Começo por lhe agradecer o tempo e a disponibilidade para nos receber e dar esta entrevista para a Administração Regional de Saúde do Norte. GC/CRC – Hoje celebra-se o dia mundial da tuberculose. O início desta celebração remonta a 24 de Março de 1882, quando Robert Koch, descobria o microrganismo responsável pela tuberculose, que posteriormente viria a ser baptizado de bacilio de Koch. De até aos nossos dias, a procura para a prevenção e cura desta doença tem sido um continuum com momentos de grande sucesso e outros de grandes preocupações. Será que nos pode fazer um breve “estado d’arte” sobre a evolução da doença? doença? Dr.ª Ana Maria Correia – Desde que Roberto Koch, em 1882, identificou o Mycobacterium tuberculosis (Mt), agente causal da tuberculose, a doença tem evoluído de forma diferente nas diferentes regiões do mundo. Por um lado, porque a tuberculose não foi introduzida ao mesmo tempo em todas as comunidades, e por outro porque ocorreram fenómenos que em muito condicionaram a evolução da doença. Estou-me a referir à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, responsável, nalgumas partes do mundo, pelo recrudescimento da tuberculose, e também ao aparecimento de resistências aos antibióticos utilizados no tratamento da tuberculose. Estes dois fenómenos, muito associados à pobreza, têm sido os principais entraves ao controlo da tuberculose. Em termos da prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, gostaria de realçar que até há poucos anos pouco ou nada se tinha avançado na investigação de vacinas mais eficazes, de métodos de diagnóstico mais rápidos, mais baratos e mais sensíveis e de novos medicamentos e esquemas terapêuticos. Neste momento há novas vacinas em investigação, há novos métodos de diagnóstico a serem testados e há antibióticos a serem ensaiados. GC/CRC – O movimento Stop de TB Partnership , promovido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2000 e acolhido pela maioria dos países do mundo, desenvolveu um plano de acção, designado como The Global Plan to Stop TB 2006-2015 – Actions for Life – Towards a World free of Tuberculosis, cujos são objectivos e passo a citar: (…) se procura garantir compromisso político na luta contra a tuberculose, apoio financeiro, intervenção efectiva, envolvimento dos doentes, participação comunitária e investigação e desenvolvimento.(…) No mesmo plano de acção está previsto, também, e novamente passo a citar: (…) em 2010 existam disponíveis novas drogas antituberculosas que permitam a utilização de esquemas terapêuticos curtos (1-2 meses), que em 2010 estejam disponíveis meios de diagnóstico rápidos, sensíveis e de baixo custo e que em 2015 se disponha de uma vacina segura, eficaz e de baixo custo.(…) Estando o ano de 2010 em curso perguntopergunto-lhe se já existem existem novas drogas antituberculosas e até onde vai o apoio político na luta contra a “peste“peste-cinzenta” no panorama nacional? Dr.ª Ana Maria Correia - Como referi anteriormente, as drogas que actualmente são utilizadas no tratamento da tuberculose têm décadas de existência. Os esquemas terapêuticos disponíveis obrigam o doente à toma de vários comprimidos diariamente, durante um período de tempo que varia entre 6 a 9 meses. Isto condiciona fortemente a adesão do doente ao tratamento, aumentando o risco de ocorrência de resistências. O ideal seria encontrar drogas eficazes, com poucos efeitos secundários, baratas e que não obrigassem a esquemas de tratamento tão longos. Em 2001, no âmbito da Parceria Stop TB, foi criado um grupo de trabalho constituído por especialistas de todo o mundo com a missão de promover o desenvolvimento de novas drogas para o tratamento da tuberculose. Numa área onde o investimento não era muito grande, era fundamental dar um forte impulso na investigação, trabalho que esse grupo tem levado a cabo com bons resultados. O processo de chegada de um medicamento ao mercado é um processo muito longo e que comporta várias fases. Neste momento estão alguns medicamentos em estudo e estão também a ser usados alguns novos medicamentos no tratamento de formas de tuberculose nas quais há resistência a todos os antibióticos tradicionalmente usados, com resultados animadores. Em termos do compromisso político na luta contra a tuberculose ele é fundamental, uma vez