A N O V I J O R N A L C O N T R A A 23 M E S M I C E CARA A CARA O VE R DADE I RO O U T U B R O 2 0 0 2 U M COM AS DROGAS BIG BROTHER SAN QUADRA 01, BLOCO “E” 70040-200 BRASÍLIA/DF http://www.fundathos.org.br [email protected] PRESIDENTE Ari Cunha VICE-PRESIDENTES Léa Emilia Portugal Graça Seligman SECRETÁRIO-EXECUTIVO Indalécio Martins Dal Secchi COORDENAÇÃO EDUCACIONAL Geórgia Antony COORDENAÇÃO DE PROJETOS E PESQUISA Verônica Maia COORDENAÇÃO CULTURAL Valéria Cabral editorial SEVERINO FRANCISCO • EDITOR DO RADCAL CONSELHO CURADOR Brasil Helou, Christina Jucá, Cláudia Pereira, Douglas Marques de Sá, João Filgueiras Lima, Evandro Vilela, Teixeira Salles, Grace Maria Machado de Freitas, Jorge Jardim, Karla Osório, Silvio Zamboni, Sueli Belato, Vanderlei dos Santos, TT Catalão CONSELHO FISCAL Ana Przytyk, Frederico Viegas, José Roberto Furquim, Maria Luiza Brum, Murilo Alves Nunes de athos bulcão RADCAL Em recente entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, uma das musas das telenovelas declarou que não assiste e nem deixa o filho assistir televisão, pois o nível é muito baixo. Ela prefere fazer coisas mais interessantes: ouvir música, ler, conversar. A declaração da atriz suscita uma série de questões para o debate. Um pouco antes, Xuxa havia informado que disco seu não entra em casa, porque sua voz é horrível. Que país estamos formando quando bombardeamos as cabeças de milhares de crianças e adolescentes com um lixo que temos vergonha de apresentar aos nossos filhos? Indalécio Martins Dal Secchi EDITOR Severino Francisco EDITORES ASSISTENTES Gabriel Coaracy e Gabriela Goulart PRODUÇÃO EDITORIAL Gabriel Coaracy PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE Marcelo Terraza <Artwork Design Gráfico> CONSELHO EDITORIAL Antenor Vaz (Aprendiz Comgás) • Carlos Antônio Santiago (DEMTEC) • Geraldinho Vieira (ANDI/AVINA) • José Eurico de Andrade (SEDUC) • Manoel Serrão (FNMA) • Manoel Manrique (UNICEF) • Pamela Nunes (Fundação Athos Bulcão) CONSELHO EDITORIAL JOVEM O Radcal veio para oferecer aos adolescentes uma alternativa de comunicação inteligente má s c a r a COORDENADOR contra a mesmice. Ele sempre traz outras imagens, outras palavras, uma outra maneira de olhar. O Radcal é um jornal interativo. Você também pode escrever. Mande seu artigo, poema, rap, bronca. Chega mais! O Radcal é um jornal que a gente mostra, sem nenhuma vergonha, com muito orgulho, para nossos amigos ou para os nossos filhos. Adriano Duarte • Alaíse Beserra • Allen Guimarães • André Takashi • Camila Bordinha • Carolina Mendes • Clóvis de Sousa • Lílian Calçavara • Keila Santos • Lívio Félix • Patrícia Osandón • Renato Araújo • Sérgio de Cáspio • Taís Peyneau • Wesley Silva VOLUNTÁRIOS Carolina Mendes e Wanderson Chaves COLABORADORES Anita Campos, Carolina Mendes, Daniel Simião, Patrícia Osandón, Renato Araújo, Teresa Albuquerque FOTOGRAFIA Gabriela Goulart, Gleice Mere, Mila Petrillo, Rayssa Coe EQUIPE DE APOIO Ivone de Oliveira, Marcos Medeiros, Olegário Ribeiro, Rosanalha Maria FOTOLITOS E IMPRESSÃO WEB Editora, DF AT E N Ç Ã O , AT E N Ç Ã O ! A Q U I VA I A D I C A PA R A Q U E M S E I N T E R E S S A O U T R A B A L H A C O M E D U C A Ç Ã O E T E C N O L O G I A , S E R Á R E A L I Z A D O E M B R A S Í L I A ( C A RT O N H O T E L ) , N O S D I A S 7, 8 E 9 D E N O V E M B R O , O “ I I F Ó R U M S UA E S C O L A A 2 0 0 0 P O R H O R A - A E S C O L A Q U E Q U E R E M O S : O PA P E L D A T E C N O L O G I A .” O F Ó R U M T E R Á PA L E ST R A S , M E S A S - R E D O N D A S , O F I C I N A S E C O M U N I C A Ç Õ E S O R A I S S O B A R E S P O N S A B I L I D A D E D A S P E S S O A S E N V O LV I D A S N O P R O G R A M A “ S UA E S C O L A A 2 0 0 0 P O R H O R A”. PA RT I C I PA R Ã O D O E V E N T O E D U C A D O R E S , A LU N O S E E S P E C I A L I STA S N A Á R E A D E E D U C A Ç Ã O E T E C N O L O G I A. TO D O S E STÃO C O N V I DA D O S E A I N S C R IÇÃO É G R AT U I TA! B ASTA E N V I A R U M E-M A I L C O M A N T E C E DÊN C I A PA R A [email protected] R CAPA • Marcelo Yuka, Grupo Rappa O Jornal Radcal é uma realização da Fundação Athos Bulcão em parceria com o GDF, pelo convênio nº 63/95, com a Fundação Educacional do Distrito Federal, para distribuição gratuita em sala de aula aos 100 mil alunos das escolas de segundo grau. 2 R A D C A L A P O I O COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS • SECRETARIA DE EDUCAÇÃO/FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF • SECRETARIA DE CULTURA DO DF Para a psicóloga Ione Menezes, nada é mais importante do que escolher um trabalho que você faça com amor ESCOLHA SUA PROFISSÃO PAT R Í C I A O S A N D Ó N , 1 7 A N O S O que você vai ser quando crescer? Como se já não bastasse estar passando por uma fase difícil, é preciso decidir qual profissão é ideal para seu projeto de vida. A dúvida muitas vezes persiste, além do drama de conseguir passar num vestibular. Para a psicóloga de orientação para o trabalho, do Laboratório de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Ione Menezes, nada é mais importante do que escolher a profissão que se ama. “Não é necessário abandonar os seus sonhos, só é preciso criar formas de construí-los. A melhor forma de escolher uma profissão é por amor. Se você gosta do que faz, terá muito mais chances de conseguir satisfação e realização”, afirma. Ela explica que é preciso fazer uma análise minuciosa no projeto de vida: “É preciso conhecer a profissão escolhida e não acreditar numa idealização, numa idéia irreal. A questão está em como você é enquanto profissional. É melhor ganhar mal, mas não ser alguém frustrado durante a vida. Então, faça de tudo para conseguir realizar-se dentro da profissão escolhida e conseguir sustentar-se com ela”. Com a mudança do mercado de trabalho nas últimas décadas, os chamados testes vocacionais deixaram de ser a base para a escolha da profissão e se tornaram um auxílio, contrariando a idéia de que o teste deve ser encarado como decisivo. A psicóloga oferece a dica: “pense no porquê você gosta de determinado curso e se imagine como um profissional daqui a alguns anos. É isso mesmo que você quer? Faça uma lista com tudo o que gosta de fazer, independente do que tenha ou não habilidade e tente olhar onde elas se agrupam. Analise cada profissão e descubra em qual delas se encaixa o seu