Mauro Salles
A
Revista da ESPM transcreve parte do depoimento gravado por Mauro Salles para o
Instituto Cultural ESPM em fevereiro de 2003. Nele, Mauro relata como se deu o início de
sua agência, a Mauro Salles Publicidade – hoje Publicis Salles Norton, parte do Publicis
Groupe internacional.
Este relato, além da contribuição profissional que representa e descreve um grande
evento do que chamaríamos hoje de marketing promocional, em plenos anos 60, é,
também, de inegável interesse histórico, pelo registro do estado-da-arte da propaganda e
das condições sociais e econômicas da época em que nasceu uma das principais
agências de propaganda brasileiras.
O texto foi transcrito do depoimento de Mauro e passou por pequenas revisões para
permitir maior clareza e concisão, sem perda da espontaneidade de um discurso “ao vivo”.
(JRWP)
18
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
Uma lição ainda hoje atual: o lançamento do Itamaraty, o primeiro carro de luxo brasileiro, em 1965
Uma hojeainda
atual
lição
:
o lançamento
do Itamaraty,
o primeiro carro
de luxo brasileiro,
em 1965
“F
oi na época em que era
diretor de redação de O
Globo – no início dos anos
60 –, eu viajava bastante, sempre com as passagens pagas
pela empresa – era um jornal
muito sério nessas coisas.
Quando minha missão acabava,
eu ficava uns dias mais – onde
fosse – e comecei a visitar
agências de propaganda. Uma
das primeiras foi a McCannErickson – presidida por um
brasileiro, que era o Armando de
Moraes Sarmento, em Nova
Iorque – e comecei a interessarme – nos jornais que visitei, nas
FOTO
SALLES
televisões, nas ligações entre os
departamentos comerciais com
as redações. Quando voltei de
uma dessas viagens, tive o meu
primeiro job jornalístico-publicitário. O Emil Farhat e o nosso
eterno diretor de mídia da
McCann, Altino João de Barros,
chamaram-me para uma conversa. Eu tinha uma coluna sobre
automóveis e aviões n’O Globo –
numa revista semanal – para a
qual trouxe uma porção de coisas
do exterior, testes de carros (fui
eu quem os trouxe para o Brasil;
o pessoal acha que eu inventei,
mas não inventei nada, copiei,
adaptei). Havia um redator na
Mechanics Illustrated, e o
prestígio dele e desses testes era
enorme, e fazia tudo na gozação:
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
19
Mauro Salles
abrir a porta de um Buick para
você não significa nada, mas para
um homem de 120 quilos, como
eu, isso é importante, você não
consegue entrar num Buick de
jeito nenhum... Ele fazia essas
gracinhas, e eu comecei a fazer
as mesmas coisas. Quando fui
fazer o teste de um Dauphine,
escrevi que a Willis poderia ter
tido pelo menos alguma
preocupação em ser diferente do
Dauphine francês – e não fazer a
mesma coisa com aquela caixa
de marcha, que parecia uma
agulha de tricô num pudim de
caramelo, tão solta que ficava...
Os caras ficavam furiosos, mas o
público gostava. Havia um
trabalho a ser feito para a General Motors, um trabalho jornalístico-publicitário, e o Altino me
convidou. Eu estava bem precisando de uma grana – eu nunca
fui um bom negociador em meu
próprio benefício, agora melhorei
um pouco – e perguntei quanto
ele ia me pagar. Ele perguntou
quanto eu queria, e eu disse que
ele teria que dizer o preço, fiz um
pouco de charme, tinha feito meu
calculo, sei lá, de que ia ser dois
e aí o Altino ofereceu dez. Nunca
tinha ouvido uma oferta daquele
tamanho; ele ficou com medo que
eu fosse negar e subiu para
quinze – eu aceitei logo, antes
que mudassem de idéia!
Foi assim que descobri que
havia um mercado, na propaganda – e que nesse mercado
pagava-se bem. Aí, houve um
outro momento, quando a
Alcântara Machado perdeu a
conta da Volkswagen para a
Proeme (do nosso Otto Scherb).
O José de Alcântara Machado
estava arrasado... Mesmo assim,
conseguiu, através das boas rela20
“Eu tinha
uma coluna
sobre
automóveis
e aviões
n’O Globo.”
