UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA MARCELO ALVES DE PAULA LIMA Ecos da Giovinezza: leituras integralistas da “primavera fascista” Belo Horizonte Junho – 2013 2 MARCELO ALVES DE PAULA LIMA Ecos da Giovinezza: leituras integralistas da “primavera fascista” Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: professor Luiz Duarte Haele Arnaut. Belo Horizonte Junho – 2013 3 MARCELO ALVES DE PAULA LIMA Ecos da Giovinezza: leituras integralistas da “primavera fascista” Banca Examinadora ________________________ Professor Luiz Duarte Haele Arnaut Orientador ________________________ Professor Dr. Rodrigo Patto Sá Motta ________________________ Professor Raul Amaro de Oliveira Lanari Belo Horizonte Junho – 2013 4 A todos aqueles – amigos e desconhecidos – que saíram às ruas do Brasil nas últimas semanas com o sincero intuito de protestar contra as injustiças que acometem nosso país. Como minha monografia me impediu de estar nas ruas ao seu lado, dedica-la a vocês foi a melhor maneira que encontrei para redimir-me de minha ausência. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, de cuja presença nunca me afastei um só passo a despeito de todos esses anos na FAFICH. Agradeço a meus familiares: meus pais – Paulo e Selma – e meu irmão Flávio pelo apoio, pela presença constante e por acreditarem em mim. Obrigado por sempre terem sido, para mim, uma família, no melhor sentido do termo. Agradeço à Alessandra, minha companheira, pelo apoio, pela ajuda, pela paciência e por me acompanhar nas dificuldades e nas alegrias. Respondendo ao agradecimento que ela me fez na sua monografia, reafirmo que também é meu desejo que possamos seguir caminhando juntos. Agradeço a cada um dos meus colegas de graduação pelo companheirismo, por me ajudarem a crescer e por me acompanharem em um dos momentos mais importantes da minha vida. Desejo com toda a sinceridade que continuemos nos vendo. Agradeço a todos os professores que tive ao longo de minha graduação por contribuírem de forma tão significativa para a minha formação. Levarei comigo, para onde for, um pouco de cada um de vocês. Agradeço ao professor Luiz Duarte Haele Arnaut por aceitar me orientar nesse trabalho, pelos conselhos preciosos e principalmente pela paciência de ler minha monografia em meio ao turbilhão dos acontecimentos que tomaram nosso país nesse mês de junho de 2013. Eu sei o quão difícil foi desviar os olhos da televisão e da internet em meio a essa primavera brasileira – que, esperamos, não seja fascista! Agradeço ao professor doutor Rodrigo Patto Sá Motta e ao professor Raul Amaro de Oliveira Lanari pela disponibilidade de participar dessa banca. Por mais que vocês não saibam, as disciplinas que tive com vocês foram de fundamental importância para o desenvolvimento desse trabalho. Por fim, agradeço a você leitor: quem quer que seja, onde quer que esteja, que tenha se disposto a ler essa monografia por qualquer motivo que seja. Não existe texto sem leitor, e por isso a sua leitura também faz parte da produção desse trabalho. 6 RESUMO O objetivo deste estudo foi analisar de que maneira Gustavo Barroso, importante intelectual da Ação Integralista Brasileira, abordou a ascensão do fascismo no mundo em sua produção intelectual de cunho integralista. A maioria dos estudos acerca do pensamento de Gustavo Barroso dá enfoque ao seu antissemitismo, aspecto fundamental de suas obras. Sem ignorar o antissemitismo, concentramos nosso estudo em outro aspecto da produção barrosiana, enfatizando o entusiasmo e a admiração por meio dos quais esse pensador descrevia diferentes regimes e movimentos ao redor do mundo que ele considerava fascistas. Uma leitura atenta das obras integralistas do autor (escritas entre 1933 e 1937) nos mostrou que, considerando o liberalismo uma força decadente e o comunismo uma ameaça a valores como a família e a propriedade privada, Gustavo Barroso vislumbrou no fascismo a única saída para resolver os problemas que assolavam o Brasil e o mundo. Palavras-chave: fascismo, integralismo, Gustavo Barroso. ABSTRACT The aim of this research was to analyze how Gustavo Barroso, an outstanding intellectual from the Brazilian Integralist Action (Ação Integralista Brasileira), approached the rise of fascism in the world in his integralist writings. Most of the researches about Gustavo Barroso’s thought emphasize his anti-Semitism, a remarkable feature of his works. Without putting aside anti-Semitism, we focused our study in another feature of Barroso’s thought, stressing the enthusiasm and the admiration this author expressed as he described many movements and regimes in the world that he considered to be fascists. A careful reading of the integralist books of this author (written between 1933 and 1937) has showed us that, considering liberalism a declining force and communism a threat to values like family and private property, Gustavo Barroso saw in fascism the only way out to solve the problems that ravaged Brazil and the world. Keywords: fascism, integralism, Gustavo Barroso. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .........................................................................................................................8 CAPÍTULO 1 ...........................................................................................................................14 1.1 O fascismo e o mundo....................................................................................................14 1.2 A trajetória de Gustavo Barroso.....................................................................................19 1.3 O espírito do século XX.................................................................................................25 1.4 Rotschild é Trotsky: a desconstrução do antagonismo comunismo-capitalismo...........34 CAPÍTULO 2............................................................................................................................36 2.1 A “primavera fascista” de Gustavo Barroso ..................................................................36 2.2 Os Estados fascistas, corporativos e integrais ...............................................................44 2.3 Os Estados fascistas sem rótulo......................................................................................55 2.4 Estados de tendências fascistas......................................................................................60 2.5 Outros fascismos importantes........................................................................................63 CAPÍTULO 3............................................................................................................................72 3.1 O integralismo à luz dos fascismos................................................................................72 3.2 O integralismo e o mundo..............................................................................................87 CONCLUSÕES........................................................................................................................93 REFERÊNCIAS........................................................................................................................99 ANEXOS................................................................................................................................104 Anexo 1 .............................................................................................................................104 Anexo 2 .............................................................................................................................105 Anexo 3 .............................................................................................................................105 Anexo 4 .............................................................................................................................106 Anexo 5 .............................................................................................................................106 Anexo 6 .............................................................................................................................107 Anexo 7 .............................................................................................................................107 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo analisar o pensamento integralista de Gustavo Barroso (1888-1959), intelectual cearense que era uma das figuras de proa da Ação Integralista Brasileira (AIB). Seguindo uma linha ligeiramente diferente da maioria dos trabalhos que versam sobre o pensamento de Gustavo Barroso, nosso foco não será o antissemitismo do autor. Aqui nos empenharemos em compreender como esse importante intelectual interpretou, nas obras de sua fase integralista, os diferentes regimes e movimentos políticos de cunho fascista que emergiam ao redor do mundo nos anos 1920 e 1930. Tentaremos ainda entender como o autor abordou o próprio integralismo à luz dessas manifestações fascistas. Em um dos trabalhos dedicados à análise do integralismo de Gustavo Barroso, Roney Cytrynowicz afirma que o antissemitismo é indissociável dos escritos do autor nos anos 1930, figurando ainda como seu tema principal, em torno do qual giram os outros temas. 1 Seguindo essa lógica, esse trabalho busca se aprofundar justamente em um desses vários temas que, nas obras de Barroso, orbitam ao redor do antissemitismo. Não negamos que o antissemitismo tenha tido um papel central no pensamento do autor. Só estamos atentando para o fato de que sua produção integralista é riquíssima, reunindo elementos que vão muito além desse antissemitismo e que são igualmente dignos de serem estudados. A maneira pela qual o autor descreve a ascensão do fascismo no mundo é um desses elementos. Acreditamos que esse trabalho é importante não só por analisar a obra de Gustavo Barroso sob um enfoque diferente do antissemitismo, mas também por fomentar a reflexão acerca da repercussão que o fascismo italiano, o nacional-socialismo alemão e tantos outros movimentos fascistas tiveram entre os integralistas brasileiros. Com esse estudo, esperamos contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas que busquem entender como intelectuais fascistas de outros países interpretavam os movimentos fascistas no mundo. Escolhemos nos basear no pensamento de Gustavo Barroso não só devido ao fato de este figurar como um dos principais intelectuais integralistas, mas também por ser, entre esses intelectuais, o que mais escreveu sobre os movimentos fascistas e seus congêneres ao redor do mundo. Além disso, o entusiasmo com o qual o autor descrevia esses movimentos despertounos especial atenção. É preciso ressaltar, todavia, que a opinião que Gustavo Barroso tinha acerca do fascismo nem sempre foi compartilhada por todos os integralistas. Aliás, a simpatia 1 CYTRYNOWICZ, Roney. Integralismo e antissemitismo nos textos de Gustavo Barroso na década de 1930. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP, 1992. P. 9. 9 pelo nacional-socialismo alemão foi um dos cernes das frequentes desavenças que irrompiam entre Gustavo Barroso e o chefe da AIB, Plínio Salgado. No princípio de nossas pesquisas, trabalhamos com a hipótese de que vários intelectuais ao redor do mundo teriam vislumbrado, na Marcha Sobre Roma, um evento fundador de um movimento capaz de inspirar uma terceira via aos excessos tanto do marxismo como do liberalismo. Essas expectativas teriam florescido também no Brasil, sendo Gustavo Barroso um dos melhores exemplos e aquele sobre o qual iremos nos concentrar aqui. Desejoso de ver o país livre das mazelas do capitalismo liberal e de protegê-lo da ameaça comunista, o autor cearense teria enxergado no fascismo uma via mais segura diante dessas alternativas. Eliana Dutra observa, ao comentar o imaginário político brasileiro nos anos 1930, que os anticomunistas lutavam contra uma ameaça iminente e ainda não concretizada, de modo que sua luta teria um caráter defensivo. Já a propaganda comunista precisava de uma postura muito mais ofensiva, uma vez que sua luta era contra um estado de coisas vigente. 2 Em se tratando do imaginário integralista, isso era um pouco mais complexo. O integralismo se proclamava a um só tempo anticomunista e anticapitalista, de modo que sua luta era dirigida ao mesmo tempo contra um estado de coisas vigente e contra uma ameaça futura. A luta contra o liberalismo, no entanto, diferiria da luta contra o comunismo no sentido de que o inimigo combatido não estava avançando, mas sim entrando em colapso. Se, por um lado, era preciso barrar a expansão comunista, por outro era preciso assegurar que a ordem liberal, já decrépita, não levasse consigo, em sua derrocada, o resto da sociedade. Diz Plínio Salgado sobre a Revolução de 1930: “Uma revolução liberal, chefiada por velhos políticos, rebentou no dia exato em que entrei em águas brasileiras. Saltando em terra, tratei logo de combatê-la. Era a revolução que defendia um fantasma: a liberal-democracia, concretizada na Constituição de 1891”.3 Termos como “capitalismo” e “liberalismo” são usados pelos integralistas (especialmente por Barroso) quase indistintamente como se referissem à mesma coisa, o mesmo se dando com termos como “comunismo”, “socialismo” e “marxismo”. Como veremos nesse trabalho, o autor tende a diluir até mesmo as diferenças entre o capitalismo e o comunismo, acusando-os de serem apenas as duas faces de uma mesma moeda. Denunciando a falência da ordem liberal e a ameaça comunista que essa ordem teria possibilitado, Gustavo Barroso tentou apresentar o integralismo como uma força política que fazia parte de uma grande “primavera” de movimentos de cunho nacionalista e corporativista 2 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitário (imaginário político no Brasil dos anos 30). Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ; Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1997. P. 156-157. 3 SALGADO, Plínio citado por MEDEIROS, Jarbas. Ideologia autoritária no Brasil (1930-45). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1978. P. 423. 10 ao redor do mundo, em um fenômeno análogo ao das revoluções liberais ou da proliferação das lutas operárias no século XIX. Assim como a Revolução Russa foi um marco fundador para os comunistas e a Revolução Francesa um marco fundador para os liberais, a Marcha Sobre Roma, evento que alçou os fascistas italianos ao poder em 1922, representou um marco fundador para a “primavera fascista” que Gustavo Barroso defendia. Logo, se Eric Hobsbawm fala dos “ecos da Marselhesa” ao analisar a repercussão da Revolução Francesa,4 nós aqui achamos pertinente falar em “ecos da Giovinezza” ao analisar a forma pela qual Gustavo Barroso narrou a ascensão do fascismo no mundo. Tal como a Marselhesa, a Giovinezza, hino cantado pelos fascistas durante a Marcha Sobre Roma, também ecoou por vários países. Esse entusiasmo do autor diante da ascensão de regimes e movimentos nacionalistas revela que o integralismo assumiu uma roupagem muito mais branda e conciliadora do que o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. Longe de assumir posturas agressivas, o integralismo brasileiro advogava um nacionalismo defensivo que acreditava na possibilidade de uma solidariedade entre os diversos nacionalismos do mundo. A ideia de uma “internacional fascista” ou de uma “solidariedade fascista” é bastante problemática. Os nacionalismos dos anos 1920 e 1930, no ápice de sua agressividade, dificilmente conseguiriam se unir para atingir objetivos comuns. 5 Mesmo quando tais alianças ocorreram, elas acabaram se dando a despeito de grande parte dos ideais que alimentavam esses regimes – ideais que pregavam a superioridade de uma nação em detrimento de todas as outras. Nem mesmo Gustavo Barroso escondia sua crença na superioridade do integralismo diante de outras manifestações fascistas. Porém, por mais problemática que a ideia de uma “internacional fascista” tenha sido, isso nunca impediu que ela tivesse simpatizantes. A obra de Barroso a partir da qual estruturamos nosso trabalho é O integralismo e o mundo, de 1936. Esse foi o único livro do autor integralmente dedicado a narrar suas impressões sobre movimentos e regimes no período entre guerras que ele toma como fascistas. A fim de complementarmos o conteúdo dessa obra, lemos também os demais livros de Gustavo Barroso de temática integralista. Tais livros foram escritos entre 1933 (data em que ele se filia à AIB) e 1937 (quando a Ação Integralista Brasileira é fechada): O integralismo em marcha (1933), O integralismo de norte a sul (1934), A palavra e o pensamento integralista, O quarto Império, O que o integralista deve saber (todos de 1935), 4 Ver: HOBSBAWM, Eric J. Ecos da Marselhesa (dois séculos reveem a Revolução Francesa ). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 5 Ver: BERTONHA, João Fábio. A questão da “Internacional Fascista” no mundo das relações internacionais: a extrema direita entre solidariedade ideológica e rivalidade nacionalista. In: Revista brasileira de política internacional. 43 (1): 99-118 [2000]. 11 Brasil: colônia de banqueiros (originalmente de 1934, embora tenhamos analisado uma edição de 1936), O espírito do século XX (1936) e Integralismo e catolicismo (1937). Optamos por essas obras por serem aquelas nas quais ele mais discorre sobre o fascismo. Antes e durante sua militância na AIB, o autor ainda escreveu muitas outras obras. Suas temáticas preferidas eram o folclore e a história militar do Brasil, com destaque para as guerras na Bacia do Prata e biografias de grandes figuras como Osório e Tamandaré. Após uma leitura atenta das obras citadas, selecionamos os trechos mais pertinentes à nossa pesquisa e os reproduzimos no trabalho. Como nenhum documento fala por si só (ainda que esse documento seja um livro, como no nosso caso), amparamos nossa análise em fontes secundárias (livros, teses e artigos acadêmicos) que versam sobre a vida e a obra de Gustavo Barroso, sobre o integralismo de uma forma geral e sobre o contexto político e econômico do Brasil e do mundo nos anos 1920 e 1930. Reservamos o primeiro capítulo dessa monografia para tratar da problemática da possibilidade de uma “solidariedade fascista” internacional, bem como dos impactos que a ascensão do fascismo teve na construção da doutrina integralista. Ainda no primeiro capítulo, traçamos um breve perfil biográfico de Gustavo Barroso, apontando as principais características de seu pensamento integralista. Como haveremos de mostrar, o valor que o autor confere aos vários movimentos que ele denomina de “fascistas” está intimamente ligado a dois importantes aspectos de seu pensamento: a defesa do “espírito do século XX” e a desconstrução do antagonismo entre comunismo e capitalismo – aspectos esses que também serão abordados no primeiro capítulo. No segundo capítulo, partimos para as análises do discurso desse escritor. Transcrevemos os trechos mais relevantes de seus escritos, nos quais ele descreve e interpreta os movimentos fascistas e nacionalistas em diversos países ao redor do mundo. Analisamos tais trechos amparando-nos em leituras de fontes secundárias sobre o Brasil e o mundo no período entre guerras. Acreditamos que esse contexto histórico é fundamental, pois é com ele que o pensamento de Gustavo Barroso mantém diálogos fortes e frutíferos. Depois de compreendermos como o autor avaliava a ascensão do fascismo no mundo, buscamos entender, no capítulo três, como ele avaliava o próprio integralismo diante desses movimentos. Estabelecemos até que ponto Gustavo Barroso aproxima o integralismo dessa tendência generalizada de fortalecimento dos nacionalismos ao redor do mundo, e até que ponto ele busca afastar o integralismo desses movimentos. No capítulo três também abordamos como Barroso enfatizava o respaldo internacional que o integralismo havia conquistado entre os fascistas de outros países. Por fim, em nossas conclusões, procuramos 12 fazer um apanhado geral do que foi discutido no trabalho, apresentando, de forma resumida, não apenas qual foi o posicionamento de Gustavo Barroso diante do fascismo, mas também o significado desse posicionamento. Não poderíamos seguir em frente sem antes apontar um pequeno problema conceitual que compromete a própria definição dos objetivos desse trabalho. Nem todas as manifestações que Gustavo Barroso considera fascistas merecem essa denominação se levarmos em conta a tipologia mais aceita nos dias de hoje. Definir, entre os muitos regimes e movimentos citados por Gustavo Barroso, quais eram fascistas e quais não o eram de acordo com a tipologia atual extrapolaria os objetivos desse trabalho. Para citar palavras do próprio autor: “Empregamos as palavras fascismo, fascista em sentido geral, para designar os movimentos de caráter nacionalista e corporativista do mundo”.6 Barroso – assim como nós – achava dificuldades para encontrar um termo que generalizasse as experiências que ele queria descrever. Assim, ao longo de seus escritos ele fala de fascismos e fascistas “por falta de expressão mais apropriada para a sua generalidade”.7 Segundo Edda Saccomani, de maneira geral o fascismo é compreendido como uma forma de dominação autoritária, com um partido único de massa hierarquicamente organizado. Igualmente característicos do fascismo são o culto a um líder, a exaltação da coletividade nacional (colocada acima dos interesses individuais e de classe), o anticomunismo, o antiliberalismo, o corporativismo, a mobilização das massas, a violência contra toda forma de oposição, o controle dos meios de comunicação por parte do Estado, um aparelho de propaganda e um elevado dirigismo estatal na economia que não viola a propriedade privada. Ainda segundo a autora, existem teorias sobre o fascismo que são generalizantes e aquelas que são singularizantes. Teorias singularizantes são aquelas que restringem o fascismo a um fenômeno tipicamente italiano do pós-Primeira Guerra. De acordo com tal teoria, o fascismo teria se desenvolvido apenas na Itália entre 1919 e 1945, sendo que o termo não teria serventia para outras experiências análogas. As teorias generalizantes, por sua vez, interpretam o fascismo como um “fenômeno supranacional que apresentou, nas diversas formas de que historicamente se revestiu, características essencialmente análogas, resumíveis num conjunto de fatores homogêneos”.8 6 BARROSO, Gustavo. O quarto império. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1935. P. 163 (nota de rodapé). 7 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936. P. 15. 8 SACCOMANI, Edda. Fascismo (verbete). In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de politica. Brasília: UnB, 1986. P. 466, 467. 13 Optamos aqui pela acepção generalizante do termo “fascismo” e acreditamos também na operacionalidade desse. Não negamos que as experiências fascistas no mundo tenham sido diversas e contrastantes. Porém, como diz Robert Paxton, uma utilização restrita do termo “fascismo” poderia ser ainda mais problemática. Restringir o fascismo à Itália implica ignorar que o fascismo foi um fenômeno geral e, portanto, deve ser assim abordado. Da mesma forma que a diversidade de experiências liberais e comunistas não invalida os termos “liberalismo” e “comunismo”, a diversidade de experiências fascistas também não deve desqualificar esse termo. Faz-se necessário, segundo o autor, um termo genérico que dê conta da mais importante novidade do século XX: um movimento que apelava para a mobilização das massas contra o comunismo e contra o individualismo liberal.9 Seguindo essa lógica, também consideramos o integralismo uma manifestação fascista. Encontramos, no integralismo, a defesa do corporativismo, um anticomunismo articulado com um antiliberalismo, a organização em milícias uniformizadas, a defesa de um regime de partido único hierarquicamente organizado, o culto ao líder, um nacionalismo ferrenho, o chamado à mobilização das massas e a exaltação da pátria acima de todos os interesses individuais. Por mais que ele tenha tido peculiaridades que o diferenciassem do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão (como um maior apelo religioso e a ausência de uma política externa imperialista), preferimos pensar tais peculiaridades muito mais como variações dentro do fascismo do que como algo completamente distinto. Não nos esqueçamos que o fato de o comunismo ter assumido as mais diferentes roupagens onde se manifestou – desde a União Soviética até Cuba, passando pela Coreia do Norte e pelo Vietnã – nunca nos impediu de chamar esses países de comunistas. Ao longo desse trabalho, usaremos “fascismo” na acepção geral do termo, quando nos referirmos a diversos movimentos, como o nacional-socialismo alemão, o fascismo italiano, a Guarda de Ferro romena e o nacional-sindicalismo português. Quando quisermos nos referir somente à experiência italiana, especificaremos que estamos tratando do fascismo italiano. 9 PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. P. 46. 14 CAPÍTULO 1 1.1 O fascismo e o mundo Em artigo sobre a possibilidade de uma solidariedade internacional entre os fascismos, João Fábio Bertonha parte do seguinte questionamento: até que ponto seria viável, ao longo dos anos 1920 e 1930, uma grande aliança entre os regimes fascistas no mundo? Por um lado, esses regimes tinham em comum o nacionalismo; por outro lado, era justamente esse elemento em comum o que constituía um sério entrave a quaisquer pretensões de solidariedade. Sendo assim, o autor nos diz que na Itália dos anos 1920 prevaleceu a noção de que o fascismo deveria zelar unicamente pelos interesses italianos na política externa, de modo que eventuais apoios que o regime fascista desse a outros movimentos no mundo teriam como objetivo apenas assegurar esses interesses estratégicos italianos. Contudo, com a crise do capitalismo a partir de 1929, teriam crescido as simpatias pelo fascismo ao redor do mundo, já que várias pessoas passaram a vislumbrar, no fascismo, uma alternativa à decadência do capitalismo e da democracia burguesa (alternativa essa tanto mais atraente quanto mais se percebia que ela evitava certos inconvenientes do comunismo, como o fim da propriedade privada e a hostilidade à família). Com isso, os fascistas italianos começaram a se ver como os portadores de ideias que constituiriam as novas tendências do futuro, acreditando que coubesse à Itália o papel de liderança nesse processo.10 No entanto, as pretensões italianas de fazer com que Roma fosse para os fascistas ao redor do mundo aquilo que Moscou era para os comunistas não lograram êxito. O Comitati d’azione per l’universitalità di Roma (CAUR), órgão criado em 1933 a fim de congregar os vários regimes fascistas, acabou fracassando. Isso se deu porque os movimentos em outros países ainda eram fracos, porque muitos recusaram a tutela de Roma, por causa da própria incompetência de seus organizadores e, principalmente, porque a Alemanha nazista não se juntou a ele.11 A não adesão da Alemanha nazista ao CAUR é facilmente explicável se levarmos em conta aspectos da doutrina nacional-socialista. Seu forte apelo racista, suas pretensões imperialistas (que, diferente das italianas, eram muito mais ameaçadoras) e seu pouco interesse em se internacionalizar tornavam quase impossível sua aceitação fora da Alemanha (exceto pelos descendentes de alemães)12 , evidenciando ainda mais as dificuldades que as pretensões a uma internacional fascista poderiam encontrar: 10 BERTONHA, João Fábio. Ob. Cit. P. 104-5. Idem. P. 105-6. 12 Ibidem. P. 106. 11 15 Visto ser uma manifestação tipicamente alemã de antidemocracia na Europa, o Nacional-socialismo conseguiu harmonizar-se com a situação alemã, tornando-se um fenômeno mais difícil de ser exportado do que o fascismo. É este mais um exemplo das limitações que se encontram nas ideias de um fascismo universal. Os fundamentos nacionalistas implicam a existência de profundas diferenças entre um e outro 13 país (...). Apesar disso, a crença no “fascismo redentor” não se restringiu à Itália, espalhando-se para outros países e atravessando o Atlântico. Diante do colapso pelo qual passava o mundo capitalista e do temor que a experiência comunista soviética despertava, muitos países latinoamericanos buscaram inspiração no sucesso dos regimes nacionalistas que chegavam ao seu apogeu na Europa: A América Latina da década de 1930 não se inclinava a olhar para o Norte. Mas, visto do outro lado do Atlântico, o fascismo sem dúvida parecia a história de sucesso da década. Se havia um modelo no mundo a ser imitado por políticos promissores de um continente que sempre recebera inspiração da s regiões culturalmente hegemônicas, esses líderes potenciais de países sempre à espreita da receita para tornar-se modernos, ricos e grandes, esse modelo certamente podia ser encontrado em Berlim e Roma, uma vez que Londres e Paris não mais ofereciam muita inspiração política, e Washington estava fora de ação. (Moscou ainda era vista essencialmente como um modelo para a revolução social, o que restringia seu apelo 14 político). Além disso, se, ao longo dos primeiros anos do século XX, o temor de uma invasão norteamericana era cada vez maior na América Latina, na década de 1930 “os EUA (...), debilitados pela Grande Depressão, não pareciam tão temíveis e dominadores quanto antes”. 15 Nesse contexto, o Brasil não foi exceção. Em abril de 1932, seis meses antes de fundar a AIB, Plínio Salgado, um jornalista paulista de São Bento do Sapucaí, mostrava em Roma que os ecos da Giovinezza haveriam de repercutir sobre o Brasil. Em seu discurso, vemos como a Itália fascista aparece como porto seguro em um mundo cheio de incertezas, marcado pelos horrores do comunismo e do capitalismo (aqui representados por Nova York e Moscou): Do alto de uma de tuas colinas, meditei sobre tua grandeza, Roma, Cidade Eterna. Como me parecias maior do que as Metrópoles de arranha-céus. Não eras uma ameaça, para nós, povos, crianças, como essas Babilônias do Imperialismo econômico. Não eras, para o meu espírito de sul-americano, nem o orgulho de Nova York, nem o veneno de Moscou. O orgulho do poderoso, que nos incita a revolta; o veneno do 16 oprimido, que nos inspira a repulsa. Eras o exemplo da renovação, a força da eterna mocidade. Ao referir-se aos sul-americanos como “crianças”, Plínio Salgado nos mostra que ele via em Roma uma figura quase maternal – a única esperança de livrar esses povos frágeis e indefesos da ameaça das “Babilônias do Imperialismo econômico”. Esse anseio por segurança, nascido do contraste entre Roma e Nova York/Moscou, revela a busca que o integralismo empreendia não só por uma terceira via, mas também por uma pré-modernidade perdida, livre do 13 BRACHER, Karl Dietrich. Nacional-socialismo (verbete). In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Ob. Cit. P. 809. 14 HOBSBAWM, Eric J.. Era dos extremos. São Paulo: Cia. Das Letras, 2009. P. 137. 15 Idem. P. 137. 16 SALGADO, Plínio. O modelo italiano: discurso de Plínio Salgado (25/04/1932). In: CARONE, Edgard . A segunda república (1930-1937). Rio de Janeiro: DIFEL (Corpo e alma do Brasil), 1978. 3ª edição. P. 305. 16 cosmopolitismo e dos excessos da urbanização e da industrialização, que traziam no seu bojo a luta de classes e o comunismo. Prosseguindo com o mesmo discurso: Nós, jovens povos da América do Sul, compreendemos a tua lição, Roma do Presente e do Futuro. Roma, que cantas hoje, sobre a ruína das civilizações extintas, o cântico dos balilas, primavera de beleza. Nós, primavera de Povos, que ainda muito temos a lutar, a conquistar, a realizar, compreendemos a tua lição, 17 Mãe da latinidade, inspiradora da juventude, criadora de civilizações . Aqui vemos de forma clara o fascínio que o fascismo exerceu sobre Plínio Salgado. Faz-se uma analogia entre a “primavera de beleza” – refrão da Giovinezza – e a “primavera dos Povos”, nome pelo qual a onda de revoluções de 1848 ficou conhecida. Para ele, a ascensão do fascismo – da mesma forma que as revoluções de 1848 – representaria uma esperança para todos os povos do mundo. A figura maternal de Roma, que é apenas sugerida no primeiro trecho, fica aqui evidente na expressão “Mãe da latinidade”. Mais do que uma figura que salvaria os frágeis povos sul-americanos da opressão comunista e capitalista, a pátria fascista era a própria mãe desses povos, visto que dela jorrava a sua cultura. Desiludido com a conjuntura brasileira e convencido de que seria impossível realizar mudanças efetivas dentro dos velhos quadros partidários, Plínio Salgado concluiu, após viagem pela Europa e por alguns países da África do Norte e Oriente Médio, que o Brasil também experimentava “a morte de uma civilização, o advento de uma nova etapa humana”. 18 O fascismo – ou algo similar a ele – seria o único projeto compatível com essa nova etapa da humanidade, e o único capaz de romper com o marasmo político pelo qual o Brasil passava. Ele era a resposta para os maiores problemas dos quais o Brasil padecia, segundo Plínio Salgado: a hipertrofia dos poderes regionais em detrimento dos interesses da nação, o sufrágio universal (que confiava cegamente nas decisões da maioria numérica) e a gravidade da questão social, que poderia lançar o país ao extremo do liberalismo ou do comunismo. 19 Ao entrevistar antigos membros da AIB na década de 1970, Hélgio Trindade nos mostra que a simpatia pelos fascismos europeus e o anticomunismo foram os principais fatores que motivaram os entrevistados a se tornarem integralistas. 20 O mineiro Olbiano de Melo, que também se tornaria integralista, demonstra, como Plínio Salgado, grande admiração pela alternativa fascista: “Eu, no sertão mineiro, fixava-me no fascismo, convencendo-me que a implantação do sistema no Brasil resolveria a questão social entre nós”. Assim, Olbiano acredita na adequação do fascismo à realidade brasileira, bem como em seu caráter universal: 17 Idem. P. 305-306. SALGADO, Plínio citado por MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 421. 19 Idem. P. 421. 20 TRINDADE, Hélgio. Integralismo (o fascismo brasileiro na década de 30). São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1974. P. 160. 18 17 Do entrechoque (...) que correu pela espinha mestra do edifício social europeu com as ideias pregadas pela Terceira Internacional, no meio da confusão reinante, um homem (...) levantou -se (...) na península (...). Este homem foi Benito Mussolini (...) em cujo nacionalismo intransigente viriam se queb rar as ondas revoltas e violentas do maximalismo. Roma com o Fascio limitou -se até há pouco – a se defender da invasão dissolvente de outras doutrinas (...). Mas a ideia boa não tem pátria; o espírito é universal, bem 21 como o disse o criador do fascismo (...). Daí a universalidade, hoje, dos princípios fascistas. Mesmo Mussolini via no fascismo a expressão do “espírito do século XX”, afirmando que “esse século vai ser o século do fascismo. Porque se o século XIX foi o século do individualismo (liberalismo sempre significando individualismo), pode-se esperar que este será o século do coletivismo, e portanto o século do Estado...”. 