UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
LEONARDO BASTOS DA FONSECA
CRESCIMENTO DA INDÚSTRIA EDITORIAL DE LIVROS DO BRASIL E SEUS
DESAFIOS
Rio de Janeiro
2013
i
LEONARDO BASTOS DA FONSECA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação
em
Administração,
Instituto
Coppead
de
Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do títulos de Mestre
em Administração (M.Sc.).
Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.
Rio de Janeiro
2013
ii
FICHA CATALOGRÁFICA
Fonseca, Leonardo Bastos.
Crescimento da indústria editorial de livros do Brasil e seus
desafios / Leonardo Bastos da Fonseca. – Rio de Janeiro:
UFRJ, 2013.
232 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Denise Lima Fleck
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, 2013.
1. Estratégia Empresarial. 2. Indústria Editorial de Livros.
3. Administração – Teses. I. Fleck, Denise Lima. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD
de Administração. III. Título.
iii
LEONARDO BASTOS DA FONSECA
CRESCIMENTO DA INDÚSTRIA EDITORIAL DE LIVROS DO
BRASIL E SEUS DESAFIOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação
em
Administração,
Instituto
Coppead
de
Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Administração (M.Sc.).
Aprovada por:
_____________________________________________________________
Profª. Denise Lima Fleck, Ph.D - Orientadora (COPPEAD/UFRJ)
_____________________________________________________________
Profª. Maribel Carvalho Suarez (COPPEAD/UFRJ)
______________________________________________________________
Prof°. Fabio de Silos Sá Earp (Instituto de Economia da UFRJ)
iv
RESUMO
FONSECA, Leonardo Bastos. Crescimento da indústria editorial de livros do
Brasil e seus desafios. Rio de Janeiro, 2013. Orientadora: Profª Denise Lima Fleck.
Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas). Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
Esta dissertação dedicou-se à compreensão de como aspectos organizacionais e
ambientais contribuem para o crescimento saudável da indústria editorial de livros do
Brasil (IELB). Com mais de duzentos anos, a IELB acompanhou a história do Brasil
desde a chegada da Família Real ao Brasil em 1808. Sendo assim, as dificuldades
enfrentadas foram diversas, muitas das quais associadas ao próprio processo de
formação do país, como ditaduras, alta dependência econômica externa, processos
inflacionários, baixo nível educacional da população e desenvolvimento industrial
tardio. Mas, com o passar dos anos, a maioria desses obstáculos foi removida,
dando lugar à emergência de forças favoráveis ao crescimento da IELB. Dessa
forma, novas dinâmicas de crescimento seriam observadas ao longo de sua história.
Nesse sentido, procurou-se analisar o processo de crescimento da IELB à luz da
teoria dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacional e do modelo de
requisitos para a longevidade saudável propostos por Fleck (2009).
A análise das respostas da IELB aos desafios do crescimento (FLECK, 2009)
permitiu identificar a presença de capacitações e deficiências internas da IELB que
favorecem e ameaçam, respectivamente, o desenvolvimento de traços saudáveis de
crescimento. O resultado foi a identificação de fissuras no processo de crescimento
proporcionadas pela fragmentação da IELB e por sua dificuldade de gerenciar
processos e informação em bases sistemáticas. Dessa forma, as crescentes
diversidade e complexidade verificadas na IELB favorecem algumas formas de
crescimento cuja implementação carece de exibir traços saudáveis, a saber a
randômica, a interativa (via competição) e a estrutural (FLECK, 2000). Parte dessas
fraquezas pode ser neutralizada com a implantação de processos sistemáticos de
resolução
de
problemas,
desenvolvimento
de
integração
sistêmica
entre
organizações, gerenciamento de informações internas e estratégias de segmentação
e marketing, para citar algumas.
Palavras-chave: indústria editorial de livros do Brasil, crescimento, estratégia.
v
ABSTRACT
FONSECA, Leonardo Bastos. Brazilian book industry growth and challenges. Rio
de Janeiro, 2013. Supervisor: Denise Lima Fleck, Ph.D. Dissertation (Masters in
Business
Administration). COPPEAD Graduate School of Business, Federal
University of Rio de Janeiro, 2013.
This
dissertation
was
devoted
to
understanding
how
organizational
and
environmental factors contribute to the healthy growth of the publishing books
industry of Brazil (IELB). With more than two hundred years of history, IELB
accompanied the history of Brazil since the arrival of the Royal Family to Brazil in
1808. Thus, the difficulties were many, many of them related to the country’s
formation process, as dictatorships, high external dependence, inflationary
processes, low educational level of the population and late industrial development.
But over the years most of these obstacles were removed, giving way to the
emergence of forces favorable to the growth of IELB. Thus, new growth dynamics
would be observed throughout its history. Accordingly we sought to analyze the
IELB's growth process in the light of the archetypes of organizational success and
failure theory and the model for healthy longevity requirements, both proposed by
Fleck (2009).
The analysis of responses to the challenges of IELB growth (FLECK, 2009)
allowed the identification of IELB's capabilities and internal weaknesses that favor
and threaten, respectively, the development of healthy growth traits. The result was
the identification of cracks in the growth process provided by the fragmentation of
IELB and its difficulty to manage processes and information in a systematic way.
Thus, the increasing diversity and complexity found in IELB favor some forms of
growth in which implementation is needed to display healthy traits, namely to know
the random, the interactive by competition and the structural (FLECK, 2000). Part of
these weaknesses can be neutralized with the implementation of systematic
processes of problem solving, development of systemic integration between
organizations, information management, internal and segmentation strategies and
marketing, to name a few.
Keywords: brazilian book industry, growth, strategy.
vi
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11
1.1
2
Organização do trabalho .................................................................... 13
REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 14
2.1
PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÕES AO ENTENDIMENTO DAS
DIMENSÕES QUE INFLUENCIAM O CRESCIMENTO DA EMPRESA ................ 16
2.2
SINTETIZANDO TEORIAS DE ESTRATÉGIA E CRESCIMENTO: OS
ARQUÉTIPOS DE SUCESSO E FRACASSO ORGANIZACIONAL ...................... 26
2.2.1 Empreendedorismo ........................................................................ 30
2.2.2 Navegação no Ambiente Dinâmico ................................................ 33
2.2.3 Diversidade..................................................................................... 34
2.2.4 Provisionamento de Recursos Humanos ....................................... 36
2.2.5 Complexidade................................................................................. 37
2.2.6 Modelo para o desenvolvimento de propensão à autoperpetuação
organizacional .................................................................................................... 39
3
MÉTODO .................................................................................................. 41
3.1
COLETA DE DADOS............................................................................. 42
3.1.1 Arquivo histórico ............................................................................. 43
3.1.2 Entrevistas ...................................................................................... 45
3.2
ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................... 47
3.2.1 Limitações da pesquisa .................................................................. 48
4
5
CARACTERIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA IELB ........................................ 51
4.1
ESTRUTURA E FUNÇÕES DA IELB ................................................. 51
4.2
EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA E DAS FUNÇÕES DA IELB .............. 60
ANÁLISE .................................................................................................. 64
vii
5.1
AMBIENTE
EXTERNO
À
IELB:
FORÇAS
LIMITANTES
E
PROPULSORAS AO CRESCIMENTO .................................................................. 65
5.2
DINÂMICAS DE CRESCIMENTO DA IELB ....................................... 78
5.3
RESPOSTAS DA IELB AOS DESAFIOS DO CRESCIMENTO ......... 90
5.3.1 Empreendedorismo ........................................................................ 92
5.3.2 Navegação ..................................................................................... 98
5.3.3 Gestão da Diversidade ................................................................. 101
5.3.4 Gestão da Complexidade ............................................................. 106
6
CONCLUSÃO ......................................................................................... 115
6.1
Sugestões para pesquisas futuras ................................................... 126
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 128
APÊNDICES ................................................................................................... 156
APÊNDICE A – HISTÓRIA DA INDÚSTRIA EDITORIAL DE LIVROS DO
BRASIL (IELB) ..................................................................................................... 157
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 2-1: A organização como uma árvore que cresce de suas raízes. As raízes
são as competências centrais que alimentam os produtos chaves (core product) que
se organizarão em unidades de negócio cujos frutos são os produtos acabados.....19
Figura 2-2: Forças que governam a competição em uma indústria...........................22
Figura 2-3: Integração das estratégias de mercado e institucionais..........................24
Figura 2-4: Respostas estratégicas às pressões institucionais..................................25
Figura 2-5: Estrutura geral do motor de coevolução do todo e partes.......................26
Figura 2-6: Desafios do Crescimento.........................................................................29
Figura 2-7: Modelo com os requisitos para o desenvolvimento da propensão a
autoperpetuação organizacional................................................................................40
Figura 3-1: Principais livros utilizados na pesquisa....................................................43
Figura 3-2: Tabela com as matérias do jornal O Estado de São Paulo selecionadas
para a etapa de análise..............................................................................................44
Figura 3-3: Lista de entrevistados da IELB para a pesquisa......................................46
Figura 3-4: Tabela de classificação dos dados de acordo com os desafios..............48
Figura 4-1 – Estrutura da IELB e seu ambiente externo em 2012.............................53
Figura 4-2 – Dimensões externas que circunscrevem a atuação da IELB................55
Figura 4-3 – Atuação dos agentes transformadores por função nas duas primeiras
fases da IELB.............................................................................................................60
Figura 4-4 – Atuação dos agentes transformadores da IELB por função na terceira e
quarta fases da IELB..................................................................................................62
Figura 5-1 – Lista das forças mapeadas que atuaram sobre a IELB ao longo da
história........................................................................................................................65
Figura 5-2 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na primeira fase..66
Figura 5-3 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na segunda fase..68
Figura 5-4 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na terceira fase...70
Figura 5-5 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na quarta fase.....73
Figura 5-6 – Tipos de crescimento verificados na IELB em cada fase......................79
Figura 5-7: Resposta da IELB aos desafios do crescimento.....................................91
ix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 5-1 – Variação percentual da taxa de câmbio (R$/US$) de 1920 até 1960
(em %)........................................................................................................................69
Gráfico 5-2 – Taxa de Inflação (%) entre 1960 e 1990 (IGP-DI a.a)..........................72
Gráfico 5-3 – Faturamento total da IELB separado por vendas ao mercado e ao
governo (em milhões de R$)......................................................................................77
Gráfico 5-4: Número de livrarias em operação ao longo do século XIX....................80
Gráfico 5-5 – Evolução no número de livrarias no Brasil entre 2008 e 2013.............81
x
1 INTRODUÇÃO
A indústria editorial de livros do Brasil (IELB) é uma das mais antigas indústrias
em atuação no país, com mais de duzentos anos de existência. O princípio de sua
formação coincide com a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808
(ABREU; BRAGANÇA, 2010).
Hallewell, ainda nos primeiros anos da década de oitenta, sugere que “poucos
países levaram tanto tempo para desenvolver uma indústria editorial nacional. Mas
poucos as desenvolveram tanto nos últimos anos” (HALLEWELL, 1985, p. XXIX). As
transformações que a IELB atravessou, desde então, renovam e atualizam essa
percepção para o contexto recente da IELB. O crescimento consistente na
quantidade de publicações, as novas tecnologias disponíveis e as melhorias sócioeducacionais verificadas nesse período são alguns sinais desse desenvolvimento.
Por outro lado, a pequena expressividade econômica da IELB, que parece
acompanhá-la desde sua origem, se apresenta como um contraponto à sua histórica
influência sóciocultural. Essa aparente contradição suscita a curiosidade sobre a
trajetória da IELB ao longo desses anos. Afinal, de 1808 até 2012, foram mais de
duzentos anos de existência produzindo basicamente o mesmo tipo de produto: o
livro. Todavia, embora o produto tenha permanecido basicamente o mesmo, a
atuação de forças externas, ligadas às políticas públicas e à evolução tecnológica,
provocariam mudanças no padrão de desenvolvimento da IELB ao longo desse
período.
A construção desse percurso não seria simples, principalmente, porque a IELB
nasceria sobre um legado colonial essencialmente agrário, analfabeto e com
severas restrições à liberdade de expressão. A IELB acompanharia a história do
Brasil pelas décadas seguintes, atravessando duas guerras mundiais, governos
totalitários, carência de infraestrutura industrial interna, e outros eventos que
forjaram as condições sobre as quais ela se desenvolveria.
Mas, apesar das dificuldades ligadas ao próprio processo de formação do país,
a IELB conseguiu crescer ao longo dos anos. Essa expansão proporcionaria uma
série de mudanças. Internamente, seus participantes desempenhariam diferentes
funções ao longo do tempo em virtude da especialização proporcionada pelo
desenvolvimento da IELB. Novos participantes também foram surgindo ao longo de
11
cada fase histórica. Essas alterações internas conduziriam a IELB a experimentar
novas dinâmicas de crescimento ao longo do tempo (FLECK, 2000).
Contudo, a evolução da IELB também implicaria na emergência de novas
dificuldades que ameaçariam o desenvolvimento de bases saudáveis de
crescimento. Abreu e Bragança sugerem que “durante esses dois séculos, a
produção nacional de livros tornou-se ampla, diversificada e complexa” (ABREU;
BRAGANÇA, 2010, p. 9). Essa mudança não aconteceu apenas pela atuação de
forças externas, mas também pelo perfil de resposta da IELB aos desafios do
crescimento (FLECK, 2009) encontrados durante esse período.
Atualmente, o foco dos participantes da IELB está voltado para o livro
eletrônico. Muitos buscam compreender para onde essa mudança tecnológica pode
conduzir a IELB. Algumas experiências internacionais, principalmente a norteamericana, não foram positivamente avaliadas por editoras e livrarias físicas
brasileiras por três motivos centrais: o desbalanceamento de forças dentro da
indústria provocado pela entrada de novos competidores, como Amazon, Google e
Apple; a dificuldade em mensurar o “saldo” resultante da soma entre o efeito
negativo da substituição do livro impresso (canibalização), em princípio com margem
unitária mais alta que o livro eletrônico, e efeito positivo proporcionado pela
expansão nas vendas; e o risco de aumentar a reprodução e circulação de cópias
digitais não autorizadas.
Entretanto, para compreender de forma mais ampla a participação do livro
eletrônico na IELB e, por conseguinte, seus possíveis impactos, faz-se necessário
compreender primeiro como a própria IELB se desenvolveu previamente. E essa
investigação precisa identificar como a IELB interagiu com forças externas anteriores
ao livro eletrônico. É preciso entender ainda qual o contexto atual da IELB, como
seus participantes estão se relacionando e quais mecanismos de crescimento estão
agindo sobre ela recentemente. A partir dessa análise, podemos ter acesso a um
panorama mais claro, tanto sobre os possíveis efeitos da difusão do livro eletrônico
quanto de outras mudanças sobre a IELB.
O objetivo desse estudo é identificar e analisar evidências históricas que nos
ajudem a identificar as principais forças externas que atuaram sobre a IELB; como
suas funções e participantes evoluíram; e quais os mecanismos de crescimento que
agiram sobre ela ao longo da história.
12
O estudo emprega uma perspectiva longitudinal sobre a trajetória da IELB
compreendida entre os anos 1808 e 2012. Nesse sentido, esta pesquisa baseia-se
em fatos e dados prospectados em entrevistas em profundidade e arquivos
históricos que culminaram com alguns insights que auxiliam responder à questão
essencial do estudo: Em que medida a IELB desenvolveu traços de crescimento
saudável ao longo de sua existência?
1.1 Organização do trabalho
O presente estudo está organizado em cinco capítulos. O primeiro capítulo
apresenta de forma sintética o tema e o objetivo desse estudo.
O capítulo seguinte descreve o referencial teórico empregado para auxiliar na
tarefa de analisar e refletir sobre as informações levantadas na pesquisa. Por
entender que uma indústria é uma macro organização, o eixo central da análise
apoia-se na teoria dos arquétipos do crescimento desenvolvida por Fleck (2009) que
sintetiza um conjunto de teorias e aspectos relevantes para a compreensão do
processo de crescimento de uma organização. Outras teorias complementam o
referencial teórico quanto aos aspectos propostos na teoria central.
No terceiro capítulo, descreve-se o método utilizado para realizar o estudo,
compreendendo suas delimitações, bem como a estratégia e procedimentos
utilizados para responder às perguntas que direcionaram este trabalho.
O capítulo seguinte apresenta o detalhamento e caracterização da IELB. Nesse
sentido, é descrita a estrutura da IELB, quais as principais funções que ela exerce e
quais os participantes que nela atuaram entre 1808 e 2012.
O quinto capítulo identifica as dinâmicas de crescimento (FLECK, 2000) que
estiveram presentes na IELB, as forças limitantes e propulsoras que atuaram sobre
a IELB e como esta respondeu aos desafios do crescimento (FLECK, 2009) entre
1808 e 2012.
Por fim, no sexto capítulo são apresentadas as conclusões do estudo e as
sugestões para pesquisas futuras.
13
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo descreveremos o arcabouço teórico empregado para nos
auxiliar na compreensão de como a indústria editorial brasileira de livros (IELB) se
desenvolveu entre 1808 e 2012. Nesse sentido, ela será analisada como um
conjunto de serviços produtivos, ou simplesmente como um conjunto de funções
(PENROSE, 1959). O conceito de “criação de valor” das funções da IELB abordado
neste trabalho baseia-se na combinação dos conceitos de ineditismo (novelty) e
apropriação (appropriateness) apresentados por Lepak, Smith e Taylor (2007). Para
organizar a estrutura da IELB, identificar seus participantes, o relacionamento entre
eles e as forças externas que atuam sobre ela, empregamos os conceitos de
“indústria” e “forças competitivas” descritas por Porter (1979). O mapeamento e
análise das forças que atuaram sobre a IELB, ao longo da história, são
complementadas pela componente nonmarket apresentada por Baron (1995) e pela
importância da capacidade de resposta das organizações ao ambiente institucional
sugerida por Oliver (1991). A identificação dos tipos de crescimento presentes na
IELB foi realizada com base nos caminhos do crescimento proposto por Fleck (2000)
e nos motores do crescimento (FLECK, 2003) proposto pela mesma autora. O
modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacional (FLECK, 2009) foi
empregado como eixo central da análise para sintetizar como a IELB respondeu aos
desafios do crescimento durante o período estudado (de 1808 a 2012).
Penrose (1959) propõe pensarmos a empresa de uma forma mais abrangente,
não apenas como uma unidade administrativa, mas como um conjunto de recursos
produtivos cuja forma de aplicação e propósito depende de decisões gerenciais. A
autora sugere que normalmente existem diversos recursos disponíveis em uma
empresa, organizados basicamente em dois grupos: recursos físicos, como matéria
prima, equipamentos e instalações e recursos humanos.
Conforme sugerido por Barney (1991), podemos acrescentar outra variedade
de recursos intangíveis a essa lista, como processos organizacionais, sistemas de
informação e conhecimento. O valor dos recursos disponíveis é o reflexo do conjunto
de serviços potenciais encerrado nesses recursos (PENROSE, 1959). Em outras
palavras, é a função que esses recursos podem efetivamente exercer no
desempenho da empresa que determina o valor desses recursos para a
14
organização. A extração de serviços importantes para o processo produtivo da
empresa está intimamente associada à forma com que os diferentes recursos são
combinados e empregados (PENROSE, 1959).
Vamos nos apropriar dessa visão de que a organização é um conjunto de
recursos coordenados por um corpo gerencial que os modela e os torna útil,
enxergando a IELB como uma macro organização. Assim, os diferentes
participantes da IELB que integram a cadeia produtiva do livro passam a ser
concebidos
como
um
conjunto
de
recursos
produtivos
cujos
principais
coordenadores são as editoras. Elas são as responsáveis por articular, combinar e
direcionar esses recursos para que a IELB se desenvolva.
A partir dessa visão, vamos utilizar o modelo teórico desenvolvido por Fleck
(2009), no qual a autora avalia a propensão ao sucesso no longo prazo das
organizações de acordo com a capacidade de resposta das empresas a cinco
desafios inerentes à existência organizacional. O modelo dos arquétipos de sucesso
e fracasso desenvolvido por Fleck (2009) foi escolhido como eixo central da análise
pela perspectiva abrangente com que avalia e combina algumas condições
necessárias ao crescimento saudável da organização.
Fleck (2009) busca integrar aspectos internos e externos à organização sob o
ponto de vista de sua evolução histórica, observando como o contexto interno e
externo da organização dialogaram entre si historicamente para compor o panorama
de características, padrões e respostas que a firma desenvolveu ao longo de sua
existência.
Para conseguirmos analisar com consistência a trajetória da IELB à luz dos
desafios ao crescimento, foi previamente levantada a evolução da estrutura da IELB,
quais foram seus participantes, quais as forças externas que atuaram sobre ela e
que tipos de crescimento fizeram com que a IELB se desenvolvesse.
Para a análise desenvolvida aqui nesse trabalho consideramos a IELB como
uma macro organização. Sendo assim, este trabalho examinará o percurso da
macro organização IELB, cujos elementos são organizações atuando em diversos
elos da cadeia produtiva.
15
2.1 PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÕES AO ENTENDIMENTO DAS DIMENSÕES
QUE INFLUENCIAM O CRESCIMENTO DA EMPRESA
Segundo Whetten (1987) existem três explicações para o crescimento
empresarial. A primeira sugere que o crescimento é um desdobramento resultante
da execução bem sucedida de estratégias adotadas para satisfazer as necessidades
de funcionamento da empresa. A segunda reside na criação de folga de recursos
(excedentes em relação às necessidades operacionais correntes da organização)
derivada dos processos de crescimento, mitigando a concorrência interna por
recursos, prestígio, promoções, salário e desafios profissionais e, com isso,
facilitando a gestão da organização (WHETTEN, 1987). A terceira explicação reside
na menor dependência da empresa em relação ao ambiente externo, visto que o
crescimento reduz o grau de incerteza e a influência externa do ambiente sobre a
organização (WHETTEN, 1987).
Penrose (1959) afirma que a subutilização dos serviços produtivos potenciais
dos recursos de que a empresa dispõe e/ou a possibilidade de utilizá-los de forma
mais rentável em processos expansivos também são incentivos para a empresa
crescer. A indivisibilidade dos recursos acaba criando constantemente folga de
recursos livres ou subutilizados, estimulando a empresa a adquirir outros recursos
para aproveitar a folga existente, criando com isso novas folgas e reiniciando com
isso o processo de busca de “equilíbrio” (PENROSE, 1959). Quando o crescimento
da organização enseja a possibilidade de especialização dos seus recursos,
utilizando-os de forma mais rentável, a organização também é estimulada a crescer.
Chandler (1977) aponta para duas motivações chaves para a empresa
expandir: produtiva (ou positiva) e defensiva (ou negativa). Segundo o autor, os
motivos produtivos além de mais rentáveis, aumentam a propensão da organização
ao crescimento continuado quando comparado aos motivos defensivos. Enquanto os
motivos produtivos, como a criação de novas linhas de produtos para novos
mercados, por exemplo, são estimulados pela utilização mais intensiva e eficiente
dos recursos disponíveis, gerando ganhos de escala e escopo, os movimentos
defensivos, como a aquisição de um fornecedor estratégico, por exemplo,
dificilmente criam estímulos ou desequilíbrios internos que incentivam o crescimento
(CHANDLER, 1977). O autor aponta ainda que as empresas com diferentes tipos de
16
negócios (ou recursos) estão mais inclinadas a terem recursos subutilizados e, por
conseguinte, mais propensas a fazerem movimentos expansivos.
Fleck (2009) complementa a visão de Chandler (1977) ao sugerir a
possibilidade de mais duas motivações para as organizações crescerem: híbrida e
nula. A híbrida combina motivações produtivas e defensivas almejando aumentar a
eficiência da empresa enquanto protege as linhas de negócio atuais (FLECK, 2009).
A motivação nula não se relaciona nem com interesses de melhorar a produtividade
da empresa nem com objetivos defensivos (FLECK, 2009). As motivações nulas
normalmente
conduzem
as
empresas
a
fazerem
aquisições
ou
explorar
oportunidades não relacionadas ao escopo dos negócios atuais e/ou as
competências
centrais
(PRAHALAD;
HAMEL,
1990)
desenvolvidas
pela
organização. Esses movimentos expansivos normalmente caracterizam-se pelo
perfil empire-building de organizações cujos movimentos de crescimento, em geral,
são orientados por estratégias voltadas ao aumento do tamanho da empresa, o
poder e a influência que ela exerce sobre a concorrência e o ambiente onde atua
(PENROSE, 1959; FLECK, 2009).
Fleck (2000) sugere que essas diferentes motivações e incentivos à expansão
podem levar a sete diferentes tipos de crescimento. O crescimento inercial baseado
em simplesmente “fazer mais do mesmo”. Esse crescimento pode ser motivado pela
subutilização de recursos internos (PENROSE, 1959) ou pela oportunidade de
empregá-los mais rentavelmente. O segundo tipo é o teleológico, que é dirigido pelo
estabelecimento de metas a serem atingidas sem muita conexão com motivações
produtivas ou defensivas. Esse tipo de crescimento pode ser direcionado pela
existência de folga financeira para investir (WHETTEN, 1987). O crescimento
dialético é normalmente causado por tensões, conflitos ou desequilíbrios que
culminam em inovações para resolvê-los. O quarto tipo é o crescimento interativo
que decorre tanto da competição quanto da cooperação entre concorrentes. A
competição estimula a organização a empregar esforços na superação do(s)
competidor(es), e com isso crescer. A cooperação, por sua vez, promove a
colaboração voluntária ou compulsória no sentido de alargar as fronteiras de
crescimento de determinado grupo de empresas ou da própria indústria como um
todo. O crescimento macro ambiental acontece pela influência de forças externas
que podem proporcionar novas oportunidades de negócio ou mitigar riscos e
17
ameaças preexistentes. O sexto tipo consiste no crescimento estrutural ocasionado
por mudanças na estrutura da indústria em função de aquisição horizontal ou vertical
ou pela entrada de novo participante na indústria. Motivações defensivas podem
conduzir a esse tipo de crescimento. Por fim, o crescimento randômico é atingido por
acaso, pelo modelo de “tentativa e erro”.
Além dos motivos que impulsionam o crescimento empresarial e as vantagens
decorrentes desse crescimento, é preciso observar algumas condições necessárias
ao crescimento. Segundo Chandler (1977), o crescimento produtivo decorrente da
utilização mais intensa e lucrativa dos recursos da organização através da
especialização ou da expansão da empresa para outros mercados, termina por
exigir maior capacidade de planejamento e coordenação. Ou seja, umas das
componentes centrais no processo de crescimento das organizações está
diretamente associada à competência administrativa da firma e à sua capacidade
interna de coordenação.
Nesse sentido, a ascensão do gerente profissional, organizado em camadas
hierárquicas dentro das organizações, viabilizou a coordenação efetiva das
empresas face ao aumento na complexidade e velocidade provocado pelos
mercados em expansão e pelas mudanças tecnológicas (CHANDLER, 1977).
Penrose (1959) também reforça a importância da coordenação administrativa
levantada por Chandler (1977). A autora afirma que o quadro de gerentes atuais da
empresa define em grande parte os limites do crescimento organizacional. Isso
ocorre porque se faz necessário um tempo de ajuste para que gestores recémadmitidos de fora da organização estejam aptos a contribuir com seu melhor nível de
desempenho. A razão para isto é que não se dá de forma instantânea a aquisição
pelos novos gestores de conhecimento tácito, entrosamento com outras áreas e
familiaridade com a cultura e processos da empresa (PENROSE, 1959). Logo, tanto
para Chandler (1977), como para Penrose (1959), a capacidade de coordenação da
empresa constitui uma das condições indispensáveis ao crescimento organizacional.
Prahalad e Hamel (1990) evidenciam a importância das habilidades de
coordenação da firma na formação e aproveitamento das competências centrais da
organização. Os autores afirmam que, no longo prazo, a competitividade da
empresa se encontra em sua capacidade de desenvolver competências centrais
18
(core competences) que a levem ao desenvolvimento de produtos inéditos e difíceis
de serem antecipados e/ou copiados pela concorrência (PRAHALAD; HAMEL,
1990).
As competências centrais são construídas a partir do aprendizado coletivo da
organização, especialmente em como coordenar habilidades produtivas diferentes e
integrar múltiplas tecnologias (PRAHALAD; HAMEL, 1990). Para os autores, a
capacidade de a empresa mapear e interconectar os saberes produtivos e as
tecnologias contidas na organização em competências consistentes é que lhes
faculta a exploração de formas mais rentáveis de crescimento. Nesse sentido, as
competências centrais constituem a plataforma de criação de novos negócios que
nortearão padrões de diversificação para novos mercados e/ou produtos
(PRAHALAD; HAMEL, 1990).
Figura 2-1: A organização como uma árvore que cresce de suas raízes. As raízes são as
competências centrais que alimentam os produtos chaves (core product) que se organizarão
em unidades de negócio cujos frutos são os produtos acabados.
Fonte: Prahalad e Hamel (1990, p. 47)
19
March (1991) analisa a importância de se manter um equilíbrio dinâmico entre
o esforço da empresa na exploração de novas competências centrais e o
aperfeiçoamento das competências centrais já estabelecidas dentro da empresa. O
autor aponta que a exploração pressupõe experimentação, exposição a riscos e
descoberta de novos caminhos para crescer e aumentar os retornos futuros. O
aperfeiçoamento e o aprofundamento das competências existentes implicam em
refinamento, aumento da eficiência e desempenho dos processos já estabelecidos e
resultam em ganhos imediatos para a empresa (FLECK, 2010a). A exploração de
novas alternativas (exploration) normalmente implica em retornos incertos, distantes
e por vezes negativos (MARCH, 1991). Por outro lado, o desenvolvimento das
competências existentes (exploitation) normalmente proporciona quick wins que
reforçam o desempenho da organização no curto prazo. Seus resultados são menos
arriscados e distantes no tempo quando comparados à experimentação de novas
iniciativas (MARCH, 1991). Concentrar atenção e esforços além do necessário em
um dos dois caminhos pode esmaecer a capacidade de evolução da empresa no
longo prazo.
Nesse sentido, March (1993) aponta que o foco excessivo na exploração
continuada de novos conhecimentos e possibilidades pode impedir a empresa de
conseguir atingir retornos e rentabilizar suas descobertas, ao passo que confinar os
esforços em “mais do mesmo”, isto é, em apenas melhorar o que existe com base
em feedbacks, pode terminar por conduzir a empresa à obsolescência.
O autor distingue duas armadilhas que podem levar a empresa a se fechar em
um dos polos de exploração ou aperfeiçoamento: a “armadilha do fracasso” e a “a
armadilha do sucesso” (MARCH, 1993). A primeira consiste em processos contínuos
de experimentação, mudança e inovação (MARCH, 1993). Esses processos são
deflagrados por uma dinâmica na qual o fracasso leva a mais pesquisa por novas
alternativas, que por sua vez conduz a outros fracassos, que levam a mais pesquisa
e assim, sucessivamente, até a emergência de uma alternativa boa o suficiente para
interromper o processo (MARCH, 1993). Ideias pouco proveitosas, longos períodos
necessários ao amadurecimento das inovações na empresa e otimismo excessivo
são algumas das razões que contribuem para a perpetuação desse ciclo.
20
A armadilha do sucesso, por sua vez, ocorre na medida em que a utilização e
refinamento das competências existentes gera feedbacks frequentes (em espaços
curtos de tempo) com pontos de melhoria que, por sua vez, trazem novos feedbacks
sobre outras evoluções que podem ser implementadas, retroalimentando o ciclo
(MARCH, 1993). Essas melhorias normalmente geram retornos positivos em
intervalos de tempo próximo ao momento em que foram implantadas, estimulando a
busca por novas melhorias incrementais que contribuam para aumentar os retornos
da empresa no curto prazo.
Embora grande parte dos esforços da empresa geralmente se volte a deslocar
a concorrência e a ocupar uma posição competitiva de proeminência, muitas
empresas têm dificuldades em entender e mapear corretamente as forças externas
do mercado que pressionam seu negócio.
Nesse sentido, Porter (1979) descreve a importância em se pensar na
estratégia da empresa considerando o ambiente competitivo amplo da indústria,
além dos rivais propriamente ditos. O autor inclui no ambiente competitivo
fornecedores, compradores, substitutos e novos entrantes da indústria, trazendo-os
para dentro da análise, reflexão e planejamento dos movimentos expansivos
tencionados pela organização. Cada indústria é então formada por uma estrutura
técnica e econômica particular que responde pela intensidade de cada uma dessas
forças (PORTER, 1979). A rentabilidade da indústria é consequência direta da
dinâmica de interação entre essas cinco forças ao longo do tempo (PORTER, 1979).
