantar, ser felizes, importantes, nem que fossem por momentos apenas. Bom, vamos adiante. Até entrar na Faculdade, muitas coisas aconteceram, boas e ruins. Entrar na Faculdade foi um passo muito bom em sua vida: vinda de uma escola pública, sem ter feito um preparatório, sem dúvida uma superação. Ela já sabia onde queria chegar e os meios que precisaria ter. Um belo dia, em um lugar viu um príncipe que parecia encantado. Aí começou um outro capítulo na sua história. O seu príncipe era lindo, meigo, com um enorme coração. Como ela, indeciso e um pouco inseguro. Completavam-se um ao outro. Mesmo com a graduação, sentia que ainda faltava alguma coisa. O coração vibrava ansioso por tornar-se útil. O trabalho com as crianças era uma constante. Às vezes, mudava o local, mas a convivência com as crianças era intensa. Não se tratava de simplesmente fazer, mas fazer cada vez melhor, fundamentando a prática. A razão batendo mais forte, só acreditar no coração não bastava. Alcançou a tão sonhada formação profissional. Tornou-se pedagoga e a meta era atuar no ambiente escolar. Em sua expectativa profissional, enxergava na escola, uma instituição social, que tem como função não só a transmissão do conhecimento e habilidades 13 concretas, como também, a socialização, e ao mesmo tempo a formação de uma consciência, de uma concepção de homem, de sociedade e de mundo. Esta era a sua meta de ser atuante neste mundo, contribuindo para que as pessoas tivessem uma condição melhor, não na ilusão de ascensão social, mas de serem mais dignas, de serem íntegras e realistas. Na complexidade deste universo, com muitas situações de não aprendizagem, ampliaram-se os anseios pessoais e também profissionais: a sua preocupação com as crianças era grande e o fato de elas não aprenderem satisfatoriamente era tido como fracasso pessoal. O que fazer? Buscar novas fontes de conhecimento, acalmar o coração e mente, convencer-se e vivenciar que na vida das crianças aconteciam outras prioridades e que nem sempre o aprender estava em primeiro lugar. Então, foi atrás de uma nova área de conhecimento. Esta era a sua tentativa de não sofrer e não se culpar pela não aprendizagem, instrumentalizando-se para co-atuar melhor. Iniciou a especialização em Psicopedagogia, área que busca investigar a não aprendizagem como uma das causas do fracasso escolar, com isto, procurando uma visão abrangente sobre elas e os processos que interferem neste não aprender. Para ela, o fato de as crianças não aprenderem, não se restringia ao não querer aprender ou meramente pela sua condição socioeconômica. As idéias se completavam. Então, investiu nesta nova área com muito afinco, pois atendia as suas necessidades profissionais prementes. Em parte, vislumbrou novas perspectivas, mas a sua busca ainda não tinha acabado. Muitas indagações ainda flutuavam no ar. Havia encontrado algumas respostas, mas como atuar e auxiliar os apendentes? Ainda não era o que buscava. Na reta final desta busca, surgiu uma 14 nova área que balançou a sua estrutura. A Arteterapia. O coração palpitou, as pupilas dilataram e brilharam: a possibilidade da união das dimensões do coração e da subjetividade, tendo como pano de fundo, a teoria (objetividade - razão) confirmada pela prática vivenciada. Fazer ou não fazer? Trilhar por este caminho exigiria de forma assombrosa sobre nossa personagem. Muitas mudanças aconteceram, muitas dores vieram à tona. As sombras tomaram forma, ganharam nomes e foram carinhosamente iluminadas. As cicatrizes permaneceram, mas já não doem como doíam e incomodavam. Eis que surgiu no caminho uma explosão de luzes de amor que iluminaram e iluminarão sempre esta busca por ser melhor e auxiliar as pessoas a serem melhores. Como um processo, essa busca é contínua e esta história ainda não teve seu final, mas exercitando a nossa intuição, o seu final será bem feliz e com amor, com muitos capítulos de alegria, de luta e de muita determinação. 15 CAPÍTULO I DESVENDANDO A ARTE ATRAVÉS DE UMA HISTÓRIA Martins (1998: p. 4-5) relata-nos uma história sobre a arte, que ilustra a importância desta expressão na constituição do homem. No limiar dos tempos, os seres rodopiavam no espaço entre o céu e as estrelas, à procura de um lugar para germinar. Chegaram ao Sol, mas este muito ardente, não era um bom lugar. Foram à Lua, com sua inconstância não era um bom lugar. Desceram a Terra, que estava coberta de água. Soprados pelo ar, os grãos voaram em busca de terra seca. Rodopiaram por todos os cantos e nada acharam. De repente apareceu uma pedra queimando no meio da água. No fogo as águas ferviam e subiam ao ar em nuvens. Então a terra seca e boa apareceu. No ventre da mãe Terra germinaram minúsculos grãos de todos os seres. Cada qual escolheu um lugar: os mares dançaram rolando em ondas, os rios desenharam seus cursos de água e as montanhas esculpiram seus contornos, erguendo-se em picos. Na terra fresca e fofa as plantas cresceram. Coloridas flores brotaram. O canto das aves nas matas ecoou e os cardumes bailaram no vaivém da correnteza das águas. Bichos grandes e pequenos, a mãe Terra habitou. O mundo estava pronto. O mundo era a grande morada da natureza. Entretanto, ainda faltava alguém capaz de refletir sobre os muitos mistérios daquele mundo. Alguém que fosse capaz de chorar e sorrir, de temer e ousar, de odiar e amar, de perdoar e esquecer, de lembrar e desejar, de criar... Alguém capaz 16 de expressar-se sobre si mesmo e seus semelhantes, sobre o mundo e as suas coisas. Aí, então, o mundo estaria completo! Seria ele habitado com alma. Faltava o homem. E no decorrer de muitos, muitos mil anos, osso por osso, músculo por músculo, nervo por nervo, artéria por artéria e mutação de cérebro nas longas horas de trabalho paciencioso, seja nas mãos divinas, seja pela mudança das linhagens, que o Homem se formou. Não conhecia seu lugar no mundo, tinha de