22 Quando enfatizamos o peso que o fascismo teve no pensamento de Plínio Salgado e Olbiano de Melo, não estamos de forma alguma querendo sugerir que o integralismo se resumiu a uma cópia de seus congêneres estrangeiros. Temos bem claro que a doutrina integralista consultava a realidade brasileira. Mesmo quando se apropriou de ideais fascistas, o integralismo não o fez de forma irrestrita, visto que assimilou alguns aspectos e descartou outros tantos. Além disso, a doutrina integralista não era totalmente caracterizada pelas influências fascistas, pois se mostrava herdeira também da doutrina social da Igreja e do pensamento autoritário brasileiro de princípios do século XX, que tinha em nomes como Alberto Torres e Oliveira Viana seus grandes expoentes. Entre as principais características desse pensamento estavam: o primado do Estado sobre o mercado, uma visão da sociedade como um corpo caótico e dependente da interferência estatal, a aversão a quaisquer formas de organização e mobilização da sociedade civil e a defesa do Estado como única fonte de solução para os conflitos sociais.23 Apesar de se diferenciar em muitos pontos desse pensamento autoritário, o integralismo se apropriou de muitas de suas ideias. Se atentarmos ainda para o Manifesto Verdeamarelo, veremos que ele interpreta o Brasil como um todo socialmente indiferenciado, tomando o sentimento como traço unificador; além disso, esse manifesto exalta valores que ele considera como as grandes virtudes brasileiras, a exemplo da ausência de preconceitos políticos, raciais e religiosos. Logo, o integralismo não foi algo radicalmente novo no cenário nacional, dialogando com um elemento que já existia no país: o ufanismo.24 Para ficarmos apenas com um exemplo, Francisco Campos, um dos arquitetos da Revolução de 1930 e ideólogo do Estado Novo, já demonstrava uma série de inclinações muito similares àquelas que achamos no integralismo, como a aversão ao sistema 21 MELO, Olbiano de, citado por TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 120. MUSSOLINI, Benito. The political and social doctrine of fascism, 1932. In: WEBER, Eugen. Varieties of fascism (doctrines of revolution in the twentieth century). Princeton: D. van Nostrand, 1964. P. 151. 23 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 167. 24 VASCONCELLOS, Gilberto. A ideologia curupira (análise do discurso integralista). São Paulo: Brasiliense, 1979. P. 111. 22 18 eleitoral, às divisões partidárias, ao parlamentarismo, à democracia liberal e à descentralização política.25 Gustavo Barroso levaria seu entusiasmo com a ascensão do fascismo muito mais longe do que Plínio Salgado. Barroso não só nutriu grande admiração pela Itália fascista, como também estendeu essa admiração a diversos outros regimes e movimentos, entre eles o nacionalsocialismo alemão. Em 1934, o ministro alemão no Rio de Janeiro Artur Schmidt-Elskop escrevia que Barroso havia lhe solicitado materiais a respeito do nacional-socialismo e de Hitler, pelos quais manifestava grande admiração. Há documentos que sugerem a existência de um conluio entre alguns integralistas e a Alemanha nazista para o fornecimento de armas a fim de que a AIB tomasse o poder (projeto esse recusado por Schmidt-Elskop, dada sua periculosidade).26 É provável que tenham sido esses contatos os responsáveis por colocar Barroso a par das obras de ideólogos nazistas citadas em seus escritos. Robert O. Paxton aborda a ascensão do fascismo em basicamente cinco momentos: a criação do movimento, seu enraizamento na sociedade, a tomada do poder, o exercício do poder e o dilema em que o regime fascista se encontra entre a radicalização e a moderação. 27 Em se tratando do integralismo, temos nossas dúvidas sobre até que ponto ele conseguiu se enraizar na sociedade brasileira. Por mais que as marchas de integralistas tenham reunido multidões, Robert M. Levine afirma que “A fraqueza do integralismo residia na sua incapacidade de criar uma base popular efetiva”, bem como na sua insistência em superestimar seu próprio sucesso, atribuindo aos seus eventos uma repercussão bem maior do que a real. A admirável acolhida que o Estado Novo teve na sociedade brasileira, especialmente entre os nacionalistas e os militares,28 aponta para possíveis falhas nessas tentativas integralistas de fincar raízes sólidas no Brasil, uma vez que a extinção da AIB por Vargas não gerou qualquer tipo de comoção nacional. Entre os trabalhadores, por exemplo, a influência de ideais socialistas e anarquistas era grande, de modo que entre eles o integralismo não obteve adesão significativa. Um exemplo disso foi a greve geral dos empregados em hotéis de Salvador quando da realização de um congresso integralista na cidade.29 Isso sem mencionar o fracasso da intentona integralista em 1938, que contou com ínfimo apoio popular e foi repudiada até mesmo entre os próprios integralistas. O Estado Novo foi visto por grande 25 MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 13, 14. HILTON, Stanley. O Brasil e a crise internacional (1930-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. P. 33, 34. 27 Ver: PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. 28 LEVINE, Robert M.. O regime de Vargas (os anos críticos – 1934-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. (Brasil – século XX). P. 247. 29 HILTON, Stanley. Ob. Cit. P. 26, 27. 26 19 parte da população brasileira não só como uma barreira à ameaça comunista, mas também aos temores de um retorno ao status quo anterior a 1930. Após novembro de 1937, as duas grandes razões de ser da AIB – o perigo comunista e a democracia liberal – foram extintas, tornando o integralismo dispensável. Logo, a possibilidade de que “grupos identificados com a ordem anterior a 1930 voltassem ao poder obcecava a tal ponto a classe média que ela abriu mão gostosamente dos luxos da democracia em troca de um governo forte num quadro autoritário”.30 Antes mesmo do Estado Novo, a legislação trabalhista implementada por Getúlio Vargas acabou atendendo às principais reivindicações operárias, acentuando assim as dificuldades da AIB de recrutar militantes no chão das fábricas. 31 1.2 A trajetória de Gustavo Barroso Gustavo Adolfo Dodt Luiz Guilherme da Cunha Barroso nasceu em Fortaleza, Ceará, no dia 29 de dezembro de 1888, vindo a falecer no Rio de Janeiro no dia 3 de dezembro de 1959. Seus pais eram Antônio Filino Barroso e a alemã Ana Dodt Barroso, que faleceu apenas uma semana após dar à luz Gustavo Barroso. Desde jovem, Barroso demonstrava profunda admiração pela história militar e por temas relacionados, como a hierarquia, a disciplina e os uniformes do exército. Seu sonho era ser militar. Apesar da ascendência materna, ele nunca se considerou um alemão, embora achasse que seu gosto pela rigidez e pela disciplina fizesse parte de sua herança germânica.32 Já em 1908, Barroso torna-se redator do Jornal do Ceará, e três anos depois se muda para o Rio de Janeiro para completar seu bacharelado em Direito. Na capital federal ele já era conhecido por contribuir com diversos artigos na imprensa com o pseudônimo de João do Norte. Em 1912, torna-se redator no Jornal do Comércio, e em 1914, de volta ao Ceará, torna-se Secretário do Estado do Interior e da Justiça, elegendo-se deputado federal em 1915. Em 1922, com o apoio do presidente Epitácio Pessoa, fundou o Museu Histórico Nacional (MHN), do qual foi diretor até morrer. A criação do MHN atendia a um dos grandes planos de Gustavo Barroso: fundar a identidade nacional fazendo com que o passado fosse reconhecível no presente. Se ao longo dos anos 1910 e começo dos anos 1920 o autor se mostrou conservador, defensor das elites dirigentes e de mudanças dentro da ordem, na segunda metade dos anos 1920 ele começa a tecer críticas mais duras aos problemas dos quais padecia a democracia liberal brasileira: a 30 LEVINE, Robert M.. Ob. Cit. P. 32, 150. HILTON, Stanley. Ob. Cit. P. 28. 32 CARNEIRO, Márcia Regina da Silva Ramos. Gustavo Barroso, enfim, soldado da farda verde. X Encontro Regional de História (ANPUH – RJ): História e biografias. UERJ, 2002. P. 3, 4. 31 20 manipulação das eleições, os partidos oligárquicos e o parlamento. 33 Após trabalhar como secretário da embaixada na Conferência de Versalhes junto à delegação de Epitácio Pessoa, Barroso ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, Barroso ingressa na Ação Integralista Brasileira, vindo a se tornar seu chefe de milícias. Dessa maneira, o jurista cearense despontava como uma das figuras que ocupavam o topo da hierarquia da AIB, estando abaixo apenas do chefe nacional, Plínio Salgado. Sujeito “alto de porte marcial, parecia ter nascido para comandante da milícia, a cujos desfiles assistia com olhos saudosos dos heróis que cultuara em suas pesquisas históricas, ostentando no peito as condecorações que o envaideciam”,34 Gustavo Barroso foi um importante intelectual integralista. Suas obras eram escritas com paixão e entusiasmo, expressando uma confiança e uma certeza incomuns quanto ao triunfo dos ideais integralistas num futuro bem próximo. Não podemos, porém, ignorar as implicações que o uso do termo “intelectual” traz. Associar um pensador antissemita a uma tradição que teve início justamente na defesa de um judeu seria,35 no mínimo, inusitado. Entretanto, intelectuais são muitos, unidos talvez apenas pelo papel de produtores e distribuidores de bens simbólicos, de acordo com as abordagens sociológicas mais recentes.36 Comentando a obra de Julien Benda, Helena Bomeny afirma que os clérigos (clercs), pessoas inicialmente desinteressadas e perseguindo fins muito mais espirituais do que práticos, cometeram uma grande traição ao abrirem mão de valores universais (como justiça e verdade) e se entregarem aos poderes irracionais do instinto. Graças a esse “pecado original”, os clérigos modernos teriam se convertido em “agentes do temporal”, não mais perseguindo fins desinteressados. A essência dessa traição residiria nas preferências dadas à sensibilidade, ao visível e ao carnal em detrimento da razão, do invisível e do espiritual. Como resultado, o reino dos intelectuais passou a ser “desse mundo”. 37 Notamos, nos escritos de Barroso, um nacionalismo quase cego e apaixonado, bem como um apelo constante ao irracional e à emotividade que, como diz Gilberto Vasconcellos, têm o objetivo de “afogar a reflexão”.38 Nesse sentido, Barroso se encaixaria de forma exemplar nessa traição dos clercs de que nos fala Julien Benda. Por mais que o autor insista em 33 MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild nem Trotsky (o pensamento antissemita de Gustavo Barroso). Rio de Janeiro: Imago, 1992. P. 74-75. 34 REALE, Miguel citado por RAGO FILHO, Antônio. A crítica romântica à miséria brasileira: o integralismo de Gustavo Barroso. Tese de mestrado. São Paulo, PUC, 1989. P. 9. 35 Trata-se do Caso Dreyfus, na França, em 1898. 36 ALTAMIRANO, Carlos. Intelectuales (notas de investigación). Bogotá: Grupo editorial Norma, 2006. P. 95. 37 BOMENY, Helena. Infidelidades eletivas: intelectuais e política. In: BOMENY, Helena (org.). Constelação Capanema (intelectuais e política). Rio de Janeiro: FGV; Bragança Paulista (SP): Ed. Universidade de São Francisco, 2001. P. 2-3. 38 VASCONCELLOS, Gilberto. Ob. Cit. P. 64. 21 aconselhar os integralistas ao desapego e à abnegação, é impossível ignorar o fato de que o projeto apresentado em suas obras só poderia ser concretizado se o integralismo atingisse um fim terreno e nada desinteressado: o poder político no Brasil. Nesse sentido, Barroso seria, de acordo com a tipologia gramsciana, um intelectual orgânico tal como o definiu Norberto Bobbio: o intelectual que “fecha-se na prisão (...) isolante de uma ideologia dogmaticamente assumida e passivamente servida”.39 Diz o integralista cearense: Como deve ser a Nação Brasileira, segundo o Integralismo? - Deve ser uma, indivisível, forte, próspera e feliz. Só o Integralismo tornará o Brasil assim? - Só o Integralismo.40 Entretanto, como diz Norberto Bobbio, o intelectual que toma partido não deve ser considerado automaticamente um traidor. Muitas vezes, tomar partido significa apenas agregar-se ao lado que melhor realiza os princípios nos quais acredito. Diante de um grupo ou movimento que realiza os princípios nos quais acredito, a verdadeira traição seria não tomar partido.41 Assim, se Barroso tomou o partido do integralismo, fê-lo por acreditar que nessa doutrina residiria a única solução para os problemas que afligiam o Brasil. A tipologia estabelecida por Norberto Bobbio para tratar da função política dos intelectuais traça uma distinção entre ideólogos e expertos. Ideólogos são os intelectuais que fornecem ideias gerais sobre os objetivos perseguidos, como valores, princípios e ideais. Expertos, por outro lado, fornecem saberes que são meios indispensáveis para se atingir esses objetivos. Enquanto o dever do ideólogo é permanecer fiel a determinados princípios, custe o que custar, o dever do experto é propor os meios certos para determinados fins. 42 A julgar por essa tipologia, Barroso pende mais para o ideólogo do que para o experto. O autor faz questão de ressaltar sempre a supremacia dos interesses nacionais sobre os interesses individuais ou de classe. A família, a religião, a propriedade privada e o patriotismo são, para Barroso, valores de suma importância dos quais ele se nega a abrir mão a todo o momento. Não obstante, não podemos chegar ao paroxismo de considera-lo um utopista, que, segundo Bobbio, seria o tipo ideal do ideólogo, preocupado unicamente com os fins e alheio aos meios.43 Barroso não se contenta em dizer o que ele defende para o Brasil, nem tampouco em sonhar com a vitória integralista. Seus livros expressam uma vontade real de atingir os objetivos defendidos, embora nunca descuidem dos meios para se alcançar tais objetivos. 39 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. São Paulo: UNESP, 1997. P. 87. BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935 (2ª edição). P. 50. 41 BOBBIO, Norberto. Ob. Cit. P 78-79. 42 Idem. P. 73, 76. 43 Ibidem. P. 74. 40 22 Hélgio Trindade afirma que a maior preocupação de Barroso era denunciar a atuação judaica nos diferentes períodos da história da humanidade e ressaltar a solidariedade entre os movimentos fascistas no mundo – diferente de Plínio Salgado, que, além de não ser antissemita, se preocupava com a originalidade do integralismo, abstendo-se, portanto, de explorar as semelhanças deste com outras forças políticas da Europa. Além disso, enquanto o nacionalismo de Plínio era de cunho mais sentimental e literário, o nacionalismo de Gustavo Barroso tinha uma dimensão mais econômica e anti-imperialista. Esse nacionalismo econômico culminava em seu antissemitismo. Em muitas de suas obras ele denuncia como, ao longo de sua história, o Brasil se submeteu ao capitalismo judaico internacional, tornando-se cada vez mais dependente dele por causa dos empréstimos contraídos com grandes banqueiros.44 Entre esses muitos banqueiros desponta a casa dos Rothschild, poderosa família judaica que o autor não se cansa de atacar em seus livros. Já Marcos Chor Maio observa que a revolução espiritual proposta por Barroso padecia de uma ambiguidade, pois buscava inspiração no passado medieval, que era plural e marcado por hierarquias, ao mesmo tempo em que propunha uma sociedade totalitária, sem diferenças de classe, na qual todos fossem iguais. De fato, a Idade Média foi uma das grandes fontes de inspiração de Barroso. Ele defende, entre outros projetos, a organização da sociedade em moldes corporativos, e alega que, ao recusar a revolução espiritual cristã, o povo judeu teria colocado um fim à Idade Média e inaugurado a modernidade, lançando as bases para a criação do capitalismo e do comunismo e iniciando um período de confusão que teve como grandes símbolos a Reforma Protestante e a Revolução Francesa. Sendo assim, capitalismo e comunismo, Rothschild e Trotsky, seriam as expressões extremas do domínio judeu sobre o mundo. Longe de serem projetos antagônicos, capitalismo e comunismo eram, na ótica barrosiana, somente as duas faces pelas quais o materialismo judaico se manifestava. 45 Não acreditamos, porém, que Barroso propunha uma sociedade igualitária sem distinções de classe. Em seus escritos, o intelectual cearense deixa claro que sua proposta nunca foi a abolição das diferenças de classe, mas sim uma harmonização entre as classes. Ao elencar os muitos objetivos perseguidos pelo integralismo e pelos movimentos que lhe eram irmanados, Barroso aponta, além da “disciplina consciente e voluntária” e da “subordinação de todo e qualquer interesse ao interesse da nação”, a “cooperação e harmonia de classes”46 : (...) o integralismo teria como proposta, no plano econômico, a defesa do regime corporativo, dotado de perfeita organização sindical, pode-se dizer inspirado no pensamento católico após a Rerum Novarum de Leão XIII e outras Encíclicas que cuidaram do problema social. Estão nessa linha as propostas 44 TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 212, 221, 223, 224. MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 117, 119, 120-123. 46 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 170. 45 23 fundamentais da doutrina integralista: “Corporativismo de cunho social”; “Organização da sociedade dentro do Estado mas não integrada de uma maneira total no organismo deste”; “Não aceitaç ão de um sindicalismo anárquico e revolucionário, mas procurar uma solução sindical nos quadros da Nação e sem o princípio da luta de Classes como determinante da organização sindical”. 47 Ademais, por mais que Barroso tenha dito que integralismo adota uma “concepção totalitária do universo”, não acreditamos que a proposta integralista tenha sido uma proposta totalitária tal como entendemos esse termo nos dias de hoje. Hannah Arendt escreve que a grande inovação do totalitarismo enquanto forma de domínio foi a capacidade de isolar o homem não só em relação à vida pública, mas também em relação aos grupos e instituições que permeiam sua vida privada. Assim, o totalitarismo teria buscado abolir a existência autônoma de qualquer atividade. Já Zbigniew K. Brzezinski e Carl J. Friedrich ressaltam a capacidade do totalitarismo de penetrar na sociedade com uma força nunca antes vista em outras formas de governo, de modo que “a associação da penetração total do corpo social através de uma mobilização permanente e total” aliada à “intensificação até um grau máximo, sem precedentes na história, desta penetração-mobilização da sociedade” teriam conferido ao domínio totalitário sua singularidade.48 Logo, por mais que a abordagem integralista da sociedade fosse totalitária (valorização do homem enquanto matéria, razão e espírito), não conseguimos ver nada de totalitário na prática política que ele propunha. O discurso integralista valorizava a família e a religião e em momento algum propunha a dissolução do espaço entre a sociedade civil e o aparelho político: Tão grande a importância que damos às Classes Produtoras e Trabalhadoras, quanto a que damos à Família. Ela é a base da felicidade na terra. Das únicas venturas possíveis. Em que consiste a felicidade do homem? Nessas pequeninas coisas, tão suaves, tão simples: o afago de uma mãe, a palavra de um pai, a ternura de uma esposa, o carinho de um filho, o abraço de um irmão, a dedicação dos parentes e dos amigos. Solidariedade no infortúnio, nas enfermidades, na morte, que nenhum Estado, na sua expressão burocrática ou jurídica, jamais evitará, em nenhum tempo .49 Cabe ainda ressaltar que a expressão “Estado totalitário” (stato totalitario) foi cunhada por Mussolini, cujo regime não costuma ser considerado uma experiência totalitária. Diz o duce que “o fascismo é totalitário, e o Estado fascista, síntese e unidade de todo o valor, interpreta e dá poder à vida inteira do povo”. Dessa maneira, Mussolini defende: “Nem agrupamentos – partidos políticos, associações, sindicatos –, nem indivíduos fora do Estado”.50 47 SOUZA, Francisco Martins de. O integralismo. In: PAIM, Antônio; SOUZA, Francisco Martins de. Curso de introdução ao pensamento político brasileiro (unidade IX e X). Brasília: UnB, 1982. P. 65. 48 STOPINO, Mario. Totalitarismo (verbete). In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Ob. Cit. P. 1248, 1249, 1251. 49 SALGADO, Plínio. Manifesto de outubro de 1932. In: SALGADO, Plínio. O integralismo perante a nação. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1950 (2ª edição). P. 26, 27 (grifo nosso). 50 MUSSOLINI, Benito. O fascismo e o Estado. In: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de história (vol. 3: a Europa e a sua expansão mundial nos séculos XVIII, XIX e XX). Lisboa: Platano editora, 1975. P. 286. 24 Sendo assim, o integralismo nunca propôs uma sociedade ou um Estado totalitários, embora possamos considerá-lo um movimento totalitário no sentido de que ele não era mera continuação do autoritarismo brasileiro. Representantes do pensamento autoritário como Oliveira Viana, Francisco Campos e Alberto Torres se opunham à mobilização das massas. Já a AIB, por meio de suas memoráveis marchas, apelava à mobilização e à participação popular na consecução dos seus objetivos. Como observa Ricardo Benzaquen de Araújo, o conceito de totalitarismo é bastante operacional para estudarmos o pensamento integralista, mas ele “não pode ser empregado para explicar o conjunto das propostas ideológicas e dos atos políticos abrigados ou engendrados pelo integralismo”. 51 Os grandes temas que perpassavam as discussões do Brasil dos anos 1920 e 1930 remetiam à imigração, ao “nacionalismo xenófobo” que essa imigração por vezes suscitava, à defesa de um Estado forte que combatesse o liberalismo e as finanças internacionais e à busca por um Estado adaptado à “realidade brasileira”. Tal Estado deveria ser tributário de uma doutrina genuinamente nacional, a única capaz de lidar com aquela “realidade brasileira”, diferente das doutrinas estrangeiras que até então haviam dominado o país. Aliado a essa busca por uma doutrina tipicamente brasileira estava a busca pelas próprias raízes da brasilidade. Esse clamor pelo “Brasil verdadeiro”, comum em muitos autores da Primeira República, defendia que a brasilidade estaria escondida no interior do Brasil, no homem sertanejo, longe do cosmopolitismo das cidades litorâneas. Autores como Tristão de Ataíde, Graça Aranha, Euclides da Cunha e Afonso Arinos já ressaltavam a importância do homem e das tradições sertanejas na busca por essa “verdadeira nacionalidade”. 52 Esse afloramento do nacionalismo gerou um terreno fértil para o antissemitismo e contribuiu para a popularidade cada vez maior das obras de Barroso.53 Igualmente cruciais nesse período foram os debates sobre o alinhamento ou realinhamento do Brasil diante das potências mundiais, as questões acerca da industrialização e da urbanização do país e da necessidade de integração do proletariado ao cenário político nacional.54 Todos esses debates aparecem de forma bastante clara nos escritos de Gustavo Barroso, embora a questão do alinhamento brasileiro em relação às potências mundiais seja especialmente cara a esse trabalho. A partir de uma análise pretensamente histórica e econômica, Barroso acredita encontrar a raiz dos problemas brasileiros na dependência econômica do país, causada pelos empréstimos 51 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução (o integralismo de Plínio Salgado). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. P. 21. 52 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 161-162, 166. 53 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O antissemitismo na Era Vargas (Fantasmas de uma geração – 1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988. P. 355, 356. 54 MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 7, 8. 25 tomados desde o Primeiro Reinado. O capitalismo internacional, o judaísmo e o comunismo eram identificados como as forças que queriam desorganizar o país, atentando contra a economia nacional, contra o cristianismo e contra a base moral da cultura. 55 No Brasil, tais forças teriam penetrado a partir da Faculdade de Direito de São Paulo, da Universidade do Distrito Federal e da Escola Livre de Sociologia e Política. Barroso identifica, entre os agentes dessas forças, pessoas da seita maçônica dos “iluminados” da Bavária, bem como professores educados em moldes judaizantes e o famoso empresário paulista Roberto Simonsen. No Brasil, assim como em vários outros países, os judeus já estariam constituindo um Estado dentro do Estado.56 A solução para essa situação calamitosa seria o Estado integral: um Estado forte, comprometido com os interesses nacionais e com a luta contra o liberalismo, o comunismo e o capitalismo internacional. 1.3 O espírito do século XX No fundo da alma de qualquer povo dormem, ignoradas, forças infinitas. Quem as souber despertar, moverá 57 montanhas. As relações entre integralismo e modernidade são marcadas pela ambivalência. Natália dos Reis Cruz escreve que o integralismo é um produto da modernidade que, selecionando certos aspectos da modernidade e aliando-os a elementos antimodernos, acaba se voltando, de maneira seletiva, contra essa mesma modernidade que o gestou. Nas palavras da autora: O integralismo pode ser considerado um dos movimentos políticos e sociais que, no esteio da modernidade, reage às consequências negativas da própria modernidade, defendendo propostas de organização social que visem estancar o processo moderno de fragmentação, insegurança e instabilidade. Para tanto, usa um discurso próximo ao elaborado por vários movimentos reacionários e antimodernos, com críticas à razão, ao materialismo, ao individualismo burguês e ao cosmopolitismo. No entanto, os elementos antimodernos e a própria crítica da modernidade são reelaborados e ganham um novo significado para dar vazão a uma proposta de sociedade em que a própria utopia moderna de o rdem e 58 controle seja recuperada, tornando-se realidade. É interessante notar como a descrição acima se assemelha ao que o historiador alemão Thomas Nipperdey escreve sobre o nacional-socialismo. Nipperdey ressalta a mistura de elementos modernos com elementos antimodernos e pré-modernos do nacional-socialismo, afirmando que ele era uma doutrina que expressava um desencanto e uma resistência contra a 55 SOUZA, Francisco Martins de. Ob. Cit. P. 64. RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 123, 133, 134. 57 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 7. 58 CRUZ, Natália dos Reis. O diálogo entre o moderno e o antimoderno no discurso da Ação Integralista Brasileira. In: Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, v. 37, n. 2, p. 196-214, jul./dez. 2011. P. 197-198. 56 26 modernidade, ao mesmo tempo em que pertencia e queria pertencer a essa modernidade. 59 Esse é, de acordo com Trindade, um dos paradoxos do fascismo: Um dos paradoxos do fascismo é que ele simboliza uma tentativa de renovação, ao mesmo tempo que defende o retorno ao passado. Ao lado da exaltação da juventude e do mito da nova sociedade fascista, desenvolve-se uma nostalgia dos valores tradicionais. (...) O que o fascismo realiza, em última análise, é uma simbiose entre um elemento tradicional, o corporativismo medieval, e um elemento moderno, o 60 Estado nacional intervencionista. Mas o Estado nacional não é o único elemento moderno que aparece como componente do discurso integralista. Também integram esse discurso a ciência e a técnica. Babinski e Queluz afirmam que Barroso considera a ciência e a técnica meros artifícios judaicos para a conquista do poder mundial e do lucro, além de servirem como meios para afastar o homem de Deus e incliná-lo ao materialismo e ao ateísmo.61 Porém, pensamos que a revolta do escritor cearense é muito mais contra um tipo específico de ciência do que contra a ciência em geral. Eis as observações que Barroso traça sobre as descobertas da ciência, em livro de 1935: Uma plêiade de cientistas conclamou a existência dos eternos princípios esquecidos. Borgese afirmou com o peso de sua autoridade a falência do mecanicismo do mundo, verificando que o mundo geométrico não é a regra, mas a exceção e declarando: “Onde se dizia estabilidade, fixidez e duração, diga -se mobilidade e criação incessante”. Rutherford estudou os mistérios da vida interior do átomo. Edington concluiu que, se se eliminarem os espaços entre o próton e o elétron de todo o corpo humano, a matéria de que este se compõe ficará reduzida a tão pequena quantidade que só por uma lente poderá ser percebida. E Dirac ainda acrescentou que o próton não passa dum elétron negativo... Recuou o subjetivismo em toda a linha. Recuou a introspecção. Recuou a análise. Afirmou -se a totalidade. A inexistência da matéria acabou de vez com o materialismo. Este, hoje, perante a ciência, é puro 62 passadismo, puro saudosismo. O autor ainda arremata: “Os desígnios de Deus são insondáveis: o materialismo não foi morto pela religião; foi aniquilado pela ciência, a sua grande aliada!”.63 Logo, Barroso se ampara nas novas descobertas da ciência, usando-as como uma arma contra o legado político, histórico e cultural dos séculos XVIII e XIX. Esse legado, segundo o autor, é representado pelo liberalismo e pelo marxismo, ambas doutrinas materialistas. A fim de reafirmar a atualidade de sua proposta, Barroso permanece fiel à ciência, depurando-a, contudo, de seu aspecto materialista. O materialismo, até então tido como uma concepção revolucionária, passa a ser associado justamente à defasagem, visto que não passa de “puro passadismo, puro saudosismo”. É ele a raiz de todos os males que o integralismo deveria combater: Nosso século sofre de uma moléstia que o clamor público resolveu denominar “crise mundial”. Segundo o diagnóstico dos melhores médicos, especialistas no assunto, são sua s causas o positivismo, o mercantilismo, o urbanismo, o socialismo messiânico e outras toxinas em “ismo” que todas saem de um 59 NIPPERDEY, Thomas. 1933 und Kontinuität der deutschen Geschichte. In: Historische Zeitschrift (227). Munique: R. Oldenbourg, 1978. P. 97. 60 CRUZ, Natália dos Reis. Ob. Cit. P. 279. 61 BABINSKI, Karla de Souza; QUELUZ, Gilson Leandro. Representações de tecnologia e ciência nas obras de Gustavo Barroso (1930-35). (IV Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade – UTFPR). Curitiba, 2011. P. 8-9. 62 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935. P. 63. 63 Idem. P. 63-64. 27 micróbio único – o materialismo. A crise ia levando a humanidade pouco a pouco, em silêncio quase, se não fora o grito de alarme de Mussolini e o brado angustioso de Hitler, para qualquer coisa “além do próprio comunismo”, para o que Alexis Markoff chama com a maior propriedade o Governo 64 Internacional. Estando o legado dos séculos XVIII e XIX defasado, qual seria o “espírito do século XX”? Barroso enuncia-o logo em seguida: E o coração do século palpitou num grande ritmo novo com Massis, Journet e Maritain que fazem renascer a ontologia tomista, com Gino Arias e Gottfried Feder que restauram a economia moral, com Nicoláu Berdiaeff que ressuscita a grandeza da civilização cristã, com Mauriac que restabelece o 65 sentimento cristão do sacrifício, com Fernandéz que renova o culto sagrado dos heróis. O espírito do novo século consistiria no resgate de muitas das tradições esquecidas e sufocadas pelo caos dos séculos XVIII e XIX. A ontologia tomista, a economia moralizada, as glórias da civilização cristã e o culto aos heróis: eis os aspectos que, segundo Barroso, ditariam os rumos da humanidade no século XX. O autor resgata os valores medievais e aliaos a aspectos da modernidade, como a ciência e o Estado moderno. A economia moralizada, por exemplo, é grande tributária do pensamento escolástico que exalta a atividade econômica no mundo feudal, calcando-se sempre na ideia de que é a produção que está em função do homem, nunca o contrário. Esse pensamento expressa certa nostalgia da harmonia social que marcaria o feudalismo, livre de princípios burgueses como o individualismo e a acumulação de capital. Sendo assim, Barroso defendia, tal como os escolásticos, que a ordem econômica não podia ter uma lógica específica; ela deveria, assim como as demais esferas da vida, submeter-se à lei moral absoluta.66 Esses trechos endossam a análise de Natália dos Reis Cruz, para quem o integralismo vê justamente no elemento antimoderno o fator que permite a realização da utopia moderna: a espiritualidade cristã liberta o homem das amarras do cientificismo que, ao prometer ao homem a autonomia e o domínio sobre o mundo, teria acabado subjugando-o ao determinismo de leis naturais. Somente o cristianismo possibilitaria ao homem recobrar sua consciência e sua autonomia, despertando-o do imobilismo que a razão materialista o havia inoculado.67 Essa é, a nosso ver, a tônica da seletividade integralista diante da modernidade. Associando o liberalismo e o comunismo a termos que denotam defasagem e imprimindo unicamente ao integralismo (e aos movimentos que lhe eram irmanados) a capacidade de expressar as novas tendências do século, o autor cearense tenta conferir ao legado do iluminismo um aspecto arcaico e incompatível com a realidade vigente: 64 Ibidem. P. 172-173 (grifo no original). Ibidem. P. 64. 66 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 185, 186. 67 CRUZ, Natália dos Reis. Ob. Cit. P. 202. 65 28 A mocidade contemporânea do avião não se pode mais enquadrar nos carcomidos partidos do liberalismo, que data das anquinhas, ou formar nas fileiras comunistas, que veem da época das sobrecasacas e dos lenços de rapé. Seus imperativos categóricos a levam às milícias fascistas, nazistas, integralistas para o revigoramento das pátrias alquebradas. Os cérebros moços recusam-se a aceitar teorias de há um século. E quando alguns fósseis liberais gabam as excelências da falecida constituição de 1891 não avaliam como 68 a rapaziada acha graça... Vê-se, portanto, a preocupação do autor em legitimar o integralismo com o argumento de que ele é o movimento mais adequado à juventude. Contrapõe-se a figura do avião e da juventude à figura das “anquinhas”,69 das “sobrecasacas” e dos “lenços de rapé” – a primeira associada ao integralismo e as últimas ao liberalismo/comunismo. O comunismo e o liberalismo, cuja supremacia teria atravessado os séculos XVIII e XIX, no século XX não passariam de piada. A seguir podemos ver de forma ainda mais clara essa manobra do autor de associar o integralismo ao século XX e ao mundo moderno. Após fazer um apanhado dos vários movimentos fascistas nos mais diferentes países, Barroso arremata: É o século do zepelim, do rádio, da eletricidade que despe a rabona caspenta do marxismo de 1848 e rasga os falsos punhos de renda do liberalismo de 1789, afirmando publicamente sua coragem e sua fé num ideal, com a ostentação duma indumentária niveladora e simbólica. E só a mais crassa ignorância em 70 matéria filosófica e sociológica pode denominar esses movimentos tiranias de ordem pesso al. 1789 e 1848, século XVIII e século XIX, iluminismo e marxismo, Revolução Francesa e Manifesto Comunista: eis os marcos aos quais o autor contrapõe a identidade integralista. Diferente, portanto, do liberalismo e do marxismo, só o integralismo seria um filho legítimo do século XX. Só ele seria compatível com o século “do zepelim, do rádio, da eletricidade”. Essa tentativa de dotar o integralismo e seus congêneres de uma roupagem enérgica, dinâmica e cheia de vigor contrasta vivamente com a “rabona caspenta do marxismo” e com os “falsos punhos de renda do liberalismo”. Plínio Salgado enfatizava, na eletricidade, o anúncio da decadência das grandes potências mundiais, que sustentavam seu poderio sobre o domínio da hulha e do petróleo. Para ele, a eletricidade iria se tornar “a grande fraternizadora [sic] dos povos”.71 Logo, é provável que essa referência à eletricidade fosse além da busca por ressaltar a modernidade do integralismo. Ela pode ter sido também uma forma de Barroso expressar seu anti-imperialismo e defender a soberania brasileira. Igualmente marcante no pensamento de Barroso é a sua postura diante da maçonaria. Se a imprensa e a política eram as formas mais explícitas pelas quais o domínio judeu se exercia, a maçonaria era a expressão secreta desse poderio. A maçonaria era, na concepção de nosso 68 BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934. P. 39. Antiga armação utilizada embaixo da saia para sustenta -la. 70 BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 50, 51. 71 SALGADO, Plínio citado por MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 458. 69 29 autor, uma organização de origem judaica, antinacional, anticristã e cosmopolita. 