A relação de forças entre os participantes no curso evolutivo da indústria define, em
grande parte, quem fica com a maior fração dessa rentabilidade (LEPAK; SMITH;
TAYLOR, 2007).
21
Figura 2-2: Forças que governam a competição em uma indústria
Fonte: Porter (1979)
Todavia, Barney (1991) observa que o modelo proposto por Porter (1979)
desconsidera a heterogeneidade dos recursos disponíveis para cada firma, a
particularidade dos objetivos estratégicos individuais de cada empresa e a
desigualdade no acesso aos recursos no mercado. Ou seja, a análise das cinco
forças da indústria não contempla as especificidades internas das empresas que as
distinguem entre si, fazendo-as relacionarem-se de forma particular com as cinco
forças (BARNEY, 1991).
Segundo Barney (1991), o modelo de Porter elimina a heterogeneidade e
imobilidade dos recursos como fonte de vantagem competitiva. Para Barney (1991)
a vantagem competitiva sustentável da empresa e, por sua vez, a capacidade de a
organização crescer acima da média das outras empresas, reside no nível de
heterogeneidade e imobilidade de seus recursos. Segundo o autor, o potencial de
vantagens competitivas sustentáveis de cada recurso depende da presença de
quatro atributos fundamentais: o recurso precisa ser útil na exploração de
oportunidades ou na neutralização de ameaças do ambiente, precisa ser raro entre
os concorrentes atuais e potenciais da empresa, precisa ser “imperfeitamente
imitável” e não pode haver substitutos equivalentes do ponto de vista estratégico
(BARNEY, 1991).
22
Penrose (1959) reforça a relevância da heterogeneidade de recursos à
disposição da organização na formação das vantagens competitivas. A autora afirma
que é a diversidade dos serviços produtivos latentes nos recursos acessíveis à
organização que determinará as oportunidades de negócio que a empresa poderá
explorar e, por conseguinte, que poderão levar a empresa a crescer (PENROSE,
1959).
Voltando ao ambiente externo com o qual a empresa dialoga, Baron (1995)
complementa a análise de forças proposta por Porter (1979) ao chamar a atenção
para a importância em incorporar o ambiente institucional como mais uma força
dentro do escopo de mapeamento e análise das organizações. Enquanto Porter
(1979) se concentra no monitoramento do ambiente de mercado e nos
relacionamentos econômicos entre os agentes da indústria para a formulação das
estratégias corporativas, Baron (1995) enfatiza a necessidade de se considerar
também as interações da empresa com outros stakeholders (fora do ambiente de
mercado) no pensamento estratégico da organização (BARON, 1995).
Segundo Baron (1995), o ambiente social, político e legal que circunscreve a
indústria influencia o ambiente de mercado ao atuar na dinâmica das cinco forças
competitivas descritas por Porter (1979).
Nesse sentido, é preciso acompanhar e entender as pressões por mudanças
no ambiente institucional trazidas pelo governo e outros grupos de interesse tendo
em vista considerá-las no planejamento dos movimentos de crescimento da
empresa. Baron (1995) sugere que muitas indústrias são reguladas pelo governo
cujas decisões exercem controle direto sobre as oportunidades de negócio da
indústria. Logo, mudanças no ambiente nonmarket podem comprometer futuras
oportunidades de crescimento ou simplesmente por fim à exploração (exploitation)
corrente de oportunidades. Baron (1995) sugere a integração entre as estratégias
dirigidas ao mercado e estratégias voltadas para influenciar o ambiente institucional
em favor da organização.
Essa integração significa que a formulação dos
movimentos da empresa deve considerar a análise conjunta do ambiente
institucional e de mercado.
23
Figura 2-3: Integração das estratégias de mercado e institucionais
Fonte: Baron (1995)
Oliver (1991) endossa a visão de Baron (1995) sobre o papel do ambiente
nonmarket na trajetória das organizações. A autora sugere que as escolhas das
empresas no ambiente de mercado são limitadas pelas pressões externas fora do
ambiente de mercado, visto que essas duas instâncias estão interconectadas
(OLIVER, 1991). O próprio nível de heterogeneidade e imobilidade dos recursos da
empresa (BARNEY, 1991) e o desenvolvimento de competências centrais
(PRAHALAD; HAMEL, 1990) estão sob influência do ambiente institucional na
medida em que as forças institucionais atuantes podem facilitar (ou dificultar) o
acesso a recursos e mercados pela própria empresa e/ou por outros participantes
(OLIVER, 1991)
As empresas, independentemente da indústria, carecem de estabelecer
legitimidade e estabilidade para perpetuar sua existência (OLIVER, 1991). Mas
alcançá-las não significa necessariamente submeter-se às condições impostas pelas
instituições públicas, grupos de interesse ou opinião pública. Principalmente porque
muitas vezes as demandas e expectativas dos stakeholders externos ao ambiente
de mercado são diferentes e incompatíveis entre si (OLIVER, 1991). Para contornar
esse tipo de dilema, Oliver (1991) sugere que a empresa deve organizar-se de forma
consciente no sentido de buscar responder a esses anseios externos de forma
participativa, costurando estratégias alternativas que equilibrem melhor os interesses
da empresa com a conservação de sua legitimidade e estabilidade.
24
Oliver (1991) detalha o processo de definição de estratégias institucionais
levantado por Baron (1995) ao propor cinco padrões de resposta estratégica
diferentes, que vão desde a aquiescência plena da empresa às exigências
institucionais até a manipulação do ambiente institucional (nonmarket) de acordo
com os interesses da firma (OLIVER, 1991). Dentro desse espectro de respostas, as
organizações devem adotar as estratégias exequíveis mais condizentes com as
estratégias de mercado e com o impacto das exigências institucionais ao negócio.
Strategic Responses to Institutional Processes
Strategies
Tactics
Example
Acquiesce
Habitat
Imitate
Comply
Following invisible, taken-for-granted norms
Mimicking institutional models
Obeying rules and accepting norms
Compromise
Balance
Pacify
Bargain
Balancing the expectations of multiple constituents
Placating and accommodating institutional elements
Negotiating with institutional stakeholders
Avoid
Conceal
Buffer
Escape
Disguising nonconformity
Loosening institutional attachments
Changing goals, activities, or domains
Defy
Dismiss
Challange
Attack
Ignoring explicit norms and values
Contesting rules and requirements
Assaulting the sources of institutional pressure
Manipulate
Co-opt
Influence
Control
Importing influential constituents
Shaping values and criteria
Dominating institutional constituents and processes
Figura 2-4: Respostas estratégicas às pressões institucionais
Fonte: Oliver (1991)
Fleck (2003), ao analisar a obra de Chandler (1977), The Visible Hand,
identifica que “a capacidade de crescimento de uma indústria é um requisito para
que o crescimento da firma ocorra” (FLECK, 2003: 18). Nesse sentido, vislumbrar o
ambiente de negócio somente pela ótica da competição pode limitar o crescimento
da indústria como um todo e, por sua vez, das empresas que operam nessa
indústria.
25
A cooperação entre empresas pode ser uma alternativa para ampliar os limites
correntes da indústria ao crescimento. Fleck (2003) sugere a identificação de
possíveis motores de coevolução que ampliem a capacidade de crescimento da
indústria como um todo, para, por sua vez, criar mais espaço a fim de que os setores
e empresas da indústria também cresçam individualmente (FLECK, 2003). O
esquema abaixo ilustra a interdependência das partes (setores ou empresas) com o
todo (indústria) no alargamento das fronteiras disponíveis para o mercado crescer.
Figura 2-5: Estrutura geral do motor de coevolução do todo e partes
Fonte: Fleck (2003, p. 19)
2.2 SINTETIZANDO
TEORIAS
DE
ESTRATÉGIA
E
CRESCIMENTO:
OS
ARQUÉTIPOS DE SUCESSO E FRACASSO ORGANIZACIONAL
Com podemos observar, há múltiplas perspectivas a serem consideradas no
esforço de analisar os fatores que influenciam o crescimento corporativo e a
longevidade da organização: motivos internos, oportunidades externas, recursos,
ambiente de mercado, ambiente institucional, competências internas, para citar
alguns. Fleck (2009) procurou sintetizar as múltiplas dimensões e variáveis
subjacentes à preservação da firma no longo prazo, conectando-as para nos auxiliar
na compreensão de como as organizações respondem aos cinco desafios do
crescimento.
A
capacidade
da
organização
em
responder
de
forma
sistematicamente bem sucedida afeta diretamente as chances de a organização
26
desfrutar de sucesso no longo prazo. O perfil de respostas, no decorrer do tempo,
levam à construção de dois tipos ideias de sucesso e fracasso organizacional: os
arquétipos da autoperpetuação e autodestruição.
A autora sugere que o sucesso organizacional é um estado potencial para o
qual se dirige a organização, na medida em que esta cria condições para
desenvolver uma propensão à autoperpetuação (FLECK, 2009). A incapacidade de
a empresa criar essas condições de forma continuada ao longo do tempo a conduz
para o caminho oposto, isto é, à autodestruição (FLECK, 2009).
Fleck (2009) aponta para os efeitos colaterais que os processos de
crescimento podem gerar. Primordialmente aqueles empreendidos por pressões
ligadas ao alto custo fixo da empresa (FLECK, 2009). Segundo a autora,
movimentos de expansão resultantes, principalmente, de pressão por receitas para
diluir custos fixos, podem levar a organização a crescer sem ter desenvolvido outras
condições necessárias, como a formação de gerentes para conduzir o processo, por
exemplo. A carência de recursos gerenciais termina por enfraquecer o nível de
coordenação das capacidades e atividades ligadas ao processo de expansão, além
de arriscar sobrecarregar de tarefas os gestores atuais e minar a cooperação entre
departamentos (FLECK, 2009).
A indivisibilidade dos recursos e o crescimento da experiência dos gestores cria
excesso de serviços produtivos que impulsionam a empresa a expandir sua atuação
com o fito de utilizar essa “sobra” disponível (PENROSE, 1959). E esse movimento
cria novos excedentes que retroalimentam o mecanismo de crescimento
empurrando a organização à nova expansão (PENROSE, 1959). A gestão eficiente
dessa folga alimenta o processo de renovação e crescimento da empresa ao passo
que contribui para evitar desgastes internos causados por carência de oportunidades
ou recursos que, no longo prazo, podem ameaçar a integridade organizacional.
A disponibilidade e gestão eficiente da folga (slack) organizacional, no sentido
da criação e utilização coordenada do excesso de recursos humanos, financeiros,
acesso privilegiado, credibilidade, reputação e marcas, por exemplo, são
indispensáveis na formação de uma plataforma sólida, a partir da qual as chances
da empresa crescer sem fissuras internas é maior.
Por outro lado, Fleck (2009) sinaliza que a folga produzida pela empresa pode
tornar-se desperdício se favorecer a ineficiência ou pode estimular conflitos internos
27
por esses excessos. A organização está exposta à concorrência interna pela folga,
principalmente, se a cultura e sistemas de incentivos da organização não estiverem
estruturados para dissolver conflitos, ou se diferentes departamentos ou unidades de
negócio não compartilharem o mesmo senso de propósito (FLECK, 2009).
Segundo Fleck (2009), além da gestão adequada da folga, a organização
precisa responder cinco desafios do crescimento para prosperar de forma
consistente e continuada. A negligência de qualquer um desses desafios ameaça a
existência da organização no sentido de minar sua capacidade de autoperpetuação
no longo prazo. A empresa precisa dedicar continuamente tempo e esforços para
lidar com cada uma das dimensões desses desafios e com os efeitos interrelacionados entre eles (FLECK, 2009).
A seguir, organizamos na figura 2-6 os cinco desafios do crescimento:
empreendedorismo, navegação no ambiente dinâmico, gestão da diversidade,
provisionamento de recursos humanos e gestão da complexidade. Além da
descrição de cada desafio, também são indicados os pólos de resposta que
conduzem a organização ao sucesso organizacional de longo prazo ou ao fracasso
organizacional:
28
Pólos de Respostas ao Desafio
Natureza do Desafio
Descrição do Desafio
Sucesso organizacional de
longo prazo
(Autoperpetuação)
Fracasso organizacional
(Autodestruição)
Empreendedorismo
Estimular o
empreendedorismo
através da promoção de
iniciativas de expansão da
empresa que criem valor
de forma continuada e
previnam a empresa da
exposição excessiva ao
risco.
Baixo ou satisfatório (baixo
nível de ambição,
versatilidade, imaginação,
visão, julgamento e de
hailidade em levantar
fundos, levando a
movimentos motivados por
estratégias defensivas e
nulas).
Alto (alto nível de ambição,
versatilidade, imaginação,
visão, julgamento e de
hailidade em levantar fundos,
levando a movimentos
motivados por estratégias
produtivas e híbridas).
Navegação no
Ambiente Dinâmico
Relacionar-se
adequadamente com os
diversos stakeholders da
empresa almejando
assegurar captura de valor
e legitimidade
organizacional.
Passiva (monitoramento
incompleto e ineficiente do
ambiente, utilização
anacrônica ou inadequada
de estratégias de resposta:
manipular, anuir
comprometer-se, esquivarse ou resistir).
Ativa (monitoramento
compreensivo e contínuo do
ambiente, utilização precisa e
adequada de estratégias de
resposta: manipular, anuir
comprometer-se, esquivar-se
ou resistir).
Gestão da Diversidade
Conservar a integridade da
empresa face ao aumento
de rivalidade interna e de
conflitos organizacionais.
Fragmentação
(Incompetência no
desenvolvimento de
relacionamentos coesos e na
coordenação de
capacitações).
Integração (Competência no
desenvolvimento de
relacionamentos coesos e na
coordenação eficaz de
capacitações).
Provisionamento de
Recursos Humanos
Abastecer continuamente a
organização com a
quantidade necessária de
recursos humanos
qualificados.
Tardio (contratação "just-intime " ou depois de
confirmada a carência de
pessoal).
Antecipado (contratação de
pessoal como parte do
planejamento das ações da
organização).
Gestão da
Complexidade
Gerenciar questões de alta
complexidade e resolver
problemas relacionados ao
aumento de complexidade
tendo em vista anular
riscos a existência da
empresa.
Ad hoc (capacidade de
resolução de problemas não
sistematizada, voltada para
buscas rápidas e simplistas
por soluções. Inibe o
aprendizado e a criação de
processos preventivos).
Sistemático (capacidade de
resolução de problemas
baseada em buscas por
soluções abrangentes e de
forma sistemática. Fomenta o
aprendizado e a criação de
processos preventivos).
Figura 2-6: Desafios do Crescimento
Fonte: Fleck (2009)
29
2.2.1 Empreendedorismo
O empreendedorismo deve ser observado como o primeiro desafio a ser
enfrentado por qualquer organização, visto que constitui a gênese de qualquer
organização. O primeiro passo de qualquer organização nasce do ímpeto de
aventurar-se na formação de uma empresa. Fleck (2009) propõe direcionarmos um
olhar cuidadoso na compreensão dos elementos que forjam esse ímpeto e na
importância da manutenção de altos níveis de empreendedorismo, em constante
processo de renovação, ao longo da existência da organização.
Nesse sentido Fleck (2009) associa os quatro serviços empreendedores
sugeridos
por
Penrose
(1959)
a
dimensões
que
formam
a
capacidade
empreendedora de uma organização:
• Versatilidade: é a capacidade imaginativa de o empreendedor vislumbrar
novas possibilidades e formas inventivas e não usuais de fazer as coisas. É a “visão”
e criatividade, tanto para criar novas linhas de negócio quanto para aperfeiçoar ou
defender as existentes.
• Habilidade para levantar fundos: trata-se da capacidade de conseguir
captar recursos para financiar as ideias ligadas à criação, expansão ou mudanças
no negócio. A chave dessa competência é inspirar confiança e credibilidade
suficiente junto às possíveis fontes financiadoras.
• Ambição: é a vontade intrínseca de evoluir, de melhorar, de alcançar um
estágio superior àquele em que se encontra atualmente o empreendedor. E esse
“lugar melhor” pode traduzir-se, por exemplo, em ser líder de mercado (em
qualidade,
preço,
tecnologia,
conveniência,
etc.),
mais
prestígio,
mais
reconhecimento, tornar-se referência de alguma forma no mercado onde atua.
Penrose (1959) destaca dois perfis principais de ambição: Product-minded e Empirebuilders. Os primeiros estão voltados para desenvolver o negócio, a partir de suas
competências centrais (PRAHALAD; HAMEL, 1990), focados em crescer de forma
relacionada ao negócio atual. Os segundos são empreendedores voltados para o
crescimento da empresa em termos de tamanho, poder e/ou influência. Os Empirebuilders procuram aumentar sua extensão e/ou escopo através de aquisições ou
eliminação da concorrência. São normalmente agressivos e buscam continuamente
alcançar uma posição de dominação no mercado (PENROSE, 1959).
30
• Julgamento: é a capacidade de o empreendedor julgar, sendo formada por
dois vértices: o temperamento pessoal do empreendedor e a capacidade de a
organização levantar e analisar informações que apoiem a decisão empresarial. A
primeira versa sobre a percepção individual acerca de risco e ousadia, enquanto a
segunda consiste na estrutura interna da empresa para conseguir informações em
abundância e qualidade suficientes para dimensionar corretamente possíveis
ganhos e riscos envolvidos nas decisões sobre o negócio.
A presença ou ausência, em diferentes níveis, de cada uma das quatro
camadas formadoras dos serviços empreendedores determinará como serão
explorados os diferentes recursos disponíveis na IELB e, por sua vez, quais as
oportunidades produtivas que ela está efetivamente apta a se apropriar com sucesso
para crescer (PENROSE, 1959). O perfil dos serviços empreendedores influenciará
os motivos que levam ao crescimento, se serão expansivos, defensivos, híbridos ou
nulos (CHANDLER, 1977; FLECK, 2009).
Uma postura francamente expansiva frequentemente conduz a estratégias de
crescimento produtivo. Quando estritamente defensiva, busca a adoção de
estratégias não produtivas de crescimento (CHANDLER, 1977). A motivação híbrida
combina expansão produtiva e defensiva, enquanto a expansão nula caracteriza-se
por não ser nem expansiva nem defensiva (FLECK, 2009). Segundo Chandler
(1977), estratégias produtivas valem-se da adição de uma ou mais unidades de
algum tipo de recurso para aproveitar a capacidade latente de outro(s) recurso(s) e,
com isso, obter ganhos de escala, escopo ou velocidade. Os ganhos obtidos nesse
processo tendem, por sua vez, a criarem novos focos de “ociosidade” que terminam
por motivar a adição de novas unidades de determinado(s) recurso(s), estimulando
movimentos contínuos de crescimento (FLECK, 2009; PENROSE, 1959).
Por outro lado, Chandler (1977) aponta que estratégias defensivas (ou não
produtivas) normalmente são adotadas para reduzir o nível de incerteza e proteger
os negócios existentes. Movimentos de integração vertical ou aquisição horizontal
são típicos exemplos de expansão defensiva voltada para criação de mecanismos
de isolamento das pressões competitivas externas (LEPAK; SMITH; TAYLOR,
2007). O crescimento verificado nesses casos não é o desdobramento da
apropriação de uma nova oportunidade de gerar novos negócios, mas mera
31
consequência da tentativa pela empresa de conservar sua posição e/ou
rentabilidade dos negócios existentes sob seu domínio.
O desafio do empreendedorismo consiste justamente em manter coeficientes
adequados das quatro dimensões principais do empreendedorismo (versatilidade,
ambição, levantamento de fundos e capacidade de julgamento) tendo vista fomentar
a disposição para inovar, assumir riscos e crescer, mas sem prescindir de prudência
na identificação de alternativas de crescimento que não exponham a empresa a
riscos excessivos (FLECK, 2010a). É preciso equacionar inovação e exploração de
possibilidades inéditas de crescimento com a defesa dos negócios rentáveis já
estabelecidos, conjugando ousadia com avaliação exaustiva de riscos. Nesse
sentido a organização precisa valer-se de estratégias de expansão centradas no
aperfeiçoamento das combinações de recursos e habilidades já conhecidas e
também na experimentação de novas combinações entre recursos e habilidades
novas e existentes (MARCH, 1991), a fim de desenvolver novas propostas de valor
para o mesmo público ou para públicos diferentes (ANSOFF, 1965).
Restringir o foco da organização a estratégias voltadas para o refinamento e
extensão
das
competências,
tecnologias
e
paradigmas
atuais,
ou
seja,
simplesmente “fazer mais do mesmo”, pode resultar em obsolescência e
deterioração do processo de criação de valor, ao longo do tempo, para os
stakeholders (MARCH, 1993; FLECK, 2010a). Por outro lado, reduzir os esforços da
organização ao desenvolvimento de estratégias dedicadas à exploração de novas
competências, tecnologias ou paradigmas pode acelerar demais a obsolescência do
negócio atual, tornando-o antecipadamente ultrapassado (MARCH, 1993; FLECK,
2010a). Com isso, a organização arrisca-se a degradar a capacidade de criação e
captura de valor do negócio atual antes de conseguir desenvolver apropriadamente
novas linhas de atuação que lhe afiancem capacidade de criação e captura de valor
igual ou superior ao anterior (FLECK, 2010a).
32
2.2.2 Navegação no Ambiente Dinâmico
A organização precisa enfrentar outras fontes de pressão originadas por
fatores externos ao mercado, ou seja, que não são mediadas por transações
comerciais (BARON, 1995). O desafio de navegação no ambiente consiste na
habilidade de a organização se articular com os demais stakeholders localizados
fora do ambiente de mercado (FLECK, 2009), tais como o governo, as instituições
públicas, a mídia e a sociedade (BARON, 1995), tendo em vista manter a
legitimidade da organização para continuar atuando e capturar valor (LEPAK;
SMITH; TAYLOR, 2007).
O desafio da navegação busca influenciar o ambiente nonmarket na tentativa
de criar mecanismos de isolamento (LEPAK; SMITH; TAYLOR, 2007) que permitam
a organização capturar valor (FLECK, 2009) e/ou ampliar as condições de criação
de valor através de melhorias generalizadas dentro da indústria (BARON, 1995).
Fleck (2009) aponta que é fundamental sustentar a legitimidade da empresa para
manter suas linhas de negócios, capturando valor de acordo com as estratégias de
mercado definidas pela empresa.
Fleck (2010a) sugere que a navegação se constitui de duas dimensões
complementares: esquadrinhamento do ambiente e reação às pressões e
tendências externas. O mapeamento minucioso reside no acompanhamento da
evolução no ambiente político, econômico, tecnológico e social em busca de
mudanças e tendências que possam influenciar o curso da indústria (FLECK,
2010a). O efeito das reações às pressões e tendências externas dependerá do
padrão de resposta adotada pela organização em relação às mudanças obervadas
nos ambientes exógenos ao mercado. Respostas pró-ativas e temporalmente
adequadas provam-se mais prósperas ao crescimento da empresa quando
comparadas àquelas meramente passivas ou defensivas (FLECK, 2010a).
Nesse sentido, a IELB pode adotar estratégias de respostas ao ambiente, as
quais oscilam desde a plena aquiescência às pressões institucionais de fora do
ambiente de negócio até a manipulação e modelagem do ambiente nonmarketing
em seu favor (OLIVER, 1991). A capacidade da IELB influenciar o ambiente de
forma favorável reside na combinação bem sucedida entre a abrangência e precisão
33
no esquadrinhamento do ambiente externo com respostas antecipatórias da
indústria às fontes de pressão.
A dificuldade constante de conseguir sustentar a legitimidade da empresa
frente aos grupos de interesse fora do mercado e/ou sucessivas falhas nas
tentativas de influenciar positivamente as instâncias governamentais em favor da
empresa podem impedir a organização de capturar valor no longo prazo (FLECK,
2009). A inabilidade de a IELB reter continuamente o valor que ela mesma cria,
através de seus recursos e serviços empreendedores, coloca risco sua capacidade
de se sustentar financeiramente e continuar criando valor, ameaçando assim sua
existência.
2.2.3 Diversidade
À medida que a organização cresce e se desenvolve, amplia-se também sua
diversidade interna. É normal que empresas com forte presença de serviços
empreendedores
inovem
continuamente
em
novos
produtos
e
mercados,
aumentando a heterogeneidade de processos, recursos e conhecimento (FLECK,
2009). Com isso, torna-se cada vez mais importante para a empresa fazer com que
suas capacidades gerenciais acompanhem o ritmo de aumento na diversidade de
funcionários, processos, fornecedores, sistemas, de produtos, stakeholders, etc. a
fim de conservar a empresa coesa e com senso de propósito (FLECK, 2009).
Nesse sentido, Chandler (1977) e Penrose (1959) reafirmam a necessidade de
recursos gerenciais para conectar as diferentes “arestas” da empresa e mantê-las
coesas. Segundo Fleck (2009), a gestão eficiente da diversidade passa pela
habilidade de a empresa em conseguir conectar não apenas aspectos tangíveis,
mas manter os intangíveis como reputação organizacional, mitos e percepções
perpassando toda a organização.
Como vimos anteriormente, a heterogeneidade e imobilidade dos recursos são
fundamentais para o desenvolvimento de vantagens competitivas (BARNEY, 1991).
Logo, a organização não deve evitar a diversidade, mas apenas buscar controlar
seus efeitos colaterais, sem anular a particularidade de cada recurso ou processo
34
que possa conferir à organização mecanismos de isolamento da concorrência ou de
outras ameaças (LEPAK; SMITH; TAYLOR, 2007).
A aquisição ou fusão de empresas são exemplos particulares de como a
diversidade pode aumentar repentinamente, criando conflitos relacionados à
integração de diferentes culturas, sistemas, mitos, além de envolver a demissão em
áreas duplicadas. Esse tipo de contexto ameaça a criação de “ilhas” dentro da
empresa, ou seja, áreas ou departamentos que não se comunicam e atuam de
forma autônoma e muitas vezes não alinhada. Esse tipo de divisão interna subutiliza
a
heterogeneidade
dos
recursos,
estimula
a
concorrência
interna
entre
departamentos e cria barreiras à cooperação, emperrando a movimentação da
empresa como um corpo coeso.
A empresa deve buscar desenvolver mecanismos de coordenação, como
canais de comunicação, forças tarefa e reuniões de alinhamento que integrem
gestores e departamentos (FLECK, 2009). Obter sucesso na exploração de suas
capacidades e possibilidades internas reside também na habilidade de a
organização evitar conflitos internos, bem como a formação de grupos isolados que
minem a cooperação interna e a disposição em participar dos projetos e movimentos
importantes para o desenvolvimento da empresa (FLECK, 2009). É preciso manter a
inteligência e a qualidade com que a organização concatena recursos para criar
valor na medida em que a empresa cresce e se torna mais propensa a se
fragmentar. O desafio da diversidade compreende a capacidade de construir
respostas integradas, buscando manter a unidade da empresa frente à pressão
crescente de fragmentação interna.
O crescimento da IELB entre 1808 e 2012 proporcionou o aumento da
diversidade, como veremos adiante, em função de novas tecnologias, perfis de
livrarias, editoras e tipos de títulos lançados anualmente. Essa ampliação da
diversidade tem impactos no nível de competição e no relacionamento entre os
participantes da IELB.
35
2.2.4 Provisionamento de Recursos Humanos
Penrose (1959) afirma que os serviços produtivos disponíveis nos recursos da
organização estão positivamente correlacionados ao nível de conhecimento da
empresa. Quanto maior o conhecimento das propriedades dos recursos, formas de
utilização e combinação com outros recursos, maiores serão as possibilidades de
uso desses recursos que, por sua vez, mais valiosos se tornam (PENROSE, 1959).
E esse conhecimento encontra-se primordialmente nos recursos humanos da
empresa (PENROSE, 1959). Logo, o nível de capacitação e a heterogeneidade do
quadro de funcionários da empresa influencia diretamente a capacidade de a
organização extrair serviços produtivos dos demais recursos físicos e tecnológicos à
sua disposição. Com isso, a criação de valor pela organização está diretamente
ligada à sua competência para identificar e recrutar talentos.
Por outro lado, Penrose (1959) aponta que a principal restrição ao crescimento
de qualquer empresa é a limitação do corpo gerencial atual da empresa. A autora
afirma que a simples expansão no quadro de gestores, através do recrutamento de
pessoas fora da organização, não soluciona a carência de serviços gerenciais
necessários ao crescimento. Isso ocorre porque a capacidade de oferecer serviços
gerenciais também decorre da experiência e conhecimento do modus operandi da
organização e do entrosamento construído ao longo do tempo (PENROSE, 1959).
O desafio de provisionar recursos humanos é justamente manter a empresa
abastecida de funcionários cujas habilidades sejam complementares e valiosas no
sentido de contribuir efetivamente no processo de criação e captura de valor pela
empresa (FLECK, 2009). Isso significa observar o tempo necessário à formação
profissional de cada tipo de recurso que a empresa pretende adicionar ou substituir.
Logo, promoções internas precisam ser planejadas no sentido de preparar os novos
profissionais com os requisitos necessários ao exercício daquela nova função. Por
outro lado, novos profissionais contratados precisam receber formação adequada
em termos de treinamento e capacitação. Com isso, a organização cria condições
internas para sua própria expansão.
É preciso dimensionar tanto a variedade no perfil de funcionários quanto a
quantidade, visto que um quadro superdimensionado promove ineficiências ao
passo que uma estrutura funcional subdimensionada fomenta estresse excessivo e
36
compromete a qualidade do trabalho (FLECK, 2010a). Fleck (2010a) também aponta
que atribuir atividades pouco desafiantes a funcionários muito qualificados pode
trazer frustrações e desestimular o engajamento na empresa. Por outro lado, delegar
tarefas acima da capacidade de determinado funcionário pode criar os mesmos
efeitos, além de colocar em risco a qualidade da execução das tarefas que lhe são
atribuídas (FLECK, 2010a).
Logo, é preciso mapear continuamente as necessidades de recursos humanos
da empresa tendo em vista realocar, reter, formar ou contratar novos funcionários
cujas habilidades e/ou experiência estejam adequadas às suas respectivas funções
e que, ao mesmo tempo, contribuam para o desenvolvimento de competências
novas ou atuais dentro da organização (FLECK, 2009).
As ambições e anseios profissionais dos funcionários também exigem que a
organização atente para conciliação das demandas internas da empresa por
serviços técnicos e gerenciais com as perspectivas de crescimento e carreira dos
funcionários. A incapacidade de a empresa atrair, formar, reter e direcionar talentos,
no tempo adequado, pode comprometer a disponibilidade de recursos técnicos e
gerenciais, fundamentais para a continuidade da organização no longo prazo
(FLECK, 2009).
Conforme aponta Fleck (2010a), equacionar a adequação entre prazo de
formação de gerentes e as necessidades da empresa, a alocação adequada dos
funcionários, de acordo com suas qualificações, e a gestão das ambições pessoais
mostra-se uma tarefa contínua e complexa, mas ao mesmo tempo fundamental para
a integridade organizacional no longo prazo.
2.2.5 Complexidade
O desafio da complexidade está diretamente relacionado à capacidade da
organização resolver questões que envolvam muitos processos e variáveis
interdependentes (FLECK, 2009). Essa interdependência entre diferentes elementos
exige maior esforço das organizações para compreender e avaliar corretamente as
dificuldades que emergem, e como enfrentá-las eficazmente. A capacidade de
37
julgamento da organização é diretamente influenciada pelo nível de complexidade
ao qual a empresa está exposta.
Dessa forma, o desafio da complexidade afeta diretamente a competência da
organização em responder a todos os demais desafios do crescimento.
O aumento da complexidade acontece a partir de mudanças internas ou
externas à organização. Essas transformações podem ampliar a complexidade de
pelo menos duas formas. A primeira consiste no aumento da quantidade de
conexões que a empresa precisa considerar para conduzir seu negócio. A outra
forma é o aumento da velocidade de resposta exigido por essas conexões.
De forma geral, o crescimento da empresa normalmente resulta em algum nível
de aumento na complexidade. Isso ocorre, porque quando uma organização cresce,
muitas vezes termina por atrair outros competidores. O crescimento também resulta
muitas vezes na ampliação de clientes e de fornecedores com quem a empresa se
relaciona. Internamente, o crescimento pode levar ao aumento na quantidade e
heterogeneidade dos recursos internos, na criação de novas unidades de negócio,
de novos departamentos, de novos processos, etc.
