ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DE PAVIMENTOS RODOVIÁRIOS FLEXÍVEIS: OS MODELOS MATERIAIS DAS MISTURAS BETUMINOSAS Fotografia Autor 1 Fotografia Autor 2 30 mm × 40 mm ( boa resolução) 30 mm × 40 mm Cecília Vale Assistente universitária FEUP Porto/PORTUGAL Arnaldo Sousa Melo Professor Catedrático FEUP Porto/PORTUGAL SUMÁRIO Neste artigo pretende apresentar-se alguns aspectos da modelação do comportamento estrutural de pavimentos rodoviários flexíveis com diferentes modelos materiais para as misturas betuminosas. Primeiramente, apresenta-se, de modo sucinto, uma revisão do estado da arte sobre os modelos materiais de elasticidade linear e de viscoelasticidade linear para materiais betuminosos. Posteriormente, analisa-se a influência de cada um desses modelos materiais no comportamento de um pavimento flexível, modelando esta estrutura com um software de elementos finitos. 1. INTRODUÇÃO A mecânica de pavimentos considera, por um lado, o conhecimento do comportamento estrutural dos pavimentos e, por outro lado, a definição de regras de dimensionamento. Este artigo debruça-se, especialmente, sobre aquele aspecto. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 Como para qualquer estrutura de engenharia civil, para modelar um pavimento flexível para análise o seu comportamento, deve conhecer-se os vários modelos de resposta e escolher aquele que fornece a melhor resposta estrutural em termos de rigor e complexidade na introdução das informações de input. Um modelo é um sistema físico, matemático ou lógico que representa o essencial da realidade, permitindo ao investigador ou ao projectista conhecer e reproduzir essa realidade [1]. Por outras palavras, um modelo é uma simplificação cuja aplicação permite explicar, calcular e antecipar a resposta de uma estrutura a fenómenos físicos, químicos, eléctricos, ...desprezando alguns aspectos de menor importância na análise estrutural a executar. Os modelos de resposta são caracterizados aos níveis estrutural, material e de carga. O objectivo da análise numérica apresentada neste artigo é ilustrar a influência, na análise de pavimentos, dos modelos materiais das misturas betuminosas que constituem os pavimentos flexíveis. 2. REVISÃO DO ESTADO DA ARTE Os modelos de resposta convencionais baseiam-se na teoria da elasticidade linear e no carregamento estático e têm sido adoptados, em dimensionamento, para prever a resposta dos pavimentos rodoviários flexíveis. Contudo estes modelos só prevêem adequadamente a resposta estrutural de pavimentos flexíveis a baixas temperaturas e elevadas velocidades de circulação- condições de solicitação pouco gravosas e de pouca ocorrência em Portugal. Os materiais betuminosos apresentam comportamento viscoelástico que pode ser descrito por vários modelos tais como os modelo de Kelvin, de Maxwell, de Burgers, de Huet e Sayegh, ... Pela análise de ensaios laboratoriais realizados sobre misturas betuminosas, observa-se que estas apresentam comportamento viscoelástico ora linear, para níveis reduzidos de deformação, ora não linear, para elevadas amplitudes de deformação [2]. 2.1 Abordagem elástica linear Para a caracterização do comportamento elástico linear de qualquer material isotrópico, é necessário conhecer duas constantes elásticas, independentes entre si, e a massa volúmica do material. Ao considerar as misturas betuminosas como material isotrópico, elástico linear é usual adoptar-se, na sua caracterização mecânica, o módulo de deformabilidade e o coeficiente de Poisson. 