POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL LGBT: UMA
REFLEXÃO SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO
SUS
Mikael Lima Brasil (1); Laís Vasconcelos Santos (2); Maria Inês Borges Coutinho (3); Maria
Louiza Tarquino (4); Alexandro dos Santos (5)
(1) Universidade Federal de Campina Grande, e-mail; [email protected]
(2) Universidade Federal de Campina Grande, e-mail: laí[email protected]
(3) Universidade Federal de Campina Grande, e-mail: [email protected]
(4) Universidade Federal de Campina Grande, e-mail: [email protected]
(5) Orientador, Universidade Federal de Campina Grande, e-mail: [email protected]
RESUMO
Conceber a saúde como um direito de todos é compreender a lógica da subjetividade humana e o SUS
como uma ferramenta para viabilizar o cuidado a diversidade de gênero e sexual como um dos meios
para garantir a efetivação dos princípios doutrinários de Universalidade, Equidade e Integralidade.
Políticas públicas se mostram como um interessante instrumento de ações de saúde direcionadas a
segmentos da população. Entre estas, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais. Logo, este trabalho objetiva refletir a Política Nacional de Saúde
Integral LGBT sob a ótica dos princípios de Universidade, Integralidade e Equidade do SUS.
Caracterizado como um ensaio, os resultados dividem-se em dois eixos de reflexão: 1. Organização da
Política Nacional de Saúde Integral LGBT e 2. Princípios doutrinários do SUS e a Política Nacional
de Saúde Integral LGBT: Gênero, sexualidades e Cuidado. Arquitetada em 5 capítulos, a Política traz
desde o arcabouço histórico dos movimentos sociais LGBT até a operacionalização da mesma. Foi
observado que os princípios do SUS coexistem em conjunto, já que atender a todos prima por um
acolhimento integral ao sujeito de acordo com suas necessidades superando assim as desigualdades.
Observa-se que ir contra a subjetividade humana, em saúde, é negar os princípios doutrinários do SUS
contribuindo para o esquecimento do gênero como uma categoria histórica e das orientações sexuais
como peças manifestantes das relações humanas. Portanto, entende-se a Política como meio teórico
que direciona para um paradigma libertador como necessidade básica dos sujeitos implicados no
cuidado.
PALAVRAS-CHAVE: Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Universalidade. Equidade.
Integralidade. Gênero.
INTRODUÇÃO
Para conceber a Saúde como um Patrimônio do sujeito, faz-se necessário, dentre
outras formas, recorrer à proposição realizada pela Constituição de 1988 em seu artigo 196
que traz a seguinte perspectiva:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 2013, p. 116-117, grifo nosso).
Assim sendo, compreendendo a saúde em seu conceito ampliado e sua importância
dirigida às representações que o processo saúde-doença manifesta subjetivamente no âmbito
individual e coletivo, reconhece-se esse “todos” como personagens que exercem relações
entre si e com o meio, os quais dentro dos significados de sua pluralidade demandam uma
prestação de cuidados de acordo com as necessidades apresentadas.
Nesta ótica, o Sistema Único de saúde (SUS) se constrói em uma legislação bem
fundamentada para atender todas as demandas sociais de saúde. Logo, destaca-se, segundo
Brasil (1990), a necessidade deste sistema se organizar através de princípios doutrinários. São
eles: Universalidade, Integralidade e Equidade.
Compreender a aplicabilidade dos mesmos é um ato também de democracia, uma vez
que trabalhar na lógica do acolhimento é considerar a diversidade humana em suas mais
variadas manifestações como um campo de atuação do cuidado. Neste contexto, entender esta
supracitada diversidade humana é enxergar que existem minorias muitas vezes esquecidas ou
resguardadas a um segundo plano de atuação das ações dos órgãos públicos. Para tanto, faz-se
necessária a criação de mecanismos que tentem suprir as dívidas históricas entre o Estado e
determinados grupos sociais. Entre eles, destacam-se as Políticas públicas. Neste trabalho
adotasse como foco de reflexão a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Instituída pela Portaria nº 2.836, de 1° de dezembro de 2011, Brasil (2013) coloca esta
Política como um marco histórico para uma população em condição de vulnerabilidade e um
documento norteador aos postulados na Constituição Federal.
Logo, a Construção dessa Política se fundamenta num meio para tornar factíveis os
princípios doutrinários já citados reconhecendo os efeitos da discriminação e da exclusão no
processo de saúde-doença da população LGBT reafirmando o compromisso do SUS com a
população, esta compreendida como integrante fundamental do sistema por meio da
prioritária participação popular para viabilização da política.
Consoante ao exposto, a mesma apresenta a seguinte informação sobre a necessidade
de sua elaboração:
enfrentar toda a discriminação e exclusão social implica em promover a democracia
social, a laicidade do Estado e, ao mesmo tempo, exige ampliar a consciência
sanitária com mobilização em torno da defesa, do direito à saúde e dos direitos
sexuais como componente fundamental da saúde. (BRASIL, 2012, p. 8)
A partir dessas palavras, pode-se inferir que a elaboração de uma política que tende a
declarar proposituras sobre Direitos sexuais deve trazer uma discussão sobre relações de
gênero. Portanto, Gênero será uma categoria problematizada neste estudo como “um ponto
relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente
convergentes”. (BUTLER, 2003, p. 29).