72 Repudiando o obscurantismo que cercava os rituais maçônicos, Barroso conclui que essa instituição também seria incompatível com o espírito do século XX, já que “O século XX é um século arejado, de janelas abertas e sem teia de aranhas”. 73 Opõe-se a “luz” integralista ao obscurantismo maçônico: “Movimento claro e desassombrado, ele [o integralismo] não pode recear a conjura das trevas, que se acita no segredo e procura a calada da noite com medo da luz. Símbolo do Espírito do Século XX, destina-se a varrer do Brasil os espectros noturnos do anti-cristianismo”.74 Novamente, portanto, a associação dos inimigos do integralismo ao obscuro, ao secreto, ao antiquado. O século XX não seria só o século da eletricidade e do zepelim, mas também o século do revigoramento dos nacionalismos em todos os lugares do mundo. Contrapondo-se ao internacionalismo judaico e maçônico que os séculos XVIII e XIX propagaram por meio dos ensinamentos liberais e marxistas, o século XX viria a reerguer a pátria diante de conceitos abstratos e universais como o de “direitos do homem”: Este século não é mais o século dos Direitos do Homem, porém o século dos Deveres do Homem, que o ouro do pan-judaísmo materialista universal tem feito esquecer com a ilusão daqueles apregoados Direitos. Por essa razão, todas as nações procuram mergulhar no passado em busca do espírito histórico, racial ou nacional, que encarnam e que ficou latente, guardado no fundo dos séculos, em busca de seus Egrégoros, como diziam os antigos gregos. O Japão dos samurais, a Romênia da Guarda de Ferro, a Polônia de Pilsudski, a Hungria ensanguentada por Bela-Kun, a Áustria de Dolfuss, a Inglaterra de Mosley, os Estados Unidos dos Silver Shirts, a Espanha, Portugal, a Suécia, a Holanda, a Finlândia, a Suíça, a Estônia, o Chile, o Peru, o México, todos nos oferecem exemplos concretos na esteira dos grandes movimentos vitoriosos de Hitler e de Muss olini. A própria França liberalíssima veste a camisa dos francistas e sente necessidade, para ressurgir moral e espiritualmente dos panamás judaicos, entre os quais o de Baiona marcou sua época, de ir além da latinidade e de chegar ao celtismo, cujo elemen to 75 moral Charles Le Goffic pôs em evidência em 1931. Assim, o integralismo não estaria sozinho ao “mergulhar no passado em busca do espírito histórico racial ou nacional” que guiaria suas ações no presente e no futuro. Se os fascistas romenos tinham sua Guarda de Ferro, os japoneses eram inspirados pelos samurais e das raízes celtas jorrava a inspiração dos fascistas franceses, os integralistas brasileiros eram tributários dos jesuítas, dos indígenas, dos escravos e dos bandeirantes. O tupi, o tapuia, o caboclo, o curupira e até a anta são personagens frequentemente mobilizados pelo discurso integralista. Em outra obra, após reproduzir exatamente o que escreveu nas duas primeiras frases do fragmento discursivo supracitado (substituindo “ouro do pan-judaísmo” por 72 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Ob. Cit. P. 355, 365. BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936. P. 66. 74 BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo. Rio de Janeiro: Editora ABC, 1937. (2ª edição). P. 86. 75 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936 (5ª edição). P. 116. 73 30 “materialismo”), Barroso enuncia as raízes históricas nas quais os brasileiros do século XX deveriam buscar suas forças: Os [Egrégoros] do Brasil são o seu sentimento cristão e a sua tradição de unidade nacional. A sua história toda ainda estremece ao passo dos Bandeirantes e dos Catequistas. Seus olhos não se podem voltar para as estepes gélidas da Rússia, onde habitam outros Deuses, mas para os sertões queimados de sol e as 76 serranias banhadas de luz onde ainda falam os seus Egrégoros formidáveis! Ao dizer que os brasileiros devem se voltar para “os sertões queimados de sol”, o autor faz um apelo que é herdeiro de muitas das angústias do Brasil republicano, vindo a se tornar uma constante no ideário integralista: o apelo para que os brasileiros do litoral deixassem de olhar para a Europa e passem a olhar para o interior do país, onde estaria a fonte da brasilidade. Desviando o seu olhar da Europa, especialmente das “estepes gélidas da Rússia”, os brasileiros não seriam seduzidos por ideologias que buscavam semear a discórdia entre as classes sociais e cindir a nação. Essa passagem mostra que, na concepção do autor, o comunismo padecia não só de contradições temporais, mas também espaciais. O marxismo, além de ser incompatível com o século XX, era estranho também à realidade brasileira, cujo egrégoro era o “sentimento cristão” e a “tradição de unidade nacional”. Por isso a preocupação do autor em contrapor as “estepes gélidas da Rússia” aos “sertões queimados de sol” e às “serranias banhadas de luz”. Esse elogio ao nacional, sempre irmanado com a descrença na eficácia de fórmulas estrangeiras aplicadas à realidade brasileira, está no cerne dos ensinamentos integralistas. Diz Plínio Salgado que “é doloroso ouvir-se um brasileiro culto: ele condena a nossa raça, os nossos costumes, atribuindo todos os nossos males à nossa inferioridade”, esquecendo-se “que a nossa raça apresenta índices históricos de superioridade sobre os norte-americanos”.77 Robert O. Paxton escreve que o fascismo não inventava seus mitos, preferindo escolher, entre os mitos nacionais já existentes, aqueles que atendiam às suas propostas de mobilizar as massas, unificar, purificar e lutar contra o individualismo liberal e as tensões sociais comunistas.78 É com essa finalidade que o integralismo invocava: o índio, elemento unificador nacional que transcende os regionalismos; o curupira, figura mitológica que, por habitar os sertões, não foi corrompida pelos males do cosmopolitismo que prevalece no litoral; os bandeirantes, rendendo-lhes tributos por sua iniciativa de penetrar o Brasil sertão adentro; e os jesuítas, por difundirem o catolicismo, elemento que transcende as diferenças materiais e incita à harmonia social. Para Barroso, os camisas-verdes seriam tributários de três idealismos: o sonho dos indígenas de alcançarem a terra sem males, o sonho dos escravos de 76 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 176. SALGADO, Plínio citado por MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 435. 78 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 76. 77 31 se libertarem e o sonho de glória e riqueza dos bandeirantes. 79 Os próprios camisas-verdes seriam, na sua concepção, novos bandeirantes que fariam o caminho inverso dos antecessores, levando a brasilidade do interior para o litoral: “O espírito bandeirante guardado no fundo dos sertões acorda e reconquista o que deixou para trás nas mãos infiéis do cosmopolitismo do litoral. Nós, Integralistas, somos os Anhangueras redivivos que retornam da Grande Peregrinação!”.80 É interessante perceber que essa contraposição entre o “Brasil real” e o “Brasil formal” (que se traduzia na contraposiação entre o “sertão” e o litoral) estava presente também em outras doutrinas fascistas. Para ficarmos apenas com um exemplo, vemos que o rexismo belga veiculava sua propaganda em uma revista chamada Pays réel (país real). Tal expressão foi inspirada no pensamento de Charles Maurras, líder da Action Française, que insistia na existência de duas Franças: uma real e a outra legal/formal, sendo dever do nacionalismo lutar pela primeira.81 Em seu livro Espírito do século XX, de 1936, Barroso expressa todas as esperanças que o novo século traria. Logo de início ele escreve: Nós saímos dum século cético, em que a desordem das filosofias varreu a fé de todos os corações, dum século que perdeu o critério das verdades eternas e se deixou guiar pela fraude e pela corrupção generalizadas. Foi o século da análise e da negação. O século atual reage, necessariamente, contra ele, para o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia: é o século da síntese e da afirmação. Por isso, a democracia liberal, projeção política duma doutrina filosófica que somente viu a vontade e a razão humanas, o indivíduo, está em vias de desaparecer. Ela apoiava-se em bases falsas que a não poderiam sustentar por muito tempo – as maiorias quantitativas, as contradições civis dos partidos, a luta sem mercê 82 dos egoísmos individuais e a divisão dos poderes públicos. Condena-se o liberalismo por sua concepção unilateral do universo e dos indivíduos, conferindo o primado à razão. Como bem observou Marcos Chor Maio, o liberalismo é identificado como um ardil judaico que busca minar as bases do espiritualismo cristão, pulverizar a sociedade incentivando conflitos que só levam em conta interesses egoístas (em pleno século dos “Deveres do Homem”!) e, em última instância, preparar o terreno para o golpe que irá coroar a obra destruidora dos sábios de Sião: o comunismo. Engendrando a exploração das massas por meio de banqueiros e industriais ávidos por lucros, os judeus teriam criado o comunismo para aliviar o povo com falsas promessas de auxílio. 83 Dessa forma, o judaísmo lançaria as massas à miséria para depois dotar essas mesmas massas do fervor revolucionário que, ao fim e ao cabo, não beneficiaria ninguém além dos próprios 79 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 18. BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 15. 81 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 125. 82 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 7. 83 MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 126, 127. 80 32 judeus, pois derrubaria os poderes estabelecidos e as antigas leis que lhes negavam a igualdade jurídica.84 Logo, o integralismo não seria, como muitos pensavam, uma forma de extremismo – longe disso. Enquanto o liberalismo só reconhecia o homem político e o comunismo só reconhecia o homem econômico, o integralismo seria a única doutrina capaz de fazer uma síntese que reconhecesse o homem em sua totalidade: enquanto razão, enquanto matéria e enquanto espírito/moral. Essa dimensão moral deveria prevalecer sobre as demais. É interessante ver como Barroso vai buscar na história da humanidade a justificativa para essa síntese que é econômica, histórica e espiritual. Em sua obra de 1935, intitulada O quarto império, o autor divide a história das civilizações em três grandes momentos (que ele chama de “impérios”), adicionando um quarto momento, que irá se concretizar com o triunfo do integralismo. O Primeiro Império, o Império do Carneiro, seria marcado pela teocracia e pelo primado do espírito sobre as demais esferas da vida. Durante esse período (que, historicamente, se situaria antes da formação do Estado) a família seria a unidade social básica e os trabalhadores se organizariam em corporações de ofício. O Segundo Império seria o Império da Loba, no qual prevaleceria a política sobre as demais esferas da vida. Durante o Império da Loba, Barroso teria identificado uma crise de valores e o primado não mais do espírito, mas da força. O Terceiro Império, o Império de Capricórnio, fora marcado pela supremacia do elemento econômico-materialista e pelo primado do capital. Seus marcos teriam sido a modernidade, o Renascimento, a Revolução Francesa e seus ideais judaicos de liberdade, igualdade e fraternidade. Foi o Império de Capricórnio, portanto, que pôs fim à ordem feudal que começava a se constituir no Império da Loba. Para Barroso, o feudalismo seria a ordem perfeita, graças à supremacia do Estado Cristão, da família, das corporações de ofício e da propriedade privada. É contra o Império de Capricórnio que o integralismo estaria lutando para implementar o quarto e último império, o Império do Cordeiro, o estágio final da humanidade. O Império do Cordeiro faria a síntese de todos os impérios que o antecederam, incorporando a política do Segundo Império, a economia materialista do Terceiro Império e colocando-as a serviço da espiritualidade religiosa do Primeiro Império. Essa síntese política, econômica e espiritual é considerada o cerne do espírito do século XX.85 Sendo assim, o Terceiro Império teria sido um ardil judaico de negação do projeto cristão de reunião harmônica entre os povos. Incapaz de se fixar em um lugar e constituir uma nação, o judeu é acusado de promover o triunfo do materialismo sobre o espiritualismo, do 84 85 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 85. Idem. P. 97, 98, 101, 103, 106, 109. 33 internacionalismo sobre a nação, fundando assim o mundo moderno. A revolução integral teria como meta criar um novo universo, livre do inimigo judaico e dos males que ele representava.86 É por isso que a concepção de “revolução” em Barroso não tem, a nosso ver, uma conotação restauradora, como o defende Natália dos Reis Cruz.87 O autor reconhece que é impossível retornar ao passado, uma vez que ele foi destruído pelo Terceiro Império. O Quarto Império não seria um retorno ao passado pré-moderno, mas a fundação de uma nova ordem social e de um novo homem, ambos calcados em valores cristãos medievais conciliados com aspectos da modernidade. O mundo medieval era, para Barroso, somente uma fonte de inspiração em seu projeto. 88 Inspirado pelo famoso tradicionalista católico russo Nicolau Berdiaeff, Barroso sugere a busca por “uma nova Idade Média, como uma atividade criadora para a frente”.89 Portanto, por mais “curupira” que o integralismo tenha sido, ele nunca deixou de se inspirar no medievo europeu. Os “sonhos do passado” integralistas não remetiam apenas ao índio, ao jesuíta e ao escravo, mas também à Idade Média. Nesse aspecto, o integralismo muito se assemelhava à tradição modernista reacionária alemã, que também assumiu uma postura seletiva diante da modernidade. O modernismo reacionário buscava conciliar as inovações tecnológicas e o desenvolvimento industrial com os “sonhos do passado” alemães. Abraçava-se a modernidade técnica ao mesmo tempo em que se recusava o Iluminismo e a racionalidade política. Um dos principais autores dessa tradição foi o filósofo Oswald Spengler, que, na tentativa de conciliar a racionalidade técnica com a Kultur alemã, associava a tecnologia a imagens feudais de nobres, soldados e aventureiros. Dissolvia-se, portanto, o elo entre a modernidade tecnológica e a herança iluminista, associando a primeira a metáforas feudais, militaristas, antiliberais e antiburguesas.90 É provável que Barroso tenha se visto em um dilema similar ao dos modernistas reacionários da República de Weimar. Ele viveu em um país cujos centros urbanos cresciam e cuja ordem industrial começava a se impor. O autor, assim como muitos outros brasileiros, se amedrontava diante da rapidez dessas mudanças, pois elas anunciavam a destruição da pequena propriedade, a desagregação da pátria, a dissolução dos laços familiares e a ameaça à religião.91 86 MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 26, 120, 123. CRUZ, Natália dos Reis. Ob. Cit. P. 203, 204. 88 MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 27. 89 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 160. 90 HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário (tecnologia, cultura e politica em Weimar e no Terceiro Reich). São Paulo: Ensaio, Unicamp, 1993. P. 80, 81, 241. 91 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 129. 87 34 1.4 Rotschild é Trotsky: a desconstrução do antagonismo “comunismo X capitalismo” O segundo aspecto do pensamento integralista de Gustavo Barroso que ampara o seu fascínio pelo fascismo é a desconstrução que ele faz do antagonismo entre comunismo e capitalismo. Como pudemos observar acima, o liberalismo, filho do século XVIII, e o marxismo, gestado no século XIX, eram vistos por Barroso como projetos obsoletos para o século XX. Enquanto o liberalismo e o marxismo partiam de análises, reconhecendo o homem somente enquanto ser racional ou somente enquanto ser material, o integralismo reconhecia-o sob esses dois aspectos, acrescentando-lhe ainda o aspecto moral/espiritual. O integralismo, portanto, seria soma e totalização.92 Gustavo Barroso se ampara no judeu como artifício principal para desconstruir a oposição entre comunismo e capitalismo. O autor foi amplamente influenciado pelos Protocolos dos sábios de Sião, documento forjado na Rússia de princípios do século XX que contribuiu de forma significativa para a difusão do antissemitismo. O próprio Barroso traduziu os Protocolos para o português em 1936. De acordo com esse documento, os judeus eram o grande mal prestes a conquistar o mundo. Atribui-se ao judeu a criação do iluminismo, do individualismo, do capitalismo, do comunismo, do materialismo, do Estado dentro do Estado, da manipulação dos governos e do povo.93 Em suma: seria o judeu o grande responsável por minar a unidade de todas as nações. Um dos exemplos dessa desconstrução é o que se segue: Porque o comunismo é a outra face do capitalismo. Ambos formam o deus Janus do materialismo moderno, pois se enraízam no movimento anti-individuológico [sic] naturalista iniciado pelo socialismo utópico dos san-simonistas; pois um invoca a sociologia naturalista e o outro, a filosofia materialista; pois a economia, tanto dum como do outro, é racionalista no seu fundo, economia de pessoas ou economia de massas; pois ambos promanam do mesmo movimento de análise que despedaço u toda visão totalitária dos fenômenos humanos. Tanto o capitalismo científico como o comunismo científico saem do liberalismo econômico, são seus filhos gêmeos e pretendem a mesma absoluta autonomia e preponderância dos 94 fenômenos econômicos e dos fenômenos materiais sobre os fenômenos es pirituais, morais e religiosos. Ao invocar o deus romano Janus, de duas caras, Barroso enfatiza como a oposição entre capitalismo e comunismo é apenas aparente. Sendo ambos racionalistas, materialistas, baseados em análises e incapazes de abordar a realidade em sua totalidade, não faria sentido, para o autor, seguir acreditando que o comunismo era uma alternativa viável ao capitalismo. Com isso, os dois grandes projetos político-econômicos são desacreditados, dando vazão para a defesa que o autor faz de uma terceira via. Essa terceira via variava de país para país, mas no caso do Brasil era o integralismo: 92 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 236, 238. MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 65, 66. 94 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 115, 116. 93 35 O Integralismo bate-se contra dois regimes, duas forças, dois inimigos, que parecem contrários um ao outro, que aparentemente se chocam, mas que na essência são irmãos, se entendem, se combinam muitas vezes por trás dos bastidores. Uma dessas forças é simplesmente o inverso da outra. Ambas não passam 95 do positivo e do negativo da mesma chapa fotográfica. São o capitalismo e o comunismo. Associando o comunismo e o capitalismo às duas faces de Janus, aos dois lados de uma chapa fotográfica, o autor fornece argumentos para diluir as diferenças entre ambos e associálos, como ditam os Protocolos, a uma única força – o judaísmo apátrida: O comunismo marxista não passa hoje de simples doutrina de exportação, propagada por alguns judeus em vários países com o fito de leva-los à ruína e à desordem, como se vê em Cuba. Enquanto isso, os especuladores vão ganhando nas altas e baixas das bolsas e da produção, sem a menor piedade para com os cristãos espoliados, até o dia em que se estabeleça a famosa “ditadura do proletariado”, por trás da qual o capitalismo judaico, tornado capitalismo de Estado, exercerá o poder. Judaísmo capitalista e comunismo, embora pareça isso um paradoxo, são dois sócios na mesma empresa de destruição das pátrias. São tão aparentados pelos interesses que a propaganda doutrinária é feita à socapa e mesmo 96 abertamente por elementos israelitas. Jeffrey Herf observa que o antissemitismo pode ser bastante instrumental na crítica conservadora ao capitalismo, pois ele permite atacar a modernidade sem atacar as relações de classe e propriedade. Ataca-se o judeu, símbolo de todos os males da modernidade e sempre associado às altas finanças e ao comunismo, mas a propriedade privada permanece intacta. Tem-se, portanto, de acordo com o autor, um anticapitalismo seletivo, e não uma rejeição indiscriminada da modernidade.97 A “crítica romântica à miséria brasileira” que Gustavo Barroso faz expressa sua intenção de atacar o capitalismo sem dar vazão a soluções radicais. Nessa crítica, o combate ao capitalismo se reduz a um combate espiritual, cuja solução não reside em mudar as estruturas, mas sim os próprios indivíduos. 98 Dado o exposto até aqui, podemos ir ainda mais longe do que Marcos Chor Maio e concluir que, para Barroso, não se tratava apenas de não aceitar “nem Rotschild nem Trotsky”, mas também de se reafirmar que, ao fim e ao cabo, “Rotschild é Trotsky”. A seguinte passagem resume o que quisemos ressaltar nos itens 1.3 e 1.4 – o apelo aos mitos nacionais como força propulsora para um movimento que era filho do século XX e o repúdio ao capitalismo e ao comunismo: Durará isso para sempre? Será esse o nosso trágico destino? Seremos servos humildes do judaísmo capitalista de Rotschild ou escravos submissos do judaísmo comunista de Trotsky, pontos extremos da oscilação do pêndulo judaico no mundo? Ou encontraremos no fundo da alma nacional aquele espírito imortal de catequizadores, descobridores, bandeirantes e guerreiros, único que nos poderá livrar de ambos 99 os apocalipses? Desperta Brasil, “adormecido eternamente em berço esplêndido”, desperta e caminha! 95 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 275. BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 113. 97 HERF, Jeffrey. Ob. Cit. P. 164. 98 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 38, 39. 99 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 85. 96 36 CAPÍTULO 2 2.1 A “primavera fascista” de Gustavo Barroso 100 Nacionalistas de todos os países, uni-vos! Pierre Bourdieu nos dá algumas valiosas recomendações para o estudo de um intelectual e sua obra.101 Ele critica os estudos que abordam um autor enquanto “individualidade única e insubstituível”. Isso inspira certos cuidados em nosso trabalho, entre eles, o de não “tomar como unidade uma obra individual ou a obra de um autor particular ou mesmo um aspecto particular de uma ou de outra”. É necessário, primeiramente, situar o autor estudado dentro do campo intelectual, além de estabelecer quais eram as relações de conflito e concorrência dentro desse campo e qual era a posição do referido campo dentro do campo de poder. Assim, por mais que o campo intelectual tenha uma autonomia, ele depende, segundo Bourdieu, de sua posição no interior do campo de poder. 102 Nas palavras do autor: Em outras palavras, quando se trata de explicar as propriedades específicas de u m grupo de obras, a informação mais importante reside na forma particular da relação que se estabelece objetivamente entre a fração dos intelectuais e artistas em seu conjunto e as diferentes frações das classes dominantes. À medida que o campo intelectual e artístico amplia sua autonomia, elevando-se, ao mesmo tempo, o estatuto social dos produtores de bens simbólicos, os intelectuais e os artistas tendem progressivamente a ingressar por sua própria conta, e não mais apenas por procuração ou por delegação, no jogo dos conflitos entre as frações da classe dominante.103 Em se tratando de Gustavo Barroso, a questão proposta por Bourdieu torna-se ainda mais complexa devido aos conflitos existentes não só entre os intelectuais integralistas e os intelectuais que ocupavam outros espaços do campo intelectual, mas também às desavenças existentes entre Barroso e os próprios integralistas. Tais conflitos giravam não só em torno de seu antissemitismo (do qual Plínio Salgado nunca compartilhou), mas também em torno da liderança. Um dos episódios mais célebres dessas desavenças se deu quando, em um discurso, Barroso afirmou que um chefe que não era fiel à sua doutrina corria o risco de perder a 100 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 169. O debate sobre a função, a história e as relações entre os intelectuais extrapola o objetivo dessa monografia. Sugerimos as seguintes leituras: ALTAMIRANO, Carlos. Intelectuales (notas de investigación). Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2006. BASTOS, Elide Rugai. RIDENTI, Marcelo. ROLLAND, Denis (org.). Intelectuais (sociedade e política). São Paulo: editora Cortez, 2003. BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: editora Perspectiva, 1992 (ciências sociais). CHARTIER, Roger. As utilizações do objecto impresso. Lisboa: Difel, 1998. LAHUERTA, Milton. Os intelectuais e os anos 20 (moderno, modernista, modernização). In: COSTA, Wilma Peres, DE LORENZO, Helena Carvalho. A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São Paulo: Unesp, 1997. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil, 1920-1945. São Paulo: Difel, 1979. SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003 (2ª edição). OLIVEIRA, Lúcia Lippi [et al.]. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: FGV, 1982. 102 BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de cl asse. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: editora Perspectiva, 1992 (ciências sociais). P. 183, 186, 190. 103 Idem. P. 191. 101 37 autoridade. Os aliados de Plínio Salgado interpretaram essa mensagem como uma crítica velada ao chefe nacional, o que gerou bastante desconforto no seio da AIB. Alguns dias depois, provavelmente em uma manobra tática, Plínio Salgado renunciaria à liderança da AIB após um discurso, ausentando-se da sala de reunião logo em seguida. Atônitos, seus companheiros tentaram convencê-lo a mudar de ideia, entre eles o próprio Barroso que, aos prantos, se desculpou com o chefe e pediu-lhe para que reconsiderasse sua decisão. Alegando ceder às “pressões” desses companheiros, Plínio Salgado decide voltar atrás.104 O próprio integralismo se desenvolveu no bojo dos vários conflitos que marcavam a decadência da ordem oligárquica. Sérgio Miceli escreve que, ao longo da Primeira República, multiplicaram-se de forma considerável as instituições de ensino superior, de modo que ter um diploma de nível superior já não era, em princípios dos anos 1930, uma garantia de distinção social nem de emprego. Esse impasse diante do qual cada vez mais bacharéis se encontravam desencadeou uma disputa acirrada entre esses intelectuais, favorecendo a adesão de muitos deles ao que o autor chama de “empreendimentos de salvação”, como a Igreja, as organizações de esquerda e o integralismo. Ao perceberem, em 1932, que a derrota da ordem oligárquica à qual serviam era irreversível, esses intelectuais acabaram debandando para organizações como a AIB.105 Como bem aponta Marilena Chauí, o grande interlocutor do discurso integralista era a classe média urbana brasileira. São as camadas médias urbanas brasileiras que os integralistas convocam para exercer um papel militante e de vanguarda no movimento.106 Roney Cytrynowicz afirma que essa classe média vivia à sombra das oligarquias rurais, ocupando cargos importantes de governo e usufruindo da ordem estabelecida, mesmo não sendo a classe dominante. O resultado disso foi, segundo o autor, a incapacidade dessa classe de portar um projeto político integralista. 107 autônomo. Tal incapacidade culminou nas limitações do projeto Ademais, Trindade observa que os anos 1920 no Brasil presenciaram uma importante tomada de consciência das camadas médias urbanas, a exemplo de burocratas, militares, pequenos empresários e comerciantes.108 Desse modo, podemos pensar o integralismo como uma tentativa dessas classes de fugirem da órbita das oligarquias cafeeiras por meio de um projeto político pretensamente autônomo. Nas palavras de Sérgio Miceli: 104 TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 177, 178. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920 -1945). In: MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras/Fundação Biblioteca Nacional, 2001. P. 118, 119. 106 CHAUÍ, Marilena de Souza. Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira. In: CHAUÍ, Marilena de Souza; FRANCO, Maria Silvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. (CEDEC / Paz e Terra; v.3). P. 53-55. 107 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 150. 108 TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 25. 105 38 Assim como as cisões políticas surgidas no interior da oligarquia haviam alterado drasticamente as modalidades de colaboração dos intelectuais com o poder mesmo antes de 1930, não há dúvida de que as tentativas da oligarquia no início dessa década com vistas a recuperar o poder central estão na raiz de uma série de empreendimentos culturais em âmbito regional e do surto de organizações “radicais” de direita a que se filiaram diversos jovens, políticos e intelectuais desejosos de escapar por essa via ao destino de seus antigos patrões da oligarquia.109 Inserindo o integralismo em uma grande “primavera fascista”, Barroso o associa à grande novidade do século XX e, consequentemente, desvincula-o de todas as outras manifestações políticas que o Brasil já tivera. Por um lado, isso atenderia aos interesses de grande parte da classe média brasileira, cujo grande dilema, diante da crise do liberalismo, era entre fascismo e comunismo.110 Por outro lado, isso atenderia ao interesse específico de Barroso, enquanto figura de proa da AIB, de conferir ao integralismo um respaldo internacional, mostrando que ele não estava sozinho no mundo. Por isso o autor se empenha em achar na história um evento fundador para o integralismo e seus congêneres, encontrando-o na Marcha Sobre Roma. Nas palavras dele: “Só a mocidade, que é o futuro, lhe resta [ao Brasil] como tábua de salvação, somente ela é capaz de renová-lo, como, ao som da Giovinezza, reformou a Itália, concertou Portugal e redimiu a Alemanha”.111 Da mesma maneira que a Marselhesa e a Internacional Comunista, a Giovinezza, hino cantado pelos fascistas na Marcha Sobre Roma, haveria de ecoar por vários países. Se os liberais eram filhos de 1789 e os comunistas filhos de 1848, os fascistas seriam filhos de 1922 – os legítimos filhos do século XX. Assim, com a pretensão de legitimar uma doutrina que está dando seus primeiros passos, Barroso faz a exortação que reproduzimos na abertura desse capítulo: Respondendo ao grito de Marx, no meado do século XIX, – “Proletários de todos os países, uni-vos!” ouve-se no século XX outro grito: – “Nacionalistas de todos os países, uni-vos!” Uni-vos na convicção de que o nacionalismo deste século (...) renovará a alma das velhas sociedades e trará ao universo a ideia duma ordem pacífica internacional.112 É curioso notar que, um ano antes, Barroso faria um chamado semelhante, convocando, porém, outro sujeito revolucionário: Entretanto, o grito – “proletários do mundo inteiro, uni-vos!” passado quase um século, ainda não conseguiu acabar com as pátrias e hoje outro lhe responde, universalizando, não uma classe, mas uma doutrina, dentro da qual é sagrado tudo quanto o marxismo destrói: - “intelectuais do mundo inteiro, univos”!...113 Isso nos mostra que, na concepção do autor, a revolução fascista não teria conotações classistas, e sim nacionalistas, e que caberia aos intelectuais de cada nacionalidade despertar esse espírito revolucionário entre seus patrícios. Tendo em vista que o integralismo valoriza 109 MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 78. TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 148. 111 BARROSO, Gustavo. O integralismo em marcha. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933. P. 9. 112 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 169. 113 BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 41. 110 39 mais a nação do que a classe, e que a revolução que ele defende é uma revolução primordialmente subjetiva para depois se tornar objetiva,114 o chefe de milícias da AIB enxerga o sujeito revolucionário não em uma classe social, mas na nação. Assim, mais do que transcender a perspectiva classista e materialista do marxismo, o autor reivindica para o integralismo um caráter revolucionário que o distingue do projeto revolucionário localizado em outra parte do campo intelectual: o projeto da esquerda. Diferente da revolução comunista, que se baseava na união voluntária de todos os proletários, a revolução integralista basear-seia na união de todos os nacionalistas conduzidos pelas suas respectivas intelligentsias: Esse movimento, refletido no nosso país e adaptado à sua realidade, criará o sentimento de brasilidade que nos há de salvar da ruína (...). Sua criação é obra de pensadores, homens de ciência, artistas, escritores e poetas, não é obra de políticos. Eis porque a nós intelectuais cabe a maior responsabilidade na criação do Brasil Novo.115 Assim, por mais que Marilena Chauí identifique nas camadas médias urbanas os protagonistas da proposta integralista, Barroso se recusa a dirigir seu discurso a uma classe em especial. Sendo o integralismo uma terceira via ao comunismo e ao liberalismo, os intelectuais seriam uma terceira força diante do proletariado e da burguesia: O liberalismo isolou o homem no individualismo e somente o considerou como cidadão -eleitor. O comunismo submerge-o no oceano da massa e o transforma em parafuso com estômago e libido dum maquinismo social. O mundo inteiro sente a imprescindível necessidade duma síntese que combata essas análises unilaterais. No duelo travado entre burgueses e operários, os verdadeiros intelectuais entram com uma terceira forma de justiça social. Karl Marx não previu este aspecto da luta de classes. Sua doutrina coordena os valores sociais dispersos e os canaliza para alto fim humano. Suas primeiras manifestações chamaram-se fascismo e nacional-socialismo. Sua expressão mais completa chama-se integralismo.116 A avaliação de Marilena Chauí não é, no entanto, desprovida de sentido. Carlos Altamirano, comentando a postura de Karl Kautsky em relação à problemática dos intelectuais, afirma que este último situava o nascimento da intelligentsia na separação entre trabalho manual e intelectual. Com o passar do tempo, porém, teria ocorrido uma superprodução do campo intelectual que acabou ocasionando o alargamento desse grupo, a ponto de transformá-lo em uma nova classe média ainda mais importante que a tradicional pequena burguesia.117 Acreditamos que esse processo estava em curso no Brasil já nos anos 1920 e 1930, a julgar pela expansão, nesse período, de grupos sociais que impulsionaram a autonomização de um mercado de bens culturais nos grandes centros urbanos e industriais. 118 Assim, ao chamar os intelectuais para exercerem um papel ativo no projeto integralista, o autor estaria chamando, em última instância, as camadas médias urbanas. É claro que esse 114 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 148. BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 108. 116 Idem. P. 45. 117 ALTAMIRANO, Carlos. Ob. Cit. P. 56. 118 MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 79. 115 40 chamado aos intelectuais excluía aqueles já comprometidos com projetos contrários ao integralismo. Por isso a observação do autor: “As forças espirituais do mundo despertam ao toque de rebate dos intelectuais ainda não pervertidos”.119 O intelectual, se bem entendemos a proposta barrosiana, deveria ser alguém esclarecido que salvasse as “massas” do “embrutecimento das atividades produtivas” de que nos fala Bourdieu,120 afinal de contas, “quantas vezes o Chefe Nacional não tem dado a lição de que devemos contrariar a multidão, quando errada, e de que o nosso destino é salvar o Brasil, mesmo contra a sua vontade?”