Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde1
Por Ana Maria de Vasconcelos
Introdução
A partir de um estudo sobre a realidade do Serviço Social no cotidiano dos serviços de
saúde na área municipal, destacamos a necessidade qualificar ações que mobilizem e
impulsionem novas maneiras de realizar a prática, em especial, o Serviço Social na área da
saúde2, tendo como referência a saúde como direito universal e com controle social e o
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro.
Trata-se de buscar alternativas, frente ao contexto de aprofundamento da proposta
neoliberal no Brasil. Uma proposta que, obedecendo ao receituário do governo americano,
do FMI e do BM, na busca de realizar um amplo programa de abertura, liberalização e
internacionalização da economia, tem se pautado: na privatização da coisa pública; na
redução da presença do Estado na economia, com diminuição do investimento público e
combate ao déficit público com a diminuição e a não realização dos investimentos previstos;
na priorização de exportações e na abertura do mercado interno às importações e
liberalização de fluxos internacionais de capital. Desde o início dos anos noventa, governos
neoliberais, sustentados nesta proposta, prometem ao povo brasileiro e latino-americano, que
este amplo programa de abertura e liberalização da economia nos traria justiça social. Mas,
uma proposta que acirra a exploração do trabalho pelo capital, infelizmente, ao diminuir
recursos para o social e conseqüentemente agravar as expressões da questão social, aumenta
o mercado de trabalho dos assistentes sociais.
1 - Algumas partes deste trabalho encontram-se publicadas em Vasconcelos, 2001.
2 - Ainda que o objeto de atenção neste texto seja a prática na saúde, as alternativas de ação que se colocam aos
assistentes sociais e demais profissionais são as mesmas para qualquer área temática, guardando as diferenças
relacionadas ao perfil profissional, à correlação de forças institucionais, a área temática do espaço profissional. Assim
como não se enfrenta a questão social isolando as suas diferentes expressões não se realiza direitos de forma
fragmentada. Cada direito social só é possível mediado e articulado aos demais direitos, numa perspectiva de
seguridade social ampliada o que exige do assistente social considerá-los sempre no seu conjunto, independente da
área temática onde realiza suas ações.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Sob pena de permanecermos a reboque de acontecimentos resultantes de uma
promessa impossível de ser concretizada, dado o caráter de concentração da propriedade e
da riqueza socialmente produzida e de socialização da pobreza e da miséria, que esta
proposta trás embutido, tal conjuntura impõe aos intelectuais discordantes dessa direção
econômica e social a necessidade premente da sua crítica radical. E, para os assistentes
sociais e demais profissionais, a necessidade de projetar e empreender uma prática tendo em
vista uma participação consciente e de qualidade no enfrentamento dessa orientação
econômico-social na direção dos interesses históricos dos diferentes segmentos da classe
trabalhadora.
Assim, aos assistentes sociais que objetivam romper com práticas conservadoras, não
cabe reproduzir o processo de trabalho capitalista, alienante. Há que, historicamente,
buscarmos romper - através do trabalho e das relações sociais -, com as formas capitalistas
de pensar e agir para empreender ações que, além de possibilitar acesso a bens e serviços,
resulte num processo educativo; resulte num bem e não num produto a ser consumido. Uma
ação consciente, que exige a capacidade de antecipar, de projetar; capacidade que não está
dada, mas é algo a construir, a alcançar.
O estudo realizado junto aos assistentes sociais partiu da necessidade de uma
investigação de fundo cujos resultados pudessem contribuir para a explicitação da qualidade e
das possibilidades de relação entre o projeto profissional hegemônico na categoria dos
assistentes sociais e a prática efetivamente realizada por ela. Uma tarefa urgente, tendo em
vista criticar práticas conservadoras e contraditórias e identificar, sugerir, revelar, analisar,
veicular, apoiar e divulgar ações profissionais que realmente concretizem uma conexão
orgânica da profissão com os setores progressistas da sociedade, para que se objetivem as
intenções expressas no projeto ético-político: compromisso com os interesses históricos da
massa da população trabalhadora brasileira nos seus mais diferentes segmentos, incluída
direta ou indiretamente no processo de produção da riqueza nacional -, preservando e
fomentando os ganhos obtidos na busca de uma sociedade livre, justa e mais igualitária, ou
seja, buscando a radicalização da democracia.
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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O estudo teve como objetivo, empreender uma análise da prática dos assistentes sociais
mediada pelo debate teórico da saúde - o qual tem sua gênese no movimento de Reforma
Sanitária – e o debate teórico do Serviço Social3, que expressa o compromisso com o
contingente de trabalhadores da população brasileira.
Referências Teórico-Metodológicas e Ético-Políticas
Como pressupostos ídeo-políticos, destacamos o comprometimento com a garantia dos
direitos civis, sociais e políticos dos segmentos populares, com a preocupação de análise dos
serviços tendo em vista os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, com vista a
contribuir para qualidade do espaço público, para o controle social e, em última instância,
para a construção de uma nova ordem social;
Diante da complexidade do quadro que a ordem capitalista não consegue mais ocultar um quadro que, mesmo assim, não se desenrola com toda a transparência - a sustentação e
encaminhamento de uma posição/ação vinculada a um projeto social radicalmente
democrático
e
compromissado
com
os
trabalhadores
não
estão
determinados,
exclusivamente, pela posição e encaminhamentos ético-políticos. Também o estão pela
postura teórico-metodológica, na medida, aqui, da capacidade dos sujeitos profissionais para
captar a especificidade própria da realidade social objetivando uma prática consciente e
crítica. Assim, recorremos à teoria social de Marx, para a qual o método é uma relação
necessária entre sujeito que pesquisa/investigador e objeto pesquisado/realidade social, que
permite ao sujeito reproduzir, idealmente, o movimento do objeto; relação necessária na
medida em que é a única que permite ao sujeito conhecer realmente o que se passa com o
objeto.
3 - O debate do Serviço Social está contido, principalmente, no Código de Ética Profissional de 1993, na Lei
86662/93 que regulamenta a profissão, nas pesquisas que suportam o Projeto de Formação Profissional da ABEPSS
(Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa no Serviço Social) e suas diretrizes curriculares e no processo de discussão
e formulação profissional da Lei Orgânica da Assistência Social, respaldado pela Constituição Federal de 1988.
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É pelo conjunto da prática dos assistentes sociais que a profissão de Serviço Social é
reconhecida ou não, valorizada ou não, respeitada ou não, conquistando sua autonomia e
espaços ou não. Nesse sentido é que o estudo inicia uma análise da viabilidade do projeto
hegemônico no debate teórico da categoria profissional mediar, de forma hegemônica, a
prática dos assistentes sociais.
Objetivamos dar visibilidade à organização e operacionalização da prática profissional
dos assistentes sociais nas diferentes unidades de saúde – apreensão da lógica da prática
profissional -, a partir de observação de campo e de entrevistas com os assistentes sociais,
com resgate das possibilidades de prática explicitadas neste movimento.
Buscamos os determinantes do trabalho realizado pelos assistentes sociais, traçando um
perfil sócio-econômico, cultural, teórico e ético-político dos profissionais entrevistados a partir
da apresentação das referências teóricas e éticas que sustentam o trabalho realizado4.
A pesquisa mostrou que há uma desconexão, uma fratura entre a prática profissional
realizada pelos assistentes sociais, os quais, direta ou indiretamente, tomam como referência o
projeto ético-político, e as possibilidades de prática contidas na realidade, objeto da ação
profissional, as quais só podem ser apreendidas a partir de uma leitura crítica da realidade,
fruto de uma conexão sistemática - ainda não existente - entre a prática profissional e o debate
hegemônico na categoria.
Assim, explicitamos o grave momento por que vem passando a prática profissional dos
assistentes sociais, acúmulo de uma situação que começamos a vivenciar desde o início do
Movimento de Reconceituação do Serviço Social no início da década de 1960: a fratura entre
prática profissional realizada pelos assistentes sociais e as possibilidades de prática contidas
na realidade objeto da ação profissional.
4 - Para maiores informações sobre a pesquisa realizada junto aos assistentes sociais da Secretaria Municipal de
Saúde do Rio de Janeiro, consultar Vasconcelos, 2006.
