UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Isabella Aparecida Almeida de Oliveira
DISCURSO DE ESTUDANTES E HABITUS PEDAGÓGICO EM
CURSOS DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS
RIO DE JANEIRO
2010
Isabella Aparecida Almeida de Oliveira
DISCURSO DE ESTUDANTES E HABITUS PEDAGÓGICO EM CURSOS DE
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS
Dissertação
de
mestrado
apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a
Saúde, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação em Ciências
e Saúde.
Orientadora: Dra. Flavia Rezende Valle dos Santos, Doutora em Educação/PUC-Rio.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a
Saúde.
RIO DE JANEIRO
2010
Oliveira, Isabella Aparecida Almeida de
Discurso de estudantes e habitus pedagógicos em cursos de
graduação em Ciências Naturais / Isabella Aparecida Almeida de
Oliveira.– Rio de Janeiro: NUTES, 2010.
vii, 162 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Flávia Rezende Valle dos Santos
Dissertação (mestrado) -- UFRJ, NUTES, Programa de Pósgraduação em Educação em Ciências e Saúde, 2010.
Referências bibliográficas: f. 104-110
1. Disciplinas das Ciências Naturais - educação. 2. Discursos. 3.
Estudantes. 4. Educação Superior. 5. Educação em Ciências e
Saúde - Tese. I. Santos, Flávia Rezende Valle dos. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-graduação
em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
Isabella Aparecida Almeida de Oliveira
DISCURSO DE ESTUDANTES E HABITUS PEDAGÓGICO EM CURSOS DE
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS
Aprovada em 14 de janeiro de 2010
_____________________________________________________
Profa. Flavia Rezende Valle dos Santos
Doutora em Educação, NUTES-UFRJ
_____________________________________________________
Profa. Silvania Sousa do Nascimento
Doutora em Didática das Ciências Experimentais - Paris 6, FAE-UFMG
______________________________________________________
Prof. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
Doutor em Sociologia, NUTES-UFRJ
_____________________________________________________
Profa. Alcina Maria Testa Braz da Silva (suplente)
Doutora em Educação, Universo
Dedico a todos aqueles que contribuíram para que este estudo pudesse ser feito.
Dedico a todos os leitores, com sincero desejo de que as páginas aqui escritas sejam
significativas na construção de novos saberes e novas perspectivas.
Dedico todo o meu esforço à minha mãe, orientadora primeira de minha vida. Dizer
“obrigada” por tudo o que recebi durante este percurso é muito pouco...
Dedico a todos aqueles que me apoiaram nesta caminhada, principalmente durante os últimos
árduos meses. Sem as palavras de minhas amigas, o carinho e o apoio que recebi, certamente
seria impossível chegar até o final.
Dedico ao meu falecido pai, que dizia sentir-se orgulhoso a cada empreitada minha nos
estudos.
“Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você”
O anjo mais velho
Fernando Anitelli, O Teatro Mágico
RESUMO
OLIVEIRA, Isabella Aparecida Almeida de. Discurso de estudantes e habitus
pedagógico em cursos de graduação em ciências naturais. Rio de Janeiro, 2010.
Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2010.
Este estudo situa-se na problemática do ensino das ciências naturais de nível
superior e enfoca a formação de visões de ciência e de educação dos estudantes ao
longo da graduação em cursos de ciências naturais. Para compreender a formação
dessas visões, utilizou-se como quadro teórico a perspectiva sociocultural,
articulando a filosofia da linguagem de Bakhtin à sociologia da prática de Bourdieu,
aproximando os conceitos de gênero de discurso e habitus. Foram entrevistados seis
estudantes de uma mesma universidade pública federal, matriculados nos dois
últimos períodos de seus respectivos cursos de Física, Química e Biologia, nas
modalidades Licenciatura e Bacharelado. A análise do discurso dos entrevistados
pareceu apontar processos de conformação e de resistência ao habitus pedagógico
vivenciado pelos estudantes. Percebeu-se um gênero discursivo estável, próprio do
estudante desta universidade, que expressa a satisfação com sua formação,
principalmente pelo grande conhecimento dos docentes. As diferentes concepções
de educação podem apontar a existência de mais de um habitus pedagógico em um
curso e diferentes níveis de inserção dos estudantes no habitus pedagógico
reproduzido em seus respectivos cursos.
Palavras-chave: CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA, CONCEPÇÃO DE ENSINO,
HABITUS, GÊNERO DE DISCURSO, CIÊNCIAS NATURAIS.
ABSTRACT
This study is situated in the problem of teaching the natural sciences graduate and
focuses the science’s view and education’s conception in natural sciences university
courses. To understand how students organize their world views, it is assumed that
social agents act from an acquired system of preferences and action schemes that
guide the perception of the situation and appropriate response. That arrangement, or
kind of practical sense, Bourdieu (2005) calls habitus. From the identified genres of
discourse (BAKHTIN, 2004), was tried to detect processes of conformation and
resistance habitus teaching experienced by students. The discourse analysis was
based on a semi-structured interview. Six natural sciences’ students of a public
university were interviewed. They were registered in the last two periods of their
course, Physics, Chemistry and Biology. The analysis of students’ gender discourse
shows that’s possible to infer more than one habitus teaching in each course and
different levels of inclusion of the students in the pedagogic habitus of their respective
courses.
Keywords:
EPISTEMOLOGICAL
CONCEPTION,
TEACHING
HABITUS, GENDER DISCOURSE, NATURAL SCIENCES.
CONCEPTION,
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
8
2 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
2.1 ELEMENTOS DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM
14
15
2.2 ELEMENTOS DA SOCIOLOGIA DA PRÁTICA
18
2.3 REPRODUÇÃO E CAMPO EDUCACIONAL
24
2.4 O HABITUS PEDAGÓGICO DO PROFESSOR DAS
CIÊNCIAS NATURAIS
2.5 APROXIMAÇÃO ENTRE BAKHTIN E BOURDIEU
3 PERCURSOS DA PESQUISA E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
31
41
49
3.1 OBJETIVO
49
3.2 SUJEITOS DA PESQUISA
49
3.3 COLETA DE DADOS
50
3.4 ASPECTOS ÉTICOS
50
3.5 PERCURSOS E PERCALÇOS DA PESQUISA
51
3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
53
3.7 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
55
3.7.1 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em Física
56
3.7.2 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em Química
65
3.7.3 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em Biologia
77
4.1 CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NO DISCURSO DOS ESTUDANTES
86
86
4.2 CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS NO DISCURSO DOS ESTUDANTES
95
4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
97
4 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
4.4 IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DAS CIÊNCIAS 101
NATURAIS
REFERÊNCIAS
104
ANEXO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
111
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista
APÊNDICE B – Entrevista 1: Bacharelando em Física
APÊNDICE C – Entrevista 2: Licencianda em Física
APÊNDICE D – Entrevista 3: Bacharelando em Química
APÊNDICE E – Entrevista 4: Licenciando em Química
APÊNDICE F – Entrevista 5: Bacharelando em Biologia
APÊNDICE G – Entrevista 6: Licenciando em Biologia
114
115
125
131
140
148
155
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho situa-se na problemática do ensino das ciências naturais
de nível superior e enfoca a formação de visões de ciência e de educação nos
cursos de Licenciatura. A escolha da Licenciatura deveu-se à relevância atribuída ao
potencial multiplicador dos futuros professores na formação das visões de mundo de
outros indivíduos no contexto escolar.
Sabe-se que, de modo geral, predominou nos Cursos de Licenciatura, nos
últimos 40 ou 50 anos, o modelo caracterizado na literatura especializada como
sendo baseado na chamada “racionalidade técnica” (ALMEIDA, 2001; CHAPANI,
2008). Para Maldaner (2007), a formação de professores, nessa perspectiva, separa
“a
formação
humanística
da
formação
técnico-científica,
os
componentes
disciplinares de formação geral básica das práticas profissionais” (p.241). Também
no ensino básico, os tempos e os espaços pedagógicos das instituições escolares
estão organizados nesta racionalidade, assim como os horários dos professores e
dos alunos, os conteúdos, as avaliações.
Schnetzler (2000) e Terrazzan (2007) apontam como agravante o fato de que
os cursos universitários de Licenciatura, ainda hoje, não se desprenderam da
vinculação excessiva - e até prejudicial – de seus correspondentes cursos de
Bacharelado. A estrutura curricular das Licenciaturas atrelou à formação científica
um conjunto de disciplinas pedagógicas para tratar dos conteúdos conceituais
específicos relacionados à didática e à prática pedagógica, ou seja, conteúdos
operacionais geralmente baseados no modelo psicopedagógico da “transmissãorecepção”. Schnetzler (2000) afirma que tal conduta reforçou a concepção ingênua
de que o ato de ensinar é resumido ao domínio do conteúdo científico, o qual deve
ser transmitido através de técnicas pedagógicas treinadas. Embora haja muito que
avançar com relação à formação de professores, as pesquisas na área de Educação
em Ciências têm privilegiado esta temática, juntamente com o tema ensinoaprendizagem (CARVALHO et al, 2009). Estes enfoques sinalizam o compromisso
9
da área com o contexto da sala de aula e com a contribuição desses conhecimentos
para a formação de professores.
Para Terrazzan (2007), um rápido olhar sobre as produções dos últimos
eventos importantes e mais abrangentes na área de Educação no Brasil1 evidencia a
diversidade de pesquisas relacionadas à temática formação de professores. Há
desde estudos relacionados às concepções de professores sobre diversos assuntos
ligados à Educação (ensino/aprendizagem, ciência, avaliação, etc.), assim como
estudos sobre avaliação de intervenções planejadas em sala de aula, a partir de
metodologias e estratégias de ensino específicas, bem como estudos sobre como a
formação continuada2 pode influenciar as práticas pedagógicas de professores em
serviço. As pesquisas voltadas para as concepções de professores não
ultrapassariam a sistematização das concepções relatadas e não fomentariam
relações entre os dados obtidos com aspectos presentes ou ausentes na formação
profissional do entrevistado. As pesquisas que promovem intervenções em sala de
aula muitas vezes são realizadas com um membro do grupo de pesquisa como
agente no contexto do uso do material a ser avaliado, tendo também a participação
do professor, como colaborador da equipe de pesquisa. Já as pesquisas voltadas
para avaliar a influência de diversas fontes nas práticas pedagógicas de professores
foram consideradas frágeis quanto às afirmações encontradas nos resultados, pois
“formação continuada”, em muitos casos, foi entendida como “qualquer ação feita
envolvendo professores em serviço, ou seja, aqueles que já estão atuando em sala
de aula, independente do fato de terem ou não completado sua formação inicial”
(p.154), chegando mesmo a ações pontuais, de duração necessária para coleta de
informações para investigações, cujos resultados e conclusões nem sempre foram
retornados aos professores e escolas envolvidos. O autor percebe, então, que há
um investimento menor em estudos acadêmicos abrangentes e aprofundados sobre
1
Seu estudo cita encontros mais gerais, como as Reuniões Anuais da ANPEd (Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), o Encontro Nacional Didática e Prática de Ensino
(ENDIPE), o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), e encontros de
subáreas da Educação em Ciências, como o Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF).
2
Dentre as críticas que tece relacionadas à formação complementar ou continuada, Terrazzan (2007)
destaca que esta iniciativa, salvo raras exceções, normalmente configuram cursos de curta duração,
de caráter genérico. Segundo o autor, “dificilmente se tem registro de iniciativas nesse sentido,
voltadas exclusivamente para a formação de formadores de futuros professores” (p.149).
Considerando “o grande e diversificado universo das IES formadoras de professores, pode-se dizer
que, em geral, este aspecto nem sequer foi considerado, ou o foi de forma burocrática, apenas para
satisfazer exigências formais”.
10
formação inicial de professores e sobre impactos, limites e possibilidades de
mudanças neste setor.
Segundo Duarte et al (2009), a crítica à racionalidade técnica subjacente aos
processos formativos parece ter sido assimilada pelos pesquisadores da área de
Educação em Ciências, embora o contexto da prática docente nos cursos de
formação de professores ainda apresente dificuldades para superá-la. A prática
pedagógica com base na racionalidade técnica se resumiria ao domínio do conteúdo
específico e a técnicas didáticas específicas para facilitar o ato de ensiná-los.
Em uma análise do ensino de ciências no nível médio, Arroyo (1988) sinalizou
que, quando as disciplinas das Ciências Humanas e das Ciências Naturais/Ciências
Biológicas não são pensadas de forma integrada, caracteriza-se uma dicotomia. Tal
dicotomia torna o educando uma vítima que, ao lidar basicamente com informações
restritas às formas técnicas e empobrecidas de pensar, tem sua formação global
limitada para entender as complexas relações sociais, históricas, políticas e
culturais.
A desarticulação entre Ciências Humanas e Ciências Naturais/Ciências
Biológicas privilegia, nessa perspectiva, a aquisição de conteúdos abstratos, o que
contribui para uma limitação na educação científica frente ao cotidiano dos alunos.
Há, ainda, uma assimetria entre os saberes, segundo a qual a aprendizagem
abstrata é considerada superior ou mais “nobre” que a aprendizagem prática
(WALKERDINE, 1998 apud LEMKE, 2006). Esses são alguns dos aspectos que
podem moldar a visão de ciências dos estudantes levando, por exemplo, à
priorização da aquisição de conceitos técnicos em detrimento de uma visão crítica
sobre as questões relativas à realidade social.
Lemke (2006) também assinala que os objetivos da educação científica não
podem ser apenas técnicos, limitando-se a produzir “trabalhadores capacitados e
consumidores educados para uma economia global” (p.6), mas devem ser também o
de retirar as ciências do isolamento acadêmico, expandir o universo de ação da
aprendizagem dos estudantes nas aulas, nos laboratórios e nos ambientes virtuais,
chegando aos lugares onde se realizam atividades comunitárias. Ressalta, ainda,
que a aprendizagem ocorre através de muitos meios, merecendo destaque a
linguagem, pois é através dos sistemas semióticos que os significados de diferentes
modalidades são integrados, seja de textos escritos, imagens, narrativas ou
observações.
11
A
dicotomia
entre
as
áreas
de
Ciências
Humanas
e
Ciências
Naturais/Ciências Biológicas foi representada no termo “duas culturas”, cunhado por
Snow (1995, p.18), evidenciando a polarização entre os mundos da ciência e das
humanidades. Entretanto, o autor considera essa divisão confusa e superficial, pois
resulta de uma especialização excessiva nesses campos, a qual leva seus
componentes a criarem “imagens distorcidas” sobre os membros do campo ao qual
não pertence. Assim, os cientistas “não tomam conhecimento das dimensões
psicológicas, sociais e éticas dos problemas científicos” e os humanistas
desconsideram o “valor da pesquisa do mundo natural e suas conseqüências”
porque “não conhecem conceitos básicos da ciência”.
Além da criação das “imagens distorcidas” ou de estereótipos, há a
dificuldade de comunicação devido à excessiva especialização desses profissionais
e à visão fragmentada sobre o mundo. Segundo Snow (1995), esta dicotomia
cultural pode implicar graves conseqüências educacionais pois ao invés de “procurar
construir pontes para tornar transponível o que separa as duas culturas, eliminando
ou alterando preconceitos mútuos”, resulta em um “corporativismo acentuado e
defensivo cristalizado nas instituições”. Nossa hipótese é a de que estas “imagens
distorcidas” constroem ou consolidam visões sociais de mundo (LÖWY, 1994), que
encerram um conjunto coerente de ideias sobre sociedade, história, homem e sua
relação com a natureza. Estas visões de mundo implicam a percepção do mundo
como uma paisagem, construída pela perspectiva de quem a vê e a interpreta, e não
como uma fotografia, instantânea, uma redução do real. Desta forma, a
interpretação da realidade social e o conhecimento sobre ela produzido estariam
ligados, a uma perspectiva “global socialmente condicionada, isto é, o que Pierre
Bourdieu denomina [...] ‘as categorias de pensamento impensadas que delimitam o
pensável e predeterminam o pensamento’” (p. 14). Estas categorias servem também
de referência para a visão de ciência e de educação, que são o interesse deste
estudo.
Os cursos de graduação das ciências naturais que oferecem tanto formação
docente (Licenciatura) quanto formação para a pesquisa (Bacharelado), ao
contemplarem disciplinas das áreas das Ciências Humanas e das Ciências
Naturais/Ciências Biológicas, são contextos interessantes para se investigar o
embate entre visões de mundo e a influência da racionalidade técnica. Através dos
12
discursos dos estudantes seria possível tentar compreender os valores difundidos e
como influenciam suas percepções.
Superar a dicotomia entre as Ciências Humanas e Ciências Naturais/Ciências
Biológicas possibilitaria a compreensão e a valorização da ciência como um
empreendimento social. Segundo Krasilchik (2000), os alunos somente serão
adequadamente formados se “correlacionarem as disciplinas escolares com a
atividade científica e tecnológica e os problemas sociais contemporâneos” (p.90).
Supõe-se, assim, que a integração das ciências naturais e humanas deva ser um
caminho necessário para encontrar soluções para problemas sócio-científicos com
os quais a humanidade se defronta hoje (LEMKE, 2005).
Para compreender a formação das visões de mundo dos universitários e
nelas dimensionar o embate entre as Ciências Humanas e as Ciências
Naturais/Ciências Biológicas, supomos que dentro do espaço social tal como o
campo acadêmico, os agentes sociais (alunos e professores) não agem sob pressão
de causas, tampouco como sujeitos conscientes e conhecedores obedecendo a
razões e agindo com pleno conhecimento de causa, mas atuam dotados de um
senso prático adquirido de preferências, de estruturas cognitivas duradouras e de
esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada.
Essa disposição, ou espécie de senso prático, Bourdieu (2005) denomina de
habitus. A prática do professor (neste caso, universitário) pode ser entendida como
habitus pedagógico (PERRENOUD, 2001), que participa da regulação, organização
e legitimação do acesso diferencial aos bens culturais e que exige concepções
compartilhadas intersubjetivamente entre grupos sociais. Assim, os professores de
ciências teriam suas noções de ensino, aprendizagem e ciência convertidas em
atividades de ensino nas salas de aula e seu conhecimento profissional básico
construiria seu modelo pedagógico e seu objetivo ao ensinar uma disciplina
(ZIMMERMANN, 2000).
Nossa hipótese é a de que o habitus pedagógico dos professores dos cursos
de graduação causaria impacto na formação dos graduandos e se tornaria visível no
discurso destes. Com base nos conceitos de campo social, habitus e gênero de
discurso, pretende-se buscar, através desta pesquisa empírica, uma interpretação,
dentre as inúmeras possíveis, sobre como alunos de cursos de licenciatura em
ciências naturais de uma universidade pública federal brasileira conformam seus
discursos e visões de mundo. Espera-se encontrar marcas nos gêneros de discurso
13
dos alunos que poderão estar relacionadas às características curriculares e ao
habitus pedagógico dos professores dos diferentes cursos e que possivelmente têm
impacto sobre as várias dimensões da vida social e universitária. Diferenças, por
exemplo, ligadas à natureza da ciência e aos modelos pedagógicos vivenciados em
cada curso. Assim, supondo os cursos de graduação como campos acadêmicos,
pretende-se investigar como os discursos dos universitários sobre Ciência e sobre
Educação são conformados por diferentes habitus.
CAPÍTULO 2
QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
A perspectiva sociocultural enfatiza os movimentos discursivos e as formas
como discursos configuram a formação social e cultural nos diferentes contextos
sociais. Ao compreender a ação mental humana a partir dos processos
comunicativos, essa perspectiva torna possível problematizar a forma como
diferentes gêneros de discurso são colocados em contato a partir da interação
social.
A linguagem social, constructo teórico de Bakhtin, corresponde a um
horizonte social mais amplo do falante, ao discurso próprio de seu lugar social, que
apresenta pontos de vista específicos sobre o mundo, explicitando significados e
valores próprios ao grupo social de origem. Nos diversos meios sociais, seleciona-se
a linguagem mais apropriada para um determinado fim. Esse processo, inicialmente
inconsciente, mas que pode vir a ser consciente quando o indivíduo percebe
contradições entre as linguagens e as concepções de mundo, é parte de qualquer
fenômeno pedagógico e, portanto, comum nas práticas educativas.
Para perceber tais contradições é necessário estudar as forças que operam
de forma mais geral no nível cultural, histórico e institucional. Neste ponto, Wertsch
(1993) sinaliza que é necessária uma aproximação entre a perspectiva sociocultural
e uma orientação interdisciplinar mais ampla, como a sociologia e a antropologia,
para que se compreenda de forma mais completa o funcionamento mental e quais
são os instrumentos mediadores envolvidos em questões que são amplamente
estudadas, como, por exemplo, o primado da racionalidade que permeia as
sociedades contemporâneas.
Ao lado do conceito de racionalidade, Wertsch (1993) considera relevante o
conceito de reprodução cunhado por Bourdieu para explicar os gêneros discursivos
que conformam o discurso e o pensamento. Este conceito, muito presente nas
teorias sociais, se refere à tendência das classes sociais a reproduzirem-se a si
mesmas. Se os gêneros discursivos influenciam a visão dos sujeitos quanto às
15
hierarquias culturais e institucionais, então, na concepção de Wertsch, também
poderão apontar importantes oportunidades para uma mudança efetiva.
Tal mudança estaria relacionada à capacidade para investigar gêneros
discursivos específicos e o que estes elegem como padrões desejáveis, o que
proporcionaria
uma
ferramenta
analítica
para
compreender
os
contextos
socioculturais e os processos através dos quais ocorre a incorporação da ordem
social e dos valores dominantes. A partir do conhecimento acerca dos mecanismos
de inculcação pode-se pensar em modificar os modelos sociais considerados
indesejáveis.
O quadro teórico dessa pesquisa se espelha no caminho teórico traçado por
Wertsch (1993) para compor a perspectiva sociocultural, tentando aproximar a
filosofia da linguagem de Bakhtin à sociologia da prática de Bourdieu.
2.1 Elementos da Filosofia da Linguagem
A posição dos intelectuais bakhtinianos é a de que não há produção literária,
ou artística de modo geral, que possa escapar às influências das esferas ideológicas
(ou seja, do domínio dos signos), das transformações econômicas, do contexto
social onde foi produzida. O estudo da obra de Dostoievski realizado por Bakhtin
mostra a necessidade de, para compreender uma obra literária, ter em mente o
contexto social no qual foi produzida. Entretanto, uma obra não corresponde a uma
cópia da realidade de uma época, mas o que ocorre é uma reelaboração artística do
contexto social. A reelaboração ocorre sob a forma de polifonia, onde as idéias do
autor são colocadas em “interação dialógica”, gerando uma obra que é um produto
ideológico, mas que não é nem uma cópia da realidade, nem uma criação, e sim um
modo específico de refração da realidade social. Bakhtin e o Círculo, apesar de
influenciados por leituras sobre o marxismo, buscaram superar o determinismo que a
teoria de Marx apresenta, bem como a visão mecanicista de uma base
socioeconômica comum sobre os produtos ideológicos.
É neste sentido que a noção de esfera social emerge. Esfera social, ou
esfera da comunicação discursiva, da criatividade ideológica, da atividade humana,
da comunicação social, da utilização da língua, ou apenas ideologia: este conceito
encontra-se presente em toda a obra de Bakhtin e seu Círculo e está relacionado à
onipresença social da palavra, que encontra-se presente em todos os atos de
16
compreensão assim como em todos os atos de interpretação. Sua influência nas
diversas esferas ideológicas (ciência, religião, literatura, etc.) torna possível o estudo
da organização dessas diversas esferas.
Cada esfera apresenta uma função no conjunto da vida social, assim como
apresenta especificidades coercivas: a interação verbal só ocorre entre indivíduos
organizados; há contato entre diversos fatores comuns, dentre eles, as bases
socioeconômicas e as esferas ideológicas. A noção de esfera constitui, assim, um
construto teórico que permite pensar as especificidades das produções ideológicas como os artigos científicos, os livros didáticos, as reportagens de jornal – pois dá
conta da realidade plural da atividade humana ao mesmo tempo em que tem
entendimento sobre a linguagem verbal humana.
Esferas ideológicas são conceitos que permitem identificar, com base na
linguagem verbal, questões sobre a realidade plural da atividade humana. Tal
diversidade condiciona o modo de apreensão e de transmissão do discurso alheio,
assim como a caracterização dos enunciados e de seus gêneros. A dificuldade de
teorizar os gêneros do discurso é associada, dentre outros, à grande diversidade
decorrente da complexidade das esferas da atividade humana.
Grillo (2006) afirma que a importância da noção de esfera encontra-se
relacionada à compreensão da natureza e da classificação dos gêneros, que são os
tipos estáveis de enunciados. A noção de esfera permeia, então, a caracterização do
enunciado e de seus gêneros no que diz respeito ao tema, à sua relação com os
elos precedentes (enunciados anteriores) e com os elos subseqüentes (a atitude
responsiva dos co-enunciadores). Para um estudo produtivo sobre o diálogo, Bakhtin
(2004) sugere uma investigação das formas usadas na citação do discurso, pois
estas formas refletem tendências básicas e constantes da recepção ativa do
discurso de outrem, e essa recepção é fundamental para o diálogo. Temos, então, o
estudo da linguagem a partir de um ponto de vista dialético, onde a essência é o
fenômeno social da interação verbal, e o diálogo é uma das formas mais importantes
desta interação verbal, de qualquer tipo que seja, não apenas da comunicação face
a face.
A enunciação, o ato da fala, é de natureza social pois é o resultado de dois
indivíduos socialmente organizados. Tal afirmação não se restringe apenas à prática
cotidiana do diálogo, mas também ao dialogismo (o diálogo entre discursos), à
construção do enunciado falado ou escrito, em conversas cotidianas ou presente
17
nas escritas científicas, etc. Enunciar é, portanto, dar vida à palavra, é deslocá-la da
posição de sinal para a de signo. Como signo, a palavra é determinada pelas
relações sociais e orientada pelo contexto, pressupondo uma audiência socialmente
organizada por regras e costumes próprios: o locutor seleciona a palavra (ou a
oração) de um estoque social para dirigi-la a um interlocutor (ou a uma plateia), que
pode ou não ser real. A comunicação verbal encontra-se necessariamente vinculada
à situação concreta e “[...] entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de
comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção
[...]” (BAKHTIN, 2004, p.124).
As enunciações são consideradas as unidades da cadeia verbal, isto é, da
comunicação discursiva: o enunciado é um elo na cadeia da comunicação
discursiva, não podendo ser separado dos elos precedentes que o determinam. O
processo de fala não tem início ou fim, mas pode-se identificar seus limites: o início
e o fim da enunciação, a primeira e a última palavra, delimitando a alternância dos
falantes. Deste modo é possível tomar as enunciações como unidades da análise da
cadeia verbal.
Cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, os gêneros de discurso. Estes são caracterizados pelos contextos
nos quais são utilizados, como se no comportamento característico do grupo, se nos
jargões profissionais, se na linguagem de autoridades de um círculo. Teremos tantos
gêneros de discurso quantas forem as possibilidades da atividade humana.
A fala é organizada através de gêneros de discurso, os quais se dispõem em
variedade para o uso do falante. Este pode adotar um gênero ou outro, ou combinálos, acrescentando ainda, uma entonação expressiva que demonstra sua vontade
discursiva. Considera-se que a expressividade está no enunciado, e não na palavra
ou na oração, e que o juízo de valor e a emoção só surgem no processo do emprego
da palavra em um enunciado. Cada enunciado apresenta diferentes atitudes
responsivas a outros enunciados da esfera da comunicação discursiva onde o
falante se encontra, o que gera respostas, concordâncias, polêmicas, ponderações e
acréscimo de entonação expressiva. Em cada enunciado encontram-se enunciados
anteriores, opiniões de interlocutores, visões de mundo e teorias. A atitude
responsiva de um enunciado liga-o aos enunciados precedentes e também aos
subseqüentes. Estas conexões conferem aos enunciados o caráter dialógico.
18
As relações dialógicas de um enunciado são polifônicas, ou seja, amplas,
complexas, repleta de diferentes vozes e consciências, diversificadas, cheias de
possibilidades verbais, e tais elementos não são necessariamente do diálogo ou das
réplicas entre falantes/interlocutores, mas podem ser anônimas, distantes no tempo
e no espaço, impessoais. Não há palavras neutras, sem aspirações, avaliações ou
vozes de outros. O conceito de dialogismo também apresenta a noção de vozes,
que se enfrentam em um mesmo enunciado, e que representam os diversos
elementos históricos, sociais e lingüísticos da enunciação.
2.2 Elementos da Sociologia da Prática
Bourdieu constrói uma teoria para compreender a ordem social (sua
estruturação e a ordenação das práticas sociais), onde não há espaço para as
perspectivas subjetivistas ou para as objetivistas. Segundo Nogueira e Nogueira
(2002, 2004), Bourdieu desconsidera o subjetivismo quando admite que a ordem
social não é resultado da consciência e da intenção da ação individual. Assim, rejeita
a ilusão do primado da excessiva autonomia. Tampouco considera a ordem social
como uma realidade externa que molda, de modo inflexível, as ações individuais,
reduzindo a ação a um caráter socialmente condicionado de comportamentos e
atitudes individuais. A prática, no objetivismo, seria a execução de regras já dadas,
não cabendo espaço para estudar a forma como estas regras sociais são produzidas
e reproduzidas.
Como alternativa, Bourdieu propôs uma teoria da prática, calcada nos
conceitos de habitus, espaço social, campo e capital - econômico, social, cultural e
simbólico. Estes são os instrumentos conceituais para compreender a mediação
entre estrutura e prática: o “conhecimento praxiológico” (NOGUEIRA e NOGUEIRA,
2004, p.26) de sua teoria não apenas identificaria estruturas objetivas externas aos
indivíduos, mas possibilitaria investigar como tais estruturas encontram-se
interiorizadas, formando um conjunto estável de disposições que estruturam, por sua
vez, as práticas dos indivíduos.
O conceito de habitus pode ser entendido como a mediação entre a
dimensão objetiva e a dimensão subjetiva do mundo social, ou seja, a mediação
entre a estrutura e a prática. É como uma matriz, determinada pela posição social do
indivíduo, que compõe um sistema de disposições estruturadas de acordo com seu
19
meio social. As disposições para pensar, ver e agir em diferentes situações
funcionariam como “estruturas estruturantes”. Ou, nas palavras de Bourdieu (2005,
pp.21-22),
[...] o espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de
tomadas de posição pela intermediação do espaço de disposições
(ou do habitus) [...] A cada classe de posições corresponde uma
classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos condicionamentos
sociais associados à condição correspondente e, pela intermediação
desses habitus e de suas capacidades geradoras, um conjunto
sistemático de bens e de propriedades, vinculadas entre si por uma
afinidade de estilo [...] O habitus é esse princípio gerador e
unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais
de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um
conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas. [...]
Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e
distintivas [...] mas são também esquemas classificatórios, princípios
de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes.
O habitus não é um conjunto inflexível de regras, mas sim um princípio
gerador que possui uma dimensão dialética: é constituído por disposições gerais
(resultantes da incorporação da estrutura social e da posição social de origem
interiorizadas), que precisam ser adaptadas pelos sujeitos no momento específico
de suas ações. As práticas sociais apresentariam propriedades relacionadas à
posição social de quem as produziu, pois a própria subjetividade dos indivíduos
(forma de perceber o mundo, preferências, aspirações) seria previamente
estruturada em relação ao momento da ação. As situações concretas de ação são
sempre diferentes daquelas nas quais o habitus foi formado, mas os sujeitos têm
nele
uma
referência
da
posição
social
do
seu
grupo
de
origem
e,
conseqüentemente, uma leitura específica da estrutura e da ordem social. O habitus
então traduz estilos de vida, julgamentos morais e políticos, valores estéticos e
também é um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais
ou coletivas.
Com base no conceito de habitus, Bourdieu dá conta de teorizar sobre uma
estrutura social objetiva, onde há variadas relações de luta e de dominação entre as
classes sociais, sem que os sujeitos participantes destes atos tenham plena
consciência de suas ações cotidianas. O exercício do poder, o pertencimento a uma
classe ou grupo social, a dominação simbólica e até econômica podem ser atos não
intencionais: a hierarquia das posições sociais, bem como suas típicas estratégias
20
de ação e reprodução, crenças e preferências, vinculadas a uma determinada
posição social de origem, são incorporadas de forma que se tornam parte da
natureza do sujeito. Os sujeitos agiriam tal como aprenderam ao longo da sua
socialização, a partir de uma posição social específica, e imprimiriam em suas ações
um sentido objetivo que ultrapassaria o sentido subjetivo consciente, percebido e
intencionado.
Lahire (2002) considera o conceito de habitus uma ferramenta teórica que
permite apreender o social sob sua forma incorporada, ou seja, o que o mundo
social deixa em cada um de nós, como um “sistema transferível de disposições
socialmente constituídas” (p.45). E é através deste conceito que as bases do mito da
liberdade individual foram abaladas.
As
estruturas sociais,
na
perspectiva bourdieusiana,
não
produzem
comportamentos de forma mecânica: o sujeito não seria diretamente conduzido em
uma determinada direção que seu grupo social determinasse, mas o pertencimento
a um grupo social e as características da realidade social na qual esse sujeito foi
socializado, lhe fornecem um conjunto específico de disposições para a ação, que o
orientam nas diferentes situações sociais, ao longo de sua vida.
A análise de Bourdieu sobre a realidade social privilegia o papel da dimensão
simbólica ou cultural (religião, arte, ciência, língua, moral) na produção e reprodução
da vida social. As produções simbólicas são capazes de estruturar (organizar) a
percepção dos indivíduos e favorecer a comunicação entre os agentes sociais que
compartilham tais estruturas.
Estas produções simbólicas são artefatos na manutenção e legitimação das
estruturas de dominação social, pois reproduzem as estruturas de dominação social,
mas o faz de forma indireta. Os sistemas simbólicos são produzidos por um grupo e
apropriados por um campo, isto é, um “sistema” ou um “espaço” estruturado de
posições sociais onde um determinado tipo de bem é produzido, consumido e
classificado. No interior destes campos da realidade social, diferentes agentes
ocupam diversas posições. Os indivíduos envolvidos lutam, então, pelo controle da
produção e, sobretudo, para ter o direito legítimo de classificar e hierarquizar os
bens produzidos (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p. 36). As lutas ocorrem também
no sentido de apropriação de um capital específico do campo (monopolizar o capital
específico legítimo) e/ou da redefinição deste capital, já que o capital é distribuído de
21
forma desigual dentro do campo, determinando dominantes (aqueles que o possuem
em maior quantidade) e dominados (LAHIRE, 2002, p.47).
Dentro do campo, normalmente, as posições dominantes já estão ocupadas,
restando aos agentes que nelas se encontram, conscientemente ou não, adotar
estratégias para manter a estrutura tal como ela se encontra. Aqueles que ocupam
posições inferiores no interior do campo (indivíduos e/ou instituições) podem aceitar
a estrutura hierárquica, restando-lhes reconhecer sua inferioridade, realizar um
esforço de aproximação aos padrões dominantes, ou, ainda, contestar as estruturas
hierárquicas vigentes (“movimentos heréticos” ou subversivos).
A partir do conceito de campo social, Bourdieu constrói o conceito de campo
científico como o lugar onde ocorrem as disputas entre agentes que desejam
posições hierárquicas que lhes permitam falar e agir legitimamente em assuntos
científicos. Percebe-se, assim, que cada campo de produção simbólica é um espaço
de disputas entre dominantes e aspirantes ao poder: a lógica de mercado, que
permeia todo tipo de produção, encontra-se presente também no campo “da ciência
que, sem ser submetida a uma clientela direta, confronta-se com os desafios da
concorrência interna, entre pesquisadores” (VASCONCELLOS, 2002, p.82). Este é o
cenário no qual são produzidos e reproduzidos os critérios de classificação cultural,
onde os padrões são estabelecidos para designar o que é cultura dominante e o que
será considerado como produção inferior. O que é considerado naturalmente ou
objetivamente superior exerce, sobre os demais, a violência simbólica, a imposição
dissimulada de uma cultura dominante como sendo o referencial de verdadeira
cultura, a “violência que extorque submissões que sequer são percebidas como tais”
(BOURDIEU, 2005, p.171).
O princípio de inteligibilidade que orienta o conjunto de reflexões de Bourdieu
em “A Reprodução” (1975) é o da relação entre o sistema de ensino e a estrutura
das relações entre as classes (p.11). A noção de arbitrário cultural aponta que
nenhuma cultura pode ser definida de forma objetiva e universal como superior a
qualquer outra. Apesar de arbitrários, a cultura e os valores que orientam
determinados grupos seriam vividos como os únicos legítimos, a ponto de
constituírem a cultura consagrada e transmitida pela escola.
Os indivíduos que compartilham a cultura dominada, vulgar, podem adotar
duas estratégias: tentar se apropriar da cultura dominante ou se contrapor à
hierarquia vigente para reverter esta posição ocupada pela cultura “superior”. Deve-
22
se ressaltar, ainda, que o conjunto da sociedade (formada pelos indivíduos cujos
bens culturais são considerados dominantes e por aqueles cuja cultura é
subordinada) curiosamente, desconhece o caráter arbitrário e imposto do padrão
estabelecido como referencial – a correspondência entre as classes sociais e as
formas culturais não são percebidas facilmente.
As hierarquias culturais reforçam, reproduzem e legitimam as hierarquias
sociais, isto é, a divisão e a diferença entre grupos, classes e frações de classe
dominantes e dominados. As hierarquias culturais classificariam os indivíduos
segundo o tipo de bem cultural que produzem, consomem e apreciam, distinguindoos dos demais, socialmente inferiorizados por não compartilhar tais valores. Desta
forma, a hierarquia entre bens simbólicos constitui uma base importante para
hierarquizar indivíduos e grupos sociais. Os sistemas simbólicos (ou sistemas
culturais) moldam as formas de percepção e representação da realidade, produzem
e reproduzem as estruturas sociais.
Para Bourdieu, segundo Nogueira e Nogueira (2004, p. 46),
essa transfiguração das hierarquias sociais em hierarquias
simbólicas permitiria a legitimação ou justificação das diferenças e
hierarquias sociais. Ela permite, por um lado, que o indivíduo que
ocupa as posições sociais mais elevadas se sinta merecedor de sua
posição social. Esse indivíduo tende a acreditar que sua posição
social não se deve a uma estrutura de dominação, mas que, ao
contrário, se justifica por suas qualidades culturais intrinsecamente
superiores [...]
Dentre os bens simbólicos, encontra-se a cultura escolar, moldada de acordo
com a cultura que se pretende manter como dominante, definindo as posições
sociais futuras dos indivíduos no mercado de trabalho e nos postos de comando. As
hierarquias simbólicas reforçam, assim, a estrutura de dominação social: restringem
a mobilidade social dos indivíduos, pois não são todos que compartilham os códigos
e os valores difundidos nas instituições escolares, ou seja, não são todos que
herdam o capital cultural que favoreça o investimento no campo da educação. O
sucesso e o fracasso escolar, então, correspondem à reprodução eufemizada e
dissimulada da estrutura social, uma versão da luta de classes.
O modo como as variadas formas de poder encontram-se distribuídas na
sociedade definem a estrutura social. Bourdieu (2005, pp.28-29) considera que a
noção de espaço social
23
contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo
social: ela afirma, de fato, que toda a “realidade” que designa reside
na exterioridade mútua dos elementos que a compõem. Os seres
aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de indivíduos quer de
grupos, existem e subsistem na e pela diferença, isto é, enquanto
ocupam posições relativas em um espaço de relações que, ainda
que invisível e sempre difícil de expressar empiricamente, é a
realidade mais real [...] e o princípio real dos comportamentos dos
indivíduos e dos grupos.
Bourdieu (2005) utiliza a noção de espaço social para apreender o caráter
multidimensional da realidade social: considera que o espaço social envolve a ideia
de diferenciação, de separação e de proximidade. É construído de “modo que os
agentes ou os grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas distribuições
estatísticas de acordo com dois princípios de diferenciação [...] o capital econômico
e o capital cultural” (p.19). O capital econômico corresponde aos bens materiais
propriamente ditos; o capital cultural é como uma herança invisível a olho nu: a
inserção na cultura escolar de modo que possibilite o indivíduo a prosseguir em seu
“destino” escolar.
Os
indivíduos
ocupam,
na
estrutura
social,
posições
diferenciadas
relacionadas ao volume e à natureza de seus recursos, os quais podem ser
herdados ou adquiridos em suas trajetórias de vida. Para realizar uma análise mais
minuciosa, deve-se considerar a influência do capital social e do capital simbólico. O
capital social corresponde ao conjunto de relações sociais mantidas por um
indivíduo (parentesco, amigos, contatos profissionais), relações que podem trazer
benefícios materiais ou simbólicos (como prestígio por circular em meios sociais
dominantes). Já o capital simbólico diz respeito à forma como os demais percebem
o indivíduo, ao seu prestígio ou à sua reputação num campo específico ou na
sociedade, em geral. Esta percepção pode estar relacionada à posse dos demais
tipos de capitais, mas este fato não constitui uma regra.
Estes recursos seriam investidos em diferentes mercados, como o
escolar, econômico, matrimonial, cultural, dentre outros, de modo a
serem ampliados e acumulados. Quanto maior o volume possuído e
investido, maior a possibilidade de um bom retorno, tal como na
lógica do campo econômico. Mas diferente do mercado financeiro,
as decisões tomadas com estes capitais não ocorrem de forma
plenamente consciente, com base em cálculos racionais. Os grupos
sociais têm conhecimento sobre os investimentos possíveis de
24
serem feitos em sua realidade social concreta e buscam as
melhores estratégias de ação, as quais são aquelas mais seguras e
rentáveis. As melhores estratégias seriam adotadas pelos grupos e
incorporadas como parte do seu habitus. Os indivíduos são agentes
que atuam e que sabem, dotados de um senso prático [...], de um
sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de
divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas
cognitivas duradouras (que são essencialmente produto da
incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que
orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O habitus
é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em uma dada
situação [...], arte de antecipar o futuro do jogo inscrito, em esboço,
no estado atual do jogo [...] Essa é uma das mediações através das
quais o sucesso escolar – e social – se vincula à origem social
(BOURDIEU, 2005, p.42).
2.3 Reprodução e o Campo Educacional
Até meados do século passado, predominava nas Ciências Sociais e no
senso comum uma visão funcionalista que, de acordo com Nogueira e Nogueira
(2002), atribuía à escolarização o papel central no processo de superação do atraso
econômico, do autoritarismo e dos privilégios relacionados às sociedades
tradicionais. Através da escolarização seria possível construir uma sociedade justa
(meritocrática), moderna (centrada na razão e nos conhecimentos científicos) e
democrática (fundamentada na autonomia individual). A escola pública e gratuita
resolveria o problema do acesso à educação, o que garantiria a igualdade de
oportunidades entre os cidadãos: os indivíduos competiriam, em condições de
igualdade, dentro do sistema de ensino. Aqueles que se destacassem por seus dons
seriam
justamente
levados
a avançar
em carreiras
escolares,
ocupando
posteriormente posições superiores na hierarquia social. Neste contexto, a escola
seria uma instituição neutra, difusora do conhecimento racional e objetivo, que
selecionaria os melhores a partir de critérios racionais.
Entretanto, nos anos 60, esta concepção de escola é abalada por uma
profunda crise, o que irrompe numa releitura pessimista do papel dos sistemas de
ensino na sociedade. Dois momentos podem ser considerados importantes nesta
nova interpretação sobre a educação. O primeiro se deu no final dos anos 50,
quando uma série de grandes pesquisas quantitativas patrocinadas pelos governos
inglês, francês e estadunidense1 mostrou claramente a influência da origem social
sobre o destino escolar. Os resultados não provocaram contestações imediatas
1
Seriam eles: Aritmética Política inglesa, Relatório Coleman – EUA, Estudos do INED - França
25
acerca da perspectiva funcionalista, pois foram vistos como indicadores de
problemas passageiros do sistema de ensino, que poderiam ser ajustados através
de maiores investimentos. Mas, a médio prazo, desgastaram a propagada ideia
acerca da igualdade de oportunidades resguardada pela escola. O segundo
momento ocorreu nos anos 60, quando a massificação do ensino gerou efeitos
inesperados, como a frustração de obter um certificado escolar cujo retorno social e
econômico no mercado de trabalho é baixo: a massificação do ensino e a
desvalorização dos títulos escolares cessaram as expectativas de mobilidade social
através da escola.
Uma nova interpretação da escola e da educação com base naqueles dados
surgiu com Bourdieu (1975), que apontou a forte relação entre desempenho escolar
e origem social, o que se tornou a sustentação de sua nova teoria. A perspectiva
sobre a educação é totalmente invertida: ao invés de ser o local de transformação e
democratização das sociedades, a instituição escolar (inclusive a universidade)
passa a ser considerada como um dos principais lócus que contribui para a
manutenção e a legitimação de privilégios sociais.
Bourdieu nega o caráter autônomo do sujeito individual e considera a
caracterização do indivíduo como relacionada à sua bagagem socialmente herdada,
bagagem esta que inclui: o capital econômico e os bens e serviços que ele dá
acesso; o capital social, ou seja, o conjunto de relacionamentos sociais influentes
mantidos pela família; o capital cultural, formado principalmente por títulos de
escolaridade.
A herança cultural familiar pode ser (e normalmente é) posta a serviço do
sucesso escolar: para Bourdieu, o capital cultural é o elemento que tem o maior
impacto no destino escolar dos sujeitos. Esse é um diferencial de sua teoria sobre
Educação: ressalta o fator cultural e atribui a este maior importância, em relação ao
fator econômico, nas explicações sobre as desigualdades escolares.
Para o sociólogo, o capital cultural facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e
dos códigos veiculados pela escola, favorecendo o desempenho escolar daqueles
cujo meio familiar compartilha dos mesmos valores.
A visão de mundo, os conhecimentos considerados legítimos, o domínio da
norma culta da língua, por exemplo, potencializariam a ação pedagógica, tornando
mais íntima a cultura escolar. O exame escolar encontra-se além da avaliação das
26
aprendizagens: inclui um julgamento cultural, estético e até moral dos alunos. Ele
não é apenas
a expressão mais legível dos valores escolares e das escolhas
implícitas do sistema de ensino: na medida em que ele impõe como
digna da sanção universitária uma definição social do conhecimento
e da maneira de manifestá-lo, oferece um de seus instrumentos
mais eficazes ao empreendimento de inculcação da cultura
dominante e do valor dessa cultura (BOURDIEU, 1975, p.153).
Há, também, o capital de informações sobre a estrutura e os modos de
funcionamento do sistema de ensino, “uma das mediações através das quais o
sucesso escolar – e social – se vincula à origem social” (BOURDIEU, 2005, p. 42).
Desta forma, são estabelecidas as hierarquias, mais ou menos sutis, que distinguem
os ramos escolares sob o ponto de vista do prestígio, qualidade acadêmica e retorno
financeiro, conhecimentos estes que ajudarão os pais a traçar estratégias para
orientar a trajetória escolar de seus filhos. Vê-se, assim, a importância do capital
social para o acúmulo de capital cultural.
De acordo com o conceito de habitus, cada grupo social sabe sobre as formas
mais apropriadas de ação através dos seus conhecimentos práticos (não totalmente
conscientes) construídos através do acúmulo histórico de experiências de êxito e
fracasso. Os grupos, então, aprendem sobre aquilo que estaria ou não ao alcance
de seus membros, de acordo com a sua realidade social, internalizando suas
chances de acesso aos bens simbólicos e materiais, transformando as condições
objetivas em esperanças subjetivas. E, de acordo com a posição do grupo no
espaço social e com o acúmulo de capitais que possua, as estratégias são
reconhecidas como mais ou menos seguras, viáveis, potencialmente rentáveis ou
arriscadas.
