ARTIGOS
ORIGINAIS
CAPACITAÇÃO
EM SUPORTE BÁSICO DE VIDA... Granzotto et al.
ARTIGOS ORIGINAIS
Capacitação em suporte básico de vida
em um hospital universitário
Basic life support training in a
university hospital
RESUMO
Introdução: A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) precoce depende da disponibilidade e da funcionalidade do equipamento de reanimação, que deve estar pronto para uso
imediato, além do treinamento da equipe, o que pode ser feito através dos cursos em
Suporte Básico de Vida (SBV) e Suporte Avançado de Vida (SAV). Objetivo: Capacitar
profissionais e acadêmicos da área de saúde em SBV. Metodologia: Curso teórico-prático com simulação em manequins. Realização de pré e pós-teste, comparando-se os resultados. Resultados: Foram treinadas 348 pessoas do Hospital Escola (HE) da UFPel. O
número de acertos no pré-teste variou entre 55 e 65% (média de 63%) e no pós-teste
variou entre 75 e 93% (média de 84%), portanto um acréscimo de 21% nos acertos. Conclusão: O treinamento qualificou os profissionais e acadêmicos que atuam no HE no
atendimento em vítimas de parada cardiorrespiratória.
UNITERMOS: Suporte Básico de Vida, Parada Cardiorrespiratória, Ressuscitação Cardiorrespiratória.
ABSTRACT
Introduction: The precocious cardiopulmonary resuscitation (CPR) depends on avaliability and functionality of the reanimation equipment, which must be ready for immediate use, and on the training of the team, which can be made through the Basic Life
Support (BLS) and Advanced Life Support (ALS) courses. Objective: enable the health
professionals and medical students in BLS. Methodology: Theoretical-practical course
with simulations in mannequins. Pre and post-test were done and the results before and
after the course were compared. Results: 348 people from Medical School Hospital(MSH)
were trained. The correct answers percentage in the pre-test was from 55 to 65% (avarage was 63%) and in the post-test was from 75 to 93% (avarage was 84%), there was a
21% increase in the percentage of correct answers. Conclusion: The training qualified
health professionals and medical studentes, who work in MSH, in charge of CPR.
KEYWORDS: Basic Life Support, Cardiopulmonary Resuscitation and Cardiopulmonary Arrest.
I
NTRODUÇÃO
O sucesso no atendimento de uma
vítima de parada cardiorrespiratória
(PCR) está diretamente relacionado à
ressuscitação cardiopulmonar (RCP)
precoce. Isso depende da disponibilidade e da funcionalidade do equipamento de reanimação, que deve estar
pronto para uso imediato, além do treinamento do pessoal que prestará tal
atendimento. O treinamento dos recursos humanos pode ser feito através dos
cursos em Suporte Básico de Vida e
Suporte Avançado de Vida (1, 2).
Segundo a Sociedade Americana do
Coração (American Heart Association
– AHA), cerca de 330 mil pessoas morrem por ano, nos Estados Unidos, vítimas de doenças coronarianas fora do
ambiente hospitalar (3, 4).
As manobras de reanimação ordenadas em vítimas de PCR estão permitindo reverter situações, antes fatais,
tanto no ambiente hospitalar quanto no
pré-hospitalar.
JOSÉ A. GRANZOTTO – Doutor. Professor Titular de Pediatria/FM-UFPel.
SAMIR SCHNEID – Mestre. Prof. Assistente de Clínica Médica/FM-UFPel.
AMILCARE ANGELO VECCHI – Doutor. Prof. Adjunto de Pediatria/FM-UFPel.
CELMIRA LANGE – Doutora. Profa. Adjunta da FEO-UFPel.
NORLAI ALVES AZEVEDO – Mestra.
Prof. Assistente da FEO-UFPel.
MARIA ANGÉLICA PADILHA – Enfermeira do Hospital Escola-UFPel.
ADRIANE CALVETTI MEDEIROS –
Enfermeira do Hospital Escola-UFPel.
FLÁVIA EMILIA BEBBER – Médica Residente em Endocrinologia.
CLAUDIO PILOWNIC – Médico Residente Cirurgia Geral.
LUCAS MENDES – Médico Residente Radiologia.
IVAN NEUTZLING LUDTKE – Acadêmico de Medicina (11o semestre).