projeto de vida”. Ione diz que por mais que se erre na escolha, sempre é tempo de recomeçar. “Tudo é possível quando você quer. Basta apenas ter força e nunca desistir do que você acredita. Por mais que seja uma tarefa dura, sempre vale a pena recomeçar para que a vida tenha valido. Nenhum tempo é perdido, porque aprendemos com cada experiência”. R A D C A L 3 F O T O G R A F I A R S A Y S S A C O E O bandolinista Hamilton Holanda, 25 anos, é, atualmente, um dos maiores nomes do Choro no Brasil. Guardadas as devidas proporções, ele toca bandolim com a pegada e a paixão com que Jimi Hendrix incendiava sua guitarra. Recentemente, foi agraciado com um prêmio, que o possibilitou ir morar no exterior para que possa investir na sua carreira internacional. Antes de partir, Hamilton conversou com o Radcal. G A B R I E L C O A R A C Y JIMI HEN Hamilton Holanda Como é que o Choro entrou na sua vida? A exemplo da Escola do Choro, qual a importância do Choro para os jovens? Quando o médico me deu uma palma- Tem-se que incentivar cada vez mais nota e se arrepiar, isso dinha na minha bunda e eu comecei a o ensino da música para as crianças engrandece a alma de chorar.... (risos). e para os jovens, porque quem vai dar um ser humano. E a criança tem que ter Parece que é uma brincadeira boba, continuidade e quem faz viver qualquer contato com isso. A música é mais uma mas é verdade. O Choro aparece na coisa no mundo são os jovens. das dádivas de Deus, que a gente tem sua vida naturalmente. Por isso eu fiz O principal do Choro, como estilo musi- de saber como aproveitar da melhor essa comparação. E eu, por coincidên- cal, é a brasilidade. O estudo e o gosto forma possível. E, para mim, é a minha cia, além de ter chorado quando saí da pelo Choro implicam outras coisas tam- dádiva. barriga da minha mãe, chorei quando bém. Implica você se dedicar à cultura encontrei meu pai. Foi ele que me brasileira. Qualquer pessoa pode gostar colocou na música, ele que me colo- de Choro. É um ritmo quente, as pessoas cou nesse universo especial. Meu pai que fazem com prazer também te propor- me deu um instrumento, meu avô me cionam o prazer de assisti-las tocando... É normal vermos vários adolescentes enveredando para o rock, formando suas bandinhas e tocando por aí. Você também teve a sua fase rock? deu um bandolim. Tudo desde peque- é como apreciar uma pintura, assistir a Claro! Eu acho que a “fase rock” pode nininho. uma peça de teatro... Além disso, den- virar a “vida rock”. Tem gente que esco- tro da educação de qualquer criança, lhe o estilo como jeito de ser. Eu passei é importante o ensino da música. Não e adorei. Aprendi muita coisa. Na época, Não. Só meu pai, eu e meu irmão. Meu só do Choro, mas da música em geral. eu tocava baixo na banda. Tocava Titãs, avô era maestro de banda de coreto. E Assim como o esporte, eu acho que a Legião Urbana, Paralamas. o meu outro avô não tocava, só fez a música tem que fazer parte do currí- maravilha de me dar um bandolim. culo. Você não precisa nem entender Toda a sua família é do Choro? 4 R A D C A L a música. Só de sentir a música, ouvir uma Jobim, Chico Buarque. Eu não sou um profundo conhecedor do folclore, mas recomendo tudo, porque é uma coisa visceral. Então, como você consegue sobreviver de um estilo musical que não toca tanto na rádio e não tem presença na mídia? Olha, eu sobrevivo bem. Porque o que Como está o Choro em Brasília, no Brasil? Está se formando uma nova geração? Como os jovens podem se interessar pelo Choro? eu faço, quem gosta gosta. Não tem essa de gostar hoje e amanhã não gostar. E 90% do que aparece na mídia hoje não é assim. O que gostam hoje não gostam mais amanhã, porque já encheu Eu acho que esse é o grande trunfo o saco. Eu acho que dá para alcan- do Choro. Os adolescentes também çar uma boa vendagem sem precisar gostam de Choro. Só não gostam os ser perecível. Dá pra viver muito bem que não ouviram, não tiveram a opor- fazendo música de qualidade. E o mais tunidade de conhecer. Eu acho que o importante: viver feliz da vida! Sem se grande lance está em quebrar essa vender, sem baixar a cabeça para rea- fronteira do desconhecimento, a falta lizar desejos de outras pessoas. de informação, e não, o desgosto. Eu D R I X DO CHORINHO Musicalmente, o que você tem como referência? O que marcou a sua memória musical? O que você recomenda para os novos apreciadores do Choro? São tantas coisas... Em janeiro, gravei o meu primeiro disco solo, dedicado sempre ouvi desde pequeno. Será que sou anormal? Será que os alunos da Escola do Choro são anormais? aos meus quatro mestres de bandolim, E o que atrai os jovens no Rock? que eu recomendo que ouçam: o Jacob Existe uma coisa no Rock de postura, do Bandolim, o Luperce Miranda, Joel que, ao Choro, é associada à postura Nascimento e Armandinho Macedo. do velhinho sentadinho. A diferença é Como bandolim, recomendo que ouçam essa. O Rock tem mais sucesso, por- Ronaldo do Bandolim, Pedro Amorim, que, desde que nasceu, teve uma pos- Isaías...o Brasil tem ótimos bandoli- tura rebelde... nistas. um só tipo de música, um só tipo de ins- Além da postura do Rock, você acha que o Choro não aparece porque falta espaço na mídia? trumento. Para se entrar no espírito da Quando eu falei em quebrar barreiras, música, você tem de ouvir outras coi- foi justamente quebrar as barreiras sas. Eu adoro música erudita. Adoro da não-informação. E o que é a não Debussy, Beethoven, Bach, Villa-Lôbos. informação? É, justamente, não apa- Adoro Jazz também. Isso sem contar recer na mídia. Não só o bandolim é o que ouço. Eu recomendo que as pessoas não ouçam com música do Brasil. Caetano, Tom R A D C A L 5 C A M P O S , 19 ANOS < M A N I P U L A Ç Ã O D I G I TA L E M F O T O D E I R V I N G P E N N A N I TA Quando o Papo é Drogas Quando o papo é drogas, todos se agitam. Uns acham que as drogas são o mal da humanidade, outros, a salvação. Isso acontece porque existem muitos mitos que confundem nossa cabeça. Certamente, você já ouviu falar que se usar, irá se viciar e entrar para o mundo do crime, ou que as drogas abrem a mente. Mas não é bem assim. Você que se acha santo, vou logo dizendo: provavelmente você é um viciado. Drogas ilícitas, álcool e tabaco, remédios, TV, comida, amor e sexo, religião, compras, trabalho, tudo, dependendo de como se usa, pode ser considerado uma droga. Vício