MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE BOA VISTA – RR. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com fulcro nos artigos 127, caput, 129, inciso III, ambos da Constituição da República de 1988 e e art. 17, da Lei Federal nº 8.429/92, comparece à presença de Vossa Excelência para ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de Tutela Antecipada em face da: AGÊNCIA RORAIMA S.A. – AFERR, DE FOMENTO DO ESTADO DE Sociedade de Economia Mista, pertencente à Administração Indireta do Estado de Roraima, com sede na Rua Alferes Paulo Saldanha, 374 – Centro, Boa Vista/RR; pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expendidos: 1 – DOS FATOS 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL Os inclusos autos do Inquérito Civil Público nº 022/2010 evidenciaram que a Agência de Fomento - AFERR alterou o Plano de Cargos e Salários da empresa, por meio da Resolução 003/2009, aprovado pelo Conselho Administrativo, afrontando a Lei 457/04, que regula o mencionado Plano de Cargos e Salários da referida agência. Conforme documentos coligidos no procedimento investigatório, verifica-se que a Agência de Fomento foi criada pela da Lei 180/94, que em seu art. 12, determinou a criação do respectivo plano de cargos e salários, por meio de Processo Legislativo via Assembleia Legislativa do Estado de Roraima. Assim, restou aprovada a Lei 457, de 19/07/2004, dispondo a respeito do plano de cargos e salários da AFERR. Ocorre, que o Conselho Administrativo da AFERR, por meio de uma simples Resolução de número 003/2009, “revogou” e impôs um novo plano de cargos e salários aos servidores da Agência, fazendo tábula rasa do texto normativo aprovado pela Assembleia Legislativa. Com efeito, a aludida Resolução de 003/2009, foi objeto de análise no Instituto de Modernização Pública, o qual exarou parecer às fls. 229/235 identificando as seguintes irregularidades: 2.3.4 Vários dos cargos estão a exigir comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses o que é ilegal a partir da publicação da Lei 11.644 de 10 de março de 2008. 2.3.5 A progressão salarial horizontal constante da Lei nº 457 de 19 de julho de 2004 resta prejudicada, não encontramos na nova proposta a substituição 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL adequada para uma nova metodologia de avaliação do desempenho funcional dos empregados, para efeito de promoção por merecimento, com base no desempenho e no atingimento de metas institucionais e ainda e principalmente com base no desempenho das metas orçamentárias.” Em contrapartida ao mencionado no Parecer do Instituto de Modernização, o Diretor de Administração e Finanças, Sr. Gilberto Maciel dos Santos, não convencido da inviabilidade da alteração dos cargos e salários da Agência por meio de Resolução, submeteu novamente o texto da Resolução à aprovação do Conselho Administrativo tendo este enfatizado em sua argumentação que: Reiterando o assunto, o plano ora apresentado, será temporário, até que esta Agência de Fomento tenha a capacidade financeira, para contratar uma empresa conceituada de consultoria (na forma da Lei 8.666/93), com a finalidade de criar e realizar um plano completo e definitivo. Bem como; contratar outra empresa, para realizar concurso público. (fl.129) A Resolução foi aprovada por maioria dos Conselheiros, tendo manifestado voto contrário a Conselheira Ana Lucíola de acordo com a votação disposta às fls. 133/135. Ainda, segundo resposta a ofertada pelo Sr. Presidente da AFERR, por meio do Ofício nº 151/2012, às fls. 104, a Resolução 003/2009, encontra-se em vigor, isto é, de fato revogou a Lei 457/04, atribuindo novo PCS 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL a AFERR, bem como consignou que todos os servidores da Agência não foram submetidos a concurso público. Chama atenção com isso, que a Agência de fomento AFERR, criada em 1997, a qual teve seu PCS instituído em 2004 encontra-se a mais de 10 (dez) anos funcionando com apenas servidores comissionados e contratados de forma direta em desacordo com todos o texto constitucional que regula a matéria. 