encontrá-lo. Ao contrário dos outros seres, o homem teve de aprender muito. Às vezes era arrogante e tinha de aprender a humildade. Era covarde e precisava aprender a ser valente. Algumas vezes sofria porque não entendia os enigmas da mãe Terra. Outras vezes sofria porque não entendia a alma dos seus semelhantes. Para suportar tudo isso e tornar-se melhor pela sua própria sabedoria, o homem inventou uma ferramenta: a linguagem. Linguagens que se tornaram inseparáveis do homem para ele penetrar na floresta sombria das coisas do mundo e desvelar para si, bosques de realidade, desvelo da consciência de viver e existir. Linguagens inventoras de mundos do brincante, homem criador de signos. Dentre elas, uma linguagem se fez especial, a linguagem da arte. Feita para o homem mergulhar dentro de si mesmo, trazendo para fora e para dentro dos outros as emoções do próprio homem. Sabe o homem que as emoções são o sal da vida. Por isso é que quando um Homem quer falar ao coração dos outros homens, ele o faz pela linguagem da arte. Quando isso acontece, naquele homem sente e age o “artista". Ao buscar um conceito para a Arte na vida do Homem, o autor traduziu este anseio. A história de Arte se mistura com a história do próprio homem. 17 1.1 - O que é Arte? “A arte é um estimulante para o viver e para a vida. É assim que a vejo”. (MURRAY, apud MARTINS 1998: 179). A Arte em sua etimologia diz respeito ao domínio de técnicas e regras adotadas em determinada área de atuação humana. Posteriormente, houve a distinção entre a arte puramente mecânica (tecnicista e útil) e o propriamente belo, sendo este último o sentido mais difundido entre nós. De acordo com a Enciclopédia Encarta (2001) Arte é uma atividade que, além de talento, requer aprendizagem e disciplina. Pode limitar-se a uma simples habilidade técnica ou ampliar-se a ponto de expressar uma visão de mundo. O termo arte deriva do latim ars, que significa habilidade na realização de ações especializadas, como a arte da jardinagem ou de jogar xadrez. Em sentido amplo, o conceito se refere tanto à habilidade técnica, como ao talento criativo. A arte proporciona experiências estéticas, emocionais e intelectuais. Na visão filosófica, a arte compreende o que é etéreo, belo, visual, que transcende o que é simplesmente palpável. O artista é considerado como um ser alado, diáfano, com aura de semideus. Parte do senso estético - do belo, que desperta a sensibilidade de quem aprecia. O trabalho do artista é julgado e tido como bom, quando atende aos juízos pessoais. Na era contemporânea a visão de arte e, conseqüentemente, de artista sofreu algumas modificações. A arte passou de meramente apreciada, para ser um elo entre a razão e a emoção, entre o que é e como é percebido e inserido na vida social. Não é alheia ao movimento social, mas faz parte dele. Graças à 18 desmistificação da arte como sendo inacessível, e somente para deleite de uma elite, ela foi popularizada e passa a refletir a expressão de todas as pessoas e segmentos. Já não é mais diáfana, mas com muito "corpo", extrapola os limites dos grandes e suntuosos museus e galerias, indo para os mercados e ruas. Segundo Iavelberg (2003: p. 9): Arte enquanto área de conhecimento promove o desenvolvimento de competências, habilidades e conhecimentos necessários a diversas áreas de estudo, mas seu valor está intrínseco como construção humana, patrimônio comum a ser apropriado por todos. 1.2. Arte é Terapia? Que terapia é Arte? A Arteterapia proporciona a oportunidade para que a pessoa entre em contato com outros universos, diferentes do seu, podendo reconhecer de forma concreta a diversidade de expressões e realidades. Num clima de acolhimento é possível entender e aceitar a si mesmo e também ao outro, o que ajuda a trocar o julgamento, tão presente nas relações, pela compreensão, onde as diferenças observadas tomam um caráter de complementaridade com possibilidade de troca e conseqüente enriquecimento individual e grupal. À medida que as pessoas entram em contato consigo mesmas, percebendo a riqueza interior que possuem, ampliam o universo do seu repertório e a compreensão do significado impresso em suas vidas. São suas próprias imagens internas que podem vir à tona, graças ao meio propício que lhes é oferecido, promovendo um aumento de seu poder pessoal e, conseqüentemente, maior capacitação para lidar com suas dificuldades. Todo ser humano possui igualmente esse potencial criativo, mas a chave para 19 acioná-lo somente pode advir de dentro de cada um. Entrar em contato consigo mesmo de uma forma segura, amorosa e esclarecedora leva ao âmago desse potencial criativo, gerador de Vida. O indivíduo percebe o valor que possui, naquilo que simplesmente ele é, e na sua responsabilidade sobre o acionamento de seu próprio potencial, Transitar por diferentes linguagens expressivas, que não apenas a verbal possibilita a ampliação do campo do conflito, como o efeito de uma lente de aumento. Muitas vezes sabemos o que nos incomoda, mas não sabemos exatamente o que é ou ficamos aprisionados em uma única forma de ver a questão. Pintar, desenhar, modelar, dançar, etc., dentro de um contexto terapêutico, possibilita a compreensão e representação dos próprios processos, bem como a integração destas descobertas num todo maior. Allessandrini, (1997: p. 34) afirma que na Arteterapia evoca-se o valor e a abrangência que a Arte tem sobre o Ser Humano: pensante, formador, construtor, sensível, consciente e intuitivo: “Como técnica terapêutica dá-se importância aos aspectos não verbais assim como a estimulação dos processos cognitivos e expressivos”. Em todo este processo de encontros, desencontros, trocas, buscar-se-á descobrir o potencial criativo e curador, aplicando os recursos arteterapêuticos, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos envolvidos, despertando suas potencialidades para o bem