A palavra «Esparta» ainda hoje nos diz algo. Falamos de simplicidade espartana, de autocontrole
espartano, ou ainda de dieta espartana, muitas vezes sem pensarmos no conceito, de dedicação humana
que essas expressões encerram. Cantado por poetas e relembrado por historiadores. O valor da antiga
Esparta, pequena cidade-estado do sul da Grécia, que criou um sistema de disciplina coletiva inigualável
e se tornou um centro de influência para os povos limítrofes, tem sido uma inspiração para homens e
nações através dos séculos.
«Não pensemos que um homem difere muito de seu semelhante», declarou um rei espartano aos
seus compatriotas que partiam para a guerra, «mas que o melhor será aquele que for treinado na mais
rigorosa disciplina; esta é a regra que nossos pais nos legaram.» Celebrados por sua coragem pelos
compatriotas gregos, os espartanos constituíam uma raça à parte. Ao contrário da aristocrática e
sofisticada Atenas, Esparta foi feita de ferro e não de ouro. Nisto se baseou sua força ... e depois sua
ruína.
Descendentes dos conquistadores dórios, que emigraram do norte em tempos pré-históricos, os
espartanos estabeleceram-se num aglomerado de cinco aldeias na recortada região do Peloponeso. Por
volta do ano de 600 a. c., quando surgiram na história, já se tinham apoderado de uma planície vizinha,
escravizando a maioria dos camponeses.
Só cerca de 8 mil, dos 50 mil habitantes de Esparta, eram considerados autênticos espartanos com
direito a integral cidadania; todos os outros eram servos .e povos alforriados das aldeias dos arredores.
Os servos cultivavam os campos (freqüentemente, como meeiros) ou trabalhavam na cidade como
carpinteiros, cozinheiros, oleiros, ferreiros - sendo seus mestres impedidos por lei de exercer qualquer
profissão ou comércio. Os servos deviam usar gorros de pele de cachorro para serem mais facilmente
identificados. Como pertenciam ao Estado, não podiam ser comprados ou vendidos; mas, sendo muito
turbulentos, estavam sempre prontos para a revolta. Foi provavelmente com o fim de subjugá-los que
Licurgo (o «Espanta-lobos»), lendário legislador de Esparta, redigiu a famosa constituição do Estado.
Esparta era um reino hereditário, cujo território se estendia «até onde alcançassem as lanças dos
espartanos». Era governada conjuntamente por dois reis cujas dinastias tinham parentesco afastado e se
diziam descendentes do próprio Hércules. Um dos reis recebia a missão de conduzir o exército aos
campos de batalha, ladeado por um grupo de guarda-costas de que faziam parte campeões olímpicos; o
outro, por sua vez, comandava a defesa da cidade.
A autoridade real era controlada por um senado cujos 28 membros eram escolhidos por
aclamação entre os cidadãos mais velhos. A administração cotidiana era confiada a cinco magistrados, ou
éforos. Eleitos por um ano, tinham poder para disciplinar o rei e, pelo menos uma vez, mandaram matar
um por crime de "traição; outro rei foi multado 'por se ter casado com uma mulher pequena que daria ao
mundo uma «raça de reizinhos». Os espartanos livres, do sexo masculino e de mais de 30 anos,
formavam a Assembléia, que se reunia uma vez por mês, na lua cheia, para aprovar ou vetar o que a
legislação principal tinha em pauta. Os Pares, como orgulhosamente se denominavam a si mesmos os
espartanos livres, eram sujeitos a um sistema de conduta cuja rigidez suportavam de boa vontade. Ser
saldado era o destino de todos eles. O menino recém-nascido tinha de ser apresentado a um conselho de
anciãos que lhe concedia ou negava o direito de continuar vivendo. Os fracos eram abandonados e os
deixavam morrer num precipício fora da cidade.”