ções que tinha com o Corduan e
o Schulz-Wenke [presidente da
VW], manter uma conta que não
existia, pois ficou com a “conta
institucional”. O resto foi para a
Proeme. O Alex e o Corduan me
convidam para tomar um drinque
no Bar do Jaraguá, que era uma
espécie de sede institucional do
Otto Scherb e do Corduan – onde
tomavam uns uísques. Disseramme o seguinte: “Temos a conta
institucional, precisamos dar uma
qualidade diferente e vamos fazer
um projeto. Queríamos que nos
ajudasse a recuperar a outra
parte da conta, você topa?” Eu
disse: “Topo, mas só tenho livre
um dia por semana” Minha folga
era na quarta-feira. “Então eu
vendo para vocês a quarta-feira,
pego o primeiro vôo, das seis e
meia da manhã, e volto no último,
“Nunca fui
um bom
negociador
em meu
próprio
benefício,
agora
melhorei um
pouco.”
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
que é o das onze da noite,
trabalho o dia todo na Alcântara
Machado”. Fui conhecendo as
pessoas, vendo como se fazia
plano, havia cópia de um plano
da Chevrolet... Fui apresentado,
no dia seguinte, ao Alfredo Carmo
– tinha também um francês,
ótimo, era genro do que ia ser
Ministro da Fazenda do Paraná.
Ah, e tinha aquele, que foi
planejador na Alcântara Machado, durante muitos anos, o Helio
Silveira da Mota, e eu fiquei
impressionado com a qualidade
dos três. “Se é para ser o redator
e o coordenador disso, eu entro.”
Eu estava precisando trocar o
apartamento que tinha, de dois
quartos, por um de quatro
quartos, e não tinha o dinheiro.
Então fiz a conta de quanto
precisava para o apartamento,
eram sete meses, ia comprar meu
apartamento... E fiz o tal trabalho
para ser apresentado ao Juan
Corduan, que dirigia as comunicações da Volkswagen – desse
trabalho, eu até hoje guardo
cópia. Era um plano formidável,
não só para aparte institucional,
mas para a parte de produto, e
tive opurtunidade de dizer ao
Schulz-Wenke, ao insistir que ele
tinha que assistir a apresentação,
não só a da conta institucional,
mas da conta de produto também. Para encurtar a história, não
só foi aprovado, como a conta
voltou toda para a Alcântara
Machado – e eu virei herói. As
pessoas têm pouca lembrança
do José de Alcântara. Dizem:
“Ah, não era publicitário, não, era
só um lobista...” O José de
Alcântara foi um coordenador
formidável, um homem que sabia
delegar, tinha a visão de buscar
as pessoas certas. A gente não
Uma lição ainda hoje atual: o lançamento do Itamaraty, o primeiro carro de luxo brasileiro, em 1965
pode deixar de dar a ele uma
importância muito grande na
propaganda brasileira, porque
tratou essas coisas com absoluto
profissionalismo. Mexia comigo,
dizia que eu o estava explorando...
Inventei coisas diferentes
também. Por exemplo, o SchultzWenke não era conhecido no Rio.
Produzi uma festa para ele, no
Country Club, veio toda a sociedade
carioca, ele conheceu todo mundo,
autoridades que ainda moravam no
Rio... Mas a festa ficou mais
famosa porque nela entrou um
penetra fantástico, era um
“penetra profissional” – muito
inteligente – que penetrava as
festas do Rio, mas ninguém dava
muita bola para ele. Estavam
querendo expulsar o penetra e eu
disse: “Convida ele para a sua
mesa, vai dar notícia...” O Schulz
convidou o penetra para a mesa,
o penetra aceitou, mas pediu que
nunca se repetisse aquilo, na
vida dele, porque desmoralizava
a profissão de penetra. Ele podia
ter a sua carreira prejudicada por
causa disso. Aquela consagração
estava absolutamente contra as
regras éticas da profissão que ele
adotara. Era penetra em batizados, casamentos, alguns funerais e de todas as festas, desde
que o menu e o local o agradassem. Era sinal de prestígio, a
festa em que tentava penetrar...