Ao aplicar tal linha de raciocínio no campo da educação, percebe-se que os
grupos sociais, com base nas experiências anteriores de sucesso e fracasso de
seus membros no sistema escolar, traçam estimativas de chances de sucesso para
pensar o investimento no universo escolar. Serão investidos mais ou menos
recursos, tempo e energia na educação dos filhos conforme as probabilidades de
êxito dos mesmos. Este investimento pode ter o retorno não apenas no mercado de
trabalho, mas em diferentes mercados simbólicos, como o matrimonial.
Outro fator importante que influencia este tipo de investimento seria o grau em
que a reprodução social depende do sucesso escolar, ou seja, o quanto a
27
escolarização dos membros de um grupo social favorecerá a manutenção da
posição da estrutura ou promoverá sua ascensão social – por exemplo, as elites
econômicas não necessitam de investimento maciço em certificação escolar, ao
contrário da classe média, que depende da escolarização para manter sua posição
social.
Como no campo econômico, a ampliação ao acesso a um título escolar leva à
tendência
de
sua
desvalorização:
a
massificação
dos
diplomas
e
sua
correspondente perda de valor foi denominada por Bourdieu de “inflação de títulos
escolares”. O retorno que um diploma passa a oferecer depende, também, da
relação entre o campo escolar e o campo econômico, fator este que determina a
correspondência entre o diploma e o posto profissional do indivíduo.
O crescimento das taxas de escolarização e sua ampliação a novas clientelas
acirram a concorrência entre os grupos sociais na posse do capital escolar e cultural.
A principal conseqüência disso reside no que Bourdieu chamou de “translação global
das distâncias”, processo pelo qual
os antigos detentores desses bens tenderão a deslocar suas
estratégias escolares seja em direção a níveis cada vez mais altos
do sistema escolar (estudos de graduação, pós-graduação, etc.),
seja em direção a estabelecimentos, ramos de ensino ou tipos de
escolarização mais seletivos ou mais raros (estabelecimentos de
excelência, escolas internacionais ou bilíngues, estudos no exterior,
por exemplo), dos quais procuram deter a exclusividade (NOGUEIRA
e NOGUEIRA, 2004, p. 66).
Com base em constatações estatísticas, Bourdieu formulou a “lei do
rendimento diferencial do diploma”, para explicar como um mesmo diploma, no
mercado de trabalho, dá aos jovens com origem social mais elevada melhor
rendimento. Por essa lei, o valor do certificado escolar depende, em parte, do grupo
social e de como o indivíduo tira proveito desse título: os benefícios podem ser
maximizados como, por exemplo, quando filhos de profissionais liberais (advogados,
médicos), ao se formarem nas mesmas profissões dos pais, recebem os contatos
profissionais, clientela e ambiente de trabalho, além do sobrenome ligado à área de
atuação, como capital simbólico.
As estratégias escolares recobrem um campo vasto voltado à produção de
agentes sociais capazes e dignos de receberem a herança do grupo. Dentre as
28
estratégias educativas, Bourdieu considera como sendo a mais dissimulada a
transmissão doméstica do capital cultural, que assegura maior rendimento escolar,
ponto onde polemiza com economistas que difundem a idéia que o investimento
monetário é o mais importante para sucesso na escolarização.
Para melhor compreender o papel da escola e o trabalho pedagógico por ela
desenvolvido, Bourdieu remete-se ao sistema das relações entre classes, negando o
caráter neutro da instituição, que transmitiria uma forma de conhecimento superior
aos outros conhecimentos. Afirma que a instituição escolar dissimula a seleção
social sob a forma de seleção técnica e legitima a reprodução das hierarquias
sociais ao transmutá-las em hierarquias escolares (BOURDIEU, 1975, p.163)
Mesmo arbitrários, estes valores sustentados pelas classes dominantes são
vividos como naturais, legítimos, tornando-se parâmetros para todos os grupos
sociais, como ocorre com a cultura escolar. Bourdieu (1999a) é contrário à tradição
positivista que “permanece filiada no essencial à ideologia romântica do gênio
criador como individualidade única e insubstituível” (p.183). Em “A Reprodução”,
escrito com Jean Claude Passeron, seus trabalhos voltados ao ensino universitário
põem em dúvida as firmes ideias sobre a ideologia republicana sobre a igualdade de
oportunidades e a importância do sistema escolar como garantia de igualdade social
a todos. “É o próprio fundamento da sociedade meritocrática que eles criticam e o
sistema de ensino considerado como a ponta de lança dessa ideologia”
(VASCONCELLOS, 2002, p.79). Ao romper com as explicações baseadas em
aptidões naturais e individuais, ao criticar o mito do ‘dom’, Bourdieu ressalta as
condições sociais e culturais que sustentaram esse mito:
é provável, por um efeito de inércia cultural, que continuamos
tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social,
segundo a ideologia da “escola libertadora”, quando, ao contrário,
tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de
conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às
desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social
tratado como dom natural (BOURDIEU, 1998, apud CATANI, 2002,
p.66).
A autoridade pedagógica e a legitimação da instituição escolar somente
ocorrem graças à ocultação do caráter arbitrário da cultura escolar, a qual precisa
ser apresentada como uma “cultura neutra”, não vinculada a qualquer classe social,
para exercer as funções de reprodução e legitimação das desigualdades sociais.
29
Tratar a todos como iguais em seus direitos e deveres escamoteia as desigualdades
pré-existentes advindas da herança familiar, cujos valores são privilegiados na
escola, o que favorece aos membros de setores sociais específicos.
A escola, ao dissimular que sua cultura é uma cultura das classes
dominantes, dissimula também as causas do sucesso ou fracasso escolar: atribui os
resultados observados nos alunos dos diferentes segmentos sociais às diferentes
capacidades individuais – o mérito do sucesso, assim como o do fracasso escolar,
pertence ao aluno, ou pela sua inferioridade intelectual (pouca inteligência) ou moral
(falta de vontade, de empenho). Aqueles alunos que dominam os códigos
lingüísticos utilizados pela cultura escolar – os mesmos alunos que herdam uma
cultura familiar própria das classes dominantes - tenderiam a alcançar êxito escolar
“naturalmente”. Instaura-se, desta forma, uma
amnésia da gênese que se exprime na ilusão ingênua do “sempreassim”, assim como nos usos substancialistas da noção de
inconsciente cultural, pode conduzir a eternizar e com isso, a
“naturalizar” as relações significantes que são o produto da história
(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p.23).
É através da noção de “violência simbólica” que o autor desvenda o
mecanismo que torna possível ver como “natural” as ideias sociais dominantes. O
maior exercício da violência simbólica é, portanto, o reconhecimento da
superioridade e da legitimidade da cultura dominante. Mas a reprodução das
desigualdades sociais presente na escola não seria resultado apenas da ausência
de uma bagagem cultural que facilitaria a recepção da mensagem pedagógica: para
o sociólogo, a escola confirma, valoriza e cobra também um modo específico de se
relacionar com a cultura e com o saber. Dentre as categorias analíticas de Bourdieu
para dar conta das desigualdades sociais relacionadas à escolarização, está a
noção de “relação com a cultura”.
A sociedade produz, e a escola reproduz uma oposição entre dois diferentes
modos de agir, de acordo com a origem social dos indivíduos: o modo aristocrático,
marcado pela intimidade e familiaridade com a cultura legítima, próprio dos grupos
dominantes e o modo próprio dos grupos dominados, cuja relação com as obras da
cultura dominante torna-se árdua, tensa, desajeitada e embaraçosa. O que originará
30
uma ou outra atitude é o modo como a cultura foi adquirida, se por “familiarização
insensível” ou se por “inculcação escolar”.
A “familiarização insensível” é aquela mais precoce e impregnada nas
experiências primeiras dos indivíduos e que influenciam extremamente as
experiências escolares posteriores. A intimidade com a cultura e com a linguagem
somente seria máxima e duradoura quando encarnada no sujeito na forma do
habitus. A “inculcação escolar” é mais tardia e acelerada, própria das camadas
desfavorecidas.
A avaliação escolar não apenas exige o domínio do conteúdo por parte do
aluno, mas também a intimidade entre o saber e a cultura, algo que os alunos
membros das classes dominantes podem oferecer. A naturalidade e desenvoltura
em relação aos conteúdos aparecem como algo natural do indivíduo, e não como
algo socialmente herdado. Ao ressaltar que a cultura escolar está relacionada à
cultura dominante, a teoria de Bourdieu abre caminho para uma análise crítica do
currículo, dos métodos pedagógicos e da avaliação escolar. Torna-se claro, na teoria
bourdieusiana, que a função do exame é mais social (classificação e hierarquização
social dos indivíduos) que técnica (classificação escolar de alunos), onde há grande
peso da herança de capital cultural: neste ciclo, as vantagens sociais são
convertidas em vantagens escolares e estas são reconvertidas em vantagens
sociais.
Há, entretanto, outro elemento que contribui para a reprodução da ordem
estabelecida:
a reprodução da estrutura das relações de classe, a mobilidade dos
indivíduos pode concorrer para a conservação dessas relações,
garantindo a estabilidade social pela seleção controlada de um
número limitado de indivíduos, ademais modificados por e pela
ascensão individual, e dando assim a credibilidade à ideologia da
mobilidade social que encontra sua forma realizada na ideologia
escolar da Escola libertadora (BOURDIEU, 1975, p.176).
Os conteúdos escolares seriam selecionados de acordo com os interesses,
valores e conhecimentos eleitos pelas classes dominantes. Não podem, portanto,
ser entendidos e analisados sem considerar outros critérios de diferenciação social.
Os prestígios das disciplinas acadêmicas encontram-se igualmente associados à
maior ou menor afinidade com as habilidades valorizadas pela elite cultural: a
estratificação dos saberes escolares promove, em todos os graus de ensino, “uma
31
hierarquia entre as disciplinas ou matérias de ensino, que vai das disciplinas
‘canônicas’ (as mais valorizadas) até as disciplinas ‘marginais’ (as mais
desvalorizadas), passando pelas disciplinas ‘secundárias’ que ocupam posição
intermediária” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p. 94-95). O princípio organizador
desta hierarquia estaria ligado à cultura: encontram-se no topo da instituição escolar
as disciplinas mais teóricas, formalizadas e abstratas; aquelas disciplinas mais
práticas e técnicas, ou seja, que exigem maior esforço escolar, possuem menor
valor.
2.4 O Habitus Pedagógico do Professor das Ciências Naturais
A formação de professores de ciências deve compreender a prática
educacional como um fenômeno sociocultural, onde a singularidade das relações
humanas e as incertezas dos momentos vivenciados escapam a qualquer
previsibilidade. À medida que avança o debate sobre como promover uma melhora
na qualidade educativa, constata-se a necessidade de superar visões simplistas
relacionadas às questões da formação e atualização de professores, isto é, a
formação inicial e continuada destes.
Perrenoud (2001) se baseia no conceito bourdieusiano de habitus para refletir
sobre os saberes formais de professores e sobre a ação pedagógica. Mesmo
considerando que o habitus pedagógico é formado nas instituições educativas, à
revelia da sua intencionalidade, discute possibilidades de formação e transformação
do habitus dos professores. O autor parte, então, da ideia de que o habitus medeia
costumes,
gestos,
atos
observáveis,
e
também
percepções
e
emoções,
influenciando o funcionamento psíquico no tratamento de informações, na análise de
situações, nas tomadas de decisão a partir da ajuda de esquemas de pensamento
previamente incorporados pelos agentes. Os esquemas são uma base para que o
sujeito possa coordenar suas ações às demandas que lhe são impostas em uma
dada situação.
O habitus pedagógico, então, traduziria a capacidade que os professores tem
de operar numa rotina econômica frente às emergências do dia a dia. Em toda ação
complexa, seja em situação de emergência ou numa rotina, lidamos com
informações, representações, conhecimentos pessoais e saberes sociais para criar,
registrar, comparar, comunicar e analisar informações e saberes – e é o habitus
32
quem governa estes tratamentos. Perrenoud (2001) propõe que é possível
desenvolver estratégias para que o professor tome conhecimento sobre seu habitus
pedagógico e possa transformar seus esquemas de percepção, de pensamento, de
avaliação, de tomada de decisão, de ação. Considera importante que a formação de
professores ofereça mecanismos para formar um habitus profissional consciente,
embora reconheça que o habitus é uma realidade manifestada através do currículo
visível ou através do currículo oculto das instituições educativas. Entende-se por
currículo oculto os saberes do cotidiano escolar que a escola não explicita.
Identificar este currículo silenciado, que vive escondido na rotina cotidiana da escola,
pode gerar desconforto tanto para o pesquisador quanto para a instituição, já que
evidenciaria fatores que comprometeriam a imagem que os responsáveis pelas
instituições escolares, incluindo os professores, tem e fazem de si.
Além dos saberes declarados no programa, os alunos aprendem, em seu
cotidiano escolar, comportamentos disseminados pela rotina, ou seja, pelo currículo
oculto. Podem, então, oscilar desde a aceitação, com a execução dócil das
atividades, à rejeição dessas imposições, recusando-se a reproduzi-las e a participar
da dinâmica imposta na sala de aula. Os casos de recusa são ocasionais,
normalmente identificados como “alunos problema” já que a resistência costuma ser
caracterizada como um desvio comportamental, sendo dificilmente interpretada
como uma reação ou defesa em relação ao sistema escolar.
A rotina escolar teria como objetivo viabilizar a aprendizagem e garantir o
controle das aquisições dos conhecimentos selecionados como relevantes à
manutenção da cultura. O uso de tarefas curtas e padronizadas é privilegiado no
sistema escolar, com instruções conhecidas o suficiente para garantir e manter a
ordem e a tranquilidade do professor ao executar seu papel de educador.
Grande parte das atividades escolares é imposta pelo professor e, em muitos
casos, o trabalho é aceito apenas para assegurar vantagens ou evitar embates.
Aproxima-se, assim, das tarefas profissionais cumpridas sem alegria e sem
motivação pessoal por parte dos trabalhadores, mas que, num primeiro momento,
garante a aprovação e, talvez em longo prazo, sucesso escolar. Para Valle (2008), o
currículo oculto é, ainda, fruto de uma concepção de inteligência que faz com que os
indivíduos aprendam a considerar “normal” o fato de, a todo o momento, serem
comparados e classificados. Aprendem, ainda, que é pelo trabalho individual e pela
competição que a inteligência se revela.
33
Sendo
assim,
as
instituições
educativas,
a
partir
de
seu
próprio
funcionamento, formam e transformam o habitus “através do exercício do ofício de
aluno ou de estudante e da individualização espontânea dos percursos de formação”
(PERRENOUD, 2001, p.162). Apesar de considerar que o habitus é formado
independente da vontade dos sujeitos, seja através do currículo oculto, da
socialização no interior da escola, durante os estágios na formação inicial ou nos
primeiros anos de prática profissional, Perrenoud (2001) discute a possibilidade de
uma formação deliberada do habitus profissional, que não nos interessa aqui. Neste
projeto, o conceito de habitus pedagógico é importante para entendermos como é
constituída a prática dos professores nos diferentes cursos de graduação e suas
conseqüências para a formação dos graduandos.
Moraes e Abib (2009) afirmam que as crenças que os licenciandos trazem
acerca do papel do professor, do papel do aluno, sobre avaliação, aprendizagem e
ensino de ciências moldam suas percepções, principalmente durante o início da
graduação e durante suas primeiras práticas docentes, relacionadas aos estágios
curriculares. Deste modo, torna-se necessário não apenas entender quais
conhecimentos os professores utilizam ao ensinar, mas também buscar crenças,
experiências e vivências que apóiem sua forma de ensinar, considerando que estas
não só ocorrem no nível individual, mas estão relacionadas ao contexto no qual o
indivíduo encontra-se inserido.
Diferentes autores fundamentam suas reflexões sobre a formação de
professores sustentados por diferentes racionalidades, como a racionalidade
instrumental ou técnica, onde o caráter estritamente tecnicista da educação sustenta
uma didática instrumental. Há outras visões como, por exemplo, o seu oposto, a
epistemologia da prática profissional (TARDIF, 2000 apud DUARTE et al, 2009), que
tem por finalidade revelar quais saberes estão relacionados aos conhecimentos, às
competências, às habilidades, às atitudes, isto é, “saber, saber-fazer e saber-ser”.
Há ainda a racionalidade crítica (CONTRERAS, 2002 apud DUARTE et al, 2009),
que acrescenta um viés crítico ao contexto onde a ação educativa ocorre e propõe
que os professores questionem suas concepções de sociedade, escola e ensino de
modo a promover uma transformação em suas práticas sociais. Pereira (1999 apud
LEAL e FONTINELES, 2006), ao analisar os modelos de formação docente no
Brasil, contrapõe o modelo da racionalidade técnica ao modelo da racionalidade
prática, no qual a teoria (disciplinas teóricas) e a prática (prática docente) são
34
norteadoras na formação do educador e devem ser abordadas numa relação
simultânea, preferencialmente desde o início dos cursos de formação.
Vários estudos na área de ensino de ciências assumem a relação entre os
modelos epistemológicos dos professores como uma matriz para a compreensão de
suas visões sobre o processo de aprendizagem e os fatores que influenciam suas
formas de ensino. Pecharromán e Pozo (2006) pontuam que há um a priori que
medeia as pessoas em suas interações físicas e sociais e que constrói suas teorias
implícitas ou “intuitivas” sobre diversos domínios. Desta forma, os professores
constroem toda uma epistemologia implícita a partir de sua vivência na organização
educacional, desde o momento que se torna aluno, a qual se reflete em suas
práticas de ensino. Para Zimmermann (2000), os professores constroem seus
modelos de pedagogia a partir do conhecimento profissional básico, que incluiria
conhecimento curricular, disciplinar e pedagógico e que seria evidentemente
influenciado pelo modelo de natureza da ciência assumido pelo professor. Para a
autora, a expectativa do professor quanto ao modo como seus alunos aprendem
influencia sua prática tanto quanto sua visão sobre a produção do conhecimento
científico.
Porlán e Rivero (1998) e Zimmermann (2000) afirmam que as concepções
dos professores sobre a natureza da ciência condicionam e influenciam sua
atividade docente: a idéia dos professores sobre como o conhecimento científico é
construído coincide com suas ideias sobre como os alunos aprendem ciências, o
que condicionaria sua prática pedagógica.
Porlán et al (1998), através de extensa revisão de literatura, afirmam que os
professores transmitem uma imagem deformada do conhecimento e do trabalho
científico, com pouca relação com os enfoques tratados pela epistemologia. Esta
imagem deformada desenha a ciência como algo acabado, certo, racional e
verdadeiro, em constante avanço linear, sendo os cientistas seres de inteligência
superior, infalíveis em suas especialidades.
Lederman (1992 apud PORLÁN et al, 1998) mostrou, através de revisão, que
há uma tendência predominante entre professores jovens e estudantes de
licenciatura à visão positivista (empirista-indutivista) da ciência. Pope e Scott (1983),
também citados pelos autores, apontam que tanto os conteúdos quanto os métodos
de ensino selecionados favorecem nos alunos uma visão cumulativa e objetiva
acerca do conhecimento científico e uma visão indutivista da metodologia científica.
35
Haggerty e Linder (1990 apud PORLÁN et al, 1998) realizaram uma pesquisa,
através de questionário aberto sobre ciência, ensino e aprendizagem, com 74
estudantes de licenciatura da área de ciências. A análise qualitativa das respostas
revelou uma diversidade de concepções sobre ciência, sendo a visão empirista
majoritária entre os respondentes. Os autores distinguiram várias concepções de
ciência: a ingênua, que entende a ciência como um conjunto de explicações e
observações sobre como e porque os fenômenos acontecem; a experimental
indutiva, cujo conhecimento provém da observação e da experimentação;
experimental “falsacionista”, ou refutadora, onde o experimento tem por finalidade
falsear as teorias; a que reduz a ciência a uma atividade tecnológica para melhorar a
qualidade de vida; e, finalmente, uma concepção de ciência como baseada em três
fases, o desenvolvimento, a comprovação e a aceitação de teorias pela comunidade
científica.
Sobre as concepções de ensino, praticamente não houve variações: o
professor foi considerado como fonte de conhecimentos, sendo o ensino uma
transmissão de conteúdos; tais conteúdos devem ser guiados pelo professor através
de atividades que possibilitem facilitar sua compreensão. Quanto à aprendizagem, a
concepção do aluno como “tábula rasa” apareceu como resposta dominante,
juntamente com as concepções de que a aprendizagem deve dar sentido, em função
das informações já existentes, às novas informações transmitidas e a de que a
aprendizagem é uma resposta afetiva.
Gimeno (1988 apud PORLÁN et al, 1998) afirma que o que é chamado de
“epistemologia implícita” do professor a respeito do conhecimento é uma parte
relevante de seus conhecimentos e se configura ao longo de sua experiência na
formação inicial tanto como aluno como quanto aprendiz de professor. Haveria,
desta
forma,
uma
cadeia
de sucessivos
reforços
sobre
as
concepções
epistemológicas manifestadas pelos professores, representada pela sedimentação
de saberes ao longo de sua formação, constituindo a base de seus valores sobre
ciência, conhecimento, cultura e atitudes.
Acerca da imagem da ciência, Porlán et al (1998) afirmam que o predomínio
em professores em exercício é do empirismo, enquanto os futuros professores
tendem a apresentar maior diversidade de concepções. A tendência empirista é
caracterizada pelos seguintes princípios: (i) o princípio da neutralidade e
autenticidade do conhecimento científico, afirmação que localiza o conhecimento na
36
realidade, sendo a ciência um reflexo dele (realismo). Para se chegar a este
conhecimento, há um método único e universal, sem interferências de critérios
subjetivos (objetivismo). Este método parte da observação, criação de hipóteses,
experimentação, teorização (indutivismo); (ii) o princípio da veracidade do
conhecimento científico, que, ao ser obtido empiricamente, apresenta valor absoluto
e universal; (iii) o princípio da superioridade do conhecimento científico, um certo
“autoritarismo epistemológico” (p.279) principalmente em relação às ciências
experimentais; nesta visão, o conhecimento subjetivo e cotidiano é tido como de
menor valor.
Porlán e Rivero (1998) relacionam as teorias epistemológicas e o
conhecimento escolar. A proposta dos autores foi a de estudar as concepções
científicas e didáticas dos professores através da aplicação do “Inventario de
Creencias Pedagógicas y Científicas”, com uma amostra de 158 professores em
exercício e 131 estudantes de licenciatura da área de ciências.
As categorias relativas à imagem da ciência são apresentadas a partir de
três concepções acerca do conhecimento científico: o racionalismo, segundo o qual
o conhecimento é um produto da mente humana, gerado através da razão e do rigor
lógico. O conhecimento, nesta concepção, encontra-se fora da realidade e da
percepção, pois os sentidos tendem a deformar as observações, comprometendo as
informações que poderiam se originar de práticas empíricas. Este posicionamento
epistemológico tem perdido influência social frente ao empirismo; o empirismo, que
atribui à observação a possibilidade de chegar ao conhecimento objetivo e
verdadeiro, através do método indutivo. O conhecimento assim obtido representaria
a realidade (realismo); e o relativismo, que desenha a ciência como uma atividade
condicionada histórica e socialmente, conduzida por cientistas que se utilizariam de
diferentes metodologias e, através destas, construiriam conhecimento sabidamente
temporal e relativo, que se modifica e se desenvolve permanentemente. Os
cientistas seriam, coletivamente, críticos e seletivos, apesar de serem indivíduos.
As categorias relativas às concepções didáticas delimitam três tendências
predominantes de visões acerca do processo de ensino: o modelo tradicional, cujo
foco seria a transmissão direta de conteúdos prontos aos alunos e segundo o qual
basta que o professor domine o conteúdo e que tenha algumas características
pessoais favoráveis para ser capaz de ensinar; o modelo tecnológico, que concebe
o ensino sob a perspectiva da racionalidade técnica. Nesta perspectiva, há
37
conhecimentos
específicos de didática que devem estabelecer normas
e
procedimentos técnicos que garantam uma prática pedagógica eficaz. O papel do
professor seria, então, o de aplicar as técnicas prescritas em suas aulas a partir de
uma programação prévia rigorosa acerca dos objetivos previstos em planos de aula
fechados, cujas atividades já estariam selecionadas de forma a garantir a
aprendizagem; o modelo relativo prega que os conteúdos científicos não são a
única fonte de conhecimento escolar, sendo necessária uma concepção mais aberta
e flexível da programação escolar. Esta tendência mostrou-se minoritária entre os
respondentes.
Quanto à concepção de aprendizagem, três enfoques foram ressaltados: a
aprendizagem por apropriação de significados, onde o aprendiz recebe
determinados conteúdos do exterior (outra pessoa, um texto escrito, a própria
realidade). A aprendizagem de conteúdos é um processo linear no qual os
significados não são alterados e cada conceito tem uma definição possível. Aquele
que aprende ou não possui o conteúdo, ou possui um conteúdo errado; a
aprendizagem por assimilação de significados, na qual o sujeito compreende
bem os conteúdos escolares apresentados, os quais são incorporados em sua
memória acadêmica sendo, portanto, assimilados. Supõe uma disposição ativa
daquele que aprende, que deve possuir os significados acadêmicos prévios que
permitam assimilar os novos conhecimentos; a aprendizagem por construção de
significados para a qual o conhecimento é construído através de um processo no
qual indivíduo e grupo se desenvolvem progressivamente, sem estruturas rígidas de
desenvolvimento.
Porlán et al (1998) consideram, ainda, que a rigidez impregnada na visão
empirista e também na racionalista sobre a ciência é um dos maiores obstáculos
para o desenvolvimento de uma epistemologia construtivista: conceber o
conhecimento científico como algo absoluto, acabado, neutro e descontextualizado
seria um empecilho para visualizar o conhecimento escolar (e o próprio
conhecimento profissional) como algo epistemologicamente diferenciado. Entretanto,
observa-se o predomínio da concepção enciclopédica, fragmentada e simplificada
dos das disciplinas e dos conhecimentos alternativos dos alunos como “erros” que
devem ser corrigidos, não como concepções que sirvam de base para que ocorram
mudanças conceituais.
38
Mesmo que tais estudos e pesquisas não estejam diretamente relacionados
ao conceito de habitus pedagógico, consideramos que a possível relação entre os
modelos epistemológicos e pedagógicos e a interação de ambos gera diferentes
práticas pedagógicas e que, portanto, constitui parte importante do habitus
pedagógico dos professores das ciências naturais.
Schnetzler (2000) afirma que na literatura disponível na área de Educação em
Ciências sobre formação docente dos últimos 30 anos há muitas constatações
acerca da má formação dos professores em todos os níveis de ensino,
principalmente quando a formação universitária encontra-se baseada no modelo de
superestimar as disciplinas do bacharelado, consideradas de maior prestígio
acadêmico e científico, e renegar as disciplinas pedagógicas a uma inclusão na
grade curricular no “modelo três mais um”, ou seja, três anos de disciplinas do
bacharelado, com conteúdo científico, e um de disciplinas pedagógicas. Este modelo
pode ser explicado pela tradição histórica e valores que condicionam e perpetuam
as comunidades científicas.
Segundo Serra [s.d.], a formação atual de pesquisadores nas áreas de Física,
Química ou Biologia dirige-se essencialmente ao desenvolvimento de capacidades
técnicas, experimentais ou de cálculo, visando produzir resultados. Parece haver
uma incompatibilidade entre a aquisição de conhecimentos de outras áreas e as da
própria disciplina, seja na graduação ou, até mesmo, na pós-graduação. Este fato
estaria relacionado ao fenômeno da excessiva especialização, mas seria uma
característica da “cultura científica”, a qual limitaria os cientistas dentro da própria
ciência, priorizando sua capacidade para resolver problemas de investigação
relacionados
à sua especialidade.
No caso
da
“cultura
humanística”,
a
especialização, segundo a autora, alargaria os horizontes culturais nas áreas de
Filosofia ou Literatura, ao invés de restringi-los, mas também representaria
limitações no caso da Psicologia, da História ou da Sociologia, por exemplo, devido
à necessidade de produzir resultados generalizáveis e/ou sobre grandes
populações, levando os especialistas destas áreas a buscar mais dados empíricos e
correlações, como um reflexo da redução da ciência a um “conjunto de resultados”.
A separação entre as formas de conhecimento é um dos componentes que
divorciaram as “duas culturas”: a “cultura científica”, ligada às ciências exatas, é
frequentemente relacionada à capacidades técnicas, reduzindo os saberes da área
ao conhecimento técnico, aos resultados “úteis” e à importância econômica da
39
tecnociência; já os intelectuais literários afirmam que os cientistas são ignorantes em
relação à cultura tradicional e erudita. A aplicabilidade da ciência no cotidiano acirra
este confronto de valores: Serra [s.d.] afirma que a distinção entre as “duas culturas”
é ainda mais marcante nos dias atuais que na época que Snow assinalou sua
existência, em 1959, chegando a haver afirmações injustamente simplistas do tipo “o
trabalho em ciências humanas resulta em palavreado sem sentido” ou “o trabalho
em ciências exatas é feito por analfabetos altamente qualificados”.
Segundo Löwy (1994), há modelos distintos de perspectivas metodológicas
para a construção de conhecimento, um que seria próprio das ciências humanas e
outro das ciências naturais. A proposta deste autor concebe a metodologia própria
das ciências humanas sem importar métodos das ciências naturais. Assim, seria um
equívoco tomar a neutralidade como valor científico universal e importá-la para as
ciências humanas, pois tal ação ignoraria, ou até negaria, o “condicionamento
histórico social do conhecimento” (p.18): a relação entre conhecimento científico e
classes sociais seria negligenciada e a própria ciência social apareceria livre dos
vínculos sociais do teórico e/ou pesquisador.
Para Löwy (1994), o ideal epistemológico de uma “ciência livre de ideologias,
julgamentos
de
valor
ou
pressuposições
políticas,
isto
é,
uma
ciência
axiologicamente neutra” é possível, até certo ponto, corresponder “à realidade das
ciências da natureza” (pp.198-199). Segundo o autor, as ciências ditas exatas
podem ser consideradas neutras em relação ao seu “valor cognitivo”, isto é, aos
seus conceitos teóricos e metodologias de pesquisa, mas não nega que condições e
grupos sociais determinam “tudo o que se encontra antes e depois da pesquisa
propriamente dita” (p.199). Assim, as negociações entre pesquisadores são
anteriores ou posteriores ao conteúdo científico, mas seu valor cognitivo não seria
socialmente determinado.
O positivismo, ao homogeneizar as ciências humanas e as naturais e pregar a
existência de um só método científico e um modelo de objetividade, negaria a
diferença qualitativa relacionada ao papel, à importância e à significação de visões
de mundo nas ciências humanas e nas ciências naturais. A especificidade
metodológica das ciências humanas estaria fundamentada no caráter histórico, ou
seja, na compreensão dos fenômenos sociais, enquanto que a as ciências naturais
estariam ligadas à explicação dos fenômenos por ela estudados. O autor ressalta
que nas ciências sociais, as opções ideológicas encontram-se relacionadas à própria
40
escolha e delimitação dos objetos de pesquisa, assim como a argumentação
científica adotada pelos estudiosos. Aplicar, no domínio das ciências humanas ou
das ciências sociais, o modelo de objetividade científico natural seria uma ilusão ou
mistificação: as visões sociais de mundo que permeiam os cientistas sociais são
fatores inerentes à seleção do objeto, escolha de referencial teórico-metodológico,
além de influenciar na análise e interpretação dos dados relacionados aos
fenômenos sociais estudados. Ou seja, tal como no conceito de habitus de Bourdieu,
Löwy afirma, em seu conceito de visão social de mundo, que há certa regularidade
de acordo com os grupos sociais, um estilo de pensamento socialmente
condicionado que prescreve para as ciências humanas, características específicas
distintas das que constituem as ciências naturais.
Por conta dessas diferenças é que Maldaner e Schnetzler (1998) alertam para
o fato de que a formação de professores de ciências baseada na convicção de que
uma boa formação científica prepara bons educadores é responsável pela falta de
sucesso nas licenciaturas. Em contrapartida, em relação à formação pedagógica,
apontam a falta de clareza dos alunos das licenciaturas em ciências em relação a
conteúdos como didática, práticas pedagógicas, psicologia, sociologia e afins. Desta
forma, encontramos duas instâncias acadêmicas, uma com “bases científicas” e
outra com “bases pedagógicas”, impedindo que os cursos de formação de
professores sejam pensados como um “todo”.
A concepção de habitus pedagógico nos ajuda a perceber que a prática
pedagógica, as ações de ensino e de avaliação não estão apenas sob controle dos
saberes formais, mas aparecem igualmente na complexidade das ações humanas
compreendendo as histórias pessoais, as relações, os gostos, os afetos. As ações
voltadas para o ensino e para a aprendizagem são diferenciadas “em cada campo
do saber erudito, no interior de cada didática de uma disciplina”, onde há lugar para
a manifestação de suas faces mais ocultas. A relação entre professor e aluno com o
saber, o erro, a incerteza, a diversidade de pontos de vista, a argumentação, a
informação mobiliza diferentes “lógicas naturais”, particulares em cada sujeito que
age, bem como mobiliza outros esquemas relacionados a saberes não privilegiados
durante a formação pedagógica, como saber um pouco mais sobre si e suas
próprias limitações, sobre como analisar a própria história de vida a partir do ponto
de vista da teoria bourdieusiana para interpretar sua posição dentro do campo e sua
trajetória profissional (PERRENOUD, 2001).
41
Deste modo, as histórias pessoais e os valores parecem influenciar os
saberes e as atitudes que os educadores manifestam em suas práticas. Assim, o ato
de ensinar é permeado de saberes outros que não os científicos, mas que orientam
as ações dos educadores e servem de base para as suas concepções de ensino e
de aprendizagem em ciências. Os significados de ações expressivas manifestadas
pelos futuros professores, como gestos e atitudes verbais e simbólicas, também
encontram-se sob o peso da realidade cultural onde o agente está inserido.
2.5 Aproximação entre Bakhtin e Bourdieu
As obras de Bourdieu e de Bakhtin e seu Círculo são caracterizadas por Grillo
(2006) como sendo formadas por uma complexa e potente malha conceitual. Ambos
os autores mostraram-se contrários tanto ao subjetivismo quanto ao objetivismo: em
suas novas formulações teóricas, preocuparam-se em forjar teorias onde fossem
redimensionados a inserção da ordem social, da história, da linguagem, do sujeito.
Aproximam-se, ainda, na afirmação de que os sujeitos são constituídos do social
para o individual. As diferenças entre as especificidades dos objetos de investigação
dos dois pensadores, bem como das diferenças decorrentes do contexto social e
histórico de ambos quando produziram suas teorias, não impedem a aproximação
teórica entre estes autores.
Bakhtin e seu Círculo, na construção de seu método sociológico para estudar
a linguagem, se contrapõem ao subjetivismo, onde o psiquismo individual é tido
como fonte da língua e, por priorizar os fatores psicológicos, a linguagem passa a
ser vista como expressão de particularidades do sujeito. Bourdieu também se
posicionou contra o subjetivismo: os indivíduos pouco refletiriam sobre a ordem
social que reproduzem e que os produzem, ao mesmo tempo, pois estariam
inseridos na prática, nas ações cotidianas que são, muitas vezes, irreflexivas, e nos
costumes, que muitas vezes se impõem sobre os indivíduos de forma irresistível, até
mesmo em seus gestos e corpos.
Ambos teóricos são contrários a uma concepção de sujeito com consciência
livre, auto reflexiva e criadora, pensamentos próprios do subjetivismo, mas também
são contrários a uma concepção de língua e de sociedade como sistemas sem
sujeitos, conforme a visão do objetivismo, linha predominante nas Ciências
Humanas na época em que formularam suas obras. Para Bakhtin (2004), o
42
objetivismo tem como base o racionalismo cartesiano e a ênfase recai na relação de
signo para signo dentro de um sistema fechado, não há interesse na relação do
signo com a realidade por ele refletida ou com o indivíduo que o origina. O interesse
recai na lógica interna do próprio sistema de signos, o qual é considerado sem
qualquer referência às significações ideológicas ligadas a ele, e o ponto de vista do
receptor é considerado, “mas nunca o do locutor enquanto sujeito que exprime sua
vida interior” (p.83).
Bourdieu estudou a relação entre estruturas sociais e formação da
subjetividade a partir de críticas ao estruturalismo tanto na Antropologia quanto na
Sociologia, tecendo os conceitos de habitus e sentido prático para que o sujeito e
seu contexto social e histórico aparecessem como elementos das formações sociais,
sem desconsiderar as coerções sociais, mas evitando reduzir os agentes históricos
ao papel de “suporte” das estruturas sociais.
Bakhtin e o Círculo construíram, a partir da interação entre diferentes
domínios das Ciências Humanas (lingüística, sociologia, filosofia, estética, dentre
outras áreas), uma teoria com natureza interdisciplinar que permite, sem seccionar a
compreensão, elaborar questões e caminhos de pesquisa em diferentes disciplinas
acadêmicas. Para o estudo da linguagem, privilegiaram sua natureza social e
localizaram na interação verbal o espaço de constituição e existência da língua:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2004, p.123).
O conceito de interação verbal corresponde a uma opção às perspectivas
subjetivista e objetivista para o estudo do diálogo. Segundo os teóricos bakhtinianos,
a interação verbal encara a enunciação individual como um fenômeno puramente
sociológico. O conceito guarda relação com os principais aspectos da teoria
dialógica da linguagem, como “a relação do enunciado com o contexto social
imediato e amplo, o modo de constituição da subjetividade na inter-subjetividade e a
delimitação do conteúdo temático” (GRILLO, 2006, p.138). Entende-se enunciação
como “o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo
43
que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante
médio do grupo social ao qual pertence o locutor” (BAKHTIN, 2004, p.112).
É importante lembrar que, para Bakhtin, a palavra é um fenômeno ideológico
por excelência, considerada como um material privilegiado de comunicação na vida
cotidiana e, a partir deste contexto, ocorrem as interações e o compartilhamento de
ideias, opiniões, crenças e concepções. A interação ocorre entre indivíduos
organizados socialmente e que estão envoltos em condições sócio-históricas de
duas ordens: primeiramente, ordens imediatas e, em segundo lugar, pelo meio social
mais amplo. Nas ordens imediatas aparece aquilo que é compartilhado pelos coenunciadores, seus conhecimentos, a compreensão e a avaliação que fazem sobre
a situação. O meio social mais amplo é definido pela especificidade de cada esfera
da produção ideológica (ciência, literatura, religião, etc.) e por temas recorrentes no
meio social em razão da linguagem verbal presente em toda parte e da relação que
as esferas ideológicas estabelecem com a ideologia cotidiana.
A consciência individual é organizada através de materiais semióticos, ou
seja, é constituída através das interações verbais realizadas com o meio social. Os
signos, uma vez “dentro” do indivíduo, não serão replicados, mas assumirão
significação diferente, pois encontram-se em um novo contexto vivencial. Entretanto,
o que é expresso pelo indivíduo já é dialogicamente orientado, é o manifesto das
condições sociais e históricas relacionadas à existência dos sujeitos. A orientação
ideológica da consciência individual está relacionada às dimensões sociais
anteriormente descritas (as condições sócio-históricas das ordens imediatas e do
meio social mais amplo).
A distinção entre significação e tema constitui outra questão delicada
relacionada ao sentido dos enunciados e, de acordo com Bakhtin (2004), o problema
da significação é um dos mais difíceis da lingüística. A significação é definida pelos
elementos estáveis e repetidos do sistema lingüístico.
Bakhtin e o grupo chamam o sentido da enunciação completa de tema. O
tema da enunciação, assim como a própria enunciação, é individual e se apresenta
como a expressão de uma situação histórica concreta que originou a enunciação – é
determinado pelas formas lingüísticas da composição (palavras, sons, entonação) e
também por elementos não verbais do contexto. Caso os elementos da situação não
sejam delimitados, a compreensão da enunciação é comprometida como se as
44
palavras mais importantes não tivessem sido registradas. O tema, por ser concreto,
singular, determinado social e historicamente, é irredutível a uma análise totalizante.
O tema incorpora o caráter ativo da compreensão de um enunciado, e
“compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela”, ou
seja, o processo interpretativo do locutor está relacionado à sua capacidade de
dialogar com o enunciado através da inserção deste em um novo universo pessoal –
“a cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos
corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica” (BAKHTIN,
2004, p.132).
As palavras usadas na fala real possuem, além do tema e da significação no
sentido objetivo, um “acento de valor ou apreciativo”, manifesto comumente pela
entoação expressiva. As entoações são, portanto, determinadas pela situação
social imediata onde ocorre a conversa e exprimem as apreciações dos
interlocutores envolvidos.
Tanto a obra de Bourdieu quanto a de Bakhtin e seu círculo partiram de
pontos importantes em comum: questionaram o subjetivismo e o objetivismo,
colocaram o sujeito como um agente com constituição sócio-histórica - constituição
esta que não pode ser o resultado de um determinismo mecânico da estrutura,
tampouco fruto de uma individualidade livre de coerções e autoconsciente. A
constituição dos sujeitos ocorre do sentido social para o individual, pela incorporação
de disposições originadas através de regularidades objetivas, situadas na lógica de
um determinado campo (família, classe social, ciência, religião, etc.) e que, ao
mesmo tempo, são redimensionadas de acordo com a trajetória do indivíduo, bem
como da posição que ele ocupa na esfera/no campo.
A aproximação entre os conceitos de habitus e gênero de discurso é
elaborada teoricamente por Hanks (2008), que postula que as regras de organização
discursiva são parte do habitus lingüístico que os atores sociais trazem para o
interior de suas falas, isto é, “os gêneros discursivos convencionais são parte do
habitus lingüístico que os sujeitos sociais trazem para seu discurso” (p.109). Estes
gêneros são, também, produzidos em diversas circunstâncias locais e tornam-se
parte da naturalização da experiência social quando vistos a partir da perspectiva da
prática.
Como já explicitado anteriormente, os indivíduos, segundo Bourdieu, são
formados pela incorporação das disposições produzidas por regularidades objetivas,
45
as quais estão situadas em um determinado campo, como o científico, o religioso, o
familiar, a classe social, etc. Estas disposições são redimensionadas em razão da
trajetória individual e da posição que sujeito ocupa nesse campo. O sentido prático é
produzido a partir da relação entre as condições sociais onde se constitui um habitus
e as condições onde ele é operado pelos sujeitos “pegos na urgência de agir”. A
linguagem da prática de Bourdieu tem como foco objetos inacabados, processos de
construção, articulação de redes e tipos de reflexividade.
Retomemos o conceito de habitus: sua estabilidade, a regularidade que
apresenta e a incorporação das orientações socialmente direcionadas que regulam
as perspectivas individuais ao longo dos eventos socialmente definidos, ficam
impressos não apenas nos usos mentais, mas também nos usos corporais dos
agentes. Em termos lingüísticos, o habitus está relacionado à definição social do
falante, mental e fisicamente, aos modos rotineiros de falar, seus gestos e
expressões corporais, assim como às perspectivas inculcadas pelas práticas
referenciais cotidianas da língua. Do ponto de vista lingüístico, o habitus
corresponde à formação social dos falantes, à disposição para determinados tipos
de uso lingüístico, às avaliações com base em valores socialmente internalizados e
inclui, ainda, a incorporação da expressão, do gesto e da postura à produção da
fala. Sendo uma teoria da prática aplicada à linguagem, as regularidades de uso
podem ser explicadas por disposições e esquemas incorporados, que não são
seguidos ou obedecidos, e sim são atualizados no discurso. Como o habitus não
pode emergir do nada, tampouco se atualizaria no vácuo, cabe aqui a ideia de
campo, no qual o habitus emerge na interação entre indivíduos e campo (HANKS,
2008).
A relação hierárquica dentro de um campo é estabelecida através da
apropriação do gênero discursivo que circula no campo: há nuances que percorrem
desde os gêneros que melhor representam o campo até aqueles que estão às suas
margens e, também deste modo, é possível medir a gradação do prestígio do
agente. Ainda pode-se medir o valor do gênero pelas características de seu público
alvo, como é o caso de revistas científicas conceituadas internacionalmente - ou
não. No caso do campo científico, vê-se o crescimento de manuais e regras para
codificar os gêneros produzidos, tornando o domínio de tais códigos indispensável
para o êxito. Os campos produzem, ainda, uma linguagem própria para nomear e
caracterizar os agentes e seus produtos. Tal linguagem organiza os esquemas de
46
classificação e, dentro da lógica interna do campo, determinam os modos de
percepção e as estruturas hierárquicas.
O campo apresenta em seu interior uma forma de organização dinâmica, não
uma estrutura fixa: as posições, definidas por oposição, correspondem à
manifestação do pensamento relacional de Bourdieu. E como as posições em um
campo são relacionadas por oposição, os agentes inseridos no campo relacionamse através de competição e disputa. Os valores que circulam no campo incluem
elementos como prestígio, reconhecimento dos pares e autoridade, e também
riqueza material e capital. A produção da fala e do discurso também são formas de
delimitar espaço dentro dos campos sociais, de modo que os falantes buscam
trajetos por cujo percurso tenham acesso a diversos valores. Neste movimento, os
falantes são constituídos pelo campo, o qual se torna um elemento de formação que
modela o indivíduo através do habitus. Conforme afirma Hanks (2008), descrever um
fenômeno social como o campo significa prestar atenção em algumas de suas
características, como o espaço de posições, o processo histórico de sua ocupação,
os valores em jogo, as trajetórias de carreiras dos agentes e o habitus assumido
pelo engajamento no campo. Ao perseguir determinada finalidade, o agente entra
em disputas lingüísticas mediante o uso de recursos discursivos que estejam de
acordo com normas estabelecidas, de acordo com as crenças que fundamentam tal
disputa e de acordo com os interesses específicos que estiverem em jogo.
Os campos são delimitados por restrições sobre quem pode nele entrar e em
que posição. Tal delimitação é evidente nos ambientes institucionais, que orienta as
hierarquias através de certificados, treinamentos, seleções competitivas, pois a ideia
é justamente a de que não haja limite ao seu redor, mas que o acesso a ele seja
sempre seletivo e diferenciado. Neste sentido, o processo histórico de formação do
campo é acompanhado por uma reflexão sobre as obras e os gêneros de discurso
nele produzidos: é necessário conhecer o gênero de um determinado campo para
nele se inserir, ou seja, é necessário conhecer o tipo de discurso ou de agrupamento
de discursos cabíveis em uma determinada situação. Hanks (2008, p.49-50)
considera que
o acesso à língua padrão através da educação fornece o acesso aos
lugares de poder no qual ela é empregada. O processo completo
constitui um tipo de dominação simbólica no qual as variantes nãopadrão são suprimidas e aqueles que as falam são excluídos ou
levados a aceitar essa exclusão. Assim, os indivíduos adquirem a
47
disposição para aquiescerem à variante padrão como uma questão
de interesse próprio porque ela dá acesso ao poder. Por meio disso,
eles mantêm o sistema de dominação, da mesma forma que os
competidores em um campo mantêm a disputa em que competem.
Estratégias discursivas voltadas para garantir objetivos implicam a
harmonização das demandas do campo, e com isso firmam o campo
com suas hierarquias. O resultado é que a hierarquia social,
baseada no acesso ao poder, é transposta para uma hierarquia
estilística, baseada na associação de diferentes estilos verbais,
registros ou variedades com diferentes posições.