viver, quiçá, transformá-los em uma chave capaz de abrir as portas do imenso potencial criador e curador, inerentes a todo ser humano. Aplicando a máxima: "Corpo São, Mente Sã" a arte alia à medicina (também considerada como arte), para buscar uma forma de minimizar os processos 20 dolorosos, inevitáveis em determinadas doenças. A Arteterapia, para ser aceita como ciência, tem buscado comprovar seus benefícios às classes que relutam em considerar quaisquer tratamentos que não sejam cientificamente comprovados (resistência aos tratamentos que não sejam alopáticos). Já não se tratam de conhecimentos empíricos e do senso comum, mas comprovados a olhos vistos, nos próprios pacientes/artistas. No enfoque, a Arteterapia busca contemplar além da terapia uma nova atitude diante da vida e do real, como um caminho vivo e evolutivo, indissoluvelmente ligado ao próprio caminhante. Para Crema (1995, p. 17), O movimento holístico definitivamente não é moda, como muitos pretendem. É uma resposta biológica e vital de perpetuação da espécie perante a ameaça de uma autodestruição global: é um catalisador de transmutação, no seio do qual está sendo gerado o ser humano de agora. Necessitamos investir no universo psíquico interior tão vasto quanto o exterior, da mesma forma como temos investido, nos últimos séculos, no mundo da matéria. Conquistar qualidade na ecologia do Ser é um passo prioritário para sua natural transpiração e extensão na ecologia social e ambiental. Onde o lograr do amor, paz e harmonia se elas não habitarem o interior de nossas moradas? “As mais variadas linguagens artísticas nos permitem vivenciar as emoções, a sensibilidade, o pensamento, a criação, representadas através da própria produção ou da observação das obras alheias”, como traz Rosa Iavelberg (2003: p. 20). Neste trabalho priorizamos duas linguagens, traduzidas pela linguagem oral dos contos de fada e das expressões plásticas. 21 1.3 As histórias infantis no atelier terapêutico Quando alguém se torna narrador, ao mesmo tempo se toma ouvinte de si mesmo: pode ouvir a sua e outras vozes; pode narrar as histórias da humanidade e as suas próprias. Assim, coloca-se como participante ativo da magia da sua existência, percebendo-se também como construtor da história da Humanidade. (BIANCO, 1999: p. 90) Na tradição da linguagem oral, buscamos a importância dos Contos de Fada, que relatam o seguinte: entre o "era uma vez" e o "viveram felizes para sempre" existem histórias que vêm se perpetuando há séculos na imaginação de crianças e adultos, como afirma Marcelo Alencar (2000). Essas histórias são representadas não só pelos contos de fada, mas por mitos, fábulas e lendas, narrativas derivadas da tradição oral. Esses gêneros foram transcritos para o papel e hoje permitem examinar concepções de realidade de diferentes povos. Os contos de fada podem ser conceituados como relatos populares que perpassam o passado e o profano, o trágico e o humorístico. Caracterizam-se ainda, pela presença de seres, objetos e lugares sobrenaturais: bruxas, fadas, dragões, varinhas de condões e reinos enfeitiçados que existem fora da lógica real do tempo. (ALENCAR, 2000: 20) As lendas, do latim legenda, significam coisa que deve ser lida. Trata-se de um relato de caráter maravilhoso em que fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou poética. Os mitos, que vêm do grego mythos referem-se às narrativas heróicas, de significação simbólica. Os deuses encarnam as forças da natureza. Erich Fromm (apud ALENCAR, 2000: 44) explica que “o mito como o sonho apresenta uma história que exprime idéias religiosas filosóficas”. Mitos contêm os arquétipos que 22 Jung interpretou como imagens psíquicas do inconsciente coletivo: "é a mente impessoal, a memória da humanidade em nós. É a dimensão dos arquétipos, das grandes imagens que estruturam a nossa psique" (apud CREMA, 1995: 128). As fábulas consistem em ficções breves e de caráter alegórico; podem ser expressas em verso ou prosa e destinam-se a ilustrar um preceito. Sua conclusão oferece sempre uma lição, um julgamento de valores. A valorização de animais é um recurso milenar das fábulas. Segundo Reyzábel (apud ALENCAR, 2000: 45), "a fábula tem evidente intenção moralizadora e em muitos casos, satírica. É de origem rural e oferece uma visão pragmática da realidade". Os contos de fadas estão vinculados à educação de crianças e atravessaram séculos influenciando modos de vida e perpetuando a cultura de muitos povos. Já nos escritos de Platão percebe-se que as mulheres mais velhas contavam às crianças histórias simbólicas. Uma informação ainda mais antiga é que os contos de fada também foram encontrados nas colunas e papiros egípcios. A tradição escrita da humanidade, data aproximadamente, de três mil anos. O mais interessante é o fato de temas básicos não terem mudando muito. No caso, os contos de fada europeus datam do século XII, ainda na Idade Média (ENCARTA, 2001). Neste mesmo período, camponêses miseráveis sentavam-se à beira de fogueiras para ouvir fantásticos enredos sobre reis, rainhas, palácios encantados e tesouros. E por breves momentos apossavam-se dos papéis principais - aqueles que jamais desempenhariam na vida real. Em sua catarse, derrotavam gigantes, desafiavam bruxas, descobriam as galinhas dos ovos de ouro e conquistavam a felicidade eterna. Mas as histórias não se restringiam aos camponeses. Chegavam às grandes 23 cortes repetidas por menestréis e encantavam as damas e os fidalgos. Desde essa época os contos sofreram mudanças de função: ocorriam as adaptações, que usavam as fábulas e lendas a fim de "apregoar" valores burgueses, conformando os ouvintes aos seus papéis na sociedade. Na sociedade também predominavam os domínios masculinos, que com suas idéias, abominavam mulheres dotadas de iniciativa, independência e livre-arbítrio, sendo as heroínas das histórias dóceis, submissas