2.1.1 Módulo de deformabilidade Para a avaliação do módulo de deformabilidade das misturas betuminosas, existem dois processos distintos: TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 1- por medição directa da tensão e da deformação de uma amostra; 2- por expressões empíricas ou ábacos. O primeiro processo consiste na avaliação experimental do módulo de deformabilidade das misturas betuminosas, podendo a avaliação ser realizada através do ensaio de compressão diametral, do ensaio em flexão, do ensaio de tracção directa, ou através do ensaio de compressão uniaxial [3,4] Relativamente ao segundo método de avaliação do módulo de deformabilidade das misturas betuminosas, vários autores definiram expressões empíricas e ábacos que permitem estimar as características mecânicas das misturas betuminosas de um material, sem a realização de ensaios laboratoriais demorados e complexos [5]. Referem-se as expressões indicadas por Heukelom e Klomp, por Brown e Brunton [6], por Ugé et al. [7] e por Francken [8] que podem ser consultadas em [5]. No entanto, estas expressões só podem ser aplicadas quando o valor da rigidez do ligante, Sb, for conhecido. Existem três processos para avaliar esta grandeza: 1- por medição directa da tensão e deformação de uma amostra de betume; 2- por aplicação do nomograma de Van der Poel, ou por expressões baseadas nesse nomograma; 3- por cálculo inverso, a partir do módulo de deformabilidade das misturas betuminosas, medido experimentalmente e calculado a partir das expressões acima referidas. 2.1.2 Coeficiente de Poisson O coeficiente de Poisson das misturas betuminosas é altamente dependente da temperatura, podendo variar entre 0,15, a baixas temperaturas, e 0,45, a elevadas temperaturas. Valores correntes situam-se entre 0,35 e 0,45 [5]. 2.2 Abordagem viscoelastica elástica linear A presença do ligante confere à mistura betuminosa um comportamento viscoelástico e termoplástico, logo dependente da temperatura e da velocidade de aplicação da solicitação. A viscoelasticidade corresponde a uma elasticidade dependente do factor tempo [9] e a termoplasticidade é a propriedade de certos materiais se tornarem plásticos com o aumento da temperatura e endurecidos com a sua diminuição. Pelo que foi dito, deve utilizar-se o módulo de deformabilidade complexo, grandeza dependente da velocidade de aplicação da carga, em substituição do módulo de deformabilidade que caracteriza, juntamente com o coeficiente de Poisson, os materiais elásticos lineares. Relativamente ao coeficiente de Poisson, Sayegh [10], afirma que o coeficiente é uma grandeza real, dependendo da temperatura, frequência e nível de deformação. Toma valores baixos (0,1), para frequências elevadas e baixas temperaturas e, valores altos, para baixas frequências e temperaturas elevadas. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 Como já se referiu, existem vários modelos que permitem caracterizar o comportamento viscoelástico das misturas betuminosas, no entanto, [11] refere-se que o modelo de Burgers, um dos mais simples, permite representar o comportamento dos materiais betuminosos com razoável rigor para a gama de temperaturas e frequências habitualmente verificadas na realidade. O modelo de Burgers, representado na Figura 1a, é constituído por duas molas, de módulo de deformabilidade k1 e k2, e por dois amortecedores caracterizados pelas viscosidades η1 e η2. A primeira mola, em série, simula a contribuição elástica linear do modelo durante o carregamento; o amortecedor em série simula a deformação permanente que existe após descarga do modelo (cf. Figura 1b) [5]. tensão k1 Resposta elástica Resposta viscosa tempo deformação Resposta elástica retardada tempo a) b) Figura 1: a) modelo de Burgers; b) resposta do modelo a tensão constante. Quando, ao sistema de Burgers, se aplica um nível de tensão constante no instante t=0 e se descarrega no instante t=t1, a resposta uniaxial da deformação é definida pelas expressões (1) e (2), que estão traduzidas graficamente na Figura 1b. Define-se tempo de relaxação a razão entre as constantes viscosa e a elástica: τi = ηi/ ki [12]. para 0< t≤ t−1t : 1 t 1 ε(t) = σ 0 + (1 − e τ 2 ) + k 1 η1 k 2 (1) para tt1> t 1 : − t t 1 − τ2 ε(t) = σ 0 + (e − 1) e τ2 η1 k 2 TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 (2) A avaliação dos parâmetros reológicos das misturas betuminosas, a considerar