O tipo de crescimento (FLECK, 2000) que a organização experimenta
influencia nessas duas formas principais de ampliação da complexidade (quantidade
de conexões e velocidade dessas conexões). O crescimento inercial, por exemplo,
não promove mudanças significativas no nível de complexidade da empresa, uma
vez que consiste apenas na replicação de processos e produtos já estabelecidos
(FLECK, 2000). Por outro lado, o crescimento dialético pode levar a organização à
diversificação de seus mercados, ao uso de novas tecnologias e/ou à adoção de
novos processos que, por sua vez, podem exigir maior quantidade de informações e
prazo mais curto para tomadas de decisão pela organização.
A dificuldade da organização em responder ao desafio da complexidade
também interfere nas dinâmicas de crescimento (FLECK, 2000) que a empresa vai
experimentar. Respostas ad hoc, baseadas em pouca informação e análises mais
estruturadas da dinâmica interna e externa à organização, podem conduzi-la a tentar
reduzir seu nível de complexidade pela adoção de decisões simplistas. Continuar
fazendo “mais do mesmo”, ou restringir seu relacionamento a poucos fornecedores
(ou compradores) pode não ser uma resposta saudável que aumente as chances de
sucesso da organização no longo prazo.
38
Mudanças no ambiente institucional também podem aumentar a complexidade
para a organização. A criação de novas instâncias do governo ou da sociedade, com
as quais a organização precisa se relacionar e prestar contas de suas atividades,
também pode mudar o nível de complexidade para a organização. A promulgação
de novas leis que mudam ou aumentam as exigências (compliance) legais e
regulatórias, acerca das atividades da organização, também pode elevar
significativamente a complexidade enfrentada pela organização.
Nesse sentido, Fleck (2009) sugere que é preciso estabelecer processos
sistemáticos de coleta de informações, análise, decisão e implementação das
decisões tomadas. A resolução de problemas precisa ser baseada em processos de
aprendizado, com buscas abrangentes por soluções criativas que favoreçam a
capacidade de resposta aos outros desafios (FLECK, 2009).
A complexidade tem papel central no desenvolvimento da IELB, na sua
capacidade de criação de valor e nas dinâmicas de crescimento (FLECK, 2000) que
ela experimentou ao longo dos anos.
2.2.6 Modelo
para
o
desenvolvimento
de
propensão
à
autoperpetuação
organizacional
Esses desafios estão interconectados entre si e operam como engrenagens
que movimentam a empresa no sentido da autoperpetuação ou da autodestruição.
Na figura 2-7, Fleck (2009) organizou as principais inter-relações entre os desafios,
na forma de condições necessárias à condução da empresa ao sucesso de longo
prazo e ao desenvolvimento de propensão à autoperpetuação. O sucesso de longo
prazo está diretamente ligado à capacidade da organização em estabelecer
processos de crescimento e renovação que preservem a integridade organizacional.
Para a IELB, o sucesso de longo prazo significa expandir-se na velocidade
permitida pela disponibilidade de recursos financeiros, operacionais e gerenciais.
Mas, além de observar o limite dos recursos acessíveis à IELB, é preciso também
monitorar a emergência de traços de crescimento não saudável que possam
comprometer seu desenvolvimento de propensão à autoperpetuação .
39
Figura 2-7: Modelo com os requisitos para o desenvolvimento da propensão à
autoperpetuação organizacional
Fonte: Fleck (2009)
Ao analisarmos a IELB verificamos a existência de novos caminhos para o
crescimento e renovação ao longo de sua história, proporcionados por alguns
fatores que abordaremos adiante. Porém, resta compreender se as respostas da
IELB aos desafios do crescimento favorecem a criação de bases sustentáveis as
quais não ameaçam sua integridade no longo prazo.
40
3 MÉTODO
Segundo Fleck (2010c), o processo de pesquisa é formado por quatro pilares:
pergunta de pesquisa, referencial teórico, objeto de pesquisa e método.
O primeiro passo na construção deste trabalho foi a escolha do objeto a ser
pesquisado, isto é, a indústria editorial brasileira de livros (IELB). Em seguida,
procedeu-se com a demarcação do período da história da IELB a ser analisado,
definindo-se o intervalo entre 1808 e 2012.
O terceiro passo foi identificar que tipo de arcabouço teórico poderia nos
auxiliar na identificação de conexões e pontos relevantes na história da IELB que
pudessem efetivamente contribuir para a compreensão do seu processo de
crescimento. Nesse sentido, selecionamos o modelo teórico dos arquétipos de
fracasso e sucesso organizacional desenvolvido por Fleck (2009) como eixo central
de análise. Outras teorias ligadas ao campo do crescimento e estratégia
empresariais também foram empregadas com o objetivo de complementar a análise.
A partir da análise dos fatos e evidências coletados e analisados à luz do
modelo dos arquétipos de fracasso e sucesso organizacional, pudemos finalmente
formular a pergunta a partir dos insights e descobertas mais interessantes da
pesquisa:
Em que medida a IELB desenvolveu traços de crescimento saudável ao longo
de sua existência?
Para respondermos a esta pergunta, foi preciso responder primeiro a outras
três perguntas secundárias:
1. Que fatores têm limitado e/ou propelido o crescimento da IELB ao longo de
sua existência?
2. Que tipo de crescimento tem a IELB experimentado ao longo de sua
existência?
3. De que maneira tem a IELB respondido aos desafios do crescimento ao
longo de sua existência?
41
3.1 COLETA DE DADOS
A estrutura da pesquisa foi organizada em duas etapas chaves: coleta e
análise dos dados.
O período de análise escolhido para esta pesquisa englobou a história da IELB
de 1808 até 2012. A amplitude do intervalo de tempo escolhido e a relativa carência
de dados sobre as organizações que participaram da IELB nesse período foram o
primeiro desafio desta pesquisa. A abrangência exigiu que recorrêssemos a diversas
fontes de informação para assegurar que a quantidade e a qualidade de evidências
coletadas seriam suficientes para garantir a consistência da análise.
Dessa forma, as fontes consultadas foram:

Livros, pesquisas acadêmicas e artigos com fatos e dados da história
da IELB no período analisado.

Arquivo histórico digitalizado do jornal O Estado de São Paulo entre
1875 e 2012.

Relatórios setoriais divulgados por entidades representativas das
organizações que atuam na IELB.

Reportagens e matérias sobre a IELB disponibilizadas por outros
periódicos na rede mundial de computadores.

Entrevistas em profundidade com diversos participantes da IELB.
As diferentes fontes de fatos e evidências foram organizadas em dois grupos:
arquivo histórico (englobando as três primeiras fontes listadas acima) e entrevistas.
Para facilitar a organização das informações coletadas adotou-se a estratégia
de temporal bracketing (LANGLEY, 1999), isto é, a divisão do tempo em fases para
direcionar a coleta e, principalmente, facilitar a análise dos dados. Assim, a história
da IELB foi dividida em quatro fases (ou períodos): 1° fase (1808 – 1920), 2° fase
(1920 – 1960), 3° fase (1960 – 1990) e 4° fase (1990 – 2012). A escolha dos
intervalos de cada período foi baseada na similaridade de características,
acontecimentos e mudanças que marcaram o processo de crescimento da IELB em
cada um desses períodos.
42
3.1.1 Arquivo histórico
Todos os livros empregados na pesquisa foram adquiridos, tendo em vista a
necessidade de recorrer-se constantemente a eles ao longo de todo o processo de
pesquisa. Esses livros também foram importantes para aprofundar o tema e
conhecer melhor o funcionamento da IELB.
Parte desses livros foi importante apenas no processo de familiarização com
o tema. Mas outra parte constituiu a principal fonte de informação da categoria
“arquivo histórico”, contribuindo com dados e fatos valiosos para a análise. Os títulos
mais importantes para o levantamento de evidências desta pesquisa estão listados
na figura 3-1, logo abaixo.
Fase da IELB
Todas as fases
Título
ABREU, M; BRAGANÇA, A. (Org). Impresso no Brasil: Dois séculos de
livros brasileiros. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
2° e 3° fase
ANDRADE, O. S. O livro brasileiro, progressos e problemas (1920-1971).
Rio de Janeiro: Paralelo; INL/MEC, 1974.
1°, 2° e 3° fase
HALLEWELL, L. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 1985.
Todas as fases
PAIXÃO, F. (Ed.). Momentos do livro no Brasil. São Paulo: Ática, 1998.
2° fase
REIMÃO, S. Mercado Editorial Brasileiro (1960 – 1990). São Paulo: ComArte, Fapesp, 1996.
4° fase
SÁ EARP, F. ; JORNIS, G. A economia da cadeia produtiva do livro. Rio de
Janeiro: BNDES, 2005.
Figura 3-1: Principais livros utilizados na pesquisa
Além dos livros, a pesquisa sobre a história da IELB também recorreu ao
levantamento de fatos e dados em teses e dissertações. Essa pesquisa revelou que
existem poucos trabalhos acadêmicos abordando a IELB dentro da área de
Administração. Isso nos levou a ampliar a busca para outros campos de estudo,
principalmente nas áreas de Comunicação Social e Literatura. A maior parte dessas
teses foi acessada através da rede mundial de computadores, pelo banco de teses
virtual das principais universidades brasileiras.
43
Ao longo dessa pesquisa também foram considerados artigos acadêmicos
publicados em congressos, ou periódicos, normalmente ligados às áreas de
Comunicação Social e Literatura.
Em seguida, foi realizada uma busca sistemática no arquivo digital do jornal O
Estado de São Paulo sobre matérias e artigos publicados entre 1875 e 2013
referindo-se à IELB. O objetivo da pesquisa no acervo desse jornal foi encontrar
matérias que abordassem a IELB pela perspectiva econômica, isto é, sob uma visão
dos aspectos ligados ao negócio do livro. Entre as centenas de matérias e artigos
encontrados foram selecionados 127 para análise. Essa seleção baseou-se na
relevância dos fatos e dados apresentados nessas matérias e artigos para a
compreensão da história da IELB. Todas as matérias empregadas na análise estão
listadas separadamente ao final deste trabalho, na seção “referências”.
Tema da Matéria
Agente
Fala como é triste considerar que o
Brasil ainda não fabriaca papel
Papel
sendo imenso o consumo
alimentado pela importação de
papel importado.
Fábrica de papel I
Fábrica de papel II
Ano
Fonte
Link
http://acervo.estadao.com.br
O ESTADO DE S. PAULO:
/pagina/#!/18780525-978-nac1878 PÁGINAS DA EDIÇÃO DE 25 DE
2-999-2MAIO DE 1878 - PAG. 999
not/busca/fabrica+papel
Papel
http://acervo.estadao.com.br
O ESTADO DE S. PAULO:
/pagina/#!/18800923-16721880 PÁGINAS DA EDIÇÃO DE 23 DE
nac-0001-999-1SETEMBRO DE 1880 - PAG. 1
not/tela/fullscreen
Papel
http://acervo.estadao.com.br
O ESTADO DE S. PAULO:
/pagina/#!/18800926-16751880 PÁGINAS DA EDIÇÃO DE 26 DE
nac-0001-999-1SETEMBRO DE 1880 - PAG. 1
not/tela/fullscreen
Figura 3-2: Tabela com as matérias do jornal O Estado de São Paulo selecionadas para a etapa
de análise
Por fim, foram consultados os relatórios setoriais organizados pelas principais
entidades de classe da IELB (SNEL, CBL, ANL e Abrigraf), os sites com informações
macroeconômicas do Ipeadata e do IBGE e outros sites para complementar a coleta
de dados realizada para esta pesquisa.
44
3.1.2 Entrevistas
As entrevistas em profundidade foram a principal fonte de dados sobre a 4°
fase da IELB e foram realizadas com profissionais que atuam em diferentes
atividades. Procurou-se diversificar os tipos de profissionais por setor e empresa,
tencionando proporcionar uma gama mais consistente de perspectivas sobre as
questões chaves relacionadas à IELB. O desafio aqui foi encontrar candidatos dos
diferentes setores que formam a cadeia produtiva da IELB. Foram realizadas um
total de 41 entrevistas com autores, editoras, livrarias, agentes literários, gráficas e
distribuidores. A lista com perfil dos entrevistados pode ser observada na figura 3-3.
45
Entrevistado
Aníbal Bragança
Eduardo Salomão
Marcos Alvito
Julio Ludemir
Angela Dutra
Lucio Pompeu
Mariana Zahar
Alice
Antonio Araújo
Ivan Santanna
Ana
Juliana
Herlon Pinheiro
Valéria Martins
João
Theobaldo
Cláudio Marques
Mauro
Milena
Milena
Bruno
Renato Bastos
Antonio Carlos
Marcos Pereira
Cristiana
Gerson
Solange
Antonio Carlos
Antonio Carlos Pai
Sônia Jardim
Cleber
Bartolo
Marcus Gasparian
Isa Pessoa
Mônica
Daniel Louzada
Ivo Camargo
Samuel Siebel
Marcelo Levy
Frederico Indiani
Ricardo Schill
Entrevistado
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
Setor
AUTOR
EDITORA
AUTOR
AUTOR
AUTOR
EDITORA
EDITORA
AUTOR
EDITORA
AUTOR
Cargo
N/A
Proprietário
N/A
N/A
N/A
Diretor de operações
Proprietário
N/A
Diretor executivo
N/A
Coordenador editorial
EDITORA
Coordenador editorial
EDITORA
Gerente comercial
AGENTE LITERÁRIO
Proprietário
Coordenador editorial
EDITORA
Gerente comercial
EDITORA
Diretor comercial
GRÁFICO
Diretor executivo
LIVRARIA
Proprietário
LIVRARIA
Proprietário
GRÁFICO
Gerente de operações
EDITORA
Gerente comercial
LIVRARIA
Proprietário
EDITORA
Sócio
LIVRARIA
Proprietário
DISTRIBUIDOR
Ex-diretor comercial
LIVRARIA
Proprietário
LIVRARIA
Proprietário
LIVRARIA
Proprietário
EDITORA
Diretor de operações
DISTRIBUIDOR
Representante comercial
LIVRARIA
Proprietário
LIVRARIA
Sócio
EDITORA
Proprietário
AGENTE LITERÁRIO
Sócio
LIVRARIA
Gerente comercial
DISTRIBUIDOR
Ex-distribuidor
LIVRARIA
Sócio
EDITORA
Diretor comercial
LIVRARIA
Diretor comercial
LIVRARIA
Gerente comercial
Duração
01:14
01:42
01:40
02:43
01:05
02:15
01:46
00:48
01:49
03:13
Data
22/05/2012
11/07/2012
01/08/2012
13/08/2012
13/08/2012
29/08/2012
31/08/2012
12/09/2012
13/09/2012
17/09/2012
03:03
18/09/2012
02:15
00:52
20/09/2012
25/09/2012
03:34
03/10/2012
02:33
00:45
01:09
01:31
03:04
01:47
01:30
00:38
01:05
01:25
01:47
00:46
00:56
02:34
01:59
01:52
01:41
01:56
02:09
03:09
02:15
01:04
01:07
02:00
00:59
08/10/2012
11/10/2012
23/10/2012
27/10/2012
30/10/2012
30/10/2012
31/10/2012
05/11/2012
06/11/2012
07/11/2012
11/11/2012
12/11/2012
12/11/2012
19/11/2012
23/11/2012
23/11/2012
26/11/2012
28/11/2012
30/11/2012
04/12/2012
04/12/2012
05/12/2012
07/12/2012
07/12/2012
18/12/2012
Figura 3-3: Lista de entrevistados da IELB para a pesquisa
*As células mescladas representam entrevistas feitas simultaneamente com mais de um entrevistado.
N/A = não se aplica.
46
As entrevistas foram conduzidas com perguntas abrangentes, buscando não
direcionar as respostas dos entrevistados, deixando-o discorrer sobre o tema
abordado na maior parte do tempo.
Para afastar ao máximo qualquer tipo de viés das respostas, foram evitadas
sistematicamente perguntas do tipo “confirmativa”, como, por exemplo, “Você acha
que o preço do livro é caro?”, elaborando em seu lugar indagações “abertas” como,
por exemplo, “O que você acha do preço do livro?”.
Ao todo foram 41 entrevistas e 39 entrevistados, somando 69 horas e 40
minutos de entrevistas no total. Entre as 39 entrevistas, 36 foram presenciais, uma
por telefone e duas por Skype. Todas as entrevistas foram gravadas, com exceção
de uma que foi realizada por telefone. Após a gravação, todas as entrevistas foram
integralmente transcritas para posterior análise e recorte dos trechos relevantes para
a pesquisa.
3.2 ANÁLISE DOS DADOS
Depois de finalizada a etapa coleta dos dados do arquivo histórico e das
entrevistas procedeu-se à seleção e tratamento desses dados para a análise.
Os fatos e dados considerados importantes foram destacados dos arquivos
históricos e das entrevistas transcritas e organizadas por fase, em tabelas do Excel
para compor a tabela final com os eventos importantes que seriam considerados na
análise.
A partir dessas tabelas, iniciou-se o processo de classificação das informações
coletadas e selecionadas, relacionando-as com o eixo central de análise, isto é, com
o modelo teórico dos arquétipos de fracasso e sucesso organizacional desenvolvido
por Fleck (2009).
47
Descrição
Fase
Enterprising Navigating
Quando se cria a lei de proteção do direito do autor, se cria a
possibilidade do autor alienar o direito de fruição da sua produção, da
sua obra, do seu conteúdo que hoje a gente está chamando né, a
4° fase
produção de conteúdo com exclusividade para alguém. Então a proteção
do direito do autor ela é a pedra fundamental da indústria editorial.
x
Hoje a crítica literária não tem mais isso, posso dizer que há 20 anos atrás
quando publicava um livro e conseguia um espaço promocional na Veja,
4° fase
no caderno ideia jornal do Brasil, no verso e prosa, no caderno Mais do
Estadão, pô ajudava a vender o meu livro. Hoje em dia não ajuda mais.
x
Outro impacto que isso trouxe é o seguinte, não tem mais que digitar o
livro, o processo de produção é muito mais rápido, o que permite a
gente uma flexibilização maior, uma agilidade maior, e uma agilidade
maior significa em vez de eu fazer o livro em 24 meses, eu posso fazer o
4° fase
livro em 12. Quando eu posso fazer em 12 meu potencial econômico
aumenta porque em vez de eu ter capital referente àquela publicação
bloqueada por 24 meses, eu passo a ter por 12 meses, eu passo a ter a
possibilidade de fazer dois livros gerando capital nesse mesmo tempo.
x
Impressão sob demanda é uma promessa que não se materializou pra
indústria editorial. isso já existe há 10 anos com a primeira geração de
máquina produzidas pela xerox, fundação da biblioteca nacional, pra que
4° fase
compraram aquelas máquinas (mão batendo uma contra a outra), aí
botavam lá exposição na bienal, o futuro é esse, cadê? Se materializou?
Não se materializou.
A receita federal considera que o livro eletrônico tem que pagar imposto
porque o livro por definição ele é composto pelo menos 48 páginas
impressas com algum tipo de acabamento, costura, cola, tem que ter
uma capa, e o livro eletrônico não tem nada disso. Então os editores
4° fase
defendem num congresso a equiparação do livro eletrônico ao livro.
Todo mundo é simpático, todo mundo é ótimo, mas alguém tem que
assinar embaixo.
HR
Motor CoDiversity Complexity
Provisioning
evolução
x
x
x
x
Figura 3-4: Tabela de classificação dos dados de acordo com os desafios
O processo de associação dos fatos e dados importantes aos desafios do
crescimento conduziu o processo de reflexão sobre como a IELB evoluiu.
Inicialmente, essas reflexões foram realizadas por fase para simplificar a
manipulação dos dados e a articulação de ideias e conexões. Em seguida,
conectaram-se todas as quatro fases, sintetizando efetivamente a análise que está
descrita no capítulo “análise” deste trabalho.
3.2.1 Limitações da pesquisa
Esta pesquisa não foi exaustiva nem tampouco se pretende completa e
inequívoca, principalmente pela abrangência do período analisado. Além disso,
diferentemente das informações coletadas em entrevistas, as informações presentes
48
nos arquivos históricos muitas vezes não oferecem o detalhamento necessário para
garantir maior consistência da análise.
A pesquisa também não conseguiu acesso aos dados financeiros das
empresas da IELB em nenhuma das quatro fases. Tampouco localizamos relatórios
divulgados ao mercado que pudessem conter esse tipo de informação. Com isso,
nossa análise não consegue estabelecer nenhum tipo de associação entre as
respostas da IELB aos desafios do crescimento e o desempenho financeiro dessas
empresas.
Na literatura acessada, também são poucos os números e os fatos da indústria
que retratam as condições de empresas dos setores da indústria do livro ao longo da
história. A maioria dos trabalhos dedica-se a outras dimensões de análise
normalmente voltadas para as áreas de comunicação e literatura. Naturalmente, não
esgotamos a literatura disponível sobre a história da indústria do livro, mas
aparentemente existem poucas informações sobre as estratégias adotadas pelos
setores que formam a IELB, restringindo com isso a consistência da análise.
Não conseguimos entrevistar nenhum profissional da área de distribuição
digital. Também entrevistamos poucos profissionais da área gráfica. Essa carência
de informações primárias desses dois participantes da IELB enfraquece alguns
pontos da análise que ficaram restritos às informações localizadas em arquivos
históricos.
Este trabalho não levou em consideração outros canais de vendas além das
livrarias, como supermercados, bancas de jornal, etc. Essa preferência deve-se à
carência de informação desses canais e sua baixa representatividade em relação às
livrarias que em 2011 atendiam por mais de 80% das vendas (FIPE, 2012).
Entre os cinco desafios do crescimento propostos por Fleck, (2009), não
dispomos de dados suficiente para analisar o desafio “provisionamento de recursos
humanos” da IELB e, por isso, esse desafio ficou fora do escopo de análise desta
pesquisa.
A carência de indicadores e informações históricas sobre a IELB impediu a
identificação do seu crescimento em relação ao PIB, nos diferentes períodos
analisados, impedindo a comparação do seu nível de desempenho entre as quatro
fases analisadas.
49
Está fora do escopo desta pesquisa a indústria editorial de livros fora do Brasil.
Nesse
sentido,
não
foram
feitas
investigações
para
se
compreender
o
funcionamento da indústria editorial em outros países.
50
4
CARACTERIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA IELB
Para entendermos como a indústria editorial brasileira de livros (IELB) se
desenvolveu, precisamos analisar quatro pontos centrais que formam o fio condutor
do presente trabalho. Em primeiro lugar, é preciso identificar a estrutura atual da
IELB e as principais funções (PENROSE, 1959) que ela desempenha. Essas
funções estabelecem, em última análise, como a IELB cria e captura valor (LEPAK;
SMITH; TAYLOR, 2007). Em segundo lugar, é preciso identificar quais os grupos de
empresas exerceram cada uma dessas funções dentro da IELB ao longo da história.
Esses grupos serão denominados “agentes transformadores”. As empresas que
apenas fornecem insumo ao exercício das funções da IELB foram agrupadas como
“fornecedores de insumo”. Os agentes transformadores e os fornecedores de
insumo concentram os principais recursos, isto é, serviços potencias (PENROSE,
1959) necessários ao funcionamento da IELB.
Em seguida, vamos analisar a influência de forças limitantes e propulsoras
sobre o desempenho dessas funções ao longo do tempo. O passo seguinte é
identificar como a IELB cresceu em cada fase de sua história, em virtude da atuação
dessas forças externas e pela dinâmica interna de relacionamento entre seus
participantes (agentes transformadores). Por fim, é preciso entender quais os efeitos
proporcionados por esse crescimento e como a IELB respondeu a esses efeitos,
através da análise abrangente de suas respostas aos desafios do crescimento
propostos por Fleck (2009).
4.1 ESTRUTURA E FUNÇÕES DA IELB
4.1.1 Estrutura Atual
A IELB é formada basicamente por dois grupos de participantes: agentes
transformadores e fornecedores de insumos. No ambiente externo à IELB,
localizam-se o mercado real, formado pelos os compradores e leitores atuais; o
mercado potencial, constituído pelos compradores e leitores potenciais; o ambiente
51
institucional, influenciado pelas políticas públicas do governo e o ambiente
tecnológico.
Os agentes transformadores são os autores, agentes literários, editoras,
gráficas, distribuidores (incluindo atacadistas), livrarias físicas, livrarias virtuais e
distribuidores digitais. Eles são os responsáveis por extrair os serviços produtivos
(PENROSE, 1959) dos recursos disponíveis e combiná-los entre si para
desempenhar as funções da IELB.
As setas numeradas da figura 4-1 indicam a sequência predominante de
etapas no relacionamento entre os agentes transformadores para fazer com que
ideias, descobertas, opiniões, histórias e conhecimento se transformem em livros
disponíveis para compradores e leitores.
O grupo “fornecedores de insumos” é formado pelos fabricantes de papel,
fabricantes de máquinas e equipamentos gráficos e pelos fabricantes de leitores
digitais. Esses constituem os principais fornecedores de insumos da IELB. Os
fornecedores de papel e de máquinas e equipamentos abastecem as gráficas. Os
fabricantes de leitores digitais fornecem a plataforma, a partir das qual os
distribuidores digitais podem distribuir os livros eletrônicos.
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Figura 4-1 – Estrutura da IELB e seu ambiente externo em 2012
As setas numeradas representam a ordem básica do fluxo de atividades que
culminam no produto final (output) resultante dessa cadeia de transformação que
hoje consiste basicamente no livro físico ou digital. O advento do livro digital
modificou algumas etapas do processo produtivo tradicional. Por isso, vamos dividir
os fluxos de atividades em dois processos centrais: tradicional (setas contínuas) e
digital (setas tracejadas), conforme exibido na figura 4-1. O fluxo tradicional do livro
físico nasce das ideias dos autores e seguem para as editoras via próprio autor ou
agentes literários (setas n.° 1). Essas ideias são selecionadas e aperfeiçoadas pelas
editoras, para então serem impressas pelas gráficas na forma de livro (seta n.°2).
Depois de impressos, esses livros seguem diretamente para as livrarias,
distribuidores físicos e digitais (setas n.° 3), para finalmente serem disponibilizados
aos compradores e leitores (seta n.° 4).
No fluxo do livro digital, as ideias dos autores podem seguir tanto para as
editoras
quanto
diretamente para os distribuidores digitais
na forma
da
autopublicação (seta n.°1 tracejada). Quando os textos passam primeiro pelas
editoras, eles são submetidos ao mesmo processo de seleção e aperfeiçoamento
53
que verificamos no fluxo tradicional. Essa etapa não muda. Em seguida, as editoras
encaminham esse livro digitalizado para os distribuidores digitais (seta n.° 3
tracejada) para então serem disponibilizados para aqueles compradores e leitores
que utilizam um leitor digital (seta n.° 4 tracejada).
Os compradores e leitores atuais representam o tamanho do mercado real, isto
é, a quantidade de consumidores já existentes no mercado. O mercado de clientes
potencial consiste no tamanho do mercado nominal, ou seja, o total de possíveis
compradores e leitores que estão aptos ao consumo dos produtos da IELB, mas
que, por algum motivo, não o fazem. É um importane fator delimitador do “limite
superior” até onde a IELB pode crescer.
A tecnologia (ou ambiente tecnológico) representa as forças externas que
influenciaram nas técnicas, processos, meios e métodos de execução das atividades
da IELB. A tecnologia aumenta a velocidade e a eficiência com que as atividades da
IELB são executadas, mas também amplia a facilidade com que elas podem ser
reproduzidas (pirateadas).
As políticas públicas do governo constituem o grupo de forças externas que
atuam sobre o nível de instrução, acesso e estímulo à leitura; no nível de renda da
população e sua respectiva capacidade de consumo; nas empresas dentro da IELB,
principalmente através de medidas que alteram impostos, taxa de câmbio, inflação
ou outros fatores que impactem no nível de atividade da IELB.
Dessa forma, podemos afirmar que as políticas públicas do governo, a
tecnologia, o tamanho do mercado real e o tamanho nominal do mercado constituem
as principais fronteiras que cercam o desenvolvimento da IELB. A figura 4-2 ilustra
esse contexto. As setas indicam o grupo de forças da tecnologia e das políticas
públicas do governo sobre o processo produtivo da IELB e sobre o tamanho do
mercado real e nominal. Falaremos com mais profundidade dessas forças no
capítulo cinco.
54
Figura 4-2 – Dimensões externas que circunscrevem a atuação da IELB. As setas representam
as forças externas que atuam sobre a IELB e o mercado
4.1.2 Funções da IELB
Após entendermos a estrutura atual e as principais dimensões que influenciam
a IELB, vamos analisar quais são as principais funções decorrentes de suas
atividades.
Segundo Penrose (1959), os recursos em si: tipos de papel, máquinas gráficas,
originais, tradutores, designers, scouts1, distribuidores, livrarias, agentes literários,
editores, leitores digitais (e-reader) etc. são apenas uma compilação de serviços
potencias. Os recursos apenas contribuem para o exercício de uma função ao
1
Scout é o profissional que fica baseado nos mercados literários mais importantes e indica títulos e
tendências para as editoras. Por vezes até negociam os direitos em nome das casas editorias que
representa (para mais detalhes: http://publishnews.com.br/telas/noticias/detalhes.aspx?id=66399)
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definir-se a forma e o propósito com que serão empregados e combinados com
outros recursos em algum processo criativo e/ou produtivo. São essas funções que
efetivamente criam valor (LEPAK; SMITH; TAYLOR, 2007).
Ao analisarmos o conjunto de atividades da IELB, verificamos a existência de
quatro funções centrais: criação, seleção, produção e distribuição. Essas quatro
funções combinadas respondem pela capacidade de a IELB criar valor para os
compradores e leitores.
A função “criação” consiste na atividade intelectual que molda ideias em
conteúdos cujo nível de ineditismo e facilidade de apropriação desperte o interesse
de possíveis compradores e leitores (LEPAK; SMITH; TAYLOR, 2007). Por outro
lado, esse interesse do cliente pelo conteúdo precisa se traduzir em dispêndio de
recursos financeiros para adquiri-lo.
O principal agente transformador da função “criação” são os autores. A maioria
dos livros nasce a partir de alguma proposta sugerida por algum autor. Cabe a eles,
através de suas habilidades intelectuais e literárias, traduzir ideias e pensamentos
em textos que despertem o interesse de compradores e leitores.
As editoras também participam da função “criação” na medida em que muitas
vezes são elas que propõem as ideias a serem desenvolvidas pelos autores, ou
ainda pelas contribuições que melhoram o texto ou o tornam mais acessíveis aos
leitores:
De fato, e não só como “editor de texto” ou “diretor de texto”, como garante
Houaiss, mas a figura plena do editor poderia estar incluída no conceito
“amplo” de autor. Pois, afirmamos nós, todos os livros são produto da ação
combinada do autor e do editor. Às vezes gestados mais pelo autor, outras
vezes criados pelo editor. Nesta última situação, por exemplo, pode-se
incluir muitas obras conhecidas de referência, como enciclopédias,
dicionários, atlas geográficos, almanaques, coletâneas de textos, antologias
literárias, etc., que, não por acaso, recebem no título, muitas vezes, o nome
dos editores, como se autores fossem. [...]
Mesmo em situações nas quais o editor não tem qualquer pretensão de
coautoria, são inúmeros os exemplos da sua velada intervenção, junto ao
autor, no texto, inclusive em livros que se tornaram famosos. E todos os que
já publicaram livros podem dar testemunhos da participação do editor em
suas obras, em algumas desde a concepção. (BRAGANÇA, 2005, p. 222223)
Um exemplo emblemático de intervenção das editoras na função “criação” é a
tradução de textos. O serviço de tradução é indispensável para aumentar o grupo de
clientes interessado, participando diretamente da função “criação”. Essa atuação
56
das editoras na gênese dos originais almeja muitas vezes refinar as ideias e
propostas dos autores com sua perspectiva do livro como produto a ser
comercializado. A participação na criação pelos editores reflete-se na aproximação
do texto idealizado pelo autor com o perfil do leitor em termos de fluência de leitura,
clareza de ideias e facilidade de consumo.