2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público Estadual possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública com o escopo de proteger o patrimônio público seja ele estadual e municipal assim como a moralidade administrativa, assegurando o cumprimento dos princípios e dispositivos constitucionais por parte dos Poderes Públicos, em qualquer esfera, o que constitui inequívoco interesse de toda a sociedade. Com efeito, tal legitimação decorre do art. 129, III, da Constituição Federal; e do art. 25, IV, “b”, da Lei n° 8.625/931. Externando posicionamento já sedimentado na doutrina, Hugo Nigro Mazzilli, in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 15ª ed., Saraiva, 2002, p. 167, leciona: 1 “Art. 129. São Funções institucionais do Ministério Público: III – promover a ação civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” “Art. 25. Além das funções previstas na Constituição Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;” 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL “(...) A mens legis consiste em configurar iniciativa ao Ministério Público, seja para acionar, seja para intervir na defesa do patrimônio público, sempre que especial razão exista para tanto, como quando o Estado não tome a iniciativa de responsabilizar o administrador por danos por este causados ao patrimônio público, ou quando motivos de moralidade administrativa exijam seja nulificado algum ato ou contrato da Administração que o administrador insista em preservar, ainda que em grave detrimento do interesse público. Como bem ressaltou o Promotor de Justiça Sérgio Seji Shimura, em parecer lançado nos autos da AC n° 142.032.5/0-00, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ‘nem seria plausível que um único indivíduo pudesse impugnar ato administrativo lesivo ao patrimônio público, através da ação popular, enquanto essa legitimação não fosse reconhecida à população, como um todo, por meio da instituição que a representa (Ministério Público) e através da ação civil prevista constitucionalmente.’ Acrescentamos nós que essa possibilidade ainda fica mais fortalecida quando falhe a legitimação ordinária para a defesa do patrimônio público pela própria Administração, ou quando se mostre o governante preocupado em manter o ato ilegal que ele próprio praticou.” Ademais, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacificou a questão referente à legitimidade do Ministério Público para a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa quando do julgamento do RE 208.790/SP, cujo relator foi eminente Ministro Ilmar Galvão, ementa in verbis: “CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Legitimidade extraordinária conferida ao órgão pelo dispositivo constitucional em referência, hipótese em que age como substituto processual de toda a 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL coletividade e, consequentemente, na defesa de autêntico interesse difuso, habilitação que, de resto, não impede a iniciativa do próprio ente público na defesa de seu patrimônio, caso em que o Ministério Público intervirá como fiscal da lei, pena de nulidade da ação (art. 17, § 4°, da Lei n° 8.429/92). Recurso não conhecido.” (RE 208790/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, unânime, DJU: 15.12.2000, p. 105) Ainda, a 1ª Turma da Excelsa Corte voltou a reafirmar o referido entendimento ao julgar o RE n° 230.232-MA, em 19 de novembro de 2002, consoante noticiado no Informativo do STF n° 291, in verbis: “Aplicando o entendimento firmado no RE 208.790SP (DJU de 15.12.2000) - no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público (CF, art. 129, III) -, a Turma manteve acórdão do TRF da 1ª Região que reconhecera a legitimação extraordinária do Ministério Público Federal para propor ação civil pública cujo objeto referia-se à anulação de contrato celebrado entre o Estado do Maranhão e estabelecimento privado para a prestação de serviços do Sistema Único de Saúde - SUS, sem a observância de prévio procedimento licitatório.” (RE 230.232-MA, rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, julgado em 19.11.2002, Inf. 291) 3 – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO DA CRIAÇÃO DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA Como é cediço, a sociedade de economia mista é considerada entidade descentralizada da administração pública com o fito de prestar serviço público ou intervir no domínio econômico, como enfatiza o art. 173 da CF. