# 57 – outubro 2015 Boca no trombone Gigante Otelo “Grande Otelo nunca soube em que dia exato ele nasceu”, explica o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral em seu livro “Grande Otelo, uma biografia” (Editora 34, 2007). “Escolheu a data de 18 de outubro de 1915 porque foi a do seu batizado. Sabia, sim, que nasceu na cidade de Uberlândia (MG), que na época se chamava São Pedro do Uberabinha ou simplesmente Uberabinha- e que era filho de Maria Abadia de Souza, empregada doméstica, e de Francisco Bernardo da Costa, conhecido na cidade como Chico dos Prata por ser empregado da fazenda da família Prata. Seu nome também foi escolhido por ele. Primeiramente, foi Sebastião Bernardo da Costa, mas quando procurou o cartório para ter a certidão de idade, já na década de 1930, não só escolheu uma nova data de nascimento como o próprio nome.” N o mês do centenário do nascimento de Grande Otelo, pseudônimo de Sebastião Bernardes de Souza Prata, a Casa do Brasil celebrou a este “Memorável Brasileiro”, que foi ator, comediante, cantor, escritor e compositor. “Um duende encantado e encantador", como o definiu o ator Paulo José. Um artista maior que viveu sempre na fronteira entre o profissionalismo e a boêmia, e fez de seu talento uma estratégia de sobrevivência para toda a vida. Grande artista de cassinos cariocas e do chamado teatro de revista, Grande Otelo participou em mais de uma centena de filmes, entre os quais as famosas comédias nas décadas de 1940 e 1950, que estrelou em parceria com o cômico Oscarito, e a versão cinematográfica de Macunaíma, realizada em 1969. Manteve o Sebastião original, que a mãe lhe dera em homenagem ao filho da patroa, Sebastião, nascido dois meses antes dele, mudou o Bernardo para Bernardes em homenagem ao ex-presidente Artur Bernardes, de quem era admirador, manteve o Souza da mãe e acrescentou o Prata: Sebastião Bernardes de Souza Prata. Grande Otelo foi alimentado pelos seios da patroa, Augusta Maia de Freitas, porque Maria Abadia não tinha leite. Considerava sua infância igual à de qualquer garoto: começou a estudar na escola Bueno Brandão, soltava papagaio, jogava bola, catava gabiroba e tinha medo de passar em frente ao cemitério. E, desde cedo, revelava a desinibição que abriria caminho para a carreira de artista: metia-se na conversa dos mais velhos e cantava para eles -principalmente para os hóspedes do Grande Hotel de Uberabinhamediante o pagamento de um tostão por música. JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira Web: www.casadobrasil.com.uy | Mail: [email protected] | # 57 – outubro 2015 Aos oito anos de idade, três fatos não deixaram dúvidas sobre sua vocação: viu o filme O garoto, de Charles Chaplin, e ficou fascinado com a atuação do menino Jacques Cougan; a passagem do circo Serrano na cidade, quando foi convidado a representar a mulher do palhaço numa pantomima, e ao fazer o papel de um filho de alemão numa peça apresentada por uma companhia de comédias vinda de São Paulo. Isabel e Abigail Parecis, mãe e filha, responsáveis pela companhia, gostaram tanto dele que pediram à Maria Abadia para adotá-lo. E Otelo foi entregue a elas, com papel passado, e levado para São Paulo. O pequeno Sebastião Prata estreou, profissionalmente, no teatro com a peça Nhá Moça, em 1926, na cidade de Campinas (SP). No ano seguinte, já estava fazendo sucesso no Rio de Janeiro com a Companhia Negra de Revistas, no Teatro República. O espetáculo era Café Torrado, de Rubem Gil, muito elogiado pela imprensa que destacava a grande performance do Pequeno Otelo, nome artístico na época. "Um pequeno artista negro, de seis anos que tem assombrado todas as plateias com a precocidade de seu talento", dizia o Correio da Manhã, no dia da estreia. O Globo informou que ele “é tenor, é preto, muito preto, da cor do smoking que vestia, é prodigioso quando recita e canta, como é engraçadíssimo quando palestra”. O Jornal do Brasil resumiu o espetáculo: “O clou [clímax] foi a apresentação do Pequeno Otelo, um crioulinho vivo e inteligente, que canta e declama com expressão e desenvoltura”. O Jornal descreveu o Pequeno Otelo como “um pretinho interessantíssimo que