Enquanto estava aos cuidados da mãe, o menino era educado para não chorar quando estivesse
sozinho e para não ter medo do escuro. Aos sete anos, era mandado embora de casa para se juntar a um
«bando». Talvez aprendesse a ler e a escrever um pouco, mas a educação espartana dava mais
importância às «coisas de que os meninos precisarão quando forem homens». O jovem devia tornar-se
um indivíduo «bondoso de coração e altivo no orgulho pela luta». Tinha que enfrentar testes de
resistência em brigas. Para enrijecer dormia sobre juncos que ele mesmo tinha colhido às margens do rio
Eurotas. Depois de completar 20 anos, andava descalço e usava uma túnica durante o ano inteiro, até no
inverno. Ensinavam-lhe .a expressar-se concisamente, com brevidade lacônica (assim chamada “em
razão de Lacônia, a região onde se localizava Esparta)”. Aprendia também a suportar as dores em
silêncio. Conta-se à história de um jovem espartano que roubou uma raposa. Surpreendido por algumas
pessoas, ele escondeu o animal debaixo da túnica, deixando que este o mordesse até “a morte para não"
trair o segredo.
Os adolescentes espartanos eram abandonados no campo, tendo de roubar para arranjar comida, com isso
tornando-se bons batedores para o exército. À medida que envelheciam, iam constituindo unidades
paramilitares que se empenhavam em exercícios rigorosos, entre Os quais o de aprender a manejar
armas. Aos 18 anos, ingressavam no serviço militar, ocupação em que se mantinham até os 60, mais ou
menos. No entanto, mesmo nessa fase, ainda permaneciam sob estrita vigilância.
"Antes dos 30 anos, não era permitido a um homem casar-se e constituir lar, e, mesmo depois
disso, sua independência não era absoluta; tinha de juntar-se a uma das numerosas confrarias" cujos
membros (geralmente 15) comiam num refeitório comum. Mesmo aos reis permitido comer em casa. dia,
quando um deles, quis jantar com sua esposa e pediu aos companheiros da confraria, que lhe mandassem
a comida, estes se recusaram. A admissão na confraria dependia de votação. Cada membro depunha uma
bolinha de pão dentro de uma tigela. Bastava que uma única bola fosse achatada para o pedido ser
rejeitado. Se nenhuma confraria o aceitasse ou se ele não pudesse contribuir com seu quinhão de
provisões, o espartano não poderia exercer seus direitos como cidadão livre.
As mulheres também compartilhavam da disciplina espartana. Os cosméticos e as roupas caras
eram proibidos. As moças deviam integrar equipes esportivas, e tanto os grupos corais como os de
danças ou os extenuantes exercícios de ginástica eram obrigatórios. Como as mulheres ficavam em casa
durante as freqüentes ausências dos maridos, muitas vezes elas administravam os negócios da família e
tomavam decisões próprias. Algumas conseguiram considerável fortuna em propriedades rurais Embora
famosas por sua beleza, raramente se casavam com homens de outra cidade. Quando disseram que elas
eram as únicas mulheres do mundo que dominavam os homens, sua resposta foi: «Somos as únicas que
sustentam os homens!» Eles respeitavam solenemente o modo de viver (e de morrer) dos espartanos.
Dizia-se que advertiam os filhos que iam para a guerra , dizendo: «Volta com o teu escudo... ou em cima
dele.» Os grandes escudos de combate, abandonados pelos covardes para que pudessem correr mais
depressa, serviam ás vezes de macas para transportarem mortos ou feridos.()
Os espartanos só tinham autorização para viajar quando iam tratar de assuntos oficiais, e os
visitantes estrangeiros eram recebidos com suspeita. Assim Esparta tornou-se a parte mais desconhecida
da Grécia, seus habitantes só eram encontrados nos campos de batalha j- e em mais nenhum outro lugar.