A partir do momento que a teoria da prática divide a língua em variedades
sociais, passa a distinguir diferentes gêneros discursivos. Hanks (2008) entende por
gênero os tipos de prática discursiva historicamente específicas, relativamente
estáveis, que correspondem a diferentes posições nos campos sociais. Este autor
propõe “uma síntese entre a ‘poética sociológica’ de Bakhtin e a teoria da prática de
Bourdieu” (p.69) e considera esta síntese válida para a análise de produção
discursiva devido à compatibilidade entre os dois autores “sobre a relação entre
formas simbólicas e ação social”.
Os atores sociais tornam-se cúmplices das relações de poder às quais sua
linguagem é incorporada: o poder é simbólico, invisível, que somente pode ser
exercido a partir da cumplicidade daqueles que a ele estão submetidos e, ainda,
daqueles que o exercem. Tal cumplicidade encontra-se na prática, não sendo
explicada por acobertamento consciente, mas através das relações estruturais entre
os sistemas semióticos, inclusive a língua, o habitus e o campo. A competência para
usar a norma padrão é uma forma de capital simbólico, normalmente visto a partir do
valor da “fala refinada” ou “apropriada”, embora seja um poder determinado pelas
relações de poder, e não pela língua.
Esta circularidade é difícil de ser percebida por aqueles envolvidos porque os
sistemas de distinção, incluindo a língua, são apresentados aos sujeitos como
naturais. Na prática cotidiana, os falantes assumem tacitamente os sistemas de
diferenciação e de divisão. As diferenças hierarquizadas parecem autoevidentes e a
incorporação destes valores torna-se algo óbvio. Tal naturalidade é ilusória e só se
torna camuflada através do mecanismo de mascaramento–apagamento. Este
produz a inconsciência no uso da língua por ser o efeito social através do qual as
diferenças de poder e as regras do jogo são apagadas pela prática e pelas ideias
explicativas sobre o uso da língua: a elegância, a clareza ou a eficácia na fala, tudo
48
o que é valorizado, o é porque atende às demandas do campo. A convenção
herdada, relacionada ao poder, forja um produtor mais eficaz e melhor sintonizado
com o próprio campo. Há, ainda, o falante que se censura (assume não poder
pertencer ao campo) ou que busca se encaixar ao campo por aceitá-lo como
legítimo. Quando sua fala é podada por ele mesmo ou pelo outro, sem que isto lhe
cause estranheza, temos a violência simbólica como recurso de mascaramento.
A padronização e a hierarquização de estilos e de gêneros dão origem ao que
Bourdieu denomina legitimação e autorização, que delimitam como a língua é
avaliada socialmente. A legitimidade, imposta pela educação formal, refere-se a
determinados modos de falar e de escrever reconhecidos como uma norma a partir
da qual as demais variedades devem ser avaliadas. As variedades que fogem ao
padrão são reconhecidas como consequências inevitáveis das diferenças sociais.
Segundo Hanks (2008), o falante obtém o efeito de oficialidade a partir do campo, e
não a partir da língua. Produzir uma língua oficial é valer-se de campo social como
autoridade e, ao fazê-lo, reforçar a própria autoridade.
Os gêneros de discurso são elementos historicamente específicos da prática
social e encontram-se vinculados a atos comunicativos situados, podendo ser
definidos como convenções e ideais historicamente específicos a partir dos quais os
autores produzem discurso e as audiências os recebem. O gênero é, então, um tipo
de discurso ou um agrupamento de discursos em uma dada situação, onde
aparecem temas específicos e, nesta perspectiva, Hanks (2008) afirma que os
gêneros consistem quadros de orientação, procedimentos interpretativos e conjuntos
de expectativas que não pertencem à estrutura do discurso, mas às maneiras pelas
quais os atores sociais se relacionam com a língua.
CAPÍTULO 3
PERCURSOS DA PESQUISA E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
3.1 Objetivo
A partir da perspectiva sociocultural, tal como foi articulada no capítulo
anterior, pretende-se investigar os gêneros de discurso de estudantes de diferentes
cursos universitários de graduação em ciências naturais e supondo sua relação com
o habitus pedagógico vivenciado por eles nos diferentes contextos, inferir sobre
como essa vivência conforma suas visões de ciência, a percepção das culturas
científica e humanística e suas visões do ensino e aprendizagem.
3.2 Sujeitos da Pesquisa
Foram entrevistados seis estudantes da área de ciências naturais de uma
mesma instituição pública federal de ensino superior, considerada de grande porte
pelo seu número de professores e estudantes, e reconhecida por sua excelência em
pesquisa e ensino. Estes alunos encontravam-se matriculados nos dois últimos
períodos de seus respectivos cursos: Bacharelado em Física, Licenciatura em
Física, Bacharelado em Química, Licenciatura em Química, Bacharelado em Biologia
e Licenciatura em Biologia. Pressupomos que, ao final do curso: (i) os alunos
estariam inseridos socioculturalmente em suas respectivas graduações e teriam
incorporado as regularidades objetivas próprias de seu campo (no caso, próprias de
cada curso de graduação, em usa modalidade específica – bacharelado ou
licenciatura); (ii) os alunos compartilhariam o habitus pedagógico específico de cada
curso devido ao maior tempo de exposição e vivência do currículo.
Os entrevistados têm entre 22 e 24 anos de idade. Dentre os seis, apenas um
estudante é do sexo feminino, seleção que ocorreu ao acaso (desistência de um
aluno e indicação de outro possível entrevistado para ocupar o seu lugar). A pedido
da pesquisadora, alunos dos cursos de graduação em Física e em Ciências
Biológicas indicaram, entre seus pares, aqueles que estariam dispostos a conceder
entrevista. No caso da graduação em Química, foi pedido ao coordenador da
50
graduação que indicasse um sujeito a ser entrevistado e este, por sua vez, indicou o
outro respondente.
3.3 Coleta de Dados
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os estudantes no
período de agosto de 2008 a novembro de 2009.
As
entrevistas
incluíram
as seguintes
etapas:
1)
apresentação
da
pesquisadora, do programa de mestrado e do projeto de pesquisa; 2) aceitação em
participar da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Anexo); 3) início da entrevista. As entrevistas envolveram questões relativas às
vivências, opiniões, impressões pessoais e concepções acerca dos cursos de
graduação das áreas de ciências, conforme roteiro apresentado no Apêndice A.
As conversas foram iniciadas com uma exposição padrão dos objetivos da
pesquisa. Neste momento, era ressaltado que não haveria respostas certas ou
erradas, que o objetivo da pesquisa era ter acesso às impressões e opiniões dos
entrevistados, tendo como base sua vivência durante a graduação. Tais relatos
foram assegurados pelo anonimato. Apesar das entrevistas iniciarem com a
entrevistadora falando o nome do entrevistado, este foi um procedimento padrão
adotado a fim de descontrair o contato pessoal, proporcionando maior proximidade
entre entrevistadora e entrevistado.
3.4 Aspectos Éticos
Os sujeitos participantes da pesquisa foram informados, no primeiro momento
do encontro pessoal, sobre os procedimentos previstos através do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo). Logo após a apresentação da
entrevistadora e dos objetivos da pesquisa, o termo foi apresentado, lido e explicado
e, em seguida, assinado por aqueles que concordaram em participar do estudo. Não
houve dúvidas quanto ao documento. Foi assegurado o anonimato dos participantes
da pesquisa através de garantia sobre as informações expostas, as quais não serão
utilizadas de forma inadequada, de modo que não haverá prejuízo futuro aos
sujeitos. As entrevistas só foram iniciadas após concordância e assinatura do termo.
A gravação em áudio das entrevistas foi transcrita, definindo como corpus a ser
analisado o discurso de todos os graduandos após o momento de apresentação.
51
Ao final da pesquisa, os resultados obtidos com o estudo serão
disponibilizados para os alunos participantes, os quais serão contatados via e-mail, e
publicados em revista científica de grande circulação.
3.5 Percursos e Percalços da Pesquisa
Inicialmente, foi delimitado o tema da pesquisa, voltado para a formação
acadêmica universitária. Delimitados o tema e o objetivo, foi construído um roteiro de
entrevista para que se testasse a abrangência das perguntas e para verificar se
estas eram adequadas ao propósito do estudo. Neste roteiro, buscou-se colocar
diferentes formas de realizar a mesma pergunta relacionada ao mesmo tema, de
modo a evitar a indução da resposta dos entrevistados: caso estes não
entendessem o questionamento ou, ao iniciar a entrevista, estivessem tímidos ou
ressabiados para se pronunciarem, a pergunta reapareceria em outro momento,
considerado oportuno pela entrevistadora, com a finalidade de buscar respostas
complementares e maior número de dados.
Concluída a primeira entrevista, considerada piloto, o roteiro foi aprovado..
Realizaram-se mais três entrevistas com estudantes do curso de Física, pois o
objetivo inicial seria o de entrevistar alunos de cursos de graduação distintos, como
Educação Física, Física e Letras, para verificar se haveria diferenças nos relatos das
experiências durante a graduação, considerando a Educação Física um curso onde
há disciplinas científicas biológicas e da área das ciências humanas; a Física como
um curso voltado para a formação de ciências naturais; Letras como um curso típico
das ciências humanas. O intuito era, também, o de comparar as diferentes ementas
dos cursos de licenciatura e bacharelado, considerando, ainda como variável
comparativa, ambos os gêneros.
Tal objetivo teve que ser redesenhado pois: 1) o tempo disponível não seria
suficiente para cumprir as tarefas necessárias para a confecção do trabalho; 2) das
entrevistas realizadas inicialmente, duas foram perdidas por conta de aparelhos de
áudio obsoletos. Assim, após a aquisição de outro gravador, foi possível retornar a
campo.
Alguns meses adiante, o estudo foi novamente reelaborado de modo a retirar
a inserção do curso de Letras do grupo selecionado para entrevistas. A exclusão de
tais entrevistas, já realizadas e transcritas, e a inclusão de outros cursos
52
universitários no recrutamento de participantes tornou o tempo para conclusão da
dissertação de mestrado ainda mais exíguo: assim, optou-se por suprimir as
questões relacionadas ao tema “gênero”.
Para que se pudesse concluir o trabalho em tempo hábil, tornou-se
necessário redefinir o objetivo da pesquisa, delimitando ainda mais os possíveis
entrevistados: considerou-se interessante, em um dado momento, entrevistar
sujeitos de quatro cursos da área das ciências humanas e sociais (História, Ciências
Sociais, Pedagogia e Psicologia), mais quatro das ciências naturais e biológicas
(Educação Física, Física, Biologia e Química) do bacharelado e outros quatro da
licenciatura. Mas, além do empecilho do tempo (faltavam, na época, quatro meses
para o prazo estipulado pela Capes, de 24 meses, para a conclusão do mestrado),
percebeu-se outro empecilho ainda maior: a falta de disponibilidade de estudantes
para conceder uma entrevista com duração de uma hora, uma hora e quinze
minutos. Assim, buscou-se delimitar os sujeitos participantes em número menor, seis
entrevistados, eleitos por estarem nos cursos de graduação em Ciências Naturais e
Biológicas. A perspectiva em mente, neste momento de pesquisa, era a de comparar
o discurso dos entrevistados apontando aspectos em comum e pontos divergentes.
Tendo em vista o interesse em construir um instrumento que permitisse apreender
as impressões dos educandos sobre seus cursos de graduação, definiu-se que seria
importante considerar tanto a análise dos cursos de bacharelado quanto dos cursos
de licenciatura.
Outro percalço que merece ser destacado refere-se à construção de um
dispositivo analítico para análise do discurso dos estudantes. Inicialmente,tentou-se
elaborar um dispositivo de análise onde estivessem incluídas categorias criadas por
Porlán e Rivero (1998) e Porlán et al (1998), a saber: concepção curricular,
concepção de aprendizagem, concepção de ensino e concepção de ciência. Ao se
iniciar a análise, percebeu-se que a referência apenas a estas categorias funcionaria
como uma “camisa de força” que empobreceria a discussão dos dados coletados.
Optou-se, então, por uma análise que expusse a relação entre os discursos, o que
pareceu estar mais de acordo com o quadro teórico construído.
Assim como
proposto por Nicolaci-da-Costa (2007, p.66), este trabalho parte do princípio de que
os métodos baseados em entrevistas têm um importante aspecto
em comum com todos os demais métodos que pertencem ao campo
53
de pesquisa qualitativa: são adotados por pesquisadores que
partilham a firme convicção de que a adequação de um método
depende dos objetivos da pesquisa. Como os objetivos das
pesquisas humanas e sociais são numerosos também são
numerosos os métodos.
Vale ressaltar que a opção de análise empregada e os resultados
encontrados não são considerados como a única alternativa.. Por isso, decidimos
também por disponibilizar as entrevistas na íntegra (Apêndice) para que o leitor
tenha oportunidade de se posicionar frente às interpretações realizadas. Para Duarte
(2002), a confiabilidade dos resultados e das interpretações apresentadas pode ser
garantida através do acesso ao chamado “material bruto”. Boni e Quaresma (2005)
ressaltam que, para Bourdieu, a escolha do método não deve ser rígida, mas
rigorosa, isto é, o pesquisador não precisa seguir um método apenas, com rigidez,
mas qualquer método ou métodos que forem utilizados “devem ser aplicados com
rigor” (p.76).
Optou-se ainda, neste capítulo e no seguinte, anexar recortes das falas, não
para que haja fragmentação de modo a comprovar hipóteses, mas para expor as
particularidades e as diferenças encontradas em cada texto analisado. Buscou-se
destacar falas que revelam não só pensamentos homogêneos, mas que também
revelam diferenças. Como destaca Narita (2006, p.29)
através das entrevistas de campo pode-se reconhecer que há, por
trás das aparentes formas singulares de existência, uma certa
uniformidade entre as formas de existir de uma determinada classe,
que tem uma história específica em um determinado momento
histórico.
. Ressalta-se, ainda, que esta pesquisa foi bem aceita pelos depoentes e que
a relação de confiança entre entrevistados e entrevistadora favoreceu a
exteriorização de dados tão ricos, os quais foram conscientemente explicitados
durante os depoimentos.
3.6 Procedimentos de Análise
A perspectiva sobre o discurso presente nesta pesquisa se alinha com a
filosofia da linguagem de Bakhtin, que torna possível problematizar os significados
daquilo que é emitido pelo sujeito falante: a fala, situada socialmente, permite que o
54
discurso seja analisado em seus componentes ideológicos, considerando o contexto
sociocultural que o produz.
A partir desta visão da linguagem, entendemos que é possível perceber, por
meio da análise do discurso: 1) visões específicas sobre a realidade, refletindo,
reforçando e constituindo modos de organizar e interpretar a própria realidade,
relações de poder e ideologias; 2) diferentes formas de lidar com a língua, as quais
refletem, expressam e reforçam diferenças sociais, econômicas e culturais; 3) o
controle dos membros de grupos subordinados em relação aos grupos dominantes,
exercido de modo explícito (ordenações, comandos) ou implícito (as ideias
naturalizadas sobre as desigualdades sociais, por exemplo); 4) a vida social e
cultural onde o entrevistado está inserido pois, apesar dos falantes se expressarem
de forma que para eles parece “natural”, suas falas são, na verdade, histórica e
culturalmente situadas.
A partir das características do enunciado (BAKHTIN, 2004), os procedimentos
escolhidos para a análise do discurso pretenderam identificar o tema do enunciado,
a perspectiva de seu autor em relação ao tema e a relação do enunciado com outras
linguagens sociais.
A presença ou ausência de aspectos que estivessem relacionados à ciência
ou à educação (ensino, aprendizagem, professor, avaliação, etc.) foi usada como
unidade de contexto para identificar o tema dos enunciados.
No sentido de identificar a perspectiva do autor em relação ao enunciado,
avançamos para a etapa de interpretação e de inferência da análise, na medida em
que sua especificidade reside na articulação entre a superfície dos textos, descrita e
analisada e os fatores que determinaram estas características (contextos de
produção). Os enunciados foram então interpretados buscando-se inferir qual seria o
ponto de vista do autor (perspectiva) no que se referia às suas concepções ligadas à
natureza da ciência e a percepção sobre a cultura científica e humanística, bem
como a suas concepções pedagógicas. Para isso também buscamos analisar a
relação dos gêneros de discurso dos alunos com outras linguagens sociais e
identificar as diferentes vozes que compunham os enunciados. Os conceitos
fundamentais da filosofia da linguagem apresentados no capítulo anterior serviram
como matrizes de referência para a interpretação do discurso e para tentarmos
vislumbrar o habitus pedagógico vivenciado pelos estudantes universitários em seus
cursos.
55
Os cursos de licenciatura da área de ciências naturais foram escolhidos como
foco de pesquisa porque apresentam uma composição de diferentes discursos e
visões de mundo em sua própria constituição curricular: após o período do ciclo
básico dedicado exclusivamente ao conteúdo científico, são justapostas disciplinas
pedagógicas na grade curricular. Decidiu-se entrevistar alunos dos bacharelados
correspondentes para reforçar o aspecto relacional entre os agentes dentro destes
espaços sociais. Através do contraponto entre os currículos dos cursos de
bacharelado e licenciatura, será possível realçar o embate entre as Ciências
Naturais e Humanas, visto que as últimas só estão presentes nas licenciaturas e
como este embate se manifesta nos gêneros discursivos dos estudantes.
A partir dos gêneros de discurso identificados tentamos vislumbrar processos
de conformação e de resistência ao habitus pedagógico vivenciado pelos estudantes
universitários em seus cursos. A análise relacional (BOURDIEU, 2005), que atribui
primazia às relações, aponta para o cuidado de não se fazer uma leitura
"substancialista", considerando cada prática (no nosso caso, concepção ou visão de
mundo) em si mesma ou por si mesma, mas como algo intercambiável, que poderá
mudar ao longo do tempo, ainda que a relação entre os grupos permanecerá,
distinguindo-os.
3.7 Análise das Entrevistas
Nesta seção, será apresentada a análise do discurso dos estudantes
entrevistados. A perspectiva dos falantes sobre os temas abordados será
comentada e complementada por meio da citação de enunciados dos estudantes,
buscando-se ressaltar a pertinência de cada trecho extraído para a questão de
pesquisa proposta neste trabalho.
A análise será disposta em três subseções, de acordo com o curso aos quais
os entrevistados encontram-se vinculados. Assim, na primeira seção, será
apresentada a análise das entrevistas realizadas com os estudantes do curso de
Física; na segunda, a análise das entrevistas dos estudantes do curso de Química e
na terceira, a análise do discurso dos estudantes do curso de Biologia.
As entrevistas tiveram duração média de 1 hora e 15 minutos. Nos
enunciados transcritos, optamos por incluir a expressão “Nome da Universidade”
entre colchetes quando os estudantes mencionavam a instituição e por suprimir os
56
dados de qualquer pessoa mencionada. Os enunciados considerados irrelevantes
para a discussão da questão de pesquisa também foram suprimidos, sendo
substituídos por reticências entre colchetes.
3.7.1 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em Física
O currículo da Licenciatura em Física parece configurado pelo modelo de
ensino tradicional, como pode ser percebido através enunciado da Licencianda em
Física sobre a estrutura do curso:
voltado ainda pra isso, memorização, decoreba, muita folha de exercícios, listagem
de exercícios, e algumas matérias ficam de lado...
A desarticulação entre as disciplinas de conteúdo específico e as da
pedagogia leva os licenciandos a não verem sentido nem no conteúdo específico, o
qual não é adaptado à prática de ensino, nem no conteúdo da Educação, como
expresso no discurso da Licencianda, que traz a voz dos colegas:
eu não sei onde vou usar isso, eu gosto das matérias da humanas, mas não sei
porque as matérias da Educação falam tanta coisa que... muitos amigos acham o
mesmo... não vamos usar, não entendemos porque...
Quando a pesquisadora perguntou se os professores das disciplinas
pedagógicas tentam contextualizar suas aulas em relação aos conteúdos
específicos de Física, a resposta obtida foi:
[...] A maioria das vezes eles avisam como será o curso, mas não sei... eles não
entendem nada da Física, de dar aula de Física... não vejo nenhuma relação... [a
aula de hoje é de que?] De Sociologia... [mostra o papel da ementa: Durkheim]...
Esse, depois os outros... só ouvi falar do Marx [Ementa constava: Durkheim, Weber
e Marx]. É interessante, mas só ouvir o que ele falou, só ler ele... não tem nada a ver
com meu trabalho, nem com o dos meus amigos, nem com as aulas daqui... [risos]
Deve ser porque eles tem que dar esses autores...
Quanto às formas de avaliação, o Bacharelando em Física, ao ser perguntado
sobre o que achava, não emite opinião, e descreve o sistema usado pelos
professores, sem questioná-lo. O que considera como “invenção” do professor nada
57
mais é que uma prova a mais ao longo do período letivo. Ele considera positivo o
fato dos professores não “mudarem as regras do jogo”:
O sistema é assim: você tem duas provas, se a média entre as duas provas for 7,
você passa direto; se não, se for abaixo de 3, você esta reprovado; se for entre 3 e
7, você tem que fazer uma terceira prova e se a média destas duas primeiras e da
terceira, se for 5, você está aprovado, se for abaixo de cinco, reprovado. E
normalmente os professores seguem este sistema, mas tem professores que não...
assim... tem uns que inventam um sistema... Inventa assim: eu tive Física II e o
professor seguiu este sistema, ele deu três provas porque encaixava melhor no
programa. [...] Acho que, quando a avaliação varia, depende do programa que o
professor vai seguir... [Mas você está satisfeito?] É, não tenho muitas críticas a
fazer, eu acho que, de um modo geral, acontece o que eles falaram no começo do
curso... Não é algo, assim, que você está jogando e, no meio do jogo, mudam-se as
regras, sabe? Eles definem: “é assim, vai ser assim” e ponto.
Já a Licencianda relatou experienciar diferentes formas de avaliação ao longo
do curso. Provas e relatórios seriam freqüentes nas disciplinas de conteúdo
específico, enquanto seminários seriam próprios das disciplinas pedagógicas. Esta
diferença parece ressaltar que a parte específica segue o modelo tradicional de
ensino, cuja concepção de avaliação correspondente é a de verificar a
aprendizagem do aluno através de provas ou de relatórios, no caso das disciplinas
práticas:
prova, basicamente, tem também muito relatório, mas das matérias da Educação
tem muita apresentação de trabalho, de seminário...
As disciplinas pedagógicas do curso de licenciatura em Física não parecem
ser contextualizadas para o ensino deste conteúdo no nível médio. Esta percepção
da Licencianda seria compartilhada também por seus pares:
já li Paulo Freire, ele acho importante pra gente que vai dar aula, lidar com aluno
mais velho, dá boas idéias de aula, mas esse cara [Vigotski] ele é psicólogo e fala
de criança, não entendo mesmo... Acho que aquela parte de movimentos da escola,
de tipos de pedagogia, que temos em Didática [refere-se à disciplina Didática Geral]
é muito mais importante, deveria ser matéria dada em mais de um período, mas
estas outras, Sociologia, Filosofia, Psicologia... [...] Acho que é por isso que a gente
não gosta, que as pessoas aqui acabam não gostando, não estudando direito, nem
tendo muita paciência com a matéria ou com o professor, porque não tem nada a
ver, a gente deixa de estudar outras coisas pra ler isso...
58
Quando se refere aos alunos, percebe-se uma despolitização do corpo
discente, que poderia configurar o currículo oculto do curso de Física. A relação
entre alunos foi descrita pela Licencianda em Física como uma relação basicamente
de grupo de estudos. Tal despolitização poderia estar relacionada à suposta
neutralidade atribuída às ciências naturais, difíceis de serem entendidas e que,
portanto, demandam tempo dos estudantes. Para atuar num Centro Acadêmico, os
estudantes precisariam dispor do tempo que poderiam dedicar aos estudos
relacionados à Física:
tá todo mundo aqui, estudando, é uma coisa mais desse tipo... o pessoal forma
grupos de estudo, pelo menos agora, mais pro final do curso, posso dizer que é
assim, que a amizade tá mais em sentar pra estudar, pra ir embora junto, pegar
carona... [...] [sobre a organização dos alunos em Centro Acadêmico] o que o
pessoal fala, né? Quem não quer estudar fica nessas áreas... assim, entendo que o
pessoal acaba tendo dificuldade, porque o tempo que poderia estar estudando, tá
resolvendo outras coisas. Se você reparar aqui na Física, não tem quase gente no
corredor, conversando, ou em outros lugares. O pessoal ou tá aqui [sala de
estudos], ou nos laboratórios, ou nas salas de aula, em grupo ou sozinho,
estudando...
A dificuldade em relação ao aprendizado do conteúdo é algo ressaltado tanto
pela Licencianda quanto pelo Bacharelando em Física:
Bacharelando: o que vem na minha cabeça é assim, tipo... dificuldade... É difícil pra
caramba, tem que se esforçar muito... É sacrifício, assim... Tem que abrir mão de
muita coisa [...] tem que estudar...
Licencianda: quando você entra, você acha que vai ter vida lá fora... [...] Se você diz
que não tem tempo, ouve coisas como “o que você faz de meia noite às 5h?” [...] o
grau de dificuldade dos exercícios que alguns professores passam aqui, você às
vezes fica um dia inteiro pra resolver uma folha de exercícios que tem 10
exercícios... Às vezes sobra pouco tempo até para fazer o que você gosta... Mas às
vezes você tem que escolher: “ou é a faculdade ou...”... E as pessoas aqui acabam
reclamando muito disso, porque você acaba tão focado dentro da faculdade que
você não faz outra coisa... Muita gente pensa “quando terminar a faculdade, eu volto
a fazer isso”... “quando terminar a faculdade, eu vou fazer aquilo”... e o ideal seria
fazer junto, mas você não tem muito tempo.
A Licencianda considera o nível de especialização dos professores como fator
positivo e negativo para a sua formação. O aspecto positivo seria o grande
conhecimento em relação ao conteúdo, o negativo, o fato destes professores não
terem “visão de educação” para facilitar a relação ensino-aprendizagem:
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[...] acho que tem matérias com muito conteúdo e pouco tempo, às vezes... acho que
em relação aos professores, muitos são bons, alguns sabem explicar bem, mas
como muitos não tem licenciatura, não tem didática, mesmo, pra explicar, e eles
querem que a gente acabe decorando... mas é bom porque temos muitos
especialistas, mas com visão de educação, às vezes, nula, o que pode complicar. É
interessante por um ponto, porque ele é especialista, ele sabe demais, mas por
outro lado, ele vai dar uma informação que não preciso, porque não é o que preciso
para ser professora. Então decora pra prova, sai e não aprende...
O baixo desempenho acadêmico dos alunos da Física é percebido de modo
diferente pelo Bacharelando e pela Licencianda, que o generaliza para praticamente
todos os estudantes:
Licencianda: é muita disciplina, dificilmente você encontra uma pessoa que não
tenha repetido matéria na faculdade... Às vezes a pessoa vai passando aos trancos
e barrancos, como a gente fala na gíria... [...] passar direto, poucas pessoas
conseguem, assim, bolsa, em alguns órgãos.
Bacharelando: eu diria, e isso soa até engraçado, que eu acho que as pessoas que
se dão mal... Mal, quando eu quero dizer, é mal mesmo, sabe? Tem pessoas que
repetem três, quatro vezes a mesma matéria, ficam assim... Então, sei lá, tem
dificuldade durante o curso... Eu diria que, de modo geral, as pessoas que estão
com esse tipo de dificuldade, com notas ruins e tal, são as pessoas que mais
criticam a faculdade... [...] Porque as pessoas que se dão bem, ou razoavelmente
bem, não têm muitas críticas a fazer à faculdade... sabe?
Ter desempenho suficiente para conseguir bolsa é justamente o caso do
Bacharelando entrevistado, que é bolsista de Iniciação Científica e aparenta ter
maior facilidade em relação ao aprendizado dos conteúdos de Física:
mas apesar disso, [do esforço relatado para estudar os conteúdos das disciplinas]
eu acho que vale à pena, assim...vale muito à pena, e eu tô gostando, porque é um
desafio que eu tô conseguindo superar, que acaba fazendo com que o curso fique
bem... tranqüilo...
Para o Bacharelando, as críticas que os alunos destinam ao curso de Física
são fruto tanto da dificuldade em relação à aprendizagem dos conteúdos quanto à
falta de estudo. Estes fatores seriam responsáveis pelo baixo desempenho e
levariam estes alunos a criticarem o curso. Esta visão também ficou clara quando
perguntado se outros estudantes também haviam gostado da disciplina que ele mais
apreciou:
60
Tinha gente que gostava... Eu acho que é aquela coisa também: tinha os mais
interessados que gostavam, mas o pessoal que achava difícil não gostava.
A alta evasão no curso parece incomodar a Licencianda em Física, mas não o
Bacharelando. Para este, a repetência e a evasão são resultados da falta de esforço
e de estudo dos alunos:
Bacharelando: É difícil? É difícil, tudo bem, tem problemas, tudo bem, mas nada
muito incisivo, muito agressivo [...] Eu acho que, talvez, acaba meio que caindo na...
na desculpa, né?, que as pessoas tem de não assumir... Assim é mole, né? Quer
dizer, a pessoa não tá conseguindo fazer a faculdade direito, não tá conseguindo
acompanhar a matéria direito, fica repetindo, repetindo, ao invés dela dizer “não, sou
eu que não me esforço, sou eu que, sei lá, não sou tão bom assim”, não, “a
faculdade é uma merda, o professor é maluco porque”. Eu acho que acaba caindo
nisso...
Licencianda: muita gente abandona, vai largando pelo meio do caminho, ou por
dificuldades, ou porque precisa ver uma, duas vezes a mesma matéria, fala “isso
não é pra mim”, e pessoas que você fala “poxa, esse daí seria um ótimo professor,
uma ótima professora”, mas a pessoa tem que escolher, né?
Quando se referem à metodologia de ensino dos professores, as concepções
de ensino de ambos parecem calcadas no modelo tecnológico, valorizando o
planejamento, a didática, a capacidade do professor de motivar os alunos.
Entretanto, o Bacharelando, ao descrever uma metodologia de aula que lhe chamou
a atenção por ter apreciado, se restringe a aspectos estritamente tradicionais:
acho que sou meio retrógrado com esse tipo de coisa, assim... Tipo, escrever direito
no quadro, usar o laboratório, buscar apoio nos livros bons. Mas acho que a coisa
mais importante é o livro, o cara no quadro explicando
Já a Licencianda, quando se refere ao papel do professor, chama a atenção
para a motivação, a capacidade do professor de facilitar e dinamizar a
aprendizagem:
se o professor não for bom, dificulta o aprendizado... [o professor, então, facilitaria
como?...] motivaria... facilita o aprendizado, professor que tem mais... dinâmica...
Quando se refere ao ensino oferecido no curso, a Licencianda considera a
maioria dos professores como sendo adeptos do modelo tradicional:
61
Tradicionais em tudo, como a gente estuda em Didática: professor fala, dá matéria
pra prova, cobra lista de exercícios, cobra relatórios...
O conhecimento do professor, o domínio de um conteúdo e o fato de ter
especialistas lecionando durante a graduação é visto como aspecto positivo tanto
pelo Bacharelando como pela Licencianda. Entretanto, outros aspectos são
considerados importantes pelo Bacharelando para avaliar um docente como um bom
professor, como, por exemplo, o relacionamento interpessoal que ele estabelece:
Bacharelando: Professor muito bom [...] muito bom mesmo. Passava a matéria muito
bem, explicava a matéria muito bem, super-bem, e era uma pessoa super-solícita,
super-educada, assim, elegante... Como pessoa e como professor, também [...] E eu
gostei muito da matéria [...] Bom, a relação interpessoal dele era muito boa. Ele se
dava bem com as pessoas, assim... ele não era brincalhão com as pessoas, mas era
simpático, tirava dúvidas, super-solícito, super-tranqüilo
Licencianda: Um ponto positivo acho que é a especialização dos professores... acho
que positivo e negativo, porque eles não conseguem limitar, ver o que é importante
pra quem não é da área, quem não é especialista, mas ao mesmo tempo, naquilo
que você gosta e quer seguir, ter um bom especialista pra você procurar,
perguntar... isso é muito bom! A aula prática também é boa, é teoria e prática junto...
Outro aspecto considerado positivo é o fato do professor se disponibilizar para
tirar dúvidas dos alunos em horários extra-classe, mesmo que esta possibilidade não
ocorra quando surge a necessidade:
Bacharelando: o professor dá... o aluno tem toda liberdade para perguntar e, assim,
normalmente em sala de aula, eles falam assim “ó, gente, em caso de dúvida, me
procura na minha sala, minha sala é tal, tal, vocês podem passar lá”. A questão é
que, alguns professores, se você for procurar na sala, eles realmente vão tá lá.
Outros professores, você não vai encontrar em sala, ou então, se você bater na sala
dele, ele vai falar “poxa, não tem como você vir mais tarde?”, entendeu?
Licencianda: tem que estar num momento bom pra gente perguntar.. eles tiram
dúvidas, mas tem muito pesquisador, então o pessoal parece que se fecha mais.
[mesmo na licenciatura?] Mesmo na licenciatura, os professores, alguns, são mais
abertos, mais simpáticos, mas a maioria não tem muito... tempo, sei lá, acho que é
mais dar aula e pronto...
Ainda em relação à ajuda dos professores, o Bacharelando deixa
transparecer em seu enunciado, as relações de poder que presencia na interação
professor-aluno, também descritas como “vaidade”:
62
em sala de aula você pode perguntar, eu acho natural, e se tiver alguma dúvida,
pode passar na minha sala, mas a questão é se você vai encontrar, se ele vai te
responder ou não. Porque também você pergunta alguma coisa pra ele e ele te
enrola, porque ele mesmo não sabe a resposta, sei lá... tipo, por vaidade, eles não
dizem “ó, não sei, foi mal”, entendeu?
O discurso da Licencianda expõe diferentes comportamentos dos professores
em relação à ajuda que dão aos alunos. Determinadas atitudes podem revelar uma
competição acirrada na área de pesquisa da qual fez parte quando cursava o
bacharelado em Astronomia, antes de migrar para a licenciatura em Física:
Tive uma professora que era legal, que se aproximava, mas os próprios professores
brincavam, porque ela ajudava a gente, até em trabalhos, e eles diziam “Tal
professora? Ela é mãe, né?”. Ela era professora do Bacharelado, da Astronomia
[esteve engajada em laboratório no curso anterior]... Os professores criticavam o
fato dela tentar ajudar, porque eles diziam “ah, eles vão ser nossos concorrentes no
futuro”... “tem que exigir deles do mesmo jeito que foi exigido da gente...” E eu acho
que não é bem por aí, acho que tem que dar condições pro aluno experimentar e
andar com seus próprios pés, dar seus próprios passos... Pra isso, precisa de um
empurrãozinho, de orientação, porque às vezes a pessoa tá ali achando que tá
abafando, arrasando, e não tá... [...] Às vezes, quando eles vêem que o aluno é
muito bom, dá uma brecada, porque às vezes acham que pode ser um concorrente
deles no futuro... acho que alguns professores pensam assim, não são todos...
A posição do Bacharelando em Física em relação às disciplinas relacionadas
às ciências humanas e à educação ficou clara quando comparou o curso de
bacharelado ao de licenciatura e o valor que cada um desses grupos sociais atribuía
às diferentes matérias: as disciplinas “hard” eram valorizadas pelos alunos do
bacharelado e desvalorizadas por alguns licenciandos. É possível enxergar traços
da separação entre as culturas das ciências naturais e humanas revelada por Snow
(1993), no seu enunciado:
No bacharelado não [tem disciplinas da área das ciências humanas], só Física,
mesmo, Física hard... Física, matemática... matérias básicas...
O Bacharelando foi perguntado se na matriz curricular do curso havia
alguma matéria da área das ciências humanas. Afirmou que não e, após insistência
da pesquisadora em saber se havia alguma disciplina relacionada à História da
Física ou similar, negou. Neste momento, lembrou das disciplinas pedagógicas e
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declarou que não as considerava muito relevantes, assim como vários alunos da
licenciatura:
eu vejo assim, o pessoal reclama dessas matérias, aí, o pessoal da licenciatura...
acha chato, assim... tem muitas matérias que eles julgam inúteis, assim... entendeu?
É mais porque tem que ter no currículo, mas que realmente não tem muito valor e
tal... Isso pro pessoal de licenciatura, né? Porque imagina como o pessoal de Física
vê isso, né? Pô... só Física hard...
Mesmo criticando as disciplinas pedagógicas, o Bacharelando não critica o
currículo da Licenciatura em Física e afirma que algumas matérias devem ser feitas
por constarem na grade curricular, sem argumentar nada além disto:
Eu particularmente, acho que de fato, tem certas matérias que tem que ser feitas,
porque... pelo currículo mesmo, eu acho que tem que ter no currículo... mas acho
que certas matérias são inúteis, não tem porquê.
O estudante admitiu que uma disciplina sobre a História da Ciência poderia
ser interessante, porém ressaltou que a mesma não seria necessária para sua
formação científica, mas sim as disciplinas de conteúdo específico já presentes no
curso:
Eu acho que tem outras matérias que eu acho que são relevantes, tipo História da
Ciência, ou... sei lá, Filosofia, talvez... Eu não acho que seriam matérias necessárias
ao curso de Física, mas matérias que seriam interessantes pra se fazer [...] Mas se
você perguntar “por que você não faz?”... É porque eu não vou ter saco pra fazer, eu
tô muito mais preocupado com as matérias que eu tenho que fazer, mas se eu
tivesse tempo hábil, assim, eu iria fazer essa matéria, História da Ciência.
Para o Bacharelando em Física, as pesquisas na área de educação não
resultam em nada concreto e estão distantes da realidade, do dia-a-dia do professor.
O estudante se valeu da abstração do conhecimento das ciências humanas (ou de
certa distância do dia-a-dia) como argumento para criticá-las, mas não se dá conta
do caráter abstrato das ciências naturais neste momento:
[...] Eu não vejo muita relevância, assim... Eu acho que é importante e tal, mas acho
que não é essencial, sabe? [...] Eu não sei que fim que leva a pesquisa... Vamos lá:
você tá fazendo agora um mestrado em Educação e faz essa pesquisa. Faz essa
pesquisa e chega lá às suas conclusões. E aí? O que é feito com essas suas
conclusões? Eu não sei, eu não sei, entendeu? E aí, o que isso pode mudar? Isso
pode mudar alguma coisa de fato? Na Educação mesmo, assim, quer dizer, vai
64
mudar alguma coisa no colégio, no Ensino Fundamental, no Ensino Médio? [...]
fazem as pesquisas na área de Educação, fazem esse tipo de coisa e fica naquilo,
não sai daquilo. Faz pesquisa em educação, que vira artigo, que vira pesquisa em
educação, que vira artigo [...] NESSE lugar que eu falei, eu trabalhei num
departamento da área de Educação, e tinha muita gente que fazia pesquisa na área
de Educação... Agora dali, eu acho que uma deu aula, de fato. O resto, que dizer,
fez graduação, aí entrou pro mestrado, foi fazendo mestrado, doutorado e aí,
entendeu? Então tem artigo, publicações, pesquisa, na área de Educação, mas tipo,
o cara nunca vivenciou. Eu acho que muitas vezes a... a... forma, a maneira de se
estudar, de abordar a área de Educação tá defasada, tá longe da realidade.
A dinâmica que ele descreve é muito parecida com aquela em geral
vivenciada pelos pesquisadores nas ciências naturais. Entretanto, ele critica essa
mesma dinâmica quando é experimentada nas ciências humanas. Esta diferença
parece estar relacionada à uma possível aplicabilidade da Física, que seria
transformada em tecnologia, ou à relação da Física com a realidade, mesmo quando
estritamente teórica.
A visão empirista da ciência também é percebida nos seguintes enunciados
do Bacharelando, ao comparar a Física às pesquisas realizadas na área de
educação:
A Física é dividida em subáreas, tem a Experimental e a Teórica. A Física
Experimental é aquela que você vai pro laboratório, faz as experiências lá e vê se
funciona. Física Teórica é cálculo, é ver se um programa funciona... só que uma
coisa depende da outra, quer dizer, se você quer ser teórico numa coisa, você tem
que saber a experimental pra saber se aquele modelo teórico vai funcionar. Se der
certo, então “ah, o modelo teórico está certo”, se não der certo, então esquece esse
modelo teórico, ele tá errado, tá? E uma coisa tá sempre associada à outra. Eu acho
que na Educação isso não acontece. Eu acho que quando você fala em pesquisas
na área de Educação, você fala de coisas teóricas, de artigos, enfim, mas que
esqueceu um pouco a parte prática, assim, a parte do dia-a-dia do professor
Sua concepção de ciência parece estar baseada em um realismo ingênuo e
numa metodologia científica infalível. A imagem tradicional sobre o conhecimento
científico aproxima-se de uma visão empista-indutivista, como podemos ver em sua
apreciação sobre as aulas práticas:
[...] A gente ia pro Laboratório didático, aí depois que a gente já tinha estudado
anteriormente a parte teórica, então, tipo assim, se fizer isso, vai acontecer isso... Aí
sabia os cálculos e tal. Vamos fazer o experimento. Se fizer isso, vai acontecer o
que? Ah, tal e tal coisa, aí a gente demonstrava lá no laboratório... Eu acho que a
gente tinha o suporte experimental: a gente aprendia a parte teórica em sala, a fazer
65
as contas, não sei o que, e depois a gente ia para a parte experimental, pra mostrar
que aquilo que a gente aprendia era verdade, que tipo assim, não era só números,
letrinhas...
3.7.2 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em
Química
Os enunciados do Bacharelando1 sobre o currículo do curso de Química deixa
transparecer sua visão de ciência, no quanto ele se detém para descrever o
conteúdo, voltando-se somente para detalhes técnicos e para a pouca oferta de
emprego na área de Química:
Um problema do curso é que você não consegue, por exemplo... você se forma, mas
a expectativa de emprego aqui no Rio de Janeiro é muito pequena na área de
Química. Aí, por exemplo, você se forma muitas vezes... por ex, jáaaa... alguns
amigos já sabem, você não passa no exame final, que é o mercado de trabalho.
Você bate na porta, fica algum tempo sem trabalhar, ou você faz mestrado... o
pessoal faz muito isso, também, algumas vezes porque não consegue emprego,
alguma coisa assim, ou tenta, por exemplo, ir pra Escola de Química, um curso
como Engenharia Química, algo assim, com aquela visão que lá tem emprego
porque... químico tem uma visão, é... normalmente a visão do químico é que
engenheiro químico rouba emprego de químico...
Noutro momento, ao ser perguntado se o curso de bacharelado seria mais
voltado à formação de pesquisadores, novamente se prende a descrições
detalhadas do currículo, das funções de cada disciplina no mercado de trabalho:
[...] por exemplo, Análise Instrumental não é uma matéria de indústria, é de pesquisa
também, mas por exemplo, quando você vai fazer análise num laboratório... por
exemplo, você tá lá na indústria química, você tem que fazer controle de qualidade
da indústria química, dos produtos... aí a Análise Instrumental é muito útil, é uma
ferramenta muito útil neste controle de qualidade, porque você consegue determinar
a quantidade de elementos... substâncias lá presentes... se o pH está na faixa ideal,
coisas assim. Então uma das matérias que o bacharel tem é Análise Instrumental,
ou seja, ele pode ir pra indústria, mas antigamente não tinha esta matéria... [...]
1
O entrevistado cursava a graduação Químico com Atribuições Tecnológicas. De acordo com o
próprio entrevistado, o Instituto de Química oferece três diferentes formações de acordo como o curso
universitário escolhido: a Licenciatura em Química, curso noturno; o curso de Químico com
Atribuições Tecnológicas, integral (manhã e tarde); e o Bacharelado em Química, também noturno.
Este Bacharelado é um curso oferecido no horário noturno somente àqueles que já concluíram a
Licenciatura e que querem ampliar suas possibilidades no mercado de trabalho nos setores industrial
e/ou nas pesquisas acadêmicas, mas não poderiam freqüentar o curso Químico com Atribuições
Tecnológicas devido aos horários das aulas.
66
ganha o seu diploma como químico, mesmo. A Atribuições Tecnológicas você ganha
lá no CRQ [Conselho Regional de Química]. O bacharel, se não me engano, é o
CRQ também que dá... Se não me engano, o CRQ dá 16 atribuições. Fora a parte
de Licenciatura, o Engenheiro Químico pega todas as atribuições. O Químico
Atribuições Tecnológicas pega 13... já o Bacharel pega 6, acho que alguma coisa
assim...
Quando a entrevistadora pede para avaliar o curso, o Bacharelando se atém
às instalações dos laboratórios:
Já fui em encontros de estudantes de Química, em três, e conheci instalações de
outras universidades... em relação ao curso de Química, em termos de
equipamentos, coisa assim, aqui na [Nome da Universidade] a gente tá muito bem...
em outros cursos, a situação tá precária, assim... [Quais cursos? Só para
comparar... Seria universidade particular?] Nãaaao, pública mesmo, federal, só que
em outros Estados... lá em Alagoas, por exemplo, alguns equipamentos são muito
precários, assim, você não tem muito equipamento... até... isso dificulta muito, tipo
assim, você... tem equipamentos assim, pesquisa, utilizado pra pesquisa, outra coisa
é a graduação. Aqui, apesar de tudo, na graduação a gente vê algumas coisas... a
gente pega coisas que a gente acha muito ultrapassado, mas quando a gente vai ver
a realidade em outras faculdades, vê que a gente tá muito bem.
O enunciado do Bacharelando em Química mostra como a qualidade do curso
tem, para ele, relação com a organização das disciplinas na matriz curricular:
Tô, tô satisfeito... mas, por melhor que seja, tem sempre como melhorar as
coisas... tem algumas matérias, assim, que, por exemplo, até... você fica muito preso
na matéria. Tem duas Análises Orgânicas que, eu acho, na minha opinião, poderia
ficar numa só... são 2 laboratórios que vai de 1 até às 6 [horas]. Dava pra dar em um
período, na minha opinião... porque na verdade é continuação total uma da outra e
se adequasse mais um pouco, você poderia fazer num período só... Tem matérias
eletivas que, na minha opinião, tinham que ser obrigatórias...
Sua concepção de Química enquanto ciência empírica parece evidente
quando ressalta o tratamento estatístico dos dados e nas considerações positivas
que faz sobre o curso, quando destaca a infraestrutura computacional oferecida para
desenvolvimento da parte teórica:
[...] o químico trabalha com muitos dados, é experimental, mas algumas vezes você
pega vários dados, vai precisar fazer trabalhos estatísticos em cima de vários dados
e, se você não fizer essa eletiva, vai sair sem esse conhecimento... [...] Além disso,
assim... Química é uma área muito experimental. Ter uma parte teórica, até a parte
teórica, precisa de equipamento, que é o computador. E aqui a gente tá bem
servido, digamos assim... a estrutura, em si, daqui, é muito boa...
