A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O BIODIESEL E DESDOBRAMENTOS SOCIOESPACIAIS NA AGRICULTURA FAMILIAR NO SUDOESTE DE GOIÁS MARCOS VINÍCIUS FERREIRA DA SILVA1 DIMAS MORAES PEIXINHO2 Resumo: Este trabalho visa compreender as implicações socioespaciais decorrentes do Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB) e do Selo Combustível Social (SCS), que inseriram a agricultura familiar na produção de matérias primas para a fabricação de biodiesel. A escala geográfica desse fenômeno é ampla e por isso buscou interpretá-lo na microrregião Sudoeste de Goiás, tendo em vista que os agricultores familiares dessa região produzem para empresas portadoras do SCS. Nesse sentido, procura-se entender as contradições dessas políticas públicas, investigando como essas ações inserem os agricultores na produção de matérias primas, sob a ótica da dinâmica espacial envolvida e na articulação de diferentes atores sociais e sujeitos envolvidos na produção e comercialização do biodiesel. Palavras-chave: Reorganização espacial; Agricultura Familiar; PNPB. Abstract: This article aims to understand the social and spatial implications of a Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB) and a Selo Combustível Social (SCS), which included the family farming in the biodiesel production. The geographical scale of this phenomenon is wide and therefore sought to interpret it in the southwest micro region of Sudoeste de Goiás, given that the farmers of this region have their production to companies with SCS. In this sense, it has been tried to understand the contradictions of these public policies and the conditions, investigating how these actions include family farmers in the production of raw materials, from the perspective of a spatial dynamics involved and the articulation of different social agents and subjects involved in the production and commercialization of biodiesel. Key-words: Spatial reorganization; Family Farm; PNPB. 1 – Introdução Este trabalho busca compreender as implicações socioespaciais decorrentes do Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB) e Selo Combustível Social (SCS), que inseriram a agricultura familiar no processo produção de biodiesel. Essas políticas energéticas estão articuladas em uma diretriz comum, cujo o discurso é o de promover melhorias socioeconômicas aos produtores familiares. Nesse sentido, julga-se de fundamental importância entender as contradições do fenômeno das políticas públicas para o desenvolvimento do biodiesel e as condições de permanência dos agricultores familiares inseridos nelas. Por último, procura-se 1 - Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí E-mail de contato: [email protected] 4123 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO analisar como essas políticas inserem a agricultura familiar na produção do biodiesel, bem como entender como ocorre essa inserção regionalmente, sob a ótica da dinâmica espacial envolvida na reorganização do sistema socioprodutivo da soja e da articulação de diferentes atores e sujeitos sociais envolvidos na produção e comercialização de matérias primas no Sudoeste de Goiás (mapa 01). Mapa 01 – Sudoeste de Goiás (GO): Localização da área de estudo. Fonte: SIEG (2014) – Acessado em Dezembro de 2014. Organização: SILVA, M. V. F. (2015). A análise na escala regional desse fenômeno, tendo a produção dos agricultores familiares da microrregião do Sudoeste de Goiás como observação empírica, ajuda na compreensão dele como um todo visto que os agricultores familiares locais produzem soja para empresas portadoras do SCS, conforme as demandas do PNPB. Assim, não se refere a um mero recorte espacial isolado e sim uma escala de análise que permite apreender partes do fenômeno geral em sua totalidade e singularidade. Em síntese trata-se de entender os processos de regionalização influenciados pelas políticas públicas energéticas. Assim, a tentativa consiste em conceber uma realidade nacional regionalizada por atores e sujeitos sociais vinculados ao planejamento, produção e processamento do biodiesel no rural goiano. 4124 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2 – Discussão Na tentativa de diminuir a dependência de hidrocarbonetos e diversificar as fontes da matriz energética nacional, o governo brasileiro criou políticas públicas como o Programa Brasileiro do Álcool - Proálcool (1970), Programa Nacional de Óleos Vegetais - Proóleo (1975), Programa Brasileiro de Biocombustíveis Probiodiesel (2002) e em 2004 o PNPB com uma política decorrente, o Selo Combustível Social. As políticas públicas que antecederam o PNPB não contemplavam a inclusão social e participação da agricultura familiar, dentro da perspectiva de distribuição de renda para esse setor. O Proálcool, por exemplo, favorecia os consolidados usineiros, há cinco séculos no poder (Porto-Gonçalves, 2008). Ainda segundo esse autor, a diferença entre o Proálcool e ações das políticas contemporâneas consiste no fato de transferir o planejamento estratégico (realizado antes pelo Estado) para os