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL A constituição da sociedade de economia mista se dá por meio de lei que autoriza a sua criação, na qual se estabelecem as regras gerais para posterior elaboração do estatuto social. Com isso, a natureza da sociedade de economia mista é privada, isto é, está submetida as regras do direito civil empresarial, embora seja autorizada por lei. Contudo, no tocante ao ingresso dos servidores constata-se que esses devem também ser submetidos ao concurso público como preceitua o art. 37, II da CF. a) DO INGRESSO DOS SERVIDORES NA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – Da Necessidade de Concurso Público Desta feita, as Sociedades de economia mista obedecem o disposto no art. 37, II da CF, o qual preceitua a exigência de concurso público para o ingresso na administração pública, assim, os servidores da AFERR por estarem vinculados a entidade administrativas devem ingressar nela por meio de concurso público. Leciona a doutrina de Diógenes Gasparini in Direito Administrativo , 16ª edição, Editora Saraiva, fls. 506. a respeito do ingresso dos servidores nas Sociedades de Economia mista: Os servidores, na verdade empregados, da sociedade de economia mista a ela se vinculam, por força do prescrito no art. 173, §1º, I, da Constituição Federal, por um liame regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Ingressam nos quadros da entidade mediante concurso público de provas ou provas e títulos para titularizar empregos. (…) Embora regidos pela Consolidação, tais servidores não podem acumular cargos, empregos ou funções, pois o 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL inciso XVII do art. 37 da Constituição Federal determina que a proibição de acumular estende-se a cargos, funções, ou empregos em autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista. No mesmo sentido manifesta-se a jurisprudência, EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONCURSO PÚBLICO. ABRANGÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA DA EMPRESA FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS. O ingresso na Administração Pública Direta e Indireta só pode ser feito por concurso público, exceção feita apenas para os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, na forma do art. 37, II, da CR. As sociedades de economia mista, que podem ou não ser sociedades anônimas, são aquelas que estão sob controle da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (STF-MS 24.249 e STF-MS 26.117). A recorrida é uma sociedade de economia mista, portanto, ligada à Administração Federal Indireta (STF-ECO 396 O), logo, o ingresso em seus quadros exige o cumprimento do art. 37, II, da CR. O recorrente foi terceirizado na primeira recorrente, não se submeteu a concurso público, logo, não há como acolher sua pretensão de vínculo de emprego, à luz do art. 37, § 2.º, da CR. Os postulados da segurança jurídica, da estabilidade social, a alegação de hipossuficiência e boa-fé do recorrente não se sobrepõem ao texto constitucional, portanto, não são elementos jurídicos aptos para afastar a exigência constitucional do concurso público, único meio democrático de ingresso nos quadros da administração. Recurso parcialmente conhecido 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL e não provido. (00517-2009-103-10-00-8 RO- Juiza Patricia Germano Pacifico, julgado em 18/12/2009)) Verifica-se, da análise do procedimento investigatório, que por meio da Resolução 003/2009 foram criadas duas categorias de empregados, os regulares e os de confiança, sendo que o primeiro será escolhido por meio de concurso e o segundo por escolha direta. Todavia, conforme a resposta do Diretor Presidente da AFERR (fls. 104), os servidores da AFERR ingressaram na instituição sem o devido concurso público. Nesses termos merece citação o excerto da Resolução 003/2009, que trata da matéria: Art. 4º – A 1ª (primeira) parte do quadro geral de pessoal da AFERR será constituída dos “Empregados Regulares”, cujos ocupantes, serão admitidos exclusivamente, através do concurso público . Art. 5º – A jornada de trabalho para os ocupantes dos “Empregos Regulares” será de 30 (trinta) horas semanais. Parágrafo único – A princípio, os ocupantes dos “Empregos Regulares” deverão trabalhar 06 (seis) horas diárias, das 8h00 min as 14h00min (...) Art. 11- A 2ª (segunda) parte do quadro geral de pessoal da AFERR será constituída dos “empregos de confiança”, cujos ocupantes serão admitidos sem a necessidade do Concurso Público, para desempenharem as suas atividades, de livre admissão e dispensa. Ocorre que na decisão sobre a aplicabilidade da Resolução 003/2009 deliberou o CONAD - Conselho Administrativo que : “(…) O Diretor Presidente