67
Há, entretanto, uma visão criativa para a ciência oferecida no curso do
Bacharelando em Química, que é apreciada por ele. Algumas disciplinas
experimentais (Inorgânica Experimental e Orgânica Experimental) são ministradas
de modo que os alunos escolham as experiências que realizarão ao longo do
período letivo, apresentando, ao final, seminários sobre o que fizeram, contando
todo o percurso:
As InorgExps...você não tava preso, você escolhia o que você queria trabalhar, na
verdade... dentre aqueles tópicos você escolhia... e ninguém te dava ordem
nenhuma, você tinha que procurar, pesquisar as reações, você tinha que realizar as
reações... ajudava muito você a correr atrás, não ficar só naquele roteirinho chato,
você pesquisava. E, por exemplo... tem muitos professores aqui na faculdade que
são solícitos... uma vez tive que fazer experiência em InorgExp e, além dele ter me
cedido um reagente, ele ainda me deu explicação, uma baita aula sobre aquilo... Eu
achei muito interessante isso, contato grande dos professores... E o que achei
interessante da matéria é você procurar o que fazer, você não ter um roteiro... não
tem uma receita, você pesquisa a reação que você tá interessado, descobre coisas
novas, e você coloca na prática. E o que você faz é diferente de quem tá do lado. E
no final tinha um seminário, que você tinha que expor tudo o que fez, cada grupo,
era normalmente trio ou dupla.
Para o Licenciando, a qualidade do curso é confundida com o currículo mais
extenso oferecido pelo Instituto de Química:
A [Nome da universidade] teria a exigência da área um pouco maior do que na
[Nome de outra universidade], por conta que a gente tem um tempo maior pra
estudar, óbvio que entra mais matérias, e a gente tem um pouco mais de exigências
em termos de formação e de experiência
Entretanto, o Licenciando percebe que, em muitas disciplinas, o aluno pode
estar servindo de mão de obra gratuita:
exigência acaba sendo, no meu ponto de vista, um pouco excessiva, a gente já tem
a carga horária de estágio pra cumprir no colégio e a gente não recebe nada pra
isso, né? E fora que a gente tem que dar monitoria dentro da faculdade e não
receber nada pra isso, também. Então se você for contar, existe pra gente mais de
400 horas só de atividades de sala de aula e não remuneradas, o que às vezes é um
fator complicado pra muita gente, que trabalha durante o dia e só tem a noite,
depois, no final da graduação pra fazer este estágio, então a pessoa já está cansada
de ter trabalhado o dia inteiro e ainda tem que trabalhar à noite de graça pra cumprir
um componente curricular... é assim que a coisa funciona não só aqui, mas também
nas outras universidades
68
Para o Bacharelando, ter maior carga horária em atividades de estágio e
cursar a graduação em maior número de períodos seria uma forma de ampliar as
experiências profissionais. Não considera o curso de Químico com Atribuições
Tecnológicas uma graduação difícil, mas novamente pondera o empenho dos alunos
para torná-lo relativamente fácil:
Normalmente, o pessoal se atrasa pouco, no curso da Química, conheço gente que
vai se formar antes do tempo, mas é aquilo, a pessoa não vive. E também é melhor
você ficar um pouco mais na faculdade, pegar experiência, iniciação, estágio, coisa
assim, não fazer só matéria por si só... é minha opinião...
O Bacharelando em Química considerou como aspecto negativo do curso a
falta de horários alternativos para poder cursar determinadas disciplinas. Mais uma
vez sua avaliação do curso se atém a aspectos técnicos do currículo:
Falta de... falta de opção de horários. Por exemplo, apesar de ser um curso integral,
tem matéria que só é dada naquele horário, por exemplo, você quer se adiantar um
pouco, ou você se atrasou em alguma matéria, mas você tá preso... Eletiva tem que
ter um horário só, porque é eletiva, mas acho que matéria obrigatória você tinha que
ter mais de um horário... manhã e tarde, ou outro dia da semana, mas boa parte das
matérias só tem aquele horário, e acho isso um ponto negativo.
A desarticulação entre as disciplinas de conteúdo específico e as de conteúdo
pedagógico é perceptível quando o Licenciando em Química aponta a inutilidade das
últimas como aspecto negativo do curso. Esta visão, compartilhada com seus
colegas, pode estar refletindo o habitus dos professores do curso que, em geral, não
consideram os conteúdos das ciências humanas como importantes:
[...] indo pra parte da formação pedagógica em si, acho que deveria ter uma
reestruturação do currículo, que até teve. Quando entrei na faculdade, por exemplo,
fazia Psicologia da Educação I e Psicologia da Educação II. Hoje em dia, isso foi
condensado em apenas uma psicologia. Eu não sei como é que ficaram outras
disciplinas, e, pra ser bem sincero, no final das contas, não é aquilo que vai fazer
diferença pra gente... isso é minha opinião, como também dos meus colegas [Essas
são as disciplinas da licenciatura que são ministradas pela Faculdade de
Educação?] Isso, isso. A opinião que tenho é que não vai fazer diferença nenhuma,
nenhuma mesmo. Então exigem da gente uma demanda muito grande, uma
quantidade grande até de disciplinas pedagógicas... Eu acho até que nesse meio
69
tempo, toda essa parte teórica, eu acho que ela deveria ser dada de forma mais
objetiva, ter um enfoque.
Apesar de estar satisfeito com a amplitude do currículo do Bacharelado em
Química, o aluno considera que os conteúdos disciplinares seriam superficiais por
não ser possível se aprofundar em todos os conteúdos abordados durante o curso:
[...] acho que tem uns problemas em relação ao curso daqui: ele é superficial, você
não pode, não dá pra se aprofundar É superficial, porque na verdade, aqui você
aprende muita coisa, mas normalmente você não se aprofunda muito nas matérias
Quanto ao papel do aluno, o Bacharelando em Química ressalta as
características individuais como essenciais para se avaliar um curso. Sem se ater às
relações pedagógicas, o aluno passa uma concepção individualista de ensino
quando afirma que quem faz a faculdade é o aluno:
eu sou da seguinte opinião: quem faz a faculdade é o aluno, ou seja, não adianta
nada estar na melhor universidade do país e não quer nada... não, de repente, uma
faculdade muito ruim, mas se você correr atrás, você vai ser um profissional bem
qualificado
Quanto às aulas teórico-práticas, ministradas em sala de aula e em
laboratórios didáticos, revela haver uma separação entre teoria e prática e entre
professores, dias da semana e ambientes de ensino, por conta de fatores
institucionais:
aqui são separadas as aulas teóricas das práticas... Mesmo se for junto, teórico e
experimental, é com professor à parte... um só pra teoria, outro só pra experimental.
Não que um não saiba dar a teoria, nem o outro não sabe dar experimental, mas
teve essa separação por causa de tempo, coisas assim...
O Licenciando em Química reconhece que os conteúdos da área humana são
importantes, mas não vislumbra sua influência na prática, na medida em que a
situação social da escola e seu projeto pedagógico vão determinar, de antemão,
como deverá ser seu ensino. Exemplificou contando o caso de um colégio particular
voltado para o vestibular:
A teoria é ... se você para pra pensar, tem um fundamento, óbvio, praquilo tudo, só
que você não vai, quando você vai dar aula, quando vai montar um plano de aula,
não vai levar em consideração nada daquilo que você aprendeu. Você vai levar em
70
consideração qual é o seu objetivo, mas seu objetivo vai tá atrelado ao objetivo que
a escola tem. Se for um colégio particular voltado pro vestibular, o dono ou o chefe
falar “olha, você tem que dar estequiometria em 50 minutos, só, e depois você vai
passar pra soluções” e você não tem liberdade pra trabalhar o aspecto cognitivo,
você não vai ter tempo pra trabalhar o desenvolvimento do aluno como cidadão,
você não vai... vai trabalhar o aluno de forma mecanizada porque é isso que o
mercado pede em termos do vestibular, né? Então essas disciplinas acabam que
tomam um tempo muito grande da gente na faculdade, seja de presença em sala de
aula, seja de trabalho que a gente tem que fazer...
Quanto à postura dos professores, o Licenciando evidenciou a diferença entre
o campo acadêmico dos alunos, das ciências naturais, e o de uma professora
responsável por uma disciplina pedagógica, do campo das ciências humanas. Em
seu discurso, percebemos que o fato dela ser da “área humana” deveria conformar,
para ele, um determinado habitus pedagógico, tornando-a uma professora mais
“humana”. Mas o aluno pareceu decepcionado quando isto não se concretizou em
sua prática docente. O estudante relatou momentos de embate com a tal professora,
a qual mostrou claramente a insatisfação em lidar com alunos da área das ciências
naturais. O Licenciando apontou contradições no trabalho da educadora:
Ela passou um trabalho, uns seminários pra gente fazer. Aqui serve ao Instituto de
Química, mas tinha alunos da Matemática, Química e Física. E ela criticou TODOS
os trabalhos, todos, não teve um trabalho que ela se posicionasse ... pra ela
estavam todos muito ruim [...] nenhum trabalho estava bom. Ela não tinha a
humanidade de perceber que eu, como aluno da Química, ou como aluno da Física
ou da Matemática, se eu pego um artigo e ela manda eu falar, por exemplo, da
teoria do movimento da Escola Nova, que foi o meu assunto, a gente vai pegar um
artigo, não tenho condição prévia de ver o errado...
A professora pareceu não reconhecer a falta de base na sua área de
conhecimento (ciências humanas) dos alunos para os quais lecionava (ciências
naturais) como algo inerente à formação acadêmica desses alunos, o que levou os
alunos a terem dificuldades de relacionamento com ela. No conflito, um aluno usou o
embate entre ciências humanas e naturais para caracterizar a mesma “ignorância”
por parte da professora:
Aí uma pessoa, como falei, eu quase não conseguia falar, explicou isso pra ela que
nós, como alunos da Matemática, Física e Química, a gente não tinha embasamento
teórico pra ver um artigo e julgar se tava certo ou não o que o cara, a pessoa estava
falando. Porque ela, naquele momento, ela botou... ficou traçando um paralelo entre
o pessoal da Pedagogia e o pessoal das exatas, criticando a gente, dizendo que os
71
alunos da Pedagogia eram infinitamente melhores, que o seminários deles seriam
infinitamente melhores, mas eles desde o 1º. período tem o embasamento teórico
pedagógico pra julgar, tem que saber bem melhor que a gente. Então a gente
questionou: “professora, se a gente te desse um artigo, pra começo de conversa,
você nem saberia como iniciar um seminário na nossa área”.
O licenciando em Química esperou dos professores da área de pedagogia
uma atitude humanizada, de entendimento, mas o que vivenciou foi algo totalmente
diferente, quando no dia da apresentação de seu seminário, pediu à professora para
adiar porque tinha extraído um siso:
Eu vim com atestado mostrar pra ela que eu não poderia apresentar, ela falou que o
problema era meu, que se eu não apresentasse, iria ficar com zero. Eu falei com ela:
“professora, eu mal tô conseguindo falar, só minha parte do trabalho, meia hora ou
mais”. Ela, como profissional de educação, formando educadores, ela simplesmente
colocou de lado tudo aquilo que ela aprendeu na formação dela em educação e
simplesmente ignorou que naquele momento eu não conseguiria apresentar o
trabalho, mesmo comprovando [...] Moral da história: no final da apresentação meus
pontos saíram, estava com a boca sangrando, o que não estava muito bem, piorou.
Embates entre ciências humanas e ciências naturais são percebidos pelos
alunos também nas aulas de Química, quando eles questionam os professores
sobre o ensino de determinado conteúdo dado no Ensino Médio:
eu acho que essa parte pedagógica [...] deveria ser dada não pelos professores que
a gente tem aqui [no Instituto de Química] da [Nome da Universidade], acho que
deveriam ser pelos professores da prática, porque acontecem equívocos, erros. Os
professores daqui eles não dão aula no 2o. grau, eles não estão capacitados pra
questionar a gente em alguns pontos e falar se tá errado ou não
Os “professores da prática” seriam os professores responsáveis pela Prática
de Ensino, disciplina voltada especificamente ao ensino de Química e que apresenta
caráter teórico e prático, ou seja, o professor tanto é responsável pela orientação
quanto à teoria pedagógica quanto pelo acompanhamento e avaliação do estágio
curricular dos alunos.
A insatisfação do Licenciando em Química pode ser um sinal de que as
imposições por relação hierárquica de poder, a visão de que o professor tem a voz
do conhecimento sobre um assunto pelo fato de ser professor, não é algo tão
naturalizado entre os alunos. Também o Bacharelando relatou dificuldades na
relação professor-aluno devido às estruturas de poder:
72
um professor, lembrei, que no começo eu gostava, depois passei a não gostar dele,
ele se achava o dono do poder, porque ele dava a aula dele, até gostava da aula
dele no começo, mas ele... a gente descobriu depois que era uma aula decorada, na
verdade. Pediram pra ele fazer um exercício, ele não conseguiu fazer o exercício [...]
na outra semana, ele chegou de manhã e o mesmo exercício ele pediu e corrigiu. Só
que ele ficou com ódio das turmas, aí ele sacaneou, literalmente. Se você não
fizesse... lembro até que uma questão minha estava certa, porque não fiz do jeito
dele, ele “pô, mas isso aqui não é Física, isso é Matemática”. Eu olhei assim... ele
“essa prova é de Física, não é de Cálculo”...
Percebemos
na
fala
do
Licenciando
em Química,
outro
nível
de
desarticulação curricular, que ocorre dentro das disciplinas de conteúdo específico
quando se questiona o ensino do conteúdo no Ensino Médio. O gênero discursivo do
estudante que percebe esta desarticulação não parece ser conformado pelo habitus
pedagógico dos professores das ciências naturais, já que ele critica a postura dos
professores, que não parecem se dar conta do problema:
Os professores daqui eles não dão aula no 2o. grau, eles não estão capacitados pra
questionar a gente em alguns pontos e falar se tá errado ou não. Eu tive
apresentação de seminário aqui, na disciplina de Química do Cotidiano, onde o
professor falou que eu tava ensinando algo errado. Aí eu falei “tá, professor, mas o
que está errado?” ele, “não, está errado”, “tá, professor, entendi que está errado,
mas o que está errado?”, “não, porque não é assim que ensina pro 2º. Grau”, “então
como você ensina?”, “é que se ensina assim, assim, assado”. Eu falei “não,
professor, isso a gente ensina aqui na faculdade, durante a graduação, no 2º.grau a
gente ensina dessa forma”, ele “não, mas tá errado”, eu “professor, você já deu aula
no 2º.grau?” “não”, “pois é, eu dou aula no 2º.grau a um ano e meio, em 4 colégios
diferentes e a disciplina lá funciona assim”.
As disciplinas das ciências humanas são divididas, para o Licenciando,
naquelas cujos conteúdos seriam “mais focados” e noutras, que teriam conteúdos
mais “gerais”:
acho que a parte pedagógica aqui deveria ser mais estruturada, a gente ter uma
coisa mais focada lá no final da graduação, que é quando a gente vai estudar
Instrumentação pra Química do Cotidiano e Didática Especial da Química, que são
duas didáticas especiais, e tem uma que é Evolução da Química. Então são quatro
disciplinas só pedagógicas que tem um enfoque restrito na química, que são
realmente úteis, agora as outras, Psicologia da Educação I, Psicologia da Educação
II, Sociologia, Fundamentos Filosóficos, a gente não usa.
73
A desarticulação ocorre também, de acordo com o discurso do Licenciando
em Química, entre os conteúdos dos ciclos básico e profissional. O aluno reclama
por uma melhor integração curricular entre estas etapas do curso, que acaba tendo
que ser “descoberta” pelos próprios estudantes, ao longo do curso:
A gente teve aula de cálculo com professores que são formados em Matemática.
Então, muitas vezes, no início do curso, as pessoas falavam “pô, porque estudo
isso, é chato” e tal... os professores não sabiam dizer pra que que a gente tinha que
estudar cálculo, ou então “ah, tá na grade, porque faz parte do currículo básico”. Só
que a gente não vai chegar no final da faculdade sem saber porque que a gente tem
que estudar cálculo e Física, que são as maiores repetências aqui da faculdade. Na
verdade, a gente questiona, e os professores não sabem porque a gente tem que
estudar cálculo, os professores de Física não sabem porque a gente tem que
estudar Física... Mas, conforme a gente vai caminhando na graduação, a gente vai
vendo a importância daquilo que a gente teve lá no ciclo básico. Por mais que as
pessoas não saibam, a gente uma hora vai entender, lá em Bioquímica eu vou usar
essa teoria tal tal. Mas porque não dar o enfoque, quando for usar o cálculo, pra que
que aquilo existe? Até porque o professor de Matemática não é da Química, ele é lá
do Instituto de Matemática, ele simplesmente vem aqui, dá a aula que tem que dar e
vai embora. Não sabe relacionar a Química à matéria, por mais que não tivesse
relação com a licenciatura... é uma falha que existe na escolha do profissional para
ministrar aquilo...
O Licenciando em Química menciona a “chamada” e a “reprovação” como
“instrumentos de repressão” para obrigar o aluno a estar presente nas disciplinas
pedagógicas. Critica tais procedimentos na medida em que os mesmos refletem a
incapacidade do professor de motivar os alunos para que estejam presentes e
assistam as aulas satisfeitos, dispensando atenção ao conteúdo a ser ensinado.
os professores usam, como instrumento de repressão, a chamada pra obrigar que a
gente esteja aqui. Mas nem é capaz... às vezes eles não conseguem perceber se
ele não é capaz de motivar os alunos pra que estejam aqui presentes na aula,
alguma coisa tá errada. E não vai ser prendendo a gente com uma lista de chamada,
ameaçando reprovar, que você vai estar ali, satisfeito, querendo prestar atenção ali
no que ele tem a ensinar.
O bom professor seria aquele que cativa, motiva e que não dá uma aula
chata, monótona, enfadonha. O Bacharelando em Química descreve como um
professor ruim aquele que “joga a matéria no quadro” e não se mostra solícito ou
empenhado para explicar aos alunos o conteúdo:
74
tem professor que você não quer ir pra aula dele... tinha matéria que eu gostava até
da matéria, mas não gostava do método do professor... tinha professor que pegava,
jogava no quadro a matéria e sumia! Deixava a gente fazendo exercício da matéria...
esse professor é um exemplo que, se tivesse opção de horário, você não iria assistir
aula dele, com certeza, a turma dele ia ficar vazia. É muito relativo, tinha professor
carismático, tinha professor duro, mas que dava aula bem, tem de tudo aqui. Tinha
professor que falava muito, você não conseguia absorver tudo, mas a aula era
interessante. Acho que não tem um estilo próprio... várias coisas vou aproveitar pra
minha vida profissional, exemplos mesmo. Tive professores muito bons e muito
ruins...
Já o Licenciando considerou um professor da Faculdade de Educação como
exemplar, mesmo que os conteúdos lecionados não viessem a lhe servir em sua
prática pedagógica. Este professor era substituto, de Psicologia da Educação I, cujo
conteúdo é voltado ao desenvolvimento infantil. Tal figura parece ter servido para
reforçar a ideia de que as características pessoais dos professores prevalecem
sobre os conhecimentos teóricos que ele possa adquirir para modificar sua práxis:
o meu professor de Psicologia I foi fora de série, foi excepcional, o melhor professor
da área da educação que eu tive e que o pessoal da minha turma também. Eu nem
sei se ele continuou, mas ele sabia cativar, sabia motivar, e não era aquela coisa
chata, enfadonha, você observava, por exemplo, eu nem lembro se ele fazia
chamada ou não, mas independente disso, a aula era cheia
O Licenciando valoriza muito a relação que o professor estabelece com o
aluno. Defende que a prática de um professor mais “humano” não depende de sua
formação pedagógica:
a nossa formação não vai ajudar na forma como você vai ajudar, não vai influenciar
no momento. Acho que a questão que você tem pra trabalhar com seu aluno,
independente da classe social que ele tem, ou se ele vai ter algum problema, acho
que isso vem mais da sua vivência de mundo e experiência nossa, não são as
disciplinas que eu fiz pedagógicas que vão me ajudar a sentar e compreender um
aluno que foi mal na prova porque o pai bebeu, ou porque ele mora numa
comunidade que tem traficante, ou então porque ele tem uma outra realidade, que o
pai dele tem um cargo alto no trabalho e vive viajando e deixa ele abandonado. A
formação pedagógica que eu tive não... pra mim não vai influenciar, acho que isso é
mais o lado humano, pessoal, então... a forma como vou tratar esses alunos vai ser
mais uma questão minha, mesmo. Acho que todo esse aparato pedagógico da
faculdade, acho que não vai fazer diferença nenhuma.
Essa declaração do Licenciando em Química parece derivar do habitus
pedagógico de um de seus professores da graduação, que ele enaltece:
75
Acho que tem outro também, que são sempre lembrados, que sabem o que significa
a relação com o aluno em sala de aula e não limita isso a só estas 4 paredes e
quando você sai da porta, né? Essa relação, pra ele, vai bem além da sala de aula...
Então por mais que alguns deles não fossem tão bons assim, às vezes não
aceitavam muitas as coisas, falavam que você tava equivocado, que a forma certa
era a deles, eles sabiam cativar e prender a atenção do aluno, por mais que ele se
irritasse com alguma colocação minha, era porque ele, em sala de aula, tinha
aquela postura de professor, mas do lado de fora, ele não mantinha aquela...postura
de professor. Ele tinha aquela situação “eu sei trabalhar o lado humano”, embora
esteja numa... numa... posição acima, “porque sou mestre, sou doutor, mas sei
trabalhar o lado humano”. Isso, a gente acaba levando pra nossa vivência de
professor, eu levei e muitos colegas também levaram o que aprenderam com esses
professores, com os erros deles em sala de aula, algumas coisas que não deveriam
cometer, e aprendemos principalmente com os exemplos deles fora de sala de aula.
Entretanto, o discurso do Licenciando revela que há também, no curso,
habitus pedagógico de professores calcado não no relacionamento humano como o
do professor citado, mas no acirramento das relações de poder entre professor e
aluno:
Na faculdade, principalmente aqui, você tem a questão do professor que está muito
acima de você e que ele facilmente tem o domínio da turma seja por ameaça ou seja
por algum outro meio que ele vai estabelecer, que seja melhor pra ele, o que no 2º
grau não existe.
Em relação às formas de avaliação usadas pelos professores, os alunos
apontaram que diferentes tipos de avaliação são usadas ao longo da graduação. O
Bacharelando menciona uma possível diferença entre as disciplinas obrigatórias e
as eletivas:
já tive seminário, prova, fazer relatório, disciplina só com relatórios... ou então tudo
junto. Teve disciplina que eu tive que fazer relatórios, seminário e ainda prova pra
passar. Nas eletivas, normalmente não tem prova, são trabalhos, seminários,
relatórios... algumas tem prova.
Embora o Licenciando em Química não tenha mencionado a dificuldade do
conteúdo do curso, é possível inferir que ele perceba dessa forma a partir do relato
das ameaças impostas aos alunos, das inúmeras reprovações, etc. Relatou
situações de avaliação em algumas disciplinas onde as relações de poder são
esgarçadas ao máximo. Nessas disciplinas, a avaliação funciona claramente como
mecanismo de subjugar os alunos, como instrumento de ameaça e repressão:
76
[...] Aqui na parte técnica de química, os professores vão dar a prova, muitas vezes
você vai ser ameaçado, reprimido, o professor vai cobrar, muitas vezes, além do que
ele deu em sala de aula... Uma vez, um professor de química nosso falou que o
papel deles aqui no Instituto de Química era ensinar o caminho... e que a gente
deveria trilhar por conta nossa o caminho das pedras, então ele poderia dar, sim, o
que ele quisesse na prova, independente se ele deu em sala de aula, ou não. Então
meu professor de Bioquímica faz isso, um dos professores mais insuportáveis daqui
do instituto... O pessoal que só pode estudar à noite fica muito deprimido com
determinados professores, porque você não pode ter problema nenhum com eles, só
tem eles pra dar aquela matéria. Você não pode ter problema com ele, se não você
não vai se formar. A não ser que ele morra, ele saia, ou que você consiga fazer em
algum outro lugar. Porque ele ameaça o pessoal... Então aqui a gente é reprimido
por conta desses professores... e aqui as pessoas são caladas, não tem voz, ficam
com medo de fazer alguma coisa porque... não vai dar em nada, o cara vai reprovar
quantas vezes ele quiser e nada vai ser feito, por mais que você reclame...
Ao comparar este tipo de relação professor-aluno com outros tipos, comuns
em outros cursos, o licenciando em Química lamenta a desarticulação e a
despolitização de seus pares, os quais não partem para o confronto em situações
onde a disputa pelo poder gera conflito:
quando eu fiz matéria lá na Letras, o pessoal é muito mais politizado.. a gente tinha
uma sala de aula muito grande e... quem era o nosso professor era um professor
substituto. Tinha um professor da casa, que era adjunto, que a turma dele era de
umas 5 pessoas, mais ou menos, e então ele usava a sala pequena. Só que um dia
ele encasquetou que um dia ele tinha que usar nossa sala com os 5 alunos dele,
querendo, obrigando, exigindo que o professor na época que dava aula de Didática
saísse da sala porque ELE era professor adjunto, ele era concursado, ele tinha o
direito de usar a sala que ele quisesse. Se isso acontecesse aqui na Química, os
alunos não tomariam parte do professor, os alunos não fariam nada, principalmente
com medo do professor adjunto, de depender dele pra alguma coisa ou fazer
matéria com ele e ficar reprovado. Na Letras, os alunos imediatamente se
levantaram e falaram que ele até poderia ser professor adjunto contratado da casa,
mas eles, alunos, eram concursados do vestibular da mesma forma que os outros,
então eles tinham tanto direito de estar naquela sala quanto os outros, e a gente não
vai sair e ponto final. Aí o professor chamou a segurança universitária e os alunos
não saíram da sala de aula, não saíram e ponto final. [...] Falta um lado político, um
lado humano na área tecnológica, mas a repressão que a gente tem aqui... por
esses professores, é muito grande, então nada seria feito...
A despolitização dos alunos também é visível quando não se articulam para
reclamar das aulas de um outro professor que não leciona aquilo que cobra em suas
avaliações, segundo o Licenciando:
77
Passa a aula inteira cantando as garotas, falando do Flamengo, falando
besteirinhas, e aí... ensina... esse que não dá aula, que as pessoas falam, ele até
ensina, só que o que ele ensina não cai na prova. É Química Analítica Quantitativa,
essa disciplina envolve muita reação química, muitas contas chatas que a gente tem
que fazer, ele não fala nada disso em sala de aula, ele fala das máquinas, dos
equipamentos que são usados pra fazer essas análises. Isso que ele fala em sala de
aula não cai na prova. Ninguém faz nada pra trocar o professor, ninguém faz um
abaixo assinado, isso daí é assim há anos, da mesma forma que é com o professor
de Bioquímica, então nada é feito.
O Licenciando em Química estabelece um contraponto interessante quando
lembra que os professores pesquisadores atribuem muito valor ao conhecimento
especializado em Química, mas consideram, contraditoriamente, que para lidar com
a formação de professores, não é necessário ou obrigatório ter uma formação
específica:
você tem esses entraves dentro da universidade que “eu sou mestre nisso, sou
doutor naquilo outro”, mas que você não tem vivência. Então por mais que você
tenha o conhecimento teórico, mas da parte técnica – porque tem mestrado em
físico-química, em analítica, mas você não é especialista na área de educação e
você não tem experiência na área de educação pro público do 2º grau, você tem pro
público da universidade, e são públicos muito distintos
3.7.3 Entrevistas com estudantes da Licenciatura e do Bacharelado em
Biologia
O Bacharelando em Biologia menciona o conhecimento do professor como
aspecto positivo do curso:
eu acho uma oportunidade incrível você... você tem realmente uma oportunidade de
obter conhecimento a partir de um professor que é especialista naquilo que ele tá te
passando [...] Uma coisa boa daqui é que os professores são pesquisadores, eles
conhecem a fundo aquele assunto, isso me animava muito a vir pras aulas, eu sabia
que aquela pessoa era especialista, ela, no Brasil, tá entre as melhores, das que
mais entendiam daquele assunto. Então isso eu acho um aspecto muito bom, no
caso da minha formação.
Já o Licenciando em Biologia menciona a experiência no estágio como sendo
o melhor momento de seu curso de graduação. Embora mencione a “aplicabilidade”
do conteúdo do curso, seus enunciados expressam uma forma de construção do
conhecimento, destacando o grupo, o conjunto:
78
Eu achei o meu processo todo de formação como licenciando foi muito bom, tive
matérias boas... algumas matérias não correspondem tanto a expectativa e tudo
mais, mas de uma maneira geral, eu acredito que minha experiência foi muito boa,
minha formação como licenciando foi muitíssimo boa e... a melhor parte, justamente,
foi justamente o estágio no CAp [Colégio de Aplicação], que você vivencia mais
aquilo, faz algum sentido, faz O sentido, na verdade, aquilo tudo que você veio
estudando, né? De colocar na prática, de construir em conjunto... éee... então eu
enxergo que a experiência que eu tive no CAp foi fundamental e a melhor, assim,
pra minha formação como licenciado
É importante ressaltar que, embora se trate de uma construção coletiva, em
momento algum o Licenciando deixou transparecer que não houvesse cobrança por
parte dos professores. O aluno considera a cobrança e a fluidez do trabalho como
uma construção coletiva:
o licenciando da [Nome da Universidade] tem um diferencial porque ele estagia no
CAp da [Nome da Universidade], isso é importante pra caramba porque lá você é
cobrado, o trabalho flui bastante, tem uma construção coletiva muito boa, então
sempre ouvi dizer que isso é um diferencial
Ambos os alunos se identificam com as chamadas “saídas de campo”, mas o
Licenciando chama a atenção para o trabalho exaustivo de tais atividades, para a
relação entre teoria e prática e para a oportunidade de integração entre a turma e o
professor:
a maioria das disciplinas que achei as mais legais foram as que tiveram saída de
campo, não... falando friamente, assim, sem omitir nada... não porque é uma
viagem, porque é um oba oba, porque a gente vai pro meio do mato e não tem
trabalho. Muito pelo contrário, as viagens que a gente tem é trabalho de manhã, de
tarde e de noite, mas é muito bom porque você, tudo aquilo que você vê em sala de
aula vira uma coisa mais prática, sabe? E você integra a turma com o professor, e
atividade o tempo todo, então isso contribui bastante pra que a disciplina seja boa.
Já o Bacharelando aponta a necessidade de planejamento desse tipo de
trabalho pedagógico:
os próprios trabalhos de campo bem organizados fazem toda diferença na formação
do nosso curso. Então alguns professores, bons, realmente se preocupam em
organizar uma excursão, em organizar o que vai ser dado naquela excursão.
Em relação aos professores, o Licenciando destaca como aspecto positivo o
apoio que muitos destes dão ao engajamento político do corpo discente:
79
como muitos dos professores já foram alunos do Instituto de Biologia, então eles tem
um carinho por aquilo tudo, eles já passaram por aquilo e sabem o que aquilo
representa. Então a articulação com a maioria dos professores é muito boa. [...].
Tem professores que realmente ignoram a opinião e tem professores que querem
mais é que os alunos dêem opinião, e abraçam aquilo ali, sabe? Difícil ter uma
unidade completa, mas a maioria dos professores apóia muito isso.
O Bacharelando assinala que percebeu haver diferenças entre laboratórios e
departamentos de seu curso de graduação, o que nos permite inferir haver disputas
internas, inclusive relacionadas ao capital econômico:
em termos de infraestrutura [...] é... alguns departamentos que fizeram parte da
minha formação são excelentes. [...] em alguns lugares, você entra no laboratório e
parece que tá em outro mundo. Então aqui a gente tem uma oportunidade éee,
assim, sensacional, de fazer pesquisa de ponta. Mas, ao mesmo tempo, alguns
departamentos éee... [...] Tem infraestrutura, enfim, pra conseguir produzir pesquisa
enquanto que em algum laboratório os professores estão até sem onde ficar,
entendeu? É um “puxadinho” dos outros laboratórios, como no caso do laboratório
que eu estagiei. Então ao mesmo tempo que tem pesquisadores excelentes,
fazendo pesquisa de ponta, em alguns casos, a infraestrutura ainda é muito
precária...
Já o Licenciando reconhece o capital científico do curso, que é voltado para a
formação para a pesquisa. Em relação ao currículo, aponta a desarticulação entre os
ciclos básico e profissional que obriga o estudante a escolher a carreira sem maior
conhecimento sobre as possibilidades de especialização, após a conclusão do ciclo
básico, devido à falta de algumas disciplinas durante os primeiros anos da
graduação:
Só virei licenciando mesmo no meio da faculdade, mas eu senti falta [...] como eu
tava falando, que ela forma muito pesquisador, o Instituto de Biologia, então não me
vi muito, assim, pela... por alguma disciplina, não sei como se encaixaria... que a
faculdade me preparasse pra ser um biólogo de uma empresa, não sei qual seria o
papel numa empresa X ou numa empresa Y, sabe? Ela preparou pra esse tipo de
mercado, preparou pra que eu fosse um pesquisador, preparou até muito bem,
sabe? Os pesquisadores daqui são muito bons e tudo mais, nada a reclamar, mas
talvez faltasse um pouquinho disso... Ampliar... No ciclo básico, eu não vejo nada de
educação e eu tenho que, no meio da faculdade, optar se eu quero licenciatura... é
engraçado... éee... no ciclo básico, eu não vejo nenhuma disciplina da Biologia
Marinha, mas um dos bacharéis é de Biologia Marinha...
80
Quanto à qualidade do curso, o Bacharelando em Biologia prefere adotar uma
postura mais resguardada frente à opinião dos demais alunos, os quais “adoram
reclamar”. Quando perguntado sobre como o curso pareceu para eles, respondeu:
eu tenho um pouco de pé atrás com isso porque eu acho que as pessoas adoram
reclamar [risos], né? Então mesmo quando a coisa não está tão ruim assim, ou
quando... um pequeno deslize, as pessoas já gostam de fazer um drama. Mas... eu
via muita gente reclamando de professores, “ah, não faz essa matéria, essa matéria
é muito ruim, não sei o que” e eu decidia “vou fazer”, e via que não era nada daquilo,
entendeu? Então eu acho que tem muita reclamação exagerada [risos]... Éeeee,
então eu não costumo me basear na opinião... foi uma coisa que eu aprendi aqui:
não se basear na... Assim, é bom você ouvir, de repente tinha coisas que eles
estavam realmente certos, algumas matérias realmente não prestaram. Mas eu vi
que todas as matérias, existe sempre uma pessoa que vai falar mal, que vai
esculachar... então não costumava me guiar muito por isso
Para o Bacharelando, algumas reclamações pareciam relacionadas à
necessidade do aluno queixoso de se dedicar apenas às disciplinas que escolheu
para seu aperfeiçoamento profissional:
tem gente que entra na faculdade pensando “vou fazer genética”, e tudo que não é
genética a pessoa vai falar mal, todas as aulas de Botânica, vai falar “ai, que saco,
essa matéria, esse professor...” Assim, se você não tiver a cabeça aberta, realmente
vai achar um saco... Então eram poucas as pessoas que realmente se abriam e que
avaliavam bem, sabe? “Aquela matéria é boa porque o professor é bom, porque é
bem dada” ou se é porque a pessoa não vai com a cara da matéria e
simplesmente...
Já o Licenciando traz a voz das “pessoas” para ajudar a realçar a qualidade
da Licenciatura em Biologia:
a impressão que eu tenho é que as pessoas gostam muito dos licenciandos
formados aqui
O Bacharelando aponta como fator negativo o fato de pesquisadores agirem
sem grande compromisso com a obrigatoriedade de lecionarem:
um ponto positivo eu já tinha até falado, esse dos professores. Que apesar da gente
ter que dar jeitinho de brasileiro, todos os professores tem que dar, eles realmente
são... são pessoas de grande conhecimento, então isso pra mim me animou muito,
porque é uma coisa que eu sempre quis estudar. Quando cheguei aqui e vi que era
um conhecimento todo que iria me passar, foi um ponto positivo pra mim, entendeu?
81
[...] É... mas um ponto negativo seria muitas vezes a falta de compromisso de alguns
professores, porque o que acontece aqui é que eles são pesquisadores, são
obrigados a dar aula, de uma certa forma, então... então alguns professores se
dedicavam muito mais à parte de pesquisa e não davam muita atenção pra parte de
ensinar, então ou não preparavam uma aula direito, ou não cumpriam com horário,
não cumpriam com a entrega de prova, entendeu?
O Bacharelando esclareceu o que quis dizer com “preparar a aula”, fazendo
uma ressalva quanto ao material didático usado e ao conteúdo que o professor que
utiliza o material, domina:
eu acho que é a forma como você passa o conhecimento, não é nem você ter um
slide bonito. Eu tive um professor que deu aula em transparência que foi excelente,
muito melhor que muita aula em datashow. Então acho que é a maneira como ele
passava o conteúdo, de não simplesmente jogar a informação, mas mais fazer você
chegar naquele... fazer você seguir o raciocínio dele é o que faz você crescer
mesmo porque, bem ou mal, uma informação mal jogada, passa uns meses, você
esquece, a não ser que fique lidando com aquilo... então aulas assim, não valem
nada...
O Licenciando menciona uma disciplina como sendo o diferencial em sua
matriz curricular, a melhor matéria que cursou. Percebe-se, claramente, a diferença
na forma que a disciplina foi forjada e o quanto contribuiu para que ele aprendesse a
avaliar e a construir conhecimento coletivamente:
Tem matérias que não tem muito como fugir da sala de aula, não é a melhor
metodologia, mas às vezes não tem muito como fugir daquilo ali. Mas eu tive uma
disciplina que durante um semestre inteiro, preparamos um curso para professores,
e era sobre “Vivências em Ecologia”, então, não tinha aula, assim... a disciplina era...
sentava 10 alunos em sala de aula com 2 professores e a gente elaborava um curso
de 1 semana, com atividades de manhã e de tarde, que a gente levasse esses
professores ou esses funcionários de secretaria de meio ambiente pra ir em... em...
determinados ambientes, ou numa restinga, ou numa praia, ou numa lagoa onde
houvesse algum impacto ambiental e que a gente teria que, fora do ambiente de
sala de aula, transmitir algumas informações pra eles, pra que eles tivessem alguma
vivência em ecologia. A gente fazia saída de campo com os professores, atividade
lúdicas, jogos, botava os professores pra construir novas formas de ensinar aquilo
que eles viram num momento anterior, numa praia, pra que eles tivessem um...
trabalhassem o conteúdo que eles tiveram pro próprio grupo, sabe? Preparar como
seminário, ou uma história... Construísse alguma coisa sobre o que eles aprenderam
de manhã e, à tarde, passasse isso pra todo grupo, era uma turma de 40 alunos. Dá
pra dizer que essa foi a melhor matéria, muito gratificante, o resultado final, a
construção em grupo de um curso. Você mergulha bastante naquilo ali e vê o
resultado positivo do que sai...
82
Embora não pareça valorizar os mesmos aspectos educacionais destacados
pelo Licenciando, o Bacharelando considera como aspectos negativos, dentre
outros, o fato do professor “jogar informações” para os alunos, não organizar a aula
prática e não explicar o “porque” de suas decisões:
o professor não era assíduo, faltava, chegava atrasado e... deixava quieto... As
aulas eram basicamente... era mais fácil você ler o livro, porque o professor
praticamente jogava as informações, sabe? Não tinha uma... não tinha um modo de
passar, uma coisa alternativa. Era aquilo, slide cheio de texto, isso é horrível [risos].
Inclusive uma das matérias que tô pensando, tinha aula prática, a aula prática era
uma desorganização horrorosa... [...] Nada era explicado, não tinha “porque que a
gente tá fazendo nessa aula prática, vocês vão tá vendo o que”, era uma coisa
jogada, “ah, isso aqui é isso, isso aqui é isso, pronto, viu? tchau”.
Mas ressalta a importância da prática em sua formação:
[...] uma coisa que é muito importante, principalmente pro nosso curso, é uma aula
prática bem organizada. Isso faz a diferença, assim, da água pro vinho [...] aprender
Biologia sem aula prática é inviável. E, pra alguns bacharelados mais do que outros
[...] Existe o trabalho de campo, o trabalho prático no laboratório, além das aulas.
Então os próprios trabalhos de campo bem organizados fazem toda diferença na
formação do nosso curso. Então alguns professores, bons, realmente se preocupam
em organizar uma excursão, em organizar o que vai ser dado naquela excursão.
Organizar as aulas práticas [...]
Muitos professores pareciam comprometidos com sua profissão, de acordo
com o discurso do Bacharelando. Este compromisso é percebido pela relação
professor-aluno estabelecida e pelo atendimento extra-classe, aspectos positivos e
apreciados nos professores:
a relação aluno professor, relação até de amizade, muitas vezes, porque... claro que
tem seus podres, mas... né? Os professores eles... eles... você tem onde encontrálos, você sabe que o professor é do laboratório tal, você tem alguma dúvida, alguma
coisa, você acessa ele. Mesmo que ele seja chato, tenha que encher o saco, mesmo
que ele seja o máximo, que te recebe, que te dá maior atenção... então acho que,
independente da boa vontade dele, você vai ter acesso... e, no geral, os professores
daqui eles tem uma... eles tem uma boa vontade pra te ajudar.
Já no discurso do Licenciando, o professor bom, além das demais qualidades,
é aquele que é apaixonado por sua profissão, muito comprometido com o que faz:
83
Ele tinha preocupação com os alunos e tudo mais, e essa disciplina não tinha saída
de campo, mas o professor era muito bom, ele tinha aquela preocupação com o
aluno, sabe? Não tinha preocupação de ter saída de campo, mas uma vez ele foi
gripado, doente, levou a gente no jardim de didática, ficou pegando chuva, o cara
era apaixonado pelo que ele tava fazendo. Tomando chuva ali, querendo explicar, a
gente “não, vamos sair da chuva”, ele “não, vai passar daqui a pouco, só repousar”...
Para o Licenciando, a maioria dos professores de sua graduação podem ser
considerados bons:
Foram poucas as matérias que eu peguei... poucas ou quase nenhuma matéria que
eu peguei que realmente o professor só lia o slide, você fazia uma prova e acabou.
Dificilmente peguei matéria assim. Já peguei uma matéria que era muito legal, a
professora tinha boa vontade, mas a aula é muito ruim, o livro explica melhor, sabe?
O professor que se recusa a atender ao aluno, ou que não planeja seu
trabalho visando seus alunos, seriam aqueles descompromissados com sua
profissão para ambos os alunos:
Bacharelando em Biologia: tem aqueles professores que [...] muitas vezes são meio
difíceis de encontrar, que são meio escorregadios, não tem tempo, “passa aqui
depois”, bábá bibibi... e os que não costumam cumprir com a obrigação que na
verdade é deles, e manda outras pessoas fazerem, por exemplo... ele bota
estagiário pra dar aula, bota alguém... sem necessidade, entendeu? Não que o
estagiário seja incompetente, mas ele não quer dar aula, bota o estagiário... [...] tem
professores que não cumprem com a obrigação deles...
Licenciando em Biologia: tive muito professor que chegava ali e falava “olha, odeio
dar aula, tô aqui só porque sou obrigado, porque minha praia é pesquisa e
infelizmente vocês vão ter que me aturar aqui um pouquinho”. Aí ele dava aquela
aula de leitura de slide e só isso, sabe? Não tinha aquela preocupação com que a
gente... como fazer aquilo de uma forma melhor, ou como tornar aquilo interessante
pra gente, ou o que que a gente precisava dele
O Bacharelando considera a graduação em Biologia um curso fácil. O que
faltaria seriam comportamentos e atitudes sérias por parte dos estudantes quanto à
formação profissional:
eu vejo uma tendência de piora.. acho que as pessoas tão chegando um pouco
imaturas na universidade, e não tão melhorando... porque...éee, passar em
matérias, não é muito difícil, eu acho que o interessante da faculdade é você
realmente absorver aquilo porque aquilo vai pra sua vida profissional. Então, cada
vez mais eu vejo entrando pessoas muito ... assim, infantis... e, na minha opinião,
ele é um curso fácil de se passar... o difícil é realmente você absorver o que você vai
84
precisar. Mas passar em matéria é fácil, pessoas que não querem nada com nada
conseguiram passar no vestibular, e, infelizmente, vão conseguir um diploma,
assim... éeee... assim éee... sem ter levado a sério. Então eu acho que... é... é
possível, infelizmente, é possível você não levar tão a sério e, mesmo assim,
conseguir o mesmo diploma que uma pessoa que realmente se esforçou...
O comprometimento do aluno aparece descrito de forma diferente no discurso
do Licenciando, que aponta uma diversidade de atitudes entre os licenciandos:
por conta dos alunos, às vezes, assim... nem todo mundo tem tanto compromisso
[...] já vi de tudo, de gente que “pô, achei maneiro, super importante”, aquele pessoal
que tá empenhado em ler, em se interessar, e já vi gente falando “ah, só tô fazendo
aqui pra completar mesmo, pra pegar o diploma no final e poder dar aula”, só pra
poder cumprir crédito e pegar o diploma
O licenciando coloca, no entanto, a dúvida sobre o baixo interesse nas
disciplinas pedagógicas: ou pouco valor atribuído à parte teórica frente à prática ou a
teoria pode ser julgada como sendo absolutamente dispensável, em qualquer
domínio (específico ou pedagógico):
ou ele não julgava que aquela matéria era importante mesmo, só queria que aquilo
ali acabasse, ou ele realmente julgava que tudo, não só aquela matéria, mas todas
as outras, fossem importantes, fosse importante, por exemplo, só o CAp, que é a
hora que ele vai botar na prática mesmo, vai aprender só ali. O fato daquela
discussão teórica que você tem antes de ir pra lá não fosse tão importante, sabe? E
aí o comprometimento pode ser menor, passa por esses motivos...
A politização dos alunos parece algo sacramentado no curso de Biologia, a
ponto de o Centro Acadêmico (CA) participar da construção coletiva da reforma
curricular da graduação. A carga horária de atividades discentes é uma das pautas
de discussão sobre a reforma curricular:
O pessoal aqui do Instituto de Biologia, os alunos correm bastante atrás e... reforma
de currículo, essas coisas, de procurar bem o que eles acham que é bom pro curso,
o que é bom pra Biologia [...] o Centro Acadêmico de Biologia é bastante ativo
nessa parte, sabe? Eles participam sempre de congregação, pra discutir currículo,
fazer a coisa andar mesmo, fazer a coisa melhorar pra todo mundo como um grupo
[...] A gente tá passando agora até por uma reforma curricular... Tem o caso da
ampliação das horas que a gente precisa ter estagiado, então como a gente já
desempenhava muita atividade educacional extra-acadêmica [...] como é que a
gente ia ver no currículo pra que já contassem horas ali, pra que não ficasse pesado
cumprir tantas horas e pra que a gente já aproveitasse coisas que a gente já fazia,
sabe? A articulação aqui funciona bastante bem. É difícil, as coisas são demoradas,
85
mas não é por culpa nossa, uma reforma curricular não acontece da noite pro dia...
Mas tá caminhando e tudo mais, a gente tá correndo atrás de tudo isso...
O Licenciando em Biologia descreve o Centro Acadêmico como sendo
formado por uma comissão de alunos, de todos os alunos que querem se engajar, o
que gera um orgulho nos discentes da Biologia, segundo ele, pois o grupo se
empenha em obter conquistas, em deixar “coisas boas” para todos, como um legado
para os futuros graduandos:
Todo mundo tá ajudando como quer e quando pode o tempo todo. Às vezes tem
alguém passando no corredor e “ó, estamos precisando de gente pra assistir uma
congregação e contribuir com opinião”, coisa assim... [...] O CA é bastante ativo,
você não precisa necessariamente fazer parte, a gente não tem um presidente, por
exemplo, do CA. Todo mundo fala... é uma auto gestão, não tem alguém que seja o
mentor da coisa. Tem várias pessoas que são chave, que você conhece... Você
sempre reconhece aqueles que são mais ativos, mas não tem uma pessoa que
responda pelo CA. Mas o CA responde por ele mesmo, é um grupo de pessoas... ...
rola bastante, assim, o orgulho que as pessoas transmitem de “olhe tudo o que a
gente construiu e olha como é que as coisas tem ficado boas pra vocês... vem
ajudar a gente a fazer isso tomar um pouco da sua cara”
CAPÍTULO 4
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo encontra-se dividido em quatro seções. Tal disposição visa
sistematizar a discussão em relação aos aspectos investigados nas entrevistas, que
são as concepções pedagógicas e as concepções epistemológicas presentes no
discurso dos estudantes. Na terceira seção, buscamos relacionar e sintetizar
concepções encontradas e inferir reflexões sobre a questão de pesquisa. Na última
seção são apresentadas algumas implicações dos resultados deste estudo para a
formação de professores.