.121 Da mesma maneira que o homem integral deveria ser abordado enquanto razão, matéria e espírito, o intelectual integral deveria ser um homem de pensamento, de ação e de princípios – sendo o esclarecimento do público leigo uma de suas principais ações. Assim, por mais que fosse um ideólogo, Barroso nunca deixou os objetivos finais ofuscarem as ações necessárias para alcança-los. O apoio dos intelectuais “não pervertidos” seria fundamental para atingir tais fins: Algum dia liberais e comunistas, reflexos da mesma empresa capitalista, te contaram a história que lês neste livro? Nunca. É um integralista quem tem a coragem de rasgar o véu do templo do Bezerro de Ouro, Senhor do Mundo, de mostrar-te a causa real, a causa mater de todas as tuas aflições, e de dizer-te: Não faz mais revoluções com “r” minúsculo, brasileiro! Elas nada adiantam. Mudam constituições, mudam homens, mas não mudam os contratos com Londres. Esses é que é preciso rasgar. Quem te promete isso? O integralismo. Anda, vem vestir a Camisa-Verde e fazer a Revolução definitiva, a Revolução com R maiúsculo!122 No campo intelectual, o grande rival do integralismo era a intelectualidade de esquerda. A esquerda brasileira não encontrava dificuldades em associar o integralismo ao fascismo, acusando-o de estar a serviço dos “feudal-burgueses” e do imperialismo que buscavam dominar o Brasil.123 Sendo assim, no espectro político em que o integralismo se situava, é curioso perceber como sua retórica muitas vezes se assemelhava à de sua grande rival: a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Também a ANL denunciava a subserviência nacional ao capitalismo estrangeiro, elencando entre seus grandes inimigos as companhias estrangeiras, os latifundiários e seus agentes, além de chamar o Estado a desempenhar um papel mais ativo na vida nacional, sobretudo na esfera econômica. O programa da ANL se inspirava em outros movimentos de frente popular antiimperialistas e defensores de reformas econômicas, a exemplo da Allianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), no Peru. Entre suas 119 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 172 (grifo nosso). BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas... P. 192. 121 BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo... P. 102. 122 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 192. 123 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Ob. Cit. P. 95. 120 41 reivindicações estava o cancelamento da dívida externa 124 (dívida essa cujos números Barroso cita à exaustão em Brasil, colônia de banqueiros). Assim, a AIB e a ANL muitas vezes coincidiam na identificação dos inimigos do país, embora suas propostas fossem conflitantes. A forma como Barroso descreve a conjuntura internacional é bastante sugestiva nesse sentido. Entre os movimentos e regimes que o autor considera irmanados com o integralismo, aparece ninguém mais, ninguém menos que a própria APRA. As menções à APRA, no entanto, são breves e despojadas do entusiasmo que ele demonstra com outros movimentos. Em uma passagem, o autor se restringe a dizer que “Os apristas agitam-se no Peru, agitando a alma nacional aletargada [sic]”.125 Em um tópico intitulado “O fascismo no Peru”, salta à vista a seletividade do autor ao descrever os princípios da APRA: Seus [da APRA] princípios básicos são os seguintes: ordem, hierarquia, propriedade, trabalho, soberania econômica, além da soberania política, para a nação. Combate a usura, a especulação, a desnacionalização do país, o cosmopolitismo, as influências nefas tas junto aos governos. Abrem luta contra os amarelos que invadem avassaladoramente as costas americanas do Pacífico, invadindo o comércio, a indústria, a lavoura. É, assim, ao invés de anti-judaico, anti-nipônico, mas com uma veemência igual à do antissemitismo germânico.126 Os princípios da APRA atraíram simpatizantes não só entre os comunistas, mas também entre os fascistas do mundo. Na tentativa de incluir esse importante movimento político peruano em seu projeto, Barroso ressalta apenas aqueles aspectos da APRA que permitem irmana-la com o integralismo, ignorando aqueles que causariam conflito. Isso não se dá só no caso da APRA, mas também do nacional-socialismo alemão, como veremos adiante. Portanto, integralistas, tal como os comunistas, por mais que ocupassem posições antagônicas no campo intelectual, alimentavam discursos igualmente hostis a muitos dos elementos do campo de poder, especialmente aqueles acusados de ligação com o capital estrangeiro e com o imperialismo. Entretanto, um lado acusava o outro de servir a uma ideologia estrangeira e, por isso, de estar a serviço do imperialismo – o imperialismo sendo associado ora a Moscou, ora ao nazi-fascismo, dependendo do discurso. A já mencionada desconstrução do antagonismo “comunismo X capitalismo” nasce dessa necessidade que Barroso encontra, no embate com pensadores situados à esquerda do campo intelectual, de filiar o projeto comunista às investidas do imperialismo e do capital estrangeiro no Brasil, reafirmando o integralismo como a única doutrina realmente comprometida com os interesses nacionais. É por isso que o autor reage às críticas daqueles que acusam o integralismo de filiação a interesses externos, alegando que “eles [os que acusam o integralismo de ser um 124 LEVINE, Robert M.. Ob. Cit. P. 106, 107, 112. BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 167, 168. 126 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 169. 125 42 capitalismo disfarçado] é que são, na verdade, os agentes secretos dos capitalistas sem pátria, que lançam mão do comunismo para acabar com a família e com as pátrias”.127 Os empréstimos estrangeiros, comuns ao longo do período imperial e cada vez mais frequentes ao longo da República Oligárquica, permaneceram fundamentais para os governos brasileiros mesmo após 1930, acentuando cada vez mais a dependência econômica do país. O domínio do capital inglês se fazia notar sobre as ferrovias, portos, companhias elétricas e o setor bancário. Também era importante a participação dos capitais norte-americano, francês e alemão, especialmente no setor de transporte aéreo. No mais, Vargas continuou manobrando para renegociar a dívida externa brasileira e contraindo novos empréstimos com casas de crédito no exterior.128 Eis, portanto, a colônia de banqueiros que inspirou nosso autor a escrever o seu livro integralista de maior sucesso: Brasil, colônia de banqueiros. Nele, Barroso acusa os governos brasileiros de entregarem o país nas mãos dos grandes banqueiros internacionais, acusados de escravizar o país com seus empréstimos e juros extorsivos: O problema fundamental da nossa pátria é a sua escravização secular ao capitalismo internacional. Contra isso é que devemos achar remédio. O liberalismo-democrático de coroa e de barrete frígio conduziu-nos a esse estado de coisas (...). O comunismo pretende-se com credenciais bastantes para resolver o problema 129 e mente pela gorja, como diziam os clássicos. Porque o comunismo é a outra face do capitalismo. Entretanto, “não é só o Brasil a vítima do Super Eldorado Capitalista sem entranhas, mas o mundo inteiro. Daí a sua aflição, a sua inquietação, a sua angústia, o seu desespero”.130 Por isso o entusiasmo do autor com os demais movimentos e regimes ao redor do mundo que, segundo ele, combatiam a opressão capitalista. Como nos mostra Leandro Konder, Hitler e Mussolini apresentavam seus países como países proletarizados e explorados pelas nações capitalistas vencedoras da Primeira Guerra (excetuando-se a Itália e sua “vitória mutilada”). Assim, longe de proporem uma luta de classes, propunha-se uma luta entre nações exploradas e nações exploradoras.131 Vivendo em um país que já havia sido colonizado, em uma época na qual a soberania nacional era um tema cada vez mais mobilizado, Barroso não teve dificuldades para se apropriar desse discurso fascista que exortava à luta entre exploradores e explorados. A Marcha Sobre Roma seria, como vimos, o marco fundador dessa luta: A marcha sobre Roma há de estrondar eternamente nos séculos como o caminhar das forças do Espírito contra as muralhas da Matéria. Deus dirige os destinos dos povos. Mussolini foi a Joana d’Arco desse momento histórico. Justamente por ter sido a primeira reação, a reação de emergência, a reação apressada, a doutrina do fascismo italiano ficou a menos completa e menos espiritual de todas. Teve de ir 127 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 118. LEVINE, Robert M.. Ob. Cit. P. 54, 55, 71, 72. 129 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 115. 130 Idem. P. 76. 131 KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. Rio de Janeiro: Graal, 1977. P. 11, 12. 128 43 completando-se na luta, organizando-se pari-passu com as vitórias obtidas consecutivamente, pouco e 132 pouco se adaptando às realidades, sobretudo às realidades espirituais da Itália. Termos e expressões como “estrondar eternamente” e “forças do Espírito contra forças da Matéria” buscam passar a ideia do fascismo como uma força avassaladora e irreversível, pronta para destruir todos os obstáculos à sua frente. Essa marcha seria, para os fascistas do mundo, o mesmo que a Revolução Francesa foi para os liberais, ou que a Revolução Russa foi para os comunistas. Uma figura que merece destaque nesse fragmento é a de Benito Mussolini, comparado a Joana d’Arc graças ao seu protagonismo nesse movimento. O tema do triunfo do fascismo nesse importante momento histórico também é marcante no fragmento, mas contrasta com outro tema: a incompletude do fascismo italiano, já que seu pioneirismo o teria impedido de adquirir uma espiritualidade mais elevada. O fascismo diferiria do liberalismo e do comunismo não só por evitar os unilateralismos da matéria e da razão, mas também por poder ser implementado sem recorrer-se à brutalidade. Logo, diferente da Revolução Francesa e da Revolução Russa de 1917, a ascensão do fascismo e do nazismo ao poder teria se dado de forma pacífica, sem tiros nem vítimas: Atentai, depois, na grande revolução fascista e na grande revolução hitlerista, que mudaram completamente os destinos da Itália e da Alemanha, que alastrarão o mapa das nações e modificarão a face político-social do planeta; atentai e vereis que nem em Roma, nem em Berlim ninguém foi fuzilado, metralhado, afogado ou executado de qualquer outra forma por ordem dos vencedores. Excetuando alguns tiroteios e lutas de rua em que tombaram algumas dezenas de vítimas de lado a lado, friamente, conscientemente, nenhuma gota de sangue se derramou. 133 O fragmento supracitado torna-se ainda mais esclarecedor se atentarmos para “o conhecimento das condições sociais de produção da competência social” de seu produtor. 134 Vimos que Barroso, tal como muitos outros integralistas, vinha das camadas médias urbanas. Antônio Rago Filho identifica nessa classe um horror a toda e qualquer forma de luta, bem como uma profunda aversão aos avanços das forças produtivas. Nas palavras de Chasin, a pequena burguesia reacionária é o “filho temporão da história planetária, não nasceu da luta, nem pela luta tem fascínio”. E arremata: “De verdade, o que mais o intimida é a própria luta, posto que está entre o temor pelo forte que lhe deu a vida, e o terror pelos de baixo que podem vir toma-la”.135 Nada melhor a essa classe “acovardada”, portanto, do que um projeto político que não carregasse consigo o legado de guilhotinas e gulags. Escrevendo em 1936, Gustavo Barroso identifica apenas quatro Estados no mundo aos quais caberia a alcunha de “estados fascistas corporativos integrais”: a Alemanha, a Itália, a 132 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 161, 162. BARROSO, Gustavo. O integralismo em marcha... P. 92, 93. 134 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: EDUSP, 1998. P. 65 (nota 15). 135 CHASIN, J., citado por RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 18. 133 44 Áustria e Portugal. Ele identifica também “estados fascistas, embora sem rótulo”: a Hungria, a Turquia, a Bulgária e a Polônia. Por fim, haveria os estados de tendências fascistas: Finlândia, Chile, Letônia e Estônia.136 Como já fizemos questão de salientar, o entendimento que Barroso tinha do fascismo é diferente daquele que possuímos hoje. Para ele: O movimento fascista, como movimento, é especificamente italiano. A revolução que realizou é um fato histórico italiano. Mas o Fascismo também é uma doutrina, tem caráter universal. Portanto, empregaremos o termo Fascismo, ora para designar o movimento italiano e sua obra, ora o movimento filosófico universal, no qual se englobam o nacional-socialismo alemão, o nacional-corporativismo belga, o nacional-sindicalismo espanhol e outros que tais: integralismo, aprismo, etc..137 Barroso acredita no caráter universal do fascismo e na sua capacidade de regenerar as nações. Essa “universalidade fascista” se assentaria na reação nacionalista que se batia pelo primado do espírito sobre a matéria.138 Os traços que uniam esse fascismo universal seriam: (...) anti-individualismo, reafirmação do Estado encarnando a coletividade; heroísmo como princípio de vida em oposição aos materialismos burguês e marxista; contra todas as divisões em classes ou partidos, reafirmação da nação como realidade primacial e da solidariedade natural que une todos os seus membros; organização hierárquica da coletividade nacional em todos os seus domínios. Portanto: coletivismo espiritual e nacional hierarquizado.139 Antônio Rago Filho enuncia que a “destinação histórica” do anticomunismo e do antiliberalismo nos fascismos europeus se orienta para um nacionalismo agressivo, ávido por se expandir territorialmente e economicamente. Já no integralismo, é mais forte um nacionalismo defensivo, “como meio de proteção da família pequeno-burguesa, ameaçada pela lógica imanente à acumulação ampliada do capital”140 e também – acrescentemos – pelo comunismo. Logo, graças ao caráter defensivo do nacionalismo integralista, sua apologia do fascismo é sustentada muito mais pela necessidade de proteção contra inimigos comuns do que por pretensões expansionistas. 2.2 Os Estados fascistas, corporativos e integrais Gustavo Barroso admirava a ascensão do Terceiro Reich no país de seus antepassados. Para ele, “a fome, o desemprego, a escravização geraram no seio dum povo ordeiro, resistente, bravo e culto esse movimento formidável que levou ao poder Adolf Hitler”. Tal movimento “reconstituiu a Alemanha em novas bases, vencendo todos os obstáculos e desafiando todos os inimigos”.141 Justificando a experiência nazista, ele escreve: 136 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 22. Idem. P. 101. 138 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 253. 139 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 102. 140 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 27. 141 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 25, 26. 137 45 As imposições dos Aliados tiravam toda e qualquer liberdade de movimentos ao povo alemão, que fenecia na esterilidade das lutas partidárias, permitindo a infiltração do bolchevismo judaico . A ganância israelita cevava-se nessas ruínas, desvalorizando a moeda e concentrando todas as propriedades nas mãos ávidas.142 Termos como “escravização” e “imposições” buscam passar a ideia de que havia forças tolhendo “toda e qualquer liberdade de movimentos” aos alemães. A “esterilidade das lutas partidárias”, a “infiltração do bolchevismo judaico” e os problemas econômicos daí decorrentes completam o quadro de desolação em que a Alemanha se achava. Mais do que isso, eles sugerem muitas similaridades entre as aflições alemãs e as brasileiras: também o Brasil era uma “colônia de banqueiros” escravizada pelos juros internacionais; também o Brasil sucumbia “no meio do ladrar dos partidos que dividem a nação e somente visam o voto para galgar posições”.143 Em suma: o uso de metáforas coloniais, a denúncia de forças estrangeiras cercando o país e as divisões geradas pelos facciosismos partidários permitem ao autor esboçar um quadro geral da Alemanha que se assemelhava ao do Brasil. A postura de nosso autor diante do nacional-socialismo é marcada por uma grande seletividade, manifesta, sobretudo, por meio de omissões. Barroso enuncia dezoito pontos importantes do partido nazista, abstendo-se de comentá-los. Entre eles aparece o zelo pela pureza da raça, sobre o qual ele não se manifesta. Depois, conclui indicando as obras mais importantes para a compreensão das ideias nacional-socialistas: Mein Kampf (Adolf Hitler), As bases do nacional-socialismo (Gottfried Feder), Huter der Verfassung (Carl Schmitt) e Mito do século XX (Alfred Rosenberg),144 autores que o autor cita com certa frequência em outros de seus livros. Em Brasil, colônia de banqueiros, por exemplo, o autor demonstra como foi um leitor atento de Gottfried Feder, responsável por elaborar a doutrina econômica nacional-socialista. Ao descrever a prostração do Brasil diante dos juros cobrados por banqueiros internacionais valendo-se de figuras como “escravização”, “colônia”, “servos humildes” e “algemas”, Barroso se aproxima de Feder, para quem a “quebra da servidão dos juros é o eixo de aço em torno do qual [todas as demais questões] giram”, a ponto de tal quebra significar a “solução da questão social”. 145 Da mesma forma que Barroso vê o Brasil como uma “colônia de banqueiros”, Feder diz que a Alemanha “não é mais um Estado soberano”, mas uma “colônia escravizada” (Sklavenkolonie).146 Segundo Feder, a servidão 142 Idem. P. 26. BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 98. 144 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 26-28. O autor cita ainda, com certa frequência, a obra de Houston Stewart Chamberlain, pensador britânico que realizou importantes contribuições à ideologia nacional-socialista. 145 FEDER, Gottfried. Das Programm der NSDAP und seine weltanschaulichen Grundgedanken. Munique: Frz. Eher Nachf., 1932. P. 32. 146 Idem. P. 41. 143 46 dos juros é a situação na qual vários povos do mundo se encontravam de submissão à opressão do dinheiro e dos juros controlados pelas altas finanças judias. 147 Atento a essa constatação, Barroso alerta: “É urgente que os governos deixem de ser, como os qualifica Gottfried Feder, cobradores de juros por ordem de senhores anônimos”. 148 Barroso considera Hitler um grande protetor da civilização cristã ocidental, como podemos ver no trecho seguinte, alusivo à saudação nazista com o braço estendido: E o gesto de Roma lembra, no fundo dos séculos, a gleba fecunda onde tomaram corpo as raízes da civilização que representamos: o gênio da latinidade unido ao gênio do crist ianismo. É essa a saudação que, hoje, o braço de Hitler estende sobre a própria Germânia e que parece ordenar ao bolchevismo: Volta para a Ásia! E à democracia liberal: - Vai para o cemitério!149 Além disso: Está definitivamente verificado e provado que a maioria desse bando de criminosos é composta de judeus e que sua inspiração e suprema direção ocultas provêm de judeus. Essa é a questão judaica. Em todas as épocas da história, ela veio à tona mais fracamente ou mais intensamente, conforme, sempre, poré m, aos mesmos desígnios imutáveis de implantação dum Estado no Estado e de desagregação dos povos para dominá-los. O que Hitler pratica nos nossos dias é a repetição do que fez Tibério em Roma e, antes de Tibério e antes de Cristo, o pretor de Hispalus. É a defesa do Estado. É a defesa da Civilização.150 Igualmente elogiosos são os trechos dedicados à Itália, especialmente em decorrência de seu pioneirismo no fascismo: Com ela, [Mussolini] bateu por toda a parte os comunistas, marchou sobre Roma e tomou o po der, afirmando princípios contrários ao do liberalismo que acabara de destruir: ao invés de igualdade, hierarquia; ao invés de liberdade, disciplina; ao invés de fraternidade, devotamento à pátria. Em todo o país houve completa transformação de atitudes. A o derredor do ditador, que arvorava como símbolo o velho fascio dos litores da Roma imperial, o feixe de varas protegido pelo machado, vieram formar todos os patriotas. Trabalhadores de toda a espécie e mesmo a maioria dos socialistas aderiram a ele. Desapareceram da tela das discussões as serôdias classificações de burgueses e operários. O rótulo fascista igualou todos os italianos no mesmo ideal e no mesmo esforço pela grandeza da Itália. E o apelo à massa para cooperar lealmente com o novo Estado forte n a sua autoridade moral e material livrou a Península do perigo da subversão comunista.151 Ressaltando a luta contra o comunismo e o liberalismo, Barroso busca mais uma vez evidenciar a universalidade da luta fascista. Porém, o que nos chama atenção nesse trecho é a forma como o autor rechaça os princípios-chave da Revolução Francesa. Essa manobra revela a tentativa que o autor empreende de construir uma simbologia para o fascismo que o afastasse das tradições herdeiras da Revolução Francesa. Se o comunismo chama todos os operários a se unirem, o fascismo chama todos os nacionalistas a se unirem; se o liberalismo se inspira na Revolução Francesa e o comunismo na Revolução Russa, o fascismo se inspira na Marcha Sobre Roma; se os comunistas se inspiram em Lênin, os nacionalistas se inspiram 147 Ibidem. P. 20, 31. BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 132. 149 BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 78. 150 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 119-120 (grifo no original). 151 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 155. 148 47 em Mussolini e Hitler; se o liberalismo se apoia na burguesia e o comunismo no proletariado, o fascismo se apoia nos intelectuais; e, por fim, se o liberalismo prega liberdade, igualdade e fraternidade, o fascismo prega disciplina, hierarquia e devotamento à pátria. É nesse jogo de oposições que Gustavo Barroso constrói sua argumentação, a fim de forjar uma simbologia e uma identidade próprias à “primavera fascista” com a qual ele tanto se entusiasma. Tal identidade seria de fundamental importância para auxiliar os brasileiros a tomarem partido diante do dilema “fascismo ou comunismo?”. Se no começo do trecho Barroso valorizou a “hierarquia” em detrimento da “igualdade”, a fim de se contrapor à Revolução Francesa, no final do trecho o autor exalta o papel do fascismo como uma força para dirimir os conflitos de classe. Ao observar que o fascismo “igualou todos os italianos no mesmo ideal e no mesmo esforço pela grandeza da Itália”, Barroso permanece fiel ao seu projeto de valorizar muito mais as nações do que as classes. A Áustria, outro país que, segundo o autor, teria um Estado corporativo integral, aparece de forma mais discreta em sua obra. Escrevendo sobre a situação austríaca, Barroso tenta passar a imagem de que o fascismo era uma grande demanda popular no país e que, não obstante os esforços do governo em implantar um Estado corporativo, a população clamava por mais: “O governo austríaco já decretou a organização corporativa do Estado, mas isso não satisfaz ao povo austríaco, que se vê minado pelo judaísmo e que já experimentou os horrores dos golpes comunistas”152 . Ele destaca igualmente a simpatia dos austríacos pelo nacionalsocialismo: “A Áustria apoia-se no estrangeiro para impedir provisoriamente que o nazismo dela se apodere, porque ele corresponde às aspirações de seu povo; mas é obrigada a adotar a organização corporativa do Estado para poder viver”.153 A seletividade com que Barroso descreve a conjuntura austríaca também é evidente, manifestando-se por meio de uma importante omissão. No longo trecho citado na seção 1.3, ao fazer um pequeno apanhado dos países nos quais o fascismo se manifestava, o autor cita brevemente a Áustria de Dollfuss como um dos “exemplos concretos na esteira dos grandes movimentos vitoriosos de Hitler e de Mussolini”.154 Paxton nos diz que o regime de Engelbert Dollfuss caracterizou-se muito mais por uma feição católico-autoritária do que por um regime fascista, tendo lutado não só contra os comunistas, mas também contra os próprios nazistas austríacos.155 152 Konder define-o como um “clerical-fascismo”.156 Assim, ao omitir os BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 33. BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 168. 154 BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros... P. 117. 155 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 192. 156 KONDER, Leandro. Ob. Cit. P. 102, 103. 153 48 confrontos entre Dollfuss e os nazistas, Barroso retira do caminho um elemento que sugeria conflitos entre os fascistas. Lembremo-nos sempre do chamado do autor pela união dos nacionalistas de todos os países. Qualquer obstáculo à concretização dessa união não recebia a atenção do autor. Sua preocupação era ressaltar a união dos fascismos na luta contra o inimigo comum. O Pe. Everardo Guilherme, um importante religioso brasileiro dos anos 1930, comenta essa passagem na qual Barroso defende que o nacional-socialismo correspondia às verdadeiras aspirações do povo austríaco. Segundo o religioso, “Por esta opinião ofendem-se gravemente os sentimentos mais íntimos dos católicos e temos mais uma prova de que é necessário que a imprensa católica esclareça, continuamente, as inteligências, conforme a verdade”. Ele afirma ainda, com segurança, que os austríacos eram grandes entusiastas do governo de Dolfuss, e diz que “Entre os meus amigos integralistas não conheço nenhum (...) que concorde com um tal modo de ver os acontecimentos na Áustria”.157 Essas observações nos sugerem que, no campo intelectual em que se achava, Barroso atraía a desconfiança de setores da Igreja Católica que nem sempre compartilhavam de sua admiração pelo nacional-socialismo. É provável que o pensador cearense fosse visto até mesmo como um estorvo, pois dificultava a aceitação do integralismo por parte do clero. Já ao escrever sobre Portugal, o quarto país que teria um Estado corporativo e integral, o autor expõe sutilmente os conflitos existentes naquele país nos anos 1930: Os movimentos espiritualistas de salvação nacional rapidamente se irradiaram pelo mundo. O nacionalsindicalismo dos camisas-azuis com a Cruz de Cristo de Rolão Preto, em Portugal, desapareceu do cenário da nação, mas o governo de Salazar põe em prática quase todas as suas ideias, criando o Estado Corporativo Português.158 Aqui, o autor minimiza os conflitos existentes entre o nacional-sindicalismo e o governo de Oliveira Salazar, restringindo-se a afirmar que o primeiro simplesmente “desapareceu do cenário da nação”, sem dar maiores explicações acerca desse mistério. Porém, tal desaparecimento não deveria inspirar preocupações, haja vista que o projeto nacionalsindicalista estava sendo colocado em prática pelo líder português. Mais uma vez, Barroso se abstém de trazer à tona as intrigas entre os nacionalistas. Em uma passagem de outro livro, o autor surpreende pela frieza com que trata do tema: Sob a chefia de Rolão Preto, grande número de jovens fundaram um movimento nacional-sindicalista em Portugal. Usavam camisas-azuis e tinham como símbolo a cruz da ordem de Cristo. Sua doutrina esteava se nos mais puros princípios do Integralismo Monárquico. Agitaram a opinião do país. Mas o ministro 157 GUILHERME, Everardo. Solidarismo e os systemas fascistas. Rio de Janeiro: Editora ABC limitada, 1937. P. 113. 158 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 166. 49 Salazar, quando começou a exercer a ditadura na presidência do Conselho de Ministros, dissolveu a organização e desterrou seus principais chefes.159 Com o propósito de mitigar os conflitos que surgiam no seio dos movimentos fascistas, o autor se contenta apenas em dizer que Salazar acabou com a organização e desterrou seus chefes, sem avaliar se isso era bom ou ruim nem fazer uma reflexão mais elaborada a respeito. Lembremo-nos que em julho de 1934, Salazar aboliu o partido dos camisas-azuis nacionalsindicalistas de Rolão Preto, insatisfeito que estava com seu radicalismo e suas exigências cada vez maiores. Salazar não era afeito a agitações fascistas, preferindo controlar a população por meio de instituições tradicionais, como a Igreja, e mantê-la afastada da política. Apenas com a eclosão da Guerra Civil espanhola e com a insuficiência dessas instituições tradicionais, Salazar se viu obrigado a instaurar o “Estado Novo”, que tinha uma série de semelhanças com o fascismo, a exemplo de organizações trabalhistas corporativistas, um movimento de juventude e um partido único de camisas azuis que não detinha poder algum.160 Outro movimento fascista português pelo qual o autor nutria profunda admiração é o integralismo lusitano, como se vê a seguir: O Integralismo português condenava o livre exame, aniquilador d as disciplinas tradicionais, disseminador de germes da anarquia, dissolvedor de dogmas, pervertidor de instintos sociais, matador da essência própria da vida. Negava, assim, as “fantasias dos cérebros individuais”. Mostrava a ilusão da liberdade e o anti-igualitarismo da natureza. E conclamava a preeminência dos deveres do Homem sobre os direitos do Homem. Batia-se contra o enciclopedismo e o evolucionismo, negando a bondade natural rousseauniana e a crença no progresso que dela decorre. Batia-se contra o cosmopolitismo em nome do dever imperioso do “egoísmo nacional”. Batia-se contra o sufrágio universal, em nome dos direitos da qualidade sobre a quantidade. Batia-se contra a indisciplina democrática, favorecedora das mais absurdas ambições. Batia-se contra todas as “miragens racionalistas” e contra todas as “ilusões mortíferas” da democracia liberal, em nome duma doutrina “absolutamente positiva científica – doutrina de vida e salvação”.161 A fim de ressaltar o caráter criador do integralismo lusitano, Barroso atribui aos seus inimigos – que são os mesmos inimigos do integralismo brasileiro – termos que denotam fragmentação e desestruturação: “aniquilador”, “disseminador de germes”, “dissolvedor”, “pervertidor” e “matador” de todas as tradições pré-revolucionárias que se buscava restaurar. Tais tradições poderiam ser resumidas pela fórmula “deveres do homem”, em oposição aos “direitos do homem” que a Revolução Francesa consagrara. Ao advogar a superioridade “dos direitos da qualidade sobre a quantidade”, Barroso nos mostra que o anitcapitalismo integralista não era igual ao anticapitalismo comunista. Por mais que criticasse a exploração capitalista e defendesse melhores condições de vida para os trabalhadores, o integralismo nunca aceitou entregar o poder ao povo. O autor defende que o 159 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 183-184. PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 248, 249. 161 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 175. 160 50 poder deveria ficar nas mãos de um seleto grupo de pessoas com capacidades e virtudes que as distinguissem das demais. É isso o que ele chama de “revolução cientificamente dirigida”. Ademais, o objetivo do integralismo não seria operar mudanças radicais na sociedade.162 Na passagem a seguir, vê-se de forma clara qual era o caráter das transformações que Barroso defendia e quem deveria conduzi-las: O Integralismo não quer fazer ir pelos ares a velha máquina da sociedade para pôr em seu lugar outra inteiramente nova. Ele quer desmontá-la, substituir as peças usadas e articular as ainda boas em outro sistema de movimentos. (...) O Integralismo é uma concepção totalitária do universo e do homem, tendente a transformar primeiro a alma das elites e em seguida a das massas, formando nova consciência e nova vontade coletiva, dotadas de nova potencialidade dinâmica, com a força duma doutrina e do firme 163 propósito de realizá-la. As elites, portanto, não são excluídas do projeto integralista para o Brasil. As críticas integralistas às elites não se baseiam no fato de elas concentrarem a renda ou de explorarem o trabalhador, mas no fato de elas muitas vezes se mostrarem apáticas em relação aos problemas das massas, abandonando-as à própria sorte e deixando-as à mercê dos partidos comunistas.164 Gilberto Vasconcellos afirma que, para os integralistas, os problemas brasileiros eram muito mais de ordem moral do que política, econômica ou social. A fonte dos problemas brasileiros teria origem na degradação da alma dos cidadãos do país, sendo necessária, portanto, não uma revolução social ou econômica, mas uma revolução interior a cada sujeito para mudar essa situação.165 A crise brasileira de que Barroso nos fala seria oriunda da mesma crise que assolava o restante do mundo: ela teria começado com o fim da Idade Média, sendo agravada pelo iluminismo e pela Revolução Francesa, responsáveis por abalar o poder monárquico e abrir espaço para o racionalismo, o materialismo, o capitalismo e o comunismo.166 Assim, identificando os problemas combatidos pelo integralismo lusitano com os problemas que afligiam o Brasil, Barroso fomenta seu projeto de criar uma grande identidade entre os movimentos fascistas do mundo. Barroso também escreve sobre o regime de Oliveira Salazar, ressaltando a admiração que ele despertava em outros líderes no mundo. Ele transcreve as observações feitas por A. d’Aguiar sobre o líder que encarnaria “todo o espírito fascista do atual governo português”167 : 162 BARROSO, Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 54. Idem. P. 53. 164 No Mein Kampf (Minha Luta), Hitler também deixa claro seu desprezo pela burguesia alemã por esta se mostrar indiferente às aflições das camadas mais pobres da população. Ver: HITLER, Adolf. Minha luta (Mein Kampf). São Paulo: Moraes, 1983. Walter Frank, historiador entusiasta do Terceiro Reich, elogia Hitler por compreender a psicologia das massas – algo que as velhas elites prussianas não teriam conseguido – e por propor um nacionalismo não-elitista, atento aos problemas dos mais pobres. Ver: FRANK, Walter. Zur Geschichte des Nationalsozialismus. Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt, 1938. 165 VASCONCELLOS, Gilberto. Ob. Cit. P. 35, 36. 166 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 75. 167 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 180. 163 51 Não havia em volta de Salazar uma força homogênea que formasse uma barreira. Poincaré chamara-lhe o gênio da finança. Mussolini apontara-o como o maior economista do século XX. A França e a Inglaterra liberais proclamaram sem rebuço a superioridade dos processos de administração do homem que soubera livrar Portugal das garras tigrinas da crise mundial exigindo do povo pesados sacrifícios. Todos desejavam que Salazar vibrasse o golpe decisivo nas antiquadas fórmulas de governar que ainda faziam escola entre nós. Os oficiais do Exército, num admirável gesto de civismo, punham suas espadas às ordens de Salazar.168 Esse trecho mostra a admiração que nutriam por Salazar não só líderes fascistas, mas também os países liberais, como França e Inglaterra. Salienta-se o fato de Salazar ter sido um dos poucos líderes capazes de tirar seu país da crise do capitalismo em 1929, provando assim que o fascismo era o caminho a ser seguido diante de um sistema em decadência. Igualmente marcante nesse trecho é a acolhida que o povo e o exército português teriam dado a Salazar, já que “Todos desejavam que Salazar vibrasse o golpe decisivo nas antiquadas fórmulas de governar”. Assim como na Áustria, em Portugal o fascismo também seria o desejo geral. Outro movimento português analisado por Barroso é a Cruzada Nun-Álvares, que o autor associa, junto ao integralismo lusitano, à “reação do espírito verdadeiramente revolucionário do Século XX contra os desmandos do espírito evolucionista, fantasiado de revolucionário dos séculos XIX e XVIII”.169 Chama-nos especial atenção aqui como o século XX aparece em oposição aos séculos XIX e XVIII, que seriam, diferente do primeiro, “falsamente” revolucionários. Ao comentar a repercussão do fascismo na Inglaterra (sobre o qual trataremos adiante), vemos uma estratégia semelhante: Agora a propaganda atinge índices vertiginosos entre mineiros e metalúrgicos, desiludidos das promessas comunistas e da covardia dos seus chefes que ficam em casa enquanto eles morrem nas praças. A mais eficaz divulgação do fracasso marxista tem vindo das visitas feitas à Rússia pelos trabalhadores ingleses. Evidenciaram que um operário soviético é uma máquina sem direitos e com deveres absorventes. 