e extremamente amáveis. A transmissão dos contos de fada pela tradição oral foi facilitada pela construção de um esquema presente em todas as narrativas orais: situação inicial, conflito, desenvolvimento da trama, resolução do conflito e desfecho. Todas as histórias têm um herói e um vilão. Assim, elas são facilmente memorizadas e contadas. Além do acesso ao mundo imaginário, os contos de fada e os mitos colaboram na construção do conhecimento, pois as histórias possibilitam e oportunizam a aquisição das palavras falada e escrita, a construção da memória, apresentando também o significado do mundo da linguagem falada e escrita. As histórias colaboram na construção da linguagem escrita. Quando as crianças começam a aprender a falar, as palavras e as frases são apresentadas de maneira significativa para elas, sem uma preocupação com o conhecimento de cada letra ou fonema, ou como cada palavra se compõe. Assim, naturalmente, a criança vai aumentando o seu vocabulário, dominando as estruturas básicas de sua língua, compreendendo a sua funcionalidade. Diante de tantas possibilidades e dos benefícios dos contos de fadas com relação à construção da memória, eles devem ser contados, lidos, repetidos, ouvidos com disponibilidade e não usados simplesmente como momento lúdico, porém 24 devem ser utilizados de maneira cuidadosa para não quebrar o encanto de algo tão fascinante. Ler e escutar um conto são atividades que devem ser vividas com prazer. Os contos de fada são considerados modelos de narrativas porque apresentam uma situação inicial e evoluem para um conflito que denotando a contradição que cada narrador também enfrenta em seu mundo interno. É o bem vencendo o mal. Quando se chega ao final da história e volta-se ao mundo, distingue-se a importância do imaginário e do real, do que é consciente e inconsciente. Os contos de fada não podem ser vistos apenas como entretenimento. Vão além de inocentes histórias para dormir, afloram os conflitos de cada um dos personagens, ocasionando uma identificação positiva. Por traduzir a linguagem do inconsciente e falar ao ouvinte sem intermediação da razão ou ditar normas de comportamento, daí o sucesso que as histórias apresentam e os variados recursos que podem ser empregadas. Os símbolos não aparecem diretamente e por isso ajudam o ouvinte a elaborar seus conflitos. Ao dialogar com os personagens, corporificam-se os conflitos que podem ser resolvidos com a ajuda das fadas, das espadas e dos outros símbolos trazidos nas histórias. Diversas áreas de estudo têm comprovado a eficácia dos contos de fada nos processos terapêuticos. “Inconsciente, em psicologia, região hipotética da mente que abriga os desejos, recordações, temores, sentimentos e cheias, cuja expressão é reprimida no plano da consciência” foi descrito pela primeira vez entre 1895 e 1900 por Sigmund Freud (ENCARTA, 2001). No processo terapêutico, após diagnosticar-se os conflitos existentes, podese escolher histórias que traduzem estes medos, e ao relatá-las devem ser 25 observadas as reações. É natural que o ouvinte peça para ouvi-las diversas vezes. Este fato revela o caminho a ser seguido pelo facilitador. Ao solicitar o reconto da história, o ouvinte percebe que os conflitos são enfrentados e resolvidos. Identificarse com os sentimentos dos personagens é um passo importante na sua conscientização. Apesar de sentirem raiva, ódio, medo e ciúme eles conseguem resolver seus problemas e terem uma final feliz. Daí a certeza de também conseguirem resolver seus próprios conflitos. Outra função das narrativas infantis é levar o ouvinte a reconhecer seus medos. Em algumas crianças é comum o medo do abandono pelos pais, daí a resistência em dormir, pois não se tem a certeza de reencontrá-los no dia seguinte. Sugere-se, então, que os pais narrem as histórias completas, com o conflito resolvido satisfatoriamente, pois na primeira hora do sono, o inconsciente está mais aberto para receber e incorporar a palavra. Desconhecendo os benefícios de uma boa história, alguns pais acham que os contos de fada possam afastar a criança do mundo real, levando-a a viver no mundo imaginário. Esse medo torna-se sem fundamento, pois o mundo real é que ainda não faz parte do mundo da criança. 1.4 - A maior das narradoras: Sherazade Bianco (1999 p. 98) afirma que com o desenvolvimento da tecnologia, a entrada da televisão e outras máquinas nos lares, e a crescente necessidade dos adultos partirem para a sua jornada profissional fora de casa, as pessoas não têm mais tempo de troca com os filhos. Então a arte de narrar está desaparecendo, 26 contribuindo para o surgimento de homens alienados, distantes da sua essência humana, das suas raízes, dos valores familiares que são passados pela história de cada família. Ao ouvir as histórias da família, o ouvinte cria espaço para um mundo fabuloso, ampliando a imaginação, aprendendo a reagir a situações desagradáveis e a resolver seus conflitos pessoais. As narrativas feitas pelas gerações anteriores, normalmente pais e avós, estabelecem uma, [...] ponte entre o passado e o presente, o indivíduo, tradição, passado individual e coletivo [...] Ao conhecer a história dos ancestrais, resgata-se o inconsciente familiar, tem-se acesso aos mitos e possibilita-se a composição dos contornos e conflitos construídos por cada família, podendo escolher os caminhos de sua existência. [...] é a memória da história das famílias, a linhagem dos ancestrais, onde cada indivíduo conforma o elo da cadeia humana que o habita (CREMA, 1995:127). Ainda segundo Bianco (1999), os estudos relatam que uma das maiores narradoras dos contos e histórias tenha sido Sherazade que, inspirada na magia e completude tornou-se grande educadora e terapeuta, impregnando a linguagem de recursos imagéticos capazes de "curar" as dores do grande Rei Sharyar, acometido por uma grande desilusão afetiva. Ele, além