Hospital Escola/Universidade Federal de
Pelotas.
Endereço para correspondência:
José Aparecido Granzotto
Rua Padre Anchieta 4119
96020-420 – Pelotas, RS – Brasil
(53) 3223-0551/32257833
[email protected]
[email protected]
A partir de estudos nas décadas 50
e 60 sobre ventilação boca a boca em
recém-nascidos e sobre compressões
torácicas que produziam pulso arterial,
foram estabelecidos os passos para
RCP (1). Essas intervenções têm contribuído para restaurar a circulação e
melhorar o índice de sobrevida e a qualidade de vida das vítimas de PCR.
Vários estudos mostram que socorristas leigos, bem treinados, podem
dobrar ou até triplicar as chances de
sobrevida de uma vítima de ataque cardíaco. O estudo North American Public Access Defibrillation demonstrou
que o desenvolvimento de programas
com Desfibrilação Externa Automática (DEA) e RCP para primeiros socorristas em aeroportos e em cassinos,
ministrados por policiais, apresentou
Recebido: 8/8/2007 – Aprovado: 21/3/2008
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taxas de sobrevivência de 49 a 74%,
em vítimas de fibrilação ventricular
seguidas de parada cardíaca súbita (4).
A sobrevivência das vítimas em parada cardíaca súbita melhora quando
existe um protocolo de atendimento
padronizado e com ações planejadas.
Desde a década de 60 até os dias
atuais, muitos avanços ocorreram no
conhecimento e no atendimento das
PCRs. Em 2005, foram publicadas as
últimas diretrizes da AHA para o manejo de PCR e Atendimento Cardiovascular de Emergência (4, 5, 6).
Estudo de Moretti et al. (2) demonstra que a presença de pelo menos uma
pessoa treinada em ressuscitação melhora consideravelmente o prognóstico imediato e em longo prazo no atendimento de parada cardíaca intra-hospitalar.
Os profissionais de saúde que trabalham no Hospital Escola (HE) da
Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), preocupados com esta temática, criaram um Grupo de Discussão
e Padronização na Assistência em
PCR, composto por profissionais docentes, técnicos administrativos e acadêmicos de medicina e de enfermagem.
Este grupo elaborou o Protocolo de
SBV (7) a partir de aspectos próprios
do HE de acordo com metodologia proposta por Schneid et al. (8). Entendese por protocolos, neste caso, as ações
de atendimento baseadas no algoritmo
universal que é a seqüência de etapas
que o socorrista deverá seguir ao se
deparar com uma suspeita de PCR.
A capacitação dos profissionais no
atendimento da PCR em todas as áreas
do HE e a implantação do protocolo
vêm atender as orientações das Diretrizes da AHA de 2005, tendo como
objetivo a qualificação da assistência
prestada ao paciente. Pretende-se com
isso melhorar o atendimento em PCR,
que parece insuficiente no momento.
A hipótese é que o treinamento para
a aplicação do protocolo modifique os
conhecimentos sobre o atendimento
em parada cardiorrespiratória.
O presente trabalho procura avaliar
o conhecimento dos profissionais e
acadêmicos do HE em SBV, capacitá-
ARTIGOS ORIGINAIS
los no atendimento a PCR, através de
aulas teóricas e práticas, e comparar o
conhecimento dos participantes antes
e após a realização do treinamento.
M
ETODOLOGIA
O curso foi proposto a todos os
servidores da saúde que desempenham atividade no HE: médicos(as),
enfermeiros(as), técnicos(as), auxiliares de enfermagem e estudantes
(medicina e enfermagem). Foram
excluídos do treinamento os profissionais médicos e enfermeiros que
desempenham atividade nas unidades
de terapia intensiva, por considerarse que os mesmos dominam a técnica proposta no curso.
Para o treinamento foi utilizado o
algoritmo sobre reanimação em suporte
básico de vida, elaborado pelo grupo
de discussão e padronização em assistência em PCR (Figura 1).
Os servidores foram dispensados de
suas atividades para participarem do
treinamento. O curso foi aprovado pelo
Comitê de Ética Hospitalar.
A dinâmica do curso constou de
aula teórica e prática desenvolvida a
partir do algoritmo e do protocolo de
Figura 1 – Imagem correspondente ao algorítmo de atendimento de parada cardiorespiratória proposto no protocolo do HE/UFPel.