Aí, evidentemente, eu já
estava encantado com a propaganda. Começou a fase final de
montagem da TV Globo. Mas,
pouco tempo depois da inauguração, surgiu uma nova oportunidade. Na minha função de
cronista de automóveis, eu tinha
uma ligação muito grande com os
Capa da revista Manchete de dezembro de 1965
presidentes das empresas: eu fui
amigo do Schulz-Wenke do Max
Pearce, do Alfred Jurzykowsky,
que era o homem da Mercedes,
e eu batizava nomes de carros;
fui eu quem criou o nome
“Descobri que havia um
mercado, na propaganda – e que
nesse mercado pagava-se bem.”
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
21
Mauro Salles
Interlagos; criei o nome Jangada
para a Simca... Quando a
Volkswagen e a Willis, para
atender ao pedido da Caixa
Econômica, de fazer um carro
barato, sem frisos, sem nada, eu
batizei os dois: chamei o
Volkswagen de “Pé de Boi” e o
Dauphine de “Teimoso” – eu me
divertia com essas gracinhas.
Ajudei a batizar de “Candango”,
o jeep da Vemag, também do
Toledo Piza. Foi quando o Max
Pearce me chama, como cronista
de automóveis – pois continuava
escrevendo – para mostrar como
iria ser o novo Aero Willis Luxo.
Isso foi em agosto de 65 – e o
carro ia ser lançado em novembro. Ele me mostrou o carro, o
estilo, e depois ia mostrar a
campanha da Norton, para o
lançamento. Isso foi antes do
almoço. Naquele tempo, costumava-se dizer que as fábricas de
automóveis eram restaurantes
cercados de linhas de montagem
por todos os lados. O restaurante
da Willis era muito bom, o da
Volkswagen ainda melhor (não
tinha caviar, mas tinha umas
coisas interessantes, tinha gente
finíssima, o Euclides Aranha,
Paulo Quartim Barbosa). Quando
acabou, eu fui para a fábrica e,
no almoço, perguntaram: “O que
é que você achou?” Respondi:
“Acho que vocês estão dando um
furo na água, vocês não entendem nada, nem daquilo que vocês
representam.” Nos Estados Unidos, quando se fazia um carro
com up-grade, a lição que a
gente aprendeu lá era mudar o
nome, ou seja, você tem o Ford e
o Mercury – o Mercury é um Ford
melhorado. Você tem o Plymouth
e o Packard, o Packard é um
Plymouth piorado.... Você tem o
22
“O restaurante da Willis era
muito bom, o da Volkswagen
ainda melhor.”
Chevrolet e o Pontiac. Então,
continuei: “não há como vocês
chamarem isso de Aero Willis,
que, hoje, é o carro do povão, do
motorista de táxi. O que vocês
estão querendo – já que existem
esses obstáculos à importação –
é um carro de luxo, que vai custar
mais caro, para atrair gente mais
luxuosa. Você não vai poder dizer
“o meu é um Aero Willis que não
é um táxi”. Tem que mudar o
nome desse troço. Quando quiseram mostrar a campanha, eu
disse: “Nem me mostrem a campanha da Norton, porque a
campanha vai estar errada porque o nome está errado.”
É evidente que o Sr. Frank
Erdmann – que depois veio a ser
vice-presidente mundial da Ford,
foi Presidente da Ford Austrália,
da Ford Japão, um craque – fez
aquilo que americano faz: “Ah, é?
Então diz como é que tem que
ser.” Eu: “Você me dá uma
semana e trago um projeto para
esse carro. Com uma condição:
estou querendo sair da TV Globo
– porque o Dr Roberto Marinho é
uma pessoa que não entende as
coisas. Eu ofereci a ele uma
“Era um
‘penetra
profissional’ –
muito
inteligente.”
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
oportunidade formidável de ser
meu sócio, de eu entrar de sócio
na TV Globo, e ele disse que os
únicos sócios que ele tem lá são
os três filhos, os dois irmãos e o
Dr. Herbert Moses, que foi
companheiro do pai dele ao
fundar O Globo. Como poderia ter
o Mauro Salles de sócio? “Então,
Dr. Roberto, estou, a partir desse
momento, liberado, porque vou
sair da TV Globo.” Ele perguntou:
“Você vai fazer um Jornal?” “Não
há a menor condição, não tenho
dinheiro nem espaço para fazer
um jornal; não vou fazer uma
revista e muito menos fazer uma
TV ou uma rádio, mas vou
procurar fazer uma empresa de
comunicação – ou um agência de
notícias – ou uma agência de
propaganda.” “Mas você nunca
fez propaganda...” Eu disse: “Vou
tentar.” Ele riu. Então eu disse ao
pessoal da Willis: “Em uma
semana eu trago o projeto. Mas,
se vocês o aprovarem, eu quero
toda a conta da Willis Overland
do Brasil, para abrir uma agência.” Riram bastante, acharam
ótimo e fecharam.