A função “seleção” pode ser descrita como a escolha das ideias que serão
encaminhadas para o contato com os leitores na forma de livro. Na IELB essa
função é muito importante tendo em vista que ela reduz significativamente a
quantidade de opções disponíveis, facilitando assim a decisão do cliente. O principal
agente responsável pela função “seleção” dentro da IELB são as editoras:
Funcionam, pois, os editores como um filtro no elo entre autor e leitor. Filtro
que pode ser uma barreira intransponível entre um escritor, com um
manuscrito, e um autor, e os leitores, mas que pode, também, ser a ponte
entre um escritor inédito e um autor consagrado e lido. (BRAGANÇA, 2005,
p. 224)
Porém, esse papel de filtro das editoras só consegue efetivamente criar valor
para o cliente quando os critérios empregados no processo de seleção estão
alinhados com as preferências do cliente, mesmo que este ainda não tenha plena
consciência de que preferências são essas. As editoras impedem que o limite de
publicações se torne equivalente ao limite de novas ideias escritas pelos autores, o
que tornaria o processo de identificação e escolha de um livro possivelmente mais
difícil e custoso. Especialmente para um produto como o livro, cujo processo de
avaliação pelo cliente não é tão simples e rápido como outros bens de consumo
caso seja feito sem indicação prévia ou pré-seleção.
A partir da década de 1980, emerge a figura do agente literário que se
estabelece como mais um participante da IELB. O agente literário também executa a
função “seleção” ao direcionar melhor as obras de seus autores para as editoras que
efetivamente possam se interessar. Segundo Gabriel Zaid “muitos autores enviam
seus escritos para uma editora sem antes informarem-se sobre sua linha editorial e
seu catálogo. Isso é como falar sem escutar” (ZAID, 2004, p. 39). Nesse sentido, os
agentes literários organizam e direcionam melhor essa comunicação entre autores e
editoras. Assim, eles economizam tempo e recursos das editoras ao reduzirem as
possibilidades de originais inadequados enviados para avaliação. Isso significa que
57
os agentes literários podem tornar o processo de escolha das editoras mais simples
e preciso.
As livrarias também desempenham a função “seleção”. O filtro desse agente
transformador acontece em um nível mais descentralizado e regional que o filtro das
editoras. Logo, as livrarias desempenham a função “seleção” basicamente no nível
das preferências e especificidades dos compradores e leitores regionais que
frequentam (ou têm potencial de frequentar) as livrarias locais. Mesmo grande redes
de livrarias com muitas lojas geograficamente dispersas, mas com gestão
centralizada, reconhecem o aspecto local da função “seleção” desempenhada pela
livraria, conforme ilustra um entrevistado:
Mas também tem uma dificuldade e isso é uma preocupação nossa. Acho
que a gente não consegue administrar que é a homogeneização. Temos
que avançar muito. Eu não consigo analisar o perfil de venda da loja X. Eu
trabalho sobre grandes linhas, trabalho sobre praças. A gente tem uma loja
muito pequena em um bairro no Rio. Essa loja a gente ainda não conseguiu
acertar o acervo, porque é uma loja muito pequena e com características de
bairro e de um público, etc. E isso entrou na homogeneização e de fato é
uma loja sem personalidade ainda. A gente consegue trabalhar melhor com
lojas grandes. Mas isso é uma luta permanente. (ENTREVISTADO #36)
A contribuição da função “seleção” para o cliente também tem limite, visto que
o excesso de filtro pode restringir demais o acervo disponível, reduzindo com isso a
criação de valor da IELB para compradores e leitores. Logo, o valor criado pela
função “seleção” reside na combinação adequada das obras publicadas pelas
editoras e apresentadas pelas livrarias com o interesse (manifesto e “oculto”) de
compradores e leitores.
Em seguida temos a função “produção” que consiste na materialização da
“criação”. É a função “produção” que concretiza a forma física final do livro,
transformando efetivamente as ideias selecionadas para publicação em um objeto
que poderá ser consumido. O valor criado por essa função pode ser verificado nas
palavras do editor Emanuel Araújo:
O que nós vemos influencia como e o que entendemos. A informação visual
comunica de modo não verbal, por meio de sinais e convenções que podem
motivar, dirigir ou mesmo distrair o olhar do leitor, e todos os elementos
visuais influenciam uns aos outros. Por isso, o projeto visual de um livro é
uma ferramenta importante para a comunicação, e não apenas um
elemento decorativo. O modo como se organiza a informação numa página
58
pode fazer a diferença entre comunicar uma mensagem ou deixar o usuário
confuso. (ARAÚJO, 2008, p. 373)
A função “produção” é composta essencialmente pela concepção e execução
do projeto gráfico-visual de cada livro. As editoras são encarregadas pela etapa de
concepção que consiste na definição mais adequada de fonte, diagramação do
texto, formato, tipo de papel, capa e acabamento a serem empregados na confecção
do livro. As gráficas, por sua vez, são responsáveis pela execução fidedigna do
projeto gráfico-visual concebido pelas editoras.
Por fim, temos a função “distribuição” cujo principal serviço é a exposição e
disponibilização do livro para os possíveis compradores e leitores interessados. É a
distribuição que aproxima fisicamente leitores e compradores do livro. É através
dessa função que o cliente consegue efetivamente acessar o produto para conhecêlo, experimentá-lo e eventualmente adquiri-lo. Editoras, livrarias e distribuidores
exercem em conjunto essa função dentro da indústria atualmente.
A articulação das quatro funções é que vai definir, em última instância, o nível
de ineditismo (novelty) e apropriação (appropriateness) (LEPAK; SMITH; TAYLOR,
2007) conferidos ao principal ouput da IELB: o livro.
Os fornecedores de insumos não participam diretamente das funções da IELB,
mas são responsáveis por fornecer parte dos recursos que os agentes
transformadores empregarão no exercício dessas funções. A função “produção”, por
exemplo, depende do fornecimento de máquinas, equipamentos e papel para
materializar o livro. Da mesma forma, os distribuidores digitais precisam dos
fabricantes de leitores digitais para executarem a função “distribuição”.
Até aqui descrevemos a estrutura da IELB, (agentes transformadores e
fornecedores de insumo), quais as principais funções ela exerce (criação, seleção,
produção e distribuição) e quais as fronteiras ao seu desenvolvimento (políticas
públicas do governo, tecnologia, tamanho do mercado real potencial).
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4.2 EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA E DAS FUNÇÕES DA IELB
As quatro funções centrais da IELB – criação, seleção, produção e distribuição
– mantiveram-se presentes ao longo de toda sua história. Todavia, essas funções
nem sempre foram desempenhadas pelos mesmos agentes transformadores.
A trajetória da IELB foi dividida em quatro fases: 1° fase (1808 – 1920), 2° fase
(1920 – 1960), 3° fase (1960 – 1990) e 4° fase (1990 – 2012). Enquadramos os
agentes transformadores que participaram de cada uma dessas fases e as funções
principais que cada um deles desempenhou nesses períodos. Naturalmente essa
divisão não é precisa e, logo, não pretendeu determinar com exatidão o período no
qual determinado agente transformador desempenhou aquela função. É apenas uma
referência
sobre
as
principais
funções
que
os
agentes
transformadores
desempenharam em cada período. A figura 4-3 e a figura 4-4 apresentam essas
informações:
Figura 4-3 – Atuação dos agentes transformadores por função nas duas primeiras fases da
IELB
Conforme observamos na figura 4-3 acima, durante a primeira fase da IELB
(1808 – 1920) existiam basicamente três agentes transformadores: autores, livrarias
e gráficas. A função “criação” era desempenhada por alguns poucos autores
60
nacionais (LAJOLO; ZILBERMAN, 1996) e pelas livrarias. As livrarias faziam o papel
que atualmente é feito pelas editoras: interagiam com os autores na construção do
texto final a ser publicado. A seleção era de inteira responsabilidade das livrarias,
que também controlavam sozinhas a função “distribuição”, visto que a maioria dos
livros era importada (ANDRADE, 1974). A função “produção” cabia majoritariamente
a gráficas europeias, mas algumas livrarias também dispunham de tipografias para
imprimir seus livros aqui no país, participando em menor escala da “produção”
(HALLEWELL, 1985). Assim, observamos que a livraria ocupava uma posição
central na IELB, atuando sobre as quatro funções.
Na segunda fase da IELB (1920 – 1960), a “criação” continuou a ser
executada pelos autores com a participação da figura emergente das editoras. As
livrarias deixaram de participar dessa função. A “seleção” deixou de ser
exclusivamente prestada pelas livrarias e passou a ser desempenhada também
pelas editoras. As editoras substituíram as livrarias na triagem dos originais que
seriam publicados. Dessa forma, as livrarias limitar-se-iam a selecionar os livros a
serem comprados das editoras para abastecer suas lojas. A “produção” passou a ser
desempenhada por gráficas nacionais independentes e editoras que, nesse período,
contribuíram para a função “produção” das duas formas: tanto pela concepção do
projeto gráfico-visual quanto pelos serviços de impressão de suas gráficas próprias.
As editoras passaram a participar da “distribuição”, na medida em que os livros
confeccionados no Brasil precisariam chegar cada vez mais às livrarias espalhadas
geograficamente.
61
Figura 4-4 – Atuação dos agentes transformadores da IELB por função na terceira e quarta
fase da IELB
Podemos observar pela figura 4-4 que na terceira fase da IELB (1960 –
1990), não ocorreram mudanças significativas ligadas às principais funções
exercidas pelos agentes transformadores. A “criação” permaneceu sob os auspícios
de autores e editoras. Editoras e livrarias continuaram a compartilhar a “seleção”. A
“produção” conservou-se na interação entre gráficas e editoras, sendo que o serviço
de impressão passou a ser prestado cada vez mais por gráficas nacionais
independentes. A “distribuição” foi a única função que passou a contar com mais um
agente transformador: os distribuidores, que atuavam como representantes de um
grupo de editoras ou simplesmente como atacadistas de várias editoras. O papel do
distribuidor era expandir o alcance territorial da distribuição para regiões onde a
escala de pedidos individuais entre editoras e livrarias tornava antieconômico o
abastecimento de livros nessas regiões pela estrutura individual de distribuição de
livrarias e editoras. A partir de então, livrarias e editoras passaram a compartilhar a
função “distribuição” com esse novo agente transformador.
A quarta
fase
da
IELB (1990 –
2012) incorpora
outros agentes
transformadores. O contínuo aumento no número de autores e a incapacidade das
editoras em atender e gerenciar esse crescimento abriram espaço para a
62
emergência da figura do agente literário na “seleção” executada pelas editoras. Os
agentes literários avaliam os originais dos autores que representam e procuram
direcioná-los para editoras que efetivamente possam ter interesse em publicá-los.
Com a evolução do e-commerce, a partir da segunda metade da década de
1990, a “distribuição” passou a ser desempenhada também por livrarias virtuais
operadas tanto por livrarias tradicionais quanto por outros varejistas que também
comercializam outros artigos além do livro. Essas livrarias virtuais valeram-se de
inteligência logística e escala nacional de operação para estender o acesso ao livro
a localidades com carência de livrarias físicas.
O advento do livro digital fez emergir um novo agente transformador cuja
atuação perpassa as funções “seleção”, “produção” e “distribuição”: os distribuidores
digitais. Em princípio, “seleção” e “distribuição” são as duas funções centrais
desempenhadas pelos distribuidores digitais, embora a “produção” também seja
afetada diretamente, à medida que o processo produtivo digital dispensa a etapa de
impressão gráfica. Ou seja, o distribuidor digital dispensa a produção gráfica. A
materialização da obra acontece no leitor digital (e-reader). Isso significa que os
insumos tradicionais empregados na confecção do livro, tais como papel, máquinas
e equipamentos são substituídos pelo leitor digital. O projeto gráfico-visual que
constitui a segunda parte da função “produção” permanece, mas sem as
particularidades voltadas para atender ao processo gráfico.
Com
isso,
mapeamos
e
identificamos
como
os
diferentes
agentes
transformadores atuaram ao longo das quatro fases da IELB. O próximo passo é
analisar como o desempenho dessas funções foi influenciado por forças externas.
63
5
ANÁLISE
Para entendermos em que medida o processo de formação e evolução da IELB
favoreceu o desenvolvimento traços de crescimento saudável ao longo de sua
existência, procuramos responder antes a três perguntas secundárias descritas
previamente no capítulo de método. Essas três perguntas foram organizadas e
respondidas ao longo de três subcapítulos:
5.1. Que fatores têm limitado e/ou propelido o crescimento da IELB ao longo de
sua existência?
5.2. Que tipo de crescimento tem a IELB experimentado ao longo de sua
existência?
5.3. De que maneira tem a IELB respondido aos desafios do crescimento ao
longo de sua existência?
Procuramos responder a cada uma dessas perguntas recorrendo aos dados e
fatos coletados nas entrevistas, nos livros e nas matérias do jornal O Estado de São
Paulo e nas fontes adicionais de informação empregadas neste estudo e descritas
mais detalhadamente no capítulo de método.
Para a primeira pergunta (5.1) foram identificadas as forças atuantes sobre a
IELB durante sua trajetória iniciada em 1808 e como essas forças afetaram sua
capacidade de criar e capturar valor. Em seguida relacionamos os fatos e dados da
história da IELB aos tipos de crescimento propostos por Fleck (2000) para cada uma
das quatro fases. Essa análise nos permite entender os mecanismos de crescimento
de cada período da história da IELB. Finalmente a pergunta 5.2 foi respondida
recorrendo aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009) para relacionar
como as forças, os modos de crescimento e o perfil de resposta aos desafios
interagiram na formação de traços saudáveis (ou destrutivos) de crescimento
durante o percurso histórico da IELB.
64
5.1 AMBIENTE EXTERNO À IELB: FORÇAS LIMITANTES E PROPULSORAS AO
CRESCIMENTO
O crescimento da IELB foi influenciado ao longo de suas quatro fases pela
presença de forças externas limitantes e propulsoras ao crescimento que atuaram
sobre suas quatro principais funções. Essas forças afetaram a disponibilidade de
recursos produtivos (PENROSE, 1959) para o desempenho de cada uma das quatro
funções centrais da IELB, bem como sua capacidade de criação de valor, o tamanho
do mercado real (compradores e leitores atuais) e o tamanho do mercado nominal
(compradores e leitores potenciais).
Na figura 5-1 listamos as principais forças externas identificadas entre 1808 e
2012. Nas Figuras 5-2, 5-3, 5-4 e 5-5 identificamos a presença dessas forças em
cada uma das fases da IELB e funções afetadas por elas.
Figura 5-1 – Lista das forças mapeadas que atuaram sobre a IELB ao longo da história
65
Figura 5-2 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na primeira fase
Podemos observar na figura 5-2 que durante a primeira fase da IELB (1808
até 1920), as principais forças limitantes estiveram relacionadas às funções
“criação”, “seleção” e “produção”. Até 1821, a circulação de qualquer obra impressa
no país estava sujeita à censura do governo (n.°2) para assegurar que o teor das
novas publicações não ofenderia o governo, a religião e os bons costumes (NEVES;
BESSONE, 1989). A censura nesse período se estendeu até a confecção de livros,
através do monopólio da Imprensa Régia sobre qualquer impressão realizada no
país (ABREU, 2010). Para agravar a situação, o processo de submissão e
aprovação de originais junto ao governo era lento e burocrático (HALLEWELL,
1985). Essa combinação entre a demora, esforço e risco de veto à circulação
constituíam a força limitante da censura.
O culto à cultura estrangeira (n.°1), principalmente a europeia, foi fomentado
pelo governo monárquico na primeira metade do século XIX e se enraizou na
sociedade brasileira, principalmente entre a elite intelectual, como a referência de
civilização a ser seguida. Essa mentalidade perdurou pelo resto do século XIX,
contribuindo para a formação de um ambiente cultural relativamente hermético e
pouco heterogêneo que privilegiaria o consumo do autor estrangeiro sobre o
nacional (HALLEWELL, 1985).
66
Com isso, grande parte dos livros importados pelas principais livrarias do
século XIX, era em língua estrangeira. A Casa Garraux, por exemplo, em 1883,
tinha em seu catálogo 250 páginas de obras em língua estrangeira e apenas 192
páginas de títulos em língua portuguesa (HALLEWELL, 1985).
Assim, a influência da censura e do culto à cultura estrangeira limitou a
circulação e o florescimento de novas ideias que pudessem aumentar a diversidade
da função “criação” e “seleção” e, com isso, criar mais valor para compradores e
leitores a partir do aumento das opções de obras disponíveis, principalmente em
língua portuguesa.
Além disso, a desigualdade dos impostos sobre o livro e o papel de impressão
importados (n.°3) tornaram este último mais caro que o primeiro, pelo menos nos
períodos entre 1819 e 1836, 1844 e 1860 e de 1912 até 1929 (HALLEWELL, 1985).
A combinação de impostos de importação favoráveis à importação de livros com a
escala e qualidade dos parques gráficos europeus culminaria na transferência da
função “produção” da IELB para o parque gráfico europeu até as primeiras décadas
do século XX.
A contrafação (n.°10), isto é, a reprodução por motivo de custo, impactaria
diretamente a função “criação”. Entre 1808 e 1920, algumas livrarias no país
imprimiram livros de autores estrangeiros, principalmente portugueses, sem
recolhimento de direitos autorais (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001). O conteúdo desses
livros era reproduzido pelo processo de composição tipográfica manual que dominou
a produção de livros até o final do século XIX (ARAÚJO, 2008). Muitas livrarias do
Rio Grande do Sul recorreram a contrafação e até mesmo algumas livrarias da
capital, como a livraria dos irmãos Laemmert, investiram nessa prática por alguns
anos (HALLEWELL, 1985). A reprodução não autorizada de obras portuguesas
desestimulou o interesse de algumas livrarias brasileiras por autores nacionais cujas
obras se tornaram comparativamente mais caras (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001).
67
Figura 5-3 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na segunda fase
Na figura 5-3, acima, temos o mapa de forças presentes na segunda fase
da IELB (1920 – 1960). Os impostos sobre o livro e o papel de impressão (n.°3)
deixaram de atuar como força limitante e passaram a atuar como força propelente a
partir da concessão de isenção tributária ao livro e ao papel de impressão pelo
governo, na Constituição de 1946 (HALLEWELL, 1985). Essa desoneração
estimularia a seleção, produção e distribuição de mais títulos.
Porém outra força limitante surgiria nesse período: a elevação da taxa de
câmbio (n.°4). As mudanças na taxa de câmbio, conforme podemos verificar no
gráfico 5-1, provocou a desvalorização vertical do mil-réis2 em dois momentos: no
intervalo entre as duas guerras mundiais3 e, mais tarde, ao longo da década de
1950. O aumento na taxa de câmbio resultaria no encarecimento dos livros
importados e, principalmente, na burocratização do processo de importação
decorrente da instauração do sistema de taxas de câmbio subvencionadas pelo
governo. A eclosão da segunda guerra interromperia momentaneamente a remessa
de livros importados dos países europeus envolvidos no conflito, acelerando o
impacto do câmbio sobre as importações de livros por um breve período.
2
3
Mil-réis foi a moeda corrente desde o período colonial até 30.10.1942.
A desvalorização acumulada do mil-réis entre 1919 e 1938 foi de 377%.
68
Gráfico 5-1 – Variação percentual da taxa de câmbio (R$/US$) de 1920 até 1960 (em %)
Fonte: Ipeadata
Os reajustes no preço do livro importado e a dificuldade de importá-los,
decorrentes da variação cambial, forçaram a IELB a transferir a função “produção”
da Europa para o Brasil (HALLEWELL, 1985).
Porém, como vimos anteriormente, durante a primeira fase da IELB, o culto à
cultura estrangeira e os impostos de importação sobre o livro e papel de impressão
desestimularam a formação de um parque gráfico nacional estruturado para
desempenhar as atividades da “produção” ligadas à materialização do livro. As
máquinas e equipamentos gráficos disponíveis no país eram escassos e obsoletos,
a produção nacional de papel de impressão era insuficiente para atender à demanda
da IELB, tanto em termos de quantidade como de qualidade (TRAVASSOS, 1944).
As
empresas
gráficas
também
não
dispunham
de
profissionais
técnicos
especializados no mercado de trabalho para operar suas máquinas e equipamentos.
A elevação da taxa de câmbio, na segunda fase da IELB, se impôs também
como uma força limitante à importação de novas máquinas gráficas, equipamentos e
papel de qualidade (HALLEWELL, 1985). A “produção” teria de ser executada por
máquinas e equipamentos antigos, utilizando papel nacional e importado de baixa
qualidade. Isso significa que a função “produção” seria seriamente limitada pela
disponibilidade de recursos produtivos com baixo potencial de entregar serviços que
aumentassem a capacidade de criação de valor pela IELB.
Essa carência de recursos valiosos (BARNEY, 1991) limitada pela elevação da
taxa de câmbio, ao longo da segunda fase da IELB, inviabilizou, por exemplo, a
69
utilização do formato de bolso (pocket book) que vinha sendo empregado com
sucesso no mercado editorial norte americano (TRAVASSOS, 1944).
A ousadia e inventividade dos projetos gráfico-visuais também ficaram
subordinadas ao baixo nível de serviços produtivos potenciais desses recursos
(máquinas e equipamentos, papel e profissionais técnicos), restringindo o nível de
inovação (novelty) no desenvolvimento de novos produtos (livros) ou processos mais
eficientes para a função “produção”.
A censura do governo (n.°2) continuou durante a Era Vargas, através do
Departamento de Imprensa e Propaganda (PAIXÃO, 1996) e, depois, na ditadura
militar de 1964, perpetuando o clima de insegurança para o desempenho das
funções “criação” e “seleção” (HALLEWELL, 1985). Embora o governo não privasse
editoras e autores de criar e publicar novas obras, a submissão da liberdade de
expressão à possibilidade de censura limitaria a ousadia de autores e,
principalmente, de editoras, uma vez que o investimento alocado em uma nova
edição poderia ser perdido, no caso em que a obra fosse proibida de ser
comercializada ou fosse confiscada pelo governo (REIMÃO, 2010).
Assim, a liberdade de pensamento que consiste em um dos principais recursos
produtivos para o desempenho da “criação” não esteve plenamente disponível para
a IELB até a abolição da censura em 1985.
Figura 5-4 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na terceira fase
70
Na terceira fase da IELB (1960 – 1990), emergem duas forças propulsoras
importantes, conforme ilustrado na figura 5-4: a atuação do Grupo Executivo da
Indústria do Livro (GEIL)/Grupo Executivo das Indústrias de Papel e das Artes
Gráficas (GEIPAG) (n.°5) e os programas de compra de livros pelo governo (n.°7),
na forma de coedições (HALLEWELL, 1985).
No final da década de 1960, foram criados dois grupos executivos (GEIL e
GEIPAG) pelo governo para mapear a situação da IELB. Esses grupos promoveram
estudos que culminaram em facilidades para a importação de novas máquinas e
equipamentos para as empresas gráficas e de papel (ANDRADE, 1974).
Outra medida adotada pelo governo, no início da década de 1970, foi a criação
em parceria com o SENAI do Colégio Industrial de Artes Gráficas (CIAG)4, voltado
para reciclar e formar técnicos especializados em atividades gráficas. O objetivo era
suprir a carência de profissionais gráficos para operar as novas máquinas e
equipamentos gráficos recém-importados.
Esse conjunto de iniciativas do governo atuou como uma força propulsora
sobre a “produção”, uma vez que ampliou os serviços potenciais dos principais
recursos produtivos que apoiam essa função. Isso se refletiu na expansão da
capacidade de criação de valor pela função “produção”, visto que viabilizou a
materialização de projetos gráfico-visuais mais ricos e sofisticados. A atuação do
GEIL e GEIPAG favoreceu também a ampliação da capacidade de impressão do
parque gráfico e o ganho de eficiência no processo de confecção de livros.
O governo se destacaria como comprador de livros, a partir da década de
1960, no setor didático através do estabelecimento da Comissão do Livro Técnico e
Livro Didático (COLTED) em 1966 e do Programa do Livro Didático para o Ensino
Fundamental (PLIDEF) em 19715. O governo também patrocinou coedições de livros
não didáticos em conjunto com editoras, através do INL, durante a década de 1970.
A atuação do governo como comprador propeliu a função “produção” ao aumentar a
escala das tiragens, favorecendo a ocupação da nova capacidade gráfica instalada
4
Segundo a matéria: Arte gráfica traz o que há de novo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 09 nov.
1971.
Disponível
em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19711109-29631-nac-0022-999-22-
not/busca/ind%C3%BAstria+gr%C3%A1fica.
5
Essas informações estão disponíveis no site oficial do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico
71
após a renovação do parque gráfico ocorrida pela atuação GEIL e GEIPAG. A
função “seleção” também foi favorecida na medida em que as vendas para o
governo asseguravam folga financeira para o financiamento de novas publicações.
Porém, o governo não conseguiria durante a terceira fase da IELB,
especialmente na década de 1980, controlar a escalada da inflação. A alta inflação
(n.°6) desse período, observada no gráfico 5-2, atuou como uma força limitante à
capacidade de criação de valor no longo prazo pela função “distribuição”.
Gráfico 5-2 – Taxa de Inflação (%) entre 1960 e 1990 (IGP-DI a.a)
Fonte: Ipeadata
A possibilidade de significativos ganhos financeiros auferidos pela diferença
entre o prazo de recebimento das vendas à vista e o prazo de pagamento para as
editoras não existia antes da década de 1980.
Esse contexto levou muitas livrarias e distribuidores a confundir a captura
artificial de valor proporcionada pela inflação com a captura real de valor dos seus
negócios. Um entrevistado aponta:
Você teve nesse período muita livraria que existiu muito mais aplicando em
overnight do que vendendo livros porque comprava a prazo e vendia a vista.
A participação de cartão de crédito era muito inferior ao que é hoje. Hoje
70%, 80% das vendas são feitas em cartão de crédito. Naquela época 20%
era feita em cartão de crédito, era cheque e dinheiro. (ENTREVISTADO
#26)
A consequência disso foi a acomodação de muitas livrarias e distribuidores na
busca por novas formas de aumentar a criação de valor para a “distribuição”.
72
A contrafação (n.°10) que também estivera presente na primeira fase voltou a
atuar como uma força limitante sobre a IELB, a partir dos anos oitenta. A nova
tecnologia de reprodução gráfica difundida no Brasil, principalmente pela Xerox,
levou à multiplicação de reprografias em papelarias, escolas, universidades ou no
entorno dessas instituições de ensino. Nesses estabelecimentos, muitos livros
passaram a ser reproduzidos sem qualquer pagamento de direitos autorais. Ao
contrário do processo de reprodução observado nas tipografias brasileiras do século
XIX, a “xerox” não exigiria mão de obra especializada ou investimentos significativos
em máquinas e equipamentos. Além disso, o processo de reprodução via “xerox”
também se caracteriza por ser mais simples, rápido e flexível, permitindo a
reprodução de livros em escala unitária, com baixo custo e em pouco tempo.
Isso deteriorou a criação de valor pelas funções “produção” e “distribuição” da
IELB, uma vez que diminuiu a escala (eficiência) do processo fabril da primeira e
substituiu a segunda em termos de custo e conveniência para parte dos
compradores e leitores. Dessa forma, parte do valor gerado por editoras e autores
(função criação) passou a ser capturada pelos estabelecimentos comerciais que
ofereciam serviços reprográficos (“xerox”) e pelos consumidores, que além de
pagarem mais barato pela cópia não autorizada do livro, puderam ainda comprar
apenas as frações dos livros que lhes interessavam.
Figura 5-5 – Atuação de forças limitantes e propulsoras da IELB na quarta fase
73
De acordo com a figura 5-5, a quarta fase (1990 – 2012) da IELB
caracteriza-se pela presença de mais forças propulsoras sobre a IELB que em todas
as fases anteriores. Nesta fase, há ainda duas forças propulsoras que não atuam
diretamente sobre a IELB, mas sobre o tamanho do mercado real (compradores e
leitores atuais) e nominal (compradores e leitores potenciais):o aumento real da
renda (n.°8) e ampliação da educação (n.°9). Por não influenciar particularmente
nenhuma das funções da IELB, essas duas forças não estão descritas na figura 5-5.
A alta inflação (n.°6) continuaria atuando por pouco tempo sobre a função
“distribuição” na quarta fase da IELB, apenas até 1994, quando o Plano Real
estabilizou a moeda e controlou a inflação. Porém, a estabilização da moeda
proporcionada pelo fim da inflação criou dificuldades para distribuidores (físicos) e
livrarias que se acostumaram com os ganhos financeiros (PINHEIRO, 1994a, 1994b)
Tecnologia constituiu o principal grupo de forças propulsoras atuando nas
funções da IELB. A disseminação de processadores de texto (n.°11) removeram as
limitações que a máquina de escrever impunha aos autores e editoras no que tange
ao tempo de construção e alteração textual. As ferramentas digitais de edição e
diagramação (desktop publishing software) (n.°11) reduziram o tempo de edição,
layout e formatação dos livros, expandindo as possibilidades técnicas para trabalhar
capa e conteúdo. Um dos entrevistados que trabalha em uma editora reforça os
efeitos positivos dessas mudanças:
“De gráfica, por exemplo, de impressão, de opções de acabamento, você
tem uma gama muito maior de escolha para trabalhar. Antigamente você
estava, no nosso caso que a gente sempre trabalhou com livros muito
simples, em PB [preto e branco], brochura, um acabamento mais
econômico, digamos. Mesmo nesses livros hoje em dia você tem uma gama
de opções maior para imprimir, enfim, para fazer acabamento. Então isso
também cria vários desdobramentos. Você coloca outras pessoas nesse
circuito, os livros são fechados de uma forma totalmente diferente por uma
questão da tecnologia, também do avanço tecnológico, enfim, tudo isso tem
um impacto no trabalho.” (Entrevistado #11)
O advento do processador de texto e do software de desktop publishing
atuaram na propulsão da função “criação” ao facultar ao autor e à editora novas
possibilidades de trabalhar o texto de forma mais rápida e eficiente. A função
“produção” também foi impulsionada, visto que os projetos gráfico-visuais também
passaram a dispor de mais espaço para criatividade e inovação à luz da variedade
74
de novas ferramentas de edição, imagem e diagramação contidas nesses softwares.
Isso se reflete diretamente no aumento do valor proporcionado pela função “criação”.
O e-commerce (n.°12) constitui-se outra força propulsora sobre a função
“distribuição”, à medida que dilatou sua capacidade de criação de valor. Essa
dilatação ocorreu por três motivos. O primeiro foi a extensão do acesso à compra de
livros para regiões geográficas nas quais não havia a presença de livrarias físicas. O
segundo motivo foi a ampliação da disponibilidade de títulos, visto que a livraria
virtual não tem os limites físicos, em termos de m2, das livrarias físicas, podendo
assim dispor de um acervo maior de livros. E o terceiro consiste na dispensa de
mobilidade para buscar livros, comparar preços e efetuar compra.
A impressão sob demanda (ISD) (n.°13) consiste em outra força propulsora
emergente nesse período, embora seu potencial de criação de valor ainda esteja
subutilizado pela IELB. A ISD viabiliza a confecção de poucos exemplares de um
mesmo título com custo significativamente inferior àquele oferecido pelo tradicional
sistema offset (para baixas tiragens) e sem perdas relevantes de qualidade. Isso
significa que muitas ideias que antes não foram materializadas, devido à barreira de
custo, agora poderiam se transformar em livros.
Essa possibilidade afeta diretamente a função “criação” ao estimular mais
pessoas a escrever novas obras sem a quase certeza anterior de que seriam
engavetadas pela indisponibilidade de recursos financeiros suficientes para imprimilas. Ao mesmo tempo impacta positivamente na função “seleção” permitindo que
muitas obras “adormecidas” no catálogo das editoras, cuja demanda não justificava
uma tiragem padrão no sistema offset (entre 1.500 e 2.000 exemplares), voltem a
ser impressas pelo processo de ISD.
A função “produção” é influenciada pela flexibilidade da oferta de serviços de
impressão que permitem atender novas demandas de impressão previamente
reprimidas. Embora ainda não aconteça de forma ampla, a função “distribuição”
pode ser propelida pelo aumento de opções de títulos cuja procura pelos
compradores e leitores atuais já seja conhecida pelas livrarias, mas que devido ao
alto custo de impressão pelo sistema tradicional (offset), torna-se antieconômica
para as editoras.
O livro eletrônico (n.°14) é a mais recente força propulsora em atuação na
IELB, proporcionando novas possibilidades de criação de valor pelas quatro funções
75
da IELB. A primeira delas é o espaço que muitos distribuidores digitais abriram para
que autores inéditos pudessem disponibilizar suas obras, ampliando o alcance da
função “criação”. Essa nova possibilidade estimula a emergência de novos autores.
Esse formato de autopublicação digital pode ser entendido como um
“laboratório” de testes de baixo custo para avaliar novos lançamentos, quando
comparado ao modelo tradicional, que exige a impressão de uma tiragem mínima
entre 1.500 e 2.000 além do esforço de distribuição física dos livros pelas livrarias.