pisa no palco como um artista já feito”. No mesmo ano, a Companhia Negra de Revistas se dissolveu, interrompendo a carreira de Otelo que só voltaria aos palcos do Rio, em 1935, com a peça Goal, do empresário Jardel Jércoles. No programa, ele foi apresentado pela primeira vez como Grande Otelo, assumindo assim o nome com o qual se tornou célebre. Na Companhia de Jardel Jércoles, Grande Otelo viajou em turnê pela América Latina e se apresentou em Portugal e na Espanha. De volta ao Brasil, passou a brilhar nos palcos dos principais cassinos brasileiros e dos mais importantes teatros do Rio e de São Paulo. Em especial, no Cassino da Urca, onde Otelo foi a grande estrela, desde a criação até o fechamento da casa, em 1946. Seu trabalho no palco contribuiu decisivamente para a criação de uma linguagem nacional de teatro musical, que ficou expressa através do brasileiríssimo teatro de revista. Grande Otelo estreou no cinema, em 1935, com Noites Cariocas, uma co-produção Brasil/Argentina, filmada nos estúdios da Cinédia e dirigida por Henrique Cadicamo. Foi o início de uma gloriosa carreira de 118 filmes e de uma série de personagens que ficaram na história do cinema brasileiro. Nos estúdios da Atlântida, onde participou de 29 produções, Otelo foi a prata da casa. Criador de sucessos e de cenas antológicas - como a do balcão de Romeu e Julieta, em dupla com Oscarito, na comédia Carnaval de Fogo de Watson Macedo. A carreira de Grande Otelo no cinema foi muito além das chanchadas. Em 1957, com o filme de Nelson Pereira dos Santos - Rio Zona Norte, ele interpretou um dos seus grandes papéis, participando do início de um novo ciclo da história do cinema brasileiro. Naquela fase, fez outros bons personagens em filmes dramáticos, como o Assalto ao Trem Pagador (1962), que reafirmaram seu grande talento como ator. Mas foi em Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, que Grande Otelo encontrou o grande sucesso de sua carreira e o reconhecimento de sua genialidade, ao criar, em sua pequena aparição, uma das mais notáveis cenas do cinema nacional. No início da década de 40, Grande Otelo, fascinado pelo samba, começou a compor. Naquela década ele criou vários clássicos, como o samba Praça Onze, uma inspiração que desenvolveu com seu compadre e principal parceiro Herivelto Martins. Assim como Espírito - o compositor popular que interpretou genialmente no filme Rio - Zona Norte, ele tinha muito orgulho de ser sambista. Orgulho testemunhado pelo # 57 – outubro 2015 cineasta Roberto Moura no seu livro sobre o artista: - "Ser sambista, para ele, era mesmo uma coisa tão maravilhosa como ser artista de cinema". Sua primeira composição, Vou pra Orgia, foi gravada na Odeon por Nuno Roland, em 1940. Daí até o final dos anos 70, ele compôs dezenas de sambas, fazendo parcerias também com Haroldo Lobo, Alvarenga, Wilson Moreira, Blecaute, e outros mais. Muitos desses sambas foram cantados no cinema e gravados na sua voz ou por grandes intérpretes como Linda e Dircinha Batista, Trio de Ouro, Chico Alves e Jorge Goulart. Grande Otelo atuou também como intérprete e gravou composições de Ary Barroso, Carvalhinho, Carlos Gardel, entre outros artistas populares de seu tempo. Na década de 50, Grande Otelo começou a trabalhar em televisão, na TV Tupi. Lá, apresentou programas de shows, como o Tonelux, ao lado de Diana Morell, e chegou a participar da novela Gabriela, Cravo e Canela, grande sucesso de 1960. Ele trabalhou depois na Excelsior, na Record, na TV Educativa e, em 1966, foi contratado pela TV Globo, onde atuou em diversas novelas, musicais e programas humorísticos, até 1993. Grande Otelo também brilhou nas comédias da rádio durante os anos 50. Foi quando trabalhou com Chico Anísio, na Escolinha do Professor Raimundo, da Rádio Mayrink Veiga, dividindo a cena com Zé Trindade, Brandão Filho e outros bambas do humor daquela época. Antes disso, já havia trabalhado na rádio Guanabara, de 1948 a 1949, contracenando com atrizes como Fernanda Montenegro, no Rádio-Teatro e em programas de variedades. Poucos sabem que Grande Otelo, além de ator, cantor e compositor, foi também poeta. Bom dia, manhã –seu único livro de