Partimos do princípio de que a interpretação e a discussão aqui propostas são
consideradas como uma possibilidade, dentre inúmeras outras, para que possamos
refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem em ciências a partir do relato
dos estudantes universitários entrevistados.
4.1 Concepções pedagógicas no discurso dos estudantes
O modelo curricular da graduação em Ciências Naturais apresenta
praticamente a mesma organização há pelo menos 30 anos, sem alterações
significativas. Os valores e os padrões de conduta dos professores universitários
com relação à formação docente pouco se modificaram, sendo a formação oferecida
ainda voltada à formação científica e à preparação para a pesquisa. A formação do
bacharel parece ainda cercada de prestígio acadêmico e científico, enquanto a
formação para a licenciatura aparenta ser desvalorizada: são incluídas disciplinas
pedagógicas como o necessário para a formação docente ao final da graduação e,
muitas
delas,
são
ministradas
por
professores
substitutos,
contratados
temporariamente, que, por isso, não podem interferir na ementa a disciplina que
lecionam (SCHNETZLER, 2000).
Dentre os seis entrevistados, todos se declararam satisfeitos com a formação
recebida na graduação. Cinco elogiaram seus cursos e ressaltaram como ponto
positivo
ter
aula
com
professores
especializados,
detentores
de
grande
conhecimento em suas respectivas áreas. Poderíamos inferir, considerando o
87
dialogismo entre os estudantes de cada curso, que este gênero discursivo é próprio
do estudante desta universidade pública, reconhecida pela excelência em pesquisa
e valorizada pela sociedade em geral como oportunidade privilegiada de qualidade
de ensino.
Mas a necessidade de conhecer e dominar a base científica ultrapassa o que
é ensinado, de modo geral, nas disciplinas universitárias na área das ciências
naturais: nestas, os conteúdos aparecem como prontos, verdadeiros, estáticos,
neutros, sem relação com o contexto social, histórico e cultural. São conteúdos
mergulhados na crença empirista-positivista-indutivista, onde não há espaço para se
pensar algo diferente de uma concepção de ciência neutra, objetiva e que produz
verdades. Porlán (1989 apud HARRES, 1999) constatou em estudo com ampla
amostra de professores espanhóis que a predominância da concepção positivista da
ciência acompanhou a visão tradicional do ensino, a qual apareceu relacionada à
visão da aprendizagem em ciências como assimilação de significados acadêmicos
acabados. Tais relações nos permitem supor que uma visão absolutista da ciência é
referência para uma visão tradicional de seu ensino.
Nos cursos de licenciatura, as disciplinas seguem sem que haja aproximação
entre as pedagógicas e as de conteúdo específico. A aproximação somente ocorrerá
vários meses após o início da graduação, em disciplinas como Prática de Ensino,
Didática Especial ou alguma cadeira sobre instrumentação para o ensino. Os valores
que perpetuam e condicionam tal tradição parecem ligados à manutenção das
comunidades científicas: cabe, então, utilizar os conceitos de habitus e de campo
científico para explicar as disposições que promovem a rotina no espaço de ação
cujas posições dos agentes parecem determinadas, onde percebemos que a matriz
curricular e a especialização dos professores parecem voltadas para a valorização
da formação de pesquisadores (bacharéis) em relação à formação de professores
(licenciados). “Os currículos reproduzem o arcabouço necessário para sustentar
estes valores” (CUNHA, 1994 apud SCHNETZLER, 2000): a pesquisa parece ser a
principal atividade dos docentes e o reconhecimento destes como especialistas
configura status acadêmico, ou seja, capital cultural reconhecido pelos alunos ao
enaltecerem os professores como especialistas. Metodologias de ensino parecem
pouco valorizadas entre os professores universitários, devendo o estudante mostrar
que é “capaz” e que “se empenha” para adquirir os conteúdos curriculares, pois a
88
graduação é reconhecida como não sendo para todos, já que seus conteúdos
demandariam competências específicas, saberes vetados ao domínio universal.
Ao lado da valorização da especialização científica, alguns professores foram
criticados pelos entrevistados porque, como podemos ver no discurso da
Licencianda em Física, estes professores não buscam conhecimentos pedagógicos
específicos para lidar com seus alunos. A falta de visão de educação leva-os ao
ensino tradicional como única alternativa.
O Licenciando em Química, por sua vez, questionou a autoridade de dois
professores, mas generaliza para outros a sua crítica, por não terem domínio sobre
o conteúdo de Química para o Ensino Médio, segmento com o qual nunca atuaram.
De fato, a valorização da alta profissionalização e especialização de saberes,
tão difundida em nossas sociedades, não acontece ainda em relação à prática
pedagógica. Perrenoud (1993 apud MALDANER e SCHNETZLER, 1998) chama a
atenção para o fato de que valorização das tarefas de ensino, especialmente
aquelas que culminam em atividades voltadas para os ensinos fundamental e médio,
são consideradas como menos complexas e com menor exigência de saberes
especializados pelo meio social, e a docência é vista como algo fácil e simples,
possível de ser executado por quem não tem formação específica para atuação
pedagógica:
Se o ensino continuar sendo o fato de passar certos conteúdos no
quadro, informar sobre eles, e a aprendizagem continuar sendo o
fato de devolver isso nas provas, o tempo e espaço do professor,
como estão distribuídos hoje, são adequados. Novos espaços e
tempos serão conquistas que somente uma nova prática pedagógica
poderá proporcionar e, com isso, a implantação de um verdadeiro
processo de profissionalização do professor (MALDANER e
SCHNETZLER, 1998, p.207).
Para Zimmermann (2000), a profundidade de conhecimento que se tem sobre
um conteúdo disciplinar facilitaria sua abordagem em maior profundidade nos cursos
de formação, o que, proporcionaria ao futuro professor a capacidade de explicar e
discutir os conteúdos com maior facilidade em sala de aula, sem se ater a linguagem
excessivamente técnica ou apelar para ela como estratégia de disfarce sobre um
assunto que não domina. As explicações durante a graduação também deveriam ser
oferecidas através de linguagem acessível aos alunos de modo que o conteúdo
89
abordado durante o curso habilitasse os futuros professores a buscar estratégias de
ensino que os faça ser claros quando em sala de aula e que não propaguem a visão
deturpada de que o conhecimento científico é algo restrito a um pequeno grupo de
pessoas “capazes”.
Para tanto, seria necessário conhecer a pedagogia dos conteúdos da
disciplina ministrada, que depende tanto do entendimento claro sobre o conteúdo
quanto do modo como esse conhecimento é aprendido. Shulman (1986 apud
ZIMMERMANN, 2000) afirma que este tipo de conhecimento é o que o professor
necessita para desenvolver a habilidade de transformar e reformular o conteúdo,
tornado-o compreensível a outros. O professor deveria, então, conhecer os
conteúdos da disciplina que leciona e também saber das dificuldades que os alunos
apresentam durante o aprendizado de alguns destes conteúdos. Somente assim
seria capaz de criar estratégias para facilitar a aprendizagem de um ou outro
conteúdo em particular.
Tal prática está longe do habitus pedagógico dos professores dos cursos
universitários das ciências naturais, conforme pudemos perceber a partir do discurso
dos estudantes dos cursos de Física e de Química, já destacados no Capítulo 4. As
disciplinas de conteúdo específico seguem numa velocidade acelerada de exposição
de conteúdos pelo professor, o qual assume o papel de expor num monólogo para
alunos que copiam e assimilam as informações como respostas únicas, conforme
relatado pelo Bacharelando em Química, que aponta o fato de que considera o curso
“superficial” por falar sobre muitos conteúdos sem, no entanto, haver tempo viável
para aprofundá-los. Aprender mais sobre um assunto seria tarefa a cumprir nos
estágios ou na iniciação científica. Tal contexto é justificado pela necessidade de
cumprir o currículo e o programa estabelecidos, o que gera a necessidade de que os
conteúdos sejam apresentados sem re-elaborações ou qualquer reflexão feita pelo
professor. Qualquer comprovação ou ilustração do conteúdo teórico encontra-se sob
a responsabilidade das chamadas “aulas práticas”, realizadas em laboratório. As
práticas de ensinar e aprender são construídas em cima de raciocínio lógico, em
especial sobre a dedução, e o objetivo das aulas, neste contexto, é a preparação
para as provas.
As aulas práticas são, em geral, descritivas, enfatizando o acúmulo de
informações e o uso de demonstrações experimentais cujo objetivo é confirmar
empiricamente o que já foi ensinado teoricamente. Este tipo de procedimento pode
90
ser constatado através do discurso do Bacharelando em Física e do Bacharelando
em Química. Já o Bacharelando em Biologia coloca como ponto desfavorável em
sua graduação o fato de haver professores que conduziriam as aulas práticas
laboratoriais sem mencionar o motivo da mesma ter sido planejada, mas ainda assim
ressalta a importância dessas aulas para a formação.
Para Schnetzler (2000), a função das aulas práticas tem sido a de mostrar a
importância de seguir o “receituário”: a idéia de que a experiência falhou, isto é, o
resultado foi diferente do esperado no objetivo da atividade experimental, ensinando
os alunos a considerar como importantes algumas atitudes próprias da atividade
científica, restritas ao contexto de prescrição, de “seguir instruções” de modo
sistemático. Este tipo de procedimento foi elogiado pelo Bacharelando em Física, o
que mostra um habitus pedagógico semelhante ao dos professores do curso.
Poderíamos acrescentar as listas de exercícios propostas (ou impostas?)
pelos professores do curso de Física, conforme relatado pela Licencianda em Física,
como também tendo o objetivo de fazer os alunos memorizarem os procedimentos
corretos de solução de problemas.
No discurso de licenciandos e bacharelandos, percebe-se que as disciplinas
são cursadas sem qualquer integração entre elas. Em cursos deste tipo, a tendência
é de que os estudantes acabem com conhecimento compartimentalizado seja em
relação às disciplinas de conteúdo específico, seja em relação às disciplinas
pedagógicas. Talvez as disciplinas integradoras (Prática de Ensino, Didáticas
Especiais, instrumentação para o ensino, metodologia de ensino) sejam o único
momento de convergência entre os conhecimentos científicos e pedagógicos. Mas
algumas aulas das disciplinas pedagógicas parecem seguir rumo semelhante ao das
disciplinas específicas, isto é, exposição de conteúdo de modo rígido e não
contextualizado. Este isolamento é notado pela Licencianda em Física e pelo
Licenciando em Química. Mesmo sem ter contato com tais disciplinas, o
Bacharelando em Física também traz a voz de outros alunos ao relatar que ouve,
dos licenciandos, ponderações negativas sobre as disciplinas pedagógicas,
consideradas inúteis por muitos estudantes.
O divórcio entre a teoria e a prática ocorreria também no interior das
disciplinas pedagógicas, com exceção das Didáticas Especiais e da Prática de
Ensino, às vezes até nessas disciplinas, como revelado no discurso do Licenciando
em Química, ao relatar episódios vivenciados em tais disciplinas. Há, ainda, pouca
91
relação entre as diferentes disciplinas de conteúdo científico dentro da própria
unidade/instituto. Como relatou o Licenciando em Química, alguns professores não
sabem o motivo de lecionarem para o curso de Química, apenas o fazem porque
assim é determinado pela estrutura curricular. Este tipo de desarticulação é sentido,
principalmente, entre os ciclos básico e profissional.
A integração entre as disciplinas ou entre conteúdos dentro de uma disciplina,
quando promovida, é notada e valorizada pelos estudantes. Destacamos o fato do
Licenciando em Biologia apontar a Prática de Ensino como ápice de sua formação
por dar visibilidade à relação entre a teoria e a prática pedagógica.
Ainda que tenha tenha mencionado certa aplicabilidade do conteúdo teórico
do curso, na disciplina de Prática de Ensino, a forma como o Licenciando em
Biologia expressou seus enunciados o distingue da forma usada pelos enunciados
dos Licenciandos em Física e Química, que refletem mais diretamente a
racionalidade técnica. Para o Licenciando em Biologia, os conhecimentos teóricos
fizeram “todo sentido” em sua prática de ensino, a qual descreveu como uma
construção em conjunto dos alunos com os quais manteve contato e com o
professor responsável pela disciplina.
Já o depoimento do Licenciando em Química revela efeitos pouco
significativos produzidos pelas disciplinas pedagógicas. Entretanto, negar o que
aprendeu parece fazê-lo refletir sobre uma prática diferenciada em relação àquela
vivenciada. Percebemos o mesmo no discurso da Licencianda em Física quanto à
sua experiência quando ainda era aluna do bacharelado.
Uma experiência universitária empobrecida pela visão simplista e tradicional
sobre ciência e sobre concepções de ensino pode ser considerada como um
agravante, tal como aponta Schnetzler (2000), pois professores em exercício tendem
a utilizar métodos de ensino que fizeram parte de sua vivência e experiência como
alunos, e não métodos que foram prescritos e ensinados apenas de modo teórico no
decorrer de sua graduação. Da Silva e Schnetzler (2005) apontam outro aspecto
importante que é o fato de muitos professores considerarem seus professores
formadores não como modelos a serem seguidos, mas sim como exemplos do que
não deveriam ser ou fazer, tal como nos dados encontrados nas entrevistas.
As relações de poder e os receios presentes no discurso de alguns
entrevistados apontam para a possibilidade de que alguns professores universitários
tenham incorporado a “nobreza” da ciência que ensinam: as avaliações, as notas, as
92
ameaças de reprovação são armas expressivas do poder pedagógico que submete
aqueles que querem concluir o curso às regras do jogo impostas de maneira
arbitrária. Como esclarece Arroyo (1988, p.9),
“o poder não costuma dialogar com os súditos, nem dar explicações.
O poder, quando não está seguro, não se expõe, oculta-se numa
mística; neste caso, a mística da ciência e da técnica elevadas à
categoria de saber para poucos, saber difícil. O poder ilegítimo
legitima-se no medo, na repressão, na reprovação [...]”.
Arroyo (1988) ressalta ainda que não é suficiente pensar a área de ensino de
ciências apenas através de processos interativos ou de comunicação: para o autor,
“o que aí acontece é inseparável dos processos sociais e políticos da produçãoreprodução-apropriação-uso da ciência e das técnicas, tanto nos processos gerais
como nas especificidades de nossa formação social” (p.3). Esta relação nos permite
entender a presença, nos cursos de Física e Química, da competitividade, a falta de
companheirismo, o individualismo naturalizado e até mesmo a concorrência entre
professores e alunos, mencionada anteriormente pela Licencianda em Física, ao
relatar sua experiência ainda no curso de Bacharelado em Astronomia.
Percebe-se pelos depoimentos, que a formação oferecida nos cursos de
licenciatura das ciências naturais encontra-se dominada, principalmente, pelos
conhecimentos específicos, com pouca ou nenhuma articulação com a ação
profissional, devendo, num momento posterior, serem aplicados na prática, através
dos estágios curriculares, obrigatórios para a conclusão dos cursos de licenciatura.
Os discursos sobre a importância das disciplinas da área de ciências humanas na
formação global, em muitos casos, não passa de algo vazio diante das ações dos
professores responsáveis por estas mesmas disciplinas e da organização da
estrutura curricular, que delega a estes conhecimentos uma reduzida carga horária.
“A materialidade a que é submetido o educando incorpora a dicotomia com tal força
que destrói qualquer ilusão de formação integral” (ARROYO, 1988, p.8).
As práticas de ensino e as atividades práticas relacionadas às disciplinas,
como as aulas em laboratório e as saídas de campo, foram as atividades didáticas
que receberam elogios e parecem ter sido marcantes para os alunos, por serem
contextos de integração entre teoria e prática.
93
A avaliação tradicional não foi questionada pelos bacharelandos em Física e
em Química, que descreveram o processo de avaliação ressaltando a média para
ser aprovado, somente inferindo outras informações quando novamente indagados.
Clarificar os critérios de avaliação é algo importante, seja quanto à média
estabelecida, seja em relação à diversidade de trabalhos envolvidos no processo
(relatórios, apresentações de seminários, etc.). Desta forma, o processo avaliativo
não seria visto pelos alunos como arbitrário, mas sim como transparente. Deve-se
destacar que somente o Licenciando em Biologia apontou a avaliação como um
processo construtivo, no qual é compreendida sua função real de acompanhamento
contínuo e sistemático, como um meio de promover e melhorar o processo ensinoaprendizagem, e não como a finalidade deste. Considera-a também como um meio
de ajudar os alunos, futuros professores, a analisar seus conhecimentos e atitudes.
Tal forma de avaliar imporia, para ele, maior envolvimento e delegaria
responsabilidades aos envolvidos neste processo.
Schnetzler (2002) reconhece o papel do grupo no processo de formação
docente e salienta que as transformações nas concepções docentes não acontecem
apenas pela apresentação de argumentos lógicos e racionais. Os professores
necessitam experienciar tentativas de inovação e, para isso,
é importante que sejam incentivados a apresentá-las ao grupo,
recebendo retroalimentações de seus colegas [...] Para aprender, a
gente precisa de um pouco de confusão, de desafio, de
problematizações, de suporte teórico e prático, mas também, de
apoio, de colaboração, de amizade e, portanto, de respeito humano
(SCHNETZLER, 2002, p.19).
Esta visão vai contra o atomismo, ligado à compreensão metafísica de que os
indivíduos são independentes da sociedade, concepção consoante com ao
ambientes socioculturais ocidentais que acentuam o individualismo (REZENDE et al,
2008). A oposição entre individualismo e coletivismo pode ser percebida no discurso
do Licenciando em Química quanto ao problema que experienciou tanto com os
alunos do curso de Letras, que o resolveram coletivamente, quanto em relação ao
poder exercido sobre os professores de modo aparentemente arbitrário
O Licenciando em Biologia expôs uma concepção sobre o ensino claramente
diferente das demais, baseada no coletivismo. Também difere dos demais
entrevistados ao chamar a atenção para o fato de que o professor universitário não
94
necessita ser somente competente em relação aos seus conhecimentos científicos,
mas ele necessita ter o que Paulo Freire (1997) chamou de humanidade, de
compromisso ético, humildade e amorosidade em relação à sua prática docente.
Mizukami (1983 apud SILVA, 2005) afirmou que licenciandos declaravam
aprender mais com a prática docente de seus mestres do que com as teorias sobre
a prática docente que lhes eram ensinadas. Este resultado foi vivenciado pelo
Licenciando em Química, que aprendeu a trabalhar o “lado humano” com o aluno, e
pelo Licenciando em Biologia, que concluiu que o professor deve ser comprometido
com o que faz.
Sobre o currículo, é interessante relacionar os resultados do presente estudo
às reformas curriculares dos cursos de Química e Biologia. Sobre as novas diretrizes
relacionadas à formação em Licenciatura em Química, Gonçalves et al (2007)
afirmam que há uma tensão latente entre os organizadores das reformas
curriculares (responsáveis por oferecer propostas oficiais de inovação curricular no
processo de formação inicial de professores) e os responsáveis pela implementação
destas nos cursos de graduação. A imposição de propostas de inovação sem
considerar as condições do trabalho docente, bem como a participação destes na
elaboração de novos documentos, normalmente culmina em resistências à inovação
ou em mais frustrações aos educadores, inclusive sobre aqueles que trabalham nos
cursos de formação inicial. Deve-se tentar superar, no contexto universitário, a
valorização da formação para a pesquisa em detrimento da formação para a
docência, pois bons pesquisadores não são, necessariamente, bons professores.
O Licenciando em Química coloca a reforma curricular de seu curso como um
ônus para o aluno, pois a carga horária excessiva de atividades discentes parece
não ter sido pensada de modo a contemplar os alunos que necessitam conjugar
estudo e trabalho remunerado. A excessiva carga horária encontra-se relacionada à
modificação nas Diretrizes Curriculares dos cursos de formação de professores de
Química. As horas de prática, de estágio, de aulas voltadas aos conteúdos de
natureza científico-cultural e para outras atividades acadêmico-científico-culturais
continuariam a apontar, segundo Gonçalves et al (2007) para uma “fragmentação
curricular indesejável que valoriza a dicotomia entre teoria e prática amplamente
combatida na literatura acerca da formação docente”. Tal modificação pode ser
entendida tanto como um entrave quanto como um avanço, por ampliar as
possibilidades de obtenção de créditos para fora das salas de aula. No curso de
95
Biologia, as mudanças curriculares constituem um novo cenário propício à discussão
sobre o curso, que conta com a participação de alunos e de professores, o que
parece ressaltar seu caráter democrático e não impositivo.
4.2 Concepções epistemológicas no discurso dos estudantes
A principal avaliação negativa em relação à formação do licenciando em
ciências naturais diz respeito à formação técnica marcada pelo divórcio entre a
teoria e a prática. As abordagens nas disciplinas de conteúdo específico parecem
desvinculadas dos objetivos pedagógicos. Pode-se inferir, a partir do discurso dos
alunos, que a formação didática aparece como insatisfatória por não correlacionar os
conteúdos ministrados nas aulas das disciplinas pedagógicas aos conteúdos
científicos específicos.
Pecharromán e Pozo (2006) consideram que há uma epistemologia implícita
na organização educacional e nas práticas de ensino, fatores que devem ser
explicitados para que se possam educar as concepções epistemológicas dos futuros
professores. Roth e Roychoundury (1994, apud PECHARROMÁN e POZO, 2006,
p.178) assinalam que a imagem que os alunos constroem sobre conhecimento e
aprendizagem tem base no contexto cultural e nas práticas vivenciadas em sala de
aula, e ambos parecem convergir mais comumente numa concepção objetivista.
Esta concepção parece, ainda, ser reforçada pelos livros-texto, especialmente
quanto à característica empirista-indutivista. Nos livros, o conhecimento científico
aparece como fruto direto da observação e experimentação, pouco considerando as
teorias
que
elaboraram
tais
práticas.
São
descobertas
que
acumulam
progressivamente, feitas a partir de observações imparciais realizadas por gênios
que formulam verdades absolutas, sem qualquer conexão com o contexto social ou
com a comunidade científica.
Assim como Porlán e Rivero (1998) em seu estudo com professores, os
dados do presente trabalho, principalmente representados pelo discurso do
bacharelando em Física e pelo bacharelando em Química, apontam para o fato que
estudantes universitários apresentam uma visão de ciência baseada num realismo
ingênuo (ciência que busca a verdade), a qual é construída através de uma
metodologia indutiva e sem influências sociais.
96
Para os estudantes da Física e da Química, o conhecimento é concebido
como uma verdade extraída de fatos, não como uma construção humana. O
predomínio da concepção empirista-indutivista demonstra uma oposição em relação
à forma como se tem pensado o conhecimento na comunidade científica: Trindade e
Rezende (2008) afirmam que a má compreensão das implicações da epistemologia
para a educação em ciências pode ocasionar o surgimento de concepções
inadequadas sobre ciência e conhecimento científico nas aulas de ciências. O
pensamento dos alunos sobre os conceitos científicos pode ser resultado da
ausência de uma abordagem histórica e epistemológica desses mesmos
conhecimentos, bem como a falta de uma correlação dos conceitos com os
respectivos contextos sociais nos quais foram cunhados, o que poderia atribuir uma
participação humana aos conhecimentos científicos.
Tal como no estudo de Gilbert e Meloche (1993 apud HARRES, 1999),
nossos dados apontam também para a existência de concepções contraditórias
apresentadas por um mesmo indivíduo, que ora parece conceber o ensino como
algo tradicional/técnico, ora busca mudanças de perspectiva (como, por exemplo, no
caso do bacharelando em Química, que buscou cursar a disciplina Didática Geral
como forma de ampliar seus horizontes teóricos). Isto seria, para os autores, indício
de mudança da imagem tradicional da ciência, ainda não concretizada por falta de
base teórica para construir concepções que permitam conceber uma nova visão de
ciência.
Podemos inferir a necessidade do modelo de formação de professores
promover a articulação entre teoria e prática, superando a dicotomia produzida
historicamente e que, ao ser perpetuada, somente favorece o predomínio da
racionalidade técnica. Ao compreender o significado desta cisão, localizando-a
histórica e socialmente, será possível que os cursos de formação de docentes
superem esta forma empobrecida de conceber seus currículos e concepções de
ensino, aprendizagem e ciências.
Para Arroyo (1988), o ensino de ciências teria, como característica, ser tanto
pouco acessível quanto nobre, por se tratar de uma prática ligada a conteúdos
científicos. Teria, ainda, uma aura de confiança e de inquestionabilidade dominando
a área, por lidar justamente com conteúdos nobres, principalmente quando
comparado a outros saberes. Talvez o próprio peso imposto ao conhecimento
científico, destinado a poucos, seria um dos fatores que entravam o avanço de
97
mudanças no ensino de ciências. O autor lembra que por mais nobres e exatas que
sejam, as ciências não são invulneráveis à realidade histórica, social, cultural e
política nas quais é produzida, transmitida e divulgada.
Outro aspecto importante que deveria ser levado em conta para minimizar a
racionalidade técnica que marca os cursos de licenciatura e aproximar a formação
do professor das ciências da realidade sociocultural é o abandono da previsibilidade
e das certezas e a introdução da incerteza nas situações de atividade docente. A
organização dos cursos de formação docente tendem a pensar os conhecimentos
como exatos e prévios, “induzindo que o desempenho docente é uma atividade
adaptativa, instrumental e funcional” (Da SILVA e SCHNETZLER, 2005). Tal
perspectiva é incompatível com a real atividade docente, exercício cujas
características imprevisíveis são predominantes. É imperativo, portanto, que a
formação fomente a criatividade, que dê suporte para lidar com situações novas e
imprevisíveis. Este alerta caberia, também, em relação ao conteúdo, que deve
deixar de ser tomado de forma teórica isolada: devem-se buscar novos sentidos
para os currículos dos cursos de formação através de diferentes abordagens
temáticas que envolvam discussões sobre aspectos sociais, econômicos, políticos e
culturais.
4.3 Considerações Finais
Dentre os alunos entrevistados, pode-se inferir um gênero discursivo em
comum: os alunos avaliaram positivamente o fato dos professores dos cursos das
ciências
naturais
dominarem
suas
respectivas
áreas
de
conhecimento
técnico/específico. O discurso dos alunos da Biologia superou a valorização do
conhecimento
técnico
dos
professores
quando
utilizaram
o
termo
“comprometimento”, fosse para qualificar o bom professor pesquisador (no caso do
Bacharelando) ou o professor apaixonado e dedicado ao ofício (Licenciando).
A relação professor-aluno e o entendimento extra-classe parecem ser
aspectos positivos e apreciados nos professores, enquanto o professor ruim seria
aquele que joga a matéria no quadro, que não oferece explicação e não se mostra
solícito aos alunos. Tais características demonstrariam falta de compromisso com a
profissão.
98
O discurso dos alunos quanto ao nível de dificuldade de seus cursos de
graduação também merece destaque: o curso de Física foi considerado difícil tanto
pelo Bacharelando quanto pela Licencianda; quanto ao curso de Química, a
dificuldade relatada foi em relação à demanda de carga horária de atividades
acadêmicas e serem cumpridas; a Biologia, entretanto, foi um curso de graduação
considerado fácil. Este dado provavelmente não pode ser explicado por aspectos
puramente cognitivos, mas socioculturais, como uma maior proximidade entre
professores e alunos, concepções de ensino de parte dos professores que se
distanciam dos modelos tradicionais, motivação do aluno em relação ao curso por
conta de participação política, como no caso da reforma curricular, dentre outros
aspectos.
A relação linear que o Bacharelando em Física estabelece entre a dificuldade
do curso para determinados estudantes e a quantidade de crítica que os mesmos
tecem sobre o curso parece que assimila perfeitamente o habitus pedagógico dos
professores do curso de Física, que propagam a idéia de que a dificuldade da
matéria é problema exclusivamente do aluno, o que também ajuda a justificar a
percentagem descomunal de reprovações e de evasão já no ciclo básico. Já na
visão do Bacharelando em Biologia, essa associação não é feita: ele relaciona o
discurso crítico dos alunos em relação ao curso ao fato de gostarem ou não de
determinada matéria.
A partir de uma perspectiva que valoriza as relações entre conhecimento,
poder e linguagem, Mortimer (1998) analisa como as marcas da ciência clássica, de
cunho positivista, foram impressas na linguagem científica, denotando um modo de
construir o mundo. Este linguajar específico é o que, muitas vezes, torna o
conhecimento científico estranho e de difícil acesso a um maior número de pessoas,
o que justifica a reprovação e a exclusão daqueles que são menos capazes de
entender tais características de linguagem tão específicas. Segundo Mortimer
(1998), as relações de poder são perpetuadas através desse ensino que exclui
aqueles que não detêm o capital cultural dos códigos relativos ao linguajar científico,
tão estranho e distante da linguagem cotidiana. Este talvez seja um dos motivos das
resistências encontradas na área de ensino de ciências: promover uma reformulação
nas concepções epistemológicas e nas concepções de ensino e facilitar o acesso
aos conhecimentos científicos seria o mesmo que abrir mão de uma estratégia de
seleção que delimita o número de indivíduos “capazes” de atuar no campo científico.
99
Todos os entrevistados parecem ter um conhecimento sobre epistemologia
originário de mensagens implícitas, passadas ao longo da vida acadêmica. Não
tiveram aulas formais que tratassem do assunto. A análise das entrevistas permitiu
inferir que a concepção epistemológica que aparece de modo recorrente nos
currículos e no ensino na área das ciências naturais parece ser a empiristaindutivista, tal como nos estudos de textos escolares realizado por Silveira (1992),
nos estudos de Porlán et al (1998) com estudantes e professores de ciências, no
trabalho realizado por Zimmermann (2000) com professores de Física, cujos
fundamentos são: a observação é a fonte e a função do conhecimento, o qual
apresenta sempre relação, direta ou indireta, com a experiência sensível; o
conhecimento científico é obtido daquilo que se observa (fenômenos), a partir da
aplicação de regras do método científico, ou seja, da síntese indutiva do que foi
observado/experimentado; a criatividade, a imaginação ou a especulação não tem
espaço no que se refere a conhecimento científico; a ciência é neutra e as teorias
científicas são descobertas a partir de dados empíricos.
O caráter provisório do conhecimento científico, abalando a crença de ser
uma verdade imutável, é outra característica da visão de ciência que não emerge no
discurso dos entrevistados. Eles ignoram a idéia de que o indivíduo tem papel ativo
na construção do conhecimento, já que toda observação está impregnada de teorias
e que são estas que orientam a direção e a atenção dos cientistas. Deste modo, a
observação e a interpretação ocorrem em função de expectativas, não sendo dados
neutros que traduzem a realidade.
A visão dicotômica da função do ensino está presente nos cursos de
formação de professores de diversas formas: a separação entre ciência-técnica e
cultura-política, muitas vezes não é privilégio das disciplinas de conteúdo específico,
como pudemos perceber nos dados obtidos. As disciplinas “humanas” também
conseguiram, em alguns casos, ora cair na visão desarticulada e tecnicista,
fornecendo conteúdos para atender a demanda da racionalidade técnica de
transmissão de conceitos científicos, ora tender a uma visão descontextualizada e
tradicional, fornecendo conteúdos curriculares por serem curriculares e pela
necessidade de realizar uma avaliação ao final do período letivo.
Sejam concepções educacionais ou epistemológicas, membros de uma
mesma comunidade, como por exemplo, a de estudantes universitários, não
constroem suas falas a partir de unidades lingüísticas tradicionais, mas sim a partir
100
de um conjunto de enunciados relacionados àquele grupo. Tal conjunto de
enunciados próprios de um determinado grupo social foi denominado por Bakhtin de
gêneros de discurso, os quais caracterizam diferentes linguagens sociais presentes
no grupo. Os conceitos de um grupo específico “funcionam como mediadores entre
o enunciado individual e as práticas sociais coletivas comuns a esses grupos e
comunidades” (MORTIMER, 1998, pp.100-101).
A recorrência de termos e expressões de ideias categóricas utilizadas no
discurso dos estudantes entrevistados levantam a questão do caráter reprodutivo de
algumas referências que podem não ser resultado de uma aprendizagem reflexiva,
mas de uma aprendizagem não consciente fruto de uma incorporação acrítica de
discursos. Esta construção não é totalmente racional e refletida, podendo ser
relacionada à ideia de habitus de Bourdieu devido às características de reprodução
e, ao vir à consciência, poderia ser passível de modificação, dependendo do sentido
do jogo que o estudante assumirá.
A partir dos gêneros de discurso dos estudantes entrevistados, foi possível
inferir mais um único habitus pedagógico em cada curso e diferentes níveis de
inserção dos estudantes no habitus pedagógico reproduzido em seus respectivos
cursos. O discurso do Bacharelando em Física expõe sua visão de ciência e seu
modelo de ensino e aprendizagem, que são notoriamente tradicionais. Seu discurso
parece resultado de uma aprendizagem não consciente quando assume o modelo
configurado em seu curso de graduação, não questiona as metodologias de
avaliação, atribui a alta evasão e repetência à falta de dedicação dos alunos e
concorda com a ausência de qualquer disciplina da área das ciências humanas,
como História da Física ou História da Ciência no curso. Já o discurso do
Bacharelando em Química, por um lado, é extremamente marcado pela linguagem
técnica quando fala do curso, mas mostra abertura para outros discursos como, por
exemplo, o das ciências humanas, o que pode indicar um movimento de resistência
ao curso e transição para outras visões. O Bacharelando em Biologia, por sua vez,
parece expressar o habitus pedagógico reproduzido no curso, entretanto, ao tecer
críticas a alguns professores, que julga descomprometidos, indica que há
convivência de diferentes hábitos pedagógicos no curso.
A Licencianda em Física, apesar de se declarar satisfeita com a graduação,
parece insatisfeita com a configuração do curso de licenciatura. Seus comentários
indicam que não acata o habitus de seus professores, principalmente quanto ao
101
modelo pedagógico tradicional adotado por eles, mas suas queixas parecem não
estar pautadas em reflexões embasadas, mas apenas na perspectiva individual. O
Licenciando em Química, por sua vez, tece críticas severas ao seu curso, mostrando
que, além de não estar conformado pelo habitus pedagógico reproduzido no curso,
também exerce oposição às forças exercidas neste campo. Por outro lado, aparenta
não estar inserido no campo das ciências humanas, o que é evidenciado quando
usa o termo “humanas” como sinônimo de “humanitário”. Já o Licenciando em
Biologia aparenta reproduzir o habitus de, pelo menos, parte dos professores, os
quais identifica como professores comprometidos, que promovem a construção
coletiva do conhecimento e a participação ativa dos alunos frente às questões
políticas da instituição à qual pertencem. Exibe, portanto, conformação ao habitus
desses professores, mas em um nível de reflexão conjunta, diferente do habitus
irracional e inconsciente.
Para Bourdieu (2004), os agentes sociais não são conduzidos passivamente
pelas forças do campo, mas suas disposições adquiridas, isto é, seu habitus, pode
levá-los a resistir, a oferecer oposição às forças do campo, chegando mesmo a lutar
contra estas forças de modo a tentar modificar as estruturas aí presentes em razão
de suas disposições. Gêneros discursivos de alguns estudantes entrevistados
traduzem habitus irrefletidos, de reprodução irracional e inconsciente; outros
gêneros encontrados revelam resistência ao habitus pedagógico dos professores
universitários. Como explicar esta resistência? A compreensão do discurso que
resiste às forças do campo está fora do alcance deste estudo. É possível supor, no
entanto, que esta perspectiva esteja relacionada às histórias de vida dos estudantes,
às experiências vivenciadas no curso e talvez mais fortemente, às expectativas
trazidas de seu ambiente familiar e sociocultural.
4.4. Implicações para a Formação de Professores das Ciências Naturais
Pelo discurso dos entrevistados foi possível perceber que os cursos das
ciências naturais, em especial o de Física e o de Química, ainda propagam a ideia
de que produzir conhecimentos, fazer ciência é sinônimo de quantificar dados da
realidade, de adotar uma linguagem que seja garantia de objetividade e que não
esteja submetida à variância do observador. Exclui-se o sujeito do conhecimento,
seu contexto histórico e social, numa tentativa de universalizar o saber científico.
102
Saberes que não possam ser expressos através desta linguagem neutralizada
seriam de menor importância: o cientificismo fundamenta-se, então, no mito da
objetividade e da racionalidade científica, e os cientistas voltam-se ao esforço de
generalizar o conhecimento para unificar os saberes, o que seria conseguido através
da adoção de métodos universalizados de observação e descrição de fenômenos.
A sociedade contemporânea não parece interpretar as necessidades de
escolarização para além dos limites das soluções técnicas. Apenas quando aspectos
mais profundos da formação de professores forem questionados, como o motivo
mercadológico que leva às concepções epistemológicas empiristas a serem
predominantes em nossa sociedade, e como as concepções de ensino respondem
pela inserção acrítica dos indivíduos neste contexto produtivo e excludente,
mudanças efetivas poderão ser implantadas nos cursos de formação para docência.
Afinal seria paradoxal que as universidades preparassem professores com
concepções contrárias às atuais exigências sociais. No entanto, Perrenoud (1993
apud MALDANER e SCHNETZLER, 1998) acredita que a renovação desta situação
deveria partir da formação inicial de professores e os responsáveis pelos cursos
poderiam antecipar e acelerar uma modificação em relação ao papel social do
professor.
No sentido de confrontar a visão científica e educacional arcaicas nos cursos
de licenciatura, Vianna e Carvalho (2001) propõem que a formação de professores
contemple as faces do “fazer ciência” e do “ensinar ciência”: pesquisadores e
professores dos cursos de licenciatura deveriam buscar interações entre suas áreas
de atuação específicas de modo que deixassem de lado a transmissão viciosa dos
conhecimentos curriculares. Para tanto, seria necessário um conhecimento claro e
preciso dos entraves presentes na graduação e, a partir deste ponto, buscar
implantar possíveis renovações através da reelaboração de um modelo alternativo e
mais eficaz de ensino, como, por exemplo, detectar, apontar e promover estratégias
que busquem modificar o pensamento docente voltado a uma visão simplista da
pesquisa científica e de seu produto, desvinculada do contexto social, o que diminui
o conhecimento possível de ser trabalhado dentro do contexto da graduação.
A distância entre as duas culturas, mencionada por Snow (1995), poderia ser
um dos pontos de partida para se pensar os limites da formação pedagógica e para
construir estratégias e propagar possibilidades de superação desta “torre de Babel”
construída nos cursos de Licenciatura: ao se almejar um objetivo que vise obter
103
maior conhecimento, maiores possibilidades de se tornar uma autoridade sobre um
determinado campo, os especialistas, tal como os personagens do arquétipo bíblico,
deixaram de compreender uns aos outros, parecendo falar línguas totalmente
distintas. Em alguns casos, são como xenófobos, aversivos a qualquer articulação
teórica; noutros, são invasivos, tentam construir campos híbridos de conhecimento
sem, no entanto, se aprofundar nestes conhecimentos que tentam importar.
Desenvolver uma visão crítica relativa à ciência não é tarefa apenas para a
reformulação na matriz curricular dos cursos, mas exige uma transformação nas
práticas pedagógicas dos formadores responsáveis tanto pelas disciplinas de
conteúdo específico quanto por aqueles responsáveis pelas disciplinas pedagógicas
e integradoras. Torna-se essencial, portanto, que haja uma reflexão epistemológica
articulada, que contemple o conhecimento científico e o ensino de ciências. Inserir
obrigações como visitas a museus ou disciplinas curriculares como Filosofia da
Ciência são ações interessantes, mas insuficientes para promover uma real
modificação de concepções epistemológicas, sobre ensino e sobre aprendizagem,
as quais guiarão futuras práticas profissionais. As ações formativas deveriam,
portanto, ser pensadas de modo que pudessem superar a lógica do domínio e da
aplicabilidade de métodos e técnicas, passando a enfatizar a reflexão e a análise
das práticas, as resoluções de problemas, a elaboração de materiais didáticos,
dentre outras propostas.
Como lembra Schnetzler (2000), “parece ser muito difícil, para não dizer
incoerente, procurar-se formar alguém para um campo de atuação que se
desconhece” (p.22). Torna-se necessário, neste contexto, que os professores
universitários que atuam nos cursos de licenciatura reflitam sobre suas próprias
práticas de ensino e que o modelo tradicional e/ou técnico de formação profissional,
aparentemente predominante, sejam superado, de modo que não mais limite e
reduza os conhecimentos em dois campos de práticas distintas e divergentes, o dos
conhecimentos específicos e o dos conhecimentos pedagógicos.
104
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WERTSCH, James V. Voces de la Mente – Un enfoque sociocultural para el
estudio de la Acción Mediada. Madrid: Visor Distribuciones, 1993.
ZIMMERMANN, Erica. Modelos de pedagogia de professores de física:
características e desenvolvimento. Caderno Catarinense de Ensino de
Física, v.17, n.2, pp. 150-173, 2000.
111
ANEXO
112
ANEXO – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu, ___________________________________, após receber explicações por escrito da
orientanda de mestrado, Isabella A Almeida de Oliveira, do Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde (NUTES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acerca do projeto
de pesquisa “ANALISANDO O DISCURSO DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS:
DIFERENTES CURSOS CONFORMARIAM DIFERENTES HABITUS?”, sob a coordenação da
professora, Flávia Rezende Valle dos Santos, estou ciente que:
Objetivo da pesquisa
Esta pesquisa tem como finalidades: (i) conhecer as definições sobre Ciência e Educação
apresentadas pelos alunos universitários, bem como as opiniões pessoais acerca do seu curso
de graduação e da universidade onde encontra-se matriculado; (ii) problematizar em que
medida esses referenciais estão presentes em seu cotidiano educativo.
Procedimentos
Os dados coletados consistirão na situação de entrevista entre a mestranda pesquisadora e o
discente universitário, armazenadas em áudio. As observações manuscritas, gravações em
áudio e cópias de outros materiais que darão suporte à posterior análise ficarão sob a guarda e
responsabilidade dos pesquisadores com a garantia de total sigilo.
Riscos e desconforto
Esta pesquisa não traz nenhum risco nem desconforto aos seus participantes, na medida em
que não há possibilidade de danos à qualquer dimensão do ser humano (item II.8 e II.9, da
resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde), pois os procedimentos, acima descritos,
asseguram a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização
dos sujeitos de pesquisa, dando a garantia a estes sujeitos, de que sua identidade será
mantida em total sigilo durante todo o processo, tendo somente sua condição de aluno da
Graduação e da Licenciatura do referido curso de uma Universidade Federal mencionada nos
textos que divulgarão os resultados da pesquisa.
Garantia de recusa
Caso eu não queira participar de qualquer parte da pesquisa comunicarei aos pesquisadores
do meu desejo de não participar e este será respeitado.
Garantia de acesso aos resultados
Os resultados da pesquisa serão explicados a mim, quando por mim solicitado.
Garantia de acesso ao pesquisador
Sempre que considerar necessário tirar dúvidas, recorrerei a pesquisadora Flávia Rezende por
meio do endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone: (21) 2562 6614.
Sendo assim, consinto participar da pesquisa como está explicado neste documento.
___________ , ___ / ___ / ______
_________________________________
Participante
____________________________________
Coordenadora do Projeto
113
APÊNDICES
114
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA
Público Alvo: Alunos da graduação em Física, Química e Biologia
(Licenciatura e Bacharelado), a partir do 7º período.
Início da entrevista: breve apresentação, localizando o Nutes, o mestrado em
ensino de ciências, o objetivo/ interesse em saber aspectos do curso de Física.
Curso:
- Qual a sua avaliação do curso de Bacharelado/ Licenciatura em [Nome do
Curso] da [Nome da Universidade] quando comparado a outras universidades?
Você acha que é um bom curso?
- O que você acha do curso?
- Como você definiria a sua experiência durante a graduação?/ Como você está
vivenciando a graduação?
- Como os alunos, de modo geral, avaliam o curso/ a graduação?
- Quais aspectos que te fizeram gostar/ desgostar do curso?/ Quais pontos
você considera positivos/ negativos?/ O que mais gosta? Por quê?/ O que
menos gosta? Por quê?
Disciplina:
- Dessas matérias/ disciplinas que você falou que mais gostou/ menos gostou:
(não) gostou do professor? Era professor ou professora?/ Por quê você achou
bom/ boa ou ruim? Como eram as aulas? O que você achava do/ dos método/
métodos, material/ materiais, qual o número de alunos por turma, quais critérios
de avaliação, ...?
- Em geral, você acha que seus colegas também gostavam/ não gostavam do/
da professor/ professora? Da aula, da metodologia, da forma de avaliar, ...?
(perguntar sobre a turma que cursava a disciplina citada pelo aluno como
referência boa e/ ou ruim)
- E como era o relacionamento entre o/ a professor/ professora e os alunos? E
o relacionamento entre os alunos? (mencionar a dificuldade em haver TURMA
nos cursos de Física, pois há muitas retenções nas disciplinas; para facilitar a
conversa e abrir canal de comunicação com o entrevistado: “O índice de
reprovação é alto nos cursos de Física, não? O número de formando é baixo.
Deve ser difícil formar uma turma...”). Foram formados grupos, ou só ficavam
juntos aqueles que já se conheciam? Como era o entrosamento dos alunos? E
entre meninos e meninas, havia diferença? (abrindo margem sobre as
diferenças de gênero).
115
APÊNDICE B – ENTREVISTA 1
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E1: Entrevistado (graduando entrevistado)
Entrevista 1: Bacharelando em Física, sexo masculino, 6º período (mas entrou
na Licenciatura em outra universidade: computa 7 períodos), 22 anos
P: [apresentação da entrevistadora, dos objetivos da entrevista e do termo de
consentimento] Qual é a sua opinião sobre o seu curso de graduação? Você
tem alguma noção, quando comparado a outras universidades, de como ele
poderia ser classificado?
E1: Bom... éeee... Até então eu tenho estado satisfeito com o curso daqui. Na
verdade eu não criticaria o curso daqui, do bacharelado. Mas em comparação
com certos cursos daqui do Rio, eu diria que é um dos melhores. Quando eu fiz
o vestibular, eu fiz pra [Nome de uma Universidade] e praqui. Cursei um
semestre na [Nome de uma Universidade] e tranquei... No princípio, não sabia
se queria fazer bacharelado ou licenciatura... O que acontece: na [Nome de
uma Universidade] os dois cursos são juntos e aqui na [Nome da Universidade]
é separado, mas pra licenciatura só tem no segundo semestre e pra
bacharelado só tem no primeiro. Então eu me inscrevi pra [Nome de uma
Universidade] no primeiro semestre, bacharelado, e na [Nome da Universidade]
no segundo semestre, em licenciatura. Fiz um semestre na [Nome de uma
Universidade] e tranquei para ver qual era a melhor... se for melhor, depois eu
volto... Aí pra cá fiz um semestre na licenciatura e falei “pô... é muito melhor
que a [Nome de uma Universidade]”... em termos de organização, qualidade de
ensino, a infraestrutura dos laboratórios... Eu acho que a [Nome da
Universidade], em relação à [Nome de uma Universidade], é muito melhor...
com relação à [Nome de outra Universidade], com outras universidades daqui,
a [Nome de mais uma Universidade], eu não conheço... apenas, ao meu ver,
em relação à [Nome de uma Universidade]... Bom, fiz um semestre aqui no
final de 2005 e em 2006 eu falei “bom, vou passar pro bacharelado”... baseado
no que fiz na [Nome de uma Universidade].. Aí passei pro bacharelado...Bom,
já visitei a [Nome de uma Universidade em outro Estado] e não tem
comparação, é muito melhor que aqui... a infraestrutura, os laboratórios, as
salas de aula.. É muito melhor, mas... depende de como você compara... Se for
comparar alguma aqui no Estado do Rio de Janeiro, ela é a melhor em Física
e, no Brasil, ela é uma das melhores, por causa do histórico dela: primeira
faculdade do Brasil, primeira universidade federal...