de dilacerar seu coração, ainda espalha o terror por todo o seu reino, pois ao apoderar-se do gênio do mal, conclui que todas as mulheres são iguais e decide, a cada noite, desposar uma jovem e matá-la no dia seguinte. Segundo Galland a figura de Sherazade foi construída a partir das seguintes características: [...] além de muito corajosa, com um espírito de uma admirável penetração. Tinha muita leitura e uma memória prodigiosa. Estudava filosofia, medicina e belas artes e fazia versos melhores que os mais célebres poetas do seu tempo. Além disso, era provida de uma grande beleza e uma sólida virtude. (apud BIANCO, 1999: 102) 27 Os seus atributos intelectuais cedem à sua beleza física, daí sua primeira lição. Por meio da palavra, começa o seu poder de convicção. Seu próprio pai rende-se às suas narrativas e deixa-a casar-se com o temível rei. Sherazade começa usada, conduzida pelas circunstâncias armadas no palco da vida, o seu papel de narradora perspicaz, cuja palavra está centrada no coração. Era uma tentativa, poderia ou não dar certo. Com as suas histórias envolventes, Sherazade consegue um dia após o outro, encantar o rei. Com seus contos aguça a sua curiosidade, envolvendo-no numa trama de suspense. Em um período simbólico, representado por 1001 noites, a nossa heroína consegue curar o rei, restabelecendo sua confiança no amor, com o coração profundamente tocado. Não pode curar a traição sofrida, mas pode curar a ferida do rei, transformando a “dor em amor”. Além dos atributos físicos, indispensáveis ao “início” do tratamento, a figura de Sherazade traz outras características: - A coragem para enfrentar um desafio, levando o outro a também se enfrentar; - A busca pelo conhecimento, exercitando a leitura de sua “cultura”; - Seu exercício para memorizar tudo que lia; - A atenção e a percepção no processo do outro, direcionado pela observação nos sentimentos do rei; - O seu amor transcendente. - E por fim a sua integração de corpo, mente e alma (sua entrega ao processo do outro). 28 Em seus encontros terapêuticos, Bianco (1999), relata-nos que se inspirou nessas histórias, identificando nos seus pacientes os mesmos conflitos do temível rei. A partir desta identificação buscou histórias que possibilitassem a elaboração dos conflitos de seus clientes, auxiliando-os reconhecerem-se como pessoas inteligentes e a transporem suas "primeiras pedras", as mesmas encontrando-se fortalecendo e estimulando-os a ultrapassarem seus próprios limites. Bianco (1999), assim como Sherazade, utilizou recursos que foram empregados para garantir o ingresso ao mundo do faz-de-conta: - estabelecimento de um "clima de ritual", onde o respeito, a atenção, a interação são vividos pelo narrador e ouvintes, de forma participativa e ativa; - este clima foi sendo construído, por meio do seu processo de desenvolvimento pessoal, ocasionando um perfil profissional distinto; - a realização de muitos trabalhos, vivência de processos de autoconhecimento, momentos de ouvir e contar histórias, enfim a busca de sua "cura". Em seu livro “Saúde e Plenitude - um caminho para o ser”, Crema (1995) sintetiza que o ato de escolher o ofício de facilitador no campo da saúde psíquica reveste-se de uma especial responsabilidade quanto à permanente auto-educação, autocuidado e compromisso evolutivo. Não há como não se desenvolver e florescer neste caminho, desde que seja assumido conscientemente. Este salário qualitativo de aprendizagem compensa e redime no confronto diário da dor psíquica. 29 CAPÍTULO II MUITAS HISTÓRIAS... AÇÕES... PRODUÇÕES... “Expressar os próprios sentimentos e emoções traz uma grande satisfação, pois ajuda a pessoa a tomar consciência de sua importância, através de realizar o que é seu. Oferecer essa oportunidade é quase uma missão, já que nos dias de hoje, as pessoas estão perdendo cada vez mais a identificação com o que fazem.” (SANTOS, 1999 p. 121). Foi realizada uma pesquisa em uma escola de educação infantil. O público alvo era composto por alunos e seus irmãos, com idades entre 05 e 08 que ali aguardam seus pais após saírem de suas escolas. Os encontros antecederam na sede da escola, com duração de 2 horas, sendo realizados, três vezes por semana. A proposta arteterapêutica na instituição foi baseada em Oficinas Criativas que, de acordo com Allessandrini (2000) têm como objetivo fazer com que as pessoas possam exercitar suas capacidades de aprender, fazendo uso de seu potencial psíquico, tendo seu dinamismo energético afetivo e cognitivo direcionado para uma melhor qualidade de aprendizagem. Possui como diretriz uma seqüência básica, estruturante de uma proposta a ser constituída. Em um primeiro momento, há a sensibilização: momento onde o sujeito estabelece contato com o trabalho que está sendo iniciado, e tem como objetivo seu contato com o mundo interno. O segundo passo é do da expressão livre: quando podem explorar situações 30 possíveis de serem concretizadas, em um ir e vir de movimentos que surgem naturalmente, empregando os suportes disponibilizados. A seguir temos a etapa da elaboração da expressão, sintetizada no nível não verbal, pressupondo um redimensionamento das ações já realizadas. Continuamente, há a transposição da linguagem simbólica para as linguagens orais ou escritas, Neste momento, “há o acionamento de um movimento na ordem do descontínuo, em outros níveis de consciência”. (ALLESSANDRINI, 1999: 40) Por último, ocorre a etapa da avaliação, com a recomposição das etapas processuais permitindo que as aprendizagens ou vivências sejam nadas conscientes. Finalizando, Allessandrini cita Perrenoud (1997-1999: 42) ressaltando que terapeuta tem a liberdade de ação em construir das oficinas com objetivos específicos, sempre desenvolvendo o olhar carinhoso com o cliente. Foram, então, propostas e desenvolvidas as oficinas, buscando 'contemplar momentos que favorecessem a criação, onde fossem vivenciadas expressões espontâneas em um fazer concreto. Não só vivendo o criativo, mas construindo, pintando, modelando, trazendo aquilo que era o mais próximo do ser. Neste espaço, o imaginário criando formas, tomando cores, aproximando-se de um real personalizado, sentido e vivido com alegria. (ALLESSANDRINI, 2000). As entradas nas oficinas foram vividas como a passagem para um mundo mágico onde o limite foi à própria criação. De acordo com Allessandrini (2000) a ação criadora vivenciada no decorrer do processo não é linear emergindo, muitas vezes, a necessidade da desorganização para depois haver uma re-organização. Propusemos uma prática reflexiva com espaços vivenciais que integraram o ideal de cuidar do si mesmo e do outro. 