poesias publicado– foi lançado em 1993, com noite de autógrafos em Brasília, pouco antes de sua última viagem a Paris. O livro era um antigo projeto do artista, que conseguiu realizá-lo ainda em vida. Grande Otelo escrevia sobre tudo e mantinha um extenso arquivo de manuscritos anotações pessoais, correspondências, projetos, roteiros e poesias- que hoje fazem parte do acervo da memória do artista. Conta a lenda que Grande Otelo não gostava de ser homenageado. Na ocasião da homenagem especial que recebeu do INACEN, em 1986, Otelo, muito emocionado, disse que ia em casa trocar de roupa e desapareceu do teatro. Deixou o professor Eduardo Portela esperando quarenta minutos antes de lhe entregar o troféu. Quando foi encontrado, ele simplesmente disse: “Não gosto dessas homenagens”. Talvez porque já soubesse que seu coração, um dia, não agüentaria tantas emoções, Grande Otelo costumava mesmo fugir das homenagens. Mas, em novembro de 1993, Otelo enfrentou todas elas e esteve presente no Festival de Brasília, onde mais uma vez foi homenageado e lançou seu livro de poesias Bom dia, manhã, uma velha aspiração sua. De Brasília, seguiu direto para França, onde seria novamente homenageado em Nantes, no Festival de Trois Continants. Emoção demais para quem já tinha sofrido três infartes. A homenagem aconteceu, com a exibição do filme Rio Zona Norte em um imenso telão. Mas Otelo dessa vez não conseguiu chegar ao palco. Ao desembarcar no aeroporto Charles de Gaule, ele passou mal e morreu a caminho do hospital. # 57 – outubro 2015 Ao pé da letra Começar de novo por Patti Austin e Sarah Vaughan, com o título “Island”. Ao ouvir “Começar de novo” na voz de Simone, Maria Bethânia confessou aos autores que, a partir de então, “jurava jamais considerar fechado o repertório de um disco seu”. C onvidados a criar um tema musical para a série “Malu Mulher”, estrelada por Regina Duarte, na TV Globo, Vitor Martins (na foto, à esquerda) e Ivan Lins (à direita; ver JornalDaCasa #17) compuseram “Começar de novo”, uma grande canção. O assunto liberação, vida nova de uma mulher recém-separada que tenta sair de uma condição de dependência, foi habilmente desenvolvido por Vitor, podendo ser aplicado a qualquer pessoa, independendo de sexo. Ivan completou a música em menos de duas horas, sobre uma letra que o parceiro ainda pretendia alongar, mas teve que deixar como estava, em virtude da data de estreia da série. Faltava então escolher a cantora. Nana Caymmi acabara de gravar “Velas içadas”, Elis Regina pretendia gravar “Moças” (o que acabou não acontecendo) e Simone gravara “Saindo de mim”, num disco praticamente concluído, sendo todas essas músicas de Ivan e Vitor. Ao ser procurada, Maria Bethânia não quis nem ouvir “Começar de novo”, pois, estando com o repertório de seu novo disco definido, “não podia se arriscar à tentação de ter que muda-lo”. O jeito foi retornar a Simone e convencê-la a gravar às vésperas da estreia de “Malu Mulher”. Graças à mencionada sutileza do tratamento dado por Vitor Martins, a canção teve êxito tanto na interpretação de Simone como na do próprio Ivan Lins, gravadas quase que simultaneamente, com arranjos diferentes de um mesmo músico, o tecladista Gilson Peranzzetta. Foi também gravada no exterior Começar de novo e contar comigo Vai valer a pena ter amanhecido Ter me rebelado, ter me debatido Ter me machucado, ter sobrevivido Ter virado a mesa, ter me conhecido Ter virado o barco, ter me socorrido Começar de novo e contar comigo Vai valer a pena ter amanhecido Sem as tuas garras sempre tão seguras Sem o teu fantasma, sem tua moldura Sem tuas escoras, sem o teu domínio Sem tuas esporas, sem o teu fascínio Começar de novo e contar comigo Vai valer a pena já ter te esquecido Começar de novo Discos onde ouvir: Simone – Pedaços (1979) Ivan Lins – A noite (1979) Elis Regina - Trem azul (1982) Gilson Peranzzetta Trio – Alegria de viver (1997) Veja também: https://youtu.be/mQYUDvYVjUo # 57 – outubro 2015 Presentes Espaço Liso Cia. de Dança N o marco do 4º Festival Internacional de Artes Escénicas, a Espaço Liso Cia. de Dança apresentará Devir, nos dias 10 e 11 de outubro na Sala Campodónico do Teatro