P: Bom... você teve uma experiência na licenciatura, mas optou pelo
bacharelado... Por quê? O que você estava procurando quando optou pelo
bacharelado aqui na [Nome da Universidade]?
E1: Por causa da qualidade do ensino. O bacharelado ele é mais, mais...
denso... A matéria é mais densa... Tem muito mais conteúdo, eles vão mais
profundamente na matéria, a gente vê melhor e tal. A matéria é mais pesada,
mesmo... Eu acho que é isso, porque eu quero aprender mesmo Física... No
116
curso de licenciatura tem menos matéria de Física que no bacharelado... Tanto
é que quando fui fazer o pedido para passar pro bacharelado.... é.... a princípio,
tem que fazer uma prova... Por quê? Para pedir transferência, tem que ver o
número de pessoas que quer entrar e o número de vagas... Quando tem maior
número de pessoas que número de vagas, tem que fazer uma prova para ver
quem vai passar, né? ... É... parece que quando o pessoal do bacharelado quer
passar para a licenciatura, tem que fazer uma provinha... Mas da licenciatura
pro bacharelado... tanto é que, a princípio, eu teria que fazer um prova, mas aí
chega no dia da prova, o cara falou “só tem vocês dois”, era eu e um colega
meu pra passar pro bacharelado... “pra passar pro bacharelado, não precisa
fazer a prova não... vocês passaram”...
P: Bom... e a sua experiência com relação à graduação: como é que você
definiria ela? Definir de uma forma geral... o que vem na sua cabeça com
relação a ela?
E1: Bom, o que vem na minha cabeça é assim, tipo... dificuldade... É difícil pra
caramba, tem que se esforçar muito... É sacrifício, assim... tem que abrir mão
de muita coisa: final de semana, tá sol, você quer ir a uma praia, a uma
piscina... não, não pode, tem q estudar... Tem isso, mas apesar disso, eu acho
q vale à pena, assim...vale muito à pena, e eu tô gostando, porque é um
desafio que eu tô conseguindo superar, que acaba fazendo com que o curso
fique bem... tranqüilo... A única coisa que de vez em quando me preocupa
éeee... uma vez que acabe esse desafio, depois que eu me formo, aí, de vez
em quando eu penso... se vou seguir carreira acadêmica, mesmo... Porque o
mercado de trabalho para Física não é essas coisas... Então de vez em quando
eu penso em acabar Física e fazer outra graduação em Engenharia, em fazer
alguma pós-graduação em Engenharia, alguma coisa desse tipo. Para ficar
alguma coisa mais fácil, financeiramente falando. Mas a princípio, eu gosto,
não trocaria...
P: Bom... acho que todos sabem da dificuldade que é manter uma turma no
curso de Física, né?
E1: Sim
P: Então, quando falo sobre outros alunos, sobre a turma, quero dizer as
pessoas com quem a gente acaba encontrando mais, não necessariamente
quem entrou junto no vestibular... Com relação a essas pessoas, com as quais
você mantém maior contato, e tal... qual é a avaliação delas em relação à
graduação? A percepção delas... o que elas falam, naquele papo entre
alunos... sobre o curso, sobre os professores...?
E1: É... .... .... eu diria que a minha relação com as pessoas aqui do curso, só
para situar que tipo de relação eu tenho aqui dentro, é... eu diria que minha
relação com as pessoas da faculdade é muito mais uma relação de colega, de
companheiro de trabalho do que uma relação de amizade e tal... Não sei se faz
diferença eu falar, mas só para você situar... Bom... mas eu diria, e isso soa até
engraçado, que eu acho que as pessoas que se dão mal... Mal, quando eu
117
quero dizer, é mal mesmo, sabe? Tem pessoas que repetem três, quatro vezes
a mesma matéria, ficam assim... Então, sei lá, tem dificuldade durante o
curso... Eu diria que, de modo geral, as pessoas que estão com esse tipo de
dificuldade, com notar ruins e tal, são as pessoas que mais criticam a
faculdade... Aí... Porque as pessoas que se dão bem, ou razoavelmente bem,
não tem muitas críticas a fazer à faculdade... sabe? É difícil? É difícil, tudo
bem, tem problemas, tudo bem, mas nada muito incisivo, muito agressivo,
assim... “ah, essa faculdade é uma droga, é uma merda”... Eu acho que, talvez,
acaba meio que caindo na... na desculpa, né?, que as pessoas tem de não
assumir... Assim é mole, né? Quer dizer, a pessoa não tá conseguindo fazer a
faculdade direito, não tá conseguindo acompanhar a matéria direito, fica
repetindo, repetindo, ao invés dela dizer “não, sou eu que não me esforço, sou
eu que, sei lá, não sou tão bom assim”, não, “a faculdade é uma merda, o
professor é maluco porque”. Eu acho que acaba caindo nisso... As pessoas
que conseguem com mais facilidade, não... Eu acho que é por aí...
P: Você disse que saiu da [Nome de uma Universidade] e optou pela [Nome da
Universidade]... Quais foram os aspectos que te fizeram gostar daqui?
Aspectos até mais pessoais, sem ser esses que você falou antes, da
infraestrutura...
E1: Eu acho que aspecto puramente acadêmico. Eu diria organização e
infraestrutura. Até porque eu moro na Barra e, pra mim, é muito mais fácil eu ir
pra [Nome de uma Universidade] do que vir pra [Nome da Universidade].
[Nome de uma Universidade], sei lá.. É relativamente fácil, e [Nome da
Universidade] não é fácil chegar aqui, é muito mais trabalhoso. Eu já me
acostumei, mas é mais difícil vir pra cá que pra [Nome de uma Universidade].
Mas a diferença de organização é gritante, não é a toa que um pilar caiu lá...
você sabe disso, né? [risos] pois é...
P: Nós vamos afunilar mais um pouquinho: nós falamos da graduação, agora
vamos falar da sua avaliação quanto às disciplinas. Sua avaliação em relação
às matérias. Tem alguma que você gostou mais, ou gosta mais... Como era a
metodologia do professor... era professor ou professora...
E1: Ta...éeee... Bom, até agora a matéria que mais me chamou a atenção, a
que eu mais gostei na faculdade foi Física III, que é eletromagnetismo.
Eletrostática e eletromagnetismo. E... eu não saberia dizer se foi por isso, mas
eu diria que foi também por isso, por causa do professor. Professor muito bom,
o cara foda, assim, muito bom mesmo. Passava a matéria muito bem,
explicava a matéria muito bem, super-bem, e era uma pessoa super-solícita,
super-educada, assim, elegante... Como pessoa e como professor, também,
foda, muito bom... E eu gostei muito da matéria, assim. Passei benzaço, passei
com 9 ponto 4. Passei muito bem, eu tinha prazer em estudar a matéria,
gostava, e até... até assim, né: você faz Física I, II, III e IV, são matérias
básicas, assim, né? Mecânica, aí Física II tem outra coisa, e Física III tem
Eletromagnetismo e tal. Aí depois você tem Eletro I, Eletro II, que é como se
pegasse a Física III e você vai mais afundo, analisa a parte matemática com
mais rigor, tipo... Eu tô com professora, também e tipo, não é tão boa quanto o
118
professor que tive em Física III, mas... ... eu tô gostando muito da matéria,
assim. É praticamente Física III, mas a parte da matemática é outra... é mais
pesada, então... eu não sei dizer se foi culpa do professor, vamos dizer assim,
ou se é a matéria mesmo, que me fez gostar...
P: Bom, então digamos assim, a FORMA como o professor ensinava... Se ele
dava mais abertura, como era o relacionamento aluno-professor, se ele parece
mais simpático; se acaba fazendo uma avaliação ou outra, dependendo do
aluno... Como é que você vê esse aspecto? O modo de dar aula, se buscava
material, alguma coisa alternativa para vocês...
E1: Bom, a relação interpessoal dele era muito bom. Ele se dava bem com as
pessoas, assim... ele não era brincalhão com as pessoas, mas era simpático,
tirava dúvidas, super-solícito, super-tranqüilo. E ele usava recurso, sim, ele ia,
aqui no Ladif, que é o laboratório, para a gente poder reproduzir certos
experimentos, demonstrar certas coisas e tal. E ele, por algumas vezes, eu não
saberia te dizer quantas, três ou quatro vezes, ele levou a gente pro Ladif, falou
“ó... semana que vem, aula que vem, não sei o que... a gente se encontra em
tal lugar”. A gente ia pro Ladif aí depois que a gente já tinha estudado
anteriormente a parte teórica, então, tipo assim, se fizer isso, vai acontecer
isso... Aí sabia os cálculos e tal. Vamos fazer o experimento. Se fizer isso, vai
acontecer o que? Ah, tal e tal coisa, aí a gente demonstrava lá no laboratório...
Eu acho que a gente tinha o suporte experimental: a gente aprendia a parte
teórica em sala, a fazer as contas, não sei o que, e depois a gente ia para a
parte experimental, pra mostrar que aquilo que a gente aprendia era verdade,
que tipo assim, não era só números, letrinhas...
P: Alguma coisa que te chamou a atenção, assim: “se eu quiser dar aula, isso
aqui eu achei legal...” De repente você buscou saber sobre metodologia, para
dar aula, algum material que você achou legal...
E1: Ah, não sei, assim, acho que sou meio retrógrado com esse tipo de coisa,
assim... Tipo, escrever direito no quadro, usar o laboratório, buscar apoio nos
livros bons. Mas acho que a coisa mais importante é o livro, o cara no quadro
explicando porque, tipo... quando eu tava na licenciatura aqui, eu tive uma
professora que ela usava recursos, que chamo de multimídia, Power Point ela
usava, e uma ou duas vezes ela trazia alguma coisa pra sala de aula. E tive um
professor que sempre usava multimídia. Ele começava, mostrava o Power
Point, usava data show, para mostrar Ótica, outras coisas, e chegava até a
Física Quântica. Na parte da Ótica ficava bom, tinha o que demonstrar... na
outra, ao invés de usar outros recursos... não, era chato, maçante... Acho que o
outro não, ele sabia muito, explicava bem.
P: Os outros alunos que cursaram essas disciplinas... Você acha que eles têm
a mesma opinião que você?
E1: Não, Física III... Física IV acho todo mundo achava um saco, assim, tipo
“ai, que saco, tem que ir pra aula”... Ou achava chato porque ele só
119
demonstrava uma vez a parte teórica, ia pro auditório, mas não tinha algo mais
pra dizer... E Física III eu acho que as pessoas também... Tinha gente que
gostava... Eu acho que é aquela coisa também: tinha os mais interessados que
gostavam, mas o pessoal que achava difícil não gostava, assim... As aulas
também eram no Ladif, assim, no prédio do CT e eu acho que algumas
pessoas ficavam com preguiça de se deslocar... mas acho que, uma vez que a
gente chegava lá no Ladif e tal, que conseguia ver algumas coisas maneiras,
eu acho que as pessoas tipo que assimilavam um pouco, tipo “pô, bacana...”
Mas acho que, a princípio, elas ficavam meio...
P: E qual seria sua opinião, no geral, com coisas do tipo relacionamento
professor-aluno, aluno-aluno, avaliação ... Você avaliou super-bem o curso
daqui; você acha que isso é algo da [Nome da Universidade] como um todo?
E1: Bom, eu acho que o ser humano é o ser humano... acho que independente
da área, em todas as graduações, acho que você vai ter... eu ACHO, né? [P: É,
a SUA impressão] eu acho que você vai ter mais ou menos a mesma coisa,
assim: aqueles alunos que têm mais dificuldade vão criticar mais a faculdade,
os que se dão bem, assim, não vão ter muitas críticas, vão ter críticas, mas não
vão ser tão incisivos... os professores a mesma coisa, acho que alguns são
solícitos, outros não, acho que mais ou menos a mesma coisa... agora... você
está falando de modo geral...
P: E quanto à avaliação? O que você acha? Você mudaria alguma coisa, em
alguma matéria específica? Ou qual é a sua impressão geral?
E1: Bom, aqui na Física tem, mais ou menos, um sistema padrão, que é duas
provas... [Para o bacharelado?] É, mas acho que para a licenciatura também...
O sistema é assim: você tem duas provas, se a média entre as duas provas for
7, você passa direto; se não, se for abaixo de 3, você esta reprovado; se for
entre 3 e 7, você tem que fazer uma terceira prova e se a média destas duas
primeiras e da terceira, se for 5, você está aprovado, se for abaixo de cinco,
reprovado. E normalmente os professores seguem este sistema, mas tem
professores que não... assim... tem uns que inventam um sistema... Inventa
assim: eu tive Física II e o professor seguiu este sistema, ele deu três provas
porque encaixava melhor no programa. Porque Física II tem hidrostática,
hidrodinâmica e a última parte, termodinâmica. Então, quer dizer, você tem,
mais ou menos, três matérias. Então, tipo, seria mais lógico você dar três
provas, né? E, média 7, e a prova final... Então acho que, quando a avaliação
varia, depende do programa que o professor vai seguir... [Mas você está
satisfeito?] É, não tenho muitas críticas a fazer, eu acho que, de um modo
geral, acontece o que eles falaram no começo do curso... Não é algo, assim,
que você está jogando e, no meio do jogo, mudam-se as regras, sabe? Eles
definem: “é assim, vai ser assim” e ponto. [A maioria tem o sistema de provas?]
É, todo mundo faz provas. A questão é qual o número de provas e como vai ser
a média... Eu tenho uma professora de Lab I, Laboratório Avançado I, que ela
falou: “olha, vocês têm duas opções: ou a gente faz duas provas, média 7, e
prova final, média 5”, esse que tô te falando, “ou a gente faz duas provas,
média 5”. As pessoas optaram por duas provas, média 5, porque aí se livra
logo da matéria...
120
P: Bom, nós aprofundamos, falamos do curso, da disciplina e vamos
aprofundar mais a relação professor-aluno: como você definiria a relação entre
professores e graduandos?
E1: Bom, eu até hoje nunca peguei assim uma relação professor-aluno que
extrapolasse a área acadêmica. Até onde eu vi, o relacionamento é professoraluno e ponto. Agora tem uns professores que é professor-aluno em sala e
fora, com outras coisas, e tem professor que encontra dentro de sala e fora de
sala... Mas os professores são, assim, preocupados em conversar, em explicar,
em ajudar os alunos na matéria, acho que só... A classe docente só reproduz o
dia-a-dia. Tem pessoas que são mais simpáticas, mais educadas, outras que
vão fazer só o trabalho dele. [Então a relação é mais restrita à sala?] Bom, o
que acontece é que o professor dá... o aluno tem toda liberdade para perguntar
e, assim, normalmente em sala de aula, eles falam assim “ó, gente, em caso de
dúvida, me procura na minha sala, minha sala é tal, tal, vocês podem passar
lá”. A questão é que, alguns professores, se você for procurar na sala, eles
realmente vão tá lá. Outros professores, você não vai encontrar em sala, ou
então, se você bater na sala dele, ele vai falar “poxa, não tem como você vir
mais tarde?”, entendeu? Todos eles, a princípio, mostram assim, em sala de
aula você pode perguntar, eu acho natural, e se tiver alguma dúvida, pode
passar na minha sala, mas a questão é se você vai encontrar, se ele vai te
responder ou não. Porque também você pergunta alguma coisa pra ele e ele te
enrola, porque ele mesmo não sabe a resposta, sei lá... tipo, por vaidade, eles
não dizem “ó, não sei, foi mal”, entendeu?
P: Bom, se você tiver mais alguma coisa a falar, sobre a sua graduação,
alguma consideração sobre disciplinas, o curso, sinta-se à vontade...
E1: Bom, agora, basicamente, minha vida se resume a faculdade e a minha
namorada, assim, eu acho que muitas vezes mais a faculdade que a
namorada, assim... Tô fazendo várias matérias, acabei o ciclo básico já, do
Bacharelado, puxando opcional, e tô fazendo iniciação científica aqui no
laboratório... e não tenho um sistema agora, eu acho que é algo que dê algum
artigo ou coisa assim, e daí continuar com alguma coisa que eu já tô fazendo lá
pro mestrado... continuar lá, e tal...
P: Então você quer seguir carreira acadêmica?
E1: É, a princípio, eu acho que sim... A única coisa que me desmotiva a seguir
a carreira acadêmica é a parte financeira, né? Porque a bolsa que você recebe
quando faz pós-graduação não são muito boas, né? Isso desanima um
pouquinho. Talvez se eu fizesse alguma outra coisa, eu ganhasse mais,
assim... Mas, se eu pudesse... se eu ganhasse... Esquecendo o lado financeiro,
eu seguiria a carreira acadêmica. Tenho certeza que seria assim, fazer
mestrado, depois doutorado, mas o que me desmotiva é o lado financeiro.
P: Onde você está trabalhando por aqui?
121
E1: É no Laboratório de Baixas Temperaturas e a idéia da gente é... a gente
acabou de montar um sistema pra medir calor específico de um material, e a
idéia é que a gente consiga fazer a medição de calor específico de materiais
nano, assim, muito pequenos. Tem uma área que é nanoestrutura,
nanociência, nanotecnologia, e... nessa área, quando a gente produz material,
amostra e tal, produz em pequenas quantidades. Para medir calor específico,
precisa de algo relativamente grande, então fica complicado você fazer a
medida disso. Então a gente tá tentando montar um sistema pra que a gente
consiga medir o calor específico de amostras bem pequenas e tal... é isso que
a gente tá fazendo. E a idéia é que depois que a gente consiga fazer o
conhecimento geral do material ou da partícula, e aplicar isso na clínica
médica... é o primeiro passo de alguns.
P: É, mas você pode se colocar, pode colocar algo mais, da sua experiência
própria, algo mais específico... que tenha visto...
E1: Eu acho que se você analisar o curso de Física como um todo e os outros
cursos, a comparação é feita geralmente com Engenharia, né? É a área mais
que tem mais a ver, exata...se você for comparar... isso eu acho bem diferente:
se você for comparar o curso, o aluno... um aluno mediano... Se for comparar a
postura de um aluno mediano de Física com um da Engenharia, eu acho que...
um aluno de Física ele é muito mais sério, muito mais dedicado, concentrado,
sabe? Eu acho que nesse ponto, por causa de mercado de trabalho, por causa
das dificuldades das matérias, eu acho que essa diferença existe sim. Eu acho
que de forma geral, essa diferença não deve ser tanta, da relação aluno-aluno,
relação professor-aluno, relação professor-professor... acho que nisso não
deve ter muita diferença. Eu acho que a postura do aluno de Física e a postura
do aluno de Engenharia, de modo geral, eu acho que tem uma diferença
grande. Eu acho o aluno muito mais concentrado, muito mais esforçado, se
concentra mais em estudar que o de Engenharia... ele sabe que quando se
formar vai ter um trabalho mais ou menos certinho... Até porque acho que na
Engenharia se estuda muita coisa que na prática dele, no dia-a-dia dele, ele
não vai usar. Então eu acho que acaba refletindo na atitude na faculdade, pra
que aprender na faculdade se não vai usar? Já na Física não, você aprende
um monte de coisinha, tudo que se liga...
P: E no bacharelado, nessas matérias todas, vocês tem alguma da área de
humanas?
E1: No bacharelado não, só Física, mesmo, Física hard... Física, matemática...
matérias básicas...
P: História, nada da humanas?
E1: Não, mas eu vejo assim, o pessoal reclama dessas matérias, aí, o pessoal
da licenciatura... acha chato, assim... tem muitas matérias que eles julgam
inúteis, assim... entendeu? É mais porque tem que ter no currículo, mas que
realmente não tem muito valor e tal... Isso pro pessoal de licenciatura, né?,
122
porque imagina como o pessoal de Física vê isso, né? Pô... só Física hard... sei
lá...
P: Mas o pessoal que reclama, reclama de uma forma geral ou é algo
específico, de uma matéria, de um professor?
E1: Não, é de forma geral, são as matérias mesmo, que acha a matéria inútil,
que não aprende muita coisa e tal... Eu particularmente, acho que de fato, tem
certas matérias que tem que ser feitas, porque... pelo currículo mesmo, eu
acho que tem que ter no currículo... mas acho que certas matérias são inúteis,
não tem porquê. Eu acho que tem outras matérias que eu acho que são
relevantes, tipo História da Ciência, ou... sei lá, Filosofia, talvez... Eu não acho
que seriam matérias necessárias ao curso de Física, mas matérias que seriam
interessantes pra se fazer, assim... É, eu acho que é isso... Mas se você
perguntar “por que você não faz?”... É porque eu não vou ter saco pra fazer, eu
tô muito mais preocupado com as matérias que eu tenho que fazer, mas se eu
tivesse tempo hábil, assim, eu iria fazer essa matéria, História da Ciência, eu
acho bacana... Quando eu estava na licenciatura, fiz um tempo de iniciação
científica no [Nome do Local]... Lá é um museu, mas tem muita coisa voltada
pra essa área de divulgação, então tem muita coisa de História da Ciência... E
eu acho que é importante sim, mas não é necessário...
P: E você, quando esteve lá, fez o que? Foi iniciação em que?
E1: Eles fazem pesquisa na área de Educação... [P: Mas você não gostou?... É
a sua opinião...] Ah, eu diria que nessa pesquisa que eu trabalhei,
especificamente... Bom se eu soubesse, não teria falado o nome, mas já foi
gravado [P: Mas isso, então, será retirado, pois é um princípio ético...]... Então
tá, vou dizer que essa INSTITUIÇÃO, acho que tem muita gente lá, que
trabalha na área, não sei o que, que faz pesquisa na área de Educação, mas...
no “vamos ver” mesmo, eles estão lá só pra ganhar o salário deles, no final do
mês, pra ganhar dinheiro. Tem que fazer pesquisa... mas eu não vejo... ... eu
não reconheço... A minha namorada, por exemplo, ela faz, tá fazendo mestrado
na área de Educação, e ela entende muito bem de Educação... [P: E qual foi a
graduação dela?] Ela fez História... e tá fazendo mestrado agora na [Nome de
uma Universidade] em Educação. E... ela, assim, defende a área, né? Eu
respeito, e tal, mas acho que... Eu não vejo muita relevância, assim... Eu acho
que é importante e tal, mas acho que não é essencial, sabe?, assim... Como
vou dizer? Eu sou meio nacionalista, acho que tudo tem que ser pro país,
assim, em prol da nação... Tipo: o que é importante? Ah, é importante
Engenharia, Física, Matemática... deixa eu ver... é importante Administração,
Economia... Educação...tipo, não e muito... Tipo, Educação sim, claro que é
importante, principal, se não você não tem nada disso: tem que garantir Ensino
Fundamental, Ensino Médio, mas pesquisa na área de Educação (foi nisso que
eu pensei)... isso eu não vejo muita relevância, assim... Talvez até seja a minha
ignorância, falta de conhecimento [P: Você acha que tem algo com a sua
experiência?] Talvez eu tenha ficado meio traumatizado, não sei, mas... mas...
eu não sei que fim que leva a pesquisa... Vamos lá: você tá fazendo agora um
mestrado em Educação e faz essa pesquisa. Faz essa pesquisa e chega lá às
suas conclusões. E aí? O que é feito com essas suas conclusões? Eu não sei,
123
eu não sei, entendeu? E aí, o que isso pode mudar? Isso pode mudar alguma
coisa de fato? Na Educação mesmo, assim, quer dizer, vai mudar alguma coisa
no colégio, no Ensino Fundamental, no Ensino Médio? Eu não sei, eu não... eu
posso estar redondamente enganado, mas eu não vejo muito isso. Eu acho
que fazem as pesquisas na área de Educação, fazem esse tipo de coisa e fica
naquilo, não sai daquilo. Faz pesquisa em educação, que vira artigo, que vira
pesquisa em educação, que vira artigo [o entrevistado gesticulou, desenhando
um círculo com o dedo indicador direito, sobre a mesa] e não sai daquilo. Não
sei, sai daqui, “então tá bom... então pesquisou, é assim, vamos fazer tal coisa
baseado, vamos alterar o modelo de ensino do país baseado nas pesquisas”.
Eu acho que também tem muito o lado... tem uma tendência muito grande na
pesquisa em educação pro lado... ... esquerdista... vamos dizer assim... dizer
que o aluno é sempre bonzinho, que falta incentivo, que falta estímulo, mas eu
não sei, eu não... sou partidário... Eu vi um filme, que era o “Pro dia nascer
feliz”... nem era um filme, era um documentário, na verdade, que falava sobre
Educação no país, aí pegava vários modelos, tipos de colégio... pegava um
colégio de zona rural, pegava um colégio ricão, o colégio mais caro de São
Paulo, assim, pra entrevistar os alunos, as pessoas... Eu acho que a
abordagem que é feita na área de Educação, com relação às pesquisas, aos
preceitos, essas premissas principais da área da Educação, eu acho que está
muito distante da realidade. Por exemplo, NESSE lugar que eu falei, eu
trabalhei num departamento da área de Educação, e tinha muita gente que
fazia pesquisa na área de Educação... Agora dali, eu acho que uma deu aula,
de fato. O resto, que dizer, fez graduação, aí entrou pro mestrado, foi fazendo
mestrado, doutorado e aí, entendeu? Então tem artigo, publicações, pesquisa,
na área de Educação, mas tipo, o cara nunca vivenciou. Eu acho que muitas
vezes a... a... forma, a maneira de se estudar, de abordar a área de Educação
tá defasada, tá longe da realidade. Pensando um pouco, voltando agora um
pouco pra Física, você... A Física é dividida em subáreas, tem a Experimental e
a Teórica. A Física Experimental é aquela que você vai pro laboratório, faz as
experiências lá e vê se funciona. Física Teórica é cálculo, é ver se um
programa funciona... só que uma coisa depende da outra, quer dizer, se você
quer ser teórico numa coisa, você tem que saber a experimental pra saber se
aquele modelo teórico vai funcionar. Se der certo, então “ah, o modelo teórico
está certo”, se não der certo, então esquece esse modelo teórico, ele tá errado,
tá? E uma coisa tá sempre associada à outra. Eu acho que na Educação isso
não acontece. Eu acho que quando você fala em pesquisas na área de
Educação, você fala de coisas teóricas, de artigos, enfim, mas que esqueceu
um pouco a parte prática, assim, a parte do dia-a-dia do professor, o lado do
professor que tem medo do aluno, que sabe que aluno pode dar um tiro no
professor ou, sei lá, um absurdo total que é o colégio que não pode reprovar o
aluno. O aluno tem que passar porque se não o professor vai ser chamado na
direção, sabe? Isso acontece, isso acontece todo dia, assim, professor não
pode reprovar aluno, porque se não você... você é rechaçado, você vai falar
com o diretor do colégio... aí acaba passando quem não sabe porra nenhuma e
é isso aí. Aí quer dizer, aí o pessoal da Educação estuda o “ah, não, é porque
falta estímulo pro aluno”... E não sei se é bem assim, sabe? Tem colégio aí
bom e o aluno não tá nem aí, assim, sei lá... Mas eu sou ignorante na área, não
sei assim. Eu falo a visão que eu tenho, mas eu assumo que a visão que eu
124
tenho é muito... eu não faço parte da área, eu não sei, eu não sei... é “eu
acho”... é isso!
P: Não, está ótimo! É realmente a sua opinião o que interessa...
E1: Sei lá, eu posso tá falando um monte de bobeira, assim, mas é só o que eu
vejo, mas o que eu vejo é uma visão míope, de quem não é da área... é isso?...
125
APÊNDICE C – ENTREVISTA 2
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E2: Entrevistada (graduanda entrevistada)
Entrevista 2: Licenciatura em Física, sexo feminino, 7º período (mas entrou
antes no Bacharelado: computa 11 períodos), 24 anos
P: [apresentação pessoal, apresentação do projeto de pesquisa de mestrado]
Para começarmos, qual seria a sua avaliação sobre o seu curso de graduação?
Não é um juízo de valor, tenha certeza do anonimato, é para perceber qual é a
dinâmica da graduação...
E2: Acho bem interessante... Gosto muito do curso daqui da [Nome da
Universidade], tem algumas dificuldades por conta de localização, mas nada
tão ruim, assim, porque dá pra fazer... Só algumas matérias que são mais
complicadas, mas a gente vem pra cá pra sala de estudos... Fica ruim quando
não tem muito horário para vir pra cá, como agora, para poder encontrar
contigo: só posso vir sexta, nos outros dias ou dou aula ou estou na aula. Toma
muito tempo, mas no geral, gosto do curso, sim... Só acho que tem matérias
com muito conteúdo e pouco tempo, às vezes... acho que em relação aos
professores, muitos são bons, alguns sabem explicar bem, mas como muitos
não tem licenciatura, não tem didática, mesmo, pra explicar, e eles querem que
a gente acabe decorando... mas é bom porque temos muitos especialistas,
mas com visão de educação, às vezes, nula, o que pode complicar. É
interessante por um ponto, porque ele é especialista, ele sabe demais, mas por
outro lado, ele vai dar uma informação que não preciso, porque não é o que
preciso para ser professora. Então decora pra prova, sai e não aprende...
[ainda existe isso de decorar na faculdade?] Ainda tem, ainda tem... mas ainda
acho o nível das disciplinas, dos professores, muito melhor que em outras
faculdades, pelo que ouço e pelo que vejo nos estágios, pelo que me falam nos
estágios, até os orientadores... Mas chega a ter aquela questão: alguns pontos
são específicos que nem sei se valeria ver agora, na graduação, se já seria
algo de pós-graduação, de especialização... seria algo como adiantar um
mestrado, às vezes...
P: Mas isso é do professor, como ele resolve conduzir a matéria, ou...?
E2: Não, isso é da estrutura, mesmo, da estrutura do curso, muito voltado
ainda pra isso, memorização, decoreba, muita folha de exercícios, listagem de
exercícios, e algumas matérias ficam de lado... mais de lado, até porque não
dá tempo de estudar tudo, então tem coisa que a gente não faz, não procura
em outra unidade porque não dá tempo de ler e estudar tudo direito. Se não, a
gente faz matéria aqui, corre o risco de repetir porque puxou matéria em outro
lugar, em outro curso, pra se aprofundar em alguma coisa...
P: E os seus amigos, o pessoal que faz matéria contigo, o que acham?
126
E2: Acho que o pessoal gosta de criticar, tá no sangue do aluno gostar de
criticar... mas o curso, assim, tem muita coisa boa e coisa ruim... por exemplo,
as matéria que estou fazendo agora à noite, e fico todo o horário de sexta
numa matéria só, da Educação... eu não sei onde vou usar isso, eu gosto das
matérias da humanas, mas não sei porque as matérias da Educação falam
tanta coisa que... muitos amigos acham o mesmo... não vamos usar, não
entendemos porque...
P: Mas os professores não delimitam o que dão, não contextualizam?
E2: [...] A maioria das vezes eles avisam como será o curso, mas não sei... eles
não entendem nada da Física, de dar aula de Física... não vejo nenhuma
relação... [a aula de hoje é de que?] De Sociologia... [mostra o papel da
ementa: Durkheim]... Esse, depois os outros... só ouvi falar do Marx [Ementa
constava: Durkheim, Weber e Marx]. É interessante, mas só ouvir o que ele
falou, só ler ele... não tem nada a ver com meu trabalho, nem com o dos meus
amigos, nem com as aulas daqui... [risos] Deve ser porque eles tem q dar
esses autores...
P: E aqui na Física, você tem alguma disciplina da grade que seja de ensino
em Física? Ou algum professor contextualiza o conteúdo da matéria teórica,
como ensinar na escola...?
E2: Não... só instrumentação para ensino... Acho que só essa...
P: E a relação professor-aluno?
E2: Tive uma professora que era legal, que se aproximava, mas os próprios
professores brincavam, porque ela ajudava a gente, até em trabalhos, e eles
diziam “Tal professora? Ela é mãe, né?”. Ela era professora do Bacharelado,
da Astronomia [esteve engajada em laboratório no curso anterior]... Os
professores criticavam o fato dela tentar ajudar, porque eles diziam “ah, eles
vão ser nossos concorrentes no futuro”... “tem que exigir deles do mesmo jeito
que foi exigido da gente...” E eu acho que não é bem por aí, acho que tem que
dar condições pro aluno experimentar e andar com seus próprios pés, dar seus
próprios passos... Pra isso, precisa de um empurrãozinho, de orientação,
porque às vezes a pessoa tá ali achando que tá abafando, arrasando, e não
tá... Mas aqui, na Licenciatura, tem mais professores que dão esse
empurrãozinho, mas é um ou outro, não são todos, não... os professores ainda
acham que o aluno é meio... não é inimigo... concorrente... Às vezes, quando
eles vêem que o aluno é muito bom, dá uma brecada, porque as vezes acham
que pode ser um concorrente deles no futuro... Acho que alguns professores
pensam assim, não são todos... [mas são todos os professores ou aqueles
mais voltados pra área de pesquisa?] De pesquisa, de pesquisa... que o aluno
pode passar a perna, essas coisas todas... Quando eu fazia astronomia eu
fazia pesquisa e sei como é acirrada essa competição. É aquela correria pra
ver se você vai publicar mais rápido que alguém, muitas vezes teu orientador
exige mais de você, aí tem que acabar esquecendo um pouquinho a graduação
127
pra poder fazer seu trabalho de iniciação, então é uma correria... é uma coisa
complicada....
P: E a avaliação, como...?
E2: Daqui, da Física? [É, do curso como um todo] Aqui, é prova, basicamente,
tem também muito relatório, mas das matérias da Educação tem muita
apresentação de trabalho, de seminário... Essa de Psicologia, sobre o cara que
você conhece [referindo-se a Vigotski], será um seminário com esse texto
[mostra o texto sobre a mesa]... mas acho que tem muita coisa pra gente ler
sobre a mesma pessoa! Ou melhor, sobre as mesmas pessoas [mostra outro
cronograma de disciplina da área pedagógica, composta basicamente por
Vigotski, Piaget e um terceiro autor]. É até legal, só não entendo porque tenho
q estudar isso, não vou trabalhar com criança, mas os professores dão o
cronograma e seguem, sei lá...
P: As disciplinas da pedagogia vocês fazem aqui?
E2: Aqui no Instituto de Física... Tem na [Outra localidade], mas ele vem pra
cá, como hoje [sexta feira], aí dão todos os tempos de aula da semana num
dia, os 4 tempos num dia, seguidos. Só não entendo as matérias, acho que tem
muita coisa boba pra gente ler... Por exemplo, já li Paulo Freire, ele acho
importante pra gente que vai dar aula, lidar com aluno mais velho, dá boas
ideias de aula, mas esse cara [Vigotski] ele é psicólogo e fala de criança, não
entendo mesmo... Acho que aquela parte de movimentos da escola, de tipos de
pedagogia, que temos em Didática [refere-se à disciplina Didática Geral] é
muito mais importante, deveria ser matéria dada em mais de um período, mas
estas outras, Sociologia, Filosofia, Psicologia... a parte de legislação é
importante basicamente pra concurso [risos], muito chato, mesmo... Acho que é
por isso que a gente não gosta, que as pessoas aqui acabam não gostando,
não estudando direito, nem tendo muita paciência com a matéria ou com o
professor, porque não tem nada a ver, a gente deixa de estudar outras coisas
pra ler isso... eu até gosto, mas seria algo pra ler depois que terminasse a
faculdade, ou quando não tivesse que estudar tanto... acho que os professores
não sabem bem o que dão pra gente, não fazem idéia do nosso curso, dão o
que tá na grade, o que mandam eles darem e só... [e os professores que vocês
têm da Pedagogia são titulares ou substitutos, saberia dizer?] Todos os que
vem dar aula aqui, pra gente, na Física... quer dizer, todos os que EU peguei
aqui, foram substitutos... Então acho que eles dão o que é mandado, de
repente nem eles sabem pra que precisa falar daqueles autores, sei lá... mas
uma coisa comum é a gente levar essas matérias... eu mesma que gosto, já lia
sobre isso quando fazia bacharelado, assistia algumas aulas como ouvinte de
filosofia [refere-se a matérias da pós-graduação oferecidas pelo Instituto de
Química, sobre Filosofia da Ciência] não entendo o porque de muita coisa que
é escolhida pra gente estudar... ... na Didática Especial, não, na parte da
escola, mesmo, tenho coisas da Física mesmo, sobre como dar aula de Física,
o que posso fazer, leio pesquisas do pessoal que é da Física e que dá aula, aí
é muito bom... tenho amigos que reclamam, mas acho muito bom, mesmo...
P: E a relação aluno-aluno?
128
E2: Bom... não dá pra ser assim... por exemplo, tá todo mundo aqui,
estudando, é uma coisa mais desse tipo... o pessoal forma grupos de estudo,
pelo menos agora, mais pro final do curso, posso dizer que é assim, q a
amizade tá mais em sentar pra estudar, pra ir embora junto, pegar carona... É
uma coisa meio que só na faculdade, não dá muito tempo pra sair, se encontrar
fora, e aí estudar o que precisa, sabe? Eu, por exemplo, descanso no final de
semana, sexta não fico até mais tarde. Nem dá, né? Estudo no [Local onde se
situa o Instituto] [risos] mas assim... é neste nível... [e organização dos alunos,
tipo CA, ...?] Muito pouca... não sei, nem sei dizer, mas normalmente... o que o
pessoal fala, né? Quem não quer estudar fica nessas áreas... assim, entendo
que o pessoal acaba tendo dificuldade, porque o tempo que poderia estar
estudando, tá resolvendo outras coisas. Se você reparar aqui na Física, não
tem quase gente no corredor, conversando, ou em outros lugares. O pessoal
ou tá aqui [sala de estudos], ou nos laboratórios, ou nas salas de aula, em
grupo ou sozinho, estudando...
P: E agora, como você diria que está o andamento da graduação? Como você
definiria sua experiência acadêmica, sua vivência durante a graduação?
E2: É sempre complicado... quando você entra, você acha que vai ter vida lá
fora... Aqui na Física... Se você diz que não tem tempo, ouve coisas como “o
que você faz de meia noite às 5h?” “durmo...” “então, pode esquecer”... O grau
de dificuldade dos exercícios que alguns professores passam aqui, você às
vezes fica um dia inteiro pra resolver uma folha de exercícios que tem 10
exercícios... Às vezes sobra pouco tempo até para fazer o que você gosta...
mas às vezes você tem que escolher: “ou é a faculdade ou...”... e as pessoas
aqui acabam reclamando muito disso, porque você acaba tão focado dentro da
faculdade que você não faz outra coisa... Muita gente pensa “quando terminar
a faculdade, eu volto a fazer isso”... “quando terminar a faculdade, eu vou fazer
aquilo”... e o ideal seria fazer junto, mas você não tem muito tempo. Eu gosto
muito de ler, por exemplo, mas agora só livro técnico, ou estudar... Gostava de
esporte, mas... a única coisa que ainda faço é origami, quando estou muito
estressada, faço meu origami e “agora posso voltar a estudar...”
P: O seu horário é tarde e noite...
E2: É, não é tarde tarde, é 1:30h da tarde e a última aula acaba 9:50h da
noite... você chega em casa, ainda vai estudar, ainda vai fazer alguma coisa...
e muitas pessoas ainda chegam e, no dia seguinte, vai trabalhar... tem gente
aqui que trabalha. Eu faço estágio: terça e quinta no Pedro II às 7:30h da
manhã, segunda e quarta saio da faculdade 9:50h. Então chego da faculdade
morta, ainda vou procurar alguma coisa pra ler?... não dá, aí desisto, cansada
assim... [com uma carga horária assim, deve ter muita repetência...] Sim, é
muita disciplina, dificilmente você encontra uma pessoa que não tenha repetido
matéria na faculdade... Às vezes a pessoa vai passando aos trancos e
barrancos, como a gente fala na gíria... Mas, assim, passar direto, poucas
pessoas conseguem, assim, bolsa, em alguns órgãos, porque eles querem CR
[Coeficiente de Rendimento, média acadêmica de notas] acima de 7, de 7,5... e
é complicado ter CR acima de 7,5... Tem pessoas, não vou dizer que não tem,
129
porque tem, mas é bem difícil. Muitas vezes a pessoa trabalha, muitas vezes
precisa fazer a iniciação pra projeto de fim de curso, precisa fazer alguma
coisa, mas fica sem bolsa. Você tem que ir pra faculdade, tem que estudar,
para fazer a iniciação científica, você tem que se desdobrar... eu acho que pra
fazer a faculdade, você tem que se desdobrar...
P: E quanto ao número de pessoas que faz a licenciatura em Física, que se
forma? Porque, pelo que você tá falando, é muito complicado...
E2: É, muita gente abandona, vai largando pelo meio do caminho, ou por
dificuldades, ou porque precisa ver uma, duas vezes a mesma matéria, fala
“isso não é pra mim”, e pessoas que você fala “poxa, esse daí seria um ótimo
professor, uma ótima professora”, mas a pessoa tem que escolher, né? Ou
porque tá tomando muito tempo, tem família, larga mesmo de mão... Mas
formatura, se não me engano... entra 80 pessoas por ano... deve se formar
umas 10 por ano, por aí... Então fica muita gente pelo meio do caminho... que
faz, aí vai repetindo, tranca, não aparece de novo... é bem complicado... Você
pode ver aqui pela sala de estudos [onde foi realizada a entrevista] Tá no
começo do período e tem bastante gente estudando... não tem nem um mês de
aula... aí a gente vê que o pessoal acaba desistindo, assim... Casa, tem filho,
ou não vê grande razão pra se esforçar, se dedicar tanto... tipo, para fazer
concurso e ser professor? Ganhar salário de professor depois de ter estudado
tanto? ... ... fora que pras mulheres é mais difícil...
P: Como assim?
E2: Por ex, ainda hoje, você vê, aqui tem muita mulher... [é, tem bastante
meninas...] sim... Mas isso aqui, na faculdade... Quando você vai pras escolas,
você vê muito mais professor homem... é meio que selecionado, sabe? Parece
que, ainda hoje, é um mercado selecionado... Então conheço muitas meninas
formadas que não trabalham mais, porque não são chamadas pros melhores
lugares pra dar aula, ou porque não ganham a mesma coisa, não ganham o
mesmo número de turmas... Isso desmotiva... Mas tive uma professora de
Didática que motivou, que deu esperanças [risos], de ver que posso ser
professora assim... mas tem aquelas pessoas que dão aula e parecem que
estão mortas, dormindo, sei lá...
P: Então, pra você, o professor instiga mais que o conteúdo da disciplina? [...]
Porque, por exemplo, tem gente que gosta mais do conteúdo, outros do
professor...
E2: Com certeza! Com certeza, se o professor não for bom, dificulta o
aprendizado... [o professor, então, facilitaria como...] motivaria... Facilita o
aprendizado, professor que tem mais... dinâmica...
P: E o que você considera positivo, o que te fez gostar mais do curso? [...] [...]
Ou faz o inverso, os pontos que você considera negativo no curso... Você já
citou alguns...
130
E2: Um ponto positivo acho que é a especialização dos professores... Acho que
positivo e negativo, porque eles não conseguem limitar, ver o que é importante
pra quem não é da área, quem não é especialista, mas ao mesmo tempo,
naquilo que você gosta e quer seguir, ter um bom especialista pra você
procurar, perguntar... isso é muito bom! A aula prática também é boa, é teoria e
prática junto...
P: E como eram os professores dessas disciplinas?
E2: Olha, aqui... bem tradicionais, mesmo. Tradicionais em tudo, como a gente
estuda em Didática: professor fala, dá matéria pra prova, cobra lista de
exercícios, cobra relatórios... eles são fáceis da gente achar, porque vivem nos
laboratórios, mas tem que estar num momento bom pra gente perguntar.. eles
tiram dúvidas, mas tem muito pesquisador, então o pessoal parece que se
fecha mais. [mesmo na licenciatura?] Mesmo na licenciatura, os professores,
alguns, são mais abertos, mais simpáticos, mas a maioria não tem muito...
tempo, sei lá, acho que é mais dar aula e pronto... Mas eu gosto do curso, de
um modo geral, sempre tem alguém que salva, que motiva, que ajuda... tem
gente que é até gente boa, mas... não dá uma boa aula...
131
APÊNDICE D – ENTREVISTA 3
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E3: Entrevistado (graduando entrevistado)
Entrevista 3: Bacharelado em Química, sexo masculino, 7º período (mas veio
de outro curso, Engenharia Química, onde cursou outros 7 períodos), 24 anos.
P: [apresentação, esclarecimento sobre a pesquisa e sobre perguntas relativas
aos aspectos metodológicos, pois o entrevistando perguntou quantos alunos de
cada curso seriam entrevistados e se a pesquisa seria um estudo piloto quando
dito que seria um aluno do Bacharelado e um da Licenciatura] Como você
avalia seu curso de graduação?
E5: Eu reparo muito aqui na... porque como eu vim de 2 cursos, eu reparo
muito coisas assim... uma coisa que reparei, muito interessante, por exemplo, é
que uma visão que um tem, não é a do outro [o que? de curso, coisas assim?]
É, de curso. Por exemplo, eu vim da Engenharia Química, vim pra cá pra
Química, porque vi que gostava mais da química, e achei o curso de química lá
fraco... aí resolvi trocar. [você achou fraca a Engenharia Química?] Não achei
fraca, achei com pouca Química... Achei muitas poucas matérias, muita pouca
disciplina. [como assim?] Eles pegam mais a parte de processo no ciclo
profissional, e coloca muito a parte econômica... Por exemplo, você tem várias
matérias lá, algumas eletivas que fiz, Marketing, Comércio Exterior, coisas
assim... São disciplinas boas, mas eu sou muito focado em Química, mesmo,
aí resolvi trocar, vir pra cá pro Instituto de Química. Mas, por exemplo, eu vejo
muito pouca ... muito no sentido contrário. O curso daqui não é focalizado, é
um curso mais amplo, que você tem uma visão geral de tudo... por exemplo, da
indústria, você pode chegar lá e você pode... você já pode se especializar pra
quando for trabalhar, coisa assim... um problema do curso é que você não
consegue, por exemplo... você se forma, mas a expectativa de emprego aqui
no Rio de Janeiro é muito pequena na área de química. Aí, por exemplo, você
ser forma muitas vezes.. por exemplo, jáaaa... alguns amigos já sabem, você
não passa no exame final, que é o mercado de trabalho. Você bate na porta,
fica algum tempo sem trabalhar, ou você faz mestrado... O pessoal faz muito
isso, também, algumas vezes porque não consegue emprego, alguma coisa
assim, ou tenta, por exemplo, ir pra escola de química, um curso como
Engenharia Química, algo assim, com aquela visão que lá tem emprego
porque... Químico tem uma visão, é... normalmente a visão do químico é que
engenheiro químico rouba emprego de químico... Só que eu acho que não é
bem assim, porque o engenheiro químico tem outros focos. Então o que
acontece? Quando você chega lá na frente, você fica desmotivado... Pelo
menos o pessoal que eu conheço, tô vendo muita gente até... assim, chega na
metade do curso, tenta trocar de curso, algo assim... porque visa muito
mercado de trabalho. E aqui no Rio de Janeiro, em termos de indústrias
químicas, tá meio fraco... E, por exemplo, concurso, quando abre concurso pra
Petrobrás, coisa assim, normalmente cai muita matéria própria de engenharia.