é uma relação de dependência que se cria. É como se você não se imaginasse vivo e feliz sem determinada coisa ou ocasião. Não há como ter preconceito. Falando das drogas ilícitas, existem vários motivos que levam alguém a experimentá-las. Curiosidade, rebeldia, insatisfação, moda, acabar com insegurança, e por aí vai. O que importa é que nesse momento, você jogou na sorte. Sorte? Desfazendo algumas mentiras, eu digo: as drogas dão muito prazer. Senão, não tinha tanta gente usando. E tem uma pra cada gosto: as que relaxam, as que te deixam 6 R A D C A L sensível, as que produzem imagens, as que desinibem etc. Além disso, há o ritual, a adrenalina, a enorme sensação de liberdade. Há dois tipos de dependência química: a que vem de uma predisposição orgânica e a adquirida. Existem pessoas que já nascem com uma disfunção na produção dos neurotransmissores, responsáveis pela sensação de prazer. Essas pessoas podem obter o vício facilmente. É como se as drogas complementassem o prazer que seu corpo produz. Comer, tomar banho, sexo, ouvir música se tornam bem mais interessantes. É como se vivêssemos um momento único e interagíssemos com tudo. Como não querer sentir isso? Quanto mais se usa, mais se vai descobrindo coisas. E dá vontade de ter esse prazer o tempo todo, em tudo. Esse é o grande problema! As drogas danificam muitas partes do corpo, e isso todos já sabem de cor. Mas o que leva ao vício são os danos causados nos neurotransmissores. Aos poucos, o organismo não consegue estimular naturalmente a produção deles, e a droga vai se tornando cada vez mais necessária, pois o ser humano não vive sem prazer. Isso é inevitável a todo usuário, até o de “fim-de-semana” e o de “momentos especiais”. A rapidez e a intensidade do vício varia de organismo para organismo, assim como o tipo de droga, a quantidade e o tempo de uso. Infelizmente, não há como saber o futuro. Você pode ter uma predisposição, um organismo frágil ou não; você pode vir a adorar as drogas ou não. Não dá para nos comparar ao cara que morreu de overdose ou à velhinha que bebeu a vida inteira e morreu aos 120 anos. Não há como saber se nos viciaremos ou não. A dependência química é muito sutil e estagnar a doença não é fácil, poucos conseguem sair ilesos. Hoje, penso que não é preciso usar drogas. Podemos conseguir ser felizes com o que temos. Quando aprendemos a lidar com a vida evoluindo por nós mesmos, aprendemos a dar valor ao que somos, a buscar uma qualidade de vida, a ter prazer com as pequenas coisas. Estamos tendo um aprendizado duradouro e real, um prazer que só tende a crescer, que não tem hora para acabar, e o melhor: não dá ressaca! Sorte? Pra quê? Eu quero é ser doidão de cara! FILOSOFIA ZEN NO TRIATLO G A B R I E L A G O U L A R T F O T O G R A F I A S Do Planalto Central às Olimpíadas de Sydney, o triatleta profissional brasiliense Leandro Macedo, 32, encara a competitividade como um desafio para atingir o equilíbrio. Adepto da medicina oriental, Macedo desdobra o seu tempo entre a vida familiar com a esposa e o filho de três anos com um treinamento diário de quatro a seis horas, massagem, acupuntura e meditação. Antes de embarcar para a Austrália, ele conversou com o Radcal. cidadãos. Por isso é importante ser orientado por profissionais capacitados não só nas habilidades físicas, mas também que tenham essa compreensão do esporte. Aprender artes marciais é aprender a dominar seu físico, sua mente e suas emoções. Quanto mais se domina essa arte mais distante se está da violência, se seguirmos a filosofia correta. A que você atribui a quantidade de triatletas que Brasília tem revelado, como a Mariana Ohata, você e o Alexandre Manzan? Sempre pratiquei esportes. Minha família dá valor ao esporte como uma atividade que faz par te do dia-a-dia, assim como os estudos. Entrei no esporte competitivo aos 18 anos. Quando fazia Engenharia Florestal, fui me envolvendo com o triatlo e meu treinador insistia para eu fazer Educação Física. Ficou complicado conciliar quando fiz o circuito mundial, em 91, e os professores não abonaram as faltas. Então entrei para o curso de Educação Física, estudando à noite. Sempre gostei de cachoeira, de estar no meio do mato. Hoje em dia eu corro em trilha, em Pirenópolis, na Chapada, onde não tem trânsito. As condições físicas da cidade favorecem bastante, principalmente para o ciclismo. Saio de casa com a bicicleta e já começo a contar a metragem. Além disso, aqui não tem esquinas, quase não tem cruzamento, o que também poderia atrapalhar. Depois de ter sido atropelado, o triatleta Alexandre Manzan lançou uma campanha pela paz no trânsito no Lago Norte. Você também sente na pele a violência no trânsito? O mais perigoso era a alta velocidade, que melhorou muito depois dos pardais. Colocar placas de “Respeite o Ciclista” já chama a atenção e dá uma ajuda. Pensando principalmente no uso de lutas marciais para a violência, você acha que os valores do espor te se desvir tuaram? Que valores deveriam ser cultivados no esporte? Esporte é um meio de educação, transformação social, formação de Pensando na sua juventude, como o esporte contribuiu para a formação de seus valores e de seu estilo de vida? Qual a relação dos esportes com as drogas? São incompatíveis. Para conseguir sentir essa sensação de bem-estar, saudável, não tem como se envolver com as drogas. Carro a gente pode trocar, mas só tem um corpo para levar a vida toda. Então tem que dar a ele o melhor possível, não só no físico, mas também em termos de cultura, de pensamento, tem que cuidar também da mente para ter esse equilíbrio. O esporte de competição às vezes é muito criticado, pela agressão, ou porque alguns atletas esbanjam dinheiro. Para mim a competição é um desafio de equilíbrio. Para estar na sua melhor perfomance tem que estar super-equilibrado – o emocional, o mental e o físico. Se se deixar levar pelo ego, rapidinho você toma um tombo. Nessa neurose de culto ao corpo, em que as pessoas utilizam formas artificiais para transformar o corpo, exageram no exercício, tomam anabolizantes, como você associa a beleza à educação corporal ligada aos esportes? As pessoas observam muito só a parte externa. É muito comum estar com a pele desidratada, passar creme e esquecer de beber água. Tem que ser de dentro para fora. Os músculos podem estar torneados, mas vai saber como é que está