Isso significa que a função “seleção” pode ser aperfeiçoada com o aprendizado
decorrente do acompanhamento da aceitação de novos títulos no contexto digital.
Essa possibilidade era até então inexistente.
Esse laboratório de baixo custo, proporcionado pelo livro eletrônico, pode
influenciar a função “seleção”, visto que tanto editoras quanto distribuidores digitais,
poderiam aperfeiçoar o processo de escolhas de títulos para investir e distribuir
respectivamente. A terceira possibilidade é a distribuição em tempo real (online) de
livros em qualquer lugar com acesso à internet, dispensando assim a movimentação
até uma livraria física ou o tempo de espera pelo pedido feito em uma livraria virtual.
Com isso, a função “distribuição” passa a oferecer a entrega imediata de qualquer
título em qualquer lugar do planeta com acesso à internet.
Todavia, tanto a impressão sob demanda quanto o livro eletrônico
potencializam a força limitante da contrafação (n.°10), ao ampliar as possibilidades
de cópia e circulação de livros em formato digital sem autorização das editoras e
autores. Esse risco é proporcionado pela facilidade de reproduzir e distribuir
ilegalmente arquivos em formato digital (pdf, ePUB, etc.). Nesse sentido, a força
limitante da reprodução de livros, sem autorização iniciada com a “xerox” sobre as
funções “produção” e “distribuição”, é significativamente potencializada com a
difusão da ISD e do livro eletrônico.
As políticas públicas do governo resultaram na atuação de três forças
propulsoras sobre a IELB: a expansão dos programas de compra de livro pelo
governo (n.°7), o aumento real da renda e a ampliação da educação.
Como vimos anteriormente, na terceira fase da IELB, os programas de compra
de livros pelo governo já eram representativos desde a década de 1970. Em 1997, o
MEC institui outro programa de compra de livros batizado de Programa Nacional
76
Biblioteca da Escola (PNBE) cuja missão consistiria em abastecer as bibliotecas da
rede pública de ensino. O PNBE, em conjunto com PNLD (Programa Nacional do
Livro Didático), se tornaram os dois principais programas de compras do governo6.
Através da ampliação desses programas, o governo vem crescendo sua participação
no faturamento da IELB. O gráfico 5-3 ilustra o crescimento das compras do governo
em relação às vendas totais (mercado + governo):
Gráfico 5-3 – Faturamento total da IELB separado por vendas ao mercado e ao governo (em
milhões de R$)
Fonte: Oliveira (2000, 2002, 2004) e FIPE(2006, 2008, 2010, 2011)
As encomendas de livro pelo Estado caracterizam-se pelo grande volume,
ausência de encalhes e um único prazo de pagamento para toda a tiragem. Isso
significa que as editoras não precisam esperar o livro girar mês a mês nas
prateleiras das livrarias até esgotar aquela edição. Além disso, não há riscos de
encalhe, visto que a editora sabe de antemão exatamente quantos exemplares
deverão ser impressos.
Assim, os programas atuais de compra de livros aumentam o tamanho do
mercado real e favorecem a formação de “folga financeira” (FLECK, 2009) pelas
editoras permitindo-lhes investir nas demais funções da IELB (criação, seleção,
produção e distribuição). Por outro lado, as altas tiragens das compras do governo
aumentam a eficiência da função “produção” ao proporcionar-lhe economias de
6
O PNLD e o PNBE corresponderam conjuntamente por mais de 90% do volume de livros vendidos
ao governo em termos de faturamento e exemplares.
77
escala com a melhor utilização dos recursos produtivos e especialização dos
processos fabris.
O aumento real da renda e a ampliação da educação, verificados na quarta
fase, não atuam diretamente sobre a IELB, mas sobre o tamanho nominal do
mercado. Essas duas forças propulsoras aumentam a quantidade de compradores e
leitores elegíveis ao consumo de livros, expandindo a fronteira para onde a IELB
pode crescer.
Dessa forma, ao analisarmos que fatores têm limitado e/ou propelido o
crescimento da IELB, ao longo de sua existência, podemos notar que todas as
funções da IELB foram afetadas pela atuação de forças externas. À medida que a
IELB avançou no tempo, forças limitantes foram paulatinamente neutralizadas
enquanto novas forças propulsoras emergiram, estimulando o crescimento da IELB.
Essa evolução fez com que a quarta fase se caracterizasse pelo período da história
com menos forças limitantes em ação (visto que a alta inflação foi superada a partir
de 1994) e mais forças propulsoras conduzindo a IELB a novos níveis de
crescimento.
5.2 DINÂMICAS DE CRESCIMENTO DA IELB
Pudemos observar que, ao longo da história, a IELB foi sistematicamente
pressionada por forças limitantes e propulsoras. Agora vamos analisar quais os tipos
de crescimento a IELB experimentou ao longo das quatro fases.
Organizações individuais e macro organizações como a IELB, podem crescer
por caminhos diferentes. Estes caminhos são estabelecidos pelo perfil de atuação
da (macro)/organização dentro do ambiente externo em que ela navega. Fleck
(2000) elenca sete formas distintas de crescer: inercial, teleológica, dialética,
interativa, macro ambiental, estrutural e randômica. Diferentes tipos de crescimento
podem coexistir quando se verifica simultaneamente a presença de mais de um
padrão de atuação.
78
Segundo Fleck (2000), o primeiro deles (inercial) consiste basicamente em
“fazer mais do mesmo”. O seguinte (teleológico) é provocado pela perseguição de
determinada meta ou grupo de metas a ser atingida. O terceiro (dialético) decorre de
inovações desenvolvidas para resolver tensões, conflitos ou desequilíbrios,
transformando dilemas to tipo “ou X ou Y” em situações “tanto X como Y”. O
crescimento interativo é ocasionado pela competição ou cooperação entre
concorrentes. O crescimento pela competição acontece quando os movimentos da
organização originam-se essencialmente de respostas à alguma ação da
concorrência. O crescimento pela cooperação nasce da colaboração de um grupo de
empresas para combater alguma restrição comum que limita o crescimento de todo
grupo. Em seguida, o crescimento macro ambiental, é provocado por mudanças
externas. O quinto (estrutural) decorre de adaptações na indústria em função de
mudanças na estrutura causadas por alguma fusão, aquisição ou entrada de novo
participante. O último tipo de crescimento (randômico) é atingido por iniciativas cujas
chances de sucesso obedecem a determinada distribuição probabilística.
Ao analisarmos a evolução da IELB, sob a perspectiva dos diferentes caminhos
de crescimento, podemos identificar quais foram os mecanismos que caracterizaram
a presença (ou ausência) de cada tipo de crescimento em cada uma das fases da
IELB, conforme pode ser visualizado na figura 5-6:
Tipo de Crescimento
INERCIAL
1° Fase (1808 - 1920)
2° Fase (1920 - 1960)
3° Fase (1960 - 1990)
4° Fase (1990 - 2012)
Sim
Sim
Sim
Sim
NHES*
NHES*
NHES*
Sim
DIALÉTICA
Não
Não
Não
Sim
INTERATIVA
Sim
Sim
Sim
Sim
MACRO AMBIENTAL
Não
Não
Sim
Sim
ESTRUTURAL
Não
Não
Não
Sim
RANDÔMICA
Sim
Sim
Sim
Sim
TELEOLÓGICA
Figura 5-6 – Tipos de crescimento verificados na IELB em cada fase
*Não há evidências suficientes.
Fonte: Fleck (2000)
79
O crescimento inercial pode ser verificado basicamente nas reimpressões de
livros já lançados. Essas novas reimpressões são causadas por fatores como o
aumento da quantidade de livrarias, pelo estímulo ao consumo de livros por
campanhas publicitárias ou pelo simples aumento da quantidade de compradores e
leitores. O crescimento provocado por esses fatores levaram os agentes
transformadores da IELB a simplesmente ajustar a escala de suas operações para
acompanhar esse aumento.
Nesse sentido, durante todas as quatro fases da IELB, o crescimento da
população levou ao crescimento inercial essencialmente pelo aumento no número
de compradores e leitores. Além disso, na primeira fase, livrarias como a Laemmert,
Garnier e Francisco Alves abriram novas filiais em outras cidades, durante o século
XIX, para ampliar a distribuição de seus livros (HALLEWELL, 1985; BRAGANÇA,
2001). Outros tipos de comércio também se engajaram na venda de livros nesse
período, ampliando a quantidade total de livrarias (EL FAR, 2004). O gráfico 5-4
ilustra o crescimento do número de livrarias como uma das dinâmicas de
crescimento da IELB no século XIX:
Gráfico 5-4: Número de livrarias em operação ao longo do século XIX
Fonte: Hallewell (1985, p. 47)
O aumento no número de livrarias, na quarta fase da IELB, também
impulsionou o crescimento inercial, conforme podemos observar no gráfico 5-5:
80
Gráfico 5-5 – Evolução no número de livrarias no Brasil entre 2008 e 2013
Fonte: ANL (2008, 2010, 2010b, 2012, 2013)
Todavia, parte desse aumento no número de livrarias, na quarta fase, também
pode ser atribuída ao crescimento teleológico, ocasionado pelas metas de
expansão verificadas na abertura anual de novas lojas, principalmente, pelas médias
e grandes redes de livrarias7.
Essas metas tornaram-se o objetivo a ser atingido pelas livrarias e orientaram,
por sua vez, parte dos esforços e recursos da IELB. Essas metas se traduzem,
inicialmente, no aumento do número de novas filiais que, por sua vez, impulsiona a
edição de novos títulos e, principalmente, a produção de exemplares.
Durante a quarta fase, além das livrarias, muitas editoras passaram a
estabelecer metas de crescimento anual em termos de faturamento, quantidade de
títulos publicados, exemplares vendidos, etc. Essas metas tornaram-se uma das
principais referências para estabelecer o nível de atividade da IELB.
O crescimento interativo está presente em todas as fases da IELB. Esse tipo
de crescimento foi provocado pelas duas dinâmicas de interação (competição e
cooperação) que caracterizam esse tipo de crescimento.
A presença de crescimento interativo causado pela cooperação foi verificada
apenas na segunda fase da IELB. Editoras, livrarias e gráficas se uniram para
7
A presença de metas de crescimento nas livrarias de médio e grande porte também pode ser
verificada em duas matéria publicadas no Valor:
SBS planeja chegar a 200 livrarias até o fim de 2013. Valor Econômico, São Paulo, 01 ago. 2012.
Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/2771998/sbs-planeja-chegar-200-livrarias-ate-ofim-de-2013
Livrarias comemoram crescimento de dois dígitos. Valor Econômico, São Paulo, 26 dez. 2007.
Disponível em: http://www.valor.com.br/arquivo/566851/livrarias-comemoram-crescimento-de-doisdigitos.
81
reivindicar ao governo mudança nas políticas públicas ligadas principalmente às
limitações impostas pela elevação da taxa de câmbio (importação de papel, de
máquinas e equipamentos) e à formação de profissionais técnicos para atuar nas
gráficas. Essa cooperação resultou, conforme vimos anteriormente, em políticas
públicas do governo favoráveis à indústria, como, por exemplo, a criação do GEIL e
GEIPAG.
Por outro lado, o crescimento decorrente da rivalidade dentro da IELB pode ser
observado em todas as fases. A competição estimulou o crescimento através do
aumento no número de publicações, da disseminação de novos formatos de
publicação (livro de bolso) e da exploração de novos canais de venda (banca de
jornais), entre outros, conforme veremos a seguir.
Os livros populares (baratos) se disseminaram rapidamente entre as livrarias
cariocas no final do século XIX, quando esse tipo de publicação provou-se
comercialmente bem sucedida, estimulando até livrarias elitizadas, como a Garnier,
a vender esse tipo de obra (EL FAR, 2010). A expansão da comercialização de livros
didáticos também cresceu pela competição, principalmente após o sucesso da
Livraria Francisco Alves nesse segmento, o que estimulou outras livrarias a explorar
o comércio de livros escolares com mais vigor no início do século XX (HALLEWELL,
1985).
Na segunda fase da IELB, a concorrência resultou na propagação dos livros
organizados em coleções. Essa prática se espalhou entre as principais editoras na
década de 30. Editoras como a Livraria Schimdt, José Olympio, Companhia Editora
Nacional e Livraria Globo organizaram boa parte de seus livros em coleções nesse
período (HALLEWELL, 1985; TOLEDO, 2010).
Na fase seguinte, uma das principais evidências de crescimento interativo foi a
propagação dos livros de bolso (pocket book) devido ao êxito da Editora Abril na
comercialização desse formato de livro, em bancas de jornal. Esse sucesso levou
outras editoras a também lançarem-se na publicação de livros de bolso e na
exploração da distribuição de livros em bancas de jornal, nas décadas de setenta e
oitenta.
Na quarta fase, a preocupação com os movimentos da concorrência tornou-se
ainda mais proeminente, culminando na significativa aceleração do número de novos
títulos e exemplares publicados anualmente. Esse crescimento não teve origem no
82
aumento da demanda por livro, mas sim pelo aumento do número de editoras, o que
levou ao acirramento da competição, como aponta Luiz Schwarcz em entrevista ao
jornal O Estado de São Paulo, em 30 de junho de 20118:
Há uma situação concorrencial que não diz respeito à demanda. A demanda
por títulos que os editores têm não corresponde à demanda por livros que
as pessoas desejam. Os editores disputam mais títulos do que os leitores
disputam livros. Há editoras que hoje não conseguem entrar em redes de
livrarias com um exemplar sequer de algum título. Há uma superprodução.
De livros, escritores, editores, um número de editoras grande surgindo.
(SCHWARCZ, 2011)
Um dos entrevistados reforça essa mudança na dinâmica de lançamentos de
novos
títulos
causada
pela
relevância
que
a
concorrência
assumiu
no
direcionamento dos esforços e recursos das editoras:
De vez em quando eu sinto essa pressão do “temos que lançar mais.
Temos que ter mais títulos”. Ai eu digo “lançar mais de que? Lançar mais
por quê? Com que objetivo e qualidade?”. Eu fico olhando do lado editorial e
é uma coisa que você não sabe onde vai parar porque o lançamento dura
cada vez menos tempo. A área comercial antes recebia um livro e tinha
semanas para deixar o livro na vitrine, na livraria exposto em primeiro plano,
dar aquele destaque. Agora é toda semana. O livro pode ser ótimo, mas ele
vai ser desbancado provavelmente por outro que não se sabe se vai ser
ótimo ou não, mas que vai chegar como a última novidade. Então, a última
novidade é sempre mais rápida. E você se pergunta quem dá conta disso?
Qual é o limite?. Com quantos novos livros você vai ter que contar para se
manter competitivo no mercado que gira cada vez mais rápido? No qual
tudo passa e deixa de ser novidade, deixa de receber visibilidade cada vez
mais rápido. (Entrevistado #15)
O resultado dessa aceleração na quantidade de lançamentos é a redução do
ciclo de vida dos livros, nas livrarias, haja vista que a área média em m2 para
colocação e exposição dos livros não tem condições de acompanhar o volume de
lançamentos publicados em intervalos cada vez mais curtos.
A
institucionalização
da
consignação
como
prática
dominante
no
relacionamento entre livrarias e editoras também pressionou a elevação do número
de lançamentos. Até meados da década de 1990, a consignação de livros fora
utilizada pontualmente pelas editoras como uma forma de mitigar a resistência do
8
Entrevista disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,rumo-a-uma-nova-estacaoeditorial,751977,0.htm
83
livreiro na aquisição de novos títulos para os quais o livreiro ou não tinha recursos
financeiros ou confiança suficiente no potencial comercial do livro, conforme sinaliza
um entrevistado:
[A consignação] era uma coisa rara, já tinha existido anteriormente, no
passado, mas não o movimento de hoje em dia. Esporadicamente e
estrategicamente era utilizada a consignação da seguinte forma: você quer
fazer uma promoção de um segmento do seu catálogo na livraria “A”. O
dono de livraria tinha um bloqueio natural, “isso aqui vai arder no meu bolso
porque eu vou ter que bancar tudo”. Ai você falava “não, calma, vamos fazer
o seguinte, vamos ficar 60 dias aí, eu mando tudo consignado para você
não ter preocupação”. Porque senão ele limitava a quantidade de cada livro
e a exposição consequentemente ficava comprometida. Mandava-se o livro
consignado, ficava ali um mês ou dois meses, devolvia-se no final desse
período e estava encerrado. Ou seja, era uma arma de marketing de
ocupação de espaço esporádica, utilizada com pouca frequência.
(ENTREVISTADO #22)
A utilização ocasional da consignação é ratificada por outro entrevistado que
aponta a época em que esse quadro começou a mudar:
A função da consignação era para [atender] um evento ou uma ação
pontual. Até 1997/1998 a consignação era para uma abertura de loja, para
uma feira, uma Bienal, um evento pontual e era feita pelo período de 3 a 6
meses no máximo. Após esse período era feita a devolução total e pago
aquilo que não tivesse sido entregue. (ENTREVISTADO #26)
A partir da década de 2000, a consignação foi ocupando espaço cada vez
maior nas transações entre editoras e livrarias em função da concorrência entre
editoras e pela pressão crescente das livrarias que passaram a aceitar
progressivamente, só títulos em consignação. E não apenas lançamentos, mas
basicamente todos os títulos do catálogo das editoras.
Com isso, as editoras foram impelidas a aderir cada vez mais à consignação.
Por outro lado, as livrarias passaram a aceitar muito mais títulos e exemplares das
editoras, visto que não precisariam desembolsar recursos financeiros na aquisição
desses livros, que passariam a ser pagos 30 dias depois de concretizada a venda.
Essa cooperação compulsória entre livrarias e editoras acelerou o crescimento nas
vendas, conforme aponta um dos entrevistados:
84
Existia um trabalho de vendas na editora forte, mas quando a gente se abriu
para a consignação, a gente percebeu que também não conseguia entrar
tão bem enquanto só vendia. Então, quando a gente passou a consignar
houve uma penetração maior de livros da editora no mercado e,
consequentemente, houve uma receita maior também [...]. Conseguimos
botar [livros] em mais clientes em maior quantidade, o que trazia maior
visibilidade ao produto, aumentava a chance de venda. Isso é uma coisa
básica em livro, ocupar bem o espaço de vendas. Isso compensou essa
prorrogação no fluxo de caixa. Você ter aumentado muito o seu alcance de
distribuição, o retorno que você conseguia com aquilo. Isso compensou
muito [para a editora]. Foi muito claro isso, mas muito claro. Se eu pudesse
te dar um número, eu posso falar que dobrou o faturamento.
(ENTREVISTADO #13)
Mas a consignação também aumentou a produção de exemplares pela
transferência do estoque da editora para as livrarias, através da consignação. Com
os livros consignados nas livrarias, as editoras não conseguem acompanhar com
precisão a evolução das vendas nas livrarias. Sem dados de venda, as editoras têm
dificuldades em redistribuir melhor os exemplares espalhados entre as livrarias,
recorrendo à reimpressão para atender às livrarias, onde o livro se esgotou. Porém,
as editoras normalmente reimprimem uma tiragem tradicional (1.500 – 2.000) ao
invés de imprimirem sob demanda, para atender apenas aqueles pontos onde
aquele determinado livro se esgotou. Isso resulta no crescimento da produção e
também no aumento do risco de encalhe. Um entrevistado ilustra essa situação:
Pra gente a consignação é muito ruim por isso, pelo impacto da mobilização
de capital e também ela prejudica um pouco a eficiência na gestão
comercial no sentido que a gente fica um pouco afastado da ponta de
venda. Eu te dou um exemplo: você faz uma tiragem de dez mil exemplares
de um título. Aí você distribui oito mil exemplares e guarda dois mil no
estoque. Num determinado cliente o livro esgota e ai você começa repor. Aí
dali a pouco a sua tiragem acabou. O que você faz? Você reimprime, mas
você tem ainda uma boa parcela dos dez mil exemplares consignados que
não foram vendidos. Aí o que a gente faz? A gente reimprime. Aí muitas
vezes tem devolução e você fica com a segunda tiragem mais um
pouquinho da devolução. (ENTREVISTADO #6)
A necessidade dessas reimpressões, sem que o estoque total de livros tenha
acontecido, é confirmado por outro entrevistado:
Porque, na verdade, quando você “vende” em consignação, esse livro
continua no seu estoque, mas ele não está no meu estoque fisicamente,
está espalhado pelas livrarias. Então às vezes a gente fez 4 mil de um livro.
85
Tem 3.500 fora, sendo que só 500 desses foram vendidos, e já tem que
reimprimir o livro. Só que esse livro [que será reimpresso] pode voltar. Então
você tem todo um processo que toma um tempo louco, que é ligar para os
clientes e falar: "está vendendo? Não está vendendo na ponta o livro?
Então volta o livro!” Esse processo também é assim. (ENTREVISTADO #7)
O crescimento dialético poderia ser verificado na criação de alternativas para
resolver tensões como essa criada pela consignação. No lugar de imprimir outra
tiragem inteira no padrão offset (entre 1.500 e 2.000 unidades) e aumentar as
chances de encalhe, as editoras poderiam buscar inovações para contornar esse
tipo de problema. A concorrência excessiva entre editoras pela “vitrine” das livrarias
e a reflexão sobre novas formas de manter o interesse pela leitura em relação a
pessoas com crescente escassez de tempo “livre” para realizá-la e, com mais
opções de informação e entretenimento diferentes das oferecidas pelo livro, são
outras questões que demandariam inventividade da IELB para resolvê-los.
Não encontramos, porém, evidências que caracterizassem esse tipo de
crescimento até a terceira fase da IELB.
A entrada de novos distribuidores digitais como Amazon, Google e Apple
também têm potencial para interferir na estrutura da IELB no médio prazo com a
evolução do livro eletrônico e com a própria mudança no escopo de atuação dessas
empresas dentro da IELB que, hoje está limitado principalmente à distribuição de
livros digitais.
A crescente difusão do livro eletrônico promovida por esses novos agentes
transformadores favorece a resolução de alguns conflitos e tensões presentes na
IELB: o espaço limitado de vitrine das livrarias físicas que inviabiliza a exposição da
maioria dos livros; a influência da tiragem na decisão de preço do livro; a
disponibilidade do livro em estoque da livraria física ou virtual; a necessidade de
mobilidade para acessar uma livraria física ou o tempo de espera para receber um
livro adquirido nas livrarias virtuais; e a necessidade dos leitores em escolher quais
livros físicos serão levados para uma viagem, por exemplo, devido às limitações de
espaço e peso. A mitigação desses dilemas estimula a produção e o consumo de
livros estimulando o crescimento dialético, embora ainda de forma incipiente e pouco
representativa.
86
Por outro lado, a IELB foi favorecida por mudanças no macro ambiente que
propeliram seu crescimento. Conforme sinalizamos anteriormente, as compras de
livros pelo governo, o advento do processador de texto, as isenções de impostos
para a cadeia do livro e o aumento da renda são alguns exemplos de forças
externas que criaram oportunidades de expansão para a IELB. A multiplicação de
novos “selos” dentro das editoras durante a quarta fase da IELB é outro exemplo de
crescimento provocado pela diversificação das preferências de consumo da leitura
decorrentes de fatores como o aumento da renda (política econômica), por exemplo.
Como vimos anteriormente, as principais forças externas propelentes emergiram a
partir da terceira fase da IELB e aumentaram durante a quarta fase.
O crescimento estrutural foi provocado pela reconfiguração de forças
ocasionadas por mudanças na estrutura. As aquisições e fusões ocorridas entre
livrarias, entre editoras e a entrada de novos participantes “de peso” na indústria são
alguns exemplos de mudanças que favoreceram esse tipo de crescimento. A partir
da década de noventa, observamos o aumento das aquisições de editoras e a
entrada de grandes empresas editoriais estrangeiras, como o grupo Santillana
(espanhol), a editora Planeta (espanhol) e a editora Leya (português). As livrarias
também atravessaram um processo de concentração, principalmente com a
aquisição da Livraria Siciliano pela Saraiva, em 2008, e com o crescimento das
redes médias e grandes como Livraria Curitiba, SBS, La Selva, Rede Leitura e
Livraria Cultura, para citar algumas. Conforme mencionamos anteriormente, parte
dessa expansão é de natureza teleológica, mas influencia diretamente a estrutura de
forças da indústria fomentando também o crescimento macro estrutural.
A concentração das livrarias fez com que as redes de livrarias conseguissem
descontos maiores com as editoras. As livrarias menores acompanharam esse
movimento das redes e também passaram a exigir maiores descontos das editoras,
embora em uma escala menor. O resultado foi o aumento generalizado na
participação das livrarias sobre o preço de capa dos livros.
A crescente parcela de valor capturado pelas redes impulsionou a expansão
desse grupo de empresas que, por sua vez, passou a puxar o crescimento das
editoras. Com isso, intensificou-se a dependência das editoras em relação ao
crescimento das grandes redes que passara a representar fração cada vez maior do
faturamento das editoras, conforme aponta um dos entrevistados:
87
Olha, eu considero “grandes redes” também as ponto com, como por
exemplo, a Submarino, Americanas.com. Grandes redes têm um peso
descomunal pra minha tristeza. Alguma coisa como 70% está concentrado
nas grandes redes. Grandes redes eu coloco além das ponto com, a
Saraiva, a Laselva, a Fnac, a Cultura, a Curitiba. A Curitiba é o segundo
maior cliente de todo mundo. Não é muito conhecido aqui no Rio porque
não tem nenhuma livraria aqui, mas no Paraná, Santa Catarina ela é muito
forte e ela já está em São Paulo. A Travessa aqui no Rio, não é uma grande
rede, mas uma rede de porte médio, mas coloco junto com as redes porque
ela está com uma musculatura diferenciada. A Livraria da Vila em São
Paulo que todo hora está abrindo uma nova megastore de 3 mil metros
quadrados, 2,5 mil metros quadrados também. (ENTREVISTADO #22)
Outro entrevistado aponta para a mesma situação:
[...] então, nós vivemos numa situação de oligopsônio nesse mercado. Eu
diria a você que meia dúzia de meus clientes, alguma coisa entre 6 e 10
clientes que tenho representam 90% do meu faturamento.
(ENTREVISTADO #2)
As pequenas editoras foram mais afetadas nesse contexto e muitas delas vêm
crescendo na última década ao sabor da expansão das grandes redes de livrarias.
Essa situação é agravada nas pequenas editoras pela carência de estrutura de
distribuição própria e de capital (inclusive para a impressão e consignação de
tiragens maiores) que lhes permitam colocar seus livros de forma mais pulverizada.
O último tipo de crescimento verificado na IELB é o crescimento randômico
baseado no lançamento de novos títulos sem qualquer estimativa prévia consistente
acerca da receptividade desses títulos pelo mercado. A publicação torna-se uma
aposta
testada
empiricamente,
como
acontece
na
área
de
Pesquisa
e
Desenvolvimento (P&D) de outras indústrias, como a farmacêutica, por exemplo.
Essa estratégia de exploração contínua (MARCH, 1991) resulta no crescimento
da quantidade de títulos proporcionado pela dificuldade em prever quais serão os
títulos lançados que serão bem recebidos pelo mercado, conforme sugere um dos
entrevistados:
E além disso ela [a editora] está baseada eu acho, pelo menos aqui [na
editora], numa fórmula que eu não sei se é muito adequada que é a da
quantidade de títulos em vez da quantidade de exemplares. Então, por
exemplo, eu vejo muito as editoras tentando acertar fazendo 30, 40 para ter
um ou dois que vão realmente engrenar. E os outros você sabe que vão ter
uma ou duas tiragens só. Porque o mercado não consegue absorver isso
tudo, as livrarias não conseguem expor isso tudo.” (ENTREVISTADO #7)
88
As editoras normalmente têm um percentual de títulos bem sucedidos,
fracassados e aqueles que apenas “se pagaram”. Dessa forma, as editoras, de
forma geral, projetam seus lançamentos futuros com base nesse desempenho
passado. Logo, se uma editora acerta em média 20%, basta ela lançar mais títulos
que a quantidade absoluta de sucessos vai aumentar e a editora vai crescer.
Conforme veremos adiante, no item 5.3, alguns fatores contribuem para esse tipo de
comportamento, como a dificuldade das editoras em aprender com seus fracassos.
Ao analisarmos que tipo de crescimento tem a IELB experimentado ao longo
de sua existência, podemos observar que diferentes formas de crescimento
estiveram presentes no processo de desenvolvimento da IELB durante seu percurso
histórico. A evolução das organizações que atuam no ambiente externo da IELB
provocou a diversificação de caminhos que a levaram a crescer até a quarta fase,
onde se verifica a presença dos sete tipos de crescimento (inercial, teleológico,
interativo, macro ambiental, estrutural, randômico e dialético, embora este último
ainda incipiente). Isso significa que a IELB ampliou consideravelmente suas
possibilidades de crescimento ao longo da história.
No entanto, é preciso entender como a IELB respondeu aos desafios
proporcionados por essas diferentes formas de crescimento (FLECK, 2009) tendo
em vista avaliar se as condições sobre as quais esse crescimento aconteceu foram
saudáveis ou não. Essas respostas nos permitirão ter uma visão de como a IELB
enfrentou os efeitos do crescimento acumulado desde 1808 e, por conseguinte, se
ela está atualmente desenvolvendo traços saudáveis ou destrutivos de crescimento
(FLECK, 2009).
89
5.3 RESPOSTAS DA IELB AOS DESAFIOS DO CRESCIMENTO
Conseguimos compreender até aqui que a evolução da IELB foi moldada por
diferentes tipos de crescimento e pressões externas na forma de políticas públicas
do governo e mudanças tecnológicas. Essas pressões atuaram como forças
limitantes e propulsoras sobre a IELB e influenciaram a capacidade de criação de
valor pelo seu conjunto de funções centrais: criação, seleção, produção e
distribuição.
Nesse sentido, podemos verificar que a IELB foi capaz de crescer ao longo do
tempo através da observação dos diferentes indicadores de crescimento disponíveis
para cada período da história, como número de títulos publicados, quantidade de
exemplares produzidos, número de editoras, quantidade de livrarias, faturamento,
etc.
Entretanto, a presença de indicadores de crescimento por si só não é suficiente
para avaliar se a IELB evoluiu sobre bases sólidas de crescimento capazes de
conduzi-la ao sucesso de longo prazo (FLECK, 2009).
A análise das respostas da IELB aos desafios do crescimento (FLECK, 2009),
em cada uma das quatro fases, nos fornece pistas de sua capacidade de
efetivamente alicerçar seu crescimento em bases saudáveis (ou não) ao longo do
tempo e também nos ajuda a identificar como a IELB reagiu às forças externas
(PORTER, 1979; OLIVER, 1991; BARON, 1995) e internas (BARNEY, 1991) que
impuseram riscos e oportunidades à sua expansão.
Dessa forma, será possível identificarmos a presença, em maior ou menor
nível, de traços saudáveis de crescimento que aumentam a propensão da IELB à
autoperpetuação.
Organizamos, na figura 5-7, qual o perfil predominante de resposta da IELB
aos desafios do crescimento em cada fase:
90
Desafios
1° Fase (1808 - 1920)
2° Fase (1920 - 1960)
3° Fase (1960 - 1990)
4° Fase (1990 - 2012)
EMPREENDEDORISMO
Há alguns destaques
Há alguns destaques
Há alguns destaques
Há alguns destaques
NAVEGAÇÃO NO
AMBIENTE DINÂMICO
NHES*
Navegação ativa
Navegação ativa
Navegação ativa
GESTÃO DA DIVERSIDADE
NHES*
NHES*
Fragmentada
Fragmentada
PROVISIONAMENTO DE
RECURSOS HUMANOS
NHES*
NHES*
NHES*
NHES*
GESTÃO DA
COMPLEXIDADE
NHES*
NHES*
Assistemática
Assistemática
Figura 5-7: Resposta das IELB aos desafios do crescimento
Fonte: (FLECK, 2009)
Seguindo a figura 5-7, podemos observar que, na primeira fase da IELB, não
dispomos de informações suficientes para avaliar se o conjunto de respostas ao
crescimento apresentou traços de crescimento saudável. Na segunda fase, as
informações disponíveis permitem observar alguns traços de crescimento saudável,
como a coesão e a cooperação da IELB no sentido de atuar conjuntamente na
neutralização das forças limitantes existentes nesse período.