170 A defesa de uma revolução era, no Brasil dos anos 1930, comum aos principais discursos políticos, tanto à esquerda como à direita – ainda que os diferentes grupos políticos conferissem ao termo conotações diferentes. Em discurso de 1937, por exemplo, Benedicto Valladares faz uma defesa das revoluções que atendem a nobres objetivos e servem ao bem da coletividade. Porém, ele rejeita aquelas revoluções que atentam contra a moral e a família, a ordem e a religião, a propriedade e os costumes, afirmando que revolucionários desse tipo mereciam ser punidos. A luta de classes, segundo o político mineiro, seria uma atitude egoísta porque ignorava a totalidade mais importante que era a totalidade da nação. Assim, ela não estaria voltada para o bem da coletividade. 171 168 D’AGUIAR, A., citado por BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 181, 182. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 179. 170 Idem. P. 120. 171 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Ob. Cit. P. 66, 67. 169 52 Tinham-se, portanto, diferentes projetos políticos, cada um reivindicando para si a alcunha de “revolucionário” e ressignificando tal conceito. Esses embates geravam conflitos no campo intelectual que opunham o projeto revolucionário integralista ao projeto revolucionário do PCB e da ANL. Tendo em vista que, para conquistar o público leitor, a ideia de revolução deveria estar presente no discurso, ao chamar os séculos XVIII e XIX de “falsamente revolucionários”, Barroso desacredita o caráter revolucionário de seus oponentes no campo intelectual, afirmando que apenas a revolução propugnada pelo integralismo era digna desse nome. Pintando a União Soviética como um país que padecia dos mesmos males do capitalismo – trabalhadores desprovidos de direitos, abarrotados de deveres e superexplorados por seus chefes –, Barroso dá um exemplo de como o comunismo não teria nada de revolucionário, apesar do discurso. Em O espírito do século XX, o autor observa que, enquanto o capitalismo seria um estágio no qual o judeu escraviza os cidadãos por meio das finanças, no comunismo o judeu alcançaria o poder político e escravizaria a população por meio do aparato estatal.172 Logo, nenhum projeto seria verdadeiramente revolucionário se não livrasse a nação da opressão judaica. Além da Áustria e de Portugal, Barroso cita ao menos dois outros países nos quais se deram choques entre movimentos fascistas e regimes autoritários: a Espanha e a Romênia. O autor fala da Falange Espanhola, que “entende que já se apagou o brilho do liberalismo político e econômico na amargura dos desenganos, e que a tarefa do presente é fazer retornar os homens às normas eternas da disciplina e da moral”: A Falange combate o comunismo, o liberalismo, o judaísmo e a maçonaria, contando já nas suas fileiras com 23 mártires, assassinados pelos comunistas. O seu grito de guerra é Arriba España! Tem sido bastante perseguida pelo governo espanhol: prisões, multas, violências, fechamento de sedes, suspensão de jornais, proibição de reuniões e propaganda. O número de aderentes, porém, vem crescendo sempre até que um dia “A bandeira da Falange tremulará sobre todos os espanh óis que, à sua sombra, verão crescer a Espanha livre e feliz com este lema: Pátria, Justiça e Pão”.173 O trecho aqui reproduzido foi escrito em livro publicado em 1936, ano em que Francisco Franco havia assumido o poder, mas ainda era aliado dos falangistas. Ironicamente, a repressão aos falangistas continuaria alguns anos depois, desta vez pela própria ditadura de Franco. Após a vitória na Guerra Civil, Franco governou com mãos de ferro, reprimindo todos os setores da oposição. Seu governo era claramente hostil à democracia, ao liberalismo, ao marxismo, ao secularismo e à maçonaria. Contudo, Franco se aproveitou da morte do líder 172 173 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 276-278. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 62, 67. 53 fascista Primo de Rivera no começo da Guerra Civil para consolidar sua supremacia e reduzir a influência dos fascistas no país. Com isso, a Falange foi reduzida à impotência. 174 Na Romênia, um importante movimento fascista era a Guarda de Ferro, liderada por Cornelio Codreanu: Outra organização fascista e antissemita da Romênia é a chamada Guarda de Ferro. É do seu programa a inalienabilidade da propriedade agrária, a indestrutibilidade da família, o culto da pátria acima de tudo, a afirmação de Deus. Compõem-na em grande maioria os camponeses. Seu chefe é um político de nomeada, Cornelio Codreanu.175 Outro grupo que o autor cita é o Partido Nacional Cristão, cujo dirigente, A. C. Cuza, havia influenciado Codreanu. Na passagem seguinte, Barroso reproduz um trecho do manifesto do PNC que defende uma colaboração internacional entre as forças antissemitas: A 14 de julho de 1935, fundou-se na Romênia o Partido Nacional Cristão, dirigido por dois membros do parlamento – o deputado Cuza e o ex-ministro Goga. Sua divisa é “a Romênia aos romenos” e reveste-se de caráter profundamente antissemita. No manifesto que publicaram, os dois chefes do novo partido declaram o seguinte: “Os povos reconhecem que, para a civilização cristã poder desenvolver-se para o futuro é absolutamente imprescindível eliminar de modo completo os judeus, organizando -se uma colaboração internacional com esse objetivo”. 176 O fascismo na Romênia é de especial importância para nossa análise. Muito popular entre a população rural, as ideias de Codreanu expressavam preocupações de ordem essencialmente moral, buscando sua inspiração em antigas tradições cristãs ortodoxas. Codreanu fazia parte da Liga Nacional Cristã Antissemita, tendo pedido para Cuza presidi-la. O antissemitismo de Cuza (assim como o de Barroso) tinha motivações muito mais econômicas que raciais. Com o tempo, cresceram as divergências entre Codreanu e Cuza, de modo que o primeiro fundou, junto com outros dissidentes, a Legião do Arcanjo Miguel em 1927. Acusava-se Cuza de dirigir a Liga com finalidades meramente partidárias, ao mesmo tempo em que se reivindicava uma agremiação de massa (posteriormente, a Liga se transformou no Partido Nacional Cristão). A Legião fazia marchas e pregações cada vez mais frequentes no meio rural, falando de Deus, estimulando o trabalho e a vida austera e anunciando a proximidade do Juízo Final. Em 1931, a Legião foi rebatizada de Guarda de Ferro, sendo duramente reprimida nos anos seguintes e fechada pelo rei Carol II em 1934. 177 Tal como a Guarda de Ferro, o salazarismo, o falangismo espanhol e o rexismo belga constituíam aquilo que Zaverucha chamou de “fascismos conservadores”, muito mais carregados de espiritualismo do que o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão e, 174 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 246, 247. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 185. 176 Idem. P. 184. 177 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 96-103. 175 54 portanto, muito mais próximos do integralismo brasileiro do que estes dois últimos.178 Assim como a Guarda de Ferro, o discurso da AIB era fortemente impregnado de religiosidade. Eram esses “fascismos conservadores” que dialogavam ainda mais com os anseios dos grupos conservadores brasileiros. O apreço que o Pe. Everardo Guilherme nutria pelo fascismo na Áustria, na Bélgica, na Espanha e em Portugal é bastante representativo nesse sentido: Na Áustria e em Portugal achamos dois ditadores católicos, que propagaram o Estado corporativo; são Dolfuss e Salazar. Na Áustria se encontra a verdadeira aplicação dos princípios das encíclicas de Leão XIII e Pio XI. Na Itália podemos ver, como o formidável Mussolini, um dos maiores talentos da nossa época, curvou-se com prudência à Igreja, até ficar em plena paz para si e para o seu povo. É o sistema de concordata bem aplicada e bem observada de ambos os lados. Parece que Plínio Salgado quer imitar a Mussolini e além disso promete uma aplicação mais justa da representação cooperativa e corporativa. Seu método parece mais democrático e também mais justo e honesto. Bélgica entende o fascismo como um novo reconhecimento de Cristo –, Rei do mundo e da Pátria; Espanha pretende imitar a Salazar, e na França, o movimento não é antirreligioso.179 E, comentando o discurso feito pelo arcebispo de Campos na ocasião do casamento da filha de Plínio Salgado, o Pe. Everardo arremata: “Confiando-se nas palavras do ilustre prelado de Campos, cresce a esperança de que o movimento integralista será o de Salazar ou de Dolfuss, e nunca o de Hitler ou de Mussert”.180 Um último exemplo que ressalta essa maior inclinação da direita brasileira aos “fascismos conservadores” é reproduzido pelo Pe. Everardo Guilherme em seu livro. Trata-se do texto de Edgar de Godoi da Matta Machado, um dos redatores d’O Diário, de Belo Horizonte. Edgar elogia Salazar por sua luta contra o fascismo, mas também por ter adotado, em seu governo, os princípios fascistas mais nobres, como a luta contra o liberalismo. 181 Assim, admirava-se o fascismo em sua luta contra a ordem liberal e em seu combate ao comunismo, mas as manifestações fascistas que culminavam em racismo eram condenadas. É por isso que consideramos fundamental, em quaisquer comparações entre o integralismo e os fascismos europeus, explicitar exatamente com quais fascismos estamos lidando. Mesmo na Europa o fascismo não foi um fenômeno uniforme, de modo que seria um engano ignorar sua pluralidade. Explorar a religiosidade integralista para justificar que a AIB não era fascista, alegando que nos movimentos de Mussolini e Hitler, “Deus, pátria e família” não tinham tanta importância quanto a questão racial182 , implica ignorar as semelhanças com esses outros 178 ZAVERUCHA, Jorge. A questão do integralismo diante da herança fascista, In: Revista Ciência e Tópicos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1984. P. 249. 179 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 43, 44. 180 Idem. P. 138. Mussert era o líder do movimento nacional -socialista holandês, o qual Barroso também elogia, como mostraremos adiante. 181 MACHADO, Edgar de Godoi da Matta. Orientação católica. In: GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 210. 182 Ver: CAZETTA, Felipe Azevedo. Integralismo e fascismos (exposições entre diferenças e semelhanças). I n: Temporalidades (Revista Discente do Programa de Pós -Graduação em História da UFMG). Volume 2, Nº 1, janeiro/julho 2010. 112-22. P. 119. 55 fascismos. Aliás, no caso do fascismo italiano, a questão racial nunca foi tão importante como no nacional-socialismo, e no caso dos fascismos belga e romeno a questão religiosa foi fundamental. Analisando os fascismos europeus para além dos casos italiano e alemão, acabamos encontrando diversos pontos de contato com o integralismo. 2.3 Estados fascistas sem rótulo Saindo dos Estados que Gustavo Barroso considera “corporativos integrais” para aqueles que seriam, na concepção do autor, “fascistas, mas sem rótulo”, encontramos a Hungria. Primeiramente ele fala do almirante Miklos Horthy, o então dirigente húngaro, destacando seu papel de reerguer o país da séria crise pela qual passava após a Primeira Guerra Mundial: [Após a derrota na Primeira Guerra] O almirante pôs -se ao trabalho. Restituir ao país desmoralizado sua fé, curar-lhe as chagas incontáveis, expulsar de seu corpo a febre e a loucura das revoluções sucessivas, conciliar a fria incompreensão dos vencedores com o amor próprio dum povo ardoroso, restabelecer a legalidade e a ordem social, reprimir as paixões vingativas, as ambições e ciumadas originadas do bolchevismo generalizado, restaurar a vida econômica duma terra pilhada em que tudo desabara, enfim ordenar a esse moribundo: - “Levanta-te e caminha!”.183 A maneira pela qual Barroso interpreta a realidade de países diferentes do Brasil é permeada pela interpretação que ele faz da própria realidade brasileira. Os termos “chagas”, “febre” e “moribundo”, todos eles efeitos do “bolchevismo generalizado”, refletem em grande medida o imaginário político do Brasil nos anos 1930, no qual o inimigo era associado a uma doença. Isso foi verdade especialmente no discurso anticomunista. Vargas, por exemplo, afirmava que as ideologias exóticas que buscam abater o regime deveriam ser encaradas como enfermidades. Por isso, fazia-se necessário desintoxicar o ambiente, saneá-lo e limpá-lo a fim de evitar que esse mal se disseminasse. O discurso anticomunista associava a realidade social a um organismo vivo, para o qual o comunismo era uma doença. Assim, são muito comuns as metáforas médicas e biológicas ao se referirem ao comunismo e à sua expansão: contágio, contaminação, infecção, cura, desintoxicação, entre outras. 184 Com isso, vemos mais um exemplo de como Barroso destaca, em países diferentes, problemas muitos similares, além de descrever esses problemas usando figuras similares. Da mesma forma que o Brasil era uma “colônia de banqueiros”, a Hungria era uma “terra pilhada”; do mesmo modo que a Hungria padecia de uma série de doenças, o Brasil estava “tão doente quanto o mundo”. O integralismo seria esse remédio salvador, e aos integralistas 183 184 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 113. DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Ob. Cit. P. 42, 44, 45. 56 caberia aplicar esse remédio “quer o doente queira ou não queira”, já que o que importava não era a vontade do “doente”, mas sim “obter a força para impor a nossa medicina”.185 Na Hungria, Barroso cita outra importante manifestação fascista: os Húngaros Regenerados: Fundou-se em 1922, na Hungria, um movimento denominado dos “Húngaros Regenerados”, que logo abriu luta contra os judeus, mostrando sua funesta influência na vida da pátria e o modo como se apoderavam das fortunas, e exigindo o fechamento dos jornais judeófilos [sic]. O anti-judaísmo grassou logo rapidamente no seio dos estudantes, que mataram muitos judeus nas universidades de Deb retchinsk e Budapest. Em 1923, bandos de jovens pertencentes à organização dos Húngaros Regenerados, bem armados, faziam parar as pessoas nas ruas e estradas, examinando lhes os papéis. Quando o indivíduo era judeu, levava uma surra. Muitas outras demonstrações anti-judaicas violentas se realizaram, obrigando o governo a intervir. A mocidade húngara vingava os seus pais, parentes e patrícios covardemente assassinados durante semanas pelos judeus sadistas de Bela Kun .186 Chega a causar estranhamento como episódios bizarros de violência são narrados pelo autor. Barroso afirma, sem qualquer constrangimento, que todo judeu revistado simplesmente “levava uma surra”, abstendo-se de elogiar tais ações. Tal violência se justificaria como reparação pelas atrocidades que o breve governo comunista de Bela Kun teria perpetrado. Porém, é possível que essa ênfase na violência tenha um objetivo subjacente: contrastar outros movimentos fascistas com o integralismo, ressaltando que este último era mais pacífico e justificando sua superioridade sobre os demais. O mesmo se dá quando o autor escreve sobre o “fascismo no Afeganistão”. Diz Barroso que na cidade afegã de Herat havia sido criado um gueto para os judeus no qual estes deveriam se vestir com roupas que os diferenciassem do resto da população. Ademais, os judeus eram proibidos de andar de carro ou a cavalo e de construir casas maiores que as dos muçulmanos. O autor não preconiza essas medidas, as quais tacha de “medievais”. Contudo, ele diz que é preciso não criar um clima favorável ao judeu, além de defender uma economia corporativista que evite o “parasitismo judaico”. 187 Poderíamos discorrer longamente sobre uma série de questões que as observações do autor sobre o Afeganistão suscitam. Ao chamar pejorativamente as medidas antissemitas afegãs de “medievais”, Barroso nos deixa confusos, pois a todo momento ele busca despojar a Idade Média de elementos que a associem a um período de trevas e ignorância. Mas não é esse nosso objetivo aqui. O que queremos ressaltar é que, a despeito de toda a sua aversão aos judeus, Barroso se abstém de defender medidas violentas contra eles, advogando para o integralismo um caráter mais brando e tolerante (voltaremos a esse ponto no capítulo 3). A julgar pela data de fundação (1922), é possível que os “Húngaros Regenerados” de que Barroso nos fala fosse o movimento de renovação nacional de traços fascistas fundado por 185 BARROSO, Gustavo. O integralismo em marcha... P. 110. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 118. 187 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 107. 186 57 Gyula Gömbös. Seus militantes se opunham ao liberalismo e ao comunismo, além de serem fortemente nacionalistas e antissemitas e apelarem às tradições magiares.188 Pressões populares cada vez maiores, nascidas do ressentimento popular em relação às imposições dos tratados da Primeira Guerra Mundial, forçaram o almirante Horthy a nomear Gömbös seu primeiro-ministro em 1932, cargo que ocupou até 1936, quando morreu. Porém, durante seu mandato ele não chegou a introduzir mudanças significativas. 189 Analisando os escritos de Barroso, suas omissões às vezes chamam-nos mais atenção do que suas palavras. O autor não menciona, em qualquer de suas obras, os Cruzes Flechadas de Ferenc Szálasi, movimento fascista mais expressivo da Hungria. Provavelmente Barroso não queria trazer à tona a conflituosa relação entre os Cruzes-Flechadas e o almirante Horthy, sob pena de comprometer seu projeto de união dos nacionalistas. Miklos Horthy nunca teve uma convivência pacífica com os Cruzes-Flechadas. Assim como Ian Antonescu, na Romênia, o almirante selou alianças com Benito Mussolini e Adolf Hitler, ao mesmo tempo em que reprimia manifestações fascistas internamente.190 A Turquia também é tida por Gustavo Barroso como um Estado fascista que não ostentava esse nome. O famoso líder turco Mustafá Kemal é descrito como um “ditador quase fascista pelo seu alto nacionalismo”.191 Destacando as muitas virtudes do regime turco e associando-o a um regime fascista, Barroso tenta mais uma vez provar que, ante o dilema “fascismo ou comunismo”, o primeiro era a melhor opção: Os turcos tornaram-se proprietários de suas vias férreas que eles próprios exploraram. A administração da Dívida Pública, instituída para adiantar dinheiro ao sultão sob condições escorchantes, desapareceu. Novos estabelecimentos financeiros como o Banco Central da República, o Banco Agrícola e o Crédito Imobiliários dão uma vida nova e desconhecida à marcha dos negócios do país. 192 Barroso fica fascinado pelo papel social que a economia desempenhava na Turquia, pois é isso o que ele defendia para o Brasil. Ao ressaltar que os turcos eram donos de sua própria economia e que haviam abandonado a política de empréstimos vigente durante o governo dos sultões, o autor nada mais faz do que exaltar o fato de a Turquia ter rompido com a “servidão dos juros” de que fala Gottfried Feder, deixando assim de ser uma “colônia de banqueiros”. A ascensão do fascismo na Bulgária ocupa um espaço considerável na obra de Barroso. Ele observa que o fascismo no país partiu de associações de militares da reserva, muitos dos quais prejudicados pelos tratados posteriores à Primeira Guerra, que determinavam a redução dos 188 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. 53. CARSTEN, F. L.. The rise of fascism. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 1967. P. 173. 190 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 93. 191 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 197. 192 Idem. P. 202-203. 189 58 contingentes das forças armadas. Esses militares se reuniram em um grupo de nome Zvano. Graças ao fascismo, os búlgaros teriam se livrado de um regime decrépito e corrupto: O exército foi o “Deus ex-machina” do golpe puramente fascista, preparado em segredo por técnicos de primeira ordem e realizado com uma perfeição maravilhosa. Não houve um tiro. Não correu uma gota de sangue. O regime podre foi afastado com um esbarro sem tugir nem mugir. Pela manhã, os chefes do movimento se apresentaram ao rei e lhe deram parte de tudo. Compenetrado de seu papel simbólico e da força que representavam aqueles homens, o soberano aderiu ao golpe como Vitor Manuel aos conquistadores pacíficos de Roma.193 O autor enfatiza o caráter pacífico do fascismo búlgaro, que, assim como o nacionalsocialismo e o fascismo italiano, teria ascendido ao poder sem derramamento de sangue (ao contrário das revoluções liberais e comunistas). Ademais, ele expressa novamente a preocupação em associar o fascismo ao novo, e o regime liberal ao arcaico, atribuindo-lhe a alcunha de “regime podre”. Ainda sobre a ascensão do fascismo búlgaro, escreve o autor: As forças ocuparam as Centrais elétricas, ferroviárias e telegráficas durante a noite. Ao amanhecer, o regime liberal sem um protesto encaminhava-se para o cemitério. Estava encerrada a falação diária da Sobranié [a câmara] e terminada a era dos conchavos para formar ministérios com as eternas questões de mais uma pasta para contentar este ou aquele. Um sopro fascista derrubava o carcomido liberalismo, e o comunismo covarde, apesar da proximidade da Rússia, não teve o topete de pôr a cabeça à janela ao menos para ver o enterro de seu pai, o liberalismo...194 O trecho acima praticamente resume as principais angústias que afligiam Gustavo Barroso. Ao reduzir o parlamento búlgaro a uma “falação diária” e a “conchavos” que visavam unicamente interesses individuais; ao acusar o liberalismo de “carcomido” e ao alegar que este era pai do comunismo, Barroso projeta sobre a Bulgária suas principais queixas sobre o Brasil: o antiliberalismo, o anticomunismo, a desconstrução do antagonismo entre liberalismo e comunismo, a aversão ao parlamentarismo e aos jogos políticos tão característicos da República Oligárquica. O autor destaca que o fascismo búlgaro “não foi feito para servir à ambição deste ou daquele general, porém à ambição de uma pátria melhor”. 195 Já que o século XX seria o século dos deveres, e não dos direitos do homem, sua concepção política deveria colocar os interesses coletivos da nação acima dos interesses individuais de políticos. A Polônia, outro Estado “fascista sem rótulo”, também teria sido salva pelo fascismo. Os fascistas poloneses eram os camisas cor-de-cereja, e tinham tido um papel fundamental na luta contra o bolchevismo. As primeiras manifestações fascistas no país teriam se dado no começo dos anos 1920, embora apenas nos anos 1930 o fascismo tenha de fato amadurecido: Em maio de 1933 foi que nasceu em Katowicz o primeiro partido nacional-socialista polônio, sob a denominação de NSPR (...). Seu chefe, investido de plenos poderes, foi José Gralla, que lhe imprimiu feição militar e lhe deu uma disciplina de ferro. O programa baseava-se em cheio nos pontos de vista da civilização ariana-cristã. A hierarquia deixava de parte a posição social, a fortuna e o nascimento para somente se estribar na virtude, no trabalho, no patriotismo e no merecimento. Protegia -se a iniciativa 193 Ibidem. P. 46. Ibidem. P. 48-49. 195 Ibidem. P. 47. 194 59 privada e estimulava-se a energia pessoal. Combatia-se o capitalismo individualista e desenfreado, opondo-lhe o princípio moral da propriedade. Rejeitava-se “in limine” a socialização marxista das riquezas e utilidades.196 À parte o anticomunismo e o anticapitalismo, vemos que Barroso enfatiza a inspiração que o fascismo polonês tinha na “civilização ariana-cristã”. Curiosamente, nesse mesmo livro Barroso contrapõe o integralismo ao nacional-socialismo alegando que, diferente deste último, que se baseia em exclusivismos raciais em favor da raça ariana, o primeiro se basearia em uma concepção cristã do Estado (voltaremos ao assunto no capítulo 3). Palavras e expressões como “feição militar”, “disciplina de ferro”, “hierarquia” e “energia pessoal” reforçam o peso que os deveres do homem teriam sobre o fascismo na Polônia. Também na Polônia o fascismo sucumbira à repressão estatal. Barroso se limita a dizer que os “camisas-cor-de-cereja organizaram-se em 1933 e foram dissolvidos pelo governo em 1934; mas este vai aos poucos realizando ideias fascistas”.197 O governo ao qual ele se refere foi o de Jozéf Pilsudski, brevemente citado por ele no trecho que reproduzimos na seção 1.3. O NSPR era resultado da fusão, em 1933, entre o Partido Nacional-socialista Independente e outro grupo similar liderado pelo advogado Wacław Kozielski. Contudo, em setembro daquele ano o NSPR dividiu-se em duas facções, ambas usando o mesmo nome: uma sob Kozielski e outra sob Jozéf Grałła, mais influente na Silésia. Em 1934, o governo proibiu o NSPR e o grupo de Grałła passou a organizar-se sob o nome de Partido Nacional Social Radical. Este último partido, contudo, teve vida curta: Grałła foi preso em fevereiro de 1935 por assaltar um trem. Demais partidos poloneses com a denominação de nacional-socialistas também acabariam vitimados por dissidências internas e pela repressão do governo. 198 O regime de Pilsudski, por sua vez, teve início com um golpe militar em maio de 1926. Por mais que Pilsudski tenha incentivado o culto à sua personalidade e exortado à ordem e à união nacional, seu regime não foi fascista, especialmente levando-se em conta que o parlamento, os jornais e os partidos de oposição não foram suprimidos. Na verdade, Pilsudski foi apenas um ministro da guerra, não aspirando a cargos de presidente ou primeiro-ministro – por mais que tivesse chances de consegui-los. Seu círculo de oficiais era bem próximo à nobreza agrária e à burguesia de origem judaica. Pilsudski via Hitler como um perigo desde a ascensão deste ao poder, chegando, inclusive, a propor aos franceses uma aliança defensiva.199 196 Ibidem. P. 171. BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 166. 198 CHODAKIEWICZ, Marek Jan; MUSZYNSKI, Wojciech Jerzy. An anthology of the nationalist underground press. P. 11. (Nota 15). Dis on el em: .i .edu ... o oland e olis . d (acesso em 11 de maio de 2013). 199 ANDRESKI, S.. Poland. In: WOOLF, S. J.. (org.). European fascism. Nova York: Vintage Books, 1969. P. 167169. 197 60 Ironicamente, o destino de muitos desses movimentos elogiados por Barroso acabaria sendo o destino dos próprios integralistas. Assim como a Guarda de Ferro romena, os nacional-sindicalistas lusitanos e a Falange espanhola, a AIB acabaria esbarrando em um governo autoritário e conservador que, não obstante sua inspiração fascista, era avesso às agitações de massa e afeito a formas mais tradicionais de domínio sobre a sociedade. 2.4 Estados de tendências fascistas Entre os Estados de tendências fascistas estaria a Finlândia. Barroso escreve que, após o fracasso de uma violenta insurreição comunista, o país teria passado a se organizar (...) fascisticamente [sic], reforçando o Estado, sindicalizando corporativamente os trabalhadores e exercendo a soberania econômica. Para manter as instituições, esmagaram-se os remanescentes do comunismo e impuseram-se reformas sociais, criou-se a Guarda Branca, milícia nacional, da qual fazem parte todos os finlandeses até certo limite de idade, bem armada, bem instruída, bem comandada. É uma tropa de alta moral e de elevado patriotismo que o comunismo não se atreve mais a atacar. Sob a sua proteção, a Finlândia trabalha e progride em paz. 200 O crescimento do fascismo na Finlândia teria especial importância, graças à sua proximidade com a União Soviética. Não obstante essa proximidade, o autor assegura que “o comunismo não se atreve mais a atacar” o país. A soberania econômica e a organização social em moldes corporativos eram demandas fundamentais do integralismo brasileiro. Ao descrever como essas medidas ajudaram os finlandeses a se reerguer, a se proteger do comunismo e a trabalhar e progredir em paz, Barroso busca mostrar como as demandas integralistas não eram meros delírios, tendo obtido resultados concretos em outros lugares. A Finlândia cultivou fortes laços com a Alemanha desde a Primeira Guerra Mundial. Sua proximidade com a União Soviética e a força de seu operariado acabaram por estreitar seus laços com um dos poucos países na Europa que poderia contrabalançar a influência de Moscou. A Guarda Branca de que fala Gustavo Barroso provavelmente é o grupamento criado para conter a expansão da Revolução Russa de 1905. Essa Guarda teve grande importância na luta contra o Exército Vermelho no começo dos anos 1920, permanecendo ativa mesmo após o fim da guerra com o nome de Guarda Civil. Em 1917, o país declarou sua independência da Rússia. Em 1918 foi proclamada a revolução socialista em Helsinki e instalou-se um governo com forte presença sindical. Porém, tropas alemãs invadiram o país e foram entusiasticamente recebidas pelos nacionalistas e anticomunistas locais como libertadores. Os tratados do pósguerra favoreceram os finlandeses não só assegurando sua independência, mas também concedendo-lhes algumas extensões de terra pertencentes à Rússia. Contudo, para os 200 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 39. 61 nacionalistas de extrema-direita, o destino histórico da Finlândia requeria a conquista de parcelas bem mais extensas de terras, entre elas a Estônia. Assim, também entre os finlandeses foi enérgica a reação aos tratados de paz. 201 Nosso autor, porém, não escreve muito acerca desse caráter ofensivo do nacionalismo finlandês, destacando somente os aspectos que mais lhe convinham: a luta contra a ameaça soviética. Além da Finlândia, a Estônia e a Letônia seriam Estados de tendências fascistas de suma importância, também graças à sua proximidade com a União Soviética. Curiosamente, o autor não discorre sobre a Estônia. Na Letônia, o movimento fascista era o Peskonkrusts. Nesse país, apesar do fim de um governo democrático e da implantação de um governo mais forte em maio de 1935, o novo governo ainda não teria chegado “ao ponto revolucionário que todo o povo deseja”. Assim, além de elogiar a coragem dos letões de empreender uma revolução fascista às portas da União Soviética, Barroso apresenta o fascismo como uma demanda popular. A dissolução do parlamento e dos partidos políticos e o confinamento dos líderes socialdemocratas em campos de concentração seriam “os sintomas da Revolução Fascista”:202 A Letônia é uma janela que dá sobre a Rússia. Por ela os letões estão vendo o monstruoso domínio dos aventureiros e bandidos israelitas sobre a pobre Rússia. Deus os livre que semelhante gente venha anarquizar sua vida. E o fascismo é a sua legítima defesa. Não há maior desmoralização para a URSS do que a existência do fascismo nos pequeninos países que a rodeiam no litoral Báltico. O Império Russo reduzira-os a meras províncias. Os Sovietes, hoje, têm medo deles. É o pró prio senhor Arbo quem confessa que esses países, se tiverem de marchar, marcharão com a Alemanha contra os Sovietes!!! 203 O fato de o fascismo triunfar às margens da União Soviética seria a prova concreta do fracasso comunista. Esse triunfo envergonharia o projeto comunista. Seguramente, Barroso antevê que, se os letões, tão próximos da pátria do comunismo, preferiram o fascismo, o mesmo haveria de acontecer ao Brasil. Ele não só elogia a coragem dos letões, mas também destaca que os próprios soviéticos temiam o fascismo no país vizinho. Quando Barroso prevê que a Letônia e outras repúblicas bálticas “marcharão com a Alemanha contra os Sovietes”, ele reafirma a existência de uma solidariedade entre os fascismos no mundo. Ademais, ao descrever o fascismo letão como uma manobra de “legítima defesa”, Barroso deixa entrever, em suas análises da conjuntura internacional, o caráter defensivo do nacionalismo integralista. A fim de justificar o rigor do fascismo letão e provar seu caráter defensivo, Barroso chama a atenção para as influências perniciosas que o judeu exerceria sobre o país e o direito dos cidadãos de se defenderem contra tais ingerências: Os estudantes letões que fazem parte dos Peskonkrusts são dum antissemitismo feroz. Desde 1922 que a mocidade letona expulsou com pancadaria os estudantes judeus de suas escolas. Em Riga, muitas vezes os têm apupado e varrido dos cinemas e teatros. Em 1923, o governo instaurou um inquérito a respeito e 201 CARSTEN, F. L.. Ob. Cit. P. 161-166. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 35-36. 203 Idem. P. 37. 202 62 verificou por ele que os estudantes nacionalistas tinham toda a razão. As universidades estavam invadidas pelos judeus, que ostentavam um grande luxo e só se consagravam ao estudo, enquant o que os filhos da nação explorada tinham de trabalhar para ganhar a vida e estudar. 204 Nessa passagem, as motivações econômicas do antissemitismo de Gustavo Barroso ficam bastante evidentes. As críticas aos judeus não são fundadas em argumentos de ordem racial, mas sim de ordem econômica e moral. Repudia-se o hábito judaico de ostentar riquezas, graças às quais eles teriam tempo de sobra para se dedicarem aos estudos, ao passo que os estudantes letões precisavam conciliar o trabalho com os estudos. Por fim, temos o caso do Chile, outro Estado que apresentaria tendências fascistas. O grupo político responsável por implantar o fascismo no país seria a Milícia Republicana: Depois do comunismo ter subvertido a ordem com dois golpes traiçoeiros, ensanguentando e enlameando o Chile, o povo desse país sentiu a necessidade de defender suas tradições e sua pátria, unindo-se em torno de ideais comuns. Um grupo de homens, cheios de vigor e de espírito sadio, possuidores de altas virtudes cívicas, resolveu reunir em torno da bandeira nacionalista que ia desfraldar os chilenos de todas as condições, sentimentos, culturas e matizes políticos, a fim de criar uma grande força nacional respeitável, capaz de manter a ordem e de defender a pátria e a família. Assim se criou a chamada Milícia Republicana, atualmente comandada pelo general Julio Schwartzenberg. 205 A grande importância do fascismo no Chile teria sido salvar o país do comunismo, que ameaçava as “tradições”, a “pátria”, a “ordem” e a “família”. Aqui o autor reafirma sua crença na responsabilidade de um grupo seleto de homens na condução do resto da nação no projeto fascista. Esse grupo de homens deteria características que o distinguiriam do resto da população, pois só eles seriam “cheios de vigor e de espírito sadio, possuidores de altas virtudes cívicas”. Ao dizer que o fascismo chileno se dirigia aos homens “de todas as condições, sentimentos, culturas e matizes políticos”, Barroso endossa sua proposta de um movimento que transcendesse os interesses de classe. A Milícia Republicana deveria “Induzir os chilenos ao gosto pelas coisas simples e sérias, ao espírito de heroísmo e de sacrifício, ao pensamento constante da pátria”, além de “Educar civicamente e moralmente pela propaganda, pelo exemplo continuado, pelo jornal, pelo livro e pelos cursos”.206 Essas são características do fascismo de maneira geral: o elogio do modo de vida heroico, o desprezo pelo comodismo da civilização burguesa e a exaltação de uma vida regrada e austera, sem vícios ou excessos. Por isso Barroso também exalta, o papel da Milícia de induzir o “fiel” ao “cumprimento do dever, à firmeza das resoluções, ao espírito de abnegação e sacrifício”.207 204 Ibidem. P. 37, 38. Ibidem. P. 56. 206 Ibidem. P. 58. 207 Ibidem. P. 57. 