o organismo. Se continuar buscando a beleza de fora para G L E I C E M E R E dentro, as pessoas nunca estarão satisfeitas. Como anda o apoio ao esporte profissional? Em ano olímpico é tudo mais fácil para quem já conseguiu vários títulos, mas no momento de formação do atleta (por volta dos 14 anos) é mais crítico. Para um atleta chegar às olimpíadas ele precisa se preparar por oito anos. Tenho corrido com um pessoal da Associação de Corredores da Ceilândia. Lá tem um corredor de 13 anos que, com certeza, vai para as olimpíadas daqui a oito anos se continuar treinando, mas precisa de apoio. Como funciona essa associação na Ceilândia? É formada por um grupo de atletas e coordenado pelo Albenis, que foi corredor e está estudando Educação Física. Ele já botou muitos atletas para participar de provas importantes. O Marilson, que foi segundo na Maratona do Rio, começou lá. Eles fizeram uma pista de terra de 400 metros, outra de 1000 metros, dentro do Centro de Ensino 02 da Ceilândia. O ambiente é muito legal, mas não tem estrutura. Às vezes a gente leva uma cesta básica para ajudar. Muitos bons corredores saíram de lá. Um recado para os leitores do Radcal? Dentro do esporte, se você tiver objetivos reais, você vai conseguir grandes realizações pessoais, que podem contribuir para trazer muito mais felicidade para você hoje e daqui a alguns anos. Para isso, é muito impor tante cuidar do seu corpo. A gente tem que avaliar as coisas sempre a longo prazo. R A D C A L 7 QUANDO VOCÊS SE DERAM CONTA DE QUE, COM A MÚSICA, PODERIAM ESTAR AJUDANDO PESSOAS, DIVULGANDO PROJETOS? No começo, a gente fazia por fazer. Tinha a ver com o texto, com a nossa atitude. Mas depois que o trabalho deu certo, teve um certo reconhecimento, começamos a usar nosso espaço de outra forma. A gente descobriu que, melhor do que divulgar nossa própria imagem, era divulgar as coisas em que a gente acreditava. ENTÃO FOI UMA ESTRATÉGIA MESMO... É, a gente foi sumindo cada vez mais do plano de marketing, e colocando ali as nossas coisas. Nos videoclipes, por exemFOTO DE MOIRA SEADON plo, a banda quase não aparece. TALVEZ POR ISSO VOCÊS TENHAM UM PÚBLICO TÃO FIEL, NÃO? O RAPPA PARECE TER MAIS FÃS PELO QUE DIZ (E PRATICA), DO QUE PELA MÚSICA OU PORQUE O (VOCALISTA) FALCÃO É BONITO... Acho que ainda é maior o público que visa mais o entretenimento. Mas o mais importante é saber usar a mídia e não ser usado. Senão fica propaganda de você mesmo, e aí vira qualquer coisa. A gente acredita em outras coisas, tem mais yuka pegada o que dizer do que falar de nós mesmos. VOCÊS DIZEM O QUE ACREDITAM DE MANEIRA BASTANTE CONTUNDENTE. FOI A MELHOR FORMA QUE ENCONTRARAM PARA CHAMAR A ATENÇÃO DA CAUSA SOCIAL? Não é marketing pessoal, nunca falamos ‘nós estamos T E R E S A A L B U Q U E R Q U E Marcelo Yuka nunca ficou só no discurso. O homem do pop/rock nacional que mais rima música com atitude já se envolvia com projetos comunitários antes de assumir o posto de letrista e baterista do Rappa, em 1993. Começou escrevendo para o jornal do AfroReggae, nos tempos do curso de jornalismo. Também fez parte de uma banda de reggae da Baixada Fluminense, o KMD5, que deu origem ao Negril. Quando O Rappa foi criado há nove anos, trazendo um pouco do reggae da Baixada e do discurso do rap, ele logo se deu conta de que podia fazer muito mais do que letra e música. Baleado em novembro de 2000, nunca parou com os projetos comunitários. Não pode mais subir os morros do Rio, mas apóia um número cada vez maior de trabalhos. Está cheio de idéias. Em entrevista ao Radcal, ele fala um pouco de sua formação, da banda e das coisas que acredita. 8 R A D C A L fazendo isso’. Estamos apoiando alguém que faz, tornando isso visível. Não é um projeto nosso. Estamos botando azeitona na empada dos outros – o que é bem mais sadio do que colocar azeitona na própria empada. É uma questão de ética. NA INGLATERRA, HÁ O ASIAN DUB FOUNDATION; NOS ESTADOS UNIDOS, O RAGE AGAINST THE MACHINE... AQUI O RAPPA É O MELHOR EXEMPLO (TALVEZ O ÚNICO COM AÇÃO EFETIVA) DE BANDA COM DISCURSO ENGAJADO QUE VENDE MUITO. POR QUE TÃO POUCA GENTE FAZ ISSO NO “MUNDO POP”? Acho que há um pouco de medo do mercado, de ‘esse menino tá abusando demais do discurso’, ‘não tem espaço na rádio para discurso desse tipo”... O Rappa é meio zebra mesmo. VOCÊS TIVERAM DIFICULDADES COM A GRAVADORA? Um pouco, no início, para que entendessem a nossa postura. Eles nunca censuraram, nunca cercearam o trabalho. Mas uma vez que ficava pronto, não sabiam como trabalhar aquele disco. ISSO FOI MUDANDO COM O TEMPO? Foi. Hoje eles sabem que a gente consegue ter espaço no mercado sendo o que a gente é. YUKA PARECE QUE ARTISTAS E BANDAS DE OUTROS ESTADOS, ESPECIALMENTE BAHIA E PERNAMBUCO, SE ENVOLVEM MUITO MAIS COM A ÁREA SOCIAL. É IMPRESSÃO OU ISSO REALMENTE ACONTECE, COMPARADO AO RIO, ONDE NÃO HÁ TANTOS GRUPOS CONHECIDOS POR ESTE TRABALHO? Quando se tem uma cultura popular forte, de cara você tem uma tendência a associar isso com mudança social. A Bahia sentiu isso cedo. No Rio há projetos, como o da Xerox da Mangueira, etc. Mas aqui os morros são mais divididos politicamente, fica mais difícil. E também tem a questão do narcotráfico, que divide muito as comunidades. É mais lento. FOI BALEADO NA NOITE DE 9 DE NOVEMBRO DE 2000, NUMA RUA DA TIJUCA, A POUCOS METROS DE CASA. TINHA SAÍDO SOZINHO PARA ASSISTIR A UM SHOW E MAL DOBRARA A ESQUINA QUANDO ENTROU NUM FOGO CRUZADO. AO AVISTAR UMA BLAZER PRETA NO FINAL DA RUA, COM ARMAS PARA CHAMA A ATENÇÃO A RAIVA COM QUE ESCREVE. VOCÊ SENTE OU JÁ SENTIU MUITA RAIVA? Na adolescência, sim. atitude FOI A RAIVA QUE O LEVOU A FAZER TODAS ESSAS COISAS? Foi por raiva que eu comecei a ler. Sempre estudei em escola pública, mas no cursinho meu pai fez um esforço para eu estudar em colégio de bacana. Pensava que ia conhecer gente maravilhosa, mas tinha só turma. Era turma da praia, turma do colégio, turma da rua, todo mundo tinha a sua turma. Eu era o único suburbano ali. Fiquei no fundo, deslocado mesmo. E comecei a ler. Por intermédio da literatura, vi que aquilo tinha fundamento, que não era uma coisa que estava sentindo por nada. Era social mesmo. FORA, ELE PISOU NO FREIO, TENTOU DAR RÉ. LEVOU OITO TIROS, MAS NÃO PERDEU A LUCIDEZ. ENQUANTO ERA ENCAMINHADO AO O QUE ACONTECEU HÁ ALGO QUE CONSIDERE FUNDAMENTAL PARA A SUA FORMAÇÃO? COISAS QUE