Naquele tempo, uma coisa
muito importante, no Brasil, era
a escolha das “Dez mais Elegantes”, uma promoção do [cronista social] Ibrahim Sued. Ele
tinha sido de O Globo – mas foi
para o Diário de Notícias, era o
Ibrahim Sued, do Diário de
Notícias e Manchete. No fim do
ano ele apresentava As Dez mais
Elegantes, num grande jantar.
Uma lição ainda hoje atual: o lançamento do Itamaraty, o primeiro carro de luxo brasileiro, em 1965
Havia ícones, por exemplo, como
o “Casal Vinte”. Em paralelo,
havia “Os Dez mais Elegantes”,
e a Dona Tereza de Souza Campos
e o seu marido – “Didu” – ambos
faziam parte dos dez mais
elegantes, eram o Casal Vinte. Se
naquele tempo houvesse a
revista Caras, eles viveriam em
festa permanente... Aí eu fui ao
Ibrahim, disse que a festa dele
era uma festa furreca e propus
fazer a maior “Dez mais Elegantes” do mundo. “Não. Você vai
querer interferir.” “Não vou interferir em nada, você escolhe as
dez mais elegantes, eu vou lançar
um carro nesse dia. A gente faz
uma festa, os americanos é que
vão pagar, a gente manda eles se
esconderem porque eu não quero
eles nas fotos...” Aqueles
americanos usavam aqueles
sapatos que a gente chamava de
“esmaga sapo”, são os únicos
sapatos que têm corrimão, ou
então que têm platibanda; são
feios, você vai pôr os caras na
primeira fila, só porque estão
pagando? Eu quero ver é a Ilde
Caravaglia, as moças, as senhoras bonitas. “Não se preocupe. A
gente esconde eles, faz uma baita
festa, faz um leilão do carro 001
em benefício de alguma coisa, faz
as fotografias delas e o nome que
eu vou sugerir, Ibrahim, é
ITAMARATY, com Y, porque com
I é cafona, e aí vamos fazer esse
Itamaraty ser apresentado nas
fotografias das Dez mais
elegantes, no Palácio Itamarati”.
O Itamarati não era mais o
Ministério das Relações Exteriores que já tinha ido para Brasília,
mas ainda era uma Delegacia do
Ministério das Relações Exteriores. Imediatamente eu pedi o
registro da marca “em nome e por
conta” da Willis Overland do
Brasil, mesmo sem ter a
procuração deles, eu registrei a
marca em seu nome. O Ibrahim
topou e nós fomos chamar o
“Uma coisa
muito
importante, no
Brasil, era a
escolha das
‘Dez mais
Elegantes’.”
fotógrafo, o Francisco Albuquerque, que era um fotógrafo de
propaganda – Chico Albuquerque
– ele estava no Ceará. Eu disse
ao Chico que ele iria fotografar
as Dez mais elegantes, no
Itamarati. Vai sair na capa da
revista Manchete e vamos fazer
o seguinte: vamos pegar uma
instituição (que no caso foi a
AACD do Rio de Janeiro) para a
qual irão a renda da festa, a renda
do leilão e os cachês das 10 mais
elegantes, que vão posar ao lado
do carro; vamos fazer um cachê
uniforme, todas elas receberão a
mesma coisa. Fiz apenas um
pedido ao Ibrahim: que colocasse
uma Princesa. Ele foi contra, mas
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
23
Sra. Gustavo Capanema Filho
Mauro Salles
eu argumentei que ele não estava
vendo as princesas com o devido
olhar, etc., insisti. Para encurtar
a história, ele próprio se lembrou
da Dona Fátima de Orleans e
Bragança, que não era exatamente uma senhora bonita, mas
era uma senhora muito elegante,
que topou. Todas toparam. Então,
volto para a Willis na semana
seguinte – já tinha convidado e
fizeram parte desse meu pré-
24
projeto o Manoel Leite e o Bias
de Faria. Foram os dois que
“Mas você
nunca fez
propaganda...”
