|?
VOZ DOS MARÍTIMOS
SÁBADO, 1 DE OUTUBRO DE 2011
COORDENAÇÃO LIBERATO FERNANDES, LUIS CARLOS BRUM, JOANA MEDEIROS E CÁTIA BENEDETTI
Perguntas num tempo de Mudança
DIREITOS RESERVADOS
Para exercer bem as suas
funções na pesca o governo
não pode ser agente
económico: armador,
comerciante ou industrial.
Deve assegurar a boa
regulação...
LIBERATO FERNANDES
PORTO DE ABRIGO
E
stá na ordem do dia a necessidade de reformar o Estado. Esta discussão urgente atinge todos os sectores da actividade e tem reflexos a todos
os níveis do poder
Estão em causa os orgãos de
poder regional, aRepúblicacomo
forma de organização do Estado
português e, a União Europeia,
entidade de que fazemos parte e
daqual dificilmente sairemos sem
que daí resultem problemas económicos e sociais capazes de afectar a sociedade portuguesa com
suficiente gravidade para gerar
grandes convulsões.
Não vale a pena enterrar a cabeça na areia como se daí resultasse desaparecerem os problemas só porque os deixamos de
ver. O sector que depende da economia da pesca emprega muita
gente: nele se integram pescadores, armadores, comerciantes, industriais, construção e reparação
naval, empresas de aprovisionamento das embarcações e da
prestação de serviços. Da pesca
dependem também investigadores e uma boa percentagem de
Simplificar e tornar mais transparente a administração da pesca
membros da administração regional, e do Estado.
O tempo de todas as reformas!
Está a iniciar-se o debate sobre o
Plano e o Orçamento da Região
para o próximo ano numa altura
em que o Estado discute umaprofunda reforma na sua estrutura
por imposição de orgãos supranacionais dos quais Portugal depende financeiramente.
AComissão Europeiae o Parlamento Europeu preparam-se para
aprovar aversão final do pacote de
medidas que integram a Reforma
da Política Comum de Pescas
(PCP)edaOrganizaçãoComumde
Mercados dos Produtos daPesca.
Na continuidade destes processos vai ser discutido o regulamento que estabelece o regime de
acesso, e de esforço de pesca, das
águas ocidentais da Europa, da
qual resultou há 8 anos, que Portugal ( incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira),
perdessem a exclusividade na exploração dalguns dos recursos, escassos e sensíveis, em mais de 50%
das sub-zonas económicas das
duas regiões.
Num quadro destes, como assegurar que os interesses dos Aço-
res (e da Madeira) sejam defendidos como umaquestão de interesse nacional? Como assegurar eficácia na defesa dos interesses das
autonomias sem que os cidadãos
portugueses, e os políticos que
ocupam altos cargos em orgãos de
soberania, compreendam que defenderos interesses marítimos das
regiões autónomas corresponde
à defesa do interesse nacional?
Sobre a Reforma do Estado
Justifica-se a sobreposição de
competências entre orgãos de administração pública da pesca, e
do mar, assim como a sobreposi-
ção de organismos de controlo e
de fiscalização?
Quanto custa aos agentes económicos do sector, particularmente aos pescadores, esta sobreposição de organismos, competências e leis?
Terá mesmo de existir uma
empresa governamental entre a
pesca (produção) e o comércio e a
indústria transformadora?
Para o armador (pescador e
empresário) poder ter acesso ao
crédito bancário terá de ser através duma empresa de capitais públicos?
Existindo um banco do Estado
(a Caixa Geral de Depósitos), que
papel lhe deve ser exigido no
apoio ao desenvolvimento das
empresas da pesca e das demais
actividades económicas ligadas
ao mar? Não será altura desta entidade assumir funções de apoio
ao desenvolvimento neste sector
estrategico?
Das actuais estruturas do Estado (e dos Governos Regionais)
quais as que são essenciais ao
desenvolvimento dos sector e
têm de ser preservadas?
Quais delas são ainda herança
do“estadonovo”,adaptadasaosnovostemposporconveniênciadosdiferentes governos que, nem aadesão à União Europeia, contrbuiu
paraas extinguir, ou trnsformar?