LIA, ESCUTAVA? O QUE GOSTAVA DE OUVIR NA ADOLESCÊNCIA, POR EXEMPLO? Sou de subúrbio, sempre gostei de música de preto. Mas não era por não tentar outras coisas. Tentei, sim. Nos anos 80, queria ter alguma afinidade com aquela coisa de “se as meninas do Leblon não olham mais pra mim”... Acha que não quis? Queria ter óculos coloridos, embora não tivesse nenhum problema na vista (risos). Mas o texto não dava, ficava forçado. Gostei dos Paralamas quando eles fizeram Alagados. Também gostei do discurso da Legião Urbana no começo, e era amarradão no Cabeça Dinossauro, dos Titãs... HOSPITAL DO ANDARAÍ, NA ZONA NORTE, SÓ TINHA DUAS CERTEZAS: A DE QUE NÃO MORRERIA E A DE QUE TINHA FICADO PARAPLÉGICO. NO HOSPITAL PÚBLICO, DEMOROU A SER ATENDIDO. PELA QUANTIDADE DE BALAS QUE TINHA NO CORPO, ACHA QUE O CONFUNDIRAM COM BANDIDO. NO DIA SEGUINTE, COM OS JOR NALISTAS NA PORTA, TUDO HAVIA MUDADO. JÁ ERA O MARCELO YUKA, DO RAPPA. O HOMEM QUE SEMPRE TRABALHOU PARA TORNAR REALIDADE A MENSAGEM DE SUAS LETRAS. ALVO DA VIOLÊNCIA QUE TANTO DENUNCIOU, ELE TEM ESPERANÇA NAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA UM DIA VOLTAR A ANDAR. HOJE SÃO POUCOS OS MOVIMENTOS QUE CONSEGUE FAZER. YUKA CONTA APENAS COM O BRAÇO DIREITO PARA AS ATIVIDADES MAIS SIMPLES DO DIA-A-DIA, COMO FALAR AO TELEFONE, COMER. O BRAÇO ESQUERDO, ATINGIDO POR UMA BALA, ELE TENTA RECUPERAR PARA PODER VOLTAR AO TRABALHO. NO LANÇAMENTO DO CD INSTINTO O QUE LIA NESSA ÉPOCA? Foucault, Nietzsche... Tinha 17 anos, me f...! (risos) Isso não é coisa para ler, não... Acho que nem menino, nem grande. (risos) COLETIVO, NO ANO PASSADO, ELE SABEMOS QUE VIOLÊNCIA SE COMBATE COM EDUCAÇÃO. NA ESCOLA, O QUE ACHA QUE PODE SER FEITO PARA PROMOVER UMA CULTURA DE PAZ? A escola tem que ser, no mínimo, um espaço convidativo. Um lugar para “estar”, onde você possa se expressar, tocar violão, fazer grafite... A escola deve ampliar a voz, não reprimir. Deve ser um espaço culturalmente viável para o aluno, um trampolim para a comunidade. O aluno precisa voltar para casa armado daquele ambiente escolar. Para isso ele tem que se sentir mais livre. NOS SHOWS DO RIO E DE SÃO PAULO. PARTICIPOU DE ENTREVISTAS DA BANDA E CHEGOU A SUBIR AO PALCO GOSTOU MUITO DA RECEPTIVIDADE DA PLATÉIA, MAS ANDA COM VONTADE DE FICAR MAIS QUIETO. ESTÁ CANSADO DAS IMAGENS DE HERÓI E COITADO QUE VIRA-E-MEXE APARECEM POR AÍ. “NÃO QUERO NADA DISSO”, DIZ. R A D C A L 9 ZÉ ROBERTO E SUA IRMÃ VANESSA JUNTO AOS PROFESSORES LÍLSON E JUÇARA RAYSSA COE (ESQ.) G A B R I E L C O A R A C Y RAYSSA COE P RO F I S S I O N A L José Roberto Fonseca Vieira, um bebê especial, criança contente. Aos nove meses, veio do Piauí para Brasília cuidar da sua saúde. Cresceu no Paranoá, cidade pela qual se apaixonou. Entrando na escola, se encantou pelo novo mundo que encontrara. Conforme foi crescendo, aprendeu a mexer nessa máquina esquisita que é o computador e virou um grande surfista. Surfou pelos sites de educação na internet, se divertiu a pren dendo a pro gra mar e a fazer páginas para outros sur farem. Até que percebeu que sua escola daria ótimas ondas. Resolveu, então, se juntar com seus colegas e fazer o site do Centro de Ensino Médio 01 do Paranoá. Ele reunia com o pessoal aqui, quebrava a cabeça ali, estudava, ia ao cinema, ia à igreja, surfava, programava. Depois de algum tempo, era hora de mostrar o site para a coordenação do colégio. Alegria total! Todos aprovaram com fervor. E foi nil no Distrito Federal, apresentou o Largada 2000 para Zé Roberto e seu grupo. Foi assim que eles se inscreveram no Programa e, sob a orientação da professora Juçara Avila, se destacaram. A badalação foi grande. Participação em feiras, flashes de fotografia, o Radcal sempre assediando... é, o Zé Roberto está virando um surfista reconhecido... Sempre acompanhado da sua irmã, Vanessa, que, além de grande companheira, é uma das responsáveis pela pesquisa e elaboração do site, Zé Rober to concilia os estudos com seu projeto. Ele está no terceiro ano do Ensino Médio e pretende fazer vestibular para Ciência da Computação. Tudo a ver. Para Zé Rober to, o Lar gada 2000 é um programa que tem unido ainda mais os alunos com a escola, numa relação harmônica. Vem quebrando a idéia do professor estar acima do aluno. “Depois do Largada 2000, eu passei a ver a escola não como um aluno que só passa por ela, mas sim, de um integrante da escola. Agora, sou um cidadão da escola. Uma pessoa participativa, que pode ser ouvida, que pode ajudar alunos em dificuldades. Aprendi a respeitar e a amar a escola. Nós não estamos lá porque somos obrigados. Temos uma relação de afeto.” Pois é, bom saber que a escola pode ser uma CARSON MENDES, E na Feira de Ciências do ano passado que o professor Lílson Pelegrine, um dos maiores incentivadores do protagonismo juve- praia cheia de ondas boas e muito badalada. Zé Roberto é um surfista que sabe aliar o útil ao agradável. Irado, bro! NÃO, PELO PROFESSOR MILA PETRILLO ERRATA O GRUPO DO CEM 01 DO GAMA QUE PARTICIPOU DA “TEMPESTADE TEATRAL INTERATIVA”, O “CABARÉ DO VOLTAIRE”, FOI COORDENADO PELO PROFESSOR WILLIAM EZEQUIAS, COMO HAVIA SIDO PUBLICADO. “Em termos de autoconhecimento, me senti mais unido ao meu grupo, mais aberto a opiniões, mais receptivo às pessoas. O trabalho que fazemos é com amor, não tem nenhum interesse maior que o nosso gosto pelo projeto.” PARA QUEM AINDA NÃO CONHECE, O LAR- NO DISTRITO FEDERAL, O PROGRAMA LAR- GADA 2000 É UM PROGRAMA QUE INCENTIVA GADA 2000 É RESULTADO DE UMA ALIANÇA A EDUCAÇÃO POR PROJETOS NAS ESCOLAS. SOCIAL ESTRATÉGICA DO INSTITUTO AYRTON SE VOCÊ TEM UMA IDÉIA NA CABEÇA E QUER SENNA COM A TCO – CENTRO-OESTE CELU- COLOCÁ-LA EM PRÁTICA, VEJA SE O LARGADA LAR. A FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO É PAR- 2000 ESTÁ NA SUA ESCOLA. COM CERTEZA, CEIRA EMPREENDEDORA E O SESI, O ALIADO VOCÊ VAI TER O APOIO QUE FALTAVA! INSTITUCIONAL. 