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SBV e as aulas foram ministradas pelos profissionais do Grupo de Parada
Cardiorrespiratória do HE-UFPel.
1. Duração do treinamento: 4 horas.
2. Turnos: manhã, tarde e noite.
3. Aplicação de pré-teste com 10 perguntas: 10 minutos.
4. Aula teórica sobre o algoritmo: 40
minutos.
5. Intervalo: 5 minutos para acesso às
mesas das aulas práticas.
6. Aula prática sobre compressão torácica e sobre ventilação com balão e máscara.
7. Pós-teste (repetição do pré-teste
com mesmo conteúdo): 10 minutos.
8. Número de alunos na aula teórica: 24.
9. Número de alunos por mesa para
aula prática: 8.
Para as aulas práticas foram utilizados manequins de reanimação e bolsas auto-infláveis, constituindo-se em
três momentos: manequim adulto, manequim criança de 1 a 13 anos e manequim lactente. O rodízio foi feito a cada
20 minutos sendo que todos os participantes praticaram nos três tipos de
manequins com a técnica adequada a
cada idade.
A porcentagem mínima de acertos
no pós-teste para ser considerado apto
foi estipulada em 70%.
A análise estatística para os valores de p foi realizada através do teste
qui-quadrado (χ2) para heterogeneida%
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
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de, através do programa Epi-info 6.04,
com significância em nível de 95%.
R
ESULTADOS
A população apta a realizar o curso
foi de 94 profissionais médicos, 273
profissionais de enfermagem e 89 estudantes, totalizando 456 pessoas. Destas, 348 pessoas (76%) participaram do
treinamento, sendo assim distribuídas:
médicos = 69 (73%), enfermagem =
214 (78%) e estudantes = 65 (73%).
Conforme mostra a Figura 2, a porcentagem média de acertos, ou seja,
entre todos os participantes do treinamento, na avaliação inicial (pré-teste)
foi de 63% e na avaliação final (pósteste) atingiu 84%, portanto um de
acréscimo de 21%.
Separadamente, a área que mais se
beneficiou com o treinamento foi a dos
estudantes, que passou de 65% para
93%, ou seja, acréscimo de 28% entre
o pré e o pós-teste.
O grupo de médicos apresentou um
acréscimo de 20% entre o pré e pósteste e o da enfermagem apresentou um
acréscimo de 16%.
Analisando-se os resultados obtidos
pelos três segmentos separadamente,
observa-se que no segmento médico
entre o pré e pós-teste houve uma diferença de 20 pontos percentuais, estatisticamente significativa, com um
p=0,005. No segmento de estudantes
93
84
84
75
68
65
63
55
Medicina
Enfermagem
Estudantes
Média
Figura 2 – Resultado da avaliação inicial (pré-teste) e avaliação final (pós-teste) das
três categorias individualmente (medicina, enfermagem e estudantes) e a avaliação
inicial e final das três categorias em conjunto (média). Médico n = 69, Enfermagem
n = 214, Estudantes n = 65 e n total = 348.
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o aumento foi ainda maior com significância, com p= 0,001, e no segmento enfermagem o aumento também foi
significativo, com um p=0,01.
Comparando-se as diferenças entre
os segmentos estudantes e médicos,
nota-se que a categoria dos estudantes
apresentou uma melhor performance,
com p = 0,002. Ao comparar-se estudantes e enfermagem, observa-se que também houve diferença significativa, com
p = 0,02. Não houve diferença significativa entre a enfermagem e médicos.
A porcentagem mínima de acertos
no pós-teste (70%) estipulada na metodologia não foi atingida por quatro
servidores da área da enfermagem, os
quais foram convidados a participarem
de novo treinamento.