gestores conectados aos grandes complexos empresariais e articulados em redes, não se tratando de uma simples transição energética de uma matriz à outra e sim um rearranjo (espacial e econômico) das relações sociais e de poder por meio da tecnologia. A ênfase do PNPB consiste no desenvolvimento regional e inclusão social. Em função desses objetivos foi criado o SCS através do decreto 5.297 de 2004, visando a promoção e inclusão social dos sujeitos sociais do campo enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no fornecimento de matérias primas para as empresas processadoras de biodiesel, que tenham o selo concedido pelo MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Brasil, 2004). O SCS legitimou a participação da agricultura familiar no setor energético para o cultivo e venda de oleaginosas, uma possibilidade de melhoria da renda e fortalecimento econômico ao seguimento. A implementação do selo criou uma obrigatoriedade por parte das empresas de comprarem uma quantidade mínima de matérias primas desse grupo social, em compensação elas recebem incentivos fiscais e desonerações do PIS/PASEP e CONFINS, dependendo da matéria prima e região de aquisição (atualmente essa situação em valores encontra-se alterada por legislações posteriores). Em troca os 4125 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO agricultores ganham, legalmente, a garantia contratual de segurança da compra de sua produção e assistência técnica para entrar neste processo de produção. Em sua fase inicial, o PNPB incentivou o cultivo de matérias primas como o pinhão manso, palma (dendê), mamona e canola. Apesar de todos os incentivos e apoio do governo federal, a maior parte das agroindústrias utilizam prioritariamente a soja, o que deixa vulnerável o preço do biodiesel diante das oscilações de preços do mercado internacional desse grão (Oliveira, 2011). Essa utilização prioritária remete diretamente na definição de qual matéria prima deve ser imposta e cultivada pela agricultura familiar quando inserida na cadeia produtiva dos agrocombustíveis. Essa inserção da agricultura familiar no setor agroindustrial, incentivada pela ação do Estado em oferecer uma possibilidade de manutenção da existência ou melhoria de renda desses agricultores, consiste em um processo contraditório. Um paradoxo implícito, por isso torna-se importante analisar suas características, tendo em “[...] vista que são dois polos que atuam com lógicas diferentes: a agricultura familiar, baseada na reprodução do seu modo de vida, e as corporações nacionais e transnacionais centradas no acumulo de capital” (ROSSETTO, 2011, p. 105). No conjunto de inserção da agricultura familiar na produção de biodiesel, há um debate instaurado, com críticas, concordâncias e divergências. Existe uma crítica posta no cenário mundial e nacional, que os agrocombustíveis de primeira geração disputam áreas com a produção de alimentos. Embasados nesse discurso os movimentos sociais do campo criticam essa concorrência, pois as áreas de cultivares alimentares estão sendo usadas para a produção de biodiesel e etanol nos espaços agrícolas. Campos e Carmélio (2009) fazem um contraponto às críticas dirigidas ao PNPB, pois, para eles, não há essa incompatibilidade entre a produção de biodiesel e a produção de alimentos. O exemplo da expansão do cultivo de milho nos Estados Unidos e aumento nos preços dos alimentos, para eles seria explicado mais pelo aumento dos preços do petróleo e baixos estoques globais de alimentos do que o aumento da produção e biocombustíveis. Esses autores afirmam que o caso não aplica-se ao Brasil, pois o biodiesel difere-se do etanol americano e “[...] contribui para o aumento da oferta de alimentos. As oleaginosas sãos compostas 4126 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO principalmente por uma parte proteica e outra de óleo. [...]” (CAMPOS; CARMÉLIO, 2009, p. 77). Os argumentos desses autores correspondem ao fato da soja ser processada em farelo e destinada à produção de ração animal, sendo convertida em proteína animal (leite e carne) e o restante o óleo em si destina ao biodiesel. Cabe ressaltar que esse argumento de defesa, encaixa-se para a agricultura do agronegócio ou agricultura de grande escala comercial. Já Oliveira (2011) enfatiza o decréscimo da produção de alimentos em relação ao aumento da fabricação de biodiesel, ressaltando que a agricultura camponesa encontra-se em um dilema: produzir para o setor alimentício ou aos seguimentos industriais dos agrocombustíveis, essa segunda opção implicaria na falta de alimentos no mercado e, consequentemente, o aumento do preço, o que estabelece um risco à soberania alimentar nacional e uma tendência de agravamento e expansão da crise mundial de alimentos consequente deste processo. Em âmbito nacional “[...] a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do País, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno” (IBGE, 2009, p. 20). Essa constatação, conforme os dados do censo agropecuário de 2006, a maior parte dos alimentos dos brasileiros advém da agricultura familiar, que produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 59% do plantel de suínos, 58% do leite, 50% do plantel de aves, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 30% dos bovinos, 21% do trigo e 16% da soja (IBGE, 2009). No caso das culturas de oleaginosas como é o exemplo da soja, as empresas que produzem biodiesel aproveitam uma estrutura já consolidada, especialmente nas regiões Sul e Centro-Oeste, de sua produção e, em função da inclusão da agricultura familiar, incorporam suas áreas de produção de alimentos à produção de matérias primas para o biodiesel. Assim, mais importante do que o uso das matérias primas é a apropriação do espaço para a produção de alimentos que deve ser visto. 