que permite que existam condições e recursos para levar a cabo a execução dos programas. Em Portugal, o Programa Nacional de Luta contra a Tuberculose (PNT), apesar de não integrar os programas prioritários do Plano Nacional de Saúde, está publicado em Diário da República desde 1995 e está solidamente implantado no terreno. GC/CRC – Reflexo do compromisso político é, certamente, a Rede dos Centros de Diagnóstico Pneumonológico. Esta rede é a responsável, actualmente, pelo acompanhamento, em ambulatório, do doente atingido pela tuberculose. Na sua perspectiva como avalia a qualidade/eficácia dos seus serviços, recursos humanos e equipamentos? Dr.ª Ana Maria Correia - Desde há anos que ao nível nacional existe uma rede de serviços executores do PNT designados como Centros de Diagnóstico Pneumológico (CDP). Tradicionalmente nesses serviços deveriam trabalhar essencialmente médicos pneumologistas. Neste momento essa não é a realidade, pelo menos na Região Norte. Temos muito poucos pneumologistas a trabalhar no PNT, sendo que a maioria dos médicos que trabalham nos CDP têm a especialidade Medicina Geral e Familiar. Para além disso, face à escassez de recursos humanos do SNS, a grande maioria desses médicos trabalha apenas em tempo parcial na tuberculose. O mesmo acontece com as enfermeiras, profissionais chave no controlo da tuberculose. Considerando estes constrangimentos, só ultrapassados pela motivação e esforço de todos quantos trabalham em tuberculose, posso afirmar que o trabalho desenvolvido na região tem sido muito positivo. A incidência da tuberculose tem continuado a descer de forma sustentada e a proporção de doentes que completam o tratamento com sucesso tem aumentado. GC/CRC – Na Proposta de Programa de Luta contra a Tuberculose na Região de Saúde do Norte - Parte I, apresentada em reunião com as ex-Sub-Regiões de Saúde e os Adjuntos do Delegado Regional de Saúde do Norte em Março de 2007, pode ler-se que, e passo a citar: (…) a redução da incidência da tuberculose será atingida através do aumento da taxa de detecção de casos de tuberculose pulmonar bacilifera.(…) No entanto, a tuberculose multirresistente tem vindo a aumentar. Assim sendo, que trabalho tem sido operacionalizado na região região Norte Norte no combate a esta nova variante da tuberculose? Acredito que a Rede Laboratorial de Apoio ao Programa da Tuberculose de apoio tem tido um papel chave neste domínio…. Dr.ª Ana Maria Correia – A tuberculose multirresistente (TBMR) é uma das principais ameaças ao controlo da tuberculose, daí que a sua prevenção e controlo seja uma prioridade em todo o mundo. A TBMR resulta da amplificação de um fenómeno natural, sendo originada ou pela má adesão à terapêutica ou pela administração de esquemas terapêuticos desadequados. Na Região Norte a prevalência da TBMR é inferior à de Portugal, principalmente aos valores observados na Região de Lisboa e Vale do Tejo, e não tem vindo a aumentar, o que, no entanto, não nos deve deixar descansados. Nesse sentido, tem sido feito um esforço grande de promoção do cumprimento da Toma sob Observação Directa da medicação, como forma de garantir que os doentes cumprem o tratamento até ao fim, prevenindo a ocorrência de resistências. Para além disso, no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento de recursos humanos, tanto em actividades de formação como de supervisão, temos procurado reforçar a cultura de utilização de esquemas de tratamento estandardizados. O apoio laboratorial é muito importante no controlo da TBMR. Neste momento estão disponíveis testes de detecção molecular de multirresistência que fornecem ao clínico resultados rápidos. Temos procurado que os clínicos peçam estes testes em situações de risco de ocorrência de multirresistência. Por outro lado, através de um sistema de notificação laboratorial do perfil de susceptibilidade das estirpes de Mt circulantes, os resultados dos testes são enviados rapidamente ao clínico para que ele possa adequar os esquemas terapêuticos às características do Mt. Finalmente, em Abril de 2009 foi oficialmente inaugurado o Centro de Referência Regional para a Tuberculose Multirresistente, a funcionar nas instalações do CDP de Vila Nova de Gaia. Este centro regional foi o primeiro a entrar em funcionamento em todo o país, conta com uma