Mas eu sou da seguinte opinião: você faz o que você realmente gosta, o que
você ama, então eu não me arrependo de ter trocado.
132
P: E você tava falando da estrutura, da diferença, entre a Engenharia Química
e a Química... Mas como seria a diferença de curso aqui dentro da própria
Química? Porque, fiquei meio confusa com a divisão curricular, porque não é
apenas Licenciatura e Bacharelado...
E5: Eu faço Química com Atribuição Tecnológica, é um curso integral, manhã e
tarde, são 5 anos. O pessoal da Licenciatura é um curso noturno, 5 anos, e o
pessoal que estuda à noite é porque normalmente trabalha de manhã ou à
tarde, ou manhã e tarde.... aí como o pessoal trabalha, aí o curso de
Licenciatura é totalmente licenciatura. Aí o pessoal do Instituto de Química
criou um Bacharelado, um curso noturno, pra... por exemplo, a pessoa tá num
curso noturno não é porque ele quer ser professor, tem um dom de ser
professor... ele pode ir pra indústria porque o Bach ele permite isso. Só que pra
fazer o Bacharelado você tem que ser formado em Licenciatura pelo instituto,
aí você pode pedir pra fazer as matérias do Bacharelado, mas por exemplo,
você não pode sair só com o Bacharelado da noite. E não é oferecido vagas...
por exemplo, não tem turma de vestibular, é na verdade como se fosse um
complemento.
P: Então o seu curso é uma outra história, como um outro bacharelado?
E5: Não é um bacharelado... A Atribuição Tecnológica, a impressão que me
passa... É...como se fosse um mix entre química industrial e bacharel... na
verdade você tem matéria de ambos, tanto se prepara pra ir pra indústria, como
pra pesquisa. Sendo que, convenhamos... atualmente, pelo menos eles puxam
pra pesquisa, pra indústria eles tem poucas matérias que, digamos assim,
capacitam para a indústria...
P: E, no caso, o bacharelado da noite seria mais pra pesquisa?
E5: O bacharelado da noite? Na verdade, acho que não... acho que é mais pro
mercado de trabalho MESMO [mercado mesmo?] Na verdade, o que acontece:
não tem matéria de industrial à noite, mas tem muita matéria que você pode
aplicar na indústria... por exemplo, Análise Instrumental: não é uma matéria de
indústria, é de pesquisa também, mas por exemplo, quando você vai fazer
análise num laboratório... por exemplo, você tá lá na indústria química, você
tem que fazer controle de qualidade da indústria química, dos produtos... aí a
Análise Instrumental é muito útil, é uma ferramenta muito útil neste controle de
qualidade, porque você consegue determinar a quantidade de elementos...
substâncias lá presentes... se o pH está na faixa ideal, coisas assim. Então
uma das matérias que o bacharel tem é Análise Instrumental, ou seja, ele pode
ir pra indústria, mas antigamente não tinha esta matéria...
P: Isso foi um arranjo feito a pouco tempo, no currículo?
E5: Acho que foi, tem uns 3 ou 4 anos... acho.. não sei quando entrou,
realmente, mas é uma coisa nova. Achei interessante... porque você diminui...
EU acho que foi pra diminuir a evasão e pra dar mais uma possibilidade, é
minha opinião, eu não sei... Alguém que fez essa parte tecnológica, esse
cumprimento do bacharel, pode te informar melhor o que aconteceu... porque
133
normalmente, além de ter cursos diferentes, com coordenadores diferentes,
existe uma certa barreira entre o pessoal da noite e pessoal do diurno... não tô
falando de preconceito, mas existe uma barreira que é de tempo.
Normalmente, o pessoal da noite, a maior parte, não pode estudar de manhã, e
o pessoal da manhã não vai também estudar à noite, então não existe um elo
de ligação...
P: Obrigada pelo esclarecimento, porque ainda estava meio confuso pra mim...
E5: É, é confuso.. porque na verdade você nem pode falar que existe um curso
de bacharel, porque não existe. Na verdade, se você quiser fazer um curso de
Bacharel em Química, você não vai fazer, porque primeiro você vai ter q fazer a
Licenciatura em Química. [E o seu curso?] No meu curso já tá incluído as
matérias de bacharel. Ele tem mais atribuições que um bacharel, mesmo...
P: Mas, por exemplo, no seu diploma: você aparecerá como...
E5: Químico com Atribuições Tecnológicas. Tive uma informação a alguns
anos atrás... Esse curso de Atribuições Tecnológicas é um curso meio confuso,
mas nem todas as faculdades tem. Você ganha o seu diploma como químico,
mesmo. A Atribuições Tecnológicas você ganha lá no CRQ [Conselho Regional
de Química]. O bacharel, se não me engano, é o CRQ também que dá... Se
não me engano, o CRQ dá 16 atribuições. Fora a parte de Licenciatura, o
Engenheiro Químico pega todas as atribuições. O Químico Atribuições
Tecnológicas pega 13... já o Bacharel pega 6, acho que alguma coisa assim...
E aí existe até uma discussão, porque antigamente só existia 2 cursos de
Atribuições Tecnológicas, o... é... aqui no [Campo universitário], no Instituto de
Química, e em São Paulo, não lembro se na [Nome de uma Universidade] ou
na [Nome de outra Universidade]... Agora, há poucos minutos atrás, fiquei
sabendo que a [Nome de uma Universidade] também criou... mas estranhei,
porque aqui é integral, manhã e tarde, e 5 anos de curso... e lá, a garota tava
me falando, são 4 anos e é só um turno... aí acho que, em termos de carga
horária, eles só pegaram o mínimo, também...
P: Fica uma diferença grande em relação ao curso daqui...
E5: É, mas acho que tem uns problemas em relação ao curso daqui: ele é
superficial, você não pode, não dá pra se aprofundar [Superficial, aqui?] É
superficial, porque na verdade, aqui você aprende muita coisa, mas
normalmente você não se aprofunda muito nas matérias. Você aprofunda
quando você faz alguma pesquisa, vai pra alguma área, mas por exemplo, todo
curso universitário, na parte de tecnologia... éee... eu diria a maioria – na
Engenharia Química também era assim – eu diria que é superficial. O problema
que o superficial... o superficial [risos] já tem um conteúdo bastante
abrangente, na verdade. Superficial que tô falando é que existe muito mais
coisa que poderia se dada... não dá pra estudar tudo a fundo... ele te dá a
noção e se você precisar de alguma coisa além daquilo, pelo menos você já
tem a base... na verdade, acho até fundamental, muitas vezes, melhor você ter
a base pra construir... vai tentar construir um prédio sem base, não dá... mas o
curso é meio longo...
134
P: E qual seria a sua avaliação sobre o seu curso? Você tem informações
sobre outros cursos, já disse, saberia compará-los ao curso daqui...
E5: Já fui em encontros de estudantes de química, em três, e conheci
instalações de outras universidades... em relação ao curso de química, em
termos de equipamentos, coisa assim, aqui na [Nome da Universidade] a gente
tá muito bem... em outros cursos, a situação tá precária, assim... [Quais
cursos? Só para comparar... Seria universidade particular?] Nãaaao, pública
mesmo, federal, só que em outros Estados... lá em Alagoas, por exemplo,
alguns equipamentos são muito precários, assim, você não tem muito
equipamento... até... isso dificulta muito, tipo assim, você... Tem equipamentos
assim, pesquisa, utilizado pra pesquisa, outra coisa é a graduação. Aqui,
apesar de tudo, na graduação a gente vê algumas coisas... a gente pega
coisas que a gente acha muito ultrapassado, mas quando a gente vai ver a
realidade em outras faculdades, vê que a gente tá muito bem. Em termos de
alunos, coisa assim, eu não sei... eu sou da seguinte opinião: quem faz a
faculdade é o aluno, ou seja, não adianta nada você estar na melhor
universidade do país e você não quer nada... não, de repente, uma faculdade
muito ruim, mas se você correr atrás, você vai ser um profissional bem
qualificado. É um conjunto todo, não tenho como avaliar em termos de aluno,
mas em termos de estrutura, de curso, a [Nome da Universidade], na área de
Química, está muito bem servida de material, de equipamento, coisa assim...
achei muito interessante essa parte, ter um suporte... e fora o ambiente,
também, por exemplo, até aqui dentro da [Nome da Universidade], mesmo, se
você for ver, as salas do instituto tem ar condicionado, são bem equipadas, e
você vai em outras unidades e você vê... por exemplo, o bloco B, aqui, as salas
são meio escuras... [E seria o que, nesse bloco B?] Acho que Desenho
Industrial, eu acho... Engenharia Civil...
P: E voltando ao seu curso, especificamente. Você disse que teria algumas
matérias superficiais, mas que seria um ponto de partida para a pessoa
aprofundar... Mas de uma forma geral, o que você acha do seu curso, como
você definiria a sua graduação: tá satisfeito, insatisfeito, por que...?
E5: Tô, tô satisfeito... mas, por melhor que seja, tem sempre como melhorar as
coisas... Tem algumas matérias, assim, que, por exemplo, até... você fica muito
preso na matéria. Tem duas Análises Orgânicas que, eu acho, na minha
opinião, poderia ficar numa só... são 2 laboratórios que vai de 1 até às 6
[horas]. Dava pra dar em um período, na minha opinião... porque na verdade é
continuação total uma da outra e se adequasse mais um pouco, você poderia
fazer num período só... Tem matérias eletivas que, na minha opinião, tinham
que ser obrigatórias... na verdade, você se especializa no que você quer. Aqui
no Instituto de Química tem muita eletiva, se bobear, mais eletiva que
obrigatória. Aí você pode se guiar, se você quer seguir uma área, você tem
total condições de seguir uma área. Tem algumas eletivas que você olha
“existe essa eletiva? Ah, agora existe!”
P: Mas isso seria dentro da área de química ou em outras unidades?
135
E5: Não, dentro da área da química, mesmo. A química é uma ciência muito
particular porque se divide em vários ramos. Por exemplo, tem Química
Ambiental, Química Orgânica, Química Analítica, Química Tecnológica,
Química Industrial mesmo, tem várias áreas e dentro dessas áreas, tem várias
eletivas. Aqui mesmo, tem vários professores é... algumas eletivas estão
surgindo porque temos alguns professores novos, aí se o professor é
especialista de uma área do conhecimento, ele dá uma eletiva daquela área. É
química mesmo, só que é uma especialização da química. Algumas eletivas eu
achava que tinha q ser obrigatória, mas tem o problema dos professores... Eu
fiz no período passado uma eletiva chamada Quimiometria, que você usa
Estatística aplicada à Química – é “química entre aspas”, é estatística aplicada
a várias coisas, depende da área. Além disso, tinha experimentos também,
achei muito interessante essa matéria... o químico trabalha com muitos dados,
é experimental, mas algumas vezes você pega vários dados, vai precisar fazer
trabalhos estatísticos em cima de vários dados e, se você não fizer essa
eletiva, vai sair sem esse conhecimento... acho muito importante na área da
indústria, e até na área da pesquisa, mesmo...
P: E como é colocada a eletiva? É alguém que oferece, cursos de fora, vem
alguém de fora, especialista, e oferece, ou...?
E5: Não, na verdade, o professor é pesquisador, ele tem a pesquisa, mas tem
que dar uma certa quantidade de horas de aula. As matérias obrigatórias não
são suficiente pra ele ter aquela carga horária, aí normalmente ele disponibiliza
o que ele pode dá. [Entendi] E, no caso, por exemplo, porque... abre concurso
toda hora, entra um professor, de repente, entra uma eletiva nova...
P: Seria concurso pra professor substituto ou contratado da casa? Porque não
sabia que tinha tantos concursos para contratação na [Nome da
Universidade]...
E5: Acho que substituto também pode dar eletiva, mas professor mesmo, da
casa... Toda hora tá abrindo concurso... mas o que acontece? É uma vaga! E
uma vaga aqui no universo do IQ não é nada, né?
P: Aqui tem muita gente? Você tem idéia de quanto alunos entram?
E5: São 50 por ano... à noite acho que são 40...
P: E você tem idéia de quantos se formam?
E5: Na verdade, ultimamente houve um aumento tremendo, já aconteceu, por
exemplo, vou citar o caso da Engenharia, de ter três formandos... aí na
Engenharia Química tem sempre mais formandos, tem uns 40, 50 por ano,
mais ou menos... Mas contando quem tá atrasado... aqui tá em torno de 20, 25
por ano. Aumentou, aumentou muito...mas tem que levar em consideração que
tem formando sem periodização, se formou, mas o cara é de 99, 2001, 2002...
Normalmente, o pessoal se atrasa pouco, no curso da química, conheço gente
que vai se formar antes do tempo, mas é aquilo, a pessoa não vive. E também
é melhor você ficar um pouco mais na faculdade, pegar experiência, iniciação,
136
estágio, coisa assim, não fazer só matéria por si só... é minha opinião... Mas
voltando um pouquinho, sobre matéria eletiva, outra q gostei, fui falar com a
professora no final, porque não é obrigatória. Aí ela falou que, da [Nome da
Universidade], só ela dava. Se ela não pudesse mais, quem daria? Outra
pessoa com a mesma qualificação, pra dar o curso. Pra você abrir uma matéria
obrigatória, você tem que garantir que a matéria tenha professor.
P: E da grade de vocês, de matérias, tem alguma que seja da área de
humanas, vocês tem a possibilidade de fazer alguma disciplina...?
E5: Não. Na verdade tem 2 tipos de eletivas, do próprio curso e de outras
áreas. Eu já fiz matéria de Didática Geral, matéria de outro curso, da área
humana, aí então você não é totalmente preso assim... [E o que você achou?]
De didática? Achei muito interessante... [Você fez aqui no Instituto de
Química?] Eu puxei pelo Instituto, pela Licenciatura, na época eu era até da
Engenharia Química, só que puxei e tinha gente da Biologia, tinha gente da
Educação Física, tinha gente assim, de vários cursos, não era licenciatura
fechada. E uma das coisas que achei interessante foi isso, o ponto de vista,
né? Na verdade, você não tinha uma coisa fechada, tinha uma coisa mais
abrangente, você conhecia até outros cursos, é legal, essa parte de você não
ficar no seu mundinho fechado, é muito interessante...
P: E em relação à pessoas que andaram contigo.. não necessariamente turma
[Não tenho turma...] É, as pessoas que cursaram contigo disciplinas e tudo
mais... Como é que ela avaliam?
E5: Depende, depende de tudo, foi o que te falei, depende da pessoa. Porque
na verdade não existe um consenso, tem gente que gosta muito do curso, tem
gente que ... ... eu conheço alguns calouros que entrou no curso e já tá
pensando em sair... o pessoal mais na frente normalmente gosta do curso...
[Mais tempo no curso gosta mais?] É, gosta mais entre aspas, porque muita
gente acha que não tá preparado pro mercado de trabalho... Mas o problema
não é não estar preparado pro mercado de trabalho, o problema é que não tem
emprego... Mas a avaliação depende muito, tem gente que odeia o curso, tem
gente que ama e tem gente que...[risos] [Tá fazendo] Tá fazendo... aí é sempre
relativo...
P: E em relação à sua experiência na graduação aqui na Química, quais
aspectos você considera positivos, coisas que te fizeram gostar do curso?...
E5: Contato com o professor. Contato muito bom com o professor. Além disso,
assim... química é uma área muito experimental. Ter uma parte teórica, até a
parte teórica, precisa de equipamento, que é o computador. E aqui a gente tá
bem servido, digamos assim... a estrutura, em si, daqui, é muito boa... isso é
um ponto positivo porque ajuda, é muito melhor você estudar num ambiente
agradável... E quando você vai prum laboratório, por exemplo... aí é que tá... eu
já vi coisa muito pior... As estruturas dos laboratórios de graduação... Tem
coisa que a gente não tem acesso, algumas coisas mais valiosas, alguns
reagentes, mas já vi coisa muito pior... Assim, na verdade, tem disciplina, a
137
inorgânica, que não tem um roteiro. Tanto a InorgExp I quanto a InorgExp II
[Inorgânica Experimental] eles dão várias opções, por exemplo, eles te dão
vários elementos químicos. Aí você escolhe um daqueles elementos e aí você
vai fazer a química daquele elemento, vai fazer reações com aquele elemento.
Apesar de ser uma matéria só, na verdade lá são vários projetos, cada um faz
um experimento diferente. E aquele elemento que você escolheu, na verdade,
pode não ter ali o reagente... essa dificuldade... mas com a experiência de ir
em outros lugares, o que a gente acha velho aqui, dependendo de onde for, o
que a gente tem na graduação muito melhor que em outras universidades... A
desculpa que eles dão pra não ter equipamentos muito bom é a seguinte: se
você sabe mexer nesses equipamentos, trabalhar com isso, quando você
chegar na indústria e você tiver um equipamento de tecnologia, com certeza,
você vai saber. Hoje em dia, você chega numa indústria química, é só apertar
botão, coisa assim. Se o equipamento falha ou se o equipamento quebra, vai
ficar sem fazer a análise? Não, tem outro jeito, que é a maneira mais arcaica,
digamos assim... ... Se você for comparar laboratório de graduação com
laboratório de pesquisa, não tem comparação: os laboratórios de pesquisa
estão muito a frente, mesmo, mas se for comparar... laboratórios daqui com
laboratórios de outros lugares, a gente ainda leva vantagem...
P: E poderia dizer que é ponto negativo? Desvantagem...?
E5: Pode ser... é...
P: E tem outro ponto que não tenha te agradado?
E5: Falta de... falta de opção de horários. Por exemplo, apesar de ser um curso
integral, tem matéria que só é dada naquele horário, por exemplo, você quer se
adiantar um pouco, ou você se atrasou em alguma matéria, mas você tá
preso... Eletiva tem que ter um horário só, porque é eletiva, mas acho q matéria
obrigatória você tinha que ter mais de um horário... manhã e tarde, ou outro dia
da semana, mas boa parte das matérias só tem aquele horário, e acho isso um
ponto negativo.
P: E em relação à disciplinas, afunilando mais ainda a avaliação do curso.
Pensa nas disciplinas que você mais gostou... o que teria nelas, na
organização delas, na forma como foram dadas, que você ressaltaria como
ponto positivo?
E5: As InorgExps...você não tava preso, você escolhia o que você queria
trabalhar, na verdade... dentre aqueles tópicos você escolhia... e ninguém te
dava ordem nenhuma, você tinha que procurar, pesquisar as reações, você
tinha que realizar as reações... ajudava muito você a correr atrás, não ficar só
naquele roteirinho chato, você pesquisava. E, por exemplo... tem muitos
professores aqui na faculdade que são solícitos... uma vez tive que fazer
experiência em InorgExp e, além dele ter me cedido um reagente, ele ainda me
deu explicação, uma baita aula sobre aquilo... Eu achei muito interessante isso,
contato grande dos professores... e o que achei interessante da matéria é você
procurar o que fazer, você não ter um roteiro, você... não tem uma receita, você
pesquisa a reação que você tá interessado, descobre coisas novas, e você
coloca na prática. E o que você faz é diferente de quem tá do lado. [E no final,
como...?] E no final tinha um seminário, que você tinha que expor tudo o que
138
você fez, cada grupo, era normalmente trio ou dupla. Outra coisa também, de
infraestrutura e coisa assim, aqui normalmente toda sala de aula tem
datashow, que você pode usar Power Point para exposição, coisa assim... não
precisa mais do retroprojetor antigo, arcaico, coisa assim.... A infraestrutura
aqui é muito boa nesse ponto. Isso ajuda muito você... assim, eu odeio aula
com datashow, normalmente os professores não dão aula assim, mas uma
coisa que acho muito interessante, quando você vai fazer um seminário, é
muito importante a tecnologia nessa hora...
P: E nessas disciplinas que você gostou, o que teria na relação professoraluno? A forma de dar aula você gostou? Os pontos positivos do professor...
E5: Depende muito do professor... Por exemplo, tem professor que te passa
muito conhecimento, digamos assim, e dá vontade de assistir aula, algumas
vezes você vai pra aula só por causa dele, digamos assim... tem professor que
você não quer ir pra aula dele... Tinha matéria que eu gostava até da matéria,
mas não gostava do método do professor... tinha professor que pegava, jogava
no quadro a matéria e sumia! Deixava a gente fazendo exercício da matéria...
esse professor é um exemplo que, se tivesse opção de horário, você não iria
assistir aula dele, com certeza, a turma dele ia ficar vazia. É muito relativo,
tinha professor carismático, tinha professor duro, mas que dava aula bem, tem
de tudo aqui. Tinha professor que falava muito, você não conseguia absorver
tudo, mas a aula era interessante. Acho que não tem um estilo próprio... várias
coisas vou aproveitar pra minha vida profissional, exemplos mesmo. Tive
professores muito bons e muito ruins...
P: E o estilo de aula? Pensa em algum, ou em alguns até, que tenham
características parecidas, forma de lidar com aluno, organizar aula... por
exemplo, aula teórica, depois vai pra prática...
E5: Não, não, aqui são separadas as aulas teóricas das práticas... Mesmo se
for junto, teórico e experimental, é com professor à parte... um só pra teoria,
outro só pra experimental. Não que um não saiba dar a teoria, nem o outro não
sabe dar experimental, mas teve essa separação por causa de tempo, coisas
assim...
P: Essa separação é em dias da semana também, é total?
E5: É separação total, um dia da semana uma aula teórica, no outro a prática...
tem matéria teórico-experimental, tem matéria só teórica, tem matéria só
experimental. Essa de mostrar experimento na teórica, só no começo, mas
depois não faz sentido perder tempo da matéria de teoria se depois vai pro
laboratório ver o experimento. Mas a parte teórica do experimento, quando as
matérias são juntas, vê na hora, no laboratório. Isso é porque o professor
também é pesquisador e tem que dividir laboratório com outro professor que
também é pesquisador... Quanto a algum professor que me marcou... teve um
que, na verdade, no início, eu tinha medo de perguntar alguma coisa pra ele.
Você perguntava alguma coisa pra ele e ele te enchia de perguntas... só que
depois eu percebi o seguinte: se você não soubesse... na verdade, ele tava
testando até onde você sabia daquilo pra poder explicar. Se você não
139
soubesse, ele parava a qualquer hora e ia pra aula experimental, mas ele dava
a teoria toda lá no quadro. E te respondia... só que no começo, eu tinha medo,
custei a perceber isso... Teve outro professor que também adoro, ele sabia
muito, chegava na aula e começava a falar sobre a matéria e sempre dava
exemplos práticos... curiosidades sobre o assunto, até coisas bíblicas botava
no meio, fazendo a química da bíblia. Muito interessante a matéria, mas
conheço gente que odiava a matéria dele, depende muito... O básico, você
conseguia aprender tranqüilo. Tem gente que odeia ele, uma turma ficou muito
gente reprovada. Mas reparava o seguinte: a avaliação que você vai ter do
professor são várias: depende de como você vai se dar na matéria, tem matéria
que eu reprovei muito feio, mas a aula do professor era EXCELENTE... o
problema é que tava cheio de matéria, a aula é excelente, a prova também é
excelente, aí não consegui estudar e reprovei... mas não foi culpa do professor,
foi minha culpa. Eu acho que muita gente tem que discernir isso...
P: E a avaliação nas matérias?
E5: Ah, pra passar direto, média 7... [seria em relação ao métodos dos
professores...] Ah, varia muito com o professor: já tive seminário, prova, fazer
relatório, disciplina só com relatórios... ou então tudo junto. Teve disciplina que
eu tive que fazer relatórios, seminário e ainda prova pra passar. Nas eletivas,
normalmente não tem prova, são trabalhos, seminários, relatórios... algumas
tem prova.
P: E em relação aos professores que você não gostou? Tem alguma
característica...?
E5: Um deles foi esse que falei, mal humorado: chega, bota a matéria no
quadro e vai embora... deixa ver se lembro... porque, na verdade, aqui do
Instituto de Química, são poucos os professores que não gosto, gosto da
maioria... um professor, lembrei, que no começo eu gostava, depois passei a
não gostar dele, ele se achava o dono do poder, porque ele dava a aula dele,
até gostava da aula dele no começo, mas ele... a gente descobriu depois que
era uma aula decorada, na verdade. Pediram pra ele fazer um exercício, ele
não conseguiu fazer o exercício na turma da tarde – ele dava manhã e tarde,
aula – aí, estranhamente, na outra semana, ele chegou de manhã e o mesmo
exercício ele pediu e corrigiu. Só que ele ficou com ódio das turmas, aí ele
sacaneou, literalmente. Se você não fizesse... lembro até que uma questão
minha estava certa, porque não fiz do jeito dele, ele “pô, mas isso aqui não é
Física, isso é Matemática”. Eu olhei assim... ele “essa prova é de Física, não é
de Cálculo”...
140
APÊNDICE E – ENTREVISTA 4
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E4: Entrevistado (graduando entrevistado)
Entrevista 4: Licenciatura em Química , sexo masculino, 10º período, 23 anos.
P: [apresentação dos objetivos da entrevista, termo de consentimento] Qual
seria sua avaliação pessoal, uma avaliação geral do seu curso quando
comparado com os cursos de outras universidades? Se você tem um
parâmetro... Porque a gente sempre ouve algo sobre o curso na universidade
tal...
E6: Tenho minha opinião formada em relação ao curso de Licenciatura em
Química da [Nome da Universidade] quando comparado ao de outras, né?
Como, por exemplo, da [Nome de uma Universidade]. A formação lá é dada em
4 anos, em comparação, aqui são 5, né? Em termos estruturais, eu acredito
que aqui a gente tenha um pouco mais no pedagógico. É que já dei uma
olhada na grade da... da [Nome de uma Universidade] e ambos são cursos
noturnos, só que na [Nome de uma Universidade] você tem a opção de estudar
durante o dia. Mas independente de você fazer a graduação lá de manhã ou à
noite, são 4 anos, enquanto aqui a gente tem um tempo um pouco maior pra tá
cumprindo as disciplinas, tanto as do ciclo básico, né?, que são inerentes aos
cursos da área tecnológica, de cálculos e de físicas, que é a parte mais
complicada dessa área, que a gente tem um tempo um pouco maior pra
distribuir essas disciplinas de formação do ciclo básico, as disciplinas de
formação em Química e as disciplinas pedagógicas, né? Contando com o
tempo que a gente tem pra fazer a prática de ensino, né?, que é obrigatória pra
qualquer curso da licenciatura, e... com um diferencial daqui, eu acho que a
gente tem... a exigência um pouco maior em relação à carga horária de
atividades acadêmicas, atividades docentes. Quando prestei vestibular pra
[Nome de uma Universidade], passei lá pra Engenharia Química. Mas mesmo
assim, eu dei uma olhada tanto nas matérias da licenciatura quanto da
engenharia. Larguei a engenharia lá porque comecei a trabalhar muito cedo e
fiquei só aqui no [Nome do campo]. Por exemplo, aqui a gente, além da prática
de ensino, a gente tem que cumprir 180, ou se não me engano, 120 horas de
monitoria dentro da faculdade, o que na [Nome de uma Universidade] você não
tem essa obrigação, por exemplo. E fora essa monitoria que a gente tem que
fazer aqui, mais a prática de ensino, a gente ainda tem uma carga horária de
200 horas de atividades científicas, acadêmicas e culturais pra cumprir. E essa
carga horária ela é... vai sendo debitada 20 horas, que é a disciplina q a gente
tem no 1º. período, que é AACC, Atividades Acadêmicas, Científicas e
Culturais, depois a gente tem os 10 períodos pra cumprir tantas horas que são
contabilizadas em estágios de iniciação científica.. éee... participação em
cursos, participação em congressos, visitas a museus, só que tudo isso tem ser
comprovado depois num relatório que vai ser emitido pra secretaria pra você
ser considerado então aprovado nessa disciplina de AACC. Então isso
comparado com a [Nome de uma Universidade], que acho que seria a que
estaria equiparada em qualidade de ensino, de infraestrutura, de corpo docente
e acho que também de corpo discente, eu acho que a [Nome da Universidade]
141
teria a exigência da área um pouco maior do que na [Nome de uma
Universidade], por conta que a gente tem um tempo maior pra estudar, óbvio
que entra mais matérias, e a gente tem um pouco mais de exigências em
termos de formação e de experiência, né, dessa troca que a gente vai ter pra
essa transição de aluno pra professor. A formação é boa por este ponto de
vista, pelo tempo que a gente tem, até pela exigência acaba sendo, no meu
ponto de vista, um pouco excessiva, a gente já tem a carga horária de estágio
pra cumprir no colégio e a gente não recebe nada pra isso, né? E fora que a
gente tem que dar monitoria dentro da faculdade e não receber nada pra isso,
também. Então se você for contar, existe pra gente mais de 400 horas só de
atividades de sala de aula e não remuneradas, o que às vezes é um fator
complicado pra muita gente, que trabalha durante o dia e só tem a noite,
depois, no final da graduação pra fazer este estágio, então a pessoa já está
cansada de ter trabalhado o dia inteiro e ainda tem que trabalhar à noite de
graça pra cumprir um componente curricular... é assim que a coisa funciona
não só aqui, mas também nas outras universidades. E... quanto à... saindo da
parte tecnológica e indo pra parte da formação pedagógica em si, acho que
deveria ter uma reestruturação do currículo, que até teve. Quando entrei na
faculdade, por exemplo, fazia Psicologia da Educação I e Psicologia da
Educação II. Hoje em dia, isso foi condensado em apenas uma psicologia. Eu
não sei como é que ficaram outras disciplinas, e, pra ser bem sincero, no final
das contas, não é aquilo que vai fazer diferença pra gente... isso é minha
opinião, como também dos meus colegas [essas são as disciplinas da
licenciatura que são ministradas pela Faculdade de Educação?] Isso, isso. A
opinião que tenho é que não vai fazer diferença nenhuma, nenhuma mesmo.
Então exigem da gente uma demanda muito grande, uma quantidade grande
até de disciplinas pedagógicas... eu acho até que nesse meio tempo, toda essa
parte teórica, eu acho que ela deveria ser dada de forma mais objetiva, tem um
enfoque. Por exemplo, a gente chega em Psicologia, vai estudar Piaget,
Vigotski, vai chegar em Sociologia, vai estudar Durkheim. A teoria é ... se você
para pra pensar, tem um fundamento, óbvio, praquilo tudo, só que você não
vai, quando você vai dar aula, quando vai montar um plano de aula, não vai
levar em consideração nada daquilo que você aprendeu. Você vai levar em
consideração qual é o seu objetivo, mas seu objetivo vai tá atrelado ao objetivo
que a escola tem. Se for um colégio particular voltado pro vestibular, o dono ou
o chefe falar “olha, você tem q dar estequiometria em 50 minutos, só, e depois
você vai passar pra soluções” e você não tem liberdade pra trabalhar o aspecto
cognitivo, você não vai ter tempo pra trabalhar o desenvolvimento do aluno
como cidadão, você não vai... vai trabalhar o aluno de forma mecanizada
porque é isso que o mercado pede em termos do vestibular, né? Então essas
disciplinas acabam que tomam um tempo muito grande da gente na faculdade,
seja de presença em sala de aula, seja de trabalho que a gente tem que fazer...
Alguns professores são pouco compreensíveis, como a professora que tive de
Estrutura e Funcionamento, a professora nem sei se ainda tá na faculdade,
mas ela tava como professora contratada, substituta. Ela passou um trabalho,
uns seminários pra gente fazer. Aqui serve ao Instituto de Química, mas tinha
alunos da Matemática, Química e Física. E ela criticou TODOS os trabalhos,
todos, não teve um trabalho que ela se posicionasse ... pra ela estavam todos
muito ruim, pra ela. Eu lembro que não minha apresentação, no dia, eu não
142
poderia ter feito, porque eu tinha extraído o siso, tinha levado 8 pontos na boca,
eu nem conseguia falar direito. Eu vim com atestado mostrar pra ela que eu
não poderia apresentar, ela falou que o problema era meu, que se eu não
apresentasse, iria ficar com zero. Eu falei com ela: “professora, eu mal tô
conseguindo falar, só minha parte do trabalho, meia hora ou mais”.
Ela, como profissional de educação, formando educadores, ela simplesmente
colocou de lado tudo aquilo que ela aprendeu na formação dela em educação e
simplesmente ignorou que naquele momento eu não conseguiria apresentar o
trabalho, mesmo comprovando. Eu não passei recado por colega falando, eu
estava presente, estava com atestado, estava com a boca inchada, ela viu,
poderia ter me liberado, mas me obrigou a fazer o trabalho assim mesmo.
Moral da história: no final da apresentação meus pontos saíram, estava com a
boca sangrando, o que não estava muito bem, piorou. Então, esse foi um dos
exemplos ruins que a gente teve aqui, de uma disciplina que, no final das
contas, não fez diferença na minha formação e nem na dos meus colegas, né?
E onde a professora praticamente não sabia aplicar o que ela aprendeu
durante a graduação, durante o mestrado e doutorado, em sala de aula. Visto
que, totalmente incompreensiva, é.... nenhum trabalho estava bom. Ela não
tinha a humanidade de perceber que eu, como aluno da Química, ou como
aluno da Física ou da Matemática, se eu pego um artigo e ela manda eu falar,
por exemplo, da teoria do movimento da Escola Nova, que foi o meu assunto, a
gente vai pegar um artigo, não tenho condição prévia de ver o errado. Então se
o cara falou algum conceito errado, ou que não tão certo, não tenho
embasamento teórico pra ter um senso crítico, chegar e falar “não, está
errado”, né? Isso em todos os trabalhos, ela interrompia e falava “não, esse
conceito tá errado, esse trabalho tá uma merda, isso não é assim que se faz”.
Aí uma pessoa, como falei, eu quase não conseguia falar, explicou isso pra ela,
que nós, como alunos da Matemática, Física e Química, a gente não tinha
embasamento teórico pra ver um artigo e julgar se tava certo ou não o que o
cara, a pessoa estava falando. Porque ela, naquele momento, ela botou... ficou
traçando um paralelo entre o pessoal da Pedagogia e o pessoal das exatas,
criticando a gente, dizendo que os alunos da Pedagogia eram infinitamente
melhores, que o seminários deles seriam infinitamente melhores, mas eles
desde o 1º período tem o embasamento teórico pedagógico pra julgar, tem que
saber bem melhor que a gente. Então a gente questionou: “professora, se a
gente te desse um artigo, pra começo de conversa, você nem saberia como
iniciar um seminário na nossa área”. Então esse foi um fato marcante no nosso
trajeto pedagógico que, no final das contas, não fez diferença pra mim, nem pra
ninguém. Então acho que a parte pedagógica aqui deveria ser mais
estruturada, a gente ter uma coisa mais focada lá no final da graduação, que é
quando a gente vai estudar Instrumentação pra Química do Cotidiano e
Didática Especial da Química, que são duas didáticas especiais, e tem uma
que é Evolução da Química. Então são 4 disciplinas só pedagógicas que tem
um enfoque restrito na química, que são realmente úteis, agora as outras,
Psicologia da Educação I, Psicologia da Educação II, Sociologia, Fundamentos
Filosóficos, a gente não usa.
P: E os professores com quem você fez essas disciplinas eram professores da
cadeira ou eram substitutos?
143
E6: Nunca tivemos aulas com professores adjuntos e assistentes, que
realmente foram concursados pela Faculdade de Educação, sempre foram
professores substitutos. Não tirando o mérito deles, o meu professor de
Psicologia I foi fora de série, foi excepcional, o melhor professor da área da
educação que eu tive e que o pessoal da minha turma também. Eu nem sei se
ele continuou, mas ele sabia cativar, sabia motivar, e não era aquela coisa
chata, enfadonha, você observava, por exemplo, eu nem lembro se ele fazia
chamada ou não, mas independente disso, a aula era cheia. Nas outras
disciplinas pedagógicas, os professores usam, como instrumento de repressão,
a chamada pra obrigar que a gente esteja aqui. Mas nem é capaz... às vezes
eles não conseguem perceber se ele não é capaz de motivar os alunos pra que
estejam aqui presentes na aula, alguma coisa tá errada. E não vai ser
prendendo a gente com uma lista de chamada, ameaçando reprovar, que você
vai estar ali, satisfeito, querendo prestar atenção ali no que ele tem a ensinar.
Então eu acho que ocorre um equívoco, em muitos casos, nessa área, muito
grande, seja por professores que não sabem conduzir a aula, ou pelo menos
próximo do que a gente acha que seria melhor pra gente, e também porque
tem um número muito grande de disciplinas pra gente fazer, né? Eu trabalhei,
dei aula durante 2 anos num pré vestibular, e a minha prática de ensino foi no
Colégio de Aplicação da [Nome da Universidade], né? Então eu não conheço a
realidade de ensino de uma escola estadual, de um Ciep. Só que também a
nossa formação não vai ajudar na forma como você vai ajudar, não vai
influenciar no momento. Acho que a questão que você tem pra trabalhar com
seu aluno, independente da classe social que ele tem, ou se ele vai ter algum
problema, acho que isso vem mais da sua vivência de mundo e experiência
nossa, não são as disciplinas que eu fiz pedagógicas, que vão me ajudar a
sentar e compreender um aluno que foi mal na prova porque o pai bebeu, ou
porque ele mora numa comunidade que tem traficante, ou então porque ele
tem uma outra realidade, que o pai dele tem um cargo alto no trabalho e vive
viajando e deixa ele abandonado. A formação pedagógica que eu tive não...
pra mim não vai influenciar, acho que isso é mais o lado humano, pessoal,
então... a forma como vou tratar esses alunos vai ser mais uma questão minha,
mesmo. Acho que todo esse aparato pedagógico da faculdade, acho que não
vai fazer diferença nenhuma. Quanto à prática de ensino no Colégio de
Aplicação, foi maravilhosa, acho que as disciplinas pedagógicas que a gente
tem na faculdade com enfoque para o ensino de Química deveriam ser
ministradas pelos professores do Colégio de Aplicação. Muitos nem tem
formação pra isso. Minha professora de Didática Especial I e II ela é
engenheira química e depois fez a licenciatura. Só. Então em termos de
conhecimento, ela estava no mesmo estágio que a gente, em termos de
experiência, quase todo mundo que já dava aula tinha mais experiência que
ela: eu tinha mais experiência que ela, meus amigos também tinham mais
experiência que ela.
Só que mesmo assim, ela era difícil de lidar em relação a seminários, em
relação a debates, onde ela sempre achava que nossa posição estava errada e
ela era a mais correta, né? Quando a gente ia debater alguma coisa que a
gente tinha lido em Psicologia, Sociologia, e a gente ia tentar contextualizar na
144
sala de aula, ela quase... quase nunca concordava com algum posicionamento
de algum aluno, ela tava sempre discordando, dizendo que não era assim, que
sala de aula era de outro modo, só que ela esquecia que tinha muita gente ali
que trabalhava já dando aula, ninguém estava ali sem experiência nenhuma,
então o que ela falaria pra mim, não seria verdade absoluta, porque já venho
com uma bagagem da experiência. Pra outros, poderia até ser, mas você
considerar essa parte de um professor que não tem formação na área, querer
mostrar pra você como verdade absoluta. Então ela tinha essa posição, mesmo
não tendo formação acima da gente. Pra mim ela estava no mesmo nível, só
tinha licenciatura. Então por isso que eu acho que essa parte pedagógica toda
que toma um tempo, é enfadonho, que às vezes se torna até insuportável,
deveria ser mais focada, e deveria ser dada não pelos professores que a gente
tem aqui, acho que deveriam ser pelos professores da prática, porque
acontecem equívocos, erros. Os professores daqui eles não dão aula no 2o.
grau, eles não estão capacitados pra questionar a gente em alguns pontos e
falar se tá errado ou não. Eu tive apresentação de seminário aqui, na disciplina
de Química do Cotidiano, onde o professor falou que eu tava ensinando algo
errado. Aí eu falei “tá, professor, mas o que está errado?” ele, “não, está
errado”, “tá, professor, entendi que está errado, mas o que está errado?”, “não,
porque não é assim que ensina pro 2º. Grau”, “então como você ensina?”, “é
que se ensina assim, assim, assado”. Eu falei “não, professor, isso a gente
ensina aqui na faculdade, durante a graduação, no 2º.grau a gente ensina
dessa forma”, ele “não, mas tá errado”, eu “professor, você já deu aula no
2º.grau?” “não”, “pois é, eu dou aula no 2º.grau a um ano e meio, em 4 colégios
diferentes e a disciplina lá funciona assim”.
Então você tem esses entraves dentro da universidade que “eu sou mestre
nisso, sou doutor naquilo outro”, mas que você não tem vivência. Então por
mais que você tenha o conhecimento teórico, mas da parte técnica – porque
tem mestrado em físico-química, em analítica, mas você não é especialista na
área de educação e você não tem experiência na área de educação pro público
do 2º.grau, você tem pro público da universidade, e são públicos muito
distintos. Na faculdade, principalmente aqui, você tem a questão do professor
que está muito acima de você e que ele facilmente tem o domínio da turma
seja por ameaça ou seja por algum outro meio que ele vai estabelecer, que
seja melhor pra ele, o que no 2º.grau não existe. Os professores dessas
disciplinas não podem colocar como verdade absoluta, querer por goela abaixo
uma experiência que ele tem de sala de aula de [Nome da Universidade], de
nível superior, é muito diferente. Só que, pra mim, todo mundo sabia disso, isso
não é novidade, mas parece que pra eles não é, né?
P: Esses professores são formados a muito tempo?
E6: São, são professores formados a muito tempo e que só tem mestrado e
doutorado na parte técnica ou, às vezes, fizeram uma especialização na área
de educação, leram alguns textos, gostam da área, mas não tem grande
formação pra isso. Eles tem a experiência deles de aluno lá atrás, lá no
passado, eles não tem a experiência dos alunos de hoje.
P: Isso parece um pouco de falta de comunicação...
145
E6: Eles não conseguem se comunicar, e também entre eles. A gente teve aula
de cálculo com professores que são formados em Matemática. Então, muitas
vezes, no início do curso, as pessoas falavam “pô, por quê estudo isso, é
chato” e tal... os professores não sabiam dizer pra que que a gente tinha que
estudar cálculo, ou então “ah, tá na grade, porque faz parte do currículo
básico”. Só que a gente não vai chegar no final da faculdade sem saber porque
que a gente tem que estudar cálculo e Física, que são as maiores repetências
aqui da faculdade. Na verdade, a gente questiona, e os professores não sabem
porque a gente tem que estudar cálculo, os professores de Física não sabem
porque a gente tem que estudar Física... mas, conforme a gente vai
caminhando na graduação, a gente vai vendo a importância daquilo que a
gente teve lá no ciclo básico. Por mais que as pessoas não saibam, a gente
uma hora vai entender, lá em Bioquímica eu vou usar essa teoria tal tal. Mas
porque não dar o enfoque, quando for usar o cálculo, pra que que aquilo
existe? Até porque o professor de Matemática não é da Química, ele é lá do
Instituto de Matemática, ele simplesmente vem aqui, dá a aula que tem que dar
e vai embora. Não sabe relacionar a Química à matéria, por mais que não
tivesse relação com a licenciatura... é uma falha que existe na escolha do
profissional para ministrar aquilo...
P: Quais seriam as características dos professores que chamaram sua atenção
de forma positiva? De recursos didáticos, forma de lidar, postura?
E6: Tem o outro professor que citei, que disse que não estava ensinando de
forma certa pro 2º.grau, embora ele não tivesse... pensando em educação em
outro local, por mais que ele não tivesse essa formação em ciência, o que
sempre chamou a atenção nele, apesar dos equívocos em sala de aula, é que
ele não era prof que se distanciava da gente. Acho que tem outro também, que
são sempre lembrados, que sabem o que significa a relação com o aluno em
sala de aula e não limita isso a só estas 4 paredes e quando você sai da porta,
né? Essa relação, pra ele, vai bem além da sala de aula... então por mais que
alguns deles não fossem tão bons assim, às vezes não aceitavam muito as
coisas, falavam que você tava equivocado, que a forma certa era a deles, eles
sabiam cativar e prender a atenção do aluno, por mais que ele se irritasse com
alguma colocação minha, era porque ele, em sala de aula, tinha aquela
postura de professor, mas do lado de fora, ele não mantinha aquela...postura
de professor. Ele tinha aquela situação “eu sei trabalhar o lado humano”,
embora esteja numa... numa... posição acima, “porque sou mestre, sou doutor,
mas sei trabalhar o lado humano”. Isso, a gente acaba levando pra nossa
vivência de professor, eu levei e muitos colegas também levaram o que
aprenderam com esses professores, com os erros deles em sala de aula,
algumas coisas que não deveriam cometer, e aprendemos principalmente com
os exemplos deles fora de sala de aula.
P: E uma característica aqui do curso, a parte de avaliação.. como é a
avaliação aqui? Como é a estrutura de aula e a avaliação?
E6: Aqui a gente tem muita disciplina experimental, só que o fato de você estar
ali, tendo aquele contato maior com o professor durante o laboratório, não
significa que você vai ter um contato mais humano, mais íntimo com ele. Ele
146
continua se distanciando de você, mesmo se tiver que interagir um pouco com
você. Tem uns que tem que tá ali no laboratório, mas mantém aquela postura
distante como se estivesse numa sala, ele tá lá na frente, numa posição
acima... tem professor que ainda trabalha dessa forma. E a avaliação, a parte
técnica, a parte da química, nós somos cobrados, no laboratório nós somos
avaliados. Já a parte pedagógica, depende muito do professor, não tem uma
filosofia, uma política de “não vai ter prova”, não tem essa política de uma
avaliação contínua, ele vai tá sempre avaliando o aluno em sala de aula... Aqui
na parte técnica de química, os professores vão dar a prova, muitas vezes você
vai ser ameaçado, reprimido, o professor vai cobrar, muitas vezes, além do que
ele deu em sala de aula... Uma vez, um professor de química nosso falou que o
papel deles aqui no Instituto de Química era ensinar o caminho... e que a gente
deveria trilhar por conta nossa o caminho das pedras, então ele poderia dar,
sim, o que ele quisesse na prova, independente se ele deu em sala de aula, ou
não. Então, meu professor de Bioquímica faz isso, um dos professores mais
insuportáveis daqui do instituto... o pessoal que só pode estudar à noite fica
muito deprimido com determinados professores, porque você não pode ter
problema nenhum com eles, só tem eles pra dar aquela matéria. Você não
pode ter problema com ele, se não você não vai se formar. A não ser que ele
morra, ele saia, ou que vc consiga fazer em algum outro lugar. Porque ele
ameaça o pessoal... então aqui a gente é reprimido por conta desses
professores... e aqui as pessoas são caladas, não tem voz, ficam com medo de
fazer alguma coisa porque... não vai dar em nada, o cara vai reprovar quantas
vezes ele quiser e nada vai ser feito, por mais que você reclame... é diferente
de quando eu fiz matéria lá na Letras, o pessoal é muito mais politizado.. a
gente tinha uma sala de aula muito grande e... quem era o nosso professor era
um professor substituto. Tinha um professor da casa, que era adjunto, que a
turma dele era de umas 5 pessoas, mais ou menos, e então ele usava a sala
pequena. Só que um dia ele encasquetou que um dia ele tinha que usar nossa
sala com os 5 alunos dele, querendo, obrigando, exigindo que o professor na
época que dava aula de Didática saísse da sala porque ELE era professor
adjunto, ele era concursado, ele tinha o direito de usar a sala que ele quisesse.