A terceira fase apresenta evidências de traços saudáveis, como o
monitoramento sistemático do ambiente institucional e a influência das decisões do
governo em favor da indústria. Contudo, há também evidências de crescimento
destrutivo pela dificuldade de a indústria lidar com o aumento da diversidade e da
complexidade proporcionadas pela evolução da indústria. Na quarta fase a indústria
consegue sustentar sua capacidade de monitoramento sistemático do ambiente
institucional, influenciando-o em seu favor, mas por outro lado, há a intensificação de
traços de crescimento destrutivo com a deterioração da cooperação e o aumento da
competição dentro da IELB.
A criação de outras entidades de classe como a Abrelivros, ANL e Libre é um
indicador dessa divergência de interesses, inclusive no que tange a questões
institucionais. Esses traços negativos decorrem da falta de processos sistemáticos e
de integração entre os agentes transformadores para lidar com o crescente aumento
91
da diversidade (heterogeneidade) da IELB e da complexidade (aumento da
quantidade de laços de interdependência entre as partes componentes da IELB).
5.3.1 Empreendedorismo
A
capacidade
de
identificação
e
utilização
produtiva
de
recursos
potencialmente valiosos no exercício das funções da IELB está intimamente ligada à
presença de serviços empreendedores. A disponibilidade desses serviços, por sua
vez, depende diretamente da “predisposição psicológica de indivíduos em
arriscarem-se na esperança de algum ganho e, particularmente, em comprometer
esforços e recursos em atividade especulativa” (PENROSE, 1959, p. 33). Essa
predisposição
se
manifesta
sob
quatro
diferentes
formas:
versatilidade,
levantamento de fundos, ambição e capacidade de julgamento (PENROSE, 1959).
Ao analisarmos a evolução do mercado editorial, buscamos evidências que nos
ajudem a identificar a presença (ou não) de cada um desses componentes para
então tentarmos mapear o nível de serviços empreendedores presente em cada fase
da IELB.
Ambição. Desde o fim do monopólio imperial sobre a impressão e a censura
de livros, verificamos a presença de empreendedores dispostos a se aventurarem no
negócio de livros. A vinda para o Brasil de livreiros como Pierre Plancher e B. L.
Garnier em busca de oportunidades no embrionário mercado editorial nacional, ou o
engajamento de brasileiros como Paula Brito que apostou seus recursos pessoais,
“amealhados arduamente” (HALLEWELL, 1985, p. 83) na fundação de sua primeira
tipografia evidenciam que desde a primeira fase da IELB há sinais de ambição.
O crescimento da tipografia de Paula Brito, a implantação de novos métodos
de impressão por Pierre Plancher, a abertura de novas filiais pela Laemmert em
outros estados e a expansão ultramarina levada a cabo por Francisco Alves, ao
comprar editoras na Europa, trazem alguns indícios de que muitas empresas na
época não estavam acomodadas em manter seus negócios operando em níveis
estáveis.
92
A livraria Francisco Alves nos fornece outro exemplo de ambição, ao perceber
que poderia ampliar seu acervo de direitos de edição através da aquisição de
empresas editoriais no Brasil e em Portugal, efetuando a compra de pelo menos 10
empresas entre o final do século XIX e início do XX (HALLEWELL, 1985).
Até mesmo a reforma da sede da Garnier, no centro do Rio, para “eclipsar” a
Laemmert, até então seu principal concorrente, denota o desejo dos empresários da
época de melhorar seus respectivos negócios para se destacarem frente à
concorrência (HALLEWELL, 1985). Embora não tenhamos acesso aos motivos ou
pressões pelos quais essas empresas se aperfeiçoaram e cresceram, o simples fato
de terem empregado energia e recurso nesse sentido revela razoável nível de
ambição.
Ao longo da segunda e terceira fases da IELB, a ambição continuaria a fazerse presente. Editoras continuariam a ser fundadas e impulsionadas por empresários
imbuídos de produzir mais livros, de melhor qualidade e para mais pessoas. As
motivações poderiam ter razões de cunho ideológico, como a fundação das editoras
Paz e Terra e Brasiliense, por exemplo; produtivos (CHANDLER, 1977) como
aconteceu com a Record e a Livraria Globo; ou pela combinação de ambos os
motivos, como foi o caso das empresas de Monteiro Lobato, da Editora Vozes e da
Civilização Brasileira na gestão de Ênio Silveira.
A partir da década de 1990 (quarta fase da IELB), o crescimento tanto da
quantidade de livrarias e editoras quanto ao tamanho de algumas livrarias e editoras
revelam a permanente presença de ambição no setor editorial.
Versatilidade. Desde o século XIX (primeira fase da IELB) observamos sinais
de versatilidade (criatividade e visão) entre as editoras. Desde as primeiras décadas
dos 1800 algumas livrarias foram capazes de identificar oportunidades de negócio
não óbvias ou explorá-las de formas inusitadas até então. O livreiro português Paulo
Martin, por exemplo, na contramão do establishment do mercado brasileiro, na
época, percebeu que poderia exportar livros impressos no Brasil pela Imprensa
Régia, para serem vendidos por sua loja em Portugal, mesmo com o alto custo e a
burocracia causada pela censura, transporte de navio e desembaraço dos livros na
alfândega lisboeta (ABREU, 2010).
93
Paula Brito é outro exemplo de visão de negócio, ao estimular a produção de
escritores brasileiros através da inédita atitude de remunerá-los pelas suas obras.
Paula Brito, dessa forma, conseguiu atrair autores e, assim, aumentar as opções de
publicações à sua disposição.
Na segunda fase da IELB, há também algumas evidências de criatividade na
tentativa de contornar dificuldades internas ao seu crescimento: a expansão da rede
de pontos de venda de livro empreendida por Monteiro Lobato (BIGNOTTO, 2007); a
formação
pela
Livraria
Globo
de
uma
equipe
de
funcionários
voltados
exclusivamente para a tradução (MANÇANO, 2010), objetivando mitigar a falta de
tradutores no mercado para atender seu plano de expansão; a criação do Clube do
Livro com um novo modelo de negócio para vender livros produzidos sob
encomenda e entregues na casa do cliente (GRACIOTTI, 1990).
Na terceira fase da IELB, a Editora Civilização Brasileira passou a investir na
aparência de seus livros com o objetivo de deixá-los mais atraentes para o leitor.
Outro exemplo é a união de um grupo de editoras para combinar expertises
diferentes na exploração do livro de bolso, o que culminou na fundação da empresa
Edibolso (HALLEWELL, 1985; OLIVEIRA, 2007). O Grupo Abril lançou coleções de
bolso com grandes clássicos da literatura, aproveitando seu conhecimento sobre a
distribuição de revistas em bancas de jornal (HALLEWELL, 1985). A Editora Vozes
foi uma das primeiras editoras a implantar um sistema de computadores para facilitar
a gestão de pedidos e das vendas das filiais ainda na década de 1980 (ANDRADES,
2001). A editora Zahar conseguiu construir um sólido catálogo na área de Ciências
Sociais, através da seleção competente de títulos, cuja perenidade e consistência
fizeram dela uma editora de vanguarda nesse campo durante as décadas seguintes.
A Companhia das Letras inovaria profundamente o padrão gráfico-visual e a
qualidade literária em comparação aos livros produzidos até meados da década de
oitenta (PAIXÃO, 1996). A editora Rocco conseguiu transformar os relativamente
desconhecidos livros de Paulo Coelho em best sellers, sem precedentes no mercado
nacional, ainda na década de oitenta (PAIXÃO, 1996). A editora Imago fez um
movimento de diversificação arrojado e bem sucedido por meio do lançamento do
livro As Brumas de Avalon, cujo mote se distanciava sensivelmente de sua
tradicional linha editorial voltada para publicações na área da Psicanálise.
94
Na quarta fase da IELB, também verificamos versatilidade em algumas
editoras, como, por exemplo, a utilização em larga escala do consignado pela
Companhia das Letras, a configuração de novos patamares de preço ao mercado
pela Sextante e a aposta em temas insólitos e ousados trazidos para o Brasil pela
Intrínseca, como Crepúsculo ou Cinquenta Tons de Cinza pela Ediouro, como O
Segredo, e também por outras editoras.
Editoras menores também revelam traços de inventividade na quarta fase da
IELB. A Livraria de Microeditoras e a Intermeios fundada em abril de 2013, por um
grupo de pequenas editoras, é uma livraria voltada apenas para exposição e
comercialização de livros editados por empresas menores, obviamente com
dificuldade de acesso aos grandes canais tradicionais de venda 9, é um exemplo
disso. A editora Foz é outro exemplo de criatividade estratégica, ao privilegiar o
relacionamento com os autores e a publicação de poucas obras, criteriosamente
selecionadas. Assim, a empresa se propõe a dedicar mais tempo e cuidado aos
autores e ao processo de edição e produção gráfico-visual dos originais em relação
à média da indústria.
Por outro lado, algumas editoras Ediouro, Record e Rocco verticalizariam a
produção gráfica, mantendo-a sob controle direto dessas empresas. Essa estratégia
demonstra certa dose de ousadia, por ser exatamente oposta ao crescente
movimento de terceirização da produção gráfica adotado pela maioria das editoras,
desde a década de setenta. Principalmente em face da recente especialização e
aumento das empresas gráficas cujas oferta e qualidade de serviços se ampliaram
significativamente a partir da década de noventa.
Habilidade para levantar fundos. Na primeira fase da IELB, verificamos que
alguns empreendedores, como Paula Brito e Silva Serva, provaram-se habilidosos
em conseguir apoio financeiro do governo para alavancar seus negócios
(HALLEWELL, 1985).
9
Sem medo da concorrência ou do cenário, novas editoras se lançam no mercado. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 08 jun. 2013. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,semmedo-da-concorrencia-ou-do-cenario-novas-editoras-se-lancam-no-mercado,1040051,0.htm.
Editoras independentes inauguram livraria em SP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 abr. 2013.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,editoras-independentes-inauguramlivraria-em-sp,1024022,0.htm
95
Na segunda fase da IELB, também há outros editores que foram bem
sucedidos em arregimentar recursos para financiar o desenvolvimento de suas
firmas. Monteiro Lobato convenceu nove sócios a investirem na expansão da
Monteiro Lobato e Cia., José Olympio abriu sua primeira livraria com capital
emprestado por clientes da Casa Garraux onde trabalhou antes de abrir seu próprio
negócio (HALLEWELL, 1985).
Na quarta fase da IELB, algumas editoras nacionais receberam investimentos
de outras empresas nacionais e estrangeiras sob a forma de participação acionária.
Em 2007, a Sextante comprou 50% da editora Intrínseca e a editora norte-americana
Penguin adquiriu, em 2011, 45% da editora Companhia das Letras.
A expansão física empreendida por algumas médias e grandes redes de
livrarias, como a Saraiva, Livraria Cultura, Livraria Curitiba, Laselva, Livraria Leitura,
Livraria Travessa e Livraria da Vila, também revela a habilidade para levantar fundos
dessas empresas.
Julgamento. Na IELB, a capacidade de julgamento consiste em um dos mais
cruciais serviços empreendedores, visto que bastam algumas decisões equivocadas,
acerca da escolha de uma nova obra, tamanho da tiragem e preço de capa para
colocar em risco a existência de uma editora iniciante. Nesse sentido, temos
evidências de capacidade de julgamento adequada em todas as quatro fases da
IELB.
Na primeira fase, podemos mencionar a livraria Francisco Alves cuja
perspicácia na seleção de títulos lhe permitiu editar, em bases contínuas, livros de
boa aceitação pelo público. Na segunda fase, a livraria José Olympio mostrou-se
habilidosa na identificação de autores com potencial de mercado inexplorado, como
Humberto de Campos e José Lins do Rego (HALLEWELL, 1985). Na terceira fase
da IELB, a Editora Rocco fez uma boa avaliação do potencial da temática
mística/esotérica e conseguiu liderar esse segmento, principalmente, graças às
publicação das obras de Paulo Coelho (PAIXÃO, 1996).
Até então essas escolhas pautavam-se basicamente na experiência acumulada
por livrarias e editoras proporcionadas pela proximidade a leitores e escritores que
os alimentavam de percepções sobre preferências e tendências que poderiam ser
empregadas no refinamento das decisões sobre o que editar, quanto produzir e a
que preço.
96
Na quarta fase da IELB, muitas editoras passaram a contar com o serviço de
scouts e agentes literários nacionais e estrangeiros para auxiliá-las no processo de
identificação e avaliação de novas publicações e tendências literárias.
As editoras Companhia das Letras, Objetiva e Sextante são alguns exemplos
de empresas que demonstraram boa capacidade de julgamento, em bases
contínuas, tanto na definição de títulos quanto na formação de estratégias de preço,
tiragem e comunicação.
A presença de serviços empreendedores em algumas empresas da IELB, ao
longo da história, contribuiu para a criação de novos produtos e processos que
inspirariam outras empresas concorrentes. Essa inspiração levaria ao mimetismo
desses produtos pelos concorrentes impulsionado pela relativa facilidade de acesso
a alguns recursos produtivos (BARNEY, 1991) da IELB como gráficas, papel de
qualidade, ferramentas de design, diagramação e publicação, serviços acessórios de
revisão de texto e novos autores. Como vimos anteriormente, essa imitação
impulsionaria o crescimento interativo durante as quatro fases da IELB (FLECK,
2000).
Porém, a contribuição dos serviços empreendedores para o crescimento
saudável é relativamente limitada por ter-se concentrado basicamente em algumas
empresas desde a primeira fase da IELB. Essa limitação resultou em dificuldades
para a IELB explorar (exploring) (MARCH, 1991) novas possibilidades de criar valor
além do lançamento ininterrupto de novos títulos (crescimento randômico). Esse
quadro levou a indústria a depender mais de sua capacidade de navegação no
ambiente dinâmico para assegurar que as condições de captura de valor
desenvolvidas não mudassem, ou mudassem, o mínimo possível.
97
5.3.2 Navegação
A IELB enfrentou diferentes fontes de pressão que ameaçaram sua capacidade
de reter valor (FLECK, 2010a) em todas suas quatro fases. Conforme observamos
anteriormente, forças externas limitantes atuaram no sentido de colocar em risco a
manutenção de suas funções e, por conseguinte, a retenção de valor pela IELB. A
maioria dessas ameaças teve origem nas políticas públicas do governo exigindo da
IELB acesso às instâncias governamentais que regulam e controlam esses fatores.
Nesse sentido, analisaremos a atuação do SNEL e da CBL como a “ponta de
lança” da IELB na gestão do desafio da navegação, por vezes atuando em conjunto
com outras entidades de classe como a Abrelivros, Bracelpa e Abigraf.
Na segunda fase da IELB, a CBL e o SNEL articularam-se ativamente com o
governo em iniciativas para assegurar tanto o desempenho da IELB quanto a
criação de condições para seu crescimento. Segundo Galucio (2009), entre 1952 e
1964, o SNEL conseguiu formar parcerias “com os setores públicos, tanto do
Executivo como do Legislativo, na busca de criar condições para sua participação na
elaboração das políticas editoriais brasileiras” (GALUCIO, 2009: 77). Galucio (2009)
aponta ainda que a pauta mais discutida nesse período pelo SNEL foi a dificuldade
de importação de livros e papel para impressão por conta do câmbio. A importação
de livros constituía uma das formas centrais de captura de valor pelas livrarias ao
passo que o papel importado mantinha o nível mínimo de qualidade das publicações
confeccionadas no país.
Em 1947, a CBL conseguiu isentar as importações de papel e livro do regime
de licença prévia. Em 1954, foi a vez do SNEL convencer o governo a liberar
novamente a importação de papel e livros do regime de licença prévia restabelecido
com a adoção do sistema de múltiplas taxas de câmbio a partir de 1953
(HALLEWELL, 1985). Como podemos observar, ao longo da década de cinquenta,
CBL e SNEL, mantiveram-se próximas ao governo, dialogando, para garantir
condições mais favoráveis à importação de papel e livros.
Segundo trechos das atas de reunião do SNEL de 1957, apresentada por
Galucio (2009), o presidente o SNEL, Ênio Silveira, solicita a todos os diretores da
entidade com parentes ou conhecidos na câmara dos Deputados ou no Senado
Federal, que utilizem esse relacionamento em prol das causas defendidas pela
98
classe editorial e livreira. Hallewell (1985) afirma que graças à atuação vigorosa da
CBL e SNEL até o final da década de cinquenta, os editores conseguiram chamar a
atenção do governo para as reivindicações da IELB, uma vez que sua pequena
expressão econômica poderia ter mantido as questões do mercado editorial fora da
pauta governamental.
Na segunda fase da IELB, as dificuldades de importação ocasionadas pelas
instruções 204 e 208 da SUMOC ameaçavam novamente as importações
necessárias à manutenção das funções da IELB10. SNEL e CBL apresentam
relatório com os efeitos das medidas almejando sensibilizar o governo para a
delicada situação em que se encontrava a IELB. A resposta do governo veio em
1965, com a criação do GEIL e do GEIPAG, cujas recomendações levaram o
governo a isentar as tarifas de importação e os impostos para máquinas e
equipamentos destinados ao setor gráfico e papeleiro (ANDRADE, 1974).
Nas décadas de 1970 e 1980, SNEL e CBL continuariam a gozar de
legitimidade e autoridade suficientes perante o governo, para seguir como
“consultores” do governo, influenciando (OLIVER, 1991) a elaboração de políticas
para o livro no país. As duas entidades participaram da Comissão Especial formada
por representantes da indústria do livro voltada para apontar os problemas chaves e
propostas de solução. O resultado dessa análise foi encaminhado ao então Ministro
da Educação, Eduardo Portella, em 197911.
Durante as décadas de 1970 e 1980, CBL e SNEL contestaram (OLIVER,
1991) e conseguiram evitar a nova cobrança de direitos autorais sobre obras caídas
em domínio público prevista pela recém-promulgada lei 5.988, de 14 de dezembro
de 1973, a qual efetivamente não chegou a ser colocada em prática. O
arquivamento do projeto de lei 2131 do deputado Freitas Nobre que previa, entre
10
Três matérias foram publicadas no O Estado de São Paulo sobre essa mudança:
Grupo de trabalho para o estudo do problema do livro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 jul. 1961.
Disponível
em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19610714-26448-nac-0023-999-7not/tela/fullscreen.
Governo deverá adotar medidas a favor do livro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 jun. 1961.
Disponível
em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19610613-26421-nac-0010-999-10not/busca/parque+grafico+brasileiro.
Editores apelam para a União. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 jul. 1963. Disponível em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19630717-27064-nac-0013-999-13-not/tela/fullscreen.
11
De acordo com a matéria: Perspectivas para o livro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 out.
1979. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19791007-32076-nac-0055-999-55not/tela/fullscreen.
99
outras coisas, a limitação das publicações de autores estrangeiros a apenas 10%
dos títulos editados pelas editoras brasileiras, também foi arquivado após
questionamento e contestação (OLIVER, 1991) da CBL e SNEL12.
As editoras não deixaram de publicar originais por receio da censura,
ignorando-a explicitamente (OLIVER, 1991). A maior parte optou por editar e lançar
novas obras, mesmo sob risco de sanções previstas pela censura13. Essa postura,
embora não tenha sido organizada pelas entidades de classe SNEL e CBL, retrata
certa coesão do setor, ao adotar conjuntamente a estratégia de ignorar as premissas
da censura e arriscar continuar lançando normalmente.
Na quarta fase da IELB, SNEL e CBL, continuariam a influenciar (OLIVER,
1991) ativamente os debates sobre políticas públicas ligadas ao livro. As entidades
continuariam a participar da modelagem das principais decisões governamentais
envolvendo o mercado editorial. Em 2001 CBL, SNEL, Abrelivros e Bracelpa
juntaram-se na organização de uma pesquisa sobre o hábito de leitura no Brasil cujo
objetivo era fazer com que o governo investisse na ampliação da rede de bibliotecas
públicas pelo país e também institucionalizasse a compra sistemática e recorrente
de livros14.
A Lei do Livro (n° 10.753), promulgada em 2003, também recebeu
contribuições significativas da CBL e do SNEL. E mais recentemente ambas as
instituições conseguiram apoio de parlamentares na defesa de muitos projetos de lei
importantes para a indústria, como o projeto de lei 3727/2012 que estabelece a
instalação de pelo menos uma biblioteca pública em cada município; o projeto de lei
393/2011, que visa permitir a publicação de biografias não autorizadas; o projeto de
lei 4534/2012, que atualiza a definição de livros para enquadrar também os livros
digitais e dispositivos de leitura eletrônicos na categoria “livro”; e o projeto de lei
3133/2012, que modifica e atualiza a legislação vigente sobre direitos autorais.
12
Segundo matéria: Profissão, escritor. A polêmica. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 jul. 1985.
Disponível
em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19850714-33855-nac-0035-999-35not/busca/SNEL.
13
De acordo com a matéria: Mais de 500 livros foram proibidos. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12
dez. 1993. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19931212-36579-nac-0199-cd2-d6not/tela/fullscreen.
14
Segundo a matéria: Brasil tem 26 milhões de leitores, mostra pesquisa. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 14 jul. 2001. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20010714-39351-nac-44cd2-d3-not/tela/fullscreen.
100
Podemos observar, então, que a IELB atuou ativamente na conservação das
condições de captura de valor já estabelecidas e na formação de novas condições
para ampliar sua captura de valor. Nesse sentido, através de SNEL e CBL, a IELB
foi capaz de monitorar com eficiência o ambiente institucional na segunda, terceira e
quarta fases, desafiando e influenciando (OLIVER, 1991) consistentemente as
decisões do governo em seu favor. Isto é tão mais relevante quando se constata o
relativamente pequeno peso econômico da IELB, em termos de faturamento, na
economia do país. A relativa desenvoltura com que a IELB acessa e influencia as
instâncias
institucionais
é
também
reflexo
de
sua
importância
para
o
desenvolvimento do país e, por conseguinte, de legitimidade que detém junto à
sociedade e ao governo.
A sucessiva incorporação de estratégias bem sucedidas de atuação sobre o
ambiente institucional (BARON, 1995) desenvolveu na IELB a capacidade de
acessar e influenciar o governo em seu favor. O fortalecimento dessa capacidade é
um indicador de crescimento saudável e contribui diretamente para o sucesso de
longo prazo e, por sua vez, para aumentar a propensão da IELB à autoperpetuação
(FLECK, 2009).
5.3.3 Gestão da Diversidade
Como vimos, anteriormente, a criação de valor por qualquer indústria depende
diretamente dos recursos produtivos e dos serviços empreendedores disponíveis
(PENROSE, 1959). Quanto maior a heterogeneidade dos recursos disponíveis, mais
amplas serão as possibilidades de combiná-los para extrair serviços produtivos
(PENROSE, 1959) indispensáveis à criação de valor.
Os processos de crescimento das organizações normalmente incorrem no
aumento da heterogeneidade de recursos disponíveis (FLECK, 2009). Essa
ampliação da diversidade pode se apresentar de diferentes formas: pessoas,
geografias, tecnologias, tipos de empresas em atuação, entre outros exemplos
(FLECK, 2010a).
101
Enquanto uma macro organização, a indústria, ao crescer, atrai novos
fornecedores, prestadores de serviço, concorrentes e substitutos (PORTER, 1979).
E também estimula o advento de novas tecnologias e processos. As mudanças na
indústria também terminam por exigir atualização do corpo normativo que a regula,
provocando a criação de novas leis e regulamentações que incidem diretamente
sobre as funções da indústria.
A diversidade da IELB cresceu em várias dimensões, principalmente a partir da
década de 1970: na variedade de títulos publicados; nos perfis de escritores,
editoras e de livrarias; nos tipos de distribuidores (ex. distribuidores digitais); nas
novas tecnologias de impressão, ferramentas de design gráfico e diagramação; nos
tipos de feiras e eventos literários; nos tipos de papel; de arquivos para leitores
digitais (pdf, ePub, etc.) e geografias onde se vendem livros, para citar algumas.
Esse aumento na diversidade de recursos produtivos, de empresas (agentes
transformadores) e de tecnologias, viabilizou novas possibilidades de criação de
valor para a IELB: a qualidade da produção gráfico-visual aumentou sensivelmente,
a exposição de livros cresceu com as feiras literárias, reduziram-se as barreiras
físicas de acesso ao livro com o livro digital.
Todavia essa expansão da diversidade também aumentou a dificuldade de os
agentes transformadores gerenciarem os seus efeitos (dessa diversidade). A
competição foi um dos efeitos do aumento da diversidade, incorrendo no surgimento
de alguns conflitos e tensões dentro da indústria.
Essa competição, principalmente entre editoras, minou a capacidade de
cooperação entre elas, mesmo em questões de interesse comum ligadas ao
ambiente institucional e ao crescimento do tamanho do mercado potencial. A
fundação da Libre em 2001, por um grupo de editoras pequenas, ilustra a
fragmentação causada pela elevação da competição. O aumento da diversidade de
títulos também pressionou a competição pela ocupação das “vitrines” das livrarias,
inflando os preços dos espaços de exposição de livros15. Um entrevistado reforça o
impacto dessa realidade para as editoras:
15
Além das entrevistas, esse ponto é reforçado pela matéria: Concorrência inflaciona aluguel de
espaços em livrarias e reduz variedade dos destaques. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 dez. 2012.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1207526-concorrencia-inflaciona-aluguel-deespacos-em-livrarias-e-reduz-variedade-dos-destaques.shtml.
102
Um trabalho que custa caro hoje em dia, que custa uma grana na verdade,
é o espaço da livraria. Para a gente hoje é fatiado. Você tem uma ponta de
gôndola que custa x reais, o adesivo na vitrine que custa 22 reais, e aí você
vai indo. E, proporcionalmente, você tem que ter uma verba para investir
nesse ponto de venda. Só que o ponto de venda é limitado, você tem
quantas livrarias no Brasil? (ENTREVISTADO #7)
O aumento nos tipos de livrarias (redes de livrarias e livrarias independentes)
aumenta para as editoras o desafio de administrar as insatisfações provocadas
pelas diferenças de condições comerciais, descontos e atenção dedicada a esses
dois perfis. As editoras não demonstram sinais de que estão conseguindo gerir com
eficiência essas diferenças sem deixar degradar o relacionamento, principalmente,
com as livrarias independentes.
A colaboração entre editoras e livrarias também se deteriorou pelo acirramento
da competição. Algumas questões de interesse comum, que não representam
vantagem competitiva para ambas as partes, são tratadas cada vez mais de forma
individual e isolada, desperdiçando economias de escala e ganhos de eficiência que
poderiam ser compartilhados. A distribuição de livros, por exemplo, está reduzida a
soluções individuais isoladas de editoras e livrarias nas quais, frequentemente,
acontecem problemas ligados aos pedidos como a falta de livros solicitados, prazos
não cumpridos e embates sobre a responsabilidade pelo custo dos fretes.
Muitas editoras e livrarias, mesmo pequenas, optaram por desenvolver seu
próprio sistema de gestão ou adquirem individualmente, no mercado, de um terceiro
sem nenhum tipo de coesão que pudesse lhes assegurar economias, tanto na
aquisição quanto na manutenção desses sistemas.
O resultado dessas iniciativas fragmentadas são desperdícios, competição
excessiva, crescentes níveis de desgaste no relacionamento entre as empresas e
elevação nos custos totais da indústria.
Esse aumento na diversidade pode vir a ameaçar a integração entre as
funções da IELB em termos de comunicação, relacionamento, cooperação e fluxo de
informação.
A capacidade de coordenação da IELB também não conseguiu acompanhar o
aumento na quantidade de autores publicados. Com isso, a atenção e a qualidade
do relacionamento das editoras e autores têm-se desgastado por conta da
dificuldade que encontram as editoras em gerenciar autores novos e antigos,
103
garantindo-lhes um nível adequado de “dedicação e atenção” capaz de mantê-los
satisfeitos na editora. Um dos autores entrevistados sinalizou esse problema:
Por mais que ela dê atenção a mim e ela dá muito, não posso me queixar
nada da minha editora, nada. Mas ela não pode dar a atenção que eu acho
que eu mereço, entendeu? É muito livro. Atrás do meu livro saiu o de uma
escritora que é uma beleza de livro e que ela também queria toda atenção
do mundo. E ela merecia toda atenção do mundo. Então, ficou muito difícil
para a editora lidar com isso, né. Eu não sei o que eles podem fazer. Acho
que alguma coisa tem que ser feita. (ENTREVISTADO #5)
Outro entrevistado reafirma a dificuldade de a editora gerenciar o aumento da
diversidade de autores:
[...] porque as editoras não têm condições com esse aumento de oferta [de
títulos] de dar atenção para esses artistas. “Eu estou com dor de cabeça”,
“eu quero um fio de cabelo aqui”, “eu não estou conseguindo falar com
fulano”, entendeu? (ENTREVISTADO #7)
A diversidade também reduziu o foco de editoras e livrarias diante da
diversidade de novos autores, geografias para distribuir, de perfis de compradores e
leitores, etc. Um entrevistado de uma editora aponta essa dificuldade:
“[...] vamos pensar aqui na editora, quando é que nós perdemos dinheiro?
Nós perdemos dinheiro na hora em que perdemos o foco. Porque nós
somos uma editora que faz o livro do pastor evangélico, que tem a
apresentadora de televisão que vai fazer o livro das aventuras de um grupo
de velejadores, que vai publicar também um livro de literatura sofisticada,
um livro de um colunista importante do jornal O Globo, e ainda vai lançar um
livro sobre poker, etc. [...] Numa editora como a nossa, o nosso risco é o
risco do foco, porque a gente faz muita coisa ao mesmo tempo [...]”
(ENTREVISTADO #9)
A ausência de coordenação estende-se às livrarias cuja habilidade de escolha
e organização de um mix de produtos adequado e atraente aos compradores e
leitores tem-se deteriorado com a crescente pressão das editoras pela colocação de
cada vez mais títulos nas livrarias. Com isso, muitas livrarias também não
conseguem estabelecer o foco de atuação de seus respectivos negócios.
104
A multiplicação de novos “selos” dentro das editoras para, em princípio, lidar
com esse crescimento da diversidade de títulos pode, ao contrário, intensificar as
chances da perda de foco, pois aumentam a diversidade interna também.
O risco de esmaecer a imagem da editora com autores e livreiros pela edição
de perfis de obras diferentes da linha editorial tradicional da editora é um dos
principais motivos que tem levado muitas editoras a criar esses “selos”. Entretanto, o
aumento da diversidade interna pode fustigar a competição entre os diferentes selos,
por recursos e prestígio, dentro das editoras. Essa concorrência pode estimular
disputas internas que culminem na degradação da cooperação entre equipes de
selos diferentes.
A IELB não conseguiu desenvolver ferramentas e processos sistemáticos que
auxiliem a capacitação e treinamento dos funcionários para lidar com a crescente
diversidade de títulos. As rotinas de treinamento são essencialmente ad hoc e
voltadas apenas para os títulos considerados as “apostas” das editoras e livrarias.
Esse descompasso entre o lançamento de novos títulos e a capacitação dos
recursos responsáveis por explicar e/ou recomendar esses títulos às livrarias,
compradores e clientes, termina por ampliar a gama de títulos com alta propensão a
se tornar encalhe.
Algumas editoras reconhecem esse problema na IELB como aponta um dos
entrevistados:
[...] eu nunca vou ter o capital que esse cara tem para poder colocar e
investir. Então é melhor eu fazer menos e fazer bem feito e poder trabalhar
cada livro com o livreiro, com meu vendedor, ele poder saber... Você acha
que o vendedor [de uma editora que lança 40 livros por mês] sabe quais são
os 40 livros? É óbvio que ele não sabe. Ele sabe os quatro que estão
vendendo mais e o resto é um bolo. (ENTREVISTADO #7)
E é confirmado por outro entrevistado de uma livraria:
Leonardo, a diferença é que na década de 1980 eram poucas editoras.
Existiam as tops que estão aí até hoje, como a Nova Fronteira... A Ediouro
não estava nessa lista na época... existia a Brasiliense do Graco Prado, filho
do Caio Prado Jr, historiador. E o editor dele era o proprietário hoje da
editora Companhia das Letras. [...] Hoje não tem livraria no Brasil que caiba
o que as editoras produzem: 10, 12 títulos por mês, fora a quantidade de
editoras de fundo de quintal. Eu conhecia tudo, hoje eu não conheço, cada
hora é um nome novo. Aí cai num problema sério que pessoalmente nós
vivemos lá [na livraria] que é a distribuição, aí não tem distribuição, essas
editoras pequenas você não sabe onde comprar. O distribuidor que existe
105
ele não tem como pegar tudo que aparece, eu entendo, não pode vender
livros da sua editora, da minha, as milhares que tem, são milhares...