205 63 2.5 Outros fascismos importantes Além dos três tipos de Estados citados acima, achamos importante pontuar alguns outros casos de manifestações fascistas tratados por Barroso. Sendo o fascismo uma reação ao capitalismo e ao comunismo, Barroso faz questão de salientar a existência de agitações fascistas no seio de países que eram ícones da ordem liberal ou comunista. É por isso que o autor se entusiasma com o fascismo na Rússia, o qual ele chama de “fascismo heroico” e sobre o qual escreve: “Até dentro da própria Rússia soviética penetrou o pólen do Fascismo. Desafiando mil perigos, os fascistas russos publicam jornais e estão arregimentando suas células”.208 Ao associar o fascismo a um pólen, Barroso enfatiza o poder disseminador dessa doutrina. É interessante notar que o comunismo também teria esse poder disseminador, haja vista sua presença ameaçadora em tantos locais. Porém, a fim de marcar as diferenças entre ambas as doutrinas, o autor associa a capacidade disseminadora do comunismo a metáforas médicas como doença, vírus, contágio e peste. Por outro lado, o poder que o fascismo tem de se disseminar é explicado por metáforas da botânica, sugerindo que os efeitos de sua disseminação seriam tão benéficos como a germinação de uma planta. Sendo assim: Não é apenas nos países chamados “burgueses” que as ideias fascistas se têm desenvolvido. A morte de Kiroff veio demonstrar esta verdade aos dominadores da Rússia, que a confessam pelas colunas do próprio órgão oficial do comitê central do Partido Comunista. São os “Isvestia” que declaram se processar nas fileiras do próprio partido um movimento Neo-Fascista que pugna pela adoção nas terras do Soviete, nem mais nem menos do que do Nacional-Socialismo da Alemanha...209 Ainda mais impressionante do que o fascismo germinar em países próximos à Rússia era ele prosperar na própria Rússia. Diante de tal intrepidez, Barroso arremata: “Ser fascista dentro da Rússia é ter coragem!”.210 Ao mostrar que havia defensores do nacional-socialismo no próprio Partido Comunista da União Soviética, Barroso busca desmoralizar aqueles que, diante do dilema “fascismo-comunismo”, batiam-se pela segunda opção. Esse dilema entre fascismo e comunismo era marcante no Brasil dos anos 1930, como nos mostra Demósthenes Madureira de Pinho, militante da AIB. Segundo esse militante, “o dilema fascismocomunismo esmagava qualquer capacidade de raciocínio” da juventude da época, “a não ser dos que, herdeiros de uma situação diluída pelo tempo, sonhavam manhosamente em prosseguir naquele jogo vazio e falso que se apelidava de liberal-democracia”.211 208 Ibidem. P. 186. Ibidem. P. 185. 210 Ibidem. P. 190. 211 PINHO, Demósthenes Madureira de, citado por MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 139. 209 64 Igualmente polêmicos eram os fascismos belga e holandês, pois, assim como na Alemanha, enfrentaram problemas com a Igreja Católica. Não obstante, Barroso escreve acerca do National-Socialistische-Bewegiung da Holanda: Sua propaganda visa todos os holandeses sem distinção de credos políticos ou religiosos. Querem o fim da luta estéril dos partidos, que se contam por 53 num país de 8 milhões de habitantes como a Holanda. Segundo a exposição feita por um dos auxiliares do leider Musert, o conde Van Oberndorff, o N.S.B. quer que se restituam à coroa os poderes que os socialistas lhe usurparam; a grandeza da Holanda dentro da ordem e com igualdade de trabalho para todos os holandeses; o estabelecimento do Estado Corporativo; firmeza, coragem e plena responsabilidade no exercício da autoridade; combate a todo judeu que pretenda fazer primar sua solidariedade étnica sobre o dever patriótico; dignidade do trabalh o.212 Já na Bélgica, Barroso destaca os capacetes de aço, dizendo que “Seu programa doutrinário compreendia a condenação da usura e da especulação, a defesa da pátria e da família, e a afirmação de Deus”. Porém, os capacetes de aço teriam sido duramente reprimidos, renascendo sob a forma do Rexismo, que estava obtendo sucesso nas eleições. 213 Tanto no caso da Bélgica como no da Holanda, Barroso se abstém de fazer quaisquer referências à relação desses movimentos com a Igreja Católica, certamente por estar ciente do caráter conflituoso dessa relação e querer evitar atritos com seus leitores católicos. O já mencionado Pe. Everardo Guilherme mostra que os embates entre fascismo e Igreja nos Países Baixos não eram desconhecidos no Brasil. Ele destaca que o nacional-socialismo holandês, tal como o alemão, havia sido condenado pela Igreja Católica por sua “falta de espiritualidade”. Apesar de inicialmente elogiar o fascismo belga, ressaltando sua proximidade com o cristianismo, o padre condena o Rexismo, afirmando que ele fora repreendido pelos bispos belgas “por motivos de disciplina”.214 A ambiguidade do Pe. Everardo Guilherme ao falar da Bélgica provavelmente se deve ao fato de que, internamente, Léon Degrelle, chefe do rexismo, se desentendeu com as principais lideranças religiosas, acusando-as de compactuarem com os vícios da ordem estabelecida. Externamente, porém, graças a uma intervenção de Mussolini junto ao papa, o rexismo não foi condenado pela Igreja Católica. 215 O fascismo inglês tal como descrito por Barroso é um bom exemplo do que Paxton observa ao defender a pertinência do termo “fascismo”. O autor diz que o fascismo foi a grande novidade do século XX, pois era um movimento popular que se voltava a um só tempo contra a esquerda e contra o liberalismo.216 Diferente dos movimentos conservadores mais tradicionais, avessos às massas e à participação política, o fascismo representou uma tentativa da direita de aproximar-se das camadas populares. Tal aproximação trazia consigo a crítica às 212 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 111, 112. Idem. P. 35. 214 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 201. 215 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 124, 126. 216 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 46. 213 65 forças políticas tradicionais, acusadas de abandonar operários e camponeses à própria sorte, tornando-os vulneráveis ao comunismo. É por isso que Barroso faz uma interessante descrição da trajetória de Oswald Mosley, o líder dos fascistas ingleses. Mosley teria começado como deputado conservador, mas “a ardente paixão do bem público” fez com que ele passasse aos trabalhistas. Porém, lá ele não encontrou os revolucionários que esperava, apenas “conservadores mais hipócritas do que os outros”. Diante dessa dupla decepção em relação à direita e à esquerda, Mosley teria decidido pela fundação da British Union of Fascists. Câmara Cascudo, outro importante integralista, afirmava que Mosley era a prova de que o fascismo não era um movimento de cunho burguês em prol da ordem capitalista, uma vez que os fascistas ingleses teriam tido ampla adesão entre mineiros, metalúrgicos e operários. O autor só lamenta a indiferença da imprensa brasileira diante da ascensão do fascismo em várias partes do mundo.217 Aliás, talvez tenha sido esse o propósito de Barroso ao escrever O integralismo e o mundo: deixar os brasileiros a par dos demais regimes e movimentos fascistas, já que a imprensa brasileira os ignorava. Se na Inglaterra, berço da Revolução Industrial e do liberalismo, a ascensão do fascismo era admirável, não menos admirável era o fascismo na “liberalíssima França”, o berço da maior revolução burguesa. Um desses grupos fascistas era a Action Française: Dessa reunião [de intelectuais durante o Caso Dreyfus] saiu a revista “Action Française”, inspirada no sentimento nacionalista e doutrinando no sentido de submeter esse sentimento a uma disciplina de ferro. A pátria antes de tudo foi o seu lema; o interesse acima dos caprichos, interesses e gostos pessoais; a conservação da França pela restauração da monarquia tradicional e gloriosa.218 Barroso não ignora as tensões que surgiam entre a Ação Francesa e o clero, mas busca minimizá- las: No ano de 1926, o cardeal arcebispo de Bordeaux condenou as ideias da Action Fran çaise como anticatólicas e o Papa aprovou essa condenação. Os chefes do movimento protestaram. Hoje, essa condenação já se envolve no passado e os católicos ingressam na Action Française, que consideram uma escola e um exército ao serviço exclusivamente político e social da nação.219 As tentativas do autor de minimizar os atritos entre a Igreja Católica e o fascismo são compreensíveis. Como nos mostram os escritos do Pe. Everardo Guilherme, o integralismo era frequentemente criticado por setores da Igreja. Não raras vezes, os integralistas precisaram sair em defesa de sua doutrina, assegurando que ela não era conflitante com o cristianismo. Por isso Barroso escreve: “O Integralismo é um movimento político e social cristão, segundo 217 CASCUDO, Câmara citado por BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 128, 138, 139, 140. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 80. 219 Idem. P. 83. 218 66 declaram todos os seus doutrinadores. Portanto, o Integralismo se alicerça, fundamenta e radica no Cristianismo, nas doutrinas sociais e políticas do cristianismo”. 220 Barroso cita diversos outros grupos fascistas atuando na França, sobre os quais seria enfadonho escrever aqui. Ele não esconde sua angústia diante desse emaranhado de manifestações e demonstra a esperança de que um dia esses movimentos iriam superar suas diferenças e unificar a sua luta sob a tutela de um líder: O liberalismo dividiu de tal modo os espíritos em França que até quando ela desperta para a Ideia Nova, essa divisão se faz sentir. Esperemos que as doutrinas se cristalizem, que a reorganização dos espíritos se faça e que a união fascista erga a França sobre um novo arco triunfal. Essa multiplicação de grupos fascistas é uma lição da história. Ela ocorreu na Itália de 1921, e na Alemanha de 1932. Ela ocorrerá por toda a parte. Mas a grande totalização de esforços virá, um chefe surgirá do fundo das massas em movimento e a política bandalha do liberalismo aliado ao judaísmo será varrida com um sopro das legiões de camisas-azuis.221 Dado o exposto até aqui, podemos ver que os trechos nos quais Gustavo Barroso analisa a ascensão do fascismo em outros países apresentam uma série de recorrências. Em quase todos eles, os fascistas são elogiados por seu espírito de abnegação, por seu devotamento e pela sua capacidade de sacrifício em prol da causa da nação. Os fascistas também são valorizados em suas lutas contra as forças que desagregam a nação: o comunismo, o liberalismo, os facciosismos políticos, os conchavos partidários da democracia parlamentar, os juros cobrados por banqueiros e o judeu, a serviço do qual todas essas forças trabalhariam. Tais mazelas seriam também as mazelas brasileiras contra as quais o integralismo lutava. No Brasil existia ainda o agravante dos regionalismos políticos, como o demonstravam a Revolução de 1932 e a concentração de poder nas oligarquias regionais que havia marcado os primeiros anos da experiência republicana: O atual regime pseudo liberal e pseudo democrático é um espelho da decadência a que chegou o liberalismo, que procurou dividir a Nação com regionalismos e separatismos estreitos, implantando ódios entre irmãos, atirados às trincheiras da Guerra Civil; com partidos políticos transitórios que sobrepõem as ambições pessoais aos mais altos interesses da Pátria e pescam votos, favorecendo os eleitores com um imediatismo inconsciente, em que tudo concedem ou vendem, contanto que atinjam as posições. 222 Na seguinte passagem, essas forças desagregadoras aparecem de forma ainda mais clara: Sem Deus na sua expressão religiosa, não é possível compreender de modo integral a grande pátria brasileira. Sentindo-se na sua manifestação totalitária, produto de sua etnografia, de suas tradições e de seu sentimento religioso, não podemos consentir que dentro dela medrem o joio, a esteva, a urze, a urtiga dos bairrismos, localismos e regionalismos desagregadores, que hoje de todos os pontos a ameaçam, nem as venenosas plantas do liberalismo defunto e pod re ou do comunismo internacional e materialista, que tentam viçar ante a indiferença dos poderes públicos, a ignorância das massas e o cabotinismo interesseiro de certos intelectuais.223 220 BARROSO, BARROSO, 222 BARROSO, 223 BARROSO, 221 Gustavo. Integralismo e catolicismo... P. 7. Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 97. Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 14. Gustavo. O integralismo de norte a sul... P. 64-65. 67 O ideal de um governo forte e centralizado é igualmente valorizado em quase todos os casos, pois seria a única solução a esses problemas em comum. Em maior ou menor grau, todos os fascistas do mundo estariam se mobilizando para combater os mesmos inimigos, já que “a obrigação precípua de todo e qualquer movimento nacionalista é combater o ídolo áureo e seus sacerdotes judaicos”.224 Esse chamado a uma luta conjunta de todos os nacionalistas contra Rothschild e Trotsky mostra a influência das leituras que Barroso fez de Gottfried Feder. Como já vimos, o engenheiro alemão dizia que a “servidão dos juros” era uma condição comum a todos os povos do mundo. Além disso, ele conclui seu Manifesto para a quebra da servidão dos juros do dinheiro da seguinte forma: “Estendam-me as mãos! Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”.225 São esses aspectos da obra de Feder que abrem precedentes para que Barroso defenda sua “primavera fascista”. A identificação entre a causa integralista e a causa dos demais fascistas era aceita por outros brasileiros da época. Um exemplo disso está no discurso do Dr. Affonso dos Santos reproduzido no livro do Pe. Everardo Guilherme. Assim como Barroso, o Dr. Affonso defende que o integralismo, por mais que fosse uma doutrina brasileira que consultava a realidade nacional, empreendia uma luta similar à de outros movimentos fascistas: O Integralismo, Senhores, é um movimento profundamente brasileiro; consulta inteiramente as realidades de nossa terra, de nossa gente, de nossa cultura e de nossa religião. É uma solução brasileira a um problema geral, que tem recebido, em outros países, s oluções apropriadas a cada um deles. Não se trata apenas da Itália, da Alemanha; mas de outros países, como Portugal, Turquia, Inglaterra, França, Bélgica, Espanha, que estão oferecendo correntes de opinião no sentido da reforma nacionalista e espiritualis ta em contraste ao internacionalismo materialismo [sic] de Moscou. Não temos os mesmos problemas da Europa, diz o dr. Deadato. Engana-se. Já os temos. Não devemos fechar os olhos às realidades. 226 Um importante intelectual da época, o sergipano José Augusto da Rocha Lima, fornece-nos mais um exemplo de como a estratégia de associar os inimigos do integralismo aos inimigos combatidos por outros fascismos foi assimilada por alguns leitores. Isso porque tivemos a felicidade de ter acesso a uma edição de O integralismo e o mundo que pertenceu ao dito intelectual, que teve ampla circulação nos meios católicos do Brasil dos anos 1920 e 1930, chegando a ordenar-se padre e a exercer o cargo de diretor geral de instrução de Sergipe. 227 Ao escrever sobre a Cruz de Fogo, grupo fascista francês, Barroso denuncia como, naquele país, as sociedades anônimas se transformaram em “um instrumento legal de ladroeiras e 224 BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo... P. 25. FEDER, Gottfried. Das Manifest zur Brechung der Zinsknechtschaft des Geldes. Munique: Verlag Jos. C. Huber, 1919. P. 62. 226 SANTOS, Affonso dos. O integralismo é extremista e não pode ser extremismo – a significação nacional e internacional do fascismo. In: GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 201. 227 SOUZA, Pedro. José Augusto da Rocha Lima. Disponível em: http://www.gararu.com/2012/07/jose-augustoda-rocha-lima.html. (Acesso em 30/04/2013). 225 68 pilhagens”.228 Ao lado dessa passagem, Rocha Lima escreve a seguinte observação: “Grande verdade! Temos exemplos em Sergipe!”. Quando o integralista cearense escreve que o grande beneficiário do capitalismo desregrado é “a oligarquia fechada e poderosa dos administradores” em detrimento dos acionistas, 229 Rocha Lima se entusiasma: “Muito bem! Em Sergipe, as fábricas de tecidos não pagam dividendos aos acionistas... ou pagam bagatela”. Logo em seguida, ele arremata: “Eis o retrato exato das fábricas em Sergipe!”. Rocha Lima também demonstra conhecimento sobre o fascismo irlandês. Barroso escreve que o fascismo na Irlanda tinha como grande líder O’Duffy, engajado na luta contra o domínio inglês e contra as forças que dividem a pátria. 230 Embaixo dessa passagem, Rocha Lima anota: “Agora mesmo mais de mil voluntários, às ordens de O’Duffy, seguiram para a Espanha a fim de auxiliar o governo de Burgos”. Logo, explorar inimigos em comum entre o integralismo e outros movimentos fascistas foi um recurso eficiente de que se valeu Gustavo Barroso para motivar um chamado de união entre os fascistas. Por fim, é digno de nota o fato de o autor se omitir ou não se aprofundar em temas que pudessem sugerir qualquer tipo de tensão no seio dos fascismos. Tais problemas pouco importavam, já que, em Barroso, “o texto, a ideia, cria o mundo, dá sentido à existência e configura a realidade, que passa a existir depois; jamais antes”. O autor tem um projeto para o mundo, mas, em seus textos, “o mundo e os fatos se conformam à teoria, e não o contrário”.231 Nesse caso, a noção bourdieana de “atos de instituição” é bastante pertinente, já que temos “um indivíduo, agindo em seu próprio nome ou em nome de um grupo mais ou menos importante numérica e socialmente”, que quer transmitir a alguém sua visão de mundo e, ao mesmo tempo, “cobrar de seu interlocutor que se comporte em conformidade com a essência social que lhe é assim atribuída”. Exprimindo sua visão de mundo, Barroso acaba contribuindo para “fazer a realidade desse mundo”. 232 Ou seja: conclamando os fascistas a se unirem, nosso autor configura uma realidade na qual tal união é possível. Ainda que tal proposta apresentasse uma série de inconsistências, isso não faria diferença, pois o poder das palavras não reside nelas, mas naquele que as enuncia. 233 Reconhecido por muitos como importante liderança integralista, Barroso consegue, por meio de seu discurso, instituir uma realidade que é aceita por muitos de seus leitores – especialmente tendo em vista o peso que a simpatia pelo fascismo europeu teve no recrutamento de militantes da AIB. 228 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 100. Idem. P. 100, 101. 230 Ibidem. P. 153, 154. 231 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 57, 79. 232 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas... P. 82. 233 Idem. P. 85. 229 69 No entanto, as dimensões de alguns posicionamentos de Barroso merecem ser relativizadas. Sérgio Miceli nos diz que as lideranças integralistas foram as que mais se ressentiram com a derrocada dos grupos oligárquicos. A acolhida que o integralismo teve em certos setores da sociedade foi tanto maior quanto maior era o desânimo desses setores com a crise da ordem oligárquica da qual queriam colher frutos. Com a derrota das oligarquias sacramentada em 1932, muitos desses intelectuais encontraram nos programas de extremadireita a “redenção” da ordem burguesa. 234 Com Barroso não era diferente. Seu cargo de dirigente do MHN havia sido concedido pelo presidente Epitácio Pessoa, e foi como representante do governo de Epitácio Pessoa que ele atuou na delegação brasileira em Versalhes. A Revolução de 1930 mostrou-se problemática para o autor devido ao seu apoio à candidatura de Júlio Prestes, de modo que ele acabou destituído da liderança do MHN entre 1930 e 1932. Porém, dadas as incertezas políticas do período, Barroso conseguiu se reacomodar à nova situação, elegendo-se presidente da ABL com o apoio do governo em 1932, e retornando, naquele mesmo ano, à chefia do MHN. 235 Logo, por mais incisivas que fossem as críticas barrosianas à República Oligárquica, elas partiam mais do seu ressentimento por não mais se beneficiar dessa ordem do que por um sentimento de aversão a ela. Indo mais longe, poderíamos compreender essas críticas como estratégias do autor de se acomodar à nova conjuntura em um momento no qual a antiga conjuntura dava sinais de que não iria retornar. Como muitos dos futuros intelectuais da AIB foram refratários à Revolução de 1930, era mister que se mostrassem críticos ao status quo ante. Só assim eles teriam alguma esperança de se beneficiarem da nova configuração de forças: Assim como haviam colaborado para truncar a ascensão das forças políticas vitoriosas em 1930, muitos deles se filiam à bandeira autoritária que lhes parecia o sucedâneo eficaz para o qual poderiam canalizar suas esperanças de reforma elitista e, lance certeiro, cobrar o quinhão de sua presença na coalizã o de forças de que se sentiam alijados.236 Dado o acirramento das disputas ideológicas gerado pela crise inflacionária no mercado de títulos universitários, bem como a convicção de que sua geração definiria os rumos da nação, vários intelectuais de proa da AIB tomaram a Primeira República como prova da decadência do liberalismo.237 Após identificar esse liberalismo com os principais problemas do Brasil republicano (regionalismos, imoralidade política e econômica, receptividade excessiva às 234 MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 133, 134. SILVA, Arthur da. Gustavo Barroso: aproximações conceituais da AIB e o MHN (1933 -1937). Anais da XXIX Semana de História da UFJF. Monarquias, repúblicas e ditaduras: entre liberdades e igualdades. (14 -18 maio 2012). P. 443, 444. 236 MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 239, 240. 237 Idem. P. 240, 241. 235 70 ideias estrangeiras, indiferença com o homem do sertão, entre outros), os integralistas passaram a ataca-lo como se nada tivessem com ele. O anticomunismo do autor requer igual cuidado ao ser analisado. Carlos Gustavo Nóbrega Jesus avalia que, diante de um movimento que pregava a integração racial, Barroso se achava em uma posição delicada para expressar ideais antissemitas e sua simpatia pelo nazismo, de modo que seu anticomunismo teria sido uma ferramenta para diluir os elementos raciais de seu discurso. Outros setores da intelectualidade brasileira também se mostravam avessos ao antissemitismo, denunciando seu caráter racista e anticristão. Hamilton Nogueira, em artigo n’O Diário de 1937, tece duras críticas justamente a autores que Barroso cita, como Houston Stewart Chamberlain e Alfred Rosenberg. 238 A fim de impedir que suas divergências com Plínio Salgado e Miguel Reale maculassem a imagem de coesão da AIB, Barroso relacionava o judaísmo à questão política, denunciando sua ligação com o comunismo. Assim, recorrendo a um elemento que era unanimidade nas fileiras integralistas – o anticomunismo –, Barroso achava uma forma de amenizar os efeitos de seu antissemitismo. 239 Não concordamos com Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus que o antissemitismo de Barroso tenha sido de matriz racial, mas é perfeitamente possível que as pessoas à época associassem o antissemitismo do autor a um discurso racista. A saída que Barroso encontra é destacar que o antissemitismo de grupos fascistas não era incompatível com o cristianismo. É isso o que ele faz ao descrever o fascismo sueco, para citarmos um último exemplo: O fascismo sueco reveste-se de forma hitlerista, como é natural. Afirma Deus, a pátria, a família e a propriedade. Quer a liberdade religiosa e a pureza da raça rúnica. Condena a usura e o parasitismo judaico. Exige as hierarquias e o trabalho obrigatório. Chamam-se Nacionais-socialistas. Como símbolo, trazem a Esvástica. Sua camisa, porém, é branca, simbolizando a pureza de suas intenções. Exercem inteira propaganda anticomunista.240 Julgamos importante também pensar o anticomunismo de Barroso atentando-nos para o apelo que o antissemitismo possuía no Brasil dos anos 1930. Comentando a obra de Trindade, Cytrynowicz nos mostra que o antissemitismo não estava arraigado no Brasil antes da fundação da AIB. Ademais, ele contribuiu de forma muito pouco significativa para o recrutamento de integralistas.241 Logo, em um país que não tinha uma tradição antissemita arraigada e diante do peso que o anticomunismo tinha não só no imaginário político, mas também no 238 recrutamento de membros para a AIB, amparar o antissemitismo no NOGUEIRA, Hamilton. Racismo. In: GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 234. JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega. O anticomunismo de Gustavo Barroso como instrumento pa ra um discurso intolerante. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: julho de 2011. P. 1, 5. 240 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 190. 241 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 17. 239 71 anticomunismo deve ter sido quase um imperativo para Gustavo Barroso. Associando o judeu ao comunista, o integralista conseguiria difundir seu antissemitismo com mais facilidade: Para Barroso o anticomunismo seria uma forma de disseminar seu antissemit ismo, utilizando o argumento do complô. Além do que, também, seria uma estratégia para se aproximar dos principais líderes Integralistas que tinham entre suas maiores motivações a crítica ao comunismo. 242 242 JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega. Ob. Cit. P. 14. 72 CAPÍTULO 3 3.1 O integralismo à luz dos fascismos Como vimos no capítulo 2, Gustavo Barroso identifica: 1) os Estados que são fascistas, corporativos e integrais, 2) os Estados que são fascistas e não se denominam fascistas e 3) os Estados de tendências fascistas. Aqui chama a atenção uma importante omissão: o autor não menciona o Brasil. Apesar dos esforços de Vargas em conceder mais direitos aos trabalhadores, inspirando-se, inclusive, na legislação da Itália fascista, o autor fala pouco de Vargas, e nas poucas que vezes em que cita o presidente ou a ordem estabelecida em 1930, não o faz de forma elogiosa. É nesse ponto que as recomendações de Bourdieu sobre a localização do campo intelectual frente ao campo de poder se mostram úteis. Robert M. Levine escreve que, antes do Estado Novo, a repressão governamental à ANL sempre fora mais intensa do que aquela dirigida à AIB. Plínio Salgado, assim como os demais integralistas, nunca deixou de alimentar esperanças de que o integralismo seria alçado ao poder com o advento do Estado Novo. No dia 1º de novembro de 1937, poucas semanas antes do início da ditadura varguista, uma grande leva de camisas-verdes marchara pelo centro do Rio de Janeiro rumo ao palácio presidencial, onde Vargas passou-os em revista. O manuscrito da Constituição de 1937 fora apresentado confidencialmente por Francisco Campos ao chefe integralista antes de sua implantação. O general Newton Cavalcanti, como era do conhecimento de todos, era simpático ao integralismo, assim como o eram o general Pantaleão Pessoa (chefe do Estado-maior das forças armadas até 1935) e o chefe de polícia Filinto Müller. Isso sem falar que as forças armadas eram reconhecidamente “um viveiro de integralistas”, com militares da reserva formando o grosso da AIB nas cidades. 243 Posteriormente, Plínio Salgado faria questão de reproduzir um depoimento do general Góis Monteiro, então ministro da guerra, a fim de ressaltar a cumplicidade entre Vargas e a AIB: O Integralismo é um partido brasileiro. Tem sentido e uma ideologia definidos e um objetivo nacional. O seu campo de ação é o Brasil que é também a meta da sua aspiração. Poderá ou não vingar, conforme a ressonância que o seu evangelho encontrar nas camadas profundas da alma brasileira. Mas é um partido, e 244 o seu esforço de expansão deve ser respeitado. A dubiedade de Vargas diante dos integralistas torna-se ainda mais evidente após o Estado Novo. Em suas primeiras declarações públicas após o golpe, o presidente já não demonstrava qualquer intenção de governar ao lado do integralismo. A AIB foi dissolvida, mas os integralistas puderam seguir se reunindo em uma entidade meramente cultural, a Associação Brasileira de Cultura, que foi abolida em 1938. Gustavo Barroso foi, talvez, a figura menos 243 244 LEVINE, Robert M.. Ob. Cit. P. 139, 247. MONTEIRO, Góis. O integralismo julgado pelos seus contemporâneos. In: SALGADO, Plínio. Ob. Cit. P. 78. 73 molestada pelo novo regime, reassumindo a direção do MHN e seguido sua vida intelectual como membro ativo da Academia Brasileira de Letras. Vargas ofereceu a Plínio Salgado a vaga de ministro da educação, ao que o amargurado chefe integralista declinou, embora posteriormente pedisse, sem sucesso, que a pasta ficasse com Gustavo Barroso. 245 Vê-se, portanto, que o integralismo se achava em posição delicada no campo de poder, cabendo aos seus intelectuais, inclusive Gustavo Barroso, cautela ao falar sobre o presidente Vargas. Recém-saídos, como já vimos, de uma ordem oligárquica em crise, os intelectuais integralistas precisavam, segundo Sérgio Miceli, “ajustar suas estratégias de sobrevivência no espaço da classe dirigente” com a finalidade de “minorar os efeitos da concorrência que lhes faziam grupos sociais cujos interesses não eram os mesmos da oligarquia”. 246 Após estudarmos, no capítulo 2, a posição de Barroso diante dos fascismos no mundo, é mister que nos questionemos, nesse capítulo final, qual era a visão que o autor tinha do próprio integralismo diante dos fascismos no mundo. De acordo com Barroso, o integralismo e os fascismos europeus teriam uma série de pontos de contato, como se vê a seguir: Tomemos como exemplo o Integralismo, o Fascismo Italiano e o Nazismo Alemão. Os três têm os seguintes pontos de contato: No terreno espiritual, são reações do espiritualismo contra o materialismo, do nacionalismo contra o internacionalismo, do idealismo cristão contra o naturalismo judaico-puritano. No terreno econômico, são reações da produção contra a especulação, da propriedade contra o capitalismo absorvente. No terreno social, são reações contra as doutrinas unilaterais dos séculos XVIII e XIX, liberalismo e comunismo. No terreno moral, são reações do nobre sentido de trabalho honesto e sacrifício do cristianismo contra o sentido de gozo material e de utilitarismo sem honra da burgues ia judaizada e paganizante.247 Outros pontos em comum citados eram a luta contra as forças ocultas que dominavam o Estado, a defesa do corporativismo, o direito de propriedade, a soberania econômica, a economia planificada, a defesa da pátria, da família e das hierarquias e a aversão à usura. Por mais que os escritos integralistas do pensador cearense nos sugiram estratégias de irmanar a AIB com movimentos similares no mundo, ele sempre fez questão de ressaltar as peculiaridades do integralismo. Na seguinte passagem, vemos como o autor tenta rebater as críticas de plágio dirigidas aos integralistas: Alguns escrevinhadores imbecis, sem cultura para entender nossa missão e nosso raciocínio, a cada passo nos chamam de imitadores do fascismo ou plagiadores do hitlerismo. Não somos imitadores e plagiadores dum ou doutro, como não o é o grande movimento dos camisas azuis que Mosley desencadeia na velha Inglaterra. Somos simplesmente ramos da mesma árvore, filhos da mesma doutrina, resultados da mesma 248 concepção totalitária do universo. Esse fragmento mostra que nosso autor estava em uma situação delicada. Era imperativo apresentar o integralismo como uma doutrina genuinamente brasileira, pois associá-lo a 245 LEVINE, Robert M.. Ob. Cit. P. 250, 257. MICELI, Sérgio. Ob. Cit. P. 119. 247 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 16. 248 BARROSO, Gustavo. O integralismo em marcha... P. 89. 246 74 fórmulas estrangeiras acabaria por destruir um dos grandes trunfos da doutrina do sigma contra seus antagonistas: a sua não filiação a ideologias alienígenas. Por outro lado, afastando o integralismo por completo dos fascismos europeus, seu grito “nacionalistas de todos os países, uni-vos” tornar-se-ia desprovido de sentido. A solução é encontrada em um meiotermo: o integralismo não seria cópia do fascismo nem do hitlerismo, mas todos eles descenderiam “da mesma árvore”, “da mesma doutrina” e “da mesma concepção totalitária do universo”. Com isso, Barroso rechaça as críticas da esquerda e as suspeitas de vários setores da sociedade brasileira que acusavam os integralistas não só de plagiarem o fascismo, mas também de serem seus agentes disfarçados. Muitas vozes na imprensa e no Congresso alegavam que os camisas-verdes recebiam armas da Alemanha. Até observadores estrangeiros viam na AIB um órgão a serviço dos interesses do Terceiro Reich em terras brasileiras. 249 A complexidade do campo intelectual em que Barroso estava tornava-se ainda maior em decorrência de suas frequentes desavenças com Plínio Salgado. Como fundador da AIB, Plínio Salgado sempre se preocupou com a originalidade de sua doutrina, abstendo-se de explorar as semelhanças desta com o fascismo europeu. 250 Em sua carta de natal de 1935, publicada no jornal A Ofensiva, ele chega a criticar duramente o nacional-socialismo: É o caso da perigosa tendência pagã do hitlerismo, fenômeno que deve impressionar fundamente a consciência espiritual dos povos. (...) Chegará a Alemanha a essas loucuras? Não o sabemos. Apenas verificamos as consequências de um misticismo transportado do campo religioso, onde sempre deveria estar e de onde nunca deveria sair, para o campo das atividades políticas, isto é, à concepção do Chefe, como um homem diferente dos outros, um semi-deus, terminando na própria encarnação de Odim, e a concepção de seus adeptos como seres inumanos, super-religiosos, porém que, sem um fundamento cristão, ultrapassaram a linha hipócrita do velho puritanismo, atingindo o outro extremo, onde a explosão de todos os recalques acaba manifestando-se como negação da virtude.251 Como já vimos, as críticas ao fascismo e ao integralismo frequentemente partiam de setores da Igreja Católica. A AIB, especialmente na figura de Plínio Salgado, se apresentava como herdeira da tradição católica. Porém, a Igreja nunca se identificou totalmente com o integralismo pelo simples fato de que este último não se resumia ao tradicionalismo católico, abarcando também outras vertentes ideológicas nem sempre de acordo com os preceitos cristãos. Além disso, assim como os trabalhadores e as elites conservadoras, a Igreja Católica já vislumbrava em Getúlio Vargas a resposta aos seus principais anseios. 252 O bispo de São Carlos, Dom Gastão Liberal Pinto, criticava a pretensão integralista de submeter a Igreja à política, afirmando que a Ação Católica já servia aos católicos que quisessem atuar na política. Ele acusa ainda o integralismo de ecletismo, misturando filosofias antigas e 249 HILTON, Stanley. Ob. Cit. P. 32. TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 212. 251 SALGADO, Plínio. Carta de natal e fim de ano. In: SALGADO, Plínio. Ob. Cit. P. 54, 55. 252 SOUZA, Francisco Martins de. Ob. Cit. P. 106. 250 75 modernas. Comentando o livro O que o integralista deve saber, o bispo critica a posição de Barroso, que admite que todas as concepções de Deus advogadas pelas mais diversas religiões eram compatíveis com o integralismo.253 O Pe. Everardo Guilherme, por sua vez, escreve: O nacionalismo-fascista já aproximou a opinião cristã-social sobre a sociologia, porém divergem em um ponto essencial da sociedade católica. Apresenta, como o mais alto ideal o culto da onipotência do Estado; o Cristianismo apresenta como o mais alto ideal: a Onipotência de Deus. O nacionalismo moderno conduz portanto à idolatria do Estado e deste modo já contém em si os germes da ruína. A Itália permitiu, a par do culto do Estado, o culto de Deus, até mesmo propagou -o nos últimos anos e por isso, talvez, será mais duradoura que a Alemanha que caiu no mais rude culto do poder do Estado, por seu falso nacionalismo. O Estado, por receber de Deus seu poder, não pode exigir adoração. 254 Defensores da Igreja Católica como Oscar Mendes também não poupam críticas ao Terceiro Reich, denunciando a perseguição aos católicos alemães e o caráter racista e anticristão do nacional-socialismo: No caso da perseguição religiosa na Alemanha nós vimos e estamos vendo como o ditador nazista vem agindo. Perseguindo todas as religiões no território alemão e especialmente a católic a, diz-se depois a vítima e esbraveja grotescamente até contra um cardeal norte-americano, somente porque o príncipe da Igreja teve o desassombro de se referir à antiga profissão do sr. Hitler ao tempo em que ele não usava bigodinho e não fazia gestos simbólicos. (...) No seu ódio aos católicos e a qualquer religião, dizem que já estabeleceu um dilema para o cidadão alemão: ou Cristo, ou Hitler. 