Deste modo, chega-se ao questionamento: Como a política objeto de estudo deste
trabalho se concebe a partir da necessidade de aplicar os princípios doutrinários do SUS com
vistas ao alcance da Saúde integral?
Portanto, este trabalho se delineia pelo seguinte objetivo: refletir a Política Nacional
de Saúde Integral LGBT sob a ótica dos princípios de Universidade, Integralidade e Equidade
do SUS.
METODOLOGIA
Metodologicamente, este trabalho se aproxima da produção de um ensaio para atender
ao objetivo proposto. Em sua concepção, Meneghetti (2011) coloca que a centralidade deste
desse desenho se molda na compreensão de um fenômeno, considerando este como um fato
apresentável o qual existe uma orientação direcionada por perguntas que orientam os sujeitos
à reflexões mais profundas.
Para atender a uma lógica compreensível de reflexão, dividiram-se os resultados em
dois eixos de análise: 1. Organização da Política Nacional de Saúde Integral LGBT e 2.
Princípios doutrinários do SUS e a Política Nacional de Saúde Integral LGBT: Gênero,
sexualidades e Cuidado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Organização da Política Nacional de Saúde Integral LGBT
Fundamentada em 5 breves capítulos, a apresentação do documento inicia com uma
breve introdução acerca da necessidade de elaboração da política, bem como o compromisso
do SUS em operacionalizar estratégias que conduzam a aplicabilidade da mesma.
No segundo capítulo, tem-se um breve histórico sobra a luta pelo direito à saúde de
Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais destacando fatos que vão desde a epidemia de
HIV/Aids no início da década de 1980 e a aproximação de mulheres ao movimento,
inicialmente constituído majoritariamente por homens, até a criação de órgãos deliberativos
sobre a temática a partir da inclusão da identidade de gênero e orientação sexual como
determinantes sociais da saúde.
O terceiro capítulo traz considerações sobre orientação sexual e identidade de gênero e
sua relação com a saúde. O mesmo dá ênfase a problemas como: Depressão e ansiedade,
Violência, estigmatização do sujeito, uso indiscriminado de hormônios, discriminação e
preconceito.
O quarto capítulo traz o documento da Política em si. Apresenta a fundamentação
legal para a sua construção, entre elas a constituição federal de 1988 e a Lei 8142/90 que
dispõe sobre a participação social na saúde. Mostra como marca para a sua elaboração a
discriminação contra identidade de gênero e orientação sexual, além de vários objetivos.
Também traz na íntegra a Portaria nº 2.836, de 1° de dezembro de 2011 que regulamenta esta
política com as suas diretrizes e responsabilidades do Estado nas esferas federal, estadual e
local.
O quinto e último capítulo mostra um plano operacional para a viabilização da
política. Destaca-se a questão de inclusão da população LGBT como personagens das ações
de saúde dentro do Acesso à atenção integral à saúde, Ações de Promoção e Vigilância em
Saúde para a população LGBT, Educação permanente e educação popular em saúde com foco
na população LGBT e o Monitoramento e avaliação das ações de saúde para a população
LGBT.
2. Princípios doutrinários do SUS e a Política Nacional de Saúde Integral LGBT:
Gênero, sexualidades e Cuidado.
Promover a saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais,
eliminando a discriminação e o preconceito institucional, bem como contribuindo
para a redução das desigualdades e a consolidação do SUS como sistema universal,
integral e equitativo. (BRASIL, 2008, p. 18).
Por meio do supracitado objetivo geral da Política Nacional de Saúde Integral LGBT,
observa-se a presença dos princípios doutrinários do SUS como forma de consolidá-lo através
de estratégias que venham a garantir os mesmos. Assim sendo, para explicá-los, adota-se a
visão trazida por Paim e Silva (2010): universalidade está relacionada ao que é universal, isto
é, comum a todos. Equidade não pode ser utilizada como sinônimo de igualdade, mas a
garantia da desigualdade ser considerada como meio para se alcançar a igualdade. Já a
integralidade é um princípio que busca a autonomia atentando para aspectos biológicos,
psicológicos e socioculturais representando, em si, um cuidado integral.
Deste modo, entende-se a complexidade e subjetividade adotada pela explicação
desses princípios como também na própria lógica de existência do ser humano: complexa e
subjetiva. Também é necessária a colaboração entre um princípio e outro para existirem como
um conjunto, uma vez que atender a todos deve primar por um conhecimento e acolhimento
integral ao sujeito de acordo com suas necessidades com a superação das desigualdades.