terá até a implantação de um 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL Plano de Cargos e salários definitivo e a consequente realização de concurso público, os poderes, através de um Ato Presidencial, para admitir, contratar, nomear, remover, dispensar, designar, remanejar, readequar e demitir os ocupantes dos “Empregos regulares” e dos Empregos de confiança” observando o número de vagas já existentes, a necessidade e a capacidade financeira da AFERR”. (grifo). Vê-se, portanto, uma tentativa velada de burlar o concurso público, pois muito embora conste no Art. 4º da Resolução 003/2009, a necessidade de realização de certame público, o CONAD de forma deliberativa determinou o ingresso dos empregados regulares e de confiança sem o concurso público, isto é, de livre escolha do Diretor Presidente da AFERR. Assim, a referida Resolução 003/2009 não só ultrapassou os limites da hierarquia legal, como também deixou de observar a necessidade de realização de concurso público para os empregados da sociedade de economia mista, como determina o art. 37 , II da CF. Ademais, fica evidente que a referida Resolução, aprovada apenas pelo Conselho Administrativo da Sociedade, não atende ao convencionado no art. 12, da Lei 180/94, em que é exigido o trâmite legislativo, ou seja, aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima. Ressalte-se, por fim, que a Lei 457/2004, que dispõe sobre o plano de cargos e salários da AFERR, determina em seu art. 2º que : “Art.2º O Ingresso no Quadro Pessoal Permanente da AFERR dar-se à mediante concurso público de provas e ou provas e títulos, observando o tempo de experiência nas respectivas áreas de conhecimento, sendo regido pela 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL consolidação das Leis do Trabalho.” (grifo) b) CONFLITO APARENTE DE NORMAS: Resolução 003/2009 x Lei 457/2004 Salta ainda aos olhos, o fato de já existir a Lei 457/52004 que estrutura os plano de cargos e salários dos servidores da AFERR, logo a sua substituição por mera Resolução já seria uma afronta aos padrões legislativos. Nesse sentido, vale relembrar que o direito brasileiro aderiu a trilogia para solução de conflito aparente de normas, isto é, diante de duas normas sobre o mesmo fato jurídico prevalecerá aquela que se adequar aos critérios da hierarquia, cronologia ou especialidade. In casu, percebe-se que a Lei 457/2004 teve seu objeto jurídico (plano de cargos e salários da AFERR) esvaziado pela Resolução 003/2009, porquanto a sua aparente revogação se deu por instrumento legislativo inferior, uma vez que o processo legislativo pelo qual fora submetida a Lei é superior ao texto da Resolução. Com efeito, vislumbra-se que a Resolução enquanto instrumento legislativo, tem como abrangência as matérias interna corporis como se assimila do disposto nos art. 58 e 62 da CF. Nesse sentido, preceitua a doutrina de Uadi Lammêgo Bulos2 a respeito da hierarquia das leis que: “Em estado de latência constitucional, sem estarem lançadas no mundo jurídico, não há hierarquia entre as modalidades normativas do art. 59, pois o que existe, 2.BULOS, Uadi .Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, São Paulo, 2012. 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL nesse particular, é a previsão abstrata delas. Porém, se saírem do papel, concretizando-se na ordem jurídica, evidente que existe hierarquia, porque o constituinte elege quais temas que devem ser regulados por uma ou outra espécie. Assuntos complexos, pois, são regulados por tipos jurídicos primários de procedimento legislativo difícil .(grifo) (...) Dentro dessa unidade, que convive com a diversidade, há um elemento de calibragem, que evita conflitos ou contradições internas. Esse elementos é severa diferenciação de atribuições. Por isso, cada uma as espécies normativas do art. 59 atua em campos próprios de competência, possuindo quorum diferentes de aprovação e procedimentos legislativos diferenciados.” (grifo) Na mesma esteira, ainda, leciona o referido doutrinador que: “A lei ordinária é ato legislativo primário, comum, geral, abstrato escrito, que caracteriza, fundamentalmente, o estado democrático de direito, porque ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo sem a sua determinação ( art. 5º , II). O método para se descobrir se uma lei é ordinária é o da exclusão: toda lei que não trouxer o título de complementar será ordinária.” E ressalta , ainda o