Memórias Póstumas
de Brás Cubas
Machado de Assis
1 - (FUVEST 2013) Os momentos históricos em que se
desenvolvem os enredos de Viagens na minha terra,
Memórias de um sargento de milícias e Memórias
póstumas de Brás Cubas (quanto a este último, em
particular no que se refere à primeira juventude do
narrador) são, todos, determinados de modo decisivo
por um antecedente histórico comum — menos ou mais
imediato, conforme o caso. Trata-se da:
a) invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas.
b) turbulência social causada pelas revoltas regenciais.
c) volta de D. Pedro I a Portugal.
d) proclamação da independência do Brasil.
e) antecipação da maioridade de D. Pedro II.
2 - (FUVEST 2013) Em quatro das alternativas abaixo,
registram-se alguns dos aspectos que, para bem
caracterizar o gênero e o estilo das Memórias póstumas
de Brás Cubas, o crítico J. G. Merquior pôs em relevo
nessa obra de Machado de Assis. A única alternativa
que, invertendo, aliás, o juízo do mencionado crítico,
aponta uma característica que NÃO se aplica à obra em
questão é:
a) ausência praticamente completa de distanciamento
enobrecedor na figuração das personagens e de suas
ações.
b) mistura do sério e do cômico, de que resulta uma
abordagem humorística das questões mais cruciais.
c) ampla liberdade do texto em relação aos ditames da
verossimilhança.
d) emprego de uma linguagem que evita chamar a
atenção sobre si mesma, apagando-se, assim, por detrás
da coisa narrada.
e) uso frequente de gêneros intercalados — por exemplo,
cartas ou bilhetes, historietas etc. — embutidos no
conjunto da obra global.
(UNIFESP 2011) Responda às questões a seguir a partir
do fragmento:
(…) Um poeta dizia que o menino é o pai do homem. Se
isto é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino.
Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de “menino
diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui
dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto,
traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a
cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher
do doce de coco que estava fazendo, e, não contente
com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho,
e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe
que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”;
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e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque
de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as
mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa
de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha
na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro
lado, e ele obedecia, — algumas vezes gemendo —
mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito,
um — “ai, nhonhô!” — ao que eu retorquia: “Cala a
boca, besta!” — Esconder os chapéus das visitas,
deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo
rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das
matronas, e outras muitas façanhas deste jaez, eram
mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram
também expressões de um espírito robusto, porque
meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes
me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples
formalidade: em particular dava-me beijos. Não se
conclua daqui que eu levasse todo o resto da minha
vida a quebrar a cabeça dos outros nem a esconderlhes os chapéus; mas opiniático, egoísta e algo
contemptor dos homens, isso fui; se não passei o tempo
a esconder-lhes os chapéus, alguma vez lhes puxei pelo
rabicho das cabeleiras.
(Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas.)
3 - Indique a frase que, no contexto do fragmento,
ratifica o sentido de o menino é o pai do homem,
citação inicial do narrador.
a) (…) fui dos mais malignos do meu tempo (…)
b) (…) um dia quebrei a cabeça de uma escrava (…)
c) (…) deitei um punhado de cinza ao tacho (…)
d) (…) fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado
(…)
e) (…) alguma vez lhes puxei pelo rabicho das
cabeleiras.
4 - É correto afirmar que:
a) se trata basicamente de um texto naturalista, fundado
no Determinismo.
b) o texto revela um juízo crítico do contexto escravista
da época.
c) o narrador se apresenta bastante sizudo e amargo,
bem ao gosto machadiano.
d) o texto apresenta papéis sociais ambíguos das
personagens em foco.
e) os comportamentos desumanos do narrador são
sutilmente desnudados.
5 - Para reforçar a caracterização do “menino diabo”
atribuída ao narrador, é utilizado principalmente o
seguinte recurso estilístico:
Memórias Póstumas
de Brás Cubas
Machado de Assis
a) amplo uso de metáforas que se reportam aos
comportamentos negativos do menino.
b) seleção lexical que emprega muitos vocábulos raros à
época, particularmente os adjetivos.
c) recurso frequente ao discurso direto para exemplificar
as traquinagens do garoto.
d) utilização recorrente de orações coordenadas
sindéticas aditivas.
e) emprego significativo de orações subordinadas
adjetivas restritivas.