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Considerações Sobre a Prática dos Assistentes Sociais na Saúde
Independente do tipo de unidade de saúde, independente das diferenças entre os
usuários e das demandas dirigidas ao Serviço Social, os assistentes sociais vêm seguindo uma
lógica de organização do seu trabalho e estratégias de ação. O Serviço Social, como um
todo, se organiza em plantão ou plantão e programas, enquanto os assistentes sociais,
individualmente, podem se organizar desenvolvendo ações no plantão, no plantão e em
programas ou somente em programas e projetos.
Esta forma de organização individual e coletiva do Serviço Social na saúde e a postura
dos profissionais de se colocarem passivos, dependentes, submissos e subalternos ao
movimento das unidades de saúde - às rotinas institucionais, às solicitações das direções de
unidade, dos demais profissionais e dos serviços de saúde, aceitando ainda, como únicas, as
demandas explícitas dos usuários - resultam numa recepção passiva das demandas explícitas
dirigidas ao Serviço Social, o que determina a qualidade, quantidade, caráter, tipo e direção
do trabalho realizado pelos assistentes sociais. Assim, vejamos:
ƒ Independente das mudanças ocorridas no âmbito dos serviços de saúde e na
qualidade de vida e saúde da população usuária - o que certamente ocasionaram
mudanças nas demandas dirigidas ao Serviço Social e na própria dinâmica
institucional - o Serviço Social tem mantido a estrutura de sua organização, por anos.
ƒ A organização do Serviço Social toma relevância, não pelas atividades em si, mas
pelo caráter das mesmas, estruturadas com base no Plantão. O Plantão se caracteriza
por ser uma atividade receptora de qualquer demanda da unidade/usuários; funciona
na maioria das vezes em locais precários quanto ao tamanho, localização e
instalação. Assim, um ou mais assistentes sociais, num mesmo espaço físico,
aguardam serem procurados – de forma passiva - por usuários que buscam
espontaneamente
ou
encaminhamentos
são
encaminhados
realizados
por
ao
plantão
do
Serviço
profissionais/funcioná¬rios/serviços
Social;
da
unidade/serviços externos (médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, guardas
de segurança, atendentes, Recepção, Marcação de Consultas, assistentes sociais de
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outras unidades, etc.) ou pelos assistentes sociais que realizam outras atividades geralmente relacionadas aos Programas - no interior da própria unidade de saúde.
O Plantão faz parte de qualquer unidade de saúde, sendo, não só nos hospitais e
maternidades, o ponto de referência para realização do trabalho com os internados na
emergência ou enfermarias e seus familiares, mas para o atendimento nas unidades de
atenção básica e secundária. O trabalho com os internos nas enfermarias é realizado ao lado
do leito e, como estas não contam com instalações próprias para o Serviço Social, as famílias
são atendidas, com freqüência, nos espaços do plantão ou junto ao leito do próprio usuário.
As atividades desenvolvidas pelo Serviço Social nas enfermarias são as mesmas do plantão.
No Plantão, independente da unidade, o usuário é recebido, ouvido (“procura-se
esclarecer os motivos da procura ou do encaminhamento”) e encaminhado para recursos
externos e/ou recursos internos tendo como parâmetro o "bom" andamento da rotina
institucional, os recursos disponíveis e as demandas explícitas dos usuários por orientações e
inserção na rotina.
As demandas do Plantão são atendidas individualmente através de '"orientações
diversas", "encaminhamentos", "esclarecimen¬tos", "informações", "providências", "apoio",
“aconselhamento”, atividades apontadas pela quase totalidade dos assistentes sociais.
Quando, após esclarecimento dos motivos da procura do plantão, o usuário é orientado a
procurar recursos externos, procura-se assegurar que volte e “dê retorno sobre o(s)
encaminhamento(s) realizado(s) e/ou para novos encaminhamentos caso seja necessário”.
Quando é encaminhado para recursos internos da unidade, objetiva-se inserir o usuário na
rotina institucional - consultas, exames, Programas – freqüentemente burlando a rotina e/ou
ter sua circulação, no interior da unidade, acompanhada pelo assistente social. A maioria dos
usuários que procura o Serviço Social, mas principalmente o plantão, é de mulheres
demandando atendimento para si e/ou para algum familiar/conhecido.
Os usuários chegam ao plantão do Serviço Social através de procura espontânea,
encaminhamentos internos e encaminhamentos externos. Os encaminhamentos diferem de
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unidade para unidade dependendo da procura maior ou menor por determinados serviços
que são oferecidos. Enquanto, por exemplo, numa unidade a procura de idosos é maior,
tendo em vista os programas destinados à terceira idade, em outra unidade a procura
advinda da ortopedia é maior tendo em vista a procura maior dos usuários por esta
especialidade, muito procurada, mas existente apenas em algumas unidades. Assim, os
assistentes sociais não realizam estudos sobre as demandas dos usuários nem as demandas
institucionais, realizando ações a partir de demandas espontâneas ou selecionadas e dirigidas
ao Serviço Social pelos demais profissionais de saúde/serviços.
O plantão é a única atividade comum à maioria dos assistentes sociais, ainda que, em
algumas unidades de saúde, esta atividade não seja reconhecida por este nome. O Plantão
não se constitui assim, num serviço ou uma atividade pensada, planejada, organizada,
reduzindo-se a ações isoladas desenvolvidas pelo assistente social para "resolver o(s)
problema(s) do usuário".
De acordo com o tipo de procura, destacam-se as seguintes demandas dirigidas ao
plantão pelos usuários:
ƒ Procura espontânea: os usuários procuram espontaneamente o plantão do Serviço
Social para obter acesso aos serviços da unidade, para orientações diversas ou para
acesso aos serviços, orientações e reclamações;
ƒ Encaminhamentos internos: encaminhamentos dos usuários para o plantão do Serviço
Social – por assistentes sociais - para providenciar consultas médicas, orientação
previdenciária, inserção na rotina da unidade, encaminhamentos, cadastro nos
Programas; encaminhamentos internos realizados pelos profissionais de saúde e pelos
demais serviços da unidade, para orientações diversas, “solução de problemas”,
encaminhamentos diversos, localização de familiares e de pacientes; acesso a
recursos materiais, atendimento de “casos sociais”, cartões de visita, requerimentos;
ƒ Encaminhamentos externos: na procura do plantão pelos usuários através de
encaminhamento externo à unidade os usuários demandam acesso aos recursos/
serviços que a unidade oferece, orientações e informações diversas.
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No plantão, em resposta a estas demandas, os assistentes sociais realizam
"encaminhamentos internos" (para Programas, Projetos e/ou serviços da unidade),
"encaminhamentos externos” (INSS, Defensoria Pública, outras unidades de saúde, recursos
assistenciais, etc.) e/ou “orientações diversas” (previdenciária, documentação, realização de
exames, etc.).