255 É graças a essa posição ocupada por Barroso no campo intelectual que uma análise do panegírico fascista elaborado por ele não poderia se restringir a apenas alguns dos seus livros, uma vez que, aquilo que é dito em uma obra pode ser contradito ou dito com ressalvas em outra. É o caso das seguintes passagens, a primeira de 1935: Aliás, o símbolo tomado pelo fascismo [italiano] indica isso: é um simples feixe que lembra Roma e significa a reunião dos elementos dispersos de sua tradição imperial e cristã , tão rapidamente e tão praticamente como se ajuntam e se amarram varas. Já o movimento de Hitler se eleva desde o co meço a um plano espiritual mais alto, já busca, escudando-se na alma da raça, criar um espírito novo antes de realizar praticamente alguma coisa. Ele encontrava, reunidos por Mussolini, na pressa do combate primeiro, os elementos que as forças secretas da revolução haviam dispersado um a um no decurso dos séculos. Imprimiu-lhes um dinamismo. E eis por que o seu símbolo é a cruz esvástica que, na tradição esotérica ariana, quer dizer a vida, o movimento universal.256 Já em 1936, a fim de ressaltar a peculiaridade do integralismo, Barroso escreveria, quase dialogando com a carta de natal de Plínio Salgado: Separam-nos, no entanto, diferenças profundas. O Fascismo se enraíza na gloriosa tradição do Império Romano e sua concepção do Estado é cesariana, anti-cristã. O Estado nazista é também pagão e se baseia na pureza da raça ariana, no exclusivismo racial. Apoiado neste, combate os judeus. O Estado Integralista é profundamente cristão, Estado forte, não cesarianamente, mas cristamente, pela autoridade moral de qu e 257 está revestido e porque é composto de homens fortes . Aqui, o autor é enfático ao distinguir o integralismo de seus congêneres europeus. Acreditamos que essas pequenas ressalvas com as quais Barroso entremeia seu panegírico 253 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 213, 214. BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 209. GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 40, 41. 255 MENDES, Oscar. Os destruidores da Alemanha. In: GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 242, 243. 256 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 53. 257 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 17. 254 76 fascista têm como objetivo evitar o acirramento de tensões com o chefe nacional integralista e com o público e a intelectualidade católica. Antes de escrever, em O integralismo e o mundo, que o fascismo e o nacional-socialismo se baseavam em concepções pagãs de Estado, o autor escrevia, em 1935, que o símbolo do fascismo italiano “significa a reunião dos elementos dispersos de sua tradição imperial e cristã”. Ademais, o caráter racial do Estado nacionalsocialista, criticado na obra de 1936, é valorizado, na obra de 1935, como um elemento que confere maior espiritualidade ao movimento de Hitler. A simpatia brasileira aos movimentos fascistas europeus, portanto, sempre esbarrou no caráter racial do nacional-socialismo e em seu suposto paganismo. Admira-se o Terceiro Reich em sua luta contra o comunismo, o liberalismo e a maçonaria, mas ao mesmo tempo se reprovam outras de suas posturas. Recorramos novamente ao Pe. Everardo Guilherme: Hitler parece conhecer menos o valor do Cristianismo do que Mussolini. Pois, apesar de suas ideias solidaristas terem sido tomadas em grande parte da opinião cristã, sobretudo católica, ele cometeu nos últimos tempos (talvez instigado por falsos conselheiros), o grande erro de apoiar a propaganda do paganismo no Império Alemão e oprimir a pregação do Cristian ismo, enfraquecendo o mais possível a posição das Igrejas cristãs. Grandes calamidades ameaçam agora a Igreja, mas estas se vingarão a si mesmas sobre o nacional-socialismo da Alemanha.258 O padre não esconde sua esperança de que o integralismo não seguirá esse rumo: O nazismo nacional proibiu a maçonaria, mas prendeu as crianças católicas na mesma cadeia, expulsando os religiosos e professores católicos. Não é mentira dizer que os católicos na Alemanha compraram nabos em saco com sua concordata e é justamente isto que obriga a ponderar bem os atos dos chefes integralistas. As circunstâncias na Alemanha e no Brasil são diferentes, daí a diferença na apreciação e na aplicação do fascismo, porém a origem da doutrina é a mesma Itália, com o seu chefe Mussolini. Entretanto, há esperança e possibilidade de que o integralismo seja aplicado num sentido leal a respeito da liberdade da religião e da Santa Madre Igreja.259 Diante das acusações que Plínio Salgado e setores da Igreja dirigem ao regime de Hitler, é compreensível que Barroso não tenha levado às últimas consequências a sua identificação com o nacional-socialismo. Por isso seu empenho em enfatizar a diferença e a superioridade do integralismo perante seus congêneres. O Pe. Everardo Guilherme é um exemplo de como o público católico estava atento aos escritos de Barroso. Apesar das críticas, o religioso cita a última passagem de Barroso reproduzida acima, enfatizando a parte na qual o autor define o Estado integralista como um Estado forte em termos cristãos, e não em termos cesáreos.260 Outro traço distintivo que Barroso advoga para o integralismo é sua devoção ao idealismo de três raças: o sonho dos indígenas de alcançarem uma terra feliz, o sonho dos escravos de se libertarem e o sonho de glória e riqueza dos bandeirantes. No Brasil, “a benção do jesuíta uniu todos debaixo da mesma cruz. Dos Guararapes aos Aquidaban, o sangue de todos os uniu no 258 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 43. Idem. P. 100, 101. 260 Ibidem. P. 140. 259 77 mesmo destino”.261 Logo, o integralismo brasileiro teria uma dose maior de espiritualidade por representar os anseios de uma pluralidade racial. O integralismo substituía os cavaleiros teutônicos mobilizados pelos nazistas e as glórias do Império Romano exaltadas no discurso fascista pelo bandeirante, pelo jesuíta e pelo indígena. Não obstante, ao substituir os mitos de origens europeias por mitos de origens brasileiras, tudo o que o integralismo fez foi esvaziar mecanismos de formação de identidade europeus e substituí-los por elementos nacionais. Mesmo com a exaltação ao tapuia, ao caboclo ou ao bandeirante, a mentalidade europeia permanecia viva na simples busca por heróis e mitos nacionais. 262 Em Integralismo e catolicismo, nosso autor evidencia aquilo que, em outras obras, havia apenas deixado implícito: apesar da importância do legado indígena e negro, é o português quem aparece como o fator primordial de construção da nacionalidade brasileira – e não poderia ser diferente. Todo o elogio ao curupira, ao tupi e aos escravos não deve ser interpretado como uma defesa da preservação de suas manifestações culturais, mas sim como o reconhecimento do esforço desses povos em contribuir para a concretização do projeto lusitano. Logo, “os sertões queimados de sol e as serranias banhadas de luz” não são suficientes, uma vez que, “se somos um povo cristão, se queremos criar um Estado Cristão (...) o nosso conceito de cultura tem de ser, fatalmente, um conceito espiritual, um conceito cristão”. Tal conceito “não vem batizado com a ardência do sol líbico, nem com a espuma das cachoeiras que cantam nos araxás e nos sertões americanos, mas com a água azul do velho mar Mediterrâneo”. 263 Diferente também seria o corporativismo propugnado pelo integralismo: “As Corporações na Itália e na Alemanha refletem o Estado; no Brasil, produzem o Estado”. A organização do Estado no Brasil integralista partiria das famílias, ao passo que na Alemanha nazista e na Itália fascista o impulso viria de cima: o governo organizaria tudo, até o âmbito familiar. 264 Logo, mesmo não advogando a superioridade de qualquer raça ou nação em especial, Barroso por vezes deixa escapar a crença na superioridade do integralismo diante de seus congêneres no que diz respeito a alguns aspectos. O modelo de Estado advogado pelo autor nos mostra como até a doutrina integralista foi marcada pela “cordialidade” de que nos fala Sérgio Buarque de Holanda em sua obra-prima. Contemporâneo de Gustavo Barroso, o autor de Raízes do Brasil observa que, naquele tempo, ainda eram frequentes os focos de resistência ao processo de substituição dos laços de sangue e afeto por princípios abstratos e impessoais. Tais focos se achavam em diversos círculos, dos quais o mais forte foi a família, sendo que 261 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 18. CHAUÍ, Marilena de Souza. Ob. Cit. P. 36, 37. 263 BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo... P. 58. 264 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 18. 262 78 um importante desdobramento “da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar (...) está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós.”265 Logo, assim como o homem cordial é incapaz de perceber os limites entre o domínio público e o domínio privado, lidando com o político como quem lida com assuntos particulares,266 o Estado integralista seria a continuação do ambiente familiar. Configurando-se como uma doutrina apoiada pelas elites alijadas em 1930, o integralismo acabou se desdobrando em um “fascismo cordial” que brandia o tacape dos valores afetivos diante da marcha avassaladora do capitalismo frio e impessoal. Diferente das manifestações totalitárias europeias nas quais o Estado abocanhava a sociedade civil, a doutrina do sigma defendia que a família é que deveria absorver o aparato político.267 Era esse “totalitarismo às avessas” o substrato do “fascismo cordial” integralista. A situação do campo intelectual, portanto, era a seguinte: por um lado, a simpatia com os fascismos europeus era o segundo fator que mais motivava brasileiros a ingressar na AIB nos anos 1930,268 de modo que Barroso não poderia deixar de explorar essas semelhanças a fim de atrair mais membros à causa integralista. Por outro lado, as críticas da esquerda associando o integralismo a um mero lacaio no nazi-fascismo no Brasil, as críticas de muitos religiosos ao fascismo e os atritos cada vez maiores com Plínio Salgado forçavam nosso autor a traçar marcos distintivos para a doutrina do sigma e a reafirmar seu cristianismo. Adicione-se a isso o fato de que o antissemitismo, sem uma tradição arraigada no Brasil e condenado dentro da própria AIB, por vezes despertava acusações de racismo por parte de outros brasileiros – acusações essas incompatíveis com a proposta integralista de confraternização entre todos os povos. Rubem Almeida, em artigo no jornal integralista O combate de 1937, critica o fato de Barroso atacar o judeu baseando-se em fontes pouco confiáveis, atribuindo exageradamente aos interesses judaicos todas as mazelas brasileiras, desde o período colonial. Já Miguel Barroso, membro das Frentes Negras do Brasil, acusou o escritor integralista de racismo por causa de um artigo no qual ele atribuía os conflitos entre negros e brancos às maquinações judaicas, responsabilizando-as ainda de terem introduzido o tráfico negreiro no Brasil. Azevedo Amaral, importante intelectual do Estado Novo, elogia um livro sobre o antissemitismo no Brasil afirmando que ele fez uma “obra previdente de profilaxia social, 265 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora (Coleção documentos brasileiros, volume 1), 1981. (14ª edição). P. 103, 106 (grifo nosso). 266 Idem. P. 105, 106. 267 Escre e l nio algado, no Mani esto de outubro de 3 , que “O Homem e sua am lia recederam o Estado. O Estado deve ser forte para manter o Homem íntegro e a sua família. Pois a família é que cria as irtudes que consolidam o Estado. O Estado mesmo é uma grande am lia, um conjunto de am lias”. ALGADO, Plínio. Manifesto de outubro de 1932. In: SALGADO, Plínio. Ob. Cit. P. 27. 268 TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 160. 79 imunizando os nossos meios intelectuais contra a contaminação do antissemitismo hitlerista”.269 Por fim, temos Olympio Mourão Filho, importante integralista que também demonstra não simpatizar com o antissemitismo nazista. Em um guia intitulado Instrução da milícia, reproduzido em obra do próprio Gustavo Barroso, Olympio escreve que o integralismo, diferente do nacional-socialismo, “não faz campanha racista, de vez que nosso continente abriga todas as raças da terra e necessita ainda da imigração”. 270 A seguinte passagem aponta para mais uma provável tentativa de conciliação com o chefe nacional, na medida em que Barroso reafirma a superioridade integralista: Nós abrimos os olhos para a aurora das duas grandes vitórias [fascismo e nacional-socialismo] e adicionamos às suas conquistas em todos os terrenos o gênio próprio da nossa doutrina, de grau espiritual mais elevado. Eis a razão do Sigma, que simboliza a somação, a integralização de tudo o que deva ser levado em conta para a organização natural da sociedade. E daí o que diz o Chefe Nacional e repetem os nossos doutrinadores: a nossa revolução é a maior de todas as revoluções, porque começa dentro de nós 271 mesmos. Porém, nem toda a obra de Gustavo Barroso é marcada por essa tentativa de conciliação. Por vezes ele se valeu de seu antissemitismo como uma bandeira “popular, forte e arregimentadora, associada ao anticomunismo”, com a finalidade de destacar-se como dirigente popular da AIB. O antissemitismo permitia estabelecer um elo entre o integralismo e os fascismos europeus, ajudando assim a situar o integralismo como parte de uma tendência mundial, e não como manifestação isolada. 272 Tenhamos em mente ainda que o autor não estava sozinho em seu antissemitismo. Seus livros vendiam aos montes e não raro eram elogiados pela crítica, sendo que várias outras obras de cunho antissemita também foram publicadas no período.273 O alagoano Tenório d’Albuquerque foi um dos intelectuais que, inspirados em Gustavo Barroso, compartilhava de seu antissemitismo, de sua admiração pela Alemanha nazista e pela Itália fascista. Em suas obras, Tenório acusa os judeus de serem os grandes agentes do capitalismo internacional, de criarem o marxismo e de não terem pátria. Tal como Barroso, ele também elogia as manifestações que surgiam no mundo em reação às maquinações judaicas. Em um de seus livros, o autor relata sua viagem à Alemanha nazista, tecendo longos elogios ao regime implantado por Hitler. 274 O discurso antissemita de Barroso, tal como qualquer outro discurso, não era só um signo destinado a ser compreendido. Ele também era um “signo de riqueza” destinado a ser 269 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 135 (notas 56 e 66), 170, 171. FILHO, Olympio Mourão. Apêndice – Instrução da milícia (noções elementares da doutrina – para uso dos milicianos). In: BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 202. 271 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 53. 272 CYTRYNOWICZ, Roney. Ob. Cit. P. 192. 273 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Ob. Cit. P. 373. 274 Idem. P. 375, 377. 270 80 apreciado e um “signo de autoridade” a ser obedecido. Em outros termos, o discurso não deve ser avaliado apenas quanto ao seu conteúdo, mas também em relação à autoridade de quem o enuncia. A competência linguística daquele que enuncia um discurso não é resultado somente de sua capacidade técnica, mas também do reconhecimento atribuído a esse enunciador enquanto autoridade. Somente a fala autorizada, digna de crédito, possui competência linguística.275 A autoridade de Barroso fica evidente quando nos atentamos para a influência que seu antissemitismo exerceu sobre os demais integralistas. Hélgio Trindade observa que, por mais que o antissemitismo não tenha tido uma importância significativa no recrutamento de militantes, ele ajudou a configurar a doutrina integralista, além de influenciar profundamente os integralistas depois de sua filiação ao movimento. Quase dois terços dos dirigentes e militantes locais integralistas partilhavam desse antissemitismo.276 Assim, destacando-se por seu antissemitismo e por sua defesa de uma solidariedade fascista internacional, Barroso buscava consolidar sua posição de autoridade dentro do integralismo e assegurar que seu discurso fosse lido e respeitado pelo seu público e por seus pares. Some-se à sua posição de destaque na AIB sua já conhecida trajetória intelectual anterior a 1933, com dezenas de obras e artigos publicados e elogiados pela crítica, e veremos que a fala do autor aqui estudado era dotada de crédito por parte significativa do público leitor. O antissemitismo barrosiano apresenta algumas peculiaridades. Trindade diz que o antissemitismo de Barroso não tinha caráter étnico ou racial, e sim político: ele justificava o ataque aos judeus apenas com base nas atividades imorais que eles levavam a cabo. Nas palavras de Barroso: A questão judaica não é, como pensa muita gente e como muitos judeus se esforçam por espalhar, uma questão religiosa ou racial. É uma questão política. Ninguém combate o judeu porque ele seja de raça semita nem porque siga a religião de Moisés. Mas sim porque ele age politicamente dentro das nações, no sentido dum plano preconcebido e levado por diante através dos tempos.277 Por outro lado, Trindade diz que Plínio Salgado não era antissemita, pois afirmava que o problema do mundo “é ético, e não étnico”, além de acreditar que era apenas uma coincidência o fato de os judeus controlarem grande parte das instituições financeiras internacionais.278 Não conseguimos ver, nessa contraposição, qual a diferença entre a postura de Plínio Salgado e de Gustavo Barroso frente à questão judaica. Tal contraposição acaba sugerindo que a questão judaica para Barroso teria tido quase o mesmo significado que teve 275 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas... P. 53, 57. TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 161, 162. 277 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 119. 278 TRINDADE, Hélgio. Ob. Cit. P. 252, 254. 276 81 para Plínio Salgado: uma denúncia motivada não por aspectos religiosos ou raciais, mas por aspectos de ordem econômica e política. Antônio Rago Filho segue caminho semelhante. Ele concorda que Plínio Salgado não expressava qualquer aversão ao judaísmo que tivesse substrato racial. Mais adiante, porém, o autor mostra como o antissemitismo de Barroso também não era racial nem religiosamente motivado. Ora, se o antissemitismo barrosiano não era de cunho racial nem religioso, então ele não diferia da postura de Plínio Salgado. Aliás, Antônio Rago Filho distingue o antissemitismo de Barroso do antissemitismo nacional-socialista utilizando exatamente os mesmos critérios que ele usara para distingui-lo do antissemitismo de Plínio Salgado. Ao dizer que o antissemitismo do integralista cearense “não se trata (...) de uma matriz rácica”, e que isso o separa da questão judaica tal como vista pelos nazistas, o autor automaticamente dilui as diferenças que ele mesmo traçou entre a questão judaica no pensamento de Gustavo Barroso e de Plínio Salgado.279 Para nós, o diferencial da postura de Barroso frente à questão judaica reside não na sua motivação política e econômica, mas sim no repúdio que o autor nutria pelo próprio racismo que, segundo ele, seria uma marca do judeu. Nas palavras do autor: “O Estado Integralista (...) combate os judeus, porque combate os racismos, os exclusivismos raciais, e os judeus são os mais irredutíveis racistas do mundo”.280 Assim, Barroso inverte a lógica do antissemitismo alegando que o judeu é, na verdade, o agente e não o paciente do racismo. Esse “racismo às avessas” apregoado por Barroso não ataca o judeu com base em preconceitos raciais, mas atribui ao judeu preconceitos raciais como justificativa para ataca-lo: Diante dessas revelações sensacionais, creio que toda a gente compreenderá que o chanceler Hitler tomasse algumas medidas contra a Raça Superior, a fim de não acontecer à Alemanha o que aí se diz ter acontecido à França. Apesar de mais longe, o Brasil, onde os judeus estão entrando livremente aos milhares, deve pôr as barbas de molho, enquanto é tempo...281 Critica-se, inclusive, o próprio antissemitismo nacional-socialista: Hitler comete um erro, todavia... Ele combate os judeus em nome do racismo ariano. Ora, sendo o judeu o maior de todos os racistas, não é possível combate-lo com outro racismo e sim com um antirracismo. O que se deve combater é justamente o racismo judaico. Em nome dos princípios cristãos que pregam a igualdade de todos os entes humanos, é que combatemos o povo que se declara ELEITO E SUPERIOR.282 Ao referir-se aos judeus como a “Raça Superior”, Barroso imprime contornos próprios ao seu antissemitismo. Ao invés de advogar a superioridade de alguma raça sobre os judeus, Barroso acusa os próprios judeus de cultivarem a pretensão de superioridade racial sobre os demais 279 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 56, 58, 63, 64. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 17. 281 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 87. 282 BARROSO, Gustavo citado por RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 366. 280 82 povos. É baseado nesse suposto racismo judaico que o autor justifica as medidas de Adolf Hitler, e não baseado na superioridade da raça ariana. Isso mostra a seletividade com que o autor leu os ideólogos nazistas, omitindo as passagens marcadas por exclusivismos raciais e universalizando a sua luta contra o judaísmo, o liberalismo e o comunismo, que, longe de serem ameaças apenas à Alemanha, eram ameaças também ao Brasil e a todo o mundo. É digna de nota ainda a grafia da expressão “Raça Superior”, com letras maiúsculas. Vasconcellos diz que, no discurso integralista, palavras como “Alma”, “Espírito”, “Cristão”, “Pátria”, “Família”, “Estado” aparecem em maiúsculas com a finalidade de ressaltar o primado do espiritual sobre o material. As palavras que se referem aos inimigos do integralismo seriam, por sua vez, grafadas em letras minúsculas. 283 Entretanto, aqui vemos um dos vários exemplos de como as letras maiúsculas também podiam servir para designar um inimigo do integralismo. Por vezes, a palavra “comunismo” também é grafada em maiúsculas. Por isso julgamos mais coerente pensar o uso de maiúsculas nos escritos de Barroso como um recurso típico do discurso da ideologia, que inibe a reflexão e se pretende o único possível acerca de certo objeto – algo que o próprio Vasconcellos observa posteriormente. 284 Já que “todo um aspecto da linguagem autorizada, de sua retórica, de sua sintaxe, de seu léxico, até mesmo de sua pronúncia” tem como objetivo “relembrar a autoridade de seu autor” e assegurar sua credibilidade,285 o uso de maiúsculas auxilia Barroso nessa estratégia. Afastando-se, portanto, de exclusivismos raciais, Barroso exorta à união de todos os brasileiros, independente de cor, credo e procedência, para lutar contra o judaísmo, que defenderia preconceitos e condenaria “ao ódio e à perseguição” todos os não-judeus:286 O Brasil não será, porém, esmagado pela pata do urso moscovita a serviço dos Rothschilds “et reliquae”... O Brasil não quer ser mais uma COLÔNIA DE BANQUEIROS. O Povo Brasileiro não é preto, nem branco, nem vermelho, nem amarelo. É, simplesmente, o Povo Brasileiro. (...) Brancos, índios, negros, mestiços, hoje, todos, ó mandatários de Rotschild, só têm uma cor, a Cor Verde de uma Camisa Gloriosa, e, vestidos com ela, todos vos varrerão do cenário nacional e da memória nacional. 287 Assim como os nazistas, Barroso admitia que a humanidade surgiu independentemente em diferentes regiões do mundo. Porém, Barroso diz que é possível diluir as raças por meio da revolução espiritual, algo não aceito pelo nacional-socialismo, para quem não há solução para os povos desiguais.288 Barroso, portanto, se apropria de vários ideais nazistas, mas sempre adaptando-os à realidade brasileira, para a qual discursos de cunho racial não faziam sentido. 283 VASCONCELLOS, Gilberto. Ob. Cit. P. 31. Idem. P. 71. 285 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas... P. 63. 286 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 78, 79. 287 Idem. P. 151, 152. A própria escravidão negra, segundo Gustavo Barroso, havia sido introduzida no Brasil atendendo a interesses judaicos. Ver: RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 348. 288 MAIO, Marcos Chor. Ob. Cit. P. 27. 284 83 A seletividade era uma marca primordial – talvez até necessária – do discurso de todos os brasileiros que demonstravam alguma simpatia para com os fascismos europeus. Por mais que muitos intelectuais brasileiros dos anos 1920 e 1930 tenham se admirado dos rumos políticos que a Itália e a Alemanha tomavam, muitos acabavam admitindo que, caso o Brasil enveredasse por caminhos semelhantes, algumas alterações seriam fundamentais, haja vista que a realidade brasileira era diferente. Otávio de Faria, por exemplo, escreveu em 1931 que, caso a ação comunista se manifestasse no Brasil da mesma forma que se manifestou na Itália, seria necessária uma reação da mesma natureza, embora “com as modificações que as circunstâncias especiais brasileiras impuserem”. O fascismo teria ensinado ao mundo o melhor meio de se lutar contra a anarquia e a desordem, de modo que esse meio deveria ser “nacionalizado” em cada país onde fosse utilizado. 289 Como já observamos anteriormente, o fascismo na Itália e o nacional-socialismo na Alemanha orientavam seu anticomunismo e seu antiliberalismo em direção a um nacionalismo agressivo e expansionista, ao passo que no integralismo esses elementos fomentavam um nacionalismo defensivo.290 Segundo Leandro Konder, o nacionalismo defensivo “não se afirma em contraposição à humanidade em geral e não nega os valores das outras nações”.291 Logo, não se nota, no integralismo, aquele chauvinismo típico dos fascismos europeus. O Pe. Everardo Guilherme demonstra como esse nacionalismo defensivo ia muito mais ao encontro dos setores conservadores brasileiros do que um nacionalismo agressivo. Comentando o salazarismo, o religioso valoriza seu “nacionalismo são, sem agressividade”, e logo em seguida recomenda: “o integralismo preste bem atenção [ao salazarismo]!”.292 Em consonância com esse nacionalismo, o antissemitismo de Barroso também assumia tom defensivo. Para o autor, os movimentos fascistas formariam uma reação natural contra a dissolução das pátrias, ameaçadas pela desordem. 293 No entanto, só o integralismo teria conseguido “A exata compreensão desse sentido revolucionário” no qual “dão-se as mãos através dos tempos e dos espaços o ‘Zend-Avesta’, José de Maistre, d’Eraines, Ferrero e o chefe Plínio Salgado”.294 Em outras palavras: só o integralismo teria a sensibilidade de perceber a “primavera fascista”, cabendo a ele despertar os seus “irmãos” ao redor do mundo acerca da importância dessa grande missão. É isso o que permite ao autor conclamar todos os 289 FARIA, Otávio de, citado por MEDEIROS, Jarbas. Ob. Cit. P. 430. RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 27. 291 KONDER, Leandro. Ob. Cit. P. 13. 292 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 112. 293 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 14. 294 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 148. 290 84 nacionalistas a se unirem. Por isso o autor compara a concepção de Estado integralista com a concepção de Estado nazifascista apelando para o cristianismo, doutrina universal, diferente do paganismo cesarista e ariano, de caráter exclusivista. Mesmo o Pe. Everardo Guilherme, que tinha suas restrições ao integralismo, admitia que, diferente do fascismo e principalmente do nacional-socialismo, o integralismo tinha um caráter internacionalista: Aplicando este Artigo [1º artigo das Diretrizes Integralistas], conforme sua profunda significação, podemos ficar tranquilos a respeito das intenções do integralismo. Se os primeiros chefes não forem defensores dos interesses nacionais, com uma paixão “chauvinista” e se os países vizinhos ou europeus não continuarem pondo grandes obstáculos ao desenvolvimento internacional, poderemos esperar a prosperidade do novo fascismo-brasileiro. Conclusão: O internacionalismo-integralista promete ser harmônico.295 Em entrevista concedida ao jornal católico A União, em fins de 1934, Barroso justifica o racismo nacional-socialista como um imperativo nascido das próprias circunstâncias em que a Alemanha se achava, com muitos alemães vivendo fora das fronteiras.296 Em todo o caso, Barroso afirma que “o Integralismo está num ponto em que se não pode aproximar do Fascismo e do Nazismo sem perda de expressão; mas em que ambos podem evoluir até ele”.297 Ou seja: o integralismo não só difere do nacional-socialismo e do fascismo, como também é superior a eles e lhes-serve de modelo a ser seguido. Os exclusivismos raciais seriam, para Barroso, somente aspectos negativos dos quais os fascismos europeus deveriam se livrar para o seu próprio bem. Ver os fascismos europeus livres dessas reivindicações exclusivistas era condição fundamental para que o projeto barrosiano de uma solidariedade fascista desse certo. Posição ligeiramente similar adota o Pe. Everardo Guilherme, reforçando que, entre os brasileiros, a simpatia pelos fascismos quase sempre vinha acompanhada por ressalvas: O verdadeiro fascismo que deve basear-se nos princípios sãos e aceitáveis do solidarismo ou doutrinasociológica-católica é nacional, conforme as regras da boa moral, que é também universal, conforme os princípios da única verdadeira religião, que é a católica. Um Deus, uma Verdade, e um Poder-espiritual, formam os três princípios do verdadeiro fascismo que é nacional, patriótico e harmôn ico, mesmo por seu espírito internacional e universal que vem de Deus, pela doutrina de Jesus -Cristo, Rei do Mundo.298 Tal como Barroso, portanto, o religioso opõe o universalismo cristão aos exclusivismos do arianismo nacional-socialista e do cesarismo fascista. Everardo Guilherme também endossa a visão que Barroso tem do integralismo como uma doutrina acima dos fascismos europeus, definindo-o como um “fascismo aperfeiçoado”. Já o nacional-socialismo seria um “fascismo degenerado” e o solidarismo católico o “fascismo perfeito”.299 295 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 75. BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo... P. 114. 297 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 18. 298 GUILHERME, Everardo. Ob. Cit. P. 45. 299 Idem. P. 50. 296 85 O integralismo figuraria como modelo para os fascismos europeus graças à sua maior dose de espiritualidade, resultado de seu surgimento tardio: O Integralismo Brasileiro, que simboliza no SIGMA a soma de todas as realidades, fatores, atividades e aspirações duma grande pátria, desmoralizada pelo liberalismo, solapada pelo comunismo e escravizada pelo banqueirismo, de todos os movimentos fascistas do mundo atual é aquele que contém maior dose de espiritualidade. Surgido depois de Mussolini e de Hitler, ele afirma mais fortemente o primado do espírito e mais alto se eleva, como prova sua doutrina, para as verdades eternas que cintilam nas auroras dos novos tempos.300 Logo, Barroso se apropria de um fator que poderia ser considerado prejudicial ao integralismo – o seu não pioneirismo – e transforma-o em um elemento que conspira a seu favor. Jorge Zaverucha explica que, por ter surgido depois do fascismo italiano, o integralismo acabou se beneficiando de uma referência externa. Enquanto os fascistas italianos estavam “sozinhos” em sua marcha inicial, “os integralistas tinham uma experiência a consultar e a lhes guiar”:301 De todos os movimentos de caráter fascista, e assim os denominamos por falta de expressão mais apropriada para a sua generalidade, o Integralismo Brasileiro é o que contém maior dose de espiritualidade e um corpo de doutrina mais perfeito, indo desde a concepção do mundo e do homem à 302 formação dos grupos naturais e à solução dos grandes problemas materiais. Gilberto Vasconcellos observa que uma das peculiaridades do integralismo era resultado da condição de dependência cultural em que o Brasil se achava. Graças a essa condição, o integralismo pautava-se pela “falácia autonomística”, isto é, pela reivindicação de uma originalidade, de uma autonomia diante de quaisquer doutrinas estrangeiras e pela recusa a se reconhecer como tributário delas.303 Barroso extrapola essa “falácia autonomística” porque, além de ressaltar a singularidade integralista, ainda insistia na sua superioridade. É sabido que o fascismo, por mais que lançasse mão de programas e doutrinas, não fazia deles o mesmo uso que o fazem o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Além disso, o fascismo não se assentava sobre um sistema filosófico complexo, carecendo de embasamento de grandes mentes críticas como Marx, Tocqueville ou Burke. A ação, a vontade, o poder e a figura inspiradora do líder eram muito mais importantes para o fascismo do que a doutrina.304 Mussolini admitia que os anos que precederam a Marcha Sobre Roma foram anos difíceis, nos quais a necessidade de ação imediata impediu a elaboração de um programa mais sólido.305 É justamente nessa ausência de um projeto filosófico mais consistente que Barroso encontra argumentos para defender a superioridade do integralismo, argumentando que este último teria conseguido se desenvolver melhor no plano das ideias: 300 BARROSO, Gustavo. O quarto império... P. 174. ZAVERUCHA, Jorge. Ob. Cit. P. 250. 302 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 15. 303 VASCONCELLOS, Gilberto. Ob. Cit. P. 57, 58. 304 PAXTON, Robert O.. Ob. Cit. P. 38, 40. 305 MUSSOLINI, Benito. The political and social doctrine of fascism... In: WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 148. 301 86 Na pressa de opor um dique ao dilúvio comunista, a reação do Fascismo italiano realizou empiricamente esse Estado Forte. Sua teoria veio depois. A diferença essencial entre o movimento fascista e o movimento integralista, como movimentos, dinamicamente, é esta: o Fascismo é prático e, exercendo a prática, cria a teoria; o Integralismo é teórico e exercerá a prática baseada na sua teoria, modificando os pontos que a experiência aconselhar sejam modificados.306 A passagem acima contraria algumas observações de Gilberto Vasconcellos, que ressalta a aversão integralista à teoria e seu apreço muito maior pela ação do que pelo pensamento. Para o integralismo, a razão era um artifício estrangeiro, incapaz de apreender a realidade nacional, de modo que “os camisas-verdes nunca deixam de apregoar – no terreno político, ético ou estético – o primado axiológico do irracional ou da emoção sobre a razão”.307 Nos escritos de Barroso, porém, isso não se nos apresenta de forma clara. O autor não defende o primado do irracional ou do racional, mas enfatiza que razão e matéria se equivalem e devem submeter-se ao primado do espírito. Ele também não mostra apreço pela ação em detrimento da teoria. Pelo contrário: a possibilidade que o integralismo teve de se desenvolver melhor no plano das ideias é justamente o fator que possibilitaria a ele alçar-se acima dos demais fascismos e desenvolver, mais do que um programa, uma doutrina sólida: O Integralismo põe o interesse da Nação acima de todos os interesses parciais ou partidários e se guia por uma doutrina, não por um programa. Programa é um projeto ou resolução daquilo que se pretende fazer em um tempo determinado. Doutrina é um conjunto de princípios filosóficos, morais e científicos no qual se baseia um sistema político por tempo indeterminado. A diferença é essencial. Uma doutrina dá origem a incalculável número de programas. Um programa não produz nenhuma doutrina.308 Após essa longa exposição, muitas dúvidas podem vir à cabeça do leitor: como pode nosso autor fazer discursos tão elogiosos aos fascismos ao mesmo tempo em que os rebaixa diante do integralismo? Como pode ele associar o fascismo italiano ora ao cesarismo pagão, ora ao cristianismo? Como pode ele elogiar o nacional-socialismo ao mesmo tempo em que conclama todas as etnias a uma luta comum? Bourdieu sugere um caminho. Ele chama a atenção para o perigo da “ilusão biográfica”, que consiste em pensar a vida de alguém “como o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção”. Para Bourdieu, a realidade é descontínua, fragmentada, e não um uma unidade totalizante e coerente. Assim, quando falamos em Gustavo Barroso, estamos nos referindo apenas a “uma rapsódia heterogênea e disparatada de propriedades biológicas e sociais em constante mutação”, cujo único elemento constante é o nome próprio. A fim de que possamos compreender a trajetória de uma pessoa ou grupo, é necessário que estabeleçamos previamente os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou, bem como as relações 306 BARROSO, Gustavo. O espírito do século XX... P. 219. VASCONCELLOS, Gilberto. Ob. Cit. P. 28, 149-152, 196. 