6 - (FUVEST 2013) No excerto abaixo, narra-se parte do
encontro de Brás Cubas com Quincas Borba, quando
este, reduzido à miséria, mendigava nas ruas do Rio de
Janeiro:
Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis,
— a menos limpa, — e dei-lha [a Quincas Borba].
Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça.
Levantou a nota ao ar, e agitou-a entusiasmado.
— In hoc signo vinces!* bradou.
E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, e
tão ruidosa expansão, que me produziu um sentimento
misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeume; fi cou sério, grotescamente sério, e pediu-me
desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre
que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco milréis.
— Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
— Sim? acudiu ele, dando um bote para mim.
— Trabalhando, concluí eu.
* “In hoc signo vinces!”: citação em latim que signifi ca
“Com este sinal vencerás” (frase que teria aparecido no
céu, junto de uma cruz,
ao imperador Constantino, antes de uma batalha).
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.)
a) Tendo em vista a autobiografia de Brás Cubas e
as considerações que, ao longo de suas Memórias
póstumas, ele tece a respeito do tema do trabalho,
comente o conselho que, no excerto, ele dá a Quincas
Borba:
“— Trabalhando, concluí eu”.
b) Tendo, agora, como referência, a história de D. Plácida,
contada no livro, discuta sucintamente o mencionado
conselho de Brás Cubas.
7 - (FUVEST 2006) Leia o trecho a seguir e responda às
perguntas:
Capítulo LXVIII / O Vergalho
Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele
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Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa.
Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que
vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a
fugir; gemia somente estas únicas palavras: — “Não,
perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o
primeiro
não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma
vergalhada nova.
— Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!
— Meu senhor! gemia o outro.
— Cala a boca, besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do
vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio,
— o que meu pai libertara alguns anos antes. Chegueime; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.
— É, sim, nhonhô.
— Fez-te alguma cousa?
— É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje
deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na
cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.
— Está bom, perdoa-lhe, disse eu.
— Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra
para casa, bêbado!
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.)
a) Este trecho remete a episódio anterior, da mesma
obra, no qual interagem Brás Cubas e Prudêncio, então
crianças. Compare sucintamente os papéis que as
personagens desempenham nesses episódios.
b) Neste trecho, a variedade linguística utilizada pelas
personagens contribui para caracterizá-las? Explique
brevemente.
Respostas
1. Alternativa a
A invasão de Portugal pelo exército francês ocorreu
em 1807. Esse fato funciona como um marco do
expansionismo napoleônico na Península Ibérica,
que auxiliou a difusão de ideias liberais oriundas da
Revolução Francesa de 1789. Em Portugal, essas ideias
fomentaram uma oposição à monarquia absolutista.
Tal oposição acabaria desencadeando uma guerra
civil, que serve de pano de fundo histórico às Viagens
na minha terra. Posteriormente, a queda de Napoleão
seria celebrada pelo pai do menino Brás Cubas, em um
episódio que o narrador faz questão de registrar em
suas Memórias póstumas. Como consequência dessa
invasão, a família real portuguesa se deslocou para terras
brasileiras, inaugurando o período joanino no Brasil,
durante o qual acontece a ação de Memórias de um
Memórias Póstumas
de Brás Cubas
Machado de Assis
sargento de milícias.
2. Alternativa d
Brás Cubas, o narrador da obra Memórias póstumas
de Brás Cubas, faz frequentes intervenções no curso
do enredo para dirigir-se ao leitor, comentando a sua
própria narrativa. Essas intervenções são as digressões
metalinguísticas, recurso que o enunciador utiliza, entre
outros, para chamar a atenção sobre o próprio processo
de construção da linguagem literária.
3. Alternativa e
Neste fragmento, o narrador de Memórias póstumas
de Brás Cubas faz uma espécie de anatomia moral da
infância para traçar a origem do perfil assumido na idade
adulta. Daí a sentença “o menino é o pai do homem”.
Após mencionar diabruras e maus-tratos que cometera
quando criança — desde importunar os mais velhos até
molestar os escravos —, admite que, adulto, também
vivia a ludibriar outras pessoas. Para ilustrá-lo, emprega,
em teor de conclusão, uma metáfora que relaciona as
trapaças do presente com as traquinagens do passado:
“se não passei o tempo a esconder-lhes o chapéu,
alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras”.