Assim, o atendimento do Plantão do Serviço Social assume, entre outras, as seguintes
características:
ƒ Atendimento individual, realizado através de uma única entrevista, sendo raros os
retornos objetivando a continuidade ou acompanhamento da demanda apresentada;
ƒ Atendimento à demanda espontânea/livre, à demanda encaminhada pelos demais
profissionais e/ou serviços da unidade de saúde e encaminhada por outras
instituições;
ƒ O assistente social no plantão realiza basicamente orientações (previdenciária,
acidente de trabalho, programas assistenciais), encaminhamentos (para recursos
internos da unidade - inscrição nos programas, agilização de exames e/ou consultas
médicas, para recursos da comunidade/ou institucionais - bolsas de alimento,
passagem gratuita, recursos assistenciais, exames de alta complexidade, asilamento,
casas de apoio), e em alguns casos aconselhamento/apoio. Estas ações resultam
numa atenção que não tem continuidade nem interna nem externa a unidade de
saúde;
ƒ Algumas solicitações de recursos materiais são atendidas quando o assistente social
“distribui/repassa”
ou
possibilita
acesso
a
alguns
recursos
(medicamentos,
preservativos, bolsas de alimento, órteses, próteses, etc), solicitações, em sua maioria,
resultantes do atendimento nos Projetos ou Programas existentes na unidade de
saúde. Em alguns casos, é o próprio assistente social que, voluntariamente, angaria
recursos – com parentes, conhecidos, funcionários,... -, para serem distribuídos;
ƒ O plantão não é planejado, sistematizado nem avaliado nas suas conseqüências;
assim, não conta com quantificação estatística dos atendimentos objetivando conhecer
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a variação da demanda, as solicitações por serviços e recursos materiais e a própria
utilização do Serviço Social e dos serviços da unidade; conseqüentemente, não conta
com observação/análise/avaliação sistemática do seu processo;
ƒ Constitui-se em ações imediatas, isoladas e assistemáticas, que promovem
encaminhamentos, orientações, aconselhamentos e apoio sobre a(s) doença(s). Ações
como um fim em si mesmo, na medida em que, não estão articuladas a programas e
projetos que atinjam e/ou absorvam os usuários de forma sistemática e continuada,
no sentido de oferecer suporte contínuo às demandas explícitas, mas principalmente
às demandas implícitas por promoção e proteção da saúde e prevenção de doenças,
danos , agravos e riscos;
ƒ Não conta com profissionais qualificados para reconhecer a necessidade de
considerar o perfil da população que procura o Serviço Social; conhecer o perfil dos
que não chegam a receber atendimento na instituição – demanda reprimida – para
que este quadro tenha visibilidade; reconhecer as demandas implícitas, explícitas e
potenciais, para que se possa fazer levantamento dos recursos necessários para o
planejamento da atenção na unidade e para a realização dos encaminhamentos,
orientações e referências necessárias a partir dessas demandas e para projetar ações
no interior da unidade que absorvam as demandas por saúde (prevenção, educação
em saúde e tratamento, principalmente das doenças crônico degenerativas e
contagiosas) e por organização e participação no controle social dos recursos e
serviços oferecidos pela unidade;
ƒ Assim, sem interação com as ações desenvolvidas pelos assistentes sociais nos
Programas/Projetos e com os demais serviços da unidade, mas respondendo por suas
deficiências, o plantão não conta com atividades sistemáticas -desenvolvidas pelo
Serviço Social ou por equipes multiprofissionais na/pela unidade- para onde os
usuários possam ser referenciados, objetivando romper com o círculo vicioso de
encaminhamentos internos/encaminhamentos externos. Estes encaminhamentos,
buscando “resolver o mau funcionamento das rotinas das unidades" e/ou da falta de
resolutibilidade de seus serviços, jogam o usuário para o próximo serviço e/ou para
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fora da unidade – empurrando o “problema” para frente-, sem que ali estivessem
esgotadas todas as possibilidades de atendimento às demandas dos usuários: reais,
potenciais, aparentes e ocultas, imediatas e mediatas, implícitas e explícitas.
Desse modo, a prática dos assistentes sociais no plantão reduz-se a uma prática
burocrática, não assistencial (visto que prioriza respostas a demandas por informação e
orientação pontuais e não por recursos materiais, capacitação, organização ...). Uma prática
profissional burocrática que segue mecanicamente normas impostas pelo regulamento da
administração, autoridade ou seu representante, e que ao priorizar um atendimento de
escuta/acolhimento/
encaminhamento
e/ou
preenchimento
moroso
e
mecânico
de
formulários, questionários, cadastros - que viabilizam acesso a benefícios ou inscrição em
programas da instituição - referenda a complicação e morosidade da coisa pública
burocratizada, que objetiva dificultar ou inviabilizar o acesso dos usuários a serviços e
recursos enquanto direito social. Uma prática que, se atende a alguns dos interesses e
necessidades imediatas dos usuários, relacionados à busca por apoio, respeito, consideração,
auto-estima, como um fim em si mesmo, contribui para impedir e/ou dificultar a capacitação
para uma participação consciente de usuários e profissionais envolvidos nesse processo; para
impedir e/ou dificultar o controle social; para impedir e/ou dificultar a organização para a
luta política; para impedir e/ou dificultar a democratização de informações e saber...
Nesse sentido, as demandas que extrapolam o controle burocrático dos serviços
institucionais, ou seja, as demandas por educação em saúde, prevenção, participação no
controle social dos serviços prestados, por organização para efetivar o controle social, etc.
ficam negligenciadas. Demandas que, contidas nas solicitações dos usuários, precisam de
teoria
para
serem
identificadas.
Demandas
implícitas,
que
não
reconhecidas,
conseqüentemente, não são consideradas, pelos assistentes sociais, como demandas para o
Serviço Social. Sem condições de se abstrair do que está aparente, os assistentes sociais não
têm condições de captar o que está oculto na “queixa” e/ou “problema”, expresso e/ou
manifestado pelos usuários.
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As demandas atendidas pelos assistentes sociais, em sua maioria, recebidas através de
encaminhamentos, estão relacionadas ao funcionamento dos serviços prestados pelas
unidades de saúde e/ou à dinâmica da própria unidade e/ou à doença em si. Isso,
independente da unidade de saúde, subjuga o trabalho dos assistentes sociais ao movimento
interno da unidade de saúde, tornando suas ações complementares às ações dos demais
profissionais de saúde e/ou funcionais à dinâmica interna da unidade, em última instância,
funcionais à ordem social vigente.
Por outro lado, as demandas manifestadas por acesso aos serviços e por recursos são
consideradas demandas individuais/particulares de usuários que, por diferentes motivos, não
conseguem inserção na rotina institucional. Não são consideradas demandas coletivas porque
são apresentadas individualmente. Na realidade, são demandas de segmentos majoritários
da classe trabalhadora os quais não conseguem inserção nas rotinas institucionais, a partir
dos seus interesses e necessidades de saúde, constituindo uma demanda reprimida, ou
quando conseguem um atendimento, este não oferece resolutibilidade. Assim, os assistentes
sociais negam o caráter coletivo dessas demandas, que são coletivas, não só porque
vivenciadas pela maioria, mas, também porque, só coletivamente poderão ser enfrentadas,
tendo em conta os interesses e necessidades dos usuários. Da mesma forma, é negado o
caráter institucional dessa demanda, ou seja, não são reconhecidas como demandas dirigidas
à unidade de saúde - ainda que indiretas/implícitas. Assim, estas demandas, ao serem
negadas institucionalmente pelo Serviço Social, resultam em uma prestação de serviços
institucionais aparentemente sem conflitos e/ou aborrecimentos que são causados pelas
próprias rotinas institucionais; rotinas que não consideram, desde sua criação, planejamento e
execução, quantitativa e qualitativamente, os interesses e necessidades individuais, sociais e de
saúde dos cidadãos.
Ainda que cada tipo de unidade ofereça ações e serviços diferenciados e que o perfil dos
usuários seja diverso – na atenção terciária e básica, por exemplo -, o Serviço Social segue
uma mesma rotina: contato com o usuário para recebimento da demanda, a partir do
atendimento médico recebido, para providenciar encaminhamentos e orientações necessários
à complementação da consulta. As reuniões com os usuários, em sua maioria, voltam-se para
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a discussão e/ou o repasse de informações referentes à "doença tratada” (diabetes,
hipertensão, hansen, tuberculose), excetuando as reuniões de “planejamento familiar”.
Como as demandas pela participação nos Conselhos e pelo controle social não são
requeridas de forma explícita pelos usuários nem pelos profissionais de saúde, os assistentes
sociais não têm considerado a ocupação dos espaços dos Conselhos, pelos usuários, pelos
profissionais de saúde, como demanda. Desse modo, a ocupação destes espaços pelos
assistentes sociais, como profissional de saúde, e a democratização da informação a respeito
da existência de um espaço legal a ser ocupado pelos usuários e pelos profissionais de saúde
- o que requer uma preparação especial e de qualidade, tendo em vista seus interesses e
necessidade -, não tem sido considerado como demanda para o Serviço Social. Desse modo,
somente alguns pedidos esporádicos das direções de unidade, para que o Serviço Social,
representado pela sua chefia, compareça às reuniões dos Conselhos, são atendidos e, neste
caso, o assistente social está responsável por defender os interesses da instituição.
A Prática na Saúde e o Serviço Social
A pesquisa demonstrou que a prática da maioria dos assistentes sociais não se remete
ao projeto hegemônico, mas está hipotecada aos condicionantes político-institucionais que
limitam suas escolhas.