Eu disse:
‘Vou tentar.’
Ele riu.”
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
participaram comigo do projeto e
me assessoravam. Um pouco
indiretamente, o Nemércio
Nogueira, que já trabalhava em
relações públicas e era meu
amigo.
Fui à Willis apresentar o
projeto na semana seguinte, fui
sozinho, e tinha 8 pranchas, não
tinha nada mais que isso, foi
aprovado na hora e com aplausos. Um amigo do Manuel Leite
havia feito os leiautes. Então, o
que aconteceu? Eu trouxe essa
coisa e fiz uma proposta mercadológica: “Vocês estão querendo
vender, desse “Aero Willis Luxo”,
300 unidades-mês”. A marca
vendia 3.000 unidades-mês,
portanto eles queriam um acréscimo de 10%. “A diferença de
preço que estava prevista por
vocês era – sei lá – uns 15%. Pois
eu tenho duas propostas:
primeira, elevem esse objetivo
para 500, segundo, vão aumentar
o preço do carro. Mas tudo que
vocês chamaram de “opcional”
passa a ser obrigatório; quer
dizer, todos terão de ter banco de
couro verdadeiro, todos terão de
ter rádio, terão ar condicionado
e todos terão de ter banda
branca. Isso vai aumentar X por
cento, mas o preço, aí vocês têm
de elevar para mais de 25% a
diferença. Foi a única coisa em
que eles começaram a brigar; eu
assisti à briga, mas o diretor
comercial da Willis me disse que
fazia sentido.
A mecânica do que aconteceu
foi a seguinte – em linguagem
técnica, há uma expressão que é
“Ec-Profit”, Economic Profit, ou
seja, o lucro econômico da linha
Willis subia assustadoramente
com a nova linha. Aí o Sr. Max
Pearce resolve fazer o sumário e
Uma lição ainda hoje atual: o lançamento do Itamaraty, o primeiro carro de luxo brasileiro, em 1965
“Fiz apenas
um pedido ao
Ibrahim: que
colocasse
uma Princesa.
Ele foi
contra.”
diz: “Olha Mauro, tá bem, a conta
do Itamaraty é sua, e você vai
abrir essa agência, você conversa
com o Murray – que era o diretor
financeiro – para ver como faz
isso, eu lhe dou uma carta....”
Então eu disse: “Um momento.
Estou dando para vocês de
presente essa campanha; vou
escrever nesse papel o telefone
do Ibrahim Sued, mas eu não
estou mais no projeto.” “Por
quê?” “Porque eu quero a conta
toda, eu só saio da TV Globo para
abrir uma agência que tenha toda
a conta da Willis...” “Mas Mauro,
a Norton nos presta um bom
serviço...” “Não quero saber se
presta um bom serviço ou um
mau serviço, estou querendo
saber se vocês querem apostar
no futuro ou no passado.”
Levaram 4 dias brigando, tentando me convencer a ficar só com
uma parte da conta; no quinto dia
vieram perguntar quanto eu ia
precisar. Eu disse: “Nada, só
preciso que vocês concordem em
ser sócios com 20%. Quero criar
a empresa e, na escritura, quero
por – sócios: Mauro Salles, Luiz
Sales, Apolônio Salles, com 80%
e a Willis-Overland do Brasil S/
A, 20%. Vamos fazer um “capital
cacareco”; todos integralizam, ou
seja, eu integralizo esse capital
cacareco e vocês também – eram
10.000 dólares esses 20% – e
vocês designam um diretor, a
empresa – a sociedade, limitada
– vai ter só três diretores: eu, Luiz
e um diretor da Willis. E eles
indicaram o diretor jurídico da
Willis, que era o Prof. Flavio
Monteiro de Barros, jurista, um
sujeito formidável, que é meu
amigo até hoje. Aí peguei essa
coisa, fui ao banco e disse: “Eu
tenho isso, tenho esta carta que
me dá a conta e agora eu quero
dinheiro emprestado”.
O lançamento do Itamaraty foi
um grande sucesso, com um
detalhe interessante: foi quase
tudo promoção; fizemos apenas
um anúncio convencional.