Porquê não tornar acessível a
formação de marítimos no ensino escolar basico dando continuidade à especialização nas escolas profissionais que hoje cobrem toda a região?
Estas são questões que não podemsercontornadasporquemtem
responsabilidades de governo. !
De um poema de Manuel Alegre
Senhora das Tempestades
Senhora das tempestades e dos mistérios originais
quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo
trazes o terramoto a assombração as conjunções fatais
e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo.
[…]
Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio
Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância
teu rosto de sereia à proa de um navio
tudo em ti é partida tudo em ti é distância.
[…]
Tudo em ti é magia e tensão extrema
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
batem as sílabas da noite no coração do poema
Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos.
Tudo em ti é milagre Senhora da energia
quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades
batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia
ao som do nome que só Deus sabe Senhora das tempestades.
Em: Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas,
número 2, julho/setembro 1998.
AÇORIANO ORIENTAL . SÁBADO, 1 DE OUTUBRO DE 2011
VOZ DOS MARÍTIMOS|?
Mudar o rumo da Política
Comum de Pesca
ANÁLISE
LIBERATO
FERNANDES
COORDENAÇÃO
DIREITOS RESERVADOS
VOZ DOS MARÍTIMOS
Estado justo
e transparente,
precisa-se!
E
stá a decorrer a fase final da
aprovação do conjunto de
regulamentos que constituem a Politica Comum de Pesca (PCP). Nesta fase do processo um conjunto de organizações
da pequena pesca local e costeira
e ONG’s do ambiente tem vindo
a questionar as propostas agora
apresentadas pela Comissão Europeia, por não terem na devida
conta os pareceres dados pela
pesca de pequena dimensão durante a discussão sobre o Livro
Verde, muitas deles contemplados no Relatório adoptadao pelo
Parlamento Europeu do qual foi
relatora a EuroDeputada Maria
do Céu Patrão Neves.
Neste momento um colectivo
europeu, no qual nos incluimos,
desenvolve um debate a partir
das propostas finais apresentadas em Julho. Este debate contempla propostas a apresentar
ao Parlamento Europeu, aos Estados Membros e à Comissária
da Pesca e dos Assuntos Marítimos uma mudança de rumo
na PCP.
A Voz dos Marítimos adianta
algumas dessa ideias:
“Uma parte significativa da
frota europeia é artesanal e pesca de maneira extensiva, utilizando diferentes artes de pesca
sazonais, que incidem sobre espécies diferentes, com um impacto relativamente baixo no
ecossistema. Este segmento da
frota gera um importante número de postos de trabalho indirectos e sustenta muitas comunidades, constituindo o seu tecido social, económico e cultural e
contribui de maneira essencial
para a sua segurança alimentar e
estabilidade política, social e
económica.
No pacote de reformas proposto pela Comissão, contudo,
não se deu suficiente importân-
E
Parlamento Europeu com palavra a dar na decisão final da Política Comum de Pescas!
cia aos aspectos qualitativos das
diferentes artes e práticas de
pesca.
Se receber um tratamento
justo e se for gerida de modo
responsável, com direitos bem
definidos, a pesca artesanal
costeira pode determinar uma
pesca saudável e representar
um meio de vida sustentável a
longo prazo.
Com tratamento
justo,gerida de modo
responsável,
a pesca costeira será
sustentável..
Mas, sob o regime obrigatório
de Concessões de Pesca Transferíveis, como propõe a Comissão,
é provável que este sector da frota acabe marginalizado.Tal regime favoreceria as empresas com
maior poder económico em vez
das actividades de pesca mais
sustentáveis.
As projecções da Comissão
Europeia sobre o emprego no
sector prevêem uma descida de
60% nos próximos 10 anos, afectando provavelmente em maior
medida o sector artesanal, que é
aquele no qual se encontra empregada a maioria dos//as trabalhadores/as da pesca.
Concedendo prioridade de
acesso aos recursos àqueles que,
como é o caso de muitos pescadores artesanais, pescam de maneira mais sustentável, e tendo
como objectivo uma diminuição
dos esforços de pesca menos sustentáveis, representaria um
grande passo em frente no sentido de colocar as pescas europeias
numa base mais justa.”