Se por um lado, a atenção prestada pelos assistentes sociais, em grande parte, permite
aos usuários sentirem-se respeitados, apoiados, contando no interior das instituições com um
lugar para aliviar suas tensões, em longo prazo estas ações, como um fim em si mesmo,
acabam por contribuir para que os mesmos sejam impedidos de utilizar estes espaços na sua
mobilização, organização e acesso a informações necessárias para preservar, ampliar e
realizar seus direitos.
O que está em jogo para os assistentes sociais que objetivam uma ação profissional que
rompa com o conservadorismo preponderante no domínio da prática é, partindo da definição
clara e consciente de suas referências ético-políticas, a apropriação de uma perspectiva
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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teórico-metodológica que, colocando referências concretas para a ação profissional,
possibilite a reconstrução permanente do movimento da realidade objeto da ação profissional,
enquanto expressão da totalidade social, gerando condições para um exercício profissional
consciente, crítico, criativo e politizante, que só pode ser empreendido na relação de unidade
entre teoria e prática. Como explicitado no Código de Ética, é uma direção que, colocando
como valor central a liberdade, fundada numa ontologia do ser social assentada no trabalho,
tomando como princípios fundamentais a democracia e o pluralismo e, posicionando-se em
favor da equidade e da justiça social, elege um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e
gênero.
Se, a partir de qualquer questão, pode-se iniciar a discussão/enfrentamento da questão
social com os usuários, não é de qualquer demanda dirigida para os assistentes sociais que é
possível empreender ações que realmente articulem-se aos interesses e necessidades dos
trabalhadores. Daí coloca-se a necessidade de identificar e priorizar as demandas de fundo,
na maioria das vezes implícitas nas queixas dirigidas aos assistentes sociais.
Dentre as estratégias para enfrentamento deste quadro indicamos os processos de
Assessoria/Consultoria5 – indicado como necessidade pela maioria dos assistentes sociais -,
com o objetivo de projetar e analisar, permanentemente, a prática, o que significa contrapor a
realidade dos espaços profissionais ocupados pelo Serviço Social com as análises, estratégias
e ações realizadas no seu enfrentamento, no sentido de uma ação profissional pensada,
consciente, dinâmica, articulada à realidade social. Esta proposta de Assessoria, diante do
quadro da prática e da formação profissional no Serviço Social, é determinante da articulação
entre áreas de prática (meio profissional) e espaços de formação (academia), na medida em
que não há projeto de formação que prescinda da realidade, assim como não há projeto de
profissão que prescinda da teoria.
A distância entre a prática profissional e os conteúdos teóricos da realidade da ação
profissional, resultante da falta de leitura crítica do movimento da realidade, revela um
5 - Vide Vasconcelos, 1998.
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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desperdício de oportunidades por parte dos assistentes sociais e demais profissionais de
saúde6 diante das possibilidades de prática a serem captadas na realidade em que realizam
suas ações, quando se objetiva redirecionar as políticas públicas na direção dos interesses dos
usuários.
Os assistentes sociais atuam junto a sujeitos sociais que guardam, na sua história de
vida, as dimensões universais e particulares da questão social. Questão social cujas
expressões históricas e contemporâneas personificam o acirramento das desigualdades sociais
e da pobreza na sociedade capitalista brasileira.
O Estado brasileiro tem papel central na reprodução da questão social, através de uma
política econômica que privilegia uma minoria e de políticas sociais – forma de política
pública – regressivas, no que se refere ao financiamento, aos benefícios e serviços, o que
historicamente não vem contribuindo para a redução das desigualdades sociais.
É diante das políticas públicas entendidas como a possibilidade, não só de redistribuir
riqueza, mas, sobretudo, de garantir a igualdade na oferta de bens e serviços públicos – em
termos do acesso a um padrão mínimo de qualidade de vida para os cidadãos – que, diante
do papel que vêm desempenhando historicamente na reprodução/manutenção das
desigualdades sociais, pergunta-se aos assistentes sociais e demais profissionais7 como
realizar uma prática na saúde articulada aos interesses históricos dos trabalhadores.
Os assistentes sociais, reconhecidos pelos usuários como “seres humanos” interessados
em “AJUDAR”, ao se limitarem à ajuda ou transfigurando o direito em ajuda, a partir de
6 - Está em fase final a segunda fase da pesquisa – “A prática dos profissionais de saúde no município do Rio de
janeiro: Hospitais Universitários” – que objetiva estudar a prática na saúde a partir de entrevistas realizadas com
profissionais de saúde de oito categorias de nível superior. A pesquisa indica que esta afirmação também pode ser
observada na prática desenvolvida pelos demais profissionais de saúde.
7 - A partir dos princípios e diretrizes do SUS e reconhecendo a imprescindibilidade das ações realizadas pelos
diferentes profissionais de nível superior, o Plenário do Conselho Nacional de Saúde reconheceu como profissionais de
saúde de nível superior as categorias dos: assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros,
farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e
terapeutas ocupacionais.
CNS, Resolução nº 218 de 06.03.1997. Trata-se de profissões reguladas juridicamente as quais exige uma formação
teórica e técnica de nível superior o que supõe a apropriação de conhecimentos produzidos historicamente, para a
prestação de serviços à sociedade a partir de compromissos éticos, expressos nos seus Códigos de Ética o que lhes
garante uma relativa autonomia.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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ações como fim em si mesmo e independente dos objetivos almejados, contribuem na
reprodução da organização social dominante. Desse modo, mesmo acolhendo com respeito
e/ou “humanizando relações”8 funcionamos como braço da elite econômica - para
reprodução de sua ideologia (para que esta continue a ideologia dominante) o que resulta em
perdas e não ganhos para os trabalhadores.
Ora, um assistente social crítico e propositivo exige um determinado perfil: profissional
que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas para seu
enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais, de organizações da
sociedade civil e movimentos sociais, dotado de formação intelectual e cultural generalista e
crítica, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto das relações sociais e
no mercado de trabalho (ABEPSS/2003).
Este perfil coloca a exigência de uma capacitação teórico-metodológica, ético política e
técnico-operativa que possibilite ao assistente social:
ƒ Apreensão crítica dos processos sociais numa perspectiva de totalidade;
ƒ Análise
do
movimento
histórico
da
sociedade
brasileira,
apreendendo
as
particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país;
ƒ Compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sóciohistórico – (nacional/inter) desvelando as possibilidades de ação contidas na
realidade;
ƒ Identificação das demandas presentes na sociedade, visando formular respostas
profissionais p enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações
entre o público e o privado (Iem, 2003).
8 - A busca de humanização das relações no capitalismo só pode se dar desconsiderando que, nessa organização
social, o fato de, isoladamente, ser possível humanizar relações pessoais, não resulta na humanização das relações
sociais dominantes; relações baseadas na exploração do homem pelo homem. Assim, essa busca resulta numa prática
conservadora visto que, em última instância, contribui para conservar a ordem vigente.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
15
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
É neste sentido que do assistente social, que toma como referência o projeto ético-plítico,
exige-se conhecimento sobre a realidade e não só boa vontade. Um profissional que
compreenda a lógica e as leis fundamentais da organização social capitalista, sua
complexidade e contradições na geração da questão social e como essa lógica impacta as
relações sociais e os indivíduos apreendendo os mecanismos de exploração e de dominação.
A categoria central é trabalho e não a esfera da subjetividade9.
A capacidade de apreender o movimento da realidade social, fruto de uma formação
generalista e crítica, impõe a manutenção de um processo de formação profissional contínuo,
com garantia da capacitação dos profissionais já formados. Um processo de formação
contínuo, assentado no tripé dos conhecimentos constituídos pelos núcleos de fundamentação
da formação profissional indicados pela ABEPSS10 que, a partir de uma graduação que
assegure a qualificação para uma ação localizada com base na compreensão estrutural da
problemática
focalizada,
possibilite
uma
prática
planejada
e
avaliada
nas
suas
conseqüências.