(ENTREVISTADO #27)
E essa dificuldade é agravada, principalmente, pela falta de sistemas de
consulta mais robustos onde os vendedores pudessem ter acesso, por exemplo, a
um mecanismo de busca de títulos com informações e características de cada livro
do acervo a partir do qual fosse possível procurar um livro por algumas
características do perfil de livro em que o cliente está interessado.
Um dos efeitos do crescimento da IELB foi o crescimento da diversidade.
Porém a IELB ainda não conseguiu desenvolver mecanismos de respostas
eficientes para contornar os efeitos colaterais proporcionados por esse aumento da
diversidade.
A
fragmentação
decorrente
da
competição,
o
desgaste
dos
relacionamentos entre autores, editoras e livrarias e a perda de foco das editoras
representam uma ameaça ao crescimento saudável no longo prazo da IELB e ao
aumento da propensão à autoperpetuação dos atores que compõem a IELB.
5.3.4 Gestão da Complexidade
A complexidade é função direta da quantidade de variáveis interdependentes
que integram determinado sistema (FLECK, 2009). Quanto mais elementos
interligados em um sistema, mais complexo se torna o processo de decisão. Nesse
sentido, o crescimento de uma indústria pode resultar além do aumento da
diversidade, no aumento da complexidade, caso se verifique aumento no número de
conexões dentro da indústria.
Conforme observado anteriormente, o crescimento da IELB desdobrou-se no
aumento da quantidade de participantes (agentes transformadores e fornecedores
de insumo), de recursos produtivos disponíveis e de produtos acabados na forma
essencialmente de livros (output).
106
A ampliação no número de agentes transformadores significou aumento da
quantidade
de
autores,
editoras,
gráficas,
livrarias
e
distribuidores
para
desempenhar as quatro funções chaves da indústria: criação, seleção, produção e
distribuição. Assim, para executar essas funções, tornou-se necessário maior
número de conexões, visto que, para executar a função “seleção”, as editoras teriam
que interagir com mais autores, e as livrarias teriam de interagir com mais editoras.
Para executar a função “produção”, as editoras teriam que interagir com mais
gráficas. Já para desempenhar a função “distribuição” passou a ser necessário
envolver mais distribuidores, livrarias e assim por diante.
A diversidade de novos agentes transformadores também proporcionou a
criação de novas conexões. Algumas das novas tecnologias emergentes na quarta
fase da IELB, como o e-commerce, a impressão sob demanda e o livro eletrônico
passaram e criaram novas conexões entre novos agentes transformadores, além de
agregarem novos processos internos ao fluxo produtivo da IELB. A produção sob
demanda e o livro eletrônico, por exemplo, fizeram emergir as gráficas digitais e os
distribuidores digitais respectivamente, dois novos agentes transformadores que
estabeleceram novas conexões entre editoras, autores, gráficas e distribuidores.
Anteriormente, o e-commerce também fez com que novas conexões surgissem, ao
facilitar a entrada de novos varejistas generalistas na distribuição de livros através
de suas livrarias virtuais.
As novas conexões decorrentes do aumento na quantidade e na diversidade
de agentes transformadores exigiram o desenvolvimento de novos processos
internos e/ou a adaptação dos processos existentes.
A institucionalização da consignação como prática comercial dominante entre
livrarias e editoras exigiu a adoção de novos processos internos por editoras e
livrarias para viabilizar o acompanhamento das operações envolvendo livros em
consignação. Esses novos processos ligados à gestão da consignação são
diretamente impactados pelo aumento na quantidade de títulos, editoras e livrarias.
Isso acontece porque, quanto mais títulos de mais editoras diferentes houver, maior
a necessidade de controle sobre o crescente número de itens. Do lado das editoras
e distribuidores acontece o mesmo: quanto mais livrarias recebem seus livros em
consignação, mais processos/etapas de controle serão necessários.
107
Assim, o crescimento da IELB, a emergência de novas tecnologias e a
disseminação da consignação ampliaram o número de conexões e a quantidade de
processos necessários para o processo produtivo da IELB desde a concepção de
um original até o acerto de contas de um livro vendido na livraria. Com isso, elevouse a interdependência entre os agentes transformadores e, por sua vez, a
complexidade da IELB.
Esse aumento da complexidade impacta diretamente a capacidade de resposta
da IELB aos outros desafios do crescimento: empreendedorismo, navegação,
diversidade e provisionamento de recursos humanos (FLECK, 2009).
Quanto maior é a complexidade presente no contexto de uma indústria, maior é
a necessidade de se estruturar processos sistemáticos para resolução de problemas
que permitam à indústria aprender em bases contínuas e também buscar, de forma
abrangente e sistêmica, soluções para as dificuldades encontradas (FLECK, 2009).
Nesse sentido, a IELB não tem conseguido organizar rotinas e processos
sistemáticos em velocidade compatível com o aumento da complexidade. Essa
deficiência impede a criação de condições para o aprendizado com as estratégias de
lançamentos de novos títulos, de distribuição, de comunicação, de vendas, etc. De
maneira geral, os lançamentos não são monitorados e depois avaliados na busca
dos pontos que possam ser melhorados para a escolha e lançamento do próximo
título. As editoras não costumam empreender buscas para entender porque parte
significativa de seus lançamentos não foi economicamente rentável ou porque
determinados títulos se tornaram um sucesso retumbante.
E sem uma rotina sistemática de avaliação, as justificativas para o “fracasso”
de alguns títulos resumem-se a explicações genéricas, como o elevado nível de
concorrência, a falta de destaque que o livro recebeu na livraria, etc. O mesmo
acontece quando um livro é um sucesso em termos de vendas. Não há
acompanhamento do ciclo de vida do livro. Muitas editoras não conseguem entender
de forma abrangente quais variáveis podem ter contribuído para o sucesso ou
fracasso de cada título. Além do baixo nível de profundidade das análises sobre
estratégias passadas, o aprendizado limita-se à experiência pessoal dos envolvidos.
Dificilmente há outros mecanismos que permitam as editoras manter esse histórico
dos livros lançados e do que foi feito com esse livro desde sua concepção até o
consumo por compradores e leitores.
108
Um entrevistado confirma essa carência de acompanhamento e aprendizado
com práticas passadas:
Tem, por exemplo, uma prática comercial que se consagrou que é a tal pré
venda, você dá um desconto maior se o sujeito te der um pedido
antecipado. O que não é garantia de sucesso, quer dizer, eu não sei
estabelecer uma relação histórica, uma série histórica falando: “olha, todos
os livros que tiveram pré-venda tiveram sucesso”. Têm práticas que a gente
aprende, sente que funciona, mas pelo menos eu não tenho registro
sistemático das que deram ou não deram certo. Ou seja, não serve para a
ciência. (ENTREVISTADO #39)
Sem esse aprendizado sistemático com as ações passadas, as editoras não
conseguem refinar suas estratégias de atuação (MARCH, 1991) para explorar
(exploit) melhor os recursos (BARNEY, 1991) e competências centrais (PRAHALAD;
HAMEL, 1990) de que dispõem e, dessa forma, aumentar a criação de valor em
todas as funções da IELB.
Com isso, muitas editoras tendem a buscar o sucesso focando na publicação
de novos títulos, utilizando as mesmas estratégias anteriores, na esperança de que
o resultado seja diferente. Isso faz com que o processo de lançamento de novos
títulos se torne praticamente randômico. A ausência de informações para apoiar o
processo de decisão sobre o que publicar e, principalmente, como publicar
empobrecem a qualidade de julgamento (PENROSE, 1959) e favorecem a
perpetuação de estratégias equivocadas ligadas, por exemplo, à definição de preço
e tiragem.
E esse empobrecimento na qualidade do julgamento (PENROSE, 1959) das
editoras pode resultar no que March (1993) definiu como “armadilha do fracasso”: o
fracasso de mercado dos títulos lançados leva as editoras a buscarem novos títulos.
Os novos títulos substituirão os títulos que estão atualmente nas livrarias,
encurtando o ciclo de tempo para o “amadurecimento” do livro no mercado. Isso
aumenta a propensão ao fracasso dos títulos recém-lançados que, por sua vez,
pressionará as editoras a buscarem mais títulos para publicação, que novamente
tornarão “obsoletos” os livros lançados nas semanas anteriores e assim por diante.
E a consequência principal dessa “armadilha” é o encalhe crescente de livros
provocado pelo excesso de produção.
109
As livrarias também não conseguiram estruturar processos sistemáticos de
aprendizado que lhes permitissem acompanhar o crescimento da diversidade de
preferências e comportamento de compradores e leitores. Novos perfis de
compradores e leitores podem estabelecer outros tipos de conexão com as livrarias.
Até a segunda fase da IELB, as livrarias eram frequentadas por um número reduzido
e cativo de fregueses cujas preferências eram relativamente homogêneas até pelas
opções restritas de títulos disponíveis. Ao mesmo tempo, as livrarias não dispunham
de recursos de informática para controlar essas informações. Nesse contexto, o
acervo de títulos e as preferências individuais dos compradores e leitores poderiam
ser controlados “de cabeça” pelo proprietário da livraria e seus funcionários, até
mesmo porque não havia alternativas.
Na quarta fase da IELB, a quantidade e a heterogeneidade de compradores e
leitores que frequentam as livrarias, assim como a quantidade de títulos disponível
nas próprias livrarias cresceu sensivelmente. E tornou-se absolutamente inviável
manter na memória individual preferências e títulos. Além disso, a taxa de
rotatividade de funcionários cresceu consideravelmente. Porém, mesmo diante
dessas mudanças que agregaram mais complexidade ao contexto das livrarias,
muitas delas insistem em manter a gestão das preferências dos clientes e dos títulos
na “cabeça” de proprietários e funcionários.
A carência de processos sistemáticos de coleta e análise de informações não
lhes permite identificar as preferências do cliente de forma a orientar a estratégia de
atuação das livrarias. Essas informações seriam úteis também para alimentar as
editoras com feedbacks sistemáticos sobre o perfil de compradores e leitores de
cada título, possíveis tendências e gaps que poderiam enriquecer o processo de
decisão sobre novos títulos pelas editoras (função “seleção”). O resultado é que
muitas livrarias perderam sua capacidade de escolha e de recomendação (função
“seleção”), criando menos valor para seus possíveis compradores e leitores. Isso
fica claro no discurso de um dos entrevistados:
O livreiro no passado era comerciante da moda antiga, ele deveria ter, “o
faro” de perceber que aquele livro era uma oportunidade comercial para ele.
Ele tinha que quantificar quanto queria e avaliar o risco, porque ele estava
comprando para revender. Hoje ele não é mais isso. Ele apenas recebe os
livros consignados, na maioria das vezes enviados “à galega”. [Os livros]
podem ter alguma compatibilidade com o ponto de venda dele ou nenhuma,
e ele administra aquele caos, que é a livraria dele. Raros livreiros de porte
110
pequeno e médio têm software sofisticado que lhes permitam [fazer] a
analise se o mix que ele está oferecendo ao público está adequado, se está
parado, se está girando, se não está girando, qual editora ele está
acertando mais ou acertando menos para chegar a um mix razoavelmente
melhor para oferecer ao público que frequenta sua livraria.
(ENTREVISTADO #22)
O crescimento
da complexidade não impôs apenas dificuldades de
aprendizado para editoras e livrarias. O aumento da quantidade de relacionamentos
entre editoras e livrarias influencia indiretamente na concentração da IELB.
A capacidade de coordenação atual das editoras não é suficiente para
gerenciar conexões com a maioria das livrarias instaladas. Com isso, grande parte
das editoras termina por simplificar a gestão de seus processos internos
concentrando seu relacionamento nas livrarias mais representativas em termos de
volume. Com menos conexões para gerenciar, as editoras conseguem manter sua
estrutura de gestão sem maiores alterações.
Isso nos mostra que a distinção no tratamento dispensado às redes de livrarias
e às livrarias independentes está vinculada a outros motivos além da relevância
econômica. Muitas editoras são atualmente incapazes de lidar diretamente com a
quantidade de livrarias independentes que existem. Não apenas pelas questões
econômicas ligadas à escala dos pedidos e distribuição, mas também pela
inexistência
de
sistemas
integrados
entre
editoras
e
livrarias.
Como
o
relacionamento entre livrarias e editoras ainda é desintegrado e informal, mesmo se
não houvesse dificuldades de ordem logística no atendimento direto das livrarias
independentes, as editoras continuariam inaptas a acolhê-las por não disporem de
recursos, processos sistemáticos e sistemas integrados de informação suficientes
para fazê-lo.
Contudo, esse tratamento “simplista” dos processos internos acelera o
processo de concentração da IELB, fortalecendo as grandes redes de livrarias e
enfraquecendo as livrarias independentes. A competição entre editoras também é
intensificada uma vez que a maioria delas quer assegurar a presença de seus títulos
nas maiores livrarias que respondem individualmente à fração mais significativa de
suas receitas. E ao direcionar mais esforços e atenção às grandes redes, estas
passam a aumentar sua relevância na receita e, por sua vez, sua influência sobre as
editoras, reforçando esse comportamento e realimentando esse mecanismo de
111
concentração. Nesse sentido, as grandes redes de livrarias apenas “colhem os
frutos” advindos das competências e vantagens competitivas desenvolvidas por elas
ao longo da evolução da IELB.
Além da concentração das livrarias, a falta de sistemas que integrem a
comunicação entre editoras, distribuidores e livrarias também criam desgastes
frequentes entre esses três agentes transformadores. Um exemplo dessa falta de
integração são os pedidos de reposição feitos por e-mail ou telefone. Poucas
editoras dispõem de uma plataforma online onde o livreiro tenha acesso aos títulos
detalhados, com a respectiva disponibilidade em estoque de cada um deles e prazo
de entrega. De acordo com alguns livreiros entrevistados, eles só são informados da
disponibilidade de determinado título solicitado ao abrirem a remessa de livros
enviada pela editora, conforme relatou um livreiro:
Vou te contar uma história, uma das maiores [editoras] no Brasil [...] me
demora às vezes 10, 12, 15 dias para entregar o pedido. [...] A maioria é
assim. Poucos funcionam bem. A editora não tem cuidado com o cliente
dela. [...] Eu passo um pedido e ela [a editora] não me informa o que não
vem, porque ela pode me dizer assim “olha, esse livro tal aqui ele não tem
agora, mas vai chegar dia 10, vai querer? Quer que eu guarde? Quer que
eu deixe pendente?” Não. Só um ou outro que faz. Você passa o pedido
sempre às cegas, muitos trocam as edições dos livros e não te avisam [...]
Tem editora que troca o código do livro, não avisa, editora aumenta de
preço e não avisa, olha, é uma coisa de louco. (ENTREVISTADO #23)
Essa situação é agravada na IELB pelo domínio da consignação nas relações
entre editoras, livrarias e distribuidores. A falta de integração sistêmica para gerir o
fluxo de livros em consignação custa caro à “saúde” do relacionamento entre
editoras, livrarias e distribuidores, além de custar caro em termos de recursos
(tempo e pessoal) empregados no controle e acerto manual. E a fragilidade dos
processos manuais utilizados para controlar a consignação expõe continuamente
livrarias e editoras ao erro e ao desentendimento dos acertos de consignação.
A frequente divergência de informações cria desconforto e desconfiança entre
editoras, livrarias e distribuidores, atrapalhando a fluência e o aprofundamento
desses relacionamentos. Com novas editoras, distribuidores e livrarias nascendo e
morrendo periodicamente, torna-se arriscado e imprudente dar continuidade às
relações interorganizacionais meramente com base “na palavra” como fora feito
desde o início da IELB no Brasil.
112
Um dos entrevistados aponta objetivamente para riscos decorrentes da
ausência integração e controle sistêmico:
“As livrarias, uma grande parte das livrarias hoje faz fluxo de caixa
sonegando informação de acerto de consignação. Você consegue entender
o funcionamento disso? E não relatam a venda para os editores e ficam
rodando com isso até que a editora pede a devolução total, aí quando pede
a devolução total ele tem que pagar o livro que não tem para entregar. Essa
ineficiência acontece não só porque houve má fé deliberada, mas porque se
perdeu o controle mesmo. Por quê? Não existem controles, sistemas de
automação comercial eficazes o suficiente para inibir esse risco. Hoje se
você conversar com qualquer empresa que faz software para livraria e pedir
um software que não permita manipulação dos resultados dos acertos de
consignação, o cara não vende o sistema. A livraria quando compra um
sistema quer ter capacidade de alterar a prestação de compras para a
editora.” (ENTREVISTADO #26)
Os autores também manifestam descontentamento em não terem acesso a
nenhuma forma de controle ou auditoria dos exemplares vendidos que lhes
subsidiem qualquer forma de apuração dos seus livros vendidos, restando-lhes
aceitar os acertos de direitos autorais enviados periodicamente pelas editoras.
A IELB tem tratado esses problemas pontualmente (ad hoc), privilegiando
“apagar incêndios” (FLECK, 2009) em lugar de estruturar processos sistematizados
para resolvê-los e, principalmente, evitá-los.
Com isso, as evidências apontam que a IELB não tem conseguido acompanhar
o aumento da complexidade resultante da evolução da própria indústria e do seu
contexto de atuação. A ausência de tratamento sistemático aos dados, processos
sistêmicos interorganizacionais, sistemas de informação gerencial e integração entre
as organizações (agentes transformadores) da IELB limita o aprendizado, desgasta
o relacionamento entre eles e pressiona a concentração em algumas partes da
indústria. A carência de informação limita a capacidade de julgamento e compromete
a utilização plena dos serviços empreendedores disponíveis, restringindo a
capacidade de criação de valor. O desgaste, por sua vez, ameaça a coesão futura
da IELB para navegar no ambiente institucional e defender junto às instâncias
governamentais e públicas questões de interesse comum entre os agentes
transformadores.
113
Dessa forma, ao analisarmos de que maneira tem a IELB respondido aos
desafios do crescimento ao longo de sua existência, podemos verificar a dificuldade
das organizações que a integram em manter alto e constante o nível de serviços
empreendedores. A atuação de forças externas (5.1) e os novos modos de
crescimento (5.2) experimentados pela IELB proporcionaram o aumento na
diversidade e complexidade em níveis acima daqueles que a maioria das
organizações da IELB conseguiu absorver. E esse descompasso compromete a
formação de traços saudáveis de crescimento dentro dessas empresas. Por outro
lado, a capacidade de navegar no ambiente com desenvoltura e legitimidade permite
que a IELB participe e influencie em decisões governamentais que possam vir a
afetá-la ou comprometer sua capacidade de reter valor.
114
6
CONCLUSÃO
A IELB permaneceu durante a maior parte de sua história sob o efeito de
forças limitantes. O culto à cultura estrangeira, a censura do governo, os impostos
sobre o livro e papel de impressão, a elevação da taxa de câmbio e a alta inflação
constituíram as forças limitantes que, paulatinamente, deixaram de atuar sobre a
IELB e restringir, de diferentes formas, as proporções do seu avanço.
Todavia, as forças limitantes foram sendo sucessivamente eliminadas ao longo
das fases. Com o fim dessas forças, a IELB encontrou condições cada vez mais
favoráveis para desempenhar suas quatro funções centrais: criação, seleção,
produção e distribuição.
Por outro lado, na medida em que as forças limitantes foram sendo extintas,
novas forças propulsoras começaram a emergir, contribuindo para a aceleração do
crescimento da indústria. Essas forças propulsoras podem ser organizadas em dois
grupos principais: tecnologia e políticas públicas. As principais forças oriundas da
tecnologia foram o processador de texto e desktop publishing software, o ecommerce, a impressão sob demanda (ISD) e o livro eletrônico. Essas forças
proporcionaram novas condições para o desenvolvimento da IELB ao oferecer novas
formas de desempenhar as funções “criação” (processador de texto e desktop
publishing software), “seleção” (ISD) e “distribuição” (livro eletrônico). Com isso, as
funções da IELB foram aceleradas, impulsionando o crescimento da indústria.
As políticas públicas podem ser desmembradas nos programas de compra de
livros pelo governo, no aumento real da renda, na ampliação da educação, nas
isenções de impostos e nas demais políticas de incentivo à cultura e leitura. Essas
políticas públicas expandiram tanto o tamanho do mercado nominal (através do
aumento real da renda e da ampliação da educação) quanto o tamanho do mercado
real (através dos programas de compra de livros pelo governo). Com isso, as
políticas públicas do governo aumentaram as condições de crescimento da indústria
no curto e no longo prazo.
Além da influência de forças externas sobre o desenvolvimento da indústria,
outras dinâmicas de crescimento também agiram sobre sua expansão. Cada uma
dessas dinâmicas caracteriza-se pela atuação de diferentes mecanismos de
115
estímulo ao crescimento: pela simples reimpressão de títulos já lançados (inercial),
pela perseguição de metas de crescimento (teleológica), pela competição e
cooperação entre os agentes transformadores (interativa), por mudanças no
ambiente (macro ambiente), por mudança significativa nas relações de força da
indústria (estrutural), pela “tentativa e erro” de novos lançamentos (randômica) e
recentemente pela resolução de alguns conflitos e tensões promovida pela
expansão do livro eletrônico. A figura 5-6 resume a atuação dessas dinâmicas em
cada fase da IELB:
Tipo de Crescimento
INERCIAL
1° Fase (1808 - 1920)
2° Fase (1920 - 1960)
3° Fase (1960 - 1990)
4° Fase (1990 - 2012)
Sim
Sim
Sim
Sim
NHES*
NHES*
NHES*
Sim
DIALÉTICA
Não
Não
Não
Sim
INTERATIVA
Sim
Sim
Sim
Sim
MACRO AMBIENTAL
Não
Não
Sim
Sim
ESTRUTURAL
Não
Não
Não
Sim
RANDÔMICA
Sim
Sim
Sim
Sim
TELEOLÓGICA
Figura 5-6 – Tipos de crescimento verificados na IELB em cada fase.
*Não há evidências suficientes.
Podemos observar na figura 5-6, que à medida que a IELB evoluiu, novos tipos
de crescimento surgiram e passaram a atuar conjuntamente. Na primeira fase (1808
– 1920) foram identificados apenas três tipos de crescimento enquanto, na quarta
fase (1990 – 2012), verificamos a presença de sete tipos de crescimento diferentes.
Com isso, observamos que a quarta fase da IELB é aquela que apresenta mais
condições de crescimento de toda a história pelo número de forças propulsoras e
tipos de crescimento presentes.
Entretanto, os novos modos de crescimento verificados na quarta fase da IELB
resultam em novos desafios às organizações dentro da IELB.
O crescimento inercial e interativo (pela concorrência) não se apresenta como
desafios às editoras, na medida em que estas já desenvolveram ao longo do tempo
116
a capacidade de ampliar sua produção e acompanhar os movimentos da
concorrência para tentar superá-los ou pelo menos acompanhá-los, quando fizer
sentido do ponto de vista estratégico.
Editoras e livrarias, historicamente, conseguiram acompanhar com relativo
sucesso as mudanças no ambiente externo que pudessem representar ameaça ao
business as usual, principalmente àquelas oriundas de decisões governamentais.
Entretanto, essas empresas nem sempre conseguiram o monitoramento eficiente de
novas oportunidades oriundas de mudanças no ambiente externo. Logo, é
importante para grandes e pequenas livrarias e editoras aperfeiçoarem a capacidade
de mapear sistematicamente as mudanças do ambiente e reagir para se apropriar
rentavelmente de possíveis oportunidades oriundas dessas mudanças.
O crescimento estrutural incorre no aumento de diversidade e complexidade
dentro das grandes editoras e livrarias. A aquisição de outras empresas aumenta a
heterogeneidade de funcionários, linhas editoriais, autores, geografias e públicos
leitores. A complexidade também cresce em função do aumento no número de
elementos a serem considerados no processo decisório. Priorização de lançamento,
escolha dos títulos a receberem exposição nas livrarias, identificação de sinergias
entre áreas e acompanhamento de todo o ciclo de vida do livro, do original à
devolução das livrarias, tornam-se tarefas complexas de serem executadas
competentemente. Nesse sentido, grandes livrarias e editoras precisam desenvolver
duas capacidade chave: sistematização de processos que estabeleçam rotinas para
lidar com esse aumento na quantidade de elementos dentro da organização;
coordenação das diferentes atividades e processos para manter a coesão da
empresa e preveni-las da fragmentação interna pela heterogeneidade.
O crescimento teleológico desafia as editoras e livrarias, principalmente as
grandes, uma vez que até o fim da terceira fase poucas organizações trabalhavam
com metas. Assim, para conseguir crescer teologicamente, editoras e livrarias
precisarão desenvolver a capacidade de planejar metas de crescimento viáveis e
estabelecer sistemas de controle para acompanhá-las.
Para continuar a desfrutar do crescimento randômico advindo do sucessivo
lançamento de títulos, as editoras precisarão, cada vez mais, de tempo e recursos,
principalmente do financeiro. O aumento na quantidade de lançamentos pressupõe
que diversos títulos precisam ser avaliados, selecionados, editados, traduzidos (se
117
for o caso), impressos e distribuídos em consignação. Isso exige que essas
atividades necessárias ao lançamento de um novo título aconteçam paralelamente,
consumindo, por sua vez, mais recursos financeiros, gerenciais (departamento
editorial e comercial) e físicos (papel, tinta, equipamentos gráficos, etc.).
Por fim, o incipiente crescimento dialético impulsionado essencialmente pelo
livro eletrônico vai exigir que editoras e livrarias de todos os tamanhos procurem
formas criativas para resolver novos conflitos e tensões (além dos existentes para o
livro impresso) que estão surgindo do crescimento do mercado do livro eletrônico.
Contudo ao analisarmos as respostas da indústria aos desafios do crescimento
(FLECK, 2009) em cada fase da história, encontramos alguns traços saudáveis, mas
também traços destrutivos de crescimento. Os primeiros favorecem o sucesso de
longo prazo e aumentam a propensão das empresas da IELB à autoperpetuação.
Mas o segundo representa sinais de crescimento não saudável que reduzem as
chances de sucesso no longo prazo e, por sua vez, não aumentam a propensão
dessas organizações à autoperpetuação.
A
indústria
conseguiu
desenvolver
a
capacidade
de
monitorar
consistentemente as mudanças no ambiente e influenciar ativamente as decisões do
governo em questões de seu interesse. Essa competência permite à indústria
influenciar mudanças futuras que a ameacem e estejam sob o alcance da ação do
governo. Com isso, a capacidade de navegar ativamente constitui um traço saudável
de crescimento e uma capacitação importante desenvolvida pela IELB.
Por outro lado, o crescimento da IELB elevou seu nível de diversidade e
complexidade internas ao aumentar a heterogeneidade e a quantidade de conexões
dentro da indústria. A expansão de títulos, tecnologias, livrarias, editoras,
compradores e leitores pode estar levando alguns membros da IELB a perder o foco
de atuação. Editoras e livrarias estão ampliando continuamente seus perfis de
publicação como principal mecanismo de crescimento. A multiplicação de selos
editoriais dentro das editoras, na última década, ilustra esse movimento.
A IELB não conseguiu ainda estabelecer estratégias que racionalizem o
crescente aumento do lançamento de novos livros, por exemplo, a segmentação da
distribuição ou desenvolvimento de novos tipos de canais. O resultado é que grande
parte das editoras simplesmente busca colocar a maior quantidade de livros
possível, na maior quantidade de livrarias que conseguem, sem avaliações
118
preliminares que indiquem que essa é a estratégia mais adequada. A carência de
análise induz as editoras a possíveis erros de avaliação de originais (seleção), à
impressão de tiragens exageradas, à competição excessiva e ao encarecimento
contínuo do preço dos espaços de exposição nas livrarias. E o principal agravante
desse processo é a baixa taxa de aprendizado com a experiência.
A maior parte de livrarias e editoras não consegue criar disciplina para
aprender sistematicamente com suas falhas e sucessos. A carência de informação
e/ou análise sobre compradores e leitores, sobre o desempenho de títulos bem ou
mal sucedidos e sobre a eficácia de estratégias passadas de produção, lançamento,
distribuição, etc. dificulta o processo de aprendizado. E isso reforça a crença
difundida na indústria de que o sucesso ou fracasso de determinado título é
imprevisível e que depende de “boa dose de sorte”. Tal crença, por sua vez,
retroalimenta o desinteresse pela indústria em estabelecer novos processos
sistemáticos de registro e análise de informações que a conduzam ao aprendizado,
a partir de seus erros, o que permitiria assim o aperfeiçoamento (exploiting) de suas
funções (criação, seleção, produção e distribuição) e o melhor direcionamento de
seus recursos.
Por outro lado, identificamos que a falta de integração sistêmica entre os
diferentes elos da cadeia produtiva se mantém mesmo diante do aumento
significativo de empresas atuando em cada uma das funções da indústria. A falta de
sistemas que integrem a comunicação entre editoras, livrarias e distribuidores,
impede a verificação da disponibilidade e prazo dos livros nas livrarias, gerando
erros, falhas de comunicação. A ausência de integração sistêmica obriga editoras,
distribuidores e livrarias a fazer o acerto e verificação dos livros consignados de
forma manual, sujeitando a erros frequentes que degradam a relação entre esses
agentes transformadores. Não há sistemas com informações mais detalhadas sobre
os títulos para auxiliar a equipe de vendas das editoras e as livrarias na escolha do
melhor acervo e na sugestão de livros aos compradores e leitores.
A combinação de pouco aprendizado e pouca integração leva a indústria a
privilegiar excessivamente as dinâmicas de crescimento randômico (busca pelo
acerto na quantidade de lançamento), interativo (como há pouco aprendizado e
integração entre a cadeia de valor – editoras, distribuidores, livrarias e leitores - as
estratégias bem sucedidas são prontamente “copiadas” pela concorrência) e
119
estrutural (a falta de capacidade de gestão de muitos fornecedores/compradores
obriga editoras e livrarias a privilegiar as empresas com maior escala de atuação).
A esse panorama podemos acrescentar alguns possíveis efeitos colaterais
resultantes da atuação das forças propulsoras e dos modos de crescimento que
podem vir a ameaçar o sucesso das organizações da IELB no longo prazo. O
primeiro deles seria a acomodação, por parte das editoras, decorrente do crescente
aumento dos programas de compra de livros pelo governo, o que não estimularia a
inovação de processos e estratégias. O segundo possível efeito colateral é o
elevado nível de legitimidade conferido à IELB pelo governo e pela sociedade, o que
lhe garante altas chances de continuar existindo, mas não garante que essa
existência se dê de forma saudável.
Além da injeção de recursos ocasionada pelas compras governamentais, as
facilidades concedidas à IELB pelo governo, com a anuência indireta da sociedade,
em
termos
de
incentivos
fiscais,
por
exemplo,
podem
proporcionar
o
desenvolvimento de um ambiente piedoso. Nesse contexto a IELB pode vir a se
tornar uma permanently failing industry (PFI) (MEYER; ZUCKER, 1989 apud FLECK,
2009), isto é, uma indústria na qual a folga (slack) de legitimidade e recursos
proporcionados pelo governo e sociedade ocultem os efeitos nocivos da ineficiência
e acomodação. Esse contexto acarreta consequências negativas para as
organizações que fazem parte da IELB e para a sociedade como um todo, visto que
podem aumentar a propensão de algumas empresas a desenvolver traços de
crescimento não saudáveis (FLECK, 2009).
Outro risco presente na IELB é o aumento significativo do risco de contrafação
com o crescimento da impressão sob demanda e do livro eletrônico.
Com isso, embora esteja sob a influência de forças propulsoras favoráveis ao
crescimento e renovação, a IELB não está conseguindo responder adequadamente
a todos os desafios proporcionados por esse crescimento. A indústria não conseguiu
até agora institucionalizar processos sistemáticos de registro, coleta e análise de
informações para subsidiar
a gestão dos relacionamentos entre agentes
transformadores, a gestão das estratégias adotadas e a gestão dos compradores e
clientes. O resultado da combinação de forças propulsoras com as deficiências dos
recursos da IELB para lidar com as crescentes complexidade e diversidade sugere
120
que a indústria pode estar com dificuldades de desenvolver traços saudáveis de
crescimento suficientes para seu sucesso no longo prazo.