Se isso acontecesse aqui na Química, os alunos não tomariam parte do
professor, os alunos não fariam nada, principalmente com medo do professor
adjunto, de depender dele pra alguma coisa ou fazer matéria com ele e ficar
reprovado. Na Letras, os alunos imediatamente se levantaram e falaram que
ele até poderia ser professor adjunto contratado da casa, mas eles, alunos,
eram concursados do vestibular da mesma forma que os outros, então eles
tinham tanto direito de estar naquela sala quanto os outros, e a gente não vai
sair e ponto final. Aí o professor chamou a segurança universitária e os alunos
não saíram da sala de aula, não saíram e ponto final. Acharam um absurdo o
professor chegar, querer que eles saíssem da sala porque ele queria usar a
sala, não fazia o menor sentido, se a gente fosse pra sala que ele dava aula,
não iria caber os alunos, e ele queria aquela sala pra dar aula pra 5 alunos,
uma sala enorme... falta um lado político, um lado humano na área tecnológica,
mas a repressão que a gente tem aqui... por esses professores, é muito
grande, então nada seria feito...
147
P: E de uma forma geral, o relacionamento professor-aluno, aqui, seria essa de
ficar mais acuado?
E6: Sim, são poucos os professores que a gente tem liberdade pra conversar
[acesso?] acesso, de ficar mais a vontade... tem professor que você tem que
dar sorte do professor gostar da turma, ou gostar de alguém específico, ou de
algum grupinho... se não, grita, ameaça, ninguém pode falar nada, sabe? E
nada é feito pra tentar ajudar os alunos, e entra ano e sai ano, só pode fazer a
disciplina com ele... se você tiver algum problema com ele, nada é feito pra
isso... e todo mundo sabe, mas nada é feito. Tem um outro professor que as
pessoas reclamavam e tem uma coisa que eu realmente estou constatando, é
verdade, que ele não dá aula. Passa a aula inteira cantando as garotas,
falando do Flamengo, falando besteirinhas, e aí... ensina... esse que não dá
aula, que as pessoas falam, ele até ensina, só que o q ele ensina não cai na
prova. É Química Analítica Quantitativa, essa disciplina envolve muita reação
química, muitas contas chatas que a gente tem que fazer, ele não fala nada
disso em sala de aula, ele fala das máquinas, dos equipamentos que são
usados pra fazer essas análises. Isso que ele fala em sala de aula não cai na
prova. Ninguém faz nada pra trocar o professor, ninguém faz um abaixo
assinado, isso daí é assim há anos, da mesma forma que é com o professor de
Bioquímica, então nada é feito. Só q o professor de Química Analítica, se você
não conseguir estudar sozinho, você pode procurá-lo pra tirar a sua dúvida...
então eu acho que talvez não aconteça de ter uma insatisfação maior por conta
disso, porque você consegue estudar sozinho pra fazer a prova e se tiver
alguma dúvida, pode perguntar pra ele, ele é acessível a ponto de te ajudar.
Ele é acessível até porque ele gosta de mostrar pra você que ele sabe, ele se
empolga... infelizmente essa é a realidade que se tem q dizer...
148
APÊNDICE F – ENTREVISTA 5
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E5: Entrevistado (graduando entrevistado)
Entrevista 5: Bacharelado em Biologia, sexo masculino, 9º período recém
concluído (havia colado grau uma semana antes da entrevista, mas ainda
concluiria o trabalho no laboratório do referido curso), 22 anos.
P: [apresentação da entrevistadora, dos objetivos da entrevista e do termo de
consentimento]. Primeiramente, queria saber a sua opinião – é opinião pessoal,
mesmo – a sua avaliação em relação ao seu curso, à sua graduação. O que
você gostou, o que você não gostou... Sua opinião de uma forma bem geral.
E3: De forma bem geral? [É, SUA opinião, sua impressão sobre o curso]... É
complicado de dar porque, ao mesmo tempo, é um curso que eu sempre quis
fazer, então obviamente eu vou ficar, às vezes, maravilhado com ele, mas,
éee... analisando friamente, envolve pontos positivos e também pontos
negativos, então dar um parâmetro geral é complicado. É... assim, eu acho que
em termos de infraestrutura [...] é... alguns departamentos q fizeram parte da
minha formação são excelentes. Porque às vezes as pessoas tem essa
impressão da [Nome da Universidade], no geral, só pelos corredores, vê teto
caindo aos pedaços, cachorro andando pelo corredor, como as reportagens
que fazem: banheiros imundos, né? E tudo mais, mas em alguns lugares, você
entra no laboratório e parece que tá em outro mundo. Então aqui a gente tem
uma oportunidade éee, assim, sensacional, de fazer pesquisa de ponta. Mas,
ao mesmo tempo, alguns departamentos éee... por exemplo, lá dentro do
departamento de Zoologia do Instituto de Biologia existem alguns laboratórios
que são muito favorecidos, tem... éee...recebem os módulos... os módulos que
eles chamam, os módulos para trabalhar no laboratório. Tem infraestrutura,
enfim, pra conseguir produzir pesquisa enquanto que em algum laboratório os
professores estão até sem onde ficar, entendeu? É um “puxadinho” dos outros
laboratórios, como no caso do laboratório que eu estagiei. Então ao mesmo
tempo que tem pesquisadores excelentes, fazendo pesquisa de ponta, em
alguns casos, a infraestrutura ainda é muito precária... Mas, éee, em relação
aos professores, em relação ao conteúdo, éeee... claro que também tem
aqueles professores mais... [risos] que deixam mais do que a desejar, mas eu
acho uma oportunidade incrível você... você tem realmente uma oportunidade
de obter conhecimento a partir de um professor que é especialista naquilo que
ele tá te passando. Então o que vi, comparando com outras universidades, é
que o professor daria aula... que é da Biologia não sei se posso falar do curso,
exemplificar... é que Biologia é uma coisa muito ampla, né? O professor dá
aula de um assunto e se vai dar aula de mais de um assunto, ele vai ter que se
inteirar, vai ter que ir fora do que ele tá acostumado, e isso é o que acontece
nas outras universidades, então acaba que o conhecimento que é passado é
um pouco superficial. Uma coisa boa daqui é que os professores são
pesquisadores, eles conhecem a fundo aquele assunto, isso me animava muito
a vir pras aulas, eu sabia que aquela pessoa era especialista, ela, no Brasil, tá
entre as melhores, das que mais entendiam daquele assunto. Então isso eu
acho um aspecto muito bom, no caso da minha formação.
149
P: E você tem a prática em laboratório? [É]. No Bacharelado? Você ainda
continua, você tá fazendo trabalhos aqui...?
E3: Sim, é... o Bacharelado em Biologia também tem uma complicação. Como
eu falei, a Biologia é muito ampla, você tem a Licenciatura e dentro do
bacharel, do bacharelado, você ainda tem alguns bacharelados pra escolher.
Por isso que falei que é meio complicado, então você tem bacharelado em
Zoologia, bacharelado em Botânica, bacharelado em Ecologia, e aí, de repente,
um aluno de cada bacharelado vai ter uma impressão do curso, até porque, por
exemplo, a Zoologia aqui na [Nome da Universidade] é muito forte, enquanto
que a Biologia Marinha já é um curso meio precário. Então... eu por exemplo,
algumas pessoas da minha turma, vão receber o mesmo título que eu, mas vão
ter uma formação completamente diferente, entendeu?
P: Tem em Genética?
E3: Tem, são 5: Ecologia, Genética, Zoologia, Botânica e Biologia Marinha.
P: Isso só no bacharelado? A licenciatura é única?
E3: Só no bacharelado, a licenciatura é única desde o início.
P: Entendi...
P: Qual seria a impressão da sua turma, ou até os alunos que entraram
depois... a opinião em relação ao curso? A opinião dos alunos, a avaliação, o
julgamento dos alunos em relação ao curso?
E3: Você diz como eu acho que meu curso pareceu pra eles? [É] Então, eu
tenho um pouco de pé atrás com isso porque eu acho que as pessoas adoram
reclamar [risos] né? Então mesmo quando a coisa não está tão ruim assim, ou
quando... um pequeno deslize, as pessoas já gostam de fazer um drama.
Mas... eu via muita gente reclamando de professores, “ah, não faz essa
matéria, essa matéria é muito ruim, não sei o que” e eu decidia “vou fazer”, e
via que não era nada daquilo, entendeu? Então eu acho que tem muita
reclamação exagerada [risos]... Éeeee, então eu não costumo me basear na
opinião... Foi uma coisa q eu aprendi aqui: não se basear na... Assim, é bom
você ouvir, de repente tinha coisas que eles estavam realmente certos,
algumas matérias realmente não prestaram. Mas eu vi que todas as matérias,
existe sempre uma pessoa que vai falar mal, que vai esculachar... então não
costumava me guiar muito por isso e, de novo, falando... sei que tô sendo
repetitivo de falar que Biologia é ampla, mas... justamente por ser ampla, tem
gente que entra na faculdade pensando “vou fazer genética”, e tudo que não é
genética a pessoa vai falar mal, todas as aulas de Botânica, vai falar “ai, que
saco, essa matéria, esse professor...” Assim, se você não tiver a cabeça
aberta, realmente você vai achar um saco... Então eram poucas as pessoas
que realmente se abriam e que avaliavam bem, sabe? “Aquela matéria é boa
porque o professor é bom, porque é bem dada” ou se é porque a pessoa não
vai com a cara da matéria e simplesmente... [Já julga...] Entendeu?
P: Você acha então que essas avaliações elas caiam mais por este aspecto
pessoal? Ou não, eram outros aspectos...?
150
E3: Muitas vezes... Exatamente, quando a pessoa já não... “não é isso que eu
quero fazer na minha vida”, então não ligava pra matéria, levava nas coxas, e
enfim... acabava que reclamava, sem sentido, entendeu?
P: Bom, a pergunta que te fiz primeiro foi uma pergunta mais ampla, né?
Avaliação do curso, e agora vou pedir pra você pensar em alguns pontos mais
específicos em relação ao seu curso... Quais seriam os aspectos que te
fizeram gostar mais do curso?
E3: [...]
P: Podem ser palavras, frases, ... pode emendar uma coisa na outra [E: risos
...] E os aspectos que te fizeram gostar menos...
E: É, os aspectos que me fizeram gostar mais...
P: É o que você considera como um ponto positivo do curso, coisas positivas
na sua graduação, e coisas negativas na sua graduação, coisas negativas no
seu curso...
E3: É, um ponto positivo eu já tinha até falado, esse dos professores. Que
apesar da gente ter que dar jeitinho de brasileiro, todos os professores tem que
dar, eles realmente são... são pessoas de grande conhecimento, então isso pra
mim me animou muito, porque é uma coisa que eu sempre quis estudar.
Quando cheguei aqui e vi que era um conhecimento todo que iria me passar,
foi um ponto positivo pra mim, entendeu? [...] É... mas um ponto negativo seria
muitas vezes a falta de compromisso de alguns professores, porque o que
acontece aqui é que eles são pesquisadores, são obrigados a dar aula, de uma
certa forma, então... então alguns professores se dedicavam muito mais à parte
de pesquisa e não davam muita atenção pra parte de ensinar, então ou não
preparavam uma aula direito, ou não cumpriam com horário, não cumpriam
com a entrega de prova, entendeu? Então... então nesse aspecto era um
pouco..., entendeu?... desanimador, digamos assim... uma outra... um outro
ponto que seria mais pro negativo seria... seria a própria infraestrutura da
faculdade, que... pra começar, o lugar, a região que esse lugar aqui se
encontra, né? Já passei por tiroteio algumas vezes pra chegar até aqui...
banheiro com papel é pra fazer festa... [risos] é um milagre... sabe? Sanitários
imundos... corredores sujos, muitas vezes funcionários de má vontade, a gente
já teve atrito por causa de um cara que não queria ligar o ar condicionado... é...
acho que é isso.
P: Agora vou dar uma afunilada maior, com perguntas sobre as disciplinas...
Pensa agora na que você mais gostou, ou nas que você mais gostou... e
descreve ela: como era o professor, como era a metodologia, como ele se
posicionava, o que ele fez na disciplina?...
E3: Tá... éee... uma coisa que eu prezava muito era o fato do professor
preparar a aula, porque quando o professor não prepara, você percebe, né?
[risos] Então... éee... quando você vê que o professor no dia anterior
relembrou, estudou, preparou os slides pro datashow, preparou os slides
direitinho e, uma coisa que é muito importante, principalmente pro nosso curso,
é uma aula prática bem organizada. Isso faz a diferença, assim, da água pro
151
vinho. [Vocês tem muita aula prática?] Pois é... Aprender Biologia sem aula
prática é inviável. E, pra alguns bacharelados mais do que outros, mas assim...
o ciclo básico, pra começar, já tem umas 4 saídas de campo, no mínimo. Existe
o trabalho de campo, o trabalho prático no laboratório, além das aulas. Então
os próprios trabalhos de campo bem organizados fazem toda diferença na
formação do nosso curso. Então alguns professores, bons, realmente se
preocupam em organizar uma excursão, em organizar o que vai ser dado
naquela excursão. Organizar as aulas práticas aqui, a gente o laboratório, aula
prática, que... E preparar aula, assim... é uma coisa que é importante na vida
do bacharelado aqui na universidade é o pensamento científico. Então muitas
vezes uma aula que a Biologia tem que muitas vezes é maçante, que as
pessoas reclamam, metodologia do pensamento científico... Então, às vezes,
ela é simplesmente jogar o conteúdo, é muito maçante... Então uma coisa que
eu achava muito interessante, que alguns professores só faziam, era indução
de pensamentos. Então simplesmente sair jogando informação, você me
entende?
P: Os professores que davam estas matérias com conteúdo científico, como
eles preparavam a aula? Tipo: apresentação de slides ou eles criavam outras
estratégias? Como era a linguagem deles, a forma de falar?...
E3: Pois é, eu acho que é a forma como você passa o conhecimento, não é
nem você ter um slide bonito. Eu tive um professor que deu aula em
transparência que foi excelente, muito melhor que muita aula em datashow.
Então acho que é a maneira como ele passava o conteúdo, de não
simplesmente jogar a informação, mas mais fazer você chegar naquele... fazer
você seguir o raciocínio dele é o que faz você crescer mesmo porque, bem ou
mal, uma informação mal jogada, passa uns meses, você esquece, a não ser
que você fique lidando com aquilo... então aulas assim, não valem nada...
P: Como você descreveria metodologia, didática, aula, construção de aula, o
uso de materiais de alguma matéria ou algumas matérias que você não tenha
gostado?
E3: Aí seria basicamente o contrário dos pontos positivos: o professor não era
assíduo, faltava, chegava atrasado e... deixava quieto... As aulas eram
basicamente... era mais fácil você ler o livro, porque o professor praticamente
jogava as informações, sabe? Não tinha uma... não tinha um modo de passar,
uma coisa alternativa. Era aquilo, slide cheio de texto, isso é horrível [risos].
Inclusive uma das matérias que tô pensando, tinha aula prática, a aula prática
era uma desorganização horrorosa... [era o que? em laboratório?] Era, uma
aula prática em laboratório que você entrava e saia do mesmo jeito, sabendo
nada. Nada era explicado, não tinha “porque que a gente tá fazendo nessa aula
prática, vocês vão tá vendo o que”, era uma coisa jogada, “ah, isso aqui é isso,
isso aqui é isso, pronto, viu? tchau”.
P: E como foi a avaliação?
E3: Uma prova. Peguei o livro, fiz a prova e já não lembro de quase nada
[risos] que vi, entendeu? Isso que pra mim é uma matéria ruim...
152
P: E a avaliação nas disciplinas que você gostou, ou a avaliação de uma forma
geral, como que é?
E3: Principalmente no bacharelado que eu fiz, que fiz Bacharelado em
Zoologia, as avaliações começam a ser muito menos de prova e mais de
relatório de campo, seminário, mais trabalhos... seria uma coisa mais prática.
Apesar de ainda ter algumas provas escritas, que... isso já... em outro
bacharelado já deve ter uma outra visão... Bacharelado de Genética é
praticamente todo prova escrita, Bacharelado em Zoologia a gente vai a campo
toda hora fazer prática, tem relatório pra caramba, entende? Então...
P: Sua impressão geral, você acha que tem mais alunos que optam pelo
bacharelado ou pela licenciatura? Tem alguma diferença nesse número?
E3: [...] Éeeee... [eu, sinceramente, não faço idéia...] É! Geralmente... eu diria
mais ou menos meio a meio, até porque o bacharelado, ele se divide em 6, na
verdade não é licenciatura ou bacharelado, é licenciatura ou genética, botânica,
zoologia, entendeu? [Entendi...] Mas quando a gente opta por fazer
licenciatura, não porque tem o sonho de ser professor, mas mais porque a
licenciatura é uma garantia de emprego. Então você já sai podendo ganhar seu
dinheiro e depois fazer seu mestrado em genética, por ex, entendeu? Ou fazer
o bacharelado depois fazer a licenciatura e fazer o mestrado depois. Então tem
muita gente que vai pra licenciatura pra ter aquela garantia, pra poder se der
tudo errado, “eu sou professor”...
P: E em relação aos professores... nessas avaliações a gente sempre fala que
tem um professor ou alguns professores são exemplares e outros que não...
mas às vezes tem aquele professor que é exemplar pra gente, como
profissional, mas ele não é tão acessível... Como era o relacionamento entre
alunos e professores?
E3: No geral, é uma coisa muito boa ... a relação aluno-professor, relação até
de amizade, muitas vezes, porque... Claro que tem seus podres, mas... né? Os
professores eles... eles... Você tem onde encontrá-los, você sabe que o
professor é do laboratório tal, você tem alguma dúvida, alguma coisa, você
acessa ele. Mesmo que ele seja chato, tenha que encher o saco, mesmo que
ele seja o máximo, que te recebe, que te dá maior atenção... Então acho que,
independente da boa vontade dele, você vai ter acesso... e, no geral, os
professores daqui eles tem uma... eles tem uma boa vontade pra te ajudar. Eu
acho que tem uma coisa... coisa minha, eu acho que o que ajuda, no nosso
caso, é justamente a prática e a saída de campo, porque a saída de campo é
uma viagem. A gente vai pro meio do mato, fica, às vezes em alguns lugares
sem tomar banho, prática no meio do mangue, sujo de lama, então, assim,
pode parecer estranho, mas você cria um vínculo, você... dorme no chão, tá
acampando junto, você acaba tendo uma intimidade. Então com muitos
professores eu acho que o vínculo é realmente de amizade, de intimidade... no
nosso caso...
P: Mas você teria algum exemplo de atrito?... Por exemplo, os professores de
campo, ter maior intimidade, é algo favorável... e um ponto negativo, algum
153
professor q seria exemplo negativo? Ou então... professores q não vão a
campo, como você descreveria?
E3: Assim, tem professores que não vão a campo e também são praticamente
pais... mas tem aqueles professores que [...] muitas vezes são meio difíceis de
encontrar, que são meio escorregadios, não tem tempo, “passa aqui depois”,
bábá bibibi... e os que não costumam cumprir com a obrigação que na verdade
é deles, e manda outras pessoas fazerem, por exemplo... ele bota estagiário
pra dar aula, bota alguém... sem necessidade, entendeu? Não que o estagiário
seja incompetente, mas ele não quer dar aula, bota o estagiário... ou falta, ou
resolve que naquele dia não é um bom dia pra dar aula e manda um dos
alunos colar um papelzinho mixuruca na porta, aí metade da turma não sabe,
ele não se interessou, não pegou o e-mail de todo mundo pra avisar, ou nem
se interessou em avisar, entendeu?... Tem professores que não cumprem com
a obrigação deles...
P: E teve professor substituto no seu curso?
E3: Não, não porque... ... Você quer dizer assim, o professor não pode ir e
mandou alguém no lugar?
P: Não, professor substituto, aquele contratado temporariamente... [Entendi]
Teve muito, ou mesmo que não, como era o relacionamento com eles?
E3: Dos que eu me lembro, muito bons, às vezes até melhor que com os
professores da aula... [o titular?] o titular.
P: E a relação entre os alunos?
E3: Isso já tinha até falado no início, minha turma se deu super bem... [mas
assim, pro andamento da turma... por exemplo, às vezes todo mundo se dá tão
bem, que aí um cria um atrito com algum professor e todos se envolvem...
entendeu?] Eu via nossa turma bem articulada nesse sentido, porque se
rolasse de uma pessoa insatisfeita, iria reclamar, geralmente sentar pra
conversar, discutir, nunca... nunca vi nada absurdo, assim...
P: Em relação ao desempenho acadêmico, ao rendimento dos alunos,
satisfação com o curso, você tem uma opinião? Alguma impressão sobre?
E3: Você diz da minha turma ou pode ser do curso em geral [o curso em
geral...] eu acho que ...éee, com relação a isso, eu vejo uma tendência de
piora, porque... acho que as pessoas tão chegando um pouco imaturas na
universidade, e não tão melhorando... porque...éee, passar em matérias, não é
muito difícil, eu acho que o interessante da faculdade é você realmente
absorver aquilo porque aquilo vai pra sua vida profissional. Então, cada vez
mais eu vejo entrando pessoas muito ... assim, infantis... e, na minha opinião,
ele é um curso fácil de se passar... o difícil é realmente você absorver o que
você vai precisar. Mas passar em matéria é fácil, pessoas que não querem
nada com nada conseguiram passar no vestibular, e, infelizmente, vão
conseguir um diploma, assim... éeee... assim éee... sem ter levado a sério.
Então eu acho que... é... é possível, infelizmente, é possível você não levar tão
a sério e, mesmo assim, conseguir o mesmo diploma que uma pessoa que
realmente se esforçou...
154
P: Nesta sua avaliação, você acha que teria alguma diferenciação, por
exemplo... algum curso que o pessoal leve menos a sério, tipo a licenciatura ou
o bacharelado...?
E3: Não, isso não sei...
P: Ou grupos, tipo, meninos levam mais a sério, meninas levam menos a
sério...? [negativa com a cabeça]
E3: Não, eu vejo o geral... é... eu sempre lidei muito com o ciclo básico, dei
muita monitoria, monitoria pra períodos anteriores. Então nos ciclos básicos
que fui pegando as turmas, fui vendo isso, entendeu? De repente, quando a
pessoa entra pro bacharelado, ela se toca da vida e começa a correr atrás,
mas... [isso já seria no 3º. ano?] No 3º, exatamente, mas... 2 anos de ciclo
básico que seria, poxa, o que todo biólogo precisa, a pessoa desperdiçou...
levou nas coxas...
P: Retomando o início... agora a gente já conversou muito e você tem alguma
coisa para colocar sobre o que você mais gostou, o que menos gostou, coisas
que você considerou positivas e importantes na sua graduação... Você teria
algum ponto a colocar
E3: Eu acho que alguns aspectos negativos acabam sendo até positivos,
porque... é... você, como falei, você não ter material, você não ter coisas
básicas, que você acha um absurdo não ter... assim, é a vida, você vai ter que
se virar, aqui, então isso acaba, por outro lado, te dando um certo jogo de
cintura... então... o professor que não te ajudou em nada na matéria, aí fica te
cobrando muito, um professor que ensina mal pra caramba, mas que faz uma
prova pesada... você aprende, assim, você vai se descabelar, mas acaba
aprendendo. Eu aprendi a ser autodidata, a me virar, a correr atrás... assim,
são pessoas que não fizeram a parte deles mas acabaram ajudando de outra
forma...
155
APÊNDICE G – ENTREVISTA 6
P: Pesquisadora (mestranda entrevistadora)
E6: Entrevistado (graduando entrevistado)
Entrevista 6: Licenciatura em Biologia, sexo masculino, 10º período, 24 anos.
P: [apresentação da entrevistadora, dos objetivos da entrevista e do termo de
consentimento; garantia do anonimato como princípio ético] Qual é a sua
avaliação em relação ao seu curso quando comparado aos cursos de outras
universidades? Você tem alguma idéia sobre?
E4: É a minha experiência no CAp [Colégio de Aplicação] ou minha licenciatura
como um todo?
P: Sua licenciatura como um todo. Se você acha que o CAp merece destaque,
colocar também...
E4: Entendi. Eu achei o meu processo todo de formação como licenciando foi
muito bom, tive matérias boas... algumas matérias não correspondem tanto a
expectativa e tudo mais, mas de uma maneira geral, eu acredito que minha
experiência foi muito boa, que minha formação como licenciando foi muitíssimo
boa e... a melhor parte, justamente, foi justamente o estágio no CAp, que você
vivencia mais aquilo, faz algum sentido, faz O sentido, na verdade, aquilo tudo
que você veio estudando, né? De colocar na prática, de construir em conjunto...
éee... então eu enxergo que a experiência que eu tive no CAp foi fundamental
e a melhor, assim, pra minha formação como licenciado e... ... éee... a respeito,
assim, de comparar com outras instituições... eu não sei se tenho muita
condição de fazer isso por não tá muito próximo de como outras instituições
trabalham com os licenciandos dela, sabe? Pelo que ouço das pessoas, éee...
tenho vontade de dar aula e tudo mais, sempre ouvi, pô, que o licenciando da
[Nome da Universidade] tem um diferencial porque ele estagia no CAp da
[Nome da Universidade], isso é importante pra caramba porque lá você é
cobrado, o trabalho flui bastante, tem uma construção coletiva muito boa, então
sempre ouvi dizer que isso é um diferencial, só que não sei até onde isso se
aplica, se é pra todo licenciando da [Nome da Universidade], sabe? Se basta tá
lá que você é licenciando da [Nome da Universidade]... porque nem todo
mundo é obrigado a fazer prática no CAp, né? [É...] Éeee... isso eu não sei, se
a avaliação que eles fazem é se você é licenciando da [Nome da Universidade]
ou se é porque você passou pelo CAp... não sei qualificar isso... mas a
impressão que eu tenho é que as pessoas gostam muito dos licenciandos
formados aqui.
P: E como você definiria a sua experiência durante a sua graduação, suas
vivências, sua vida acadêmica?
E4: Bom...gostei bastante.. você diz respeito às matérias que cursei...
P: O curso como um todo: as matérias, os professores, as disciplinas, o
convívio com os alunos, a relação professor- aluno, aquela impressão geral...
E4: Pô, eu gostei bastante, no geral gostei bastante... tem lá seus
probleminhas lá, com um professor ou com um... é, com aquela matéria que
156
você não tem muita afinidade, que você não acha que foi bem dada, mas às
vezes é... não... culpa, assim, é o jeito do professor que não foi compatível com
sua... expectativa da aula, sabe? Mas, de uma maneira geral, gostei bastante...
P: E os alunos, as pessoas que fizeram o curso contigo, você tem mais ou
menos uma ideia de como elas avaliam o curso, a experiência...?
E4: Pô, tinha... ... assim, tem... como fiz tanto matérias na [Campo da
Universidade] quanto aqui, dá pra quantificar, assim... lá na [Campo da
Universidade], a gente tem gente de vários cursos diferentes, então é uma
outra aula... aqui a gente tem muito mais aula com o pessoal da Biologia,
então... não sei se pela afinidade, se pela convergência de idéias, assim, a aula
caminha mais pra onde você sabe, mas... lá na [Campo da Universidade] éee...
por conta dos alunos, às vezes, assim... nem todo mundo tem tanto
compromisso, assim, não sei, sabe? Mas era um pouco mais solto... Peraí,
deixa eu voltar na pergunta que eu acho que me perdi... É das impressões dos
outros alunos... [É] Bom, já vi de tudo, de gente que “pô, achei maneiro, super
importante”, aquele pessoal que tá empenhado em ler, em se interessar, e já vi
gente falando “ah, só tô fazendo aqui pra completar mesmo, pra pegar o
diploma no final e poder dar aula”, só pra poder cumprir crédito e pegar o
diploma, mas...
P: Mas isso seria o que? As disciplinas não eram consideradas importantes?
E4: Exatamente, exatamente, fazendo pra cumprir créditos e o importante é ele
ter o diploma pra poder dar aula ali...
P: Mas seria por que? Porque já saberia uma forma de ensinar, de dar aula...?
E4: No caso, se ele não julgasse aquela matéria ali, porque eu não fiz a mesma
aula com todas as pessoas, sabe? Muda bastante, então, ou ele não julgava
que aquela matéria era importante mesmo, só queria que aquilo ali acabasse,
ou ele realmente julgava que tudo, não só aquela matéria, mas todas as outras,
fossem importantes, fosse importante, por exemplo, só o CAp, que é a hora
que ele vai botar na prática mesmo, vai aprender só ali. O fato daquela
discussão teórica que vc tem antes de ir pra lá não fosse tão importante, sabe?
E aí o comprometimento pode ser menor, passa por esses motivos...
P: Mas fora esses aspectos mais específicos da licenciatura, o curso, a
graduação daqui... [da Biologia?] É... O que teus amigos acharam?
E4: Não só da Educação... [é, não só lá da Faculdade de Educação, mas daqui
mesmo] ... daqui do curso de Biologia [sim]... O pessoal aqui do Instituto de
Biologia, os alunos correm bastante atrás e... reforma de currículo, essas
coisas, de procurar bem o que eles acham que é bom pro curso, o que é bom
pra Biologia [Isso é atividade de Centro Acadêmico?] É, o Centro Acadêmico
de Biologia é bastante ativo nessa parte, sabe? Eles participam sempre de
congregação, pra discutir currículo, fazer a coisa andar mesmo, fazer a coisa
melhorar pra todo mundo como um grupo. Funciona.. tem uma unidade bem
grande, assim... em termos de movimento estudantil pra ... que haja uma
melhora do que a gente tem... sabe? Assim, a gente fica muito satisfeito com
os professores que ajudam, os professores puxam bastante os alunos pra
157
correr atrás, discutir, construir em conjunto essas coisas, sabe? A gente tá
passando agora até por uma reforma curricular... tem o caso da ampliação das
horas que a gente precisa ter estagiado, então como a gente já desempenhava
muita atividade educacional extra acadêmica, tipo... [projetos de extensão?]
Projetos de extensão, essas coisas, como é que a gente ia ver no currículo pra
que já contassem horas ali, pra que não ficasse pesado cumprir tantas horas e
pra que a gente já aproveitasse coisas que a gente já fazia, sabe? A
articulação aqui funciona bastante bem. É difícil, as coisas são demoradas,
mas não é por culpa nossa, uma reforma curricular não acontece da noite pro
dia... mas tá caminhando e tudo mais, a gente tá correndo atrás de tudo isso...
P: Você faz parte do Centro Acadêmico ou você tem contato?
E4: Na verdade, não é que a gente tem um CA fechado e as pessoas que
fazem parte. Todo mundo tá ajudando como quer e quando pode o tempo todo.
Às vezes tem alguém passando no corredor e “ó, estamos precisando de gente
pra assistir uma congregação e contribuir com opinião”, coisa assim... A gente
tem um grupo de e-mail do CA e todo mundo que entre tem oportunidade de se
inscrever e tá sempre, por e-mail, informado do que tá acontecendo no CA e
fora dele, com relação à própria instituição, alguma mudança, avisos de
palestras e coisas assim.. o CA é bastante ativo, você não precisa
necessariamente fazer parte, a gente não tem um presidente, por exemplo, do
CA. Todo mundo fala... é uma autogestão, não tem alguém que seja o mentor
da coisa. Tem várias pessoas que são chave, que você conhece... você
sempre reconhece aqueles que são mais ativos, mas não tem uma pessoa que
responda pelo CA. Mas o CA responde por ele mesmo, é um grupo de
pessoas... ... rola bastante, assim, o orgulho que as pessoas transmitem de
“olhe tudo o que a gente construiu e olha como é que as coisas tem ficado
boas pra vocês... vem ajudar a gente a fazer isso tomar um pouco da sua cara”
P: Então a relação aluno- aluno, na Biologia, pelo que você está falando, é
excelente...
E4: É excelente, excelente...
P: E como os professores lidam com isso?
E4: A maioria deles adoram essa articulação que a gente tem porque... não é
excludente com os professores, na verdade, como muitos dos professores já
foram alunos do Instituto de Biologia, então eles tem um carinho por aquilo
tudo, eles já passaram por aquilo e sabem o que aquilo representa. Então a
articulação com a maioria dos professores é muito boa. Mas tem professores
que... não... não tô dando um motivo, mas que são mais idosos, coisas assim
[Que tem uma outra experiência acadêmica...] É, mais velho, que tem outra
experiência acadêmica que acha que a opinião do aluno não importa... tem
momentos muito bons e muito ruins na congregação. Tem professores que
realmente ignoram a opinião e tem professores que querem mais é que os
alunos dêem opinião, e abraçam aquilo ali, sabe? Difícil ter uma unidade
completa, mas a maioria dos professores apóia muito isso.
158
P: E ainda em relação à sua opinião sobre o curso, a graduação, quais
aspectos que te fizeram gostar e desgostar? [Da minha graduação?] É, pontos
positivos e negativos...
E4: Eu gostei muito dela, mas tem algumas coisas que ela não trabalha tanto.
Por ex, aqui a gente é muito formado pra ser pesquisador, sabe? Não sei
também muito como trabalhar isso, mas... [Na licenciatura, pra pesquisa?]
Tanto pra licenciatura quanto pro bacharel, porque na Biologia funciona da
seguinte forma: você, todo mundo tá no ciclo básico até o segundo ano de
faculdade e, a partir daí é que você opta. Você não já entra como licenciando...
eu, no meio da faculdade, tive que optar por um bacharel ou pela licenciatura.
Quem entra no noturno, já entra em licenciatura, não se forma em 4 anos, se
forma em 5, mas é licenciando. Mas ele teria como, é.. se mudasse de ideia ao
longo da faculdade e quisesse mudar prum bacharel, alguma coisa assim, ele
também teria como. Não é excludente, mas você taria já direcionado. Eu, como
sou do diurno, no meio do curso tive que optar. Respondendo a sua pergunta,
do que que eu acho, se faltou alguma coisa... [é, do que você gostou e não
gostou, pontos positivos, pontos negativos...] Por isso tenho que mostrar como
licenciando, necessariamente, entendeu? Só virei licenciando mesmo no meio
da faculdade, mas eu senti falta, por exemplo, éee... como eu tava falando, que
ela forma muito pesquisador, o Instituto de Biologia, então não me vi muita,
assim, pela... por alguma disciplina, não sei como se encaixaria... que a
faculdade me preparasse pra ser um biólogo de uma empresa, não sei qual
seria o papel numa empresa X ou numa empresa Y, sabe? Ela preparou pra
esse tipo de mercado, preparou pra seu eu fosse um pesquisador, preparou até
muito bem, sabe? Os pesquisadores daqui são muito bons e tudo mais, nada a
reclamar, mas talvez faltasse um pouquinho disso... Ampliar... No ciclo básico,
eu não vejo nada de educação e eu tenho que, no meio da faculdade, optar se
eu quero licenciatura... é engraçado... éee... no ciclo básico, eu não vejo
nenhuma disciplina da Biologia Marinha, mas um dos bacharéis é de Biologia
Marinha... então é curioso, sabe? Tipo, a Biologia Marinha básica eu puxo no
último período como uma eletiva minha... pra ter uma noção da Biologia
Marinha e ver se eu quero realmente esse bacharel... Pra isso, inclusive, que
tem trabalhado a reforma curricular já pro ano que vem, vai ser inserida no
ciclo básico uma disciplina da Biologia Marinha e coisa assim. Então há toda
essa transformação... mas tinha algumas falhas assim, hum... não é isso q não
me fez não gostar da minha formação, de maneira nenhuma, continuo
gostando bastante dela, mas tô aqui pra poder ajudar no que for necessário e
poder contribuir pra que as pessoas que venham sintam menos falta das coisas
que senti, sabe?
P: E fora este aspecto mais curricular você teria outra coisa pra dizer que você
gostou ou que você não gostou do seu curso? Aspectos estruturais, aspectos
burocráticos, parte de relacionamento aluno- aluno, aluno- professor...
E4: Acho que essa parte de relacionamento tá bem respondido, mas de
burocracia, problema de inscrição em disciplina, qualquer tipo de burocracia
sempre foi... talvez pela relação muito estreita que a gente tenha com os
professores e aluno-aluno, todo mundo sempre muito próximo, talvez por isso
seja fácil da gente resolver problemas burocráticos, sabe? Você chega e a
159
pessoa já sabe que é você que tá entrando ali na salinha pra resolver isso,
então talvez isso ajudasse um pouco, mas as pessoas sempre tiveram boa
vontade. Até quando eu era desconhecido, sempre fui muito bem recebido,
essas coisas, sabe? Ar condicionado nas salas e tudo mais, mas o banheiro
não tem sabonete, tem esses probleminhas estruturais logísticos, na verdade,
do prédio. Tem um... tá pra ser criado um novo prédio de Biologia ... olhando
no global da situação da [Nome da Universidade], até que a gente tá bem,
assim. Não tem muito o q reclamar, não, tem uns probleminhas que poderiam
ser resolvidos, mas tá tudo bem...
P: Ainda em relação ao curso... A gente falou do curso de uma forma mais
ampla, agora algo mais específico com relação às disciplinas. De quais
disciplinas você mais gostou e menos gostou, e por que?
E4: O que me fez gostar muito de umas disciplinas, e não gostar de outras...?
[Isso] Opinião pessoal mesmo. Éee... por afinidade, assim, a maioria das
disciplinas que achei as mais legais foram as que tiveram saída de campo,
não... falando friamente, assim, sem omitir nada... não porque é uma viagem,
porque é um oba oba, porque a gente vai pro meio do mato e não tem trabalho.
Muito pelo contrário, as viagens que a gente tem é trabalho de manhã, de tarde
e de noite, mas é muito bom porque você, tudo aquilo que você vê em sala de
aula vira uma coisa mais prática, sabe? E você integra a turma com o
professor, e atividade o tempo todo, então isso contribui bastante pra que a
disciplina seja boa.
P: Então, neste caso, as disciplinas práticas seriam as que você mais gostou, e
as que menos gostou seriam as mais teóricas?
E4: Não necessariamente, por exemplo: éee... tive uma matéria de botânica e
não necessariamente, não que não gostasse, mas não era minha maior
afinidade com botânica, achava interessante e tudo, mas com certeza não era
o que eu faria na faculdade, um bacharel de Botânica. Mas um dos professores
mais importantes pra mim foi um professor de botânica, que justamente ele
dava uma aula excelente, botava aquilo tudo no seu dia a dia e tudo mais, um
professor de Fisiologia Vegetal e foi por causa dele, inclusive, que eu decidi
fazer licenciatura, sabe? Não foi ele quem me puxou prum bacharel de
Botânica nem nada. Eu tava em dúvida no quarto período, último período pra
decidir que que eu ia fazer, e ele falou, de verdade, sendo frio com você, éee...
ele era um professor muito didático, muito bom... Éee... “o diploma de bacharel
não vai te dar nada mais. Se você quiser levar sua pesquisa num laboratório,
por fora, sem ter diploma de bacharel. E se você fizer sua licenciatura, não só
você vai tá fazendo um trabalho importante pro teu país, sabe? Pra consertar
os problemas que você vê, de professores que poderiam ser melhores, e
consertar coisas que você acha ruim, éee... como você vai ter diploma pra
trabalhar com isso, que o bacharel não dá essa condição, de trabalhar como
professor. Se você tá dizendo pra mim que gosta de educação e tá em dúvida
entre escolher educação ou bacharel, então vai escolher educação e se você
quiser, você trabalha como bacharel, como bacharel, não, como pesquisador
também. Não é o fato de você ser licenciado, não exclui de trabalhar com
pesquisa em alguma área que você goste”. Ele tinha preocupação com os
160
alunos e tudo mais, e essa disciplina não tinha saída de campo, mas o
professor era muito bom, ele tinha aquela preocupação com o aluno, sabe?
Não tinha preocupação de ter saída de campo, mas uma vez ele foi gripado,
doente, levou a gente no jardim de didática, ficou pegando chuva, o cara era
apaixonado pelo que ele tava fazendo. Tomando chuva ali, querendo explicar,
a gente “não, vamos sair da chuva”, ele “não, vai passar daqui a pouco, só
repousar”...
P: E isso que você falou seria [lados positivos] é, lado positivo, um professor
que você gostou. E como você descreveria os bons professores que você teve,
as qualidades que eles tinham? Pensa nas pessoas que você gostou de ter
aula e nas pessoas que você não gostou de ter aula... Quais são as
características delas?
E4: Os bons professores eram descontraídos, assim, no sentido de... não no
sentido de brincalhão, mas no sentido de ser uma pessoa simpática, não uma
pessoa fria e distante de você... tinha aquela preocupação em te receber, tava
preocupado com a função dele ali, que era trocar informação com alguém, tipo
dar e receber ideias novas e tudo mais, sabe? Éee... Gostava muito, como na
verdade acho que deveria ser em qualquer profissão, ser apaixonado pelo que
faz, pra que isso ajude a fazer da melhor maneira possível... e
comprometimento com aquilo que ele faz. Agora tive muito professor que
chegava ali e falava “olha, odeio dar aula, tô aqui só porque sou obrigado,
porque minha praia é pesquisa e infelizmente vocês vão ter que me aturar aqui
um pouquinho”. Aí ele dava aquela aula de leitura de slide e só isso, sabe? Não
tinha aquela preocupação com que a gente... como fazer aquilo de uma forma
melhor, ou como tornar aquilo interessante pra gente, ou o que que a gente
precisava dele, sabe? Coisas assim... ou tornar a disciplina um pouco exterior à
sala de aula, enfim... tive muito professor frio, cabeça dura, que não tinha a
menor paciência com nada. Tive professores que adoravam dar aula e odiava
corrigir prova, o que na verdade você tem q fazer, né? A burocracia exige, tem
que tá lá pra ser feita, aplicar a prova e corrigir, por mais que não seja a melhor
forma de avaliar, mas que não é a única. Se ele não procurou outra, é porque
ele não quis...
P: E você gostava mais de qual modelo de avaliação? Você gostava como
aluno, você pretende fazer como professor...?
E4: Tem matérias que não tem muito como fugir da sala de aula, não é a
melhor metodologia, mas às vezes não tem muito como fugir daquilo ali. Mas
eu tive uma disciplina que durante um semestre inteiro, preparamos um curso
para professores, e era sobre “Vivências em Ecologia”, então, não tinha aula,
assim... a disciplina era... sentava 10 alunos em sala de aula com 2
professores e a gente elaborava um curso de 1 semana, com atividades de
manhã e de tarde, que a gente levasse esses professores ou esses
funcionários de secretaria de meio ambiente pra ir em... em... determinados
ambientes, ou numa restinga, ou numa praia, ou numa lagoa onde houvesse
algum impacto ambiental e que a gente teria que, fora do ambiente de sala de
aula, transmitir algumas informações pra eles, pra que eles tivessem alguma
vivência em ecologia. A gente fazia saída de campo com os professores,
161
atividade lúdicas, jogos, botava os professores pra construir novas formas de
ensinar aquilo que eles viram num momento anterior, numa praia, pra que eles
tivessem um... trabalhassem o conteúdo que eles tiveram pro próprio grupo,
sabe? Preparar como seminário, ou uma história... Construísse alguma coisa
sobre o que eles aprenderam de manhã e, à tarde, passasse isso pra todo
grupo, era uma turma de 40 alunos. Dá pra dizer que essa foi a melhor matéria,
muito gratificante, o resultado final, a construção em grupo de um curso. Você
mergulha bastante naquilo ali e vê o resultado positivo do que sai...
P: E como você acha que seria a avaliação do pessoal que se formou contigo
sobre o que a gente já conversou?
E4: Acredito que eles, de maneira geral, tenham gostado muito das disciplinas
que fizeram aqui, não acredito que tivessem muito o que reclamar. Tem uma
ou outra que você fala que foi horrível, mas de maneira geral, acho que eles
gostaram muito.
P: E exemplos negativos? Assim, não necessariamente que você não gostasse
da pessoa, mas como professor não achou bom...
E4: Tive professores assim, que se esforçavam mas, não sei se é muito aquilo,
que o cara entra aqui como pesquisador e é obrigado a dar aula, então por
mais que ele se esforce, não leva jeito, não é o que ele gosta, ele se esforça
assim, já que tem que fazer, vou tentar fazer da melhor forma possível, mas...
não sei se por falta de ferramenta, por falta de formação como professor...
[sinal negativo com a cabeça] [mas como ele é? Descreve...] Você entra na
aula, assim, você vê o cara meio devagar..., meio... falando no mesmo tom de
voz, te dando um feijão com arroz, assim, muito sem ter como... sem ter tido
muito instrumento, muita coleta pra trabalhar um pouco mais a aula... Ele
segue aquela linha de raciocínio, mas sem destrinchar muita uma coisa ou
outra, é uma aula muito monótona, que você vê que o cara não consegue ter a
atenção do pessoal, que não torna aquilo tão interessante quanto deveria... são
disciplinas que já vi que o cara lê um livro, não vou perder tempo aqui parado
na aula dele porque, tá bom, ele se esforça, mas não dá, não consigo assistir
aula dele. Pra ler, leio em casa. Não sei se é falta de talento, se é falta de
instrumento, sabe? Se o cara tá dando aula porque ele é obrigado mesmo e
nunca teve uma formação pra isso, que auxiliasse ele de alguma forma, ou pra
planejar uma aula, ou como conduzir uma aula, sabe? Não dá pra avaliar muito
onde tá o defeito do cara... Muitos não saem do livro, muitos professores
chegavam e liam slides na aula, “ó, isso aqui, é isso aqui, isso aqui...”, passava
slide. Não faz sentido, porque o cara tá ali... não rola uma troca de informação
entre aluno e professor, o professor joga... aquele esquema, né? Você é uma
tábula rasa e vai depositar informação e pronto.
P: E o relacionamento desse professor com o aluno, a avaliação...?
E4: Geralmente esses caras não fogem muito do tradicional... é aquilo, ele
chega, aí você vai estudar o que ele leu pra fazer uma provinha, não tem muito
uma construção de raciocínio. É mais ver se você assimilou o que ele passou
pra você. [isso seria comum no curso?] Não, isso não é comum, não. Foram
162
poucas as matérias que eu peguei... poucas ou quase nenhuma matéria que eu
peguei que realmente o professor só lia o slide, você fazia uma prova e
acabou. Dificilmente peguei matéria assim. Já peguei uma matéria que era
muito legal, a professora tinha boa vontade, mas a aula é muito ruim, o livro
explica melhor, sabe? O livro torna mais interessante... e essa professora é até
uma professora da licenciatura [risos] Mas o mais interessante era que ela
dava uma aula... eram duas aulas... No primeiro tempo, ela dava a aula. No
segundo, ela já deixava esquematizado prum grupo de alunos dar a mesma
aula. Sabe? Ela dava uma aula e um grupo dava um seminário sobre aquele
tema... só que os seminários eram sempre mais interessantes do que a aula,
sabe? [risos]. Não sei se a gente aprendia mais porque via a mesma coisa
seguida, se era porque realmente era mais interessante quando os alunos
davam, e a prova dessa professora era decoreba. Poderia ser muito mais
interessante, muito mais raciocínio, mas era decoreba, era múltipla escolha, e
palavras chave que respondiam as questões... não sei porque ela fazia isso, se
era falta de tempo, se era... o que que era...
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Isabella Aparecida Almeida de Oliveira DISCURSO