31 Nos encontros eram realizadas avaliações orais, ao final de cada oficina. As histórias utilizadas durante as oficinas foram, a princípio, escolhidas a partir da conversa com os pais. As crianças e suas famílias eram de regiões muito diferentes, com isto suas histórias de vida, hábitos, costumes também eram diversos, ocasionando desentendimentos e situações de intolerância e desrespeito às diferenças. A seguir serão descritas algumas das atividades desenvolvidas nas oficinas, conforme sessões. 2.1 - Romeu e Julieta Há muito tempo, não muito longe daqui, havia um reino engraçado. Todas as coisas eram separadas pela cor: Branco, amarelo, azul, vermelho, preto. O que era branco morava junto com o que era branco. Todas as flores brancas no mesmo canteiro. As flores brancas só visitavam o canteiro branco. Todas as flores azuis num canteiro separado. E as borboletas azuis 80 visitavam este canteiro, não havia misturas... Num canteiro amarelo, morava uma linda família de borboletas amarelas. Tinham uma filhinha chamada Julieta. (No canteiro dos miosótis, morava uma família de borboletas azuis. Tinham um filhinho chamado Romeu. (...). Ao terminarmos a atividade propusemos a discussão a respeito da história, levantando aspectos diversos: o que a história trazia para cada um de nós, se tinha alguém que estava certo ou errado, por que será que eles agiram daquela forma; qual das situações seria mais agradável aos nossos olhos: a de ver uma só cor ou de ver tudo colorido? 32 No decorrer da atividade os participantes traziam suas experiências, socializando-as com o grupo enriquecendo nossos momentos. 2.2 – Cinderela Cinderela também conhecida como Gata Borralheira (porque uma de suas tarefas era de limpar as chaminés e a lareira, sujando por isso todo o seu vestido de borralho) exerce um fascínio incontestável em crianças e adultos de todo o mundo. A trajetória de sofrimentos da bela moça de coração puro que, sendo órfã de mãe, era explorada de maneira desumana pela madrasta pelas suas duas filhas más, continua seduzindo gerações, certamente, pela enorme carga de valores positivos que a trama agrega em eu enredo. Lembremos que apesar das dificuldades, das provações sofridas e do cansaço diário pelo serviço pesado que era obrigada a fazer, a jovem continuava pura de coração, doce, meiga e delicada com todos. Nada conseguia abalar a fortaleza de seu caráter. Após a história contada para os participantes foi colocado à disposição papéis para desenho, lápis de cor e giz de cera, também tinta guache, papéis coloridos para colagem. Enquanto realizavam as atividades alguns dos participantes contavam seus afazeres no dia a dia em casa e não diziam não imaginar a importância do ato de limpar. 33 2.3 - A casa (Vinícius de Morais) “Era uma casa, Muito engraçada Não tinha teto Não tinha nada Ninguém podia entrar nela não Porque na casa não tinha chão Ninguém podia dormir na rede Porque na casa não tinha parede Ninguém podia fazer pipi Porque penico não tinha ali. Mas era feita com muito esmero. Na rua dos bobos, número zero.” (MORAES, 2003) Na sessão anterior ouvimos o cd "Arca de Nóe" e uma das crianças sugeriu que "no outro dia" podíamos desenhar casinhas. Com isto trouxemos novamente o cd, cantando a música várias vezes, até conseguirmos cantá-la de cor, explorando sua sonoridade, ritmo e leveza. Propusemos vários desenhos de casa: com a tinta, com giz de cera e também em origami, com papéis coloridos. As crianças desenhavam e explicavam os detalhes. Algumas diziam estar com saudade de casa e seus pertences. A seguir, disponibilizamos ao grupo as flores vazadas, propondo coletivamente um pequeno painel sobre o que estávamos sentindo naquele momento. No decorrer da atividade, os participantes traziam suas experiências, socializando-as com o grupo, enriquecendo nossos momentos. Nas histórias é assim... Acontecem assim, como muitas vezes na vida. Este fato demonstrou-nos a importância e a contribuição do trabalho na vida dos nossos pequenos clientes. Nesta oficina, outro fato serviu-nos de referencial: um aluno, a princípio, não 34 demonstrou interesse nas atividades, permanecendo distante. Depois de alguns minutos de observação, juntou-se ao grupo, participando efetivamente. Estavam fazendo máscaras. Sua primeira máscara foi expressa com choro, com aspecto carregado. Fez e deixou-a de lado, manifestando querer fazer outra. A sua segunda produção foi mais suave e mais alegre. Ao concluí-la, optou por auxiliar as outras crianças. Tivemos a participação do pai de uma das menores, que após produzir sua máscara, com muito envolvimento, brincou com ela alguns minutos, indo em seguida ajudar as demais. As crianças pequenas sempre requeriam auxílio, "pois queriam desenhos bonitos". Auxiliávamos sempre seguindo seus desejos, pois eram elas que escolhiam os detalhes. Muitas vezes, semelhantes aos demais. Algumas falas chamaram-nos a atenção, por exemplo, a comprovação do fato de que as crianças menores possuem referências de suas casas, pois só as expressaram em riscos, ou ainda, copiando as produções das crianças maiores. Uma criança chamou-nos a