9 - Para Ivo Tonet, afirmar o caráter fundante do trabalho não significa, desconhecer a existência de inúmeras outras
dimensões que também fazem parte do ser social. A complexificação da sociedade, cuja origem está na capacidade
do trabalho de produzir em escala cada vez mais ampliada, levou ao surgimento de problemas que já não poderiam
ser resolvidos no âmbito do próprio trabalho. Daí a emergência de outras dimensões, com uma natureza e uma
legalidade próprias, capazes de permitir à humanidade fazer frente a esses novos desafios. Assim, temos a política, o
direito, a arte, a religião, a ciência, a filosofia, a educação, etc. Mas, só o trabalho tem um caráter fundante. Todas as
outras dimensões se originam a partir do trabalho. Portanto, todas elas guardam uma dependência ontológica em
relação ao trabalho, mas, ao mesmo tempo, por força da própria realidade, uma autonomia relativa.
10
Como assegurado no projeto de formação da ABEPSS, são os seguintes os núcleos de fundamentação: 1 – Núcleo
de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, que compreende um conjunto de fundamentos teóricometodológicos e ético-políticos para conhecer o ser social enquanto totalidade histórica, fornecendo os componentes
fundamentais para a compreensão da sociedade burguesa, em seu movimento contraditório; 2 - Núcleo de
fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira que remete à compreensão dessa sociedade,
resguardando as características históricas particulares que presidem a sua formação e desenvolvimento urbano e rural,
em suas diversidades regionais e locais. Compreende ainda a análise do significado do Serviço Social em seu caráter
contraditório, no bojo das relações entre as classes e destas com o Estado, abrangendo as dinâmicas institucionais nas
esferas estatal e privada; 3 – Núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que compreende todos os elementos
constitutivos do Serviço Social , como especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodológica e
técnica, os componentes éticos que envolvem o exercício profissional, a pesquisa, o planejamento e a administração
em Serviço Social e o estágio supervisionado. Tais elementos encontram-se articulados por meio da analise dos
fundamentos do Serviço Social e dos processos de trabalho em que se insere, desdobrando-se em conteúdos
necessários para capacitar os profissionais ao exercício de suas funções, resguardando as suas competências
específicas normatizadas por lei. É diante do caráter do perfil do assistente social – perfil de um intelectual – e das
exigências para se forjar um assistente social nessa direção, que ainda que à elite econômica não interesse e os
próprios assistentes sociais não percebam, a formação de um assistente social e tão ou mais difícil do que qualquer
outro profissional. Por outro lado, revela-se o imenso desafio da categoria, em assegurar este perfil, diante das
condições ético-políticas e culturais da maioria dos segmentos da classe trabalhadora, de onde surgem os futuros
assistentes sociais.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
16
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
Ora, é na contramão da história, em plena hegemonia neoliberal na economia e na
política, que se pergunta aos assistentes sociais qual o caráter de uma prática mediada pelo
Sistema Único de Saúde e pelo Projeto ético-político Serviço Social? Ora, é no planejamento e
na execução de determinadas estratégias e ações que o assistente social vai se formando e se
transformando num recurso vivo, cada vez mais qualificado. Vai formando e consolidando a
sistematização, a analise, a crítica e a avaliação das ações; vai fortalecendo suas referências,
seus valores, seus compromissos, seus objetivos... Ao mesmo tempo, vai assegurando o
acesso e a ampliação dos direitos e do controle social.
Para que possam utilizar a prerrogativa de determinar e priorizar as demandas dos
usuários e, conseqüentemente, de organizar e planejar suas ações de forma que possam
interferir nos determinantes sociais do processo saúde/doença no resgate da saúde enquanto
direito social, a prática na saúde, em contraposição a uma prática espontânea e/ou instintiva,
exige toda uma complexa série de requisitos. A seguir, elencamos11 estratégias e ações, que
pensadas e realizadas, nas suas relações e conexões, possam fomentar uma prática na
saúde12
que,
implicando
assistentes
sociais
e
demais
profissionais
em
equipes
multiprofissionais, possam resultar em planejamento, realização e avaliação de uma prática
na saúde que contribua para ampliar, facilitar e realizar/radicalizar o acesso aos direitos. São
estratégias e ações necessárias que, nas suas relações e conexões, facilitem o acesso aos
direitos e contribuam para o exercício do controle social e da organização, diferentes para
cada contexto (instituição, usuários, espaço do Serviço Social), para cada momento histórico.
ƒ PLANEJAMENTO: é no planejamento do Serviço Social e das ações que os assistentes
sociais/equipes se preparam para trabalhar. O produto resultante do planejamento,
não é um simples documento a ser consultado. É um instrumento de luta, de
negociação, de registro da prática. Se a formação profissional oferece os instrumentos
teóricos para captar o movimento da realidade social é ao projetar suas ações que os
profissionais se transformam em “recurso vivo” podendo, assim, contribuir com os
11 - A partir das exigências deste texto, as estratégias são indicadas mas não discutidas como necessário. Faz-se
necessário que cada indicação seja tomadas, num ato reflexivo/crítico, pelo(s) assistente(s) social(is)/equipes no
planejamento, realização e análise da prática.
12 - Vide nota 2.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
17
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
usuários na busca por transformações das suas condições de vida e de trabalho, ou
seja, promover a saúde. É neste sentido que podemos identificar um profissional
propositivo e não passivo.
São requisitos para planejar: realizar levantamentos, estudos e pesquisas sobre a
questão social - objeto da ação profissional - potencializando a análise e crítica dos
dados com a produção teórica acumulada sobre suas diferentes expressões para
compreender a realidade trabalhada, contribuindo para a identificação e divulgação
dos fatores condicionantes e determinantes da saúde, subsidiando e sendo subsidiado
pelos serviços de vigilância sanitária (meio ambiente), vigilância epidemiológica
(prevenção ou controle das doenças e agravos) e saúde do trabalhador. Como afirma
Iamamoto, tomar um “banho de realidade”.
A legislação brasileira atual, no campo dos direitos, pode e deve ser utilizada por
assistentes sociais e equipes na justificativa de projetos e ações.
ƒ Organizar e realizar a atenção aos direitos e o acesso ao Serviço Social, a partir da
demanda dos trabalhadores e não da oferta das instituições (públicas ou privadas) o
que significa ter como referência, partir e priorizar as necessidades e interesses dos
usuários para pautar as políticas sociais.
ƒ Realizar e publicizar estudos sócio-econômicos, não só de quem solicita e acessa os
recursos disponibilizados pelas políticas sociais, mas dos que não conseguem acesso,
para que sejam analisados, divulgados e conhecidos, pelos usuários, planejadores e
gestores, Conselhos.
ƒ Identificar e priorizar as necessidades sociais de saúde e demandas dos usuários para
além das demandas espontâneas, sem negar as requisições institucionais,
historicamente, fruto do mau funcionamento da rede de saúde. Significa pensar a
profissão, não para atuar junto a indivíduos isolados, mas junto a grupos e segmentos
da classe trabalhadora que têm interesses e necessidades individuais que expressam
interesses e necessidades coletivas que só serão de fato enfrentadas (diferente de
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
18
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
resolvidas) se identificadas, publicizadas e submetidas à organização dos usuários e
ao controle social.
ƒ
Mas, também, valorizar a demanda espontânea. Na saúde investe-se na busca ativa
de pacientes – com tuberculose, hansen, câncer, hipertensão –, mas não se dá a
atenção devida à demanda espontânea que pode estar sinalizando algo, mas na
medida que não é valorizada tem diagnóstico retardado ou não chega a ter
diagnóstico.
ƒ Priorizar, como assegurado na proposta do Sistema Único de Saúde, ações de
promoção da saúde e de prevenção de doenças, danos, agravos, e riscos,
independente do tipo de unidade, sem prejuízo do tratamento e da reabilitação.
Assim, cabe aos assistentes sociais, a partir dos princípios e do objeto da ação
profissional – a questão social - planejar e realizar ações assistenciais que contribuam
para a promoção da saúde, a prevenção de doenças, danos agravos e riscos e o
tratamento, priorizando o sofrimento social, para o fortalecimento da consciência
sanitária e do controle social.