professor Uadi no tocante a natureza da Resolução, in verbis: “As resoluções 12 constituem atos normativos MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL primários , desempenhando efeitos intrínsecos e extrínsecos . Os efeitos intrínsecos constituem a regra , pois derivam das disposições previstas nos regimentos internos das respectivas Casas legislativas . Não precisa dizer que os regimentos citados são aprovados através da própria resolução. Já os efeito extrínsecos das resoluções são excepcionais, porque só se verificam quando a Constituição assim determina. É o caso delegação legislativa, veiculada por resoluções, além de matérias financeiras e tributárias.” Assim, a Resolução 003/2009 não possui o condão de substituir Lei Ordinária 457/2004; a uma, pela hierarquia que as diferencia e; a duas, pelo disposto na Lei 180/94, que determina a elaboração do PCS por meio de lei ordinária aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, como ocorreu com a lei 457/94. DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA Preliminarmente, merece ser destacada a admissibilidade do instituto da tutela antecipada no âmbito da ação civil pública, uma vez que esta tramita pelo procedimento comum, sobretudo o ordinário, sendo-lhe aplicável, subsidiariamente, o Código de Processo Civil, conforme preconiza o art. 19 da Lei n° 7.347/85. Além disso, impende registrar que a vedação de tutela antecipada contra a Fazenda Pública no ordenamento jurídico pátrio abrange somente as hipóteses previstas taxativamente no art. 1° da Lei n° 9.494/97, quais sejam, a concessão de vantagem pecuniária, vencimento, reclassificação, 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL equiparação, aumento ou, ainda, extensão de vencimentos aos servidores públicos, sendo possível a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em qualquer outro caso. Seguem essa orientação a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, consoante se denota dos seguintes precedentes: “RECLAMAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DE LANÇAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. A VEDAÇÃO ADMITIDA NO JULGAMENTO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 4-DF NÃO É IRRESTRITA, REFERINDO-SE APENAS A CONCESSÕES DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS, RECLASSIFICAÇÃO, EQUIPARAÇÃO, AUMENTO OU EXTENSÃO DE VENCIMENTOS AOS SERVIDORES PÚBLICOS. 2. CASO EM QUE SE DEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA SUSTAR LANÇAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO NA DÍVIDA ATIVA DO ESTADO. INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DE QUE TRATA O ARTIGO 1º DA LEI 9.494/97. AUSÊNCIA DE AFRONTA AOS EFEITOS VINCULANTES DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL NA ADC 4-DF. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE.” (RCL 902/SE, REL. MIN. MAURÍCIO CORRÊA, PLENO, UNÂNIME, J. 25.4.2002, DJU: 02.08.2002, P. 60) NO MESMO SENTIDO, CF.: RCL 1603/SE, REL. MIN. GILMAR MENDES, PLENO, UNÂNIME, J. 21.11.2002, DJU: 19.12.2002, P. 72. “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE FORMAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. I - A antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública pode ser concedida, quando a situação não está inserida nas impeditivas hipóteses da Lei 9.494/97. Precedentes. II - In casu, a decisão de antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, excepcionalmente, não se sujeita ao reexame necessário (art. 475, caput, do CPC), mesmo porque o pretendido direito do autor pereceria ao tempo 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL da sentença confirmatória do duplo grau de jurisdição, tornando-a inócua. Recurso provido.” (REsp. 437518/RJ, rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, unânime, j. 24.06.2003, DJU: 12.08.2003, p. 251). Outrossim, cumpre salientar, que a tutela antecipada pode ser deferida para antecipar provisoriamente qualquer tipo de provimento judicial definitivo que se postule em juízo, tenha ele cunho declaratório, condenatório, constitutivo ou mandamental, desde que atendido os requisitos do art. 273 ou 461, § 3°, do CPC5. Feitos esses esclarecimentos, não resta dúvida de que a tutela antecipada deve ser concedida no caso vertente, ante a presença de seus requisitos necessários e suficientes. Senão, vejamos. A prova inequívoca e a verossimilhança das alegações (fumus boni juris) encontra-se