10 R A D C A L SITE DO CEM 1 DO PARANOÁ: WWW.CEM01PARANOA.HPG.COM.BR SITE DO PROGRAMA LARGADA 2000: WWW.LARGADA2000.COM.BR SITE DO PROGRAMA LARGADA 2000 NO DISTRITO FEDERAL: WWW.FUNDATHOS.ORG.BR O VERDADEIRO BIG BROT H E R sos não eram eliminados do jogo, mas vaporizdos, transformando-se em som- C A R O L I N A M E N D E S , 2 1 A N O S bras do que haviam sido. Poderiam ser acusados por qualquer um, assim, as crianças recebiam sua educação desde cedo sendo ensinados a identificar < M A N I P U L A Ç Ã O D I G I TA L E M F O T O D E I R V I N G P E N N aos gritos os traidores do Par tido, recebendo medalhas por cada identificaGeorge Orwell criou seu Big Brother no livro 1984. Nele, o “grande irmão” era uma face de 45 anos, carregada e com um negro e pesado bigode, estampada em car tazes afixados por todos os cantos, possuindo olhos que pareciam seguir aqueles que a observavam – acompanhavam-na os dizeres “Big Brother is watching you” (O Grande Irmão está te vigiando), não deixando dúvidas do propósito daquele rosto que não se sabia se jamais havia per tencido a alguma pessoa. Desde sua criação, “Big Brother” tornou-se uma constante na língua inglesa, uma metáfora para uma prisão na qual se é incessantemente vigiado. O livro 1984 nasceu como uma crítica à sociedade e aquilo em que ela se transformava, segundo a visão de Orwell. O ano escolhido foi 1984, 35 anos adiante da publicação do livro, em 1949. Durante muitos anos a “profecia de Orwell” foi esperada e temida com a crescente aproximação do fatídico ano escolhido. 1984 passou sem que se concretizassem os temores de tantos leitores. 1984 não viu os minúsculos microfones que captavam mesmo qualquer suspiro mais profundo, tanto nos centros urbanos quanto no campo; não viu os televisores que haviam perdido sua função primordial de entretenimento e que, colocados estrategicamente nos interiores das construções, não deixavam nenhum recanto inobservado. 2002, ao contrário, parece estar realizando tudo aquilo que por tanto tempo tememos. Agora, enclausuramos um grupo de pessoas em uma casa para que possam ser observadas por todos aqueles que o desejem. Eles não possuem televisores que transmitem sua imagem para um lado desconhecido, mas espelhos que refletem-na enquanto mostramna para aqueles que se dêem ao trabalho de ligar algum televisor. Os minúsculos microfones estão espalhados e presos ção; pais viviam atemorizados por seus filhos, homens por suas mulheres, vizinhos, colegas de trabalho, por transeuntes quaisquer. Era-se acusado, em grande par te, de pensamentocrime, de pensar contra o Par tido que tudo controlava com seus lemas de Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão e Ignorância é Força.sos não eram eliminados do jogo, mas vaporizdos, transformando-se em sombras do que haviam sido. Poderiam ser acusados por qualquer um, assim, as crianças recebiam sua educação desde cedo sendo ensinados a identificar aos gritos os traidores do Par tido, recebendo medalhas por cada identificação; pais viviam atemorizados por seus filhos, homens por suas mulheres, vizinhos, colegas de trabalho, por transeuntes quaisquer. Era-se acusado, em grande par te, de pensamentocrime, de pensar contra o Par tido que tudo controlava com seus lemas de Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão e Ignorância é Força.sos não eram eliminados do jogo, mas vaporizdos, transformando-se em sombras do que haviam sido. Poderiam ser acusados por qualquer um, assim, as crianças recebiam sua educação desde cedo sendo ensinados a identificar aos gritos os traidores do Par tido, rece- às roupas dessas presas que se prestaram a tanto, por dinheiro e meros “15 minutos de fama”, pessoas que abriram mão de suas individualidades para servir de entretenimento e pontos no Ibope. No mundo de George Orwell, nada era ilegal, pois não havia leis; assim, tudo que fugisse do padrão imposto poderia e seria considerado ilegal, sem que ninguém pudesse defender-se. Hoje, os encarcerados das redes de televisão abandonaram as leis sociais, em um jogo no qual tudo é válido para conseguir o prêmio, já que a legalidade para esses patéticos participantes é aquilo que rezam o público e as emissoras – detentoras do direito de eliminar aqueles que se tornam inconvenientes ou simplesmente entediantes. Em 1984, aqueles considerados criminosos não eram eliminados do jogo, mas vaporizados, transformando-se em sombras do que haviam sido. Poderiam ser acusados por qualquer um, assim, as crianças recebiam sua educação desde cedo sendo ensinados a identificar aos gritos os traidores do Partido, recebendo medalhas por cada identificação; pais viviam atemorizados por seus filhos, homens por suas mulheres, vizinhos, colegas de trabalho, por transeuntes quaisquer. Era-se acusado, em grande parte, de pensamento-crime, de pensar contra o Partido que tudo controlava com seus lemas de Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão e Ignorância é Força. Pode ser dito que George Orwell criou em detalhes um pavoroso mundo onde imperava o medo, onde não havia opções que não as já determinadas pelo sistema. A verdade é que Orwell não criou um mundo, apenas descreveu o ponto de chegada de uma estrada que ele via o mundo percorrer, criticando o que acontecia e suas possíveis consequências. Nós utilizamos seu “personagem” e criamos um programa de entretenimento, banalizamos a crítica; nos tornamos tudo aquilo que ele temia. R A D C A L 11 AGNAM G A B R I E L A G O U L A R T Adolescentes da Ceilândia criam o grupo AGNAM para ensinar a técnica dos quadrinhos japoneses. MILA PETRILLO MADE IN BRASÍLIA é Mangá ao contrário, um tipo de desenho que se faz do outro lado do mundo, mas que um grupo de jovens de 10 a 25 anos estão ensinando nas escolas da Ceilândia. A idéia surgiu há quatro anos, como uma brincadeira no CEM 02, onde a professora de Português aproveitava o talento dos alunos para transformar clássicos da literatura brasileira em histórias em quadrinhos. O trabalho mais marcante foi Memórias Póstumas de Brás Cubas. Na escola, eles encontraram outras pessoas que gostavam de desenhos japoneses e resolveram fazer exposições dos desenhos e convocar quem quisesse aprender. Os desenhos japoneses que passavam no Brasil, como Akira e os Cavaleiros do Zodíaco chamaram a atenção do grupo por terem uma história mais elaborada do que as histórias americanas mais conhecidas. Os roteiros incluem elementos históricos e mitológicos e têm uma harmonia impressionante entre a arte e o roteiro. O Akira, por exemplo, foi baseado no período pós-guerra. Em histórias como Evangellion, não dá para descobrir quem é o bem e quem é o mal. Ele fala sobre a luta de Deus contra o homem, do homem contra Deus e do homem contra o próprio homem. Embora cheguem ao Brasil apenas os mangás mais comerciais (os mais violentos), o grupo encontrou histórias sobre o amor, a guerra, as drogas, a religião e também sobre acontecimentos históricos, como a Revolução Francesa. E é esse universo dos desenhos que eles apresentam para os alunos. Mesmo trabalhando com os traços do mangá, muitas histórias desenhadas pelo Agnam se passam em Ceilândia, ou no Plano Piloto. Tem um mangá que conta a história de uma guerra, cuja única cidade sobrevivente é Brasília. Tudo se passa em Brasília, na UnB, no Congresso...