atenção, pois de uma maneira nula usou o material. Fez suas produções em silêncio. Desenhou uma casa bem simples, tipo casinha de fazenda. Ao final da sessão, uma criança falou: "Vó, você fez sua casa". A senhora ficou muito emocionada, afastou- se do grupo, mas em seguida, retornou. Em outro dia, o grupo estava mobilizado em função de um churrasco programado por outro grupo. Estavam animados. Apresentamos o mural doado para exposição das produções, e houve uma mobilização geral para afixá-lo na parede. A partir daí, as crianças pediram para desenhar corações. Creditamos o pedido ao fato de ser próximo à comemoração do Dia das mães data muito 35 explorada comercialmente, porém muitas crianças estavam longe das suas, conforme foi ilustrado nas figuras. Havia muitas crianças novas. Uma delas, um menino, apresentava temperamento agressivo e pouco entrosamento com o grupo, tanto de crianças quanto de adultos. Havia brigado com as outras crianças. Aproximou-se do grupo, e disse que não queria fazer, que não ia, mas se ele quisesse subiria nas árvores. Foi queixar-se ao pai (ficou um bom período por lá. Quando retornou havia tomado banho dado por uma das funcionárias. Queixou-se de ter apanhado das demais crianças e chorava muito. Apresentava pouca resistência à frustração, impaciente. E quando contrariada, tampava os ouvidos e só falava. Com muito custo entrou no grupo para as atividades. Neste momento, realizamos um desenho para ela e solicitamos a complementação. A partir daí ela fez algumas produções, ignorava todo o material que as outras crianças pegavam. A um determinado momento, informei que estaríamos terminando as atividades. Quando as outras crianças negaram-lhe o grampeador, saiu chorando alto, chamando a atenção de todo o grupo, Voltou em seguida, repetindo aos gritos, tudo o que já lhe haviam dito: - "Já falei que não gosto de esperar, todo dia é a mesma coisa naquela escola (já que fica só para aguardar os pais). Eu fico com sono e tem que esperar. Quero comer e tenho que esperar, e agora tenho que esperar também". Durante este "derrame" o outro grupo já havia chegado, chamando os para um teatrinho sobre o Dia das Mães. Encaminhamos os demais, ficando com apenas esta menor, sendo acolhida por uma das arteterapeutas, ouvindo-a carinhosamente, alisando-lhe os cabelos. Este fato incomodou profundamente a organizadora do 36 referido grupo, que por diversas vezes manifestou-se pedindo que deixássemos a criança, pois ela depois iria. Neste momento a outra estagiária, explicou-lhe sucintamente o processo que a criança manifestava, não a convencendo. Após a acolhida, a criança tranquilizou-se, sendo conduzida à sala do teatro. Faz-se necessário acolher o paciencte/cliente quando em crise não deixando sair da sessão sem um devido acolhimento. Nesta sessão observamos a destruição do material disponibilizado, cortando recortando, rasgando e jogando fora. Tivemos muito tumulto e ruídos, com poucas acomodações para tantas crianças. A casa estava cheia, com muitos visitantes. 2.4 - Clact... Clact... Clact... (Liliana & Michele lacocca) “Uma tesoura mandona encontra papeizinhos coloridos picados e fica horrorizada com a bagunça. Bem que ela tenta colocar ordem ali, mas não fica satisfeita com a arrumação.” Desde a seção anterior propusemos que trabalharíamos com um material diferente: com papéis picadinhos. Ao chegarmos, o ambiente estava agitado. Então, nos organizamos para contarmos mais uma história. Dirigimo-nos ao nosso “local”, (acomodando as crianças e responsáveis pais que esperam seus filhos terminarem as atividades), enquanto ouvíamos um cd com histórias infantis. Ao fazermos a leitura, mostrávamos as imagens, e as crianças faziam suas intervenções, de maneira tranqüila. Discutimos sobre a atividade, deixando-as livres, de modo que cada uma 37 representaria o que e como quisessem. Aos poucos foram surgindo as formas, uma mais elaboradas, outras mais simples. Uma criança havia ficado internada no decorrer da semana. Estava sensivelmente abatido em função das sessões de quimioterapia. Assim que chegou, despejou uma boa quantidade de cola e "literalmente" jogou os papéis, que criaram uma boa textura, porém, muito semelhante a um monte. Naquele momento, concluímos a nossa oficina com a sensação de que essas nossas crianças despejaram nos papéis picados os seus incômodos daquela semana. 2.5 - Meu amigo Ventinho (Ruth Rocha) Era um dia em que ventava muito e era assustador. Então foi escolhida a história para apaziguar o medo que as crianças estavam sentindo. “O vento Noroeste quer estragar a festa da escola, trazendo uma grande chuva. Mas ventinho é amigo de todos e fará tudo para impedir." Nesta oficina, a temperatura estava bem quente e os participantes acalorados. Organizamos o nosso "local", acomodando-os de forma carinhosa. Dispusemos um pequeno piquenique com refrigerantes e água. Ao ouvirmos a história do "Nosso amigo Ventinho", que inicialmente usaríamos tinta guache, surgiu a idéia de confeccionarmos os cata-ventos. - "Tia, vamos fazer aquele chapéu que voa?" - pediu-nos a menor A. G-, uma das crianças. 38 Partimos, então, para as produções que ficaram bem coloridas, sendo expostas nos galhos da tamarindeira. Ficou lindo! Além dos cata-ventos expostos, foram produzidos outros para serem colocados dentro da casa, "para ver se lá dentro tinha ventinho também", segundo o nosso aluno. Encerramos com um lanchinho agradável! Missão cumprida! 