El Galpón. Com a concepção, coreografia e direção de Ewertton Nunes, o espetáculo aproxima a linguagem da dança contemporânea do universo estético do cineasta espanhol Pedro Almodóvar e do pensamento do filósofo francês Gilles Deleuze sobre o devir. Devir significa a mudança constante que o ser humano passa na sua história. A palavra foi utilizada primeiramente por Heráclito e seus seguidores. A metáfora das águas de um rio, que continua sempre o mesmo, mesmo que suas águas mudem constantemente, explicaria o devir. É a eterna mudança do homem, o qual todo dia é um novo ser, todo dia é diferente do dia anterior. Criado em 2013, o projeto tenciona dar continuidade à pesquisa da companhia em aproximar a dança contemporânea de outras linguagens tais como o teatro e o audiovisual. Esteticamente inspirado na obra de Pedro Almodóvar, o espetáculo extrai das narrativas dos seus filmes a essência de personagens complexas que agem impulsionadas pelos desejos e que por eles são modificadas o tempo inteiro, num devir constante da vida onde a morte seria o limite desse processo. Nessa perspectiva, as transformações aconteceram dentro e fora das personagens, trazendo à tona reflexões sobre gênero, condutas morais, violências e limites éticos. Em Almodóvar o ser e não ser alternam-se na mesma aparição, de forma que é impossível fixá-los através da contradição, pois eles dançam, sem parar, na margem “entre a delícia e a desgraça, entre o monstruoso e o sublime”. Devir busca o paradoxo dessa coexistência de realidades contraditórias, sem que nenhuma delas reivindique o ser de sua verdade. O espetáculo deixa no ar algumas provocações: Vale tudo pelo desejo? Eu serei o mesmo no instante seguinte? Até que ponto a liberdade não é violenta? A predominância de cores fortes no cenário, figurino e iluminação faz alusão ao estado bruto dos sentimentos humanos, dos desejos intensos. Projeções e elementos de cena dão poesia à encenação. A ideia de “corposlíquidos” foi aplicada na concepção coreográfica com finalidade de comunicar o transitório, o adaptável dos corpos no contato com o espaço e com outros corpos e outras sensibilidades. A interpretação de Devir se enquadra na modalidade de “dança teatro”, conceito que surgiu na Alemanha no final da década de 20 e ganhou força a partir dos anos 70. Por meio dela, as coreografias incorporam movimentos do cotidiano e os movimentos abstratos ganham forma de narrativa. A dança permite transitar por várias ambientações, dando ao artista a possibilidade de dialogar com todos os elementos. # 57 – outubro 2015 Maiúsculas Macunaíma - O herói sem nenhum caráter D esde a Semana de 1922, a primeira fase do modernismo brasileiro (ver JornalDaCasa #52) aguardava sua obra maior. Seria natural que seu principal mentor, o paulistano Mário de Andrade (1893-1945), produzisse o romance mais expressivo do período: Macunaíma – O herói sem nenhum caráter (1928). Estudioso da música e do folclore brasileiro e pensador sério da cultura do país, tinha publicado até então Há uma gota de sangue em cada poema (1917), Pauliceia desvairada (1922), A escrava que não é Isaura (1925), Losango cáqui (1926), Amar, verbo intransitivo (1927) e Clã de jabuti (1927). Macunaíma foi escrito como um passatempo de férias. Mário isolou-se com um tio doente e a companhia de alguns livros, entre eles a obra etnográfica do antropólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, que havia pesquisado as lendas e os mitos do Norte brasileiro, e o ensaio Retrato do Brasil, escrito por Paulo Prado também em 1928. Tomado de entusiasmo, Mário redigiu em seis dias a obra. O livro anuncia logo na primeira linha a função maior do protagonista: “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente”. Assim como a obra de Prado, o personagem foi criado para retratar seres lascivos, malandros, preguiçosos e sonhadores. Macunaíma sai da selva amazônica, onde vivia preguiçosamente de comida e sexo, e vai para São Paulo a fim de recuperar a muiraquitã –um talismã que dele foi furtado e se encontra com o mascate peruano Venceslau Pietro Pietra, na verdade o gigante Piaimã. Consegue reavê-la, mas, descuidado, logo a