Enquanto nos sofrimentos psíquicos espera-se atingir as realidades internas dos
indivíduos, cujo objeto central é o desejo, no sofrimento social –resultado das
condições socioeconômica, política e cultural- objetiva-se mudanças coletivas e/ou
construção, experiência e vivência de novas relações sociais sob bases democráticas,
onde fluam informações, conhecimentos e experiências necessários à busca de
realização dos direitos sociais, com difusão das idéias fundamentais à radicalização
da democracia.
Destacam-se como direitos na saúde, para além do sofrimento físico e psíquico:
direito ao acesso universal aos serviços de saúde nos diferentes níveis de
complexidade; à atenção integral à saúde; à prevenção de doenças, danos, agravos e
riscos; ao tratamento e à reabilitação; a um atendimento sem preconceitos e de
qualidade; a informações a respeito do seu quadro de saúde e de seus familiares; a
informações sobre as rotinas, funcionamento e recursos das unidades de saúde; à
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
19
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
participação direta ou indireta no controle social dos serviços prestados; de ser ouvido
(escuta ind. e coletiva) e de ouvir na consulta médica e demais atendimentos na
saúde; de ter acesso ao seu prontuário e exames; de ter acesso a medicamentos
básicos e de uso contínuo...;
ƒ Assegurar uma relação sistemática econtinuada entre espaços de prática e
universidade através:
⇒ Do estágio supervisionado;
⇒ De cursos de aperfeiçoamento, especialização e pós graduação (capacitação
permanente);
⇒ De Assessoria e consultoria, à prática profissional, à apresentação de trabalhos
em eventos, à realização de pesquisas ( com indicação de temas relevantes e/ou
pesquisas articuladas pelos assistentes sociais, a partir do cotidiano profissional).
ƒ Organizar a prática do Serviço Social na saúde tendo como referência a seguridade
social ampliada planejando as ações na unidade de saúde a partir:
⇒ Do conhecimento das políticas sociais da seguridade social, especialmente da
saúde nos seus diferentes níveis – federal, estadual,municipal, e das políticas que
abrangem os demais direitos;
⇒ Do conhecimento da rede de serviços,
⇒ Do perfil dos usuários (reais e potenciais da rede/unidade de saúde);
⇒ Da identificação das demandas, requisições e exigências dos usuários, para a
instituição e para o Serviço Social,
⇒ Da identificação das requisições e exigências da instituição e dos demais
profissionais de saúde para o Serviço Social.
ƒ Empreender uma lógica de inserção dos profissionais e da operacionalização das
ações em saúde que supere ações individualizadas, burocráticas, repetitivas, acríticas,
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
20
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
“humanizadora” de relações pessoais, ou seja, instituir uma lógica de inserção e
distribuição dos profissionais nas unidades de saúde tomando como critério as
necessidades sociais de saúde e como prioridade as necessidades e interesses dos
usuários.
Romper com inserção histórica dos assistentes sociais na saúde que se dá por opção
pessoal e/ou pelo desejo de trabalhar com alguma temática específica – mulher,
criança, idoso, etc. – em detrimento das prioridades determinadas pelas demandas
dos usuários à instituição, aos profissionais e ao Serviço Social.
ƒ Romper com as estratégias de organização/ação históricas na rede de saúde e no
Serviço Social (centralização no Plantão x entrevista x demanda espontânea)
priorizando: ações educativas e preventivas de maior alcance no âmbito institucional;
a atenção coletiva; o trabalho em equipe (entre assistentes sociais e demais
profissionais, mas principalmente, um trabalho em equipe entre os próprios
assistentes sociais13), planejando, priorizando e realizando ações do Serviço Social
que integrem a rotina das unidades.
ƒ Viabilizar o trabalho em equipe, entre os próprios assistentes sociais, a partir de um
projeto do Serviço Social para a unidade de saúde como um todo. Partindo da
articulação do que há de comum entre os profissionais, construir uma referência para
as inserções nos projetos, clínicas, plantões, programas, pesquisas, etc.
ƒ Participar do planejamento e gestão dos serviços através:
⇒ Estudos pesquisas, levantamentos, levados à direção e chefias de serviço pela
chefia do Serviço Social, que assim, assessora – direta (quando é chamada) ou
indiretamente (quando toma a iniciativa de levar as produções do Serviço Social) a direção e as chefias, a partir dos dados do Serviço Social;
13 - O assistentes sociais têm mostrado mais facilidade em integrar equipes e realizar ações com outros profissionais
do que compor uma equipe que represente o Serviço Social numa determinada instituição/unidade. Este fato tem
dificultado a existência de um projeto do Serviço Social que seja referência para a inserção dos assistentes sociais nos
diferentes programas/projetos institucionais.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
21
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
⇒ Incentivar e /ou realizar ações com populações circunvizinhas à unidade de saúde
- sem negligenciar o atendimento direto aos usuários (entrevistas, reuniões, VD) e
a permanência do Plantão, enquanto porta aberta de acesso livre; um plantão
articulado e que articule as demais ações do Serviço Social e da unidade.
ƒ Realizar e publicizar estudos relativos à saúde do trabalhador destinados a publicizar
e divulgar dados sobre acidentes e doenças do trabalho e referenciar ações de
prevenção e tratamento, colaborando na proteção do ambiente de trabalho e do
meio ambiente.
A saúde do trabalhador, juntamente com a vigilância Sanitária e a Vigilância
Epidemiológica e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, está
incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, como direito, no Art. 200/
II da Constituição Federal/1988 e regulamentada na Lei nº 8.080/ 1990.
No que compete ao SUS, cabe aos assistentes sociais:
I – Participar da assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador
de doença profissional e do trabalho;
II – Participar em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos
potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
IV – Tornar público o impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V – Informar ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas, a
partir do estudo dos usuários atendidos, sobre os riscos de acidente de trabalho,
doença profissional e do trabalho;
VI – Tornar público a ausência/deficiência de fiscalização e controle dos serviços de
saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII – Participar da comunicação às instâncias competentes sobre doenças originadas
no processo de trabalho, buscando a colaboração das entidades sindicais; e
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
22
Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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VIII – Publicizar dados que indiquem a necessidade de interdição de máquina, de
setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, que signifiquem exposição a risco
iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.
Os profissionais de saúde, como os demais trabalhadores, estão, também, sujeitos
aos riscos profissionais e, portanto, expostos aos acidentes do trabalho, às doenças
profissionais e às doenças do trabalho.
⇒ Doenças profissionais, ou seja, àquelas que são inerentes ao desempenho de suas
atividades loborais, que se apresentam como síndrome típica em outros
trabalhadores de mesma situação, que têm um fator etiológico conhecido;
⇒ Doenças do trabalho, tidas como aquelas provenientes de certas condições
especiais que determinado tipo de trabalho venha sendo realizado e, por isso,
rotuladas de doenças “indiretamente profissionais”.
Na prática, nem sempre é fácil fazer essa diferença.
As categorias profissionais, podem ser atingidas, principalmente, por cinco tipos de
doenças profissionais e do trabalho:
1. doenças infecciosas e parasitárias; 2. dermatites por contato; 3. enfermidades
decorrentes de radiações ionizantes;
4. enfermidades por gases irrespiráveis; e 5.
enfermidades por vícios ergonômicos.
Os manuais não contemplam as doenças relacionadas ao stress que acometem várias
categorias profissionais na saúde e determinados profissionais: gerentes, policiais,
inclusive os próprios assistentes sociais.
A sociedade incentiva o trabalhador na troca de sua saúde pelo pagamento de
percentuais de insalubridade e periculosidade, como alternativa mais barata, o que
desresponsabiliza os patrões de investimentos na melhoria das condições ambientais
de trabalho. É uma premiação perniciosa do risco, lesiva aos interesses do próprio
trabalhador que perde a sua saúde e lesiva ao interesse de todos porque o SUS e a
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
Previdência Social arcam com as conseqüências dos danos à saúde dos trabalhadores
– quando ele tem direito.
Os assistentes sociais têm um papel na democratização de informações aos
trabalhadores sobre as condições de trabalho, as doenças mais comuns e sobre o
controle de riscos de cada setor trabalho, esclarecendo o(s) trabalhador(es) sobre os
determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença, para além dos
diagnósticos de doenças e prescrições.