Esse isolamento era reforçado por uma rigorosa lei contra o uso de moedas de ouro ou prata que
circulavam livremente no resto da Grécia. O «dinheiro» espartano era constituído por toscos pedaços de
ferro, sendo necessária uma junta de bois transportar um valor equivalente a 200 dólares.
Qualquer ostentação era considerada perniciosa. Um rico oriental a quem tinha sido concedido
asilo político foi convidado a abandonar imediatamente a cidade quando tentou distribuir alguns vasos de
outro e prata em troca da hospitalidade espartana. Como os luxos eram proibidos, mesmo em casa, «não
valia a pena invejar a riqueza» O resultado dessa austeridade foi que os mercadores estrangeiros
deixaram de ir a Esparta vender suas mercadorias. As artes, que haviam. florescido anteriormente,
definharam e desapareceram .. Esparta tornava-se cada vez mais «espartana».
No entanto, apesar e sua abnegação, os espartanos eram um povo alegre. Para inveja de outros
gregos, que. moravam em «cortiços» superlotados escondidos por muros de proteção, os espartanos'
viviam em casas. de campo dispersas entre prados e jardins. Eram dedicados a seus lares e a suas
famílias. Segundo se conta, um homem que tinha ido fazer uma breve visita ao rei Agesilau foi encontrar
este rodeado pelos filhos, montado num cavalinho de pau. «Não diga nada aos nossos companheiros
espartanos ... a menos que também tenha, filhos pequenos», gracejou o rei.
Se os espartanos tivessem dado mais importância ao amor que à guerra, não teriam constituído
uma pequena minoria no meio de uma população hostil, e a implacável rivalidade das cidades-estados da
Grécia não os teria obrigado a enfrentar as armas e a sucumbir. Eles não eram melhores guerreiros que
outros povos; simplesmente sabiam suportar melhor a guerra. Quando caminhava pelo vale, ao, som
marcial das gaitas-de-fole, rodeado pelos irmãos, amigos e companheiros do grupo, o guerreiro espartano
sentia-se em seu ambiente. Deixava crescer os cabelos para «ficar com uma expressão mais aterradora».
Seu uniforme era uma túnica vermelha, na qual o sangue não se notava. Transportava lança, espada,
couraça e escudo de bronze. A espada era curta - o que obrigava a combates corpo a corpo. Um soldado
orgulhava-se de dizer que dava sempre ao inimigo a chance de distinguir o desenho que ele trazia
pintado no escudo: uma abelha em tamanho natural.
Em combate, o poderio dos espartanos residia nos seus hoplitas, soldados de infantaria pesada
que combatiam em fileiras cerradas, de oito ou mais homens, com os escudos tocando-se. Essa formação
inexpugnável, eriçada de lanças e coroada de elmos emplumados, podia fazer evoluções com a precisão
de um corpo de baile. Assim que um homem caía, outro ia ocupar o seu lugar. Os atos de falso heroísmo
eram severamente condenados. «Mostre menos fanfarronice e mais energia» era o que se dizia aos
exibicionistas. Certa vez, um homem estava atrapalhado com seu equipamento quando soou o sinal de
entrar em combate; saiu rapidamente da tenda seminu, agarrou a lança e, entrando na luta, trucidou
muitos inimigos. Seus superiores premiaram-no com os louros de herói, mas depois puniram-no por
infração da disciplina.
O lema de Esparta «Só o desprezo pela morte torna um homem livre» era aplicado tanto na paz
como na guerra. Um dia, quando alguns embaixadores da autocrática Pérsia pediram que lhes fossem
entregues água e terra, como símbolos de submissão, os espartanos os atiraram num poço, dizendo-lhes
que ali encontrariam muita água e muita terra. Depois, os espartanos arrependeram-se desse crime
odioso, e dois jovens, Espércias e Bulis, ofereceram-se para ir à Pérsia a fim de entregarem suas vidas
como expiação. Chegando à suntuosa corte persa, foi-lhes ordenado que se prostrassem diante do rei.