equipa de profissionais altamente qualificados e tem como missão o acompanhamento e apoio a todos os casos de TBMR que ocorram na Região Norte. GC/CRC – Se me permite, mudando um pouco de registo, gostaria de reservar três perguntas para o trabalho, interessantíssimo, que está agora na recta final da missão de apoio à Guin-Bissau do Programa de Luta contra a Tuberculose. Verifica-se que nos países mais pobres, onde as condições de higiene são reduzidas há um agravamento da endemia tuberculosa, sobretudo nos países onde a epidemia Sida está em progressão. Desta forma: 1. Que medidas estão a ser tomadas pelo Programa de Luta contra a Tuberculose para minimizar a expansão da doença, num contexto muito propício à sua propagação? 2. Em que medida o Programa de Luta contra a Tuberculose na Região de Saúde do Norte influenciou o apoio técnico à Missão de apoio à Guiné-Bissau? 3. Que balanço geral faz desta missão? Dr.ª Ana Maria Correia – A missão de assistência técnica ao Programa Nacional de Luta contra a Lepra e a Tuberculose (PNLT) da Republica da Guiné-Bissau teve o seu início em 2008 e nasceu de uma solicitação que a Fundação Calouste Gulbenkian fez à ARS Norte. Nessa altura foi feita uma primeira visita de reconhecimento no terreno e rapidamente foi possível perceber que face à situação de extrema pobreza, de precariedade das condições sócio-económicas da população e de escassez de recursos, a tuberculose era um entre outros problemas de saúde prioritários da GuinéBissau. Na sequência desse levantamento da situação foi elaborada uma proposta de plano de assistência, discutida e aceite pelo Grupo Coordenador do PNLT e pelo Ministério da Saúde. O facto de dispormos na ARS Norte de uma equipa de profissionais de saúde de elevada qualidade e com perfis profissionais diferentes, foi uma enorme vantagem para levarmos a cabo a missão e para podermos trabalhar com os Guineenses em diferentes áreas, desde o planeamento, à clínica até ao laboratório. Até ao momento foi dado apoio na elaboração do Plano Estratégico Nacional II do PNLT, criando condições para que a Guiné-Bissau apresentasse o pedido de financiamento ao Fundo Mundial, o qual foi atribuído. A ideia por detrás deste apoio ao processo de planeamento foi ajudar a construir um instrumento forte, simples e realista, tendo em consideração todos os constrangimentos existentes no país. Para além disso, organizamos também acções de formação dirigidas a técnicos de laboratório e a médicos, com a finalidade de dotar os profissionais de saúde de ferramentas simples que lhes permitam fazer o diagnóstico da doença e tratá-la. Na área de monitorização e avaliação do plano estamos também a trabalhar em conjunto com a equipa local, estando a ser discutida uma eventual vinda a Portugal de um ou dois técnicos Guineenses. Quanto ao balanço geral da missão eu considero-o muito positivo, mas penso que os Guineenses estarão em melhores condições do que eu para responder a essa questão. GC/CRC – Por fim, se me permite, na sua perspectiva quais foram os três passos mais importantes, dados até à data, no combate da tuberculose e quais os três passos mais importantes a serem dados? Dr.ª Ana Maria Correia – Quando me pergunta quais foram os passos mais importantes que foram dados no combate à tuberculose eu diria que a descoberta que Robert Koch fez há mais de um século foi um passo de gigante. Mais ainda pelo facto de a tuberculose ser uma doença cujo diagnóstico laboratorial é fácil, rápido e barato: basta um microscópio, uma lâmina e pouco mais. O tratamento disponível é barato e tem uma elevada eficácia. Tem um inconveniente, que é a sua duração. Por isso considero que seria de toda a importância encontrar esquemas terapêuticos mais curtos, que se traduziriam numa melhoria significativa da adesão dos doentes ao tratamento. Considero ainda que o investimento numa vacina mais eficaz seria um passo importantíssimo. Para finalizar com uma nota regional, gostaria apenas de dizer que é urgente encontrar formas de organização dos serviços e recursos de saúde que nos permitam, em situação de escassez, responder ao programa de tuberculose com melhor eficácia e eficiência. Senhora Dr.ª Ana Maria Correia, uma vez mais agradecemos a sua disponibilidade e desejamos os maiores sucessos na luta contra a tuberculose.