Enquanto os profissionais, por lei, têm o direito de recusar-se a exercer sua profissão
em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou
possam prejudicar o usuário, a maioria dos trabalhadores têm de se sujeitar a
empregos que não apresentam as mínimas condições de trabalho. Para se conquistar
a saúde não basta modificar a relação entre o homem e a natureza, mas, transformar
as relações sociais e de trabalho.
ƒ Divulgar o direito de participar e facilitar a participação dos usuários na elaboração
do orçamento plurianual de investimentos, nas diretrizes orçamentárias, no orçamento
anual e no processo de sua discussão(unidade de saúde /município). Assim como está
assegurado em Lei, que cabe ao poder público organizar debates durante o processo
de discussão e aprovação do orçamento, cabe ao Serviço Social14 criar estratégias
que possibilitem reflexão e facilitem a participação.
ƒ Priorizar ações coletivas, sem prejuízo da atenção individual (necessária ou solicitada
pelo usuário), assegurando o direito ao sigilo, potencializando espaços coletivos fruto
do movimento social – associações, etc., o que significa:
ƒ Criar e dinamizar espaços coletivos que contribuam para desenvolver uma correlação
de forças favorável à universalização real e à ampliação dos direitos sociais
provocando uma interferência nas rotinas institucionais paraque seja facilitada o
14 - Aqui se pode perceber porque o Conselho Nacional de saúde chama para compor a equipe de saúde o único
profissional que tem uma formação cuja base não está nas ciências chamadas exatas.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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acesso à assistência e assegurada a qualidade dos serviços prestados. Uma
correlação de forças que seja produto de uma articulação e que articuleosdiferentes
profissionaisde saúde (incentivo ao trabalho de equipe) os usuários entre si e usuários
e profissionais de saúde.
ƒ Priorizar, como assegurado na proposta do Sistema Único de Saúde, ações de
promoção da saúde e de prevenção de doenças, danos, agravos, e riscos,
independente do tipo de unidade, sem prejuízo do tratamento e da reabilitação.
Como?
ƒ Criar e dinamizar espaços coletivos para democratização de informações e
conhecimentos necessários a esses processos e à promoção, manutenção da saúde e
prevenção de doenças, danos agravos e riscos; espaços que, superando o
acolhimento e o apoio, a partir de uma prática reflexiva e crítica, contribuam para
transformação de informações em conhecimento.
ƒ Criar
espaços
coletivos
para
democratização
de
informações
e
conhecimentosacessados e produzidos pelos diferentes profissionais e equipes,
necessários aos usuários para o conhecimento de seu corpo e defesa de sua saúde e
da vida (câncer útero, diabetes, hipertensão, sedentarismo, obesidade, acidentes,
saúde no trabalho...).
ƒ Priorizar a reflexão, superando a simples divulgação de conhecimentos. Priorizar a
lógica da REFLEXÃO em detrimento da lógica da palestra, na atenção individual e
coletiva.
Na lógica da palestra, o espaço da reunião, em si, tem pouco valor como instrumento
de trabalho. Mas, na lógica da reflexão, o espaço criado e coordenado pelo assistente
social contém a possibilidade e capacidade de organizar, capacitar, fortalecer,
democratizar, politizar. O centro deixa de ser o assistente social (autoridade), mas o
usuário e seu cotidiano, o que envolve colocar em questão e ser tomado como objeto
de atenção pelo assistente social, mas, principalmente, pelos próprios usuários, as
condições de vida, de trabalho, o estilo de vida e a cultura dos envolvidos no processo
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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e, conseqüentemente, dos segmentos aos quais pertencem. Desse modo, o usuário vai
além de sua condição de passivo15 de objeto, como se coloca na palestra e assume a
condição de sujeito16.
A Prática reflexiva17 é uma prática que, envolvendo dois sujeitos sociais usuário/profissional -, politiza as demandas dirigidas ao Serviço Social, ao
democratizar informações necessárias e fundamentais quando do acesso dos usuários
a serviços e recursos – como direito social - na busca da superação da práxis
cotidiana, a partir de sua análise, desvendamento o que contribui para o
fortalecimento dos envolvidos no processo, enquanto sujeitos políticos coletivos.
Ainda que possam resultar em condições psicológicas favoráveis para os participantes
ou em ganhos materiais, o trabalho dos assistentes sociais tem por horizonte a
promoção de uma participação efetiva dos envolvidos na luta pela construção de uma
organização social sobre outras bases que não sejam a dominação e exploração de
classe. Na luta pela universalização e ampliação dos direitos, enquanto caminho para
outra ordenação social, busca-se assegurar processos públicos de tomadas de
decisão e exercício de poder coletivo que tomem o lugar da liderança pessoal, da
competição, da concorrência, do anonimato.
Os assistentes sociais, ainda que reconheçam a importância da ação coletiva, não
priorizam a realização de reuniões com usuários. Reuniões catárticas, principalmente
por meio de aplicação de dinâmicas de grupo, que atravessam a vida dos indivíduos,
sem que eles tenham consciência e controle do que está ocorrendo, caminham na
direção contrária aos interesses dos usuários. Assim como uma entrevista ou uma
15 - O usuário, na condição de objeto, é considerado por assistentes sociais e demais profissionais como “cliente”/
“paciente”/ “ser humano”/”ïndivíduo”/coletividade”, atendido de forma particular e individualizante, considerado a
partir da instituição/organização/serviço onde o profissional presta assistência. Os clientes são atores que atuam, que
representam, os quais, inseridos no mercado e a partir de uma relação mercantilizada, consomem um artigo, um
bem, recebem algo.
16 - O usuário, na condição de sujeito de direitos: integrantes dos diferentes segmentos da classe trabalhadora, que
enquanto sujeitos de direito, agem, empreendem ações, intervêm, lutam, reivindicam, exigem, implementam, no
sentido de usufruir e/ou desfrutar de alguma coisa coletiva, ligada a um serviço público ou particular, dessa forma
podendo pleitear os serviços prestados e exercer sua autonomia na busca de emancipação.
17 - Vide Vasconcelos, 1997.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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reunião que se resuma a uma conversa de perguntas e respostas, a relatos de
histórias sem fim, a aconselhamentos ou à manipulação de comportamentos, não
favorece o alcance de objetivos que incluam os interesses e necessidades dos
usuários.
Ao democratizar informações e possibilitar o exercício de práticas democráticas, os
assistentes sociais podem contribuir na apropriação, pelos usuários, de categorias de
análise do patrimônio intelectual, para que possam, na medida do possível, se
colocar criticamente frente ao seu cotidiano e participar da luta política na defesa de
seus interesses.
O acolhimento, o apoio e a “humanização” como fins em si mesmo, não possibilitam
a democratização de informações necessárias ao controle social e ao acesso a bens e
serviços como direitos sociais, ainda que humanizem as relações pessoais.
ƒ Criar e dinamizar diferentes espaços que facilitem a organização dos usuários e o
exercício do controle social em cada tipo de unidade - Policlínicas, Hospitais, PSaúde,
envolvendo associações, escolas, sindicatos, etc.). Incentivo à gestão colegiada.
ƒ Incentivar e/ou criar espaços de capacitação de conselheiros: representantes dos
usuários e de profissionais de saúde com criação de espaços nos locais de trabalho
e/ou
encaminhamento
para
cursos
de
capacitação,
etc.
Para
qualquer
encaminhamento, exige-se a atualização dos dados sobre os recursos disponíveis.
ƒ Dinamizar e ocupar os espaços dos Conselhos de Política e de Direitos assegurados
aos profissionais de saúde na Constituição – nas suas diferentes instâncias –
concebendo os Conselhos – um dos instrumentos de controle social - como espaços
contraditórios de disputa e de negociação e não de reprodução de consenso e
consentimento.
ƒ Contribuir – com estrutura, capacitação e assessoria – para que os conselheiros – nos
conselhos de política e de direitos - assumam seu papel de fiscalizador do sistema e
mantenham sua autonomia frente ao executivo.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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ƒ Criar mecanismos e canais que facilitem o conhecimento e acesso aos recursos
disponíveis e a organização dos usuários para pleitear recursos em atenção às suas
necessidades e interesses não atendidos tornando públicos os dados a esse respeito
(grupos de sala de espera; associações; comitês). É neste sentido que aos assistentes
sociais podem apontar para além da lei, para além dos direitos garantidos na
Constituição na busca de novos direitos18.