perde novamente. Aborrecido por tanto penar na “terra sem saúde e sem saúva”, é transformado na constelação da Ursa Maior. São muitas as metamorfoses por que passam o protagonista e outros seres folclóricos do livro. O “herói sem nenhum caráter” transforma-se (em príncipe, estrela, francesa etc.) e transforma (São Paulo em um bichopreguiça de pedra) de acordo com a desfaçatez das conveniências. Além do uso inusitado de lendas indígenas, sobretudo quando Macunaíma se encontra em plena São Paulo desenvolvimentista, outro estranhamento da obra está nos estilos narrativos que o autor mesclou. Segundo o escritor e poeta Haroldo de Campos, Mário misturou os coloquialismos e construiu uma “fantasia estrutural” que rompe com o tempo e o espaço dos romances tradicionais. A solenidade do tom épico-lírico, a leveza da crônica cômica e a sem-cerimônia e os atrevimentos da paródia –todos identificados pelo crítico Alfredo Bosi– devem ser vistos em conjunto, como uma das mais ousadas e eficientes experiências formais da primeira geração do modernismo brasileiro. Em 1969, Macunaíma foi adaptado para o cinema por Joaquim Pedro de Andrade e protagonizado por Grande Otelo. Também foi feita uma premiada peça de teatro, por Antunes Filho, encenada pela primeira vez na década de 1970 e que chegou a ser montada em vários países. Em 2008, a cantora Iara Rennó gravou o CD Macunaó.peraí.matupi ou Macunaíma Ópera Tupi, com 13 canções inspiradas no livro. # 57 – outubro 2015 Telinhas e telonas Quando os opostos se encontram na cidade onde vive, no interior de São Paulo, foram descobertas recentemente várias ossadas de animais pré-históricos de 90 milhões de anos. Os olhos de Júlia brilham e ela vê nesta oportunidade a chance de realizar o maior feito de qualquer pesquisador: descobrir uma nova espécie de dinossauro. E m qualquer tempo, os sonhos são combustível para as grandes realizações. No passado, buscamos as origens da nossa existência. No presente, lutamos pelo nosso espaço. Para o futuro, almejamos o inconquistável, às vezes até o impossível. Levar estas questões a uma comédia romântica foi o desafio de Walcyr Carrasco em Morde & Assopra (Dinosaurios & Robots, título provisório da novela, que ficou definitivo para o mercado latino), a novela das sete da Rede Globo, que o Canal 12 continua exibindo, de segunda a sextafeira às 19 horas. Na trama, a paleontóloga Júlia (Adriana Esteves, na foto à direita) está no Japão à procura de fósseis de uma nova espécie préhistórica para finalizar sua tese de doutorado, e assim se casar com seu chefe e noivo, o inglês John Lewis (Michel Bercovitch). Depois de sofrer um acidente onde perde quase toda sua pesquisa, Júlia conhece Ícaro (Mateus Solano), um inventor, que está na “terra do sol nascente” em busca de métodos tecnológicos para criar um robô com as características de Naomi (Flávia Alessandra), sua amada esposa que desapareceu e foi dada como morta há alguns anos atrás em um acidente. Ícaro revela para a jovem que Ao chegar na pequena cidade de Preciosa, Júlia conhece Abner (Marcos Pasquim, na foto à esquerda), viúvo rude, dono de uma fazenda e pai da pequena Tonica (Klara Castanho). Os fósseis descobertos estão exatamente no cafezal da fazenda, e Abner é contra as pesquisas em suas terras, vivendo aos tapas e beijos com Júlia. Os dois engatarão um romance, mas, naturalmente, terão que vencer alguns obstáculos para viverem esse amor. O maior deles é Celeste (Vanessa Giácomo), irmã da falecida esposa de Abner, loucamente apaixonada por ele. Quem também não facilitará em nada o romance de Júlia e Abner serão dois pretendentes de Júlia muito próximos a ela, seus auxiliares de pesquisa Tiago (André Bankoff) e Cristiano (Paulo Vilhena). . Enquanto isso, Preciosa vive às voltas com moradores pitorescos. Como Dona Salomé (Jandira Martini), mãe de Celeste, uma mulher sovina e ardilosa que não sossegará enquanto não separar o filho Marcos (Sérgio Marone) da mulher dele, Natália (Carol Castro). O prefeito corrupto Isaías (Ary Fontoura) e a primeira-dama Minerva (Elizabeth Savalla), que aguardam a volta do filho Áureo (André Gonçalves), que já abandonara Celeste no altar, e que