4127 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3 – Resultados Dentre os resultados, preliminarmente obtidos, pode-se constatar que houve uma redução dos agricultores inseridos no programa, em 2014, conforme os dados fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Por exemplo, em 2014 no estado de Goiás teve o decréscimo de 2249 agricultores para 1970, no Sudoeste de Goiás também houve esse declínio, passou de 1.044 famílias em 2013, para 978 em 2014. A produção de matéria, predominantemente a soja, concentra no Sudoeste de Goiás, distribuída por 12 municípios de um total de 18, sendo eles: Caiapônia, Chapadão do Céu, Jataí, Maurilândia, Mineiros, Montividiu, Perolândia, Pertelândia, Rio Verde, Santa Helena de Goiás, Santo Antônio da Barra e Serranópolis. Essa produção é articulada entre os diversos atores, envolvidos direta e indiretamente com o programa, tais como: órgãos governamentais, movimentos sindicais, usinas e empresas processadoras de biodiesel, cooperativas, agricultores familiares e consumidores finais. Destes atores sociais, tendo em vista a representação dos agricultores inseridos no PNPB, existe a participação de duas cooperativas – a Cooperativa Mista Agropecuária do Rio Doce (COPARPA) e a Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares Economia Solidária e Produção Agroecológica de Rio Verde e Região (COOPAF). A primeira cooperativa encontra-se localizada no município de Jataí (GO) e a segunda em Rio Verde (GO), ambas possuem influências na articulação das famílias assentadas, especialmente nesses municípios, pois eles concentram o maior numero de famílias assentadas e integradas ao programa. Na lógica do PNBP as cooperativas são instituições mediadoras entre o agricultor e a empresa processadora de agrocombustível e portadoras do selo a fim de comercializar as matérias primas produzidas pelos agricultores, transformando-as em biodiesel. O biodiesel é processado por unidades produtoras autorizadas pela ANP e em Goiás há instalado a GRANOOL, BINATURAL, MINERVA e a CARAMURU de Ipameri e São Simão, todas possuem o SCS. As empresas citadas não estão localizadas no Sudoeste de Goiás, porém as mesmas podem adquirir matérias primas dos agricultores dessa microrregião, tanto 4128 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO pelo caráter logístico e espacial de escoar a produção para refinarias mais próximas, quanto ao próprio fator que maior parte da produção está centralizada em uma região especifica do Estado de Goiás. A participação de matérias primas como girassol e soja da agricultura familiar no Estado de Goiás aumentou, em 2012, de 309.440 toneladas para 315.730 em 2013, sendo a soja a matéria prima predominante. Em 2014 a produção foi reduzida para 293.710, contudo totalizando 100% das matérias primas utilizadas. Cabe ressalta que o MDA certifica a procedência de matérias primas apenas por unidades da Federação. Em escala regional pode-se presumir essa predominância de uma cultura especifica, no Sudoeste de Goiás ocorreu experiências com girassol no assentamento Rio Paraíso em 2011, contudo os demais assentamentos rurais pautaram-se na sojicultura. E continuam Esse não é um problema somente na agricultura familiar. De modo geral a produção de biodiesel possui esse domínio da soja, seja pelas facilidades técnicas e melhores rendimentos em relação as outras culturas. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a produção de biodiesel (convertida em BEP - barril equivalente de petróleo) no estado de Goiás aumentou gradativamente de 64.125 em 2006 para 4.084.504 litros no ano de 2014. Diante desse contexto percebe-se que mais de 70% das matérias para a fabricação do biodiesel no estado advém do óleo da soja. Essa situação repercute diretamente no funcionamento do PNPB e do SCS, contrapondo uma das metas dessas políticas públicas: o incentivo as diferentes variedades de matérias primas. O que desdobra em situações de apropriação, como foi evidenciado em 2013 que a soja ficou com 99,6% dos recursos do Selo Combustível (BiodieselBR, 2014). Além disso, os agricultores inseridos na proposta PNPB tornam-se dependente do pacote tecnológico (maquinários agrícolas, insumos, agrotóxicos, sementes patenteadas e transgênicas etc.), gera-se uma dependência sobre o que comprar e o que se dever