Das propostas sublinhamos:
Prioridade no acesso aos recursos pesqueiros a quem pesca
sustentavelmente;
Revogação da natureza obrigatória do sistema de concessões
de pescas transferíveis proposto;
Propostas de alternativas com
base em critérios de tripla sustentabilidade (dos Recursos, das
comunidades e das empresas da
pesca) e estabelecimento de protocolos que evitem conflitos entre diferentes frotas que trabalham zonas comuns.
(Vermais: www.pescas.net)
stado: “sociedade territorial juridicamente organizada, dotada de soberania, tendo como objectivo
a realização do bem comum”.
Democracia: “governo em que
a soberania é exercida pelo
povo”. Direito: “aquilo que é
moralmente justo, o que é recto e imparcial”. (dicionários).
Viver em sociedade implica
a existência de normas, aceites
pelos/as cidadãos/ãs como justas. O Estado democrático e de
direito em que assenta a República Portuguesa baseia-se em
dois princípios inseparáveis:
na democracia que se traduz
na soberania do povo e que se
manifesta através do voto e, na
justiça. A justiça não se limita
às estruturas que a compõem
pois é “virtude de dar a cada
um o que lhe pertence e respeitar direitos alheios”.
Ém Portugal verifica-se
uma elevada percentagem de
abstenção nos actos eleitorais.
A origem da não participação
de eleitores originários de comunidades mais pobres, entre
as quais se contam as comunidades piscatórias, é a falta de
confiança nos governantes
alargada ao conjunto dos
agentes políticos.
O combate a essa desconfiança faz-se com uma actuação imparcial perante os diferentes interesses, incluidos os
de natureza partidária, com o
empenhamento dos governantes na eliminação das desigualdades e através duma administração transparente que
promova a participação. 0
Ângela Rodrigues mulher da pesca da ilha do Pico
JOANA MEDEIROS
Ângela Rodrigues é uma mulher
da pesca que vive na soberba ilha
Montanha, Pico.
É casada com um pescador, e
foi desde aí que se ligou de corpo
e coração à pesca. Já tiveram três
barcos, hoje têm o “Ângela”.
O seu trabalho na pesca foi se
intensificando ao longo dos anos.
Inicialmente Ângela encarregava-se de tarefas como a limpeza do barco, quando chegava do
mar, bem como da carrinha onde
o peixe era vendido. Depois foi
se integrando na vida da pesca,
começou a vender peixe pelas freguesias, a preparar a isca, o engodo, etc.
Ângela refere também, que às
vezes trata da administração do
barco, apesar de ser o seu marido quem o faz regularmente.
Quando questionada com o
facto de já ter sido discriminada
Fazer parte da Ilhas
em Rede é uma forma
de dar a conhecer o
papel das mulheres na
pesca, dando-lhes voz...
Angela Rodrigues vendedora de peixe da ilha do Pico
pelo seu trabalho na pesca, Ângela diz que no inicio, alguns homens ficavam surpresos ao ver
uma mulher a trabalhar no porto,
por exemplo às 5hoo da manhã,
mas directamente nunca foi alvo
de discriminação.
Acerca das leis da pesca, segundo Ângela, é necessário que
hajam para o bom funcionamento do sector piscatório, porém não descarta o facto de em
alguns casos serem prejudiciais
para os/as pescadores/as, devido
às especificidades das ilhas dos
Açores.
Ângela Rodrigues faz parte da
Ilhas em Rede, Associação de
Mulheres na Pesca nos Açores,
desde 2008, altura em que foi
criada a associação.
Para ela é um orgulho fazer
parte da Ilhas em Rede, é uma
forma de dar a conhecer o papel
das mulheres na pesca e neste
sentido, dar voz a um grupo muitas vezes invisível e esquecido.
Ângela recorda que há uns anos
atrás eram muito poucas as mulheres que se faziam representar
em debates e reuniões sobre o
sector piscatório, porém hoje isso
está a ser ultrapassado e a Ilhas
em Rede tem constituido um forte contributo para tal.
As mulheres hoje participam
e interagem. 0
JOANA MEDEIROS SOCIÓLOGA
Download

Mudar o rumo da Politica