308 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 9 (grifo no original). 307 87 objetivas que unem o agente considerado aos agentes envolvidos naquele mesmo campo. 309 Um autor não é, portanto, uma figura coerente e indivisível, e sua obra não é uma sucessão lógica de argumentos dotados de um sentido. É por isso que buscamos, até aqui, estabelecer a trajetória de Gustavo Barroso até seu ingresso na AIB e evidenciar os diversos conflitos nos quais ele se envolveu no campo intelectual. Agora, confrontados com algumas inconsistências no discurso desse ideólogo integralista, é mister atentar para as observações de Bourdieu. A obra integralista de Gustavo Barroso foi moldada não só nos conflitos do campo intelectual e nos atritos com o campo político, mas também nessa descontinuidade que marca o real. Seu pensamento (tal como qualquer outro) não era unívoco e logicamente direcionado do início ao fim, o que explica essa postura muitas vezes ambígua quando o autor trata do fascismo e de suas relações com o integralismo e o cristianismo. 3.2 O integralismo e o mundo Brasil, colônia de banqueiros, de 1934, foi a obra integralista de Barroso que obteve maior sucesso no Brasil. No verso do livro O que o integralista deve saber, foi reproduzido um trecho do jornal integralista A Ofensiva de 3 de janeiro de 1935 que fala sobre a adoção de seu livro pela Escola Militar do Realengo: No último boletim de ordens da nossa Escola Militar do Realengo, de 24 de dezembro de 1934, seu ilus tre comandante, o general Meira de Vasconcellos, fez inserir o seguinte item, honrosíssimo para o nosso companheiro Gustavo Barroso, a propósito de seu último livro “Brasil – colônia de banqueiros”: “Sejam incluídos na carga geral da Escola e distribuídos à Biblioteca Escolar e à Biblioteca dos Cadetes três (3) exemplares, respectivamente, do livro ‘Brasil – colônia de banqueiros’, que significa um protesto e um grito de alerta à pátria escravizada economicamente, para que os jovens cadetes conheçam a verda de sobre a nossa situação econômica”.310 Maria Luiza Tucci Carneiro afirma que as obras de Barroso transcenderam o movimento integralista, atraindo grande número de leitores fora do movimento. O melhor exemplo disso é a facilidade com que podemos encontrar seus livros em diversas bibliotecas do país nos dias de hoje, muitas delas doadas e autografadas pelo autor. 311 Porém, o campo intelectual no qual Barroso se inseria não se restringia ao Brasil, além de não ser marcado apenas pelo conflito, mas também pela busca por alianças. Com efeito, Barroso era responsável por fazer a articulação do integralismo com outros movimentos no mundo. Ele tinha contatos na Aliança Fascista Europeia, com a qual tentava acertar uma união 309 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000 (3ª edição). P. 185, 187, 188, 190. 310 A Ofensiva (3 de janeiro de 1935) citado por BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... Verso do livro. 311 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Ob. Cit. P. 356. 88 internacional para barrar o perigo judaico no mundo.312 Em edição de março de 1935, o Deutsche La Plata Zeitung, jornal nazista publicado na Argentina, refere-se a Barroso como o “Führer do integralismo”.313 O autor orgulhosamente cita trechos do jornal nazista Der Stürmer de 13 de janeiro de 1935, mostrando o respaldo do integralismo na Alemanha: Está de sobejo provado que a Europa e os Estados Unidos da América do Norte se acham sob o domínio dos judeus. Desde que Adolf Hitler abriu os olhos dos povos iludidos, sucederam-se as provas de que o judaísmo, com seus tentáculos de polvo, suga em toda a parte poder e dinheiro. Do Brasil vem-nos agora documentadíssima denúncia disso. O dr. Gustavo Barroso, um dos líderes dos Integralistas ou Camisas Verdes, publicou um livro de alto valor sob o título “Brasil – colônia de banqueiros”. O conhecido escritor brasileiro compreendeu como poucos o papel dos judeus nas finanças. Com um estilo fluente e claro, descreve os empréstimos brasileiros durante um século. Classifica -os um após o outro cronologicamente, tanto os da Nação como os dos vários Estados, no tempo do Império e durante a República. Dá os tipos e os juros, mostrando a verdade nua e crua (...). Este livro é uma obra-prima (ein Meisterwerk ). Incontestavelmente. Somente contém fatos e documentos. O Brasil, porém, não está perdido. Os Camisas-Verdes contam-se já por centenas de milhares. Chegará o dia em que libertarão sua pátria da escravidão judaica.314 O Der Stürmer, de Nuremberg, era um dos principais órgãos da imprensa nazista, de propriedade de Julius Streicher, importante figura do Terceiro Reich. É interessante notar como a figura de Hitler aparece como um grande “pai” dos fascistas no mundo, já que “abriu os olhos dos povos iludidos” para os “tentáculos de polvo” do judaísmo. Ao reproduzir o trecho que diz que os camisas-verdes “libertarão sua pátria da escravidão judaica”, Barroso mostra que seus clamores por uma grande solidariedade fascista no mundo também eram os clamores de outros nacionalistas. Apesar de os fascismos divergirem “na sua formação, no conceito das realidades a atender, nos característicos próprios de seus ambientes políticos, geográficos, econômicos, étnicos ou culturais”, eles “se unem na mesma força espiritual íntima, que emana do Espírito Eterno que guia e dirige os destinos dos povos”.315 O integralismo sempre ocupou um dos focos das atenções do Terceiro Reich no Brasil. Em carta endereçada à Organização para o Exterior do Partido Nazista em dezembro de 1935, um agente nazista no Brasil afirmava que a intentona comunista havia aumentado o prestígio da AIB, já que ela representou a concretização do perigo comunista tão alardeado pelos integralistas.316 Porém, oficiais do Terceiro Reich instruíam os teuto-brasileiros a não aderirem ao integralismo, visto que a repressão das autoridades aos camisas-verdes poderia acabar incidindo sobre a comunidade alemã. Isso sem falar que a presença de alemães no movimento fazia recrudescer a aversão ao integralismo, alimentando a tese de que a AIB estaria a serviço de interesses estrangeiros. Em última instância, o desejo dos alemães de 312 CARNEIRO, Márcia Regina da Silva Ramos. Ob. Cit. P. 2. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Ob. Cit. P. 355. 314 Der Stürmer (13 de janeiro de 1935) citado por BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 228. 315 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 133. 316 HILTON, Stanley. Ob. Cit. P. 25. 313 89 fortalecerem a cultura germânica no sul do país acabava colidindo com o nacionalismo integralista.317 Barroso preferia passar por cima dessas contradições. Por isso seu empenho em justificar a viabilidade de uma solidariedade fascista internacional, minimizando as divergências que poderiam surgir entre esses movimentos e enfatizando seus inimigos em comum. É por isso que ele reproduz a carta que G. A. Pfister, auxiliar de Oswald Mosley e chefe do Departamento de Estudos da British Union of Fascists, lhe-enviou. A carta que Barroso reproduz começa com Pfister celebrando a vitória nazista no Sarre, região da Alemanha tomada pela França cuja população decidira, por plebiscito, voltar ao domínio alemão: Os sarenses aplicaram o princípio fascista que é necessário sacrificar o bem-estar pessoal aos ideais nacionais. Não sei se a você, no outro extremo do mundo, a questão do plebiscito parecerá tão importante quanto a nós que estamos na Europa. Ela não o deve interessar de perto. Parece-me, entretanto, que, além do aspecto político e, por conseguinte, europeu, há o aspecto étnico que importa ainda mais – a regeneração de um povo, que, graças aos princípios doutrinários fascistas, abandona a orientação geral do após-guerra, que fez do prazer um Deus, do conforto outro Deus e outro Deus da riqueza. Essa orientação foi inculcada e propagada pelos judeus .318 Ou seja: por mais que a questão do Sarre aparentemente não interessasse a um país latinoamericano, no fundo ela acabava tendo um significado universal, pois representava a regeneração de um povo que, amparado nos ideais fascistas, conseguira derrotar o comodismo e o materialismo difundidos por todo o mundo pelos judeus. O exemplo do Sarre, que preferiu o nacional-socialismo ao domínio francês, colocando as questões étnicas acima de todas as outras, deveria servir de inspiração aos povos do mundo. A outra parte da carta de Pfister diz o seguinte: Nós todos, fascistas, nacionais -socialistas, sindicalistas, integralistas, pouco importa o nome, absolutamente não somos um partido político que só se preocupe com um plano econômico como o de Roosevelt. Sem dúvida, um melhoramento desses é parte integral do nosso programa; mas, em primeiro lugar, nós somos reformadores, apóstolos e missionários dispostos a tudo sacrificar para salvar nossos povos da desagregação a que os levaram. E a nossa missão é tão alta, tão nobre e tão sant a quanto a dos grandes reformadores, apóstolos e missionários da história cristã.319 Independente, portanto, do nome pelo qual esses grupos se autodenominavam, todos eles possuiriam características similares e partilhariam de uma elevada missão: livrar seus povos da desagregação. O próprio Barroso diria, acerca do fascismo, que: Essa filosofia surgiu em várias partes do mundo, sob diversos nomes, em organizações diferentes e com certas variantes que demonstram a sua espontaneidade. Não se trata de imitação n em mesmo duma influência direta do Fascismo italiano. E, se se chama Fascismo a essa doutrina, é porque apareceu e venceu a primeira vez com esse nome.320 317 Idem. P. 34-36. PFISTER, G. A., citado por BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 133-134. 319 Idem. P. 134. 320 BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 101, 102. 318 90 A fim de responder aos comunistas, que apelavam ao seu internacionalismo para pregar a solidariedade com comunistas de outras partes do mundo, Barroso tentou criar um arremedo de “internacionalismo fascista”, mostrando que os integralistas brasileiros também não estavam sozinhos na sua luta. Diferente dos comunistas, porém, que lutariam em conluio com outros países em prol do imperialismo judeu e soviético, o integralismo teceria alianças com outros movimentos em proveito apenas do Brasil: O fenômeno fascista tem amplitude mundial. Em todos os corpos que vestem uma camisa de cor, neste ou naquele extremo do mundo, vibra, como mostra essa magnífica missiva [de Pfister], a mesma espiritualidade profunda e nobre. É ridículo querer combater isso com silêncio ou com picuinhas de jornais, com leis mandadas por banqueiros a ministros subservientes, sobre as quais opinaram advogados de casas judaicas e que tenham sido aprovadas por assembleias inexpressivas e anarquizadas... 321 O caráter defensivo do nacionalismo integralista é tão evidente na obra de Barroso que o autor chega ao paroxismo de atribuir traços defensivos aos nacionalismos de outras manifestações fascistas no mundo. É o caso da passagem a seguir: Os Francistas pensam em francês na hora em que certos operários pensam em russo, certos intelectuais pensam em grego, certos franceses admiram tanto a antiga Roma que preferem César ao seu glorioso adversário, Vercingetorix, defensor do solo pátrio, e em que outros, enfim, pensam como judeus, o que é o cúmulo do abastardamento moral. (...) Os Francistas são mais do que franceses e por isso admiram os fascistas italianos e os nazis alemães, porque eles são os mais italianos dos italianos e os mais alemães dos alemães.322 Gustavo Barroso valoriza nos “sonhos do passado” mobilizados pelos fascismos sua capacidade de promover a paz e a compreensão entre os povos. Ele se decepciona ao constatar que os franceses se identificavam mais com César do que com Vercingetorix, guerreiro que comandou os gauleses na luta contra o domínio romano. Entretanto, para Barroso, essa valorização dos heróis nacionais não teria como fim acirrar as rivalidades com outros povos, mas sim aproximá-los. Ao dizer que os francistas (fascistas franceses) apreciam os fascistas italianos e os nazistas alemães por estes serem verdadeiramente italianos e alemães, ele tenta não só pintar um quadro de camaradagem entre os fascistas do mundo, mas também dizer que só o nacionalismo promoveria a paz mundial. Cada país tem os seus mitos nacionais (ou, como diria o autor, seus “egrégoros”), e cada nacionalista deveria se reconhecer nos mitos de seu país – não em detrimento, mas em benefício dos nacionalistas de outros países. É por isso que o autor contrapõe o “internacionalismo individualista do século passado” ao “universalismo personalista das doutrinas denominadas fascistas”, sendo que estas últimas se diferenciariam não só pelo respeito à liberdade e à dignidade humanas, mas também porque “se universalizam pelo seu espiritualismo”. 323 321 BARROSO, Gustavo. A palavra e o pensamento integralista... P. 135. BARROSO, Gustavo. O integralismo e o mundo... P. 103. 323 Idem. P. 13, 14. 322 91 O internacionalismo seria um dos muitos inimigos contra os quais o integralismo se bateria, já que ele “acaba com as Pátrias em benefício exclusivo dos que não têm pátria”. Barroso defende, portanto, que todo homem deve ser regionalista, patriota e universalista ao mesmo tempo e equilibradamente – regionalista por amor ao pequeno espaço no qual nasceu, patriota como extensão desse sentimento de amor pelo resto do país, e universalista pelo sentimento de pertença a uma mesma humanidade. Assim, “É necessário ser, suficientemente, os três”, já que “nenhum deles, bem entendido, colide com os outros e todos levam à mesma ascensão espiritual”.324 Podemos pensar esse otimismo com que Barroso defende uma solidariedade fascista das mais diversas maneiras. Nenhuma delas, contudo, poderia se esquivar do fato de que o autor fala em nome de um grupo brasileiro, sendo que o Brasil não tinha, nos anos 1930, desavenças geopolíticas significativas com seus vizinhos, nem apresentava rivalidades entre diferentes nacionalidades. Em se tratando da Europa, marcada por nacionalidades e rivalidades históricas acirradas com o desfecho da Primeira Guerra Mundial, a proposta de uma internacional fascista se mostra bem mais complexa. Sendo assim, uma importante condicionante do integralismo brasileiro foi a de que ele nasceu em um país que não estava marcado por disputas étnicas, não tinha problemas fronteiriços comparáveis aos das nações europeias e, por isso, pôde propor uma solidariedade entre os nacionalismos do mundo. Por mais que o Terceiro Reich admitisse alianças com outros movimentos ou regimes fascistas, ele tinha bem claro que tais alianças dar-se-iam somente no curto prazo. Nem mesmo a aliança entre Roma e Berlim escapava a esse dilema. A ideologia nacionalista era fonte, a um só tempo, de solidariedade e competição entre as matrizes fascistas italiana e alemã. Fascismo e nacional-socialismo, portanto, eram irmãos, mas irmãos que estavam sempre brigando por poder e por espaço. Alfred Rosenberg, um dos mais importantes ideólogos nazistas, admitia que, mesmo em um mundo dominado pelos nazistas, o confronto entre a raça ariana e os demais povos seria inevitável – o que inviabiliza desde já qualquer tipo de colaboração por igual entre povos de origens diferentes em prol do projeto nacionalsocialista.325 Em O mito do século XX, Rosenberg diz que todo o estrangeiro deve ser rejeitado e, se preciso, combatido, já que ele seria um elemento destrutivo para o espírito ariano.326 Outro ideólogo não tão importante quanto Rosenberg, mas digno de nota nessa discussão, era o historiador nazista Walter Frank. Em seus escritos, nota-se certo desdém ao escrever 324 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber... P. 68, 69. BERTONHA, João Fábio. Ob. Cit. P. 106, 109. 326 ROSENBERG, Alfred. The myth of the twentieth century. In: WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 155. 325 92 sobre o governo de Primo de Rivera, que então acabara de entrar em colapso. Apesar de fortemente nacionalista e antiparlamentar, o governo de Primo de Rivera é criticado pelo historiador. Walter Frank afirma que o nacional-socialismo era um movimento popular, calcado em ideais sólidos, com ampla adesão dos intelectuais, ao passo que a ditadura de Primo de Rivera seria fraca, sem um movimento popular ou uma ideologia que a sustentassem, e sem respaldo entre a população. 327 Logo, o mais forte bastião do fascismo era também o menos interessado em fazer alianças com outros nacionalistas – a menos que estes pudessem ter alguma utilidade imediata. Nos territórios ocupados, Hitler estava muito mais preocupado em manter governos fortes e eficientes do que em apoiar agitações fascistas. O fascista romeno Cornelio Codreanu morreu em 1938, mas seu herdeiro, Horia Sima, foi vice primeiro-ministro do general nacionalista e conservador Ian Antonescu em 1940, tentando fazer a Legião renascer. Contudo, a aliança entre fascistas e conservadores na Romênia não durou muito. Antonescu se aliou aos invasores nazistas, e com a conivência deles, esmagou os legionários – que, a princípio, depositavam suas esperanças de salvação justamente nos invasores nazistas.328 Mesmo quando o Terceiro Reich buscou arregimentar soldados no Leste Europeu para fazer frente à União Soviética, essa estratégia foi recheada de ambiguidades. Na Ucrânia, por exemplo, os nazistas não souberam – e não quiseram – explorar a hostilidade que havia à União Soviética. Movidos por questões raciais, ao invés de armar os movimentos locais que combatiam os soviéticos, os alemães optaram por também reprimi-los. O próprio Hitler ironizava a possibilidade de ele ter de condecorar um Untermensch por serviços prestados na guerra. Já na Hungria, apesar da força dos Cruzes-Flechadas de Ferenc Szálasi, Hitler se contentou em manter uma sólida aliança com o almirante Miklós Horthy, 329 líder autoritário e conservador que nunca foi exatamente um fascista. Foi Horthy quem selou um acordo com a Itália e entregou os judeus a Hitler. Os planos que Szálasi tinha de alargar as fronteiras húngaras chocavam-se, por exemplo, com o nacionalismo romeno, e seu hungarismo cada vez mais inflamado colocava seu movimento em rota de colisão com os nazistas.330 O líder fascista belga Léon Degrelle era grande admirador de Mussolini, de quem esteve muito próximo, ao mesmo tempo em que olhava para Hitler com desconfiança. Isso porque a Itália – diferente da Alemanha – estava longe demais para nutrir pretensões territoriais sobre a 327 FRANK, Walter. Geist und Macht (historisch-politische Aufsätze). Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt, 1938 (2ª edição). P. 109. 328 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 104, 105. 329 FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: editora Ática, 1995. P. 114-117. 330 WEBER, Eugen. Ob. Cit. P. 92, 93. 93 Bélgica. Por mais que Degrelle tenha lutado entusiasticamente ao lado dos alemães na Rússia, seus planos nacionalistas de uma grande Burgúndia fatalmente se chocavam com o projeto nazista para a Europa.331 Tais impasses marcariam também as relações com o integralismo brasileiro: Também a relação de Roma com a AIB (...) é perfeitamente integrada ao padrão mais geral que indica, como vimos, que o relacionamento entre movimentos e Estados fascistas gira em torno da c ompetição nacionalista e da solidariedade/competição ideológica, mas que, no limite, ele acaba conduzindo ou a 332 conflitos inadministráveis ou à subordinação de um pelo outro. Antônio Rago Filho observa que “para Barroso não há sequer uma suspeita da natureza ontológica do fascismo como um nacionalismo imperialista intimamente colado à expansão econômica dirigida pelo grande capital”. Posteriormente, Miguel Reale explicaria esse entusiasmo com o nacional-socialismo. Ele admite que tal entusiasmo era real, mas que os integralistas sempre estiveram cientes da peculiaridade de sua doutrina diante de manifestações estrangeiras. Reale defende sua posição alegando que, àquela época, ele não conseguia perceber que o fascismo estava tomando contornos imperialistas e sujeitando-se aos imperativos do capital.333 Enquanto a Itália se engajava em suas conquistas na Abissínia, Hitler se achava cada vez mais embaraçado ao discursar para os grandes empresários alemães de cuja ajuda dependia. O Führer precisou manobrar entre os dois lados a fim de permitir que nomes como Gottfried Feder, Joseph Goebbels e os irmãos Strasser continuassem iludidos com o teor “socialista” do programa nacional-socialista, ao mesmo tempo em que assegurava que os grandes capitalistas seguissem apoiando o partido. Ao discursar para empresários, Hitler sempre omitia os 25 pontos reunidos no programa do partido redigido por Feder, entre os quais estava a reforma agrária e a proibição da especulação agrária. 334 Em todo o caso, insistimos na seletividade de Barroso ao ler os ideólogos nazistas. Por mais que ele não tenha feito uma crítica explícita ao imperialismo nazista, é difícil pensar que ele o ignorasse. Nos 25 pontos do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, por exemplo, Feder enuncia, logo no terceiro ponto: “Nós exigimos território e terra (colônias) para alimentar nosso povo e para escoar nosso excedente populacional”. 335 O que Barroso fazia era apropriar-se do ideário nacional-socialista de forma seletiva, valorizando os aspectos que fomentassem seu projeto de uma “primavera fascista” e omitindo aqueles que o dificultassem (como o racismo e o expansionismo militar). 331 Idem. P. 126, 129. BERTONHA, João Fábio. Ob. Cit. P. 112. Grifo meu. 333 RAGO FILHO, Antônio. Ob. Cit. P. 254-256. 334 SHIRER, William Law. Ascensão e queda do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. (Volume 1). P. 67-68. 335 FEDER, Gottfried. Das Programm der NSDAP... p. 19. 332 94 As tensões entre o integralismo e os planos da Alemanha nazista para o sul do Brasil são bastante representativas desse dilema de uma “internacional fascista”. Citando Stanley Hilton: O nacionalismo dos integralistas chocava-se frontalmente com os interesses culturais alemães no Brasil, pois, em seu desejo de forjar uma nação unida, os camisas -verdes insistiam na assimilação de todas as “colônias estrangeiras”. Uma das principais reformas que o partido advogava, por exemplo, era o uso obrigatório de português nas escolas particulares das regiões de colonização estrangeira. 336 Além disso: Quando o líder integralista visitou Santa Catarina em 1935, foi apresentado ao Ortsgruppenleiter do Partido Nazista em Blumenau. “Já que temos os mesmos inimigos, somos amigos”, Salgado teria dito ao agente alemão. Mas se só adversários comuns – supõe-se judeus, liberais e comunistas – forjavam o elo entre os dois movimentos, quanto tempo duraria a amizade? Era esta a pergunta que elementos alemães se faziam nos anos 30, e a resposta lógica os preocupava bastante. 337 Como resultado desse impasse, vemos a prontidão com que os integralistas se dispuseram a enviar um telegrama de apoio ao presidente Vargas na sua declaração de guerra ao Eixo em agosto de 1942. Entre os abaixo-assinados do telegrama, pelo qual os integralistas se dispunham a se sacrificar “sem distinção de classe ou idade, pela soberania nacional”, encontramos ninguém mais, ninguém menos que o próprio Gustavo Barroso. 338 Ao fim e ao cabo, o destino fatídico do integralismo, selado pelo Estado Novo, confirmou a profecia de Sérgio Buarque de Holanda, para quem “o ‘integralismo’ será, cada vez mais, uma doutrina acomodatícia, avessa aos gestos de oposição que não deixam ampla margem às transigências, e partidária sistemática da Ordem, quer dizer do poder constituído”. 339 “Nacionalistas de todos os países, uni-vos!” – esse era, pois, o grande clamor de nosso autor. As limitações que ele carrega consigo não são só de ordem teórica, mas também de ordem prática. Diz Bourdieu que, em termos estritamente linguísticos, qualquer um pode dizer o que quiser. Entretanto, todo discurso que, por falta de autoridade, não consegue se concretizar em ato, acaba permanecendo unicamente uma fala. Em termos sociológicos, portanto, a questão é mais complexa. O discurso performativo (i.e. dotado de autoridade por um público) não pode existir dissociado da instituição que lhe confere sua razão de ser, e ainda que ele venha a existir, ele será desprovido de sentido. 340 Enquanto Barroso se direciona ao público brasileiro, sua fala é dotada de autoridade, especialmente tendo em vista o peso que a instituição da qual ele fazia parte tinha na vida política do país. Externamente, contudo, 336 HILTON, Stanley. Ob. Cit. P. 34. Idem. P. 35. 338 SALGADO, Plínio. Na declaração de guerra do Brasil às potências do eixo. In: SALGADO, Plínio. Ob. Cit. P. 183. 339 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Ob. Cit. P. 141. 340 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas... P. 61-62. 337 95 o grito de Barroso acabaria esbarrando na agressividade dos nacionalismos fascistas europeus, de modo que seu projeto permaneceu uma fala, nunca vindo a se transformar em ato. 96 CONCLUSÕES Ao concluir Raízes do Brasil escrevendo sobre a “revolução brasileira”, Sérgio Buarque de Holanda deixa suas impressões sobre o integralismo: Não seria difícil prever o que poderia ser o quadro de um Brasil fascista. Desde já podemos sentir que não existe quase mais nada de agressivo no incipiente mussolinismo [sic] indígena. Na doutrinação dos nossos “integralistas”, com pouca corrupção a mesma que aparece nos manuais italianos, faz falta aquela truculência desabrida e exasperada, quase apocalíptica, que tanto colorido emprestou aos seus modelos da Itália e da Alemanha. A energia sobranceira destes transformou -se, aqui, em pobres lamentações de intelectuais neurastênicos.341 A breve exposição que fizemos acerca da postura de Gustavo Barroso diante da ascensão do fascismo no mundo endossa de forma exemplar as observações de Sérgio Buarque de Holanda acima transcritas. A crença que o integralista cearense nutria em uma grande união dos fascistas em prol de uma causa comum contrastava com a agressividade, o expansionismo e os exclusivismos que marcavam os fascismos europeus então em ascensão. Ao escrever “nacionalistas de todos os países, uni-vos!”, Gustavo Barroso exprime toda a “lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade342 ” que caracterizavam o seu “fascismo cordial”, despojado da “truculência desabrida e exasperada” que seus irmãos europeus apresentavam àquele momento. Esses “intelectuais neurastênicos” são justamente aquelas figuras despojadas do poder pela Revolução de 1930 de que nos fala Sérgio Miceli. Em todo o caso, não deixa de nos chamar a atenção como os movimentos fascistas despertaram a admiração de nosso autor, e como ele depositou neles a expectativa de um mundo melhor. Contrastando com o teor negativo que o termo “fascista” carrega nos dias de hoje, pudemos ver que era em figuras como Hitler, Mussolini e Salazar que as obras aqui estudadas vislumbravam a redenção das nações e um futuro de paz e progresso para os homens. O século XX seria, para Gustavo Barroso, um século repleto de esperanças, pois seria o século do fascismo; mal sabia ele que tal século viria a ser o século do horror – e pelo mesmo motivo. Hoje é quase impossível fazer um breve retrospecto do século passado sem recorrer às imagens dos campos de concentração nazistas. Gustavo Barroso acreditou candidamente na capacidade de os nacionalistas do mundo se unirem contra o ardil judaico que buscava destruir as nações por meio da imposição do capitalismo e do comunismo. Foi esse “fascismo ingênuo” de Barroso que nos motivou a escrever esse trabalho, e foi ele que essa monografia quis destacar a todo o momento. O resultado final dessa “primavera fascista” preconizada pelo autor seria um mundo mais justo e 341 342 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Ob. Cit. P. 141. Idem. P. 106. 97 pacífico para todas as nacionalidades e etnias, ao passo que os fascismos europeus advogavam um mundo mais justo e pacífico somente para suas respectivas nações. Na visão de nosso autor, se a ameaça às nações era universal, o fascismo também deveria sê-lo. O nacionalismo defensivo do integralismo se expressou de forma magistral no modo como nosso autor analisou a conjuntura mundial nos anos 1920 e 1930; foi ele que permitiu a expressão do “fascismo ingênuo” barrosiano. Seu “racismo às avessas” era uma expressão desse nacionalismo defensivo. Barroso justificava seu antissemitismo com base em uma suposta pretensão judaica à superioridade racial, e não com base em direitos especiais reservados a um povo ou grupo étnico em detrimento de outros. Entendemos que a expressão “primavera” carrega todo um legado de lutas pela liberdade e pela justiça. Tal legado é tributário, sobretudo, do pensamento iluminista contra o qual os diferentes fascismos se voltaram, o que tornaria a expressão “primavera fascista” inviável. Contudo, é sempre importante lembrar que o integralismo, assim como outros fascismos, também dizia lutar em prol da liberdade e da justiça, embora conferissem a esses termos significados diferentes da tradição iluminista. Para Barroso, como vimos, a verdadeira liberdade só poderia ser alcançada lutando-se contra a opressão judaica sobre os povos, de modo que nenhum projeto comprometido com essa luta estaria, na opinião do autor, comprometido com a liberdade. E ainda que tenhamos em mente que os ecos da Giovinezza acabaram redundando em uma das maiores tragédias da história, nunca é demais lembrar que os ecos da Marselhesa também se desdobraram em consequências nefastas. A fim de tornar essa “primavera” verossímil e de contemporizar com certos setores da intelectualidade, Barroso fazia uma leitura seletiva dos fascismos europeus, especialmente do nacional-socialismo, omitindo seus traços exclusivistas e minimizando a incompatibilidade entre suas reivindicações raciais e o cristianismo. Em último caso, ele relegava o racismo a um mero detalhe que acabava prejudicando o próprio nacional-socialismo. Outra marca dessa seletividade foi minimizar os conflitos e tensões que surgiam no seio dos movimentos fascistas, sempre no intuito de passar a imagem de que tais movimentos estariam unidos. Não obstante o entusiasmo do autor com os movimentos e regimes fascistas, seu discurso é entremeado por pequenos interstícios nos quais ele ressalta a superioridade do integralismo em certos aspectos. O maior grau de espiritualidade, o pleno desenvolvimento no plano das ideias, o idealismo das três raças e o Estado como expressão da família são todos elementos que Barroso elenca para ressaltar não só a singularidade, mas também a superioridade do integralismo frente aos seus congêneres europeus. Sendo assim, não obstante o “fascismo cordial” de nosso autor, em última instância nem mesmo o integralismo conseguiu escapar 98 por completo ao caráter exclusivista que era tão comum nas manifestações fascistas europeias. Se Barroso não reivindicava a superioridade de qualquer nação nem propunha uma política expansionista, por outro lado ele nunca deixou de defender que, dentre os vários fascismos, o integralismo estava à frente e deveria servir de exemplo aos demais. Logo, mesmo quando quis ser conciliador, o integralismo acabou tendo um quê de exclusivista, evidenciando assim o quão improvável seria uma “internacional fascista”. Ao propor que todos os nacionalistas do mundo se unissem, Barroso inconscientemente acabou mostrando o quão inviável era esse mesmo projeto. Por fim, gostaríamos de ressaltar que não foi nosso objetivo, em momento algum, fazer qualquer tipo de crítica ou denúncia à maneira elogiosa pela qual Barroso tratou os fascismos. É preciso ter respeito pelo nosso objeto de estudo. Nós, observadores do século XXI, não podemos abusar de nossa posição privilegiada a fim de criticar aqueles que, nos anos 1930, se sentiam atraídos pelas experiências ditatoriais europeias. Tais personagens tinham uma compreensão distinta desses fenômenos e não podemos cobrar deles o conhecimento que nós possuímos nos dias de hoje. Esperamos que a breve análise aqui desenvolvida (que não buscou ser exaustiva) possa, no mínimo, deixar-nos alertas quanto aos rumos políticos seguidos pelo Brasil e pelo mundo nos próximos anos. Possa esse trabalho dotar-nos de um senso crítico que nos faça refletir bastante antes de aderirmos a qualquer doutrina ou movimento político que se apresente como a única saída para as angústias que nos assolam. 99 REFERÊNCIAS Obras de Gustavo Barroso: A palavra e o pensamento integralista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935. Brasil, colônia de banqueiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936 (5ª edição). Integralismo e catolicismo. Rio de Janeiro: Editora ABC, 1937. (2ª edição ). O espírito do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936. O integralismo de norte a sul. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934. O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936. O integralismo em marcha. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933. O quarto Império. 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O valor de seus guerreiros A virtude dos pioneiros A visão de Alighieri Brilha hoje em todos os corações Refrão: Juventude, juventude Primavera de beleza Pelas dificuldades da vida Sua canção toca e se vai! Per Benito Mussolini, Eja eja alalà. Per la nostra Patria bella, Eja eja alalà. Por Benito Mussolini, Eja eja alalà. Por nossa bela pátria, Eja eja alalà. Nell’Italia nei confini, son rifatti gli Italiani, li ha rifatti Mussolini per la guerra di domani. Per la gloria del lavoro, per la pace e per l’alloro, per la gogna di coloro che la Patria rinnegar. Refrão I poeti e gli artigiani, i signori e i contadini, con orgoglio d’Italiani giuran fede a Mussolini. Non v’è povero quartiere, che non mandi le sue schiere, che non spieghi le bandeire del Fascismo redentor. Refrão 343 Nas fronteiras italianas, Se refazem os italianos, Mussolini os refez Para a guerra de amanhã. Pela glória do trabalho Pela paz e pelos louros Pelo pelourinho daqueles Que renegaram nossa pátria Refrão Os poetas e os artesãos Os fazendeiros e camponeses Com orgulho italiano Juram fé a Mussolini. Não há um bairro pobre, Que não mande suas fileiras, Que não desfralde a bandeira Do fascismo redentor. Refrão Disponível em: http://www.nationalanthems.info/it-gio.htm (acesso em 27 de junho de 2013). 105 ANEXO 2 Anotação de José Augusto da Rocha Lima: “Grande verdade! Temos exemplos em Sergipe!”. ANEXO 3 106 ANEXO 4 Anotação de José Augusto da Rocha Lima: “Muito bem! Em Sergipe, as fábricas de tecidos não pagam dividendos aos acionistas... ou pagam bagatela”. ANEXO 5 Anotação de José Augusto da Rocha Lima: “Eis o retrato exato das fábricas em Sergipe!”. 107 ANEXO 6 “Lido em dezembro de 1936. José Augusto da R. Lima”. ANEXO 7 Anotação de José Augusto da Rocha Lima: “Agora mesmo mais de mil voluntários às ordens de O’Duffy seguiram para a Espanha a fim de auxiliar o governo de Burgos”.