consubstanciada na documentação acostada à inicial, na qual insculpe-se que os servidores da AFEER ingressaram da referida agência por nomeação direta sem o devido concurso público desde a sua criação pela Lei 180/97. Ademais, encontram-se atualmente vinculados a AFEER por força da Resolução 003/2009 que substituiu irregularmente a Lei Ordinária 457/2004, instrumento normatizador do Plano de Cargos e Salários da referida Agência de Fomento, Resolução esta que não encontra amparo legal para estabelecer o PCS como acima demonstrado. De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora) é evidente face os prejuízos causados à Administração Pública e à sociedade como um todo, pelo funcionamento da máquina administrativa por servidores contratados de forma direta em total desrespeito ao disposto no art. 37, II da CF. 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL É que, caso a tutela antecipada não seja concedida, o provimento final será ineficaz em relação aos enormes danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados pela manutenção do status quo de ilegalidade até o final do processo. Aliás, tal realidade não passou despercebida pelo ensinamento de Hely Lopes Meirelles, o qual afirmou que “pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantém no poder leiloando empregos públicos” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 22ª ed., 1997, p. 380). Ao longo da argumentação desenvolvida, restou patente a presença do fumus boni iuris. A violação, das normas constitucionais tais quais os arts. art. 37, II da CF. A relevância dos fundamentos jurídicos, portanto, autoriza a concessão da medida liminar, in casu, a fim de assegurar a proteção aos princípios da moralidade, legalidade e eficiência, sobretudo, à própria higidez da Constituição. De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora) é evidente. Não há como negar que a manutenção desses servidores no serviço público que ingressaram ao arrepio da norma constitucional, bem como se mantem por meio de vínculo flagrantemente ilegal, qual seja , a Resolução 0003/2009. PEDIDO Em face de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de Roraima requer: 1) a concessão da tutela antecipada inaudita altera pars, ou após ouvido o requerido no prazo de 72 horas, para que sejam determinadas: 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL a) a imediata suspensão de novas contratações de servidores da AFERR respaldadas na Resolução nº 003/2009, em face de sua patente inconstitucionalidade, sob pena de pagamento de multa de R$10.000,00 (dez mil reais), por contratação, a ser pago pelo responsável pela contratação; b) o afastamento de todos os servidores da AFERR contratados com fundamento na Resolução nº 003/2009, no prazo de 06 (seis) meses, com a consequente realização de concurso público para a contratação dos servidores efetivos, conforme Plano de Cargos e Salários previsto na Lei 457/04, sob pena de pagamento de multa de R$5.000,00 (cinco mil reais)/mês, por servidor mantido sob o regime da Resolução 003/2009 após o prazo do cumprimento da medida, a ser pago pelo responsável pela omissão, bem como, havendo recalcitrância no cumprimento, a nomeação de interventor judicial para satisfazer a decisão exarada; 02) a citação da Agência de Fomento do Estado S.A. – AFERR, para contestar a ação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão ficta quanto a matéria de fato; 03) a condenação da Agência de Fomento do Estado S.A. – AFERR, para: a) confirmada a antecipação de tutela, seja decretada o afastamento definitivo de todos os servidores da AFERR contratados com fundamento na Resolução nº 003/2009, e a realizado concurso público para a contratação dos servidores efetivos, nos termos do Plano de Cargos e Salários previsto na Lei 457/04; b) a declaração da nulidade da Resolução 003/2009, em face de sua patente inconstitucionalidade, conforme retro expendido; c) a condenação do demandado ao pagamento dos ônus de 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2.ª PROMOTORIA CÍVEL sucumbência; 04) A produção e prova testemunhal, documental, pericial, bem como outras admitidas em direito; As multas acima referidas serão direcionadas ao fundo criado pelo art. 13, da Lei 7437/85. Para fins do art. 258 do CPC, dá-se à causa o valor de R$678,000 (seiscentos e setenta e oito reais). Boa Vista, 08 de fevereiro de 2013. ISAIAS MONTANARI JUNIOR PROMOTOR DE JUSTIÇA 18