é uma história do Marcelo, que faz parte do grupo. Em um futuro bem distante, um meteoro cristalino vai atingir a terra, e as nações se unem para criar uma arma laser para destruir esse meteoro. Quando ele é destruído, é quebrado em milhares de pequenos cristais. Eles caem em todo o planeta, mas muitos caem em Brasília. E o personagem busca energia dos cristais para fazer a máquina do tempo, que só pode ir ao passado. O grupo está procurando apoio para continuar realizando as oficinas de desenho nas escolas. Quem se interessar pela oficina, ou quiser doar material como nankin, folhas, canetas deve entrar em contato com o Marcelo Alves, pelos telefones: 61 9904-4095 ou 371-4714. CONHEÇA O AGNAM: MARCELO ALVES, 26 JEFFERSON DOS SANTOS, 11, ESCOLA CLASSE 27 DA CEILÂNDIA ALEXANDRE RODRIGUES, 18, RECANTO DAS EMAS FABIANO AUGUSTO LIMA, 18 DANIEL ALVES DE MELO, 18, CED 111, RECANTO DAS EMAS MARCOS ALVES DE OLIVEIRA, 18, CEM 07, CEILÂNDIA ANDRÉ PEREIRA RAMOS, 25, ESCOLA TÉCNICA DE BRASÍLIA LEONARDO DIAS MENESES, 20 FERNANDO DE OLIVEIRA SOARES, 22, CURSA QUÍMICA NA UNB ISRAEL www.sagnam.hpg.com.br 12 R A D C A L DICA RADCAL Q U E TA L D I S C U T I R O E ST R A N G E I R I S M O A O S O M D A COMPOSIÇÃO SAMBA DO APPROACH, DE ZECA BALEIRO? VENHA PROVAR MEU BRUNCH SAIBA QUE EU TENHO APPROACH NA HORA DO RUSH, EU ANDO DE FERRYBOAT (VENHA PROVAR) JÁ FUI FÃ DO JETHRO, HOJE ME AMARRO NO SLASH MINHA VIDA AGORA É COOL, MEU PASSADO JÁ FOI TRASH EU TENHO SAVOIR-FAIRE MEU TEMPERAMENTO É LIGHT MINHA CASA É HI-TECH TODA HORA ROLA UM INSIGHT EU ANDO DE FERRYBOAT (BEAUTIFUL!) FICA LIGADO NO LINK QUE EU VOU CONFESSAR, MY LOVE DEPOIS DO DÉCIMO DRINK. SÓ UM BOM E VELHO ENGOV EU TIREI MEU GREEN CARD E FUI PARA MIAMI BEACH POSSO NÃO SER POP STAR, MAS JÁ SOU UM NOVEAU RICHE EU TENHO SEX APPEAL SACA SÓ MEU BACKGROUND VELOZ COMO DAMON HILL, TENAZ COMO FITTIPALDI NÃO DISPENSO UM HAPPY END, QUERO JOGAR NO DREAM TEAM DE DIA UM MACHO MAN E DE NOITE UMA DRAG QUEEN A G O R A T E N T E R E S O LV E R A S Q U E S T Õ E S : ® Traduza a letra do Zeca Baleiro para o português ® Que palavras estrangeiras você cos- tuma usar no seu cotidiano? ZECA BALEIRO ® Há quem adote os estrangeirismos cegamente. Há deputados que elaboram projetos para proibir o uso de palavras estrangeiras por lei. Há quem encare essa invasão cultural como um enriquecimento da língua portuguesa. E há quem faça samba! E você, como se posiciona diante dessa situação? ® Como o Modernismo de 22, a Tropicália dos anos 60 e o Mangue Beat dos anos 90 responderam a essa situação? R A D C A L 13 SAÍDA PELA ARTE O SABER DANDO SABOR PARA P A T R Í C I A O S A N D Ó N FOTOGRAFIAS GABRIELA GOULART Imagine bichos peçonhentos e perigosos, índios selvagens e presença do projeto Saúde macacos peludos. Imaginou? Se essa é a imagem que você e Alegria representa uma tem da Amazônia, esqueça tudo isso, abandone seus estigmas visão positiva da Amazônia e conheça um pessoal no Estado do Pará que enfrenta horas nas comunidades. É possí- de barco para realizar seu trabalho e faz disso motivo de rea- vel se desenvolver sustenta- lização pessoal e social. O Projeto Saúde e Ale- velmente com a conservação gria (PSA) atua desde 1987 em 16 comu- do meio ambiente”. Na área nidades ribeirinhas extrativistas dos rios de educação e cultura, o PSA Amazonas, Tapajós e Arapiuns, atingindo trabalha com a capacitação aproximadamente 20 mil habitantes. O de professores e monitores PSA é um projeto que trabalha com o mirins (6 a 12 anos), educa- desenvolvimento comunitário integrado ção ambiental, adaptação e sustentado com programas de Organi- curricular e o circo Moco- zação e Gestão Comunitária, Produção rongo que, por meio da arte, Agroflorestal e Meio Ambiente, educa- do lúdico e de enquetes edu- ção e cultura, Gênero, Crianças e Ado- cativas e culturais, resgata e lescentes, Comunicação Popular e Pes- difunde o conteúdo e os valo- quisa Participativa. Os programas par- res locais. Fábio conta que tem da realidade existente para capa- o projeto também procura citar os moradores a atuarem no desen- realizar a adaptação do que volvimento comunitário e na defesa dos é aprendido na escola com recursos oferecidos pela Amazônia. a realidade das crianças e Em entrevista, Fábio Pena, que trabalha dire- jovens. Como o próprio pes- tamente com a área de Educação e Cultura, explica que soal do PSA diz: utilizar-se a principal idéia dos programas do projeto Saúde e Alegria é do saber comunitário dando consolidar um modelo de desenvolvimento comunitário: “A sabor para a escola. PRODUZIDO PELA E AÍ, GOSTOU DO PROJETO? 14 R A D C A L pensando naquilo mento o PSA tem bastante. triz trabalhada no início do R E N AT O A R A Ú J O , 1 8 A N O S A Saúde era a principal dire- COLUNA DO ESTUDANTE A ESCOLA MILA PETRILLO já ganhou três, sendo um em de trabalhar com os outros 1º lugar no Prêmio Banco setores tornou-se cada vez Mundial de Cidadania, rea- mais presente para o idealiza- lizado em parceria com a dor do PSA, Eugênio Scanna- Or ganização das Nações vino. “Ele viu que não adian- Unidas e a Comunidade Soli- tava falar de saúde sem falar dária. “Me sinto privilegiado de educação, nutrição, par- em participar de um projeto ticipação da mulher ou de como o Saúde e Alegria, como organizar as comunida- onde se trabalha o desenvol- des. O mais interessante era vimento pessoal e comunitá- que os jovens eram sempre rio, os mais curiosos em todos os Amazônia, um local de muita processos”, conta Fábio. No carência social e de muitos PSA, os jovens são incen- r ecursos naturais. A p a r - Já não é novidade quando ouvimos que o Brasil está sofrendo uma descaracterização de sua cultura. Porém, quando se fala em “sofrendo”, nos vem a rápida idéia de “passividade”. Tenho uma experiência que pode mostrar que esse processo é bem menos passivo do que imaginamos. Por volta de 1996/1997, conheci o trabalho de Chico