Nesta perspectiva, Calderaro, Fernandes e Mello (2008) demonstram que na saúde da
população LGBT a equidade, a integralidade e a universalidade devem ser materializadas em
políticas públicas intencionando o enfrentamento das consequências trazidas pela
heteronormatividade que condicionam os profissionais de saúde a atenderem os usuários
desconsiderando a sua identidade de gênero e orientação sexual. Logo, quebra-se a lógica
enriquecedora dos princípios do SUS.
Então, seria esta situação uma herança causada por um imperativo histórico construído
baseado em padrões do que é o ser humano ou como se vive sendo humano?
Pode-se apropriar das palavras trazidas por Judith Butler para responder ao
questionamento:
Constituídos como um fenômeno social na esfera pública, meu corpo é e não é meu.
Entregue desde o início ao mundo dos outros, carrega sua marca, é formado dentro
do cadinho da vida social; somente mais tarde, e com certa insegurança, posso
reclamar meu corpo como meu, se, de fato, eu alguma vez o fizer. (BUTLER, 2004,
p. 25, tradução nossa)
É a partir dessa perspectiva que a Política Nacional de Saúde Integral LGBT aparece
com um desafio, assim como os princípios doutrinários do SUS, por ser(em) uma trilha
cercada por questionamentos que instigam a reflexão como ferramenta para a desconstrução
de padrões que consideram/criam determinados parâmetros para definir a normalidade. Por
exemplo: Identidades Cis e Heterossexualidade.
Segundo Mello et al (2011), a construção de uma política de saúde integral para a
população LGBT ainda enfrenta os mesmos desafios das ações voltadas para o conjunto da
população em geral, ao mesmo tempo em que se vê marcada por dificuldades ligadas à
criação de uma política pública que reconheça as especificidades das demandas de distintos
segmentos que são socialmente marginalizados.
Os autores ainda afirmam que, muitas vezes, o acesso da população LGBT aos
serviços de saúde decorre dos serviços de HIV/Aids como porta de entrada que tentam se
pautar pela ótica da integralidade com o acolhimento a algumas demandas como serviços
ambulatoriais especializados (SAE), hospitais-dia (HD), hospitais convencionais e serviços de
assistência domiciliar terapêutica (ADT). Entretanto, insiste-se aqui em reiterar que um
princípio doutrinário coexiste com os outros dois, isto é, não se pode alcançar a integralidade
em detrimento da equidade e da universalidade.
Para tanto, usa-se como exemplo a primeira diretriz da Política como situação
necessária a edificação desses princípios como peça basilar ao estabelecimento da relação
entre Saúde e população LGBT: “respeito aos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais, contribuindo para a eliminação do estigma e da discriminação
decorrentes das homofobias, como a lesbofobia, gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia,
consideradas na determinação social de sofrimento e de doença.”
Entender direitos humanos faz parte de uma esfera importante na saúde e nas relações
de gênero como componente de um processo de construção e re(afirmação) da autonomia do
ser humano. Consequentemente, é notório observar a subversão da identidade como um eixo
de poder que se caracteriza pela opressão. Para tanto, Arán e Peixoto Júnior (2007) colocam
que o pensamento de Judith Butler considera que as regulações de gênero não são apenas mais
um exemplo das formas de regulamentação de um poder mais extenso, mas constituem uma
modalidade de regulação específica que tem efeitos constitutivos sobre a subjetividade.
Logo, ir contra a subjetividade do ser humano, em saúde, também é característica da
negação dos princípios doutrinários do SUS em sua mais notória significação
desconsiderando os eixos de atuação da política, marginalizando grupos sociais e
contribuindo para o esquecimento do gênero como uma categoria histórica e das orientações
sexuais como peças manifestantes da, já citada, subjetividade humana.
CONCLUSÃO
A constituição do Sistema Único de Saúde como um bem público faz-se primordial
como uma ferramenta de enfrentamento das desigualdades. Vai além: compreender a saúde
como um fenômeno da diversidade humana é pautar a atuação do Sistema abrangendo,
também, as Identidades de gênero e as orientações sexuais como determinantes sociais do
processo saúde-doença.
A lógica do adoecimento é muito mais complexa que se imagina porque a saúde
quando compreendida como um conjunto que sofre influência de inúmeras dimensões, entre
elas, a social, recebe atenção de modelos hegemônicos que desconsideram o empoderamento
como uma ferramenta de luta por direitos.
A Política Nacional de Saúde Integral LGBT se encontra como um documento do
Ministério da Saúde e, também, da sociedade como um todo, que vem viabilizar,
teoricamente, a assistência em saúde pautada em um paradigma libertador e emancipatório
como necessidade básica do seres humanos, sujeitos implicados no cuidado.
Assim sendo, acredita-se que este ensaio possa contribuir como norte para o
desenvolvimento de pesquisas e outras reflexões sobre o a saúde como um objeto complexo e
as necessidades da população LGBT pautadas na Política Nacional de Saúde Integral LGBT
como um caminho para ações e nas causas elaboradas por movimentos sociais como maneira
de efetivar, fortalecer e tornar factíveis os princípios doutrinários do SUS.
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