D
ISCUSSÃO
Tratando-se de uma atividade não
obrigatória, a participação de 76% da
população demonstra o interesse
quando se trata de treinamento para
atuar em urgência e emergência. Observando os resultados do presente
trabalho, constata-se que todas as
pessoas treinadas no HE/UFPel melhoraram o conhecimento a respeito
do atendimento em PCR. O acréscimo no aprendizado variou de 16 a
28%, com uma média de 21% entre
as categorias, sendo a categoria dos
estudantes (enfermagem e médicos)
a mais beneficiada, com 28%. Esse
dado pode ser atribuído ao fato de os
estudantes estarem mais receptivos a
novos conhecimentos, particularmente tratando-se de PCR, desafiando-o a buscar conhecimento e habilidade técnica sobre o assunto. Entre
os médicos, esperava-se um conhecimento básico (pré-teste) maior em
relação às demais categorias. No pósteste, embora tivessem um acréscimo de 20%, este ficou aquém do rendimento da categoria dos estudantes.
Talvez esse dado possa refletir a dificuldade dos médicos em agregar
novas tecnologias, como as propostas pela AHA no de 2005 (2, 4, 5).
Ao analisar o desempenho do segui-
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mento de enfermagem, maior que os
demais no pré-teste, devemos levar
em conta que nesse grupo estão incluídos os enfermeiros, técnicos e
auxiliares, possuindo, em tese, maior
conhecimento teórico e prático sobre
o assunto. Por outro lado, a menor
diferença entre o pré-teste e o pósteste nesse grupo pode ser inferida a
pelo menos duas situações: como já
partiram de um patamar mais alto, a
margem de mudança do percentual é
menor e que os servidores de ensino
médio e fundamental apresentam
maior dificuldade em agregar os conhecimentos oferecidos no treinamento. Atender uma PCR requer conhecimento, habilidade técnica e treinamento. Berden et al. (15) recomendam o intervalo de 6 meses como
tempo ideal para que os profissionais
repitam o treinamento em reanimação cardiopulmonar. Observamos
que em nosso meio apenas 63% demonstraram conhecimento do assunto no pré-teste, o que pode ser considerado um resultado insatisfatório,
porque, de acordo com a literatura (4,
5, 9, 10, 11), os profissionais que seguem as diretrizes propostas pela
American Heart Association estão
menos sujeitos a comportamentos
que resultem no insucesso no manejo de PCR. Para isso, não bastam apenas os recursos humanos e materiais
disponíveis, mas o foco deve ser dirigido principalmente na capacitação dos vários profissionais que
atuam nessa atividade. Sabe-se que
20% dos fatores relacionados às
ocorrências iatrogênicas no atendimento à PCR são decorrentes de
equipamentos e 80% relacionados
aos recursos humanos (2, 9, 10,
11, 12, 13).
Galinski et al. (14) avaliaram a conduta de médicos e enfermeiras na abordagem da PCR em um hospital universitário e constataram que, entre os médicos, apenas 50% abriram a via aérea, 75% iniciaram a ventilação, 86%
começaram a compressão cardíaca externa e somente 42% solicitaram ajuda. Para o grupo de enfermeiras, esses
dados foram respectivamente 29, 47,
64 e 60%. O fato de não solicitar aju-
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da foi considerado como um erro grave, já que isso retarda a disponibilização
dos equipamentos para a reanimação.
A literatura é categórica ao afirmar
que o tempo para a reanimação é fundamental para o prognóstico da vítima
de PCR (2, 5, 10).
Dessa forma, sendo o fator humano o mais relevante no sucesso do atendimento a uma PCR, destaca-se a importância de investimentos em treinamento e atualizações periódicas dos
profissionais nesta área.
C
ONCLUSÕES
O conhecimento no atendimento
em PCR é insuficiente em nosso meio.
Levando-se em conta que o acréscimo médio foi de 21% e que a categoria que mais acertou no pós-teste
atingiu 93%, parece-nos que houve um
aproveitamento relativo e ser um indício da necessidade de continuar com
este tipo de trabalho, fazendo com que
todos atinjam a pontuação máxima
após o treinamento.
Pensamos ser necessário investir
em treinamento de SBV dos vários profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente em PCR.
O protocolo deve ser de conhecimento de todo servidor que atua no HE,
e espera-se que com este tipo de treinamento os pacientes e familiares do
HE possam ser beneficiados.
Julgamos ser relevante colocar em
discussão permanente entre os dirigentes dos hospitais a necessidade do treinamento constante do pessoal que está
em contato direto com os pacientes e
familiares.
Portanto, sugerimos que a padronização e o treinamento no atendimento
em SBV faça parte de uma política sistemática em todos os hospitais.
R
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