ƒ Criar mecanismos e canais para a democratização das informações com
planejadores, gestores, órgãos de representação dos usuários, profissionais,
conselhos de política e de direitos e usuários (reuniões, cartilhas, folders, trabalhos em
congressos, artigos, planos e programas...).
ƒ Incentivar e participar nas unidades de saúde de Recepção Integrada em detrimento
de simples triagem para encaminhamentos e orientações evitando empurrar o
problema para frente. Espaço de promoção/prevenção/controle social.
ƒ Estabelecer relação de referência e contra-referência, iniciando pelo próprio Serviço
Social, entre os diferentes tipos de unidade de saúde e políticas públicas.Os órgãos de
representação da categoria CFES/CRESS/ABEPSS, com nossa participação, têm um
papel na criação de condições para que se concretizem canais e instrumentos que
possibilitem, aos assistentes sociais, as relação e conexões necessárias entre as
diferentes áreas de atuação.
A partir dessas e outras ações e estratégias, estarão sendo construídas as bases e as
condições necessárias para o rompimento de papéis históricos do Serviço Social: na saúde, na
18 - Luta pela transformação de políticas compensatórias em direito. A exemplo do Bolsa família, buscar a
transformação em direito a uma renda mínima. O que não deriva de direito pode ser extinto a qualquer momento,
por qualquer governo de plantão. Por outro lado, com relação aos “cuidadores” – na atenção terciária e de
reabilitação, na saúde mental -, os assistentes sociais têm participado mais em cursos que capacitam familiares e
voluntários para o cuidado, o que vem desresponsabilizando o Estado de atenção a este direito, em detrimento da luta
pelo reconhecimento do cuidado como trabalho, com garantias sociais.
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
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complementação do tratamento de doenças, e nas outras áreas com a orientação,
encaminhamento e aconselhamento.
A partir da ação da parte da categoria que escolher como referência o projeto éticopolítico do Serviço Social brasileiro, estarão sendo construídas as bases e as condições
necessárias para o que os assistentes sociais rompam com seu papel histórico na
complementação das ações dos demais profissionais de saúde; na complementação do
tratamento de doenças; na viabilização burocrática de recursos compensatórios; na
reprodução do consenso e do consentimento, enfim, na contribuição da categoria profissional
na reprodução da ordem social capitalista. Estarão sendo construídas as condições para que
seja superada uma lógica de inserção dos profissionais e da operacionalização das ações
baseada em atenção individualizada, burocrática, repetitiva, acrítica, “humanizadora” de
relações pessoais. Ações calcadas na orientação, no encaminhamento, no aconselhamento,
no acolhimento, na humanização das relações pessoais.
É nesse sentido que ao Serviço Social cabe:
ƒ Apreender – nas suas relações e conexões -, explicitar e dar respostas às diferentes
expressões da questão social presentes na área da saúde, para além do sofrimento
físico e psíquico;
ƒ Criar condições para que a passagem pelo Serviço Social capacite, incentive e
contribua na mobilização e organização dos usuários na luta pelos seus direitos individuais e coletivos - conquistados e a serem ampliados, em todas as áreas;
diferente do simples acesso a um recurso;
Ao contribuir para ampliar, facilitar e realizar o acesso aos direitos, os assistentes sociais
podem trazer ganhos para os usuários a partir de uma prática que:
ƒ Resgata o exercício de uma consciência social: consciência do direito do cidadão e do
dever do Estado;
ƒ Resgata o exercício de uma consciência social sobre a saúde: consciência da saúde
como direito do cidadão e dever do Estado;
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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ƒ Efetiva a atenção aos trabalhadores por intermédio de ações de promoção, proteção
e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas;
ƒ Fortalece o caráter público das ações e serviços da seguridade social e dos direitos
sociais e a responsabilidade do Estado, definida na Constituição Federal;
ƒ Fortalece as ações e serviços de atenção básica – PSF/PACS/PSs - e seu papel como
porta de entrada do sistema de saúde na oferta de atenção integral;
ƒ Fortalece o desenvolvimento de ações integradas entre as políticas que asseguram os
direitos sociais, ampliando a abrangência da seguridade social, na busca de uma
seguridade social ampliada;
ƒ Uma prática na saúde, que rompe com práticas individualizantes – nos moldes da
prática clínica -, rompe com práticas de favor, de ajuste, de ajuda, de dominação, de
controle. Rompe com práticas que favoreçam a ocultação de conflitos e a exploração
do trabalho, de busca de consenso e consentimento, de disciplinarização dos
“superfluos”. Ou seja, uma prática que rompe com práticas despolitizantes em favor
do fortalecimento da luta dos segmentos majoritários das classes trabalhadoras
porque quem tem força política não demanda: pleiteia, exige, passa a ter mais força
nas negociações;
ƒ Uma prática na saúde que garante a atenção prestada pelos assistentes sociais à
questão social e não às suas diferentes expressões de forma fragmentada;
ƒ Uma prática na saúde que contribui para a mudança de concepção - na profissão e
na sociedade - com relação ao que é necessário para o enfrentamento da questão
social e do sofrimento social: questão social que se enfrenta com TEORIA e não com
trabalho voluntário; se enfrenta contribuindo para a mudança das condições de vida e
de trabalho dos trabalhadores e não somente com acolhimento e humanização do
atendimento; se enfrenta atuando sobre estruturas perversas e contraditórias e não
sobre indivíduos isolados, comportamentos, conseqüências, idéias e representações
sociais;
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
ƒ Uma prática na saúde que contribui para a transformação dos espaços profissionais e
das instituições em espaços públicos onde os usuários possam decidir sobre a gestão,
exercer o controle social, controlar a utilização de recursos;
ƒ Uma prática que, conseqüentemente, reforça os ganhos constitucionais e o projeto
ético-político hegemônico do Serviço Social;
É frente a esta realidade, aparentemente desarticulada e fragmentada, que se faz
necessária, para os assistentes sociais que têm como objetivo realizar uma prática articulada
aos interesses e necessidades dos diferentes segmentos da classe trabalhadora, a clareza de
que tais objetivos só serão alcançados colocando-se como fim último a meta marxiana de
apropriação dos meios de produção pelos próprios produtores, a única forma de se extinguir
das relações humanas a exploração do homem pelo homem, tendo como base uma
organização social em que a produção esteja voltada para as necessidades dos trabalhadores
e não para as do capital. Uma ação profissional a partir destas referências não condiz com
uma prática que se reduza ao acolhimento e à humanização das relações sociais capitalistas.
É nessa direção que o tempo dos usuários, nas unidades de saúde ou em qualquer espaço
social, é um bem precioso, tanto para os usuários – que, usufruindo os conhecimentos e
saberes que permeiam aqueles espaços, têm a possibilidade de exercer e exercitar seus
direitos e suas lutas -, quanto para os profissionais - para dar vida aos conhecimentos que
portam a partir de um atendimento de qualidade na direção dos objetivos propostos.
Caminhar na direção do projeto ético-político dos assistentes sociais possibilita aos
assistentes sociais contribuir para enfrentar o grande desafio que coloca a luta contra o
projeto capitalista neo-liberal: promover uma interlocução entre os setores organizados da
sociedade que buscam a radicalização da democracia e superação da organização social
capitalista e expressivos segmentos dos trabalhadores que não têm condições, num primeiro
momento, de se organizarem19.
19 - Tomamos como base as afirmações de Coutinho, que assim se expressa: “promover uma interlocução entre os
setores organizados da sociedade, interessados num projeto alternativo, e os setores excluídos que não têm condições,
num primeiro momento, de se organizarem”(Coutinho, 2000:128).
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Serviço Social e Práticas Democráticas na Saúde
Ana Maria de Vasconcelos
Quem não conhece está condenado à subalternidade, a menos que repetir; a ousadia
nas proposições é interditada. Como diz o poeta:
"Os poderosos não podem deixar solto alguém que saiba da verdade, mesmo
que seja sobre as estrelas mais distantes!" (B. Brecht).
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