«Não viemos aqui para rastejar, mas para morrer», foi à resposta. Ouvindo isto, o rei Xerxes permitiu
que voltassem ilesos.
Quando a pequena Grécia foi ameaçada por um exército persa de meio milhão de soldados, no
ano de 480 a. c., suas duas principais cidades-estados, Atenas e Esparta, esqueceram a antiga rivalidade.
Formando uma aliança com as cidades menores, juraram defender a pátria comum. A Esparta foi
confiado o comando das forças gregas. Trezentos espartanos, criteriosamente selecionados (todos eles
pais de família e, portanto, cidadãos úteis), tomaram posições no estreito desfiladeiro das Termópilas
(Portões Quentes) entre as montanhas e o mar. A estrada que o atravessava era O único caminho para o
coração da Grécia, e sua defesa constituía a chave da vitória. Aos escárnios dos persas, que diziam
«Nossas .flechas escurecerão a luz do sol» “a resposta espartana foi: «Combateremos melhor à sombra!»
Durante dois dias, foram repelidos os ataques dos persas, e estes sofreram grandes perdas, mas um
traidor grego, não espartano, guiou um destacamento persa por um atalho da montanha que ia dar à
retaguarda das linhas espartanas. Os espartanos dos flancos, comandados pelo rei Leônidas, lutaram
primeiro com as lanças, depois com as espadas e, finalmente, com as mãos e os dentes. Foram realmente
dizimados, mas suas mortes heróicas encorajaram a imaginação de toda a Grécia e infundiram respeito
ao inimigo”.
Seus sacrifícios não foram inúteis. Um ano depois, o exército persa foi definitivamente derrotado
por tropas gregas comandadas por um general espartano. O perigo da Pérsia foi eliminado para sempre,
mas os gregos logo voltaram às suas antigas rixas. Durante 75 anos, Esparta e Atenas disputaram com
igual vigor a supremacia da Grécia. Por fim, Esparta predominou, mas mostrou-se incapaz de instituir a
paz. Em muitas das cidades-estados que passou a controlar, estabeleceu, rígidas ditaduras e conseguiu,
inclusive, eliminar até algumas cidades amigas. Chegou o dia em que, uma cidade de menor importância,
Tebas (que, com calma e tenacidade, tinha alcançado preponderância), desafiou a superioridade
espartana na batalha campal de Leutros, na Grécia central. Os tebanos eram menos numerosos e
apresentavam um front de pouca extensão, mas sua infantaria pesada estava na proporção de 50 para 12
em relação à dos espartanos. O tremendo impacto dessa massa de bronze e músculos foi suficiente para
desintegrar as fileiras espartanas - e fazer que Esparta perdesse a sua hegemonia.
As notícias da derrota chegaram a Esparta por ocasião do festival da juventude, a época mais
alegre do ano. O mensageiro foi encontrar os magistrados no estádio, assistindo à exibição dos coros de
meninos. Notificando calmamente a morte dos soldados aos parentes mais próximos, as autoridades
ordenaram a estes que fossem ficando por ali, sem. demonstrarem seu desgosto, e que compartilhassem
do júbilo geral, pois Esparta ainda não morrera.
Depois do declínio de Esparta, a Grécia ainda passou por muitas vicissitudes, até que a heróica
cidade finalmente desapareceu. Só depois que a Grécia se tornou independente, em 1830, é que uma
nova cidade foi fundada no mesmo lugar, em homenagem às glórias do passado. A nova Esparta (Sparti,
em grego moderno) é uma adorável cidadezinha comercial de cerca de 11 mil habitantes. No entanto,
provas da existência da antiga Esparta não encontramos ali mais do que algumas ruínas de pedra. Esparta
não nos. deixou palácios dourados nem templos faustosos; deixou-nos, sim, um grandioso ideal. Se
tentarmos resumir numa só palavra o que imortalizou a cidade, essa palavra será caráter.
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