Science e Nação Zumbi que, junto com o Mangue Beat, me levaram a outros artistas ligados à cultura nordestina, como Antônio Nóbrega, Cascabulho, Mestre Ambrósio, Faces do Subúrbio... Certo dia, um grupo do colégio se reuniu para um trabalho em minha casa, então, fui mostrar a eles algumas músicas do Antônio Nóbrega. Não chegaram nem a ouvir a segunda. Foi cômico e trágico. Disseram que era música de velho. Fui motivo de piada e, no colégio, passei a ser conhecido como Renato Maracatu. Percebe-se que a importação da cultura não limita-se à substituição da existente. Cria-se, também, resistência nas pessoas. Torna-as predispostas a recusar o que não dá ibope. E essa é a parte ativa do processo. É quando rejeitamos o que não é global. Ficamos fascinados com o glamour do estrangeiro. Preferimos os filmes, as empresas e os produtos de fora, e mal sabemos que muitas vezes, importamos para nossas casas suco de laranja feito de nossas laranjas. Mas não ligamos se a laranja é brazuca, o que importa realmente é o passaporte do suco. Acharíamos ótimo se o navio que o traz dos Estados Unidos pudesse dar uma passadinha na Europa. E, quem sabe, na Austrália. O frevo, a festa de Parintins, o samba de roda, são expressões belíssimas.Todas nacionais, e querendo, dá pra se divertir muito com elas. Cultura não é um módulo que se possa medir e saber o valor. A cultura só “é”. Equivocado quem diga que Jô Soares é mais culto do que Dona Zica. E nem vice-versa. São conhecimentos diferentes. Assim como Bill Clinton não tem nada que sobressaia ao Mestre Salustiano. Se igualam. O que falta em um sobra no outro. Salustiano tem o povo e a vida nordestina no sangue. Talvez não fosse capaz de dominar o mundo ou bombardear civis, mas o Bill não sabe tocar pandeiro e dançar frevo. E agora? Quem é mais importante? tivados a tornarem-se além de poder viver na ticipação comuni- líderes e utilizarem os tária torna-se funda- recursos que a pró- mental para o bom pria Amazônia lhes andamento do pro- ofer ece, evitando assim a sua saída para os centros urbanos. Prêmios de r econheci- Se quiser saber mais acesse jeto. É a comunidade buscan do forças em si mesma”, argumenta Fábio. www.saudeealegria.org.br C A D A C U L T U R A C O M S E U VA L O R Somente em 2002, o projeto projeto, mas a necessidade R A D C A L 15 O que um semáforo e uma porta de banheiro tem a ver com a nossa opção sexual? RESPEITO À Antropólogo e professor da Universidade Católica de Brasília Tem coisas que a gente não consegue entender. Simplesmente são assim e pronto. Por exemplo, eu sempre me pergunto porque diabos escolheram o vermelho para indicar “pare” no sinal de trânsito. Por que vermelho e não, sei lá, azul perolizado? O sinal, com certeza ficaria mais fashion, e a gente ainda livraria os daltônicos de uma puta dor de cabeça. Mas não adianta querer entender. Um dia definiu-se que era assim, e pronto. É uma invenção social. As pessoas se acostumaram de tal forma que só uns poucos malucos como eu é que ficam implicando e pensando se não poderia ser diferente. E assim vai. O vermelho do semáforo, a cartola que indica “banheiro masculino” – gente, quem é que ainda usa cartola?!! – e o @ no e-mail são apenas algumas das coisas que encabeçam a minha lista de “coisas que a gente não consegue entender”. A homossexualidade ofende muita gente. Taí mais uma coisa que vai para a minha lista de coisas que não dá para entender. No início do terceiro milênio, em plena era espacial, em tempos de internet, ainda tem (muita) gente que até acha normal a violência urbana, a corrupção, a miséria, mas dois homens se beijando, inadmissível! Na verdade há algo nessa história que dá para enten- 16 R A D C A L der. Entender e m o d i f i c a r. E a pergunta a ser respondida é: por que ainda há tanto preconceito contra quem vive sua sexualidade de forma diferente daquela que manda o nosso semáforo? Eu tenho c á pra mim uma explicação para isso. Nossa sociedade sempre se preocupou muito com tudo que envolvesse a sexualidade. Basta ver o barulho que andam fazendo hoje em torno da clonagem. É bem possível que quando inventaram a bomba atômica (eticamente muito mais questionável que a clonagem) não tenha havido tanto rebuliço. Mas, mexeu com sexo, o mundo se agita. E como esse agito pode se traduzir no preconceito nosso de cada dia? Sobre isso também tenho cá minhas idéias. Você já reparou como é difícil nadar contra a corrente? Se você estivesse no meio da torcida do Flamengo, no Maracanã lotado, você teria coragem de gritar “Flumineeenseee!!!”? Acho que não. Pois o mesmo acontece com pequenas coisas no nosso dia-adia. Se os seus amigos adoram heavy metal, você cer tamente não se sentirá à vontade para ouvir (e gostar de) r eggae – muito menos de ópera. Se os seus colegas todos resolveram entrar para a tribo dos Straight Edge, você não conseguirá mais usar aquela sandalia de couro sem ser chamado de Calango. Ah, sim, porque logo surgem os rótulos. Aliás, os rótulos são o primeiro passo do preconceito. As pessoas os usam para enquadrar os outros em modelos estereotipados. “Coisa de viado” é mais um desses rótulos que passam por cima da individualidade de alguém para enquadrá-lo em um modelo negativo para o grupo. Agora você pode estar pensando: “Pô, mas o pessoal é foda. Não deixa a gente em paz nem um segundo”. E aí é que está a graça. Você faz parte desse “pessoal”. Quantas vezes você já não chamou um colega de boiola, fresco ou florzinha porque ele não topou fazer alguma aventura radical com o grupo de amigos? Pois é, o preconceito é assim, ele vai se reproduzindo nas pequenas atitudes do dia-a-dia, reforçado por nós mesmos, até que a gente se vê vítima das mesmas atitudes que tivemos com outros. Aí a graça acaba. Houve uma época em que até mesmo a ciência achava que a homossexualidade era uma doença. Esse tempo já passou. Alguns tiveram coragem de levar isso adiante. Tiveram coragem de gritar “Fluminense!!!” no meio da torcida do Flamengo. A doença, agora, é outra e se chama preconceito. A vida seria tão mais fácil se a gente não teimasse em complicá-la, não é? Quem sabe se você não dá uma grande ajuda pensando duas vezes antes de berrar “coisa de viado” da próxima vez que alguém gritar “Nense” no meio da torcida do Flamengo. ESCULTURA DE BRENNAND, DIANA CAÇADORA, 1980 D A N I E L S C H R O E T E R SIMIÃO DIFERENÇA!