vai deixar a cidade mais “colorida”. E Dulce (Cássia Kis Magro), a humilde e simplória vendedora de cocadas, orgulhosa do filho Guilherme (Klebber Toledo), que acredita ter se formado médico, mas que na verdade torrou toda a grana que a mãe mandava para custear seus estudos na capital. Guilherme, além de iludir a mãe sustentando a mentira de que é médico recém formado, tentará enganar Alice # 57 – outubro 2015 (Marina Ruy Barbosa), filha do prefeito, dizendo que é rico, e não um “viralata”, como a moça arrogantemente se refere às pessoas mais pobres. De acordo com o autor Walcyr Carrasco, a ideia para escrever Morde e Assopra surgiu quando descobriu que Marília, cidade do interior de São Paulo onde foi criado, é um local onde se encontram ossadas de dinossauros. E como Marília tem forte influência da colônia japonesa, e o Japão é o país da robótica, o autor uniu estes dois mundos extremos na novela. Além, de Marília, a equipe de produção se deslocou para o Japão para gravar as primeiras cenas. O Monte Fuji, a montanha mais alta do país, serviu de cenário para um grande terremoto que aconteceu em um sítio paleontológico. A cena foi gravada meses antes da estreia da novela, em março de 2011. Duas semanas antes de ir ao ar o primeiro capítulo, um dos maiores terremotos que já se teve notícia devastou uma região do Japão. Mesmo em se tratando de um momento delicado e de apreensão em todo o mundo, a Globo afirmou que novelas não têm compromisso com a realidade e que o terremoto ficcional iria ao ar de maneira respeitosa, do jeito que foi concebida, sem a preocupação de se era ou não de mau gosto para aquele momento atual. No primeiro capítulo, uma mensagem lida pelo ator Mateus Solano dedicou a novela à terra do sol nascente. Além do Monte Fuji, a Globo gravou por 15 dias em plantações de arroz, templos e restaurantes no Japão. Foram quase dois dias de viagem, incluindo o fuso horário de doze horas, mas não há quem diga que não valeu a pena. “Gravamos em locações maravilhosas. O Japão reúne o contraste do moderno com o antigo e a novela pede exatamente isso”, opinou o diretor Rogério Gomes. Morde e Assopra não escapou das nuances próprias da obra de Carrasco em novelas anteriores: sequências de pastelão com direito a torta na cara e gente sendo arremessada, casamentos desfeitos no altar, núcleo caipira pra lá de caricato, com algum animal de estimação (uma mini vaca, no caso) e humor ingênuo e infantil. E dramalhão folhetinesco, que o público do horário gosta tanto. Um dos personagens mais inusitados da trama, o robô Zariguim era amigo de Ícaro e teve participação importante na criação da robô Naomi. Fabricado na França, Zariguim foi descoberto pela equipe da novela no Japão, em uma feira de pesquisas em tecnologia. “Foi o que atendeu melhor a nossa necessidade, porque anda sem cabo nenhum e está pronto para receber várias funções. Já veio com alguns programas instalados e, como possui wi-fi e bluetooth, comandamos ele por um laptop durante as gravações”, explicou o produtor de efeitos especiais Vitor Quintella. Feito com motores de alta tecnologia, o robozinho tinha sensores táteis no corpo inteiro e respondia ao toque dos atores em cena. “Ele tem um sonar para não cair e é ativado pelo ator que estiver em cena, que toca em determinadas partes do seu corpo, acionando as ações programadas pela nossa equipe. Se o Zariguim tiver que pegar uma pinça no chão, ensinamos esse movimento e estabelecemos que ele fará essa ação se for tocado na cabeça, por exemplo. Além disso, ele escaneia o rosto dos atores e consegue acompanhar todos os movimentos”, revelou. Com voz própria, o robô foi programado originalmente para falar em inglês, francês ou chinês. Por isso Zariguim era dublado. Recebia as falas junto com a programação do movimento e falava ao vivo durante a gravação, respondendo ao comando da equipe de efeitos especiais. Morde e Assopra foi a primeira novela do horário das sete da Globo a ser transmitida com closed caption – embora as novelas das 18 e 21 horas já usassem este recurso anteriormente. O processo permite a deficientes auditivos captarem em forma de legendas o que não se ouve na tela.