no modelo de Burgers, podem ser determinados por dois processos: - expressões empíricas; - ensaios laboratoriais. Quanto ao primeiro método de estimativa dos parâmetros de Burgers, Gerritzen [13], após a realização de vários estudos de correlação, propôs relações empíricas (3 a 6) para estimar os parâmetros k1, k2, η1, e η2 a partir da percentagem de vazios no agregado compactado (VMA), esta dependente da composição da mistura betuminosa, e das propriedades do betume (rigidez e penetração a 25 ºC) [5]. log (k 1 ) = 1,185 + 0,479 log (S b ) − 0,072 VMA (3) log (k 2 ) = 0,203 + 1,021 log (S b ) − 0,083 VMA (4) log (η1 ) = 2,174 − 1,634 log (pen 25) (5) log (η 2 ) = −1,083 + 0,796 log (k 2 , estimado) (6) sendo: Sb – rigidez do betume a 10 Hz, estimada a partir do ábaco de Van der Poel; pen25- penetração do betume a 25ºC; VMA- percentagem de vazios no agregado compactado. Quanto ao segundo método para avaliação dos parâmetros de Burgers, este exige a realização de ensaios cíclicos (por exemplo, o ensaio de compressão triaxial cíclico), de modo a obter, para várias temperaturas e frequências, os valores do módulo complexo (E*) e do ângulo de fase (δ). É a partir destas grandezas que é possível estimar os parâmetros do modelo reológico escolhido para a caracterização mecânica do material [5]. 3. DESCRIÇÃO DO ESTUDO NUMÉRICO 3.1 Geometria da secção do pavimento Na Figura 2, apresenta-se a secção do pavimento flexível analisado numericamente neste estudo. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 102,2 mm Solo S3 521,8 mm Solo S3 543,9 mm Solo S0 800 mm fundação de betão Figura 2 : Secção de pavimento. O pavimento é constituído por uma camada betuminosa de espessura igual a 10,22 cm; por duas camadas granulares, cada uma com espessura média de 52,18 cm + 54,39 cm e por uma camada de solo de fundação de 80 cm, colocada sobre uma laje de betão. 3.2 Características mecânicas dos materiais de pavimentação 3.2.1 Análise Linear No Quadro 1, indica-se os módulo de deformabilidade adoptados para cada camada do pavimento, para as temperaturas de 20 ºC e 40 ºC. Note-se que os módulos de deformabilidade das camadas granulares e fundação não se alteram com a temperatura. Quadro 1: Módulos de deformabilidade de cada camada do pavimento a diferentes temperaturas. Camada betuminosa E1 (MPa) 20ºC 40ºC 6300 3122 Camada granular 1 E2 (MPa) 160 Camada granular 2 E3 (MPa) 100 Fundação E4 (MPa) 50 TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 3.2.2 Análise Viscoelástica No Quadro 2, indica-se os valores dos parâmetros de Burgers, adoptados para a camada betuminosa, para dois valores de temperatura. Refere-se que estes valores foram estimados a partir dos resultados do ensaio triaxial cíclico. Mais detalhes podem ser consultados em [5]. Quadro 2: Parâmetros de Burgers. k1 (MPa) k2 (MPa) τ1 (s) τ 2 (s) 20ºC 7000 6000 0,15714 0,002 40ºC 1600 1100 0,25 0,007273 3.3 Modelo estrutural Neste trabalho numérico adoptou-se, para modelar o pavimento indicado na Figura 2, um modelo tridimensional, indicado na Figura 3. Trata-se de uma malha constituída por 2535 elementos de 20 nós, que representa ¼ da estrutura total do pavimento, devido à dupla simetria em termos de geometria e de carregamento. Figura 3: malha 3D. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 3.4 Modelo de carga Nas Figuras 4, apresenta-se a configuração real da carga. Relativamente à área de contacto, considerou-se uma área rectangular com 161 mm de largura e 269 mm de comprimento. 63,7kN 348mm Figura 4: Configuração real da carga. 3.5 Resultados e sua discussão O cálculo numérico foi realizado com o software de elementos finitos DIANA, desenvolvido pela Universidade de Delft. Importa ainda referir que os resultados foram avaliados nos seguintes pontos da estrutura: - superfície do pavimento; - base das camadas betuminosas; - base da camada granular superior; - base da camada granular inferior; - topo da fundação. No Quadro 3, apresenta-se os resultados obtidos quer em análise elástica linear quer em viscoelástica linear para as temperaturas de 20 ºC e 40 ºC. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 Quadro 3: Resultados em análise elástica linear e viscoelástica linear para as temperaturas de 20 ºC e 40 ºC. T=20ºC T=40ºC Grandeza Tipo de camada Linear Viscoelástico Linear Viscoelástico betuminosa granular superior granular inferior topo de fundação deflexão max. (µm) extensão transversal (µε) extensão longitudinal (µε) extensão vertical (µε) tensão vertical (kPa) extensão vertical (µε) tensão vertical (kPa) 554 631 635 770 107 80 77,8 224 278 389 398 610 750 954 964 1280 151 190 192 262 355 396 398 467 14,2 14,8 14,8 16,1 Quanto à comparação entre os modelos materiais, elástico linear vs. viscoelástico linear, verifica-se que: 1- os valores de todas as grandezas, para as temperaturas consideradas, são superiores nos modelos com viscoelasticidade linear, do que os obtidos com os modelos com elasticidade linear; 2- a influência da viscoelasticidade é superior nas temperaturas mais elevadas; 3- a influência da viscoelasticidade diminui com a profundidade, tendo maior peso na camada na qual se considerou haver viscoelasticidade linear, isto é, na camada betuminosa. Na Figura 5, apresenta-se a evolução da deflexão máxima à superfície, durante o tempo de carregamento (0,025 s – corresponde a velocidade de 35 km/h), para as temperaturas de 20º e 40ºC. TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 (mm/1000) (mm/1000) 640 780 620 760 600 740 580 720 560 700 540 0 0,01 0,02 tempo (s) 680 0 0,005 0,01 a) 0,015 0,02 b) Figura 5 : Evolução da deflexão superficial máxima durante o carregamento: a) T=20ºC; b) T=40ºC . Analisando a Figura 5, pode inferir-se que a viscoelasticidade é mais pronunciada para a temperatura de 40ºC visto que, para esta temperatura, a elasticidade retardada actua durante um maior período de tempo (0,021 s) enquanto que, a 20ºC, deixa de ter significado ao fim de 0,006 s em relação ao início do carregamento. 4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos neste estudo numérico permitem retirar conclusões quanto à influência dos modelos materiais das misturas betuminosas que constituem os pavimentos flexíveis e à influência da da temperatura no comportamento viscoelástico dos materiais betuminosos. Assim, relativamente aos modelos materiais, verificou-se que: - a viscoelasticidade linear dos materiais betuminosos é mais pronunciada a temperaturas elevadas; - a consideração da viscoelasticidade na camada betuminosa conduz a valores de deflexão, extensões e tensões superiores aos obtidos em análise linear; No que concerne à influência da temperatura, nos materiais com comportamento viscoelástico, verificou-se que todas as grandezas aumentam com o aumento da temperatura. Em suma, o estudo numérico apresentado permitiu compreender e interpretar o comportamento estrutural do pavimento proposto face a diferentes modelos de resposta. Para tal analisou-se não só a evolução do estado de tensão-deformação do pavimento com o aumento da profundidade e com o aumento da temperatura como também as diferenças no comportamento TrabalhoV-045 V JORNADAS LUSO-BRASILEIRAS DE PAVIMENTOS: POLÍTICAS E TECNOLOGIAS RECIFE – PE - BRASIL● 5-7 DE JULHO DE 2006 tempo (s) 0,025 estrutural do pavimento viscoelasticidade linear. induzidas pela consideração dos modelos materiais de 6. REFERÊNCIAS [1] Academia das Ciências de Lisboa. 2001. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Caloustre Gulbenkian (ed), vol. II, Lisboa, Portugal. [2] Benedetto, H. Di e Neifar, M. (2002). “Experimental Characterisation and Modelling of Thermo-visco-plastic Behaviour of Bituminous Mixtures”, Workshop 2: Modeling of Flexible Pavements of the 6th International Conference on the Bearing Capacity of Roads and Airfields, Lisbon, pp. 41-50. [3] Erkens, S.M.J.G. (2002). 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