produzir, no caso a sojicultura. Além do Estado e o capital (por meio de empresas) definirem juntos o valor que deve ser pago pela produção. Os agricultores familiares, que visam manter as suas relações em âmbito de família 4129 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO ficam refém variação do mercado, essa situação pode gerar autonomia ou subordinação nos processos produtivos. A produção de insumos energéticos pela agricultura familiar acarreta em implicações socioespaciais distintas, visto que os pequenos produtores inseridos na lógica do “[...] processo produtivo, mesmo que em uma correlação de formas desiguais, mostra a importância sociopolítica desse grupo social, pois a subordinação não está no produto em si, mas nos processos produtivos” (PEIXINHO; SCOPEL, 2011, p. 170). O programa nacional do biodiesel busca o fortalecimento desse seguimento assegurando a participação através do SCS, contudo a demanda e lógica das empresas ao impor as matérias primas de seu interesse tende a descaracterizar o sistema produtivo familiar (Peixinho e Scopel, 2011). Assim, o agricultor familiar entra em possiblidades de subordinação na cadeia de agrocombustíveis e muitas vezes não tendo outra alternativa, a não ser deixar as empresas definir os interesses, ressaltando a contradição das políticas públicas, no lugar de fortalecer a agricultura familiar tende a descaracteriza-la do setor alimentício e ascende-la na cadeia energética. As políticas públicas do biodiesel ocasionaram um refuncionalização da agricultura familiar, pois observa-se a expansão da soja para as pequenas propriedades e áreas de assentamentos. Assim, os produtores que não produziam soja passaram a produzir e os que já produziam não com a mesma finalidade também podem aderir ao programa. O PNPB introduziu uma nova forma de produção na região, no caso o cultivo de matérias primas para o biodiesel, deve-se levar em consideração que “cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria [...]” (SANTOS, 1997, p. 68). Diante dessa perspectiva e dos dados apresentados fica claro a dinâmica geográfica. Pois o PNPB e Selo Combustível Social resultaram no reordenamento (da distribuição e organização) espacial dos objetos e ações dos atores e sujeitos sociais sob o espaço construído do Sudoeste de Goiás, incluindo novos atores sociais e implementando novas formas espaciais (usinas, cooperativas, lavouras ocupando áreas antes não apropriadas) e refuncionalizando pequenas propriedades 4130 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO agrícolas. Em que os trabalhos de campo posteriores podem detalhar ou negar essas afirmações. 4 – Conclusões O PNPB encontra-se em uma circunstância emblemática desde sua criação, quando incorporou as pequenas unidades e economias familiares na agricultura de amplo mercado pautada na monocultura de exportação. O que é contraditório, geralmente os agricultores familiares tem uma produção diversificada e diante de contextos técnicos, produtivos e econômicos as empresas por meio desse programa estatal impõem qual matéria prima deve ser cultivada, ditando e subordinando os agricultores familiares em duas cadeias produtivas, a energética e a de grãos, além incorpora-los no pacote tecnológico. Enquanto isso, a produção de alimentos é deixada em segundo plano por parte do Estado, paradoxalmente, o mesmo reconhece por meio de suas instituições a importância da agricultura familiar na segurança alimentar do país, mas ao invés de construir, reformular ou aprimorar políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos criar-se estratégias (mal sucedidas) no sentido de alavancar social e economicamente esse seguimento em setores discordantes da prática agrofamiliar. Compreende-se que o SCS também precisa ser reformulado, atendendo realmente a ênfase do PNPB: a inclusão social no lugar de reafirmar no campo um modelo agrícola já consolidado. Do outro lado, levando em consideração os consumidores finais independentemente da classe social, qual seria a necessidade básica deles, saciar a fome ou abastecer os automovíeis com etanol ou diesel aditivado com biodiesel? A necessidade dos pobres seja no campo ou na cidade não é a mesma dos latifundiários ou membros da elite econômica e política. É diante dessa geografia da desigualdade e das diferentes escalas de sujeitos e atores interligados (direta ou indiretamente), que as políticas públicas do biodiesel ganham a sua complexidade, pois as ações governamentais não implicam apenas nas transformações e refuncionalizações espaciais, são capazes também mudar ou influenciar as relações sociais inseridas em um determinado sistema econômico. 4131 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Referências BiodieselBR. [Exclusivo] Soja fica 99,6% dos recursos do Selo Social em 2013. Disponível em: < http://www.biodieselbr.com/noticias/agricultura/selo/exclusivo-soja99-6-recursos-selo-social-2013-030714.htm>. Acesso em: 13 jun. 2014. BRASIL. Decreto nº 5297, de 6 de dezembro de 2004. 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