4. Alternativa b
Nas Memórias póstumas de Brás Cubas, o estilo da sátira
explicita, em chave cômica, os vícios sociais do tempo
(fins do século XIX). Neste trecho, destaca-se o da
escravidão negra, cuja violência patriarcal é denunciada
em situações supostamente pueris, como a mentira a
respeito da escrava, quando degustava um doce que ela
preparara, ou a brincadeira do cavalinho, que se revelam
propícios à tortura (“um dia quebrei a cabeça de uma
escrava”) e à degradação animalizante dos homens
(“Prudêncio, o meu moleque, era o meu cavalo de todos
os dias…”).
5. Alternativa d
O narrador justifica que recebeu o apelido de “menino
diabo” com uma série de exemplos, ligados por meio
de conjunções coordenativas de valor aditivo: “um dia
quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara
uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não
contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao
tacho, e, não satisfeito da travessura, fui fui dizer à minha
mãe que a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’; e
eu tinha apenas seis anos”.
6. Resolução
a) A referência ao trabalho nesse excerto assume um
tom irônico, na medida em que o narrador Brás Cubas
cobra do amigo Quincas Borba um comportamento
que ele, Brás, sempre desprezou em vida, em função de
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suas origens, de suas relações sociais e de sua condição
de herdeiro. No último capítulo, “Das negativas”, esse
comportamento antilaboral fi ca explícito na frase “(...)
coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o
suor do meu rosto”.
b) Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Dona Plácida
é uma das personagens que pertencem às camadas
menos abastadas da sociedade. Começou a trabalhar
desde muito cedo, aos dez anos de idade. Casou-se
aos “quinze ou dezesseis anos com um alfaiate, que
morreu tísico algum tempo depois, deixando-lhe uma
filha. Viúva e moça, fi caram a seu cargo a fi lha, com
dous anos, e a mãe, cansada de trabalhar. Tinha de
sustentar a três pessoas.” Após uma vida de muito
trabalho, foi obrigada, para não “acabar na rua, pedindo
esmola”, a deixar de lado seus valores morais e se
submeter à condição de alcoviteira, escondendo a
relação extraconjugal de Virgília e Brás Cubas. Tendo
como referência sua trajetória, pode-se chegar à
conclusão de que uma vida dedicada ao trabalho árduo
e sacrifi cante não garante um futuro de riqueza.
Correlacionando a história de Dona Plácida com o
excerto escolhido pela Banca, tem-se um claro reforço
da ironia machadiana.
7. Resolução
a) O trecho do capítulo LXVIII, correspondente à
passagem da vida adulta de Brás Cubas em que ele
reencontra o ex-escravo Prudêncio, estabelece um
claro paralelo com um episódio relatado no capítulo XI
(“O menino é pai do homem”), ocorrido na infância do
narrador. Prudêncio, escravo doméstico da família Cubas,
fora “cavalo de todos os dias” do menino Brás, que,
por brinquedo, fazia-o de montaria e, às reclamações
do moleque, que se ressentia dos golpes recebidos,
respondia: “Cala a boca, besta!” O fato de
Prudêncio utilizar-se da mesma expressão no trato
com seu próprio escravo reforça o paralelo indicado
acima. Assim, na infância, Brás Cubas exercia o papel de
vergalho — o mesmo que Prudêncio assume no trecho
referido. O ex-escravo, de sua parte, não consegue
abandonar de todo a condição servil, já que se mantém
obediente às determinações do antigo amo (“Nhonhô
manda, não pede”).
b) Sim. De fato, a adoção de variedades linguísticas
por parte das personagens reforça a relação que
se estabelece entre elas. Dessa forma, Machado de
Assis registra com sutileza a utilização da língua
como instrumento de poder e dominação. Brás Cubas
segue o padrão culto, evidenciado na colocação
pronominal (“Fez-te alguma cousa?”, “perdoa-lhe”).
Assim, patenteia-se sua condição social: homem da
Memórias Póstumas
de Brás Cubas
Machado de Assis
elite aristocrática carioca do século XIX. Prudêncio,
por sua vez, distancia-se desse padrão, incorrendo
em transgressões à norma culta (“deixei ele”). Outro
instrumento linguístico que reafirma a distinção social
entre as personagens é a marcação de tratamento: Brás
Cubas faz do uso do imperativo (“perdoa-lhe”) uma
manifestação de sua condição privilegiada, enquanto
Prudêncio demonstra traços da situação servil, de que
já se libertara, na forma como se dirige ao ex-amo
(“Nhonhô”).
As resoluções e comentários são do curso Anglo:
http://angloresolve.cursoanglo.com.br/oAngloResolve.asp
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