Assim nasceu a Mauro
Salles, que, no primeiro ano, não
dava tempo de montar do zero;
então comprei o controle de uma
agência que pertencia ao Carlos
Cavalcanti, e incorporei o Carlos
Cavalcanti ao time; nós começamos a operar no segundo
semestre de 1965, para montar
essa festa e lançar o carro, através dessas outras empresas, e a
“O lançamento do Itamaraty
foi um grande sucesso, com um
detalhe: foi quase tudo
promoção; fizemos apenas um
anúncio convencional.”
As dez mais elegantes
de 1965
Ibrahim Sued foi buscar as suas “Dez
Mais” de 1965 na nobreza, na
diplomacia e no “top set” de Paris, Rio
e São Paulo. A lista inclui as Senhoras
Carmem Solbiati Mayrink Veiga,
Marjorie Mesquita, Angelina Muniz de
Sousa, Andrea Moroni, Princesa Dona
Fátima de Orleãs e Bragança,
Embaixatriz Teresa Castelo Branco,
Sílvia Amélia Marcondes Ferraz, Ana
Luísa Capanema, Teresa Sousa Campos
e Josefina Jordan.
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
25
Mauro Salles
“Não façam
Embaixatriz Antônio Castelo Branco
isso, porque
essas pessoas
não me
conhecem, eu
vou tentar
conquistálos.”
Mauro Salles nasceu mesmo em
1966, quer dizer, juridicamente
ela nasceu, fez as fusões, etc., e
de lá para cá não havia um único
ano em que ela não tivesse lucro,
administrado, certificado. Depois
ela cresceu bastante e fez a
primeira fusão importante do
mercado brasileiro, quando se
fundiu com a Inter-Americana...
26
Gostaria de acrescentar só
mais um ponto. Quando a
agência nasceu, e foi quando a
Willis tirou a conta da Norton,
pessoas como Rodolfo Lima
Martensen, da Lintas, David
Monteiro, da Multi e o próprio
Geraldo Alonso – que eram
pessoas sérias – ficaram
revoltados. A APP, a ABAP e o
Sindicato das Agências emitiram
uma nota esculhambando a
Willis: “Evidentemente, o anunciante tem todo o direito, mas
tirar de empresas que são
especializadas, para um
profissional que, por mais
destaque que tenha tido, etc. e
tal, é um “advena” na
Propaganda” – foi a expressão
que usaram. Mais três
parágrafos mencionavam a
necessidade de o mercado
proteger-se contra os “arrivistas”
da profissão. Quando saiu o
comunicado, o diretor jurídico da
Willis, que era o Sergio
Junqueira, e o Max Pearce me
“Rodolfo Lima Martensen, da
Lintas, David Monteiro, da Multi
e o próprio Geraldo Alonso –
que eram pessoas sérias –
ficaram revoltados.”
Revista da ESPM – Maio/Junho de 2003
Uma lição ainda hoje atual: o lançamento do Itamaraty, o primeiro carro de luxo brasileiro, em 1965
“O Geraldo,
ser seu amigo.” “Então, tá bem”,
ele disse. E o Geraldo acabou
sendo um grajde amigo meu, a vida
toda.
acabou sendo
um grande
amigo meu, a
vida toda.”
chamaram, que iam dar uma
resposta pública. Mas eu pedi:
“Pelo amor de Deus, não façam
isso, porque essas pessoas não
me conhecem; eu vou tentar
conquistá-los. Vocês vão ver – eu
ainda serei presidente dessas
entidades todas, não atrapalhem!” E eu vim a ser presidente
de todas essas entidades. O mais
sério é que o Geraldo Alonso me
chamava de “Pistoleta”: “Esse
Pistoleta me tomou a conta.” Me
espinafrava toda vez que eu
encontrava com ele. Um dia,
finalmente, convidei-o para um
almoço, que ele não queria
aceitar, e disse: “Olha aqui, Geraldo, você é uma pessoa séria,
uma pessoa que eu admiro, você
está no mercado e eu estou também; todo o seu ressentimento,
eu entendo, mas é negócio. Então
você pode tentar não ser meu
amigo por muito tempo, até você
cansar, porque eu faço questão de
Carmen Mayrink Veiga
“Nem me mostrem a campanha da
“
Norton, porque a campanha vai
estar errada.”
Quem
éo
autor
* Mauro Salles – é um dos mais conhecidos e respeitados profissionais de
Comunicação do Brasil. Participou da fundação da TV Globo e fundou a mauro
Salles Propaganda em 1965.
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Mauro Salles
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