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Ao contatar o mundo que o rodeia, o indivíduo é convidado pela vida continuamente a viver o novo, a fazer novas escolhas, tomar decisões, adentrar mistérios, caminhos desconhecidos, estabelecer novas relações e descortinar novos horizontes.” (CIORNAI apud MARTINS, 1998: 121). Posso dizer que no começo desta especialização em arteterapia éramos duas personagens: uma que sonhava e era cheia de dúvidas, e a outra que era pé no chão, batalhadora, mas também um pouco temerosa quanto ao futuro. Nos módulos foram acontecendo muitas transformações. Umas doeram, sangraram, foram curadas e as cicatrizes permanecem; mas as feridas já não doem. Outras foram definitivamente curadas e são meramente lembradas. Algumas ainda estão em processo, buscando uma cura definitiva ou um lenitivo para as dores. Primeiro, busquei responder às minhas perguntas, encontrar o meu "self", mas não dava esperar me conhecer por inteiro, para só depois colocar em prática os conhecimentos adquiridos. Foi a vivência de um processo de construcionismo: aprendendo, sentindo, fazendo, reaprendendo, refazendo, ressignificando. Os relatos sobre este fazer, nestes escritos, são acompanhados da certeza que muitas "observações" não puderam ser registradas, frente à riqueza do trabalho desenvolvido. Faltaram palavras para traduzi-las, foram intensamente vividas e oralmente compartilhadas. Pude constatar a riqueza e o leque de possibilidades ao unir os conhecimentos adquiridos nas minhas "andanças" em busca de ser um pouquinho 40 melhor, e de uma forma "consciente" contribuir com as pessoas que me cercam. Sou eu quem necessito delas, para compartilhar o que tenho buscado e aprendido. De uma maneira carinhosa, consegui transitar pelas funções da minha consciência, com muita tranqüilidade, sabendo dosar nos momentos precisos, a minha emoção, sensibilidade, percepção e intuição. O contato com os diversos materiais e linguagens expressivas permitiu quebrar as "rigidezes" pessoais e profissionais, deixando as emoções e pensamentos mais flexíveis, soltos, leves. Compreender e aceitar a mim mesma, reconhecendo as minhas limitações, propor "curar" as minhas dores com os meus alunos com dificuldade de aprendizagem foi um passo importante ao escolher a minha clientela no meu período de preparação e atuação profissionais. Ao optar por esta atividade com os alunos e crianças que aguardavam a chegada de seus pais, escolhi enriquecer os meus conhecimentos como arteterapeuta. Tinha uma vaga idéia do que me aguardava, talvez sem a dimensão exata das dificuldades a serem encontradas e dos resultados que alcançaria com a convivência, mas com a certeza que "faria o melhor que pudesse". Foram meses de trabalho e aprendizado. Minhas questões pessoais vieram à tona e, em paralelo, a acolhida aos clientes, propiciou momentos de minhas acolhidas e principalmente, a cura de minhas feridas. Desde os nossos primeiros momentos na escola, trabalhávamos em nós e em nossos alunos e clientes, sobre as nossas expectativas com relação à tão almejada superação, transformando os nossos encontros em momentos agradáveis, alegres e principalmente, de muita cumplicidade. Encerro esta etapa com a convicção que caminharei muito pelas estradas do 41 conhecimento humano e, até alcançar o meu "self definitivo, estarei compartilhando o que carinhosamente tenho aprendido com as "minhas grandes mestras". Ousaremos enfrentar o desafio da inteireza? Ousaremos conspirar por um ente humano integral, vinculado à dimensão interconectada do saber e do amor? Ousaremos saltar para o desconhecido, afirmando o viver evolutivo? Ousaremos reivindicar, atrevidamente, nossa condição de seres eretos, destinados a interligar terra e céu? É promissor constatar que um número progressivo de indivíduos, das mais diversas origens, culturas e ocupações, está abrindo os olhos, despertando e conspirando pela renovação consciente de nossos fios condutor. Não será um bom tempo para os insensíveis, sonolentos e arrogantes proprietários das velhas certezas! (CREMA, 1995: 52). Encontrei não só a borboleta azul. Dei de cara com a vermelha e a amarela. Com a mistura de suas cores pude ver mundos mais coloridos, cheios de vida. O meu caminho agora é florido. Quando algumas flores murchas surgem novas flores, novas cores, novos aromas, novos galhos. É a maravilhosa a natureza do ser humano, que ressurge a cada dia. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Marcelo. Quem quiser que conte outra. Revista Educação, São Paulo, ano 26 n° 228, p. 42 - 48, abril de 2000. ALLESSANDRINI, C. D. A criatividade na Educação para a Paz. Revista ArteTerapia: Reflexões. 2 (2): 34. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 1997. ____________ (org) et al. Tramas criadoras na construção do "ser si mesmo". São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. ALLESSANDRIN, C.D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. CHALITA Gabriel. Pedagogia do amor – A contribuição das histórias universais para a formação de valores das novas gerações. São Paulo: Gente, 2003. BIANCO M.P.F. O poder das histórias no caminho para o conhecimento e desenvolvimento. In: ALLESSANDRINI (org) Tramas Criadoras na construção de si mesmo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. CREMA, R. Saúde e plenitude - um caminho para o ser. São Paulo: Summus, 1995. ENCARTA Enciclopédia. Microsoft Corporation. Edição em português, 1993-2001. CD rom. Windows XP. IACOCCA, Liliana & Michele. Clact...Clact...Clact... Coleção Labirinto. São Paulo: Ática. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte - Sala de aula e formação de professores. São Paulo: Artes Médicas, 2003. MARTINS, Mirian Celeste, et al. Didática do Ensino de Arte: A Língua do Mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. 43 MORAES, Vinícius de. A Arca de Nóe. Poemas infantis. Ilustrações Laura Beatriz. São Paulo: Companhia das Letrinhas: 2003 - 23a reimpressão. ___________. CD A Arca de Nóe. Polygram. Zona Franca de Manaus: 1999. ROCHA, Ruth. CD Mil Pássaros pelo céu. Sete histórias de Ruth Rocha. Selo Palavra Cantada. São Paulo: 2000. SANTOS, D. A arte de construir bonecos. In: ALLESSANDRINI, C. D. (org.) Tramas criadoras na construção do ser si mesmo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.