A entrada da Amazon, Google e Apple pode mudar o contexto de crescimento
da indústria, visto que todas essas empresas operam baseadas em informação. Ao
contrário do restante da IELB, essas empresas são capazes de aprender
continuamente com “erros e acertos”, conhecem os compradores e leitores que
frequentam seus sites, e têm gestão sobre a troca de informação com seus
fornecedores (editoras). Esses novos participantes podem favorecer a indústria a
responder melhor aos desafios da diversidade e complexidade ao fornecerem
informação de forma sistemática para a indústria. Nesse sentido, Amazon, Google e
Apple (e outro distribuidores digitais) podem ajudar a disseminar novas sementes de
crescimento que fortaleçam uma trajetória de crescimento da IELB (FLECK, 2009),
ao custo da eventual extinção de alguns componentes da IELB que não venham a
conseguir desenvolver, no nível de suas organizações, propensão ao crescimento
saudável.
Mas vamos retomar a estrutura atual da IELB na figura 4-1 e as funções que
cada agente transformador desempenha na figura 6-1. Ao analisarmos a IELB no
nível de suas organizações, podemos separar as livrarias e editoras em dois grupos
estratégicos: médias/grandes e pequenas. Ao analisarmos esses dois grupos no
contexto atual do livro eletrônico, de forças propulsoras e diferentes modos de
crescimento, podemos verificar diferentes recomendações em relação às estratégias
que cada organização dentro desses grupos poderia considerar refletir.
121
Figura 4-1 – Estrutura da IELB e seu ambiente externo em 2012
Figura 6-1 - Atuação dos agentes transformadores da IELB por função na quarta fase
122
As grandes editoras, conforme mencionamos anteriormente, têm maior
capacidade de aproveitar o crescimento randômico por disporem de mais recursos
para “testar” novos lançamentos. As grandes redes de livrarias (físicas e virtuais)
também dispõem de maior capacidade em termos de espaço e pontos de venda
para viabilizar essas “apostas” de lançamentos quando comparadas a pequenas
livrarias. Editoras e livrarias de grande porte também podem explorar melhor a
distribuição de livros físicos e eletrônicos. Muitas delas desenvolveram sistemas
próprios de distribuição que lhes permitem maior capilaridade, cobertura geográfica
e controle sobre a disponibilidade de livros físicos. Por outro lado, editoras e livrarias
de grande porte também se encontram em vantagem para negociar a distribuição de
livros eletrônicos.
Todavia, há alguns riscos para as grandes empresas (livrarias e editoras) que
não devem ser descuidados. O primeiro é a dificuldade de foco no sentido de essas
organizações maiores conseguirem manter a consistência de suas identidades e
posicionamentos, à medida que crescem e expandem sua linha de produtos
oferecidos, áreas geográficas de atuação e perfil diferente de compradores e
leitores. Essa diversidade pode exigir novas estratégias diferentes daquelas com as
quais a empresa está habituada. Nesse sentido, é preciso ampliar a capacidade de
coordenação interna para não subaproveitar essa quantidade e heterogeneidade de
recursos consequente do tamanho da empresa. O segundo risco está no aumento
da complexidade pelo aumento das relações de interdependência entre áreas da
empresa, quantidade de produtos oferecidos, autores, etc. Isso significa desenvolver
a capacidade de gestão para evitar que essa variedade de elementos seja tratada
de forma homogênea, isto é, “simplista”, limitando a capacidade de criação e captura
de valor. E os níveis de diversidade e complexidade também aumentam na
proporção do nível de verticalização de uma empresa, exigindo mais capacidade
gerencial e rotinas de resolução sistemática de problemas, para que a organização
consiga efetivamente se apropriar das vantagens competitivas advindas de seu
tamanho.
Analisando a figura 5-6 e 6-1 (ambas citadas nas páginas 116 e 122)
observamos que as livrarias pequenas enfrentam uma situação dicotômica com a
expansão do livro eletrônico. De um lado, o livro eletrônico ajuda a resolver a
questão da desvantagem do espaço reduzido em relação às grandes redes e ao e123
commerce. As livrarias pequenas poderiam oferecer no formato digital os títulos que,
por falta de espaço físico, não são oferecidos em suas lojas no formato tradicional
impresso em papel. Por outro lado, a entrada dos distribuidores digitais pressiona as
pequenas livrarias não apenas por dispensarem a necessidade de uma loja física
para aquisição de um livro eletrônico, mas também pelo tamanho, know-how em
distribuição digital e nível de capitalização para investir que essas empresas
possuem.
Dessa forma, a construção de canais de distribuição digital por essas
pequenas livrarias parece não ser suficiente para que elas consigam algum nível de
destaque em relação aos grandes distribuidores (Amazon, Apple, Google, etc.).
Duas possíveis alternativas a serem adotadas pelas livrarias pequenas, para
manterem-se relevantes, seriam a especialização da função “seleção” e a
transformação das livrarias em espaços de cultura e entretenimento individualizados,
por exemplo. Aprofundar a função “seleção” significa conhecer melhor os
compradores e leitores da livraria para aprimorar continuamente o mix de produtos
disponível e a forma como eles serão ofertados. A transformação da livraria em
espaços de cultura e entretenimento é apenas uma forma, dentre outras, de criar e
capturar mais valor pelas livrarias pequenas (ou independentes).
É preciso entender que tipo de experiência pode ser proporcionada aos leitores
e compradores da vizinhança da livraria que os atrairia para dentro da loja. Hoje, o
cliente frequenta a maioria das livrarias pequenas essencialmente pelo livro. Cada
vez mais livrarias fazem atividades culturais envolvendo adultos e crianças,
lançamentos de livros, etc., para ampliar a gama de motivos que levam leitores e
compradores a frequentar as livrarias. Com o livro digital talvez seja preciso fazer
mais do que isso. Talvez seja preciso criar um espaço suficientemente interessante
para fazer com que o potencial leitor ou comprador opte por se deslocar até a livraria
no lugar de comprar o livro pelo e-reader ou pelo computador. As livrarias precisarão
ser mais criativas e, com isso, faz-se necessário sistematizar cada vez mais a
gestão das livrarias para facilitar o controle e liberar mais tempo dos
empreendedores, a fim de eles se dedicarem ao aprimoramento da função “seleção”
e para eles pensarem em como manter suas lojas mais interessantes.
As livrarias pequenas também podem explorar mais ações conjuntas através
de suas entidades de classe como ANL e AEL/RJ para, por exemplo,
124
compartilharem melhores práticas comerciais e de gestão, uma vez que grande
parte das livrarias independentes não concorre entre si. A aquisição de insumos,
serviços, e até mesmo treinamento da equipe de vendedores poderiam ser
realizados de forma coletiva para reduzir custos. Os sistemas utilizados pelas
livrarias também poderiam ser comprados de forma unificada. A adoção de
movimentos conjuntos pelas livrarias pequenas poderia diminuir a desvantagem de
tamanho em algumas atividades que não representam vantagem competitiva para
essas empresas e que, por conseguinte, poderiam ter maior adesão das mesmas. É
preciso entender com maior profundidade para quais atividades a cooperação
poderia ser mais vantajosa que a competição.
Para as editoras pequenas, o cenário é parecido com o das livrarias
independentes. A reunião de pequenas editoras para a aquisição de serviços
gráficos, de marketing e para a distribuição de seus livros, por exemplo, poderia
proporcionar melhores condições de negociação para esse grupo de editoras. Por
outro lado, por disporem de níveis restritos de capital, as editoras pequenas
precisam criar algum tipo de diferencial nos livros que edita, tendo em vista
despertar o interesse não apenas dos leitores, mas também das livrarias em adquirilos.
Com a entrada dos distribuidores digitais, muitas editoras pequenas podem, no
médio prazo, perder alguns de seus autores para a autopublicação digital oferecida
por essas mesmas empresas. Hoje, muitas editoras pequenas “revelam” autores de
qualidade que frequentemente migram para editoras maiores atraídos por propostas
de adiantamentos e promoção mais abrangentes para suas obras. Nesse cenário, as
editoras pequenas precisam ter mais foco na escolha de estratégias de publicação
que lhes permitam de alguma forma continuar atraindo autores de qualidade em
velocidade superior a daqueles que deixam a editora. A diversificação para outros
negócios relacionados à atividade da editora, como prestação de serviço de apoio
para autopublicação consiste em um alternativa de capturar mais valor, aproveitando
melhor sua estrutura e habilidades editoriais.
125
6.1 Sugestões para pesquisas futuras
Ao longo dessa pesquisa, foi possível perceber que a deficiência de
informações na IELB favorece o desbalanceamento de poder na indústria, promove
a concentração nos segmentos de editoras e livrarias, deteriora a qualidade dos
relacionamentos entre editoras, distribuidores e livrarias, e impede que a indústria
aprenda de forma sistemática com seus erros. A própria qualidade de julgamento
sobre as principais decisões da indústria acerca de títulos a serem lançados,
tiragem, estratégias de lançamento, de comunicação, entre outras decisões, fica
enfraquecida pela carência de informação, que termina por ser “compensada” por
experiência e intuição.
Por outro lado, o escopo da presente pesquisa não contemplou o levantamento
interno junto às livrarias, editoras e distribuidores sobre os sistemas, processos,
pessoas e recursos dedicados ao gerenciamento das informações que são trocadas
com outras empresas e que apoiam o processo de decisão. Um estudo aprofundado
e sistemático sobre a evolução dos sistemas de informação dentro dessas empresas
poderia contribuir para entender, ao longo das últimas décadas, como a informação
vem sendo gerada, analisada e aproveitada pela IELB, bem como identificar
oportunidades de desenvolvimento que possam aperfeiçoar a atuação da macro
organização IELB e das organizações que a integram.
Esses aspectos da dinâmica do fluxo de informações tornam-se ainda mais
relevantes com o avanço do livro eletrônico e o estabelecimento de empresas cujo
negócio está baseado em informação como Amazon, Apple e Google. Essas
organizações caracterizam-se pela excelência com que trabalham as informações
de seus clientes. Nesse sentido, Amazon, Apple e Google podem influenciar no
cenário competitivo da indústria não apenas pela sua força e influência econômica,
mas também pela sua capacidade de trabalhar informação, o que lhes assegura a
capacidade de aprender com seus erros e o privilégio de conhecer seus clientes em
profundidade. Assim, em um cenário de crescimento do livro eletrônico, esses
varejistas digitais podem ampliar de forma crescente, ao longo do tempo, a
capacidade de capturar valor para suas organizações.
Outra linha de investigação diz respeito ao fim de editoras, livrarias e
distribuidores. Como teria sido o processo de declínio dessas empresas, o que as
126
levou à decadência e que lições podem ser tiradas para as empresas atuantes na
IELB? Empresas de destaque no setor foram extintas, adquiridas por outras
empresas ou reduziram-se a “sombras” dos negócios que um dia foram.
Organizações como a Companhia Editora Nacional, Livraria Globo, Livraria Martins
Editora, Civilização Brasileira, José Olympio Editora, Editora Brasiliense, Livraria
Siciliano e Distribuidora Brasilivros são alguns exemplos de empresas que
cresceram, destacaram-se, mas terminaram por extinguir-se.
O aspecto relacional da IELB também merece ser aprofundado por outras
pesquisas. Ao longo das entrevistas para este estudo, pudemos verificar que, parte
do valor capturado pelas empresas da IELB não está ligada ao sucesso comercial,
mas ao reconhecimento da empresa pelos outros participantes da IELB.
Observamos, por vezes, uma ligação afetiva de alguns entrevistados com o negócio
do livro. E seria interessante procurar compreender em que nível essa ligação
favorece, ou não, a capacidade da organização de criar traços saudáveis de
crescimento, principalmente devido ao risco de que aspectos da gestão do negócio
possam ser negligenciados em função da manutenção de certo idealismo na
condução do negócio.
Finalmente, tendo em vista a grande concentração de empresas familiares no
setor, a questão da sucessão das lideranças é um ponto de destaque nesse tipo de
estudo, visto que, na maioria dos exemplos mencionados, o declínio não se deu sob
o comando dos sócios fundadores, mas de seus sucessores. Estudos longitudinais
aprofundados de tais empresas podem nos trazer insights valiosos para
compreender padrões de comportamento saudável ou armadilhas do crescimento
que possam ser replicados ou evitados no modus operandi da indústria.
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APÊNDICES
156
APÊNDICE A – HISTÓRIA DA INDÚSTRIA EDITORIAL DE LIVROS DO BRASIL
(IELB)
1 HISTÓRIA DA IELB
1.1
Primeira fase: 1808 – 1920
1.1.1 Setor Gráfico
Durante praticamente todo o período colonial, algumas iniciativas de instaurar
tipografias em território nacional foram sufocadas por Portugal, tendo como exemplo
mais emblemático a oficina tipográfica de Antônio Isidoro da Fonseca, embargada
pela ordem real de seis de julho de 1747 (HALLEWELL, 1985; BRAGANÇA 2010).
Oficiais de livreiros cariocas organizaram-se para, em 1755, tentar pleitear junto ao
Governo Português “os mesmos privilégios, isenções e liberdades” (MORAES, 1979
apud BIGNOTTO, 2007, p. 41) desfrutadas pelos livreiros portugueses na metrópole.
Mas o pleito foi negado pela Coroa sob a justificativa de que os livreiros formavam
um grupo pequeno e incipiente demais para que lhes coubessem os mesmos
direitos outorgados aos livreiros portugueses (BIGNOTTO, 2007, p. 41).
Hallewell (1985) sugere que a redução do Brasil à colônia de Portugal, dotada
de administração local rudimentar, povoada pela pequena e dispersa população
brasileira da época, insuficiente em condições econômicas (mão de obra
alfabetizada, alto custo do equipamento e insumos importados) e com mercado leitor
confinado a “1.250 fregueses em potencial” (HALLEWELL, 1985, p.15), fez com que
a Metrópole desencorajasse o estabelecimento de tipografias no Brasil.
Nireu Cavalcanti (apud BRAGANÇA, 2010, p. 28) sinaliza que a indisposição da
Coroa com empreitadas tipográficas regionais voltava-se, em parte, para atender
aos interesses comerciais dos impressores e livreiros portugueses que se
beneficiavam duplamente da interdição aos impressos na colônia.
157
A regulamentação obrigava que qualquer original, ainda que fosse “algo de
interesse tão local, quanto uma carta pastoral de um bispo” (HALLEWELL, 1985, p.
22), fosse impresso em Portugal. Ao mesmo tempo, as publicações destinadas ao
Brasil eram sujeitas ao crivo da Real Mesa Censória de Portugal, criada em 1768.
Somente em 1808, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, a
indústria editorial brasileira assentar-se-ia de forma definitiva no país com
inauguração da Impressão Régia no dia 13 de maio de 1808, no Rio de Janeiro. É o
nascimento da indústria gráfica brasileira e o encerramento de “um longo período de
interdição à publicação de impressos no Brasil” (ABREU, 2010, p. 41).
Todavia, o controle monárquico sobre a produção editorial nacional no Brasil
continuou nos anos seguintes. A Impressa Régia detinha o monopólio legal das
publicações impressas no país, constituindo-se a principal oficina tipográfica com
liberdade para operar em território nacional. A implantação de qualquer outra
tipografia em solo brasileiro estava sujeita à autorização oficial concedida pelo
Estado (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001, p. 53-54).
O controle exercido pelo governo sobre a impressão de textos e publicações
autorizadas a circular conteve o crescimento do mercado até 1821, quando o
monopólio da Impressão Régia e a censura foram abolidos. A atividade tipográfica
expandiu-se no país nos anos seguintes. O número de firmas impressoras cresceu
de duas em 1820 (Impressão Régia e Tipografia Silva Serva na Bahia) para sete em
1823, conforme observamos no gráfico abaixo:
Número de tipografias em operação ao longo do século XIX
Fonte: Hallewell (1985, p. 47)
158
Esse crescimento da oferta comercial de impressão também tivera outras
razões, além das mercantis, conforme nos mostra Borba de Moraes ao afirmar que
grande parte dessas novas tipografias “foram fundadas com mais entusiasmo do
que capital, para defender novas ideias constitucionais e a independência, e
produziram uma quantidade de gazetas efêmeras, hinos patrióticos, proclamações,
discursos, cartas e folhetos políticos” (MORAES, 1993 apud BRAGANÇA, 2001,
p.141).
Grande parte das gráficas no país ocupava-se primordialmente da confecção
de jornais e periódicos, subordinando à impressão de livros à disponibilidade de
capacidade ociosa dos equipamentos. Essa preferência dos editores-impressores
(Bragança, 2001) por outros tipos de publicação ao livro poderia ser justificada por,
pelo menos, dois motivos diferentes. O primeiro motivo, como observa Hallewell
(1985), seria a rentabilidade de outros impressos em comparação ao livro: “a parte
mais lucrativa do negócio de Plancher provavelmente foi a publicação de periódicos
[...], que começou com o Spectador Brasileiro” e continuou com o Jornal do
Commercio, “que logo se tornou o mais importante jornal carioca” (HALLEWELL
1985, p. 70). A Tipografia de Silva Porto & Cia durante seus 39 meses de operação
publicou 112 peças, das quais apenas 21% de livros (IPANEMA, 2008). As gráficas
de Paula Brito, cujo primeiro prelo fora inaugurado em 1831, imprimiu
exclusivamente periódicos até 1835. No mesmo ano publicou cinco títulos, chegando
a 21 livros (títulos) por ano apenas em 1851 (HALLEWELL, 1985). A Typographia
Universal, de Eduardo e Henrique Laemmert, também imprimia livros, mas tinha
como carro chefe a publicação do periódico Almanack Laemmert (HALLEWELL,
1985).
Segundo Rubens Borba de Moraes, “imprimir um jornal e fazer um livro exigem
técnicas inteiramente diversas e demandam pessoal diferente” (MORAES, 1998
apud BIGNOTTO, 2007, p. 230), infligindo às tipografias maior especialização em
termos de maquinário, funcionários e operação para a produção de periódicos.
Assim, muitos pedidos de impressão de livros direcionados às tipografias nacionais
resultavam, com certa frequência, em publicações marcadas por erros tipográficos e
pela materialidade gráfica inferior (BIGNOTTO, 2007).
O segundo fator de desestímulo à produção doméstica de livros era causado
pela desvantagem de custo em relação ao livro impresso na Europa. Londres e Paris
159
contavam com modernos equipamentos gráficos, voltados exclusivamente para a
impressão de livros, consequência da evolução tecnológica e da escala de produção
que lhes permitia não apenas recursos para adquirir a vanguarda dos equipamentos
gráficos,
como
demanda
suficiente
para
mantê-los
plenamente
ocupados
(HALLEWELL, 1985).
Montar uma tipografia no Brasil implicava enfrentar ainda a escassez de
técnicos especializados no manuseio e operação dos equipamentos tipográficos. Os
empresários que se aventuravam na atividade tipográfica precisavam dominar o
ofício para treinar novos técnicos, disputar os poucos tipógrafos formados pela
Imprensa Régia ou “importá-los” da Europa.
O abastecimento de papel constituía outra barreira importante. Segundo
Hallewell (1985), as tarifas de importação de papel estiveram acima daquelas
aplicadas à importação de livros por vários períodos ao longo do século XIX e início
do século XX: pelo menos durantes os períodos entre 1819 e 1836, 1844 e 1860 e
de 1912 até 1929. Em 1879, a importação de um quilo de papel para livros chegou a
ser taxada em $160 contra $100 pela importação de um quilo de livros
(HALLEWELL, 1985).
Essa situação foi agravada pela isenção alfandegária facultada pelo governo
brasileiro aos livros importados de Portugal a partir de 1912 (HALLEWELL, 1985),
tornando as publicações portuguesas (muitas das quais traduções de outros
idiomas) mais competitivas e economicamente atraentes ao comércio livreiro
nacional.
Não há indícios, ao longo do século XIX e início do século XX, de incentivos
relevantes do governo à produção de livros no país, como parte de uma política
pública de estímulo ou defesa do setor. Houve apenas favorecimentos pontuais do
governo, de caráter pessoal, motivadas menos pelo desenvolvimento de um setor da
economia (setor gráfico) que por relações de amizade e poder, conforme aponta
Bragança:
“O português Silva Serva, os franceses Pierre Plancher e Junio Constance
de Villeneuve, o brasileiro Francisco de Paula Brito, os germanos
Laemmert, todos foram impressores-editores e, além de livros, publicaram
periódicos. Prestaram grandes serviços à formação da indústria editorial
brasileira e à cultura de nosso país. Todos estiveram próximos do poder.
Alguns receberam privilégios, encomendas oficiais e até comendas e outras
160
honrarias. Paula Brito chegou a ter o imperador como seu sócio.”
(BRAGANÇA, 2001, p. 144).
Assim, até o final da década de 1910, os investimentos e esforços empreendidos
dentro do setor gráfico concentraram-se essencialmente na ampliação e renovação
de equipamentos e métodos produtivos destinados ao atendimento da crescente
demanda por jornais e periódicos. Ainda durante as primeiras décadas do século
XX, os livros continuariam a ser importados ou produzidos na França e Portugal
(ANDRADE, 1974). A produção tipográfica de livros operaria em escala marginal,
oscilando ao sabor do câmbio e das taxas alfandegárias que determinavam tanto o
custo do papel quanto do livro importado, e, por conseguinte sua competitividade.
1.1.2 Papel
O setor de papel praticamente inexistiu para o mercado editorial do século XIX.
As fábricas de papel em operação nessa época costumavam restringir-se à
produção de papel para outros fins, como papel pra embrulho, por exemplo.
Anúncios da Companhia Melhoramento de São Paulo e da Fábrica de Papel Paulista
do final do século XIX e começo do século XX, veiculados no jornal O Estado de São
Paulo, referem-se apenas a produção de papel de embrulho (Estado de São Paulo
de 21 de setembro de 1898 e 10 de julho de 1905).
Das poucas fábricas de papel em operação no país, raras se lançariam na
produção de papel de impressão destinado à confecção de livros (HALLEWELL,
1985). Uma nota publicada no jornal Estado de São Paulo de 25 de maior de 1878
nos fornece alguns indícios do contexto em que o setor papeleiro encontrava-se na
época:
“Refere [...] que no Rio Grande já está funcionando a fábrica de papel do sr.
João Manuel Barreto Lewis.
A fábrica já está produzindo papel de embrulho e papelão, e em breve
começará a fabricar papel da impressão para uma das typographias da
capital. É triste considerar que o Brazil ainda não fabrica papel, sendo o
immenso consumo alimentado pela importação do estrangeiro.
Há tempos fundou-se no Rio a collossal empreza Capanema; assentou ella,
porém, todas as condições de vida no directo protetorado do governo, de
modo que uma simples mudança ministerial foi bastante para que ficasse
reduzida a liquidar.
161
Fazemos sinceros votos para que a empreza rio-grandense seja mais feliz,
animando com a sua prosperidade novas tentativas em outras províncias.”
(Estado de São Paulo, edição de 25 de maio de 1878)
A “empreza Capanema” descrita na matéria é provavelmente a Fábrica de
Orianda, a maior produtora nacional de papel de imprensa do Brasil durante o século
XIX. Segundo Hallewell (1985), a fábrica viria a decretar falência em 1861 em
decorrência de mudanças nas tarifas aduaneiras para o papel importado,
degradando a competitividade da empresa frente ao papel estrangeiro.
Uma série de cinco matérias organizadas na “Secção Industrial” do jornal O
Estado de São Paulo ao longo do ano de 1880, tenta animar empresários a
engajarem-se na fundação de fábricas de papel destinado à atividade tipográfica. O
conjunto de artigos reúne uma série de argumentos em defesa das vantagens
existentes na exploração da produção doméstica de papel. Os artigos apontam para
a abundância e qualidade da matéria prima, além do crescimento em curso da
demanda nacional por papel de imprensa, como garantia de lucratividade das
fábricas nacionais, tendo vista convencer potenciais empreendedores a aplicar
recursos no setor (ESP 1880).
Entretanto, o apoio verificado tanto na nota transcrita acima, quanto na
sequência de matérias publicadas no Estado de São Paulo, é dirigido principalmente
à indústria de papel de imprensa. Afinal, as tipografias nacionais do século XIX e
inicio do século XX, dedicavam-se primordialmente à publicação de jornais e
periódicos, relegando a produção de livros para segundo plano, como atividade
complementar.
O desenvolvimento da indústria nacional de papel estaria intimamente
dependente de medidas protecionistas concedidas pelo governo para prosperar. Ao
longo do século XIX verificamos a patente volatilidade das políticas governamentais
ligadas à importação e produção de papel tipográfico, principalmente na fixação de
tarifas aduaneiras, criando incertezas para novas iniciativas no setor. Essa
conjuntura instável contribuiria para o afastamento de investidores no setor de papel
nas décadas seguintes.
1.1.3 Distribuição
162
A atividade livreira instalara-se no país pelo menos desde 1795, abastecida
exclusivamente de obras importadas até 1808 (NEVES, 2000). A partir de 1808,
nenhum original poderia ser impresso e distribuído no Brasil sem a censura prévia
executada pelos censores régios e pelo Desembargo do Paço (NEVES; BESSONE,
1989). A censura sobre o comércio legal de livros também se manteve ativa para
livros importados até 1821. Os livreiros eram obrigados a submeter os títulos
importados à triagem do governo. O “filtro” estatal cerceava as possibilidades de
livros nacionais ou trazidos do exterior, podando o acervo de títulos oficialmente
comercializado no país (HALLEWELL, 1985).
Poucas livrarias eram especializadas apenas no comércio de livros. O modelo
de livraria predominante ao longo do século XIX constituía-se de estabelecimentos
comerciais que ofereciam outros produtos além do livro. O sortimento de itens
encontrados nessas lojas é abrangente: periódicos, folhetos, artigos de papelaria,
artigos importados, estampas, objetos de luxo, jogos, utensílios para escritório,
móveis, cristais, porcelanas, remédios, música, água de colônia, água de soda,
guarda-chuvas, bengalas, pílulas, unguentos, charutos, marrons glacês, tecidos
entre outros (HALLEWELL, 1985; NEVES, 2000; EL FAR, 2004).
Essa variedade pode ser explicada pela adesão ao comercio de livros por
novos estabelecimentos generalistas, cujo mix de produtos inicial não contemplava o
livro. Segundo El Far (2004), a partir de 1880 muitos comerciantes motivados pelo
crescimento do público leitor potencial, cerca de 270 mil leitores em 1890,
engajaram-se na venda de livros, ampliando o escopo de seus negócios para
contemplar também a oferta de obras impressas (EL FAR, 2004). O número de
livrarias, estacionado em 30 pelo menos desde 1870, pulou para 45 em 1890
conforme gráfico abaixo, elevando a diversidade do acervo de títulos, de pontos de
venda e de preços disponíveis no mercado.
163
Número de livrarias em operação ao longo do século XIX
Fonte: Hallewell (1985, p. 47)
Outra possível explicação para a multiplicidade de itens encontrados nas
livrarias seria a dificuldade em manter-se, durante o século XIX, um negócio
especializado apenas na venda de livros.
A maior parte do acervo de livros disponível nas livrarias vinha da Europa,
pelos mesmos motivos que vimos anteriormente ao descrevermos o setor gráfico no
país. A importação de livros impunha ciclos de vida longos aos livros, visto que entre
o envio dos manuscritos do Brasil para a Europa, o trabalho de edição, a produção
gráfica e o envio dos livros ao Brasil, decorriam-se meses (HALLEWELL, 1985).
Mesmo os livros em língua estrangeira, muitas vezes já impressos e prontos para
serem enviados, haviam de enfrentar o inevitável período entre a recepção da
solicitação pelos livreiros europeus e o recebimento do livro pelas livrarias aqui
instaladas. Com isso, qualquer pedido de novos títulos ou simples reposição levaria
meses para ser atendido (HALLEWELL, 1985).
As livrarias ao longo do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, se
tornaram espaços polarizadores de encontros, reuniões e debates entre a elite
letrada do Brasil. Hallewell sugere que é a “tendência brasileira de converter uma
livraria favorita em um clube literário informal” (HALLEWELL, 1985, p. 80). A livraria
de Evaristo da Veiga, por exemplo, tornou-se o “ponto de reunião diária dos mais
distintos chefes liberais” (MACEDO apud HALLEWELL, 1985, p. 48), a loja de Louis
Mongie fora “um ponto de encontro de escritores e intelectuais, que podiam contar
com uma conversa animada, culta e interessante” (MACEDO apud HALLEWELL,
1985, p. 80), a livraria Paula Brito com a Sociedade Petalógica “reunia todo
movimento romântico de 1840-1860”, a Livraria Garnier foi palco de várias rodas
literárias e “era vista como uma extensão dos salões e dos cafés, porém mais
164
respeitável que estes” (BATISTA, 2008, p. 32) e, finalmente, a Casa Garraux em
São Paulo que “se tornou o local de encontro não apenas dos estudantes de Direito,
mas também dos grandes fazendeiros de café [...]” (HALLEWELL, 1985, p. 229).
Assim, podemos observar que a frequência da livraria não era nessa época
atribuída tão somente ao seu acervo de títulos. O movimento e interesse pela livraria
aparentemente estavam ligados também à capacidade do negócio em organizar-se
como um centro convivência, além de um espaço de cultura, debate de ideias e
conhecimento.
1.1.4 Autor
Em 1710 é promulgado o Estatuto de Ana na Inglaterra, regulamentando a
propriedade autoral em favor do autor, reconhecendo-o como proprietário soberano
de sua obra (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001). A nova legislação veio substituir o antigo
sistema de privilégios vigente na Inglaterra desde o século XVI que subordinava à
atividade impressora às autorizações reais assegurando aos autorizatários, em
contra partida, o monopólio sobre a impressão dos manuscritos publicados como
podemos observar nesse trecho do próprio estatuto destacado por Lajolo e
Zilberman:
“a) o autor de qualquer livro ou livros já impressos [...] terá o direito
exclusivo e liberdade de imprimi-los pelo prazo de 21 anos’, desde que não
tenha transferido a outro – livreiro, tipógrafo ou terceiros – as cópias desse
material;
b)’o autor de qualquer livro ou livros já compostos, mas não impressos e
publicados, ou que deverão ser em breve compostos, [...] terá a liberdade
exclusiva de imprimir e reimprimir este livro ou livros pelo prazo de catorze
anos’”. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001, p. 40)
A transferência definitiva do domínio das obras para seus respectivos autores
reorganizou as relações entre editores e autores, configurando as novas premissas
centrais a vigorar sobre o negócio do livro: a posse da propriedade intelectual pelos
autores e o direito de exclusividade sobre suas publicações pelos editores. Lajolo e
Zilberman (2001) destacam a importância da regulamentação dos direitos autorais
para a organização do negócio editorial:
165
“Contudo, a petição de que se originou a legislação reconhecendo a
propriedade literária proveio dos livreiros, isto é, dos editores: para
eles, convinha que os autores, donos da obra, cedessem seu
produto intelectual a apenas um editor, impedindo com isso a
pirataria, a contrafação e, principalmente, a venda de um texto a
mais de um comerciante, procedimento bastante usual na época. A
partir dessa lei, o autor, ao exercer o direito recentemente
conquistado, precisava eleger um único editor." (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2001, p. 40)
O Estatuto de Ana instituiu a formalização do mercado editorial inglês,
formatando o modelo de negócio e relacionamento entre autores e editores a partir
de então.
O Brasil quase em pleno século XX, ainda demorou a pôr em vigor
efetivamente leis e ações voltadas para organizar a propriedade e o uso de direitos
autorais, nacionais e estrangeiros, no país. O próprio monopólio de que gozava a
Impressão Régia encontrava-se baseado no sistema de privilégios que condicionava
a abertura de novas casas impressoras ao aval da Coroa (LAJOLO; ZILBERMAN,
2001), e regulava o “privilégio de usufruir, por certo tempo, a exclusividade de
determinada obra” (NEVES; FERREIRA, 2010, p. 505). Por outro lado, o mecenato
exercido por D. Pedro II influenciou diretamente na produção artística nacional e
“retardou a regulamentação de direitos autorais no país” (BIGNOTTO, 2007, p. 84).
Outra particularidade do mercado editorial brasileiro durante as primeiras
décadas do século XIX fora o financiamento de obras impressas pelo sistema de
subscrição (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001). Muitos jornais, revistas e livros durante o
século XIX tiveram sua existência assegurada por esse modelo de financiamento
(BIGNOTTO, 2007). A subscrição consistia em buscar assinaturas de potenciais
compradores interessados em adiantar o valor de um ou mais exemplares ao autor
(ou livreiro), para que este então procedesse à impressão e distribuição dos livros
aos “assinantes” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001).
No início do século XX ainda era comum, entre escritores sem recursos
próprios para arcar com as despesas de impressão, recorrer às subscrições de
amigos e conhecidos para dar luz às suas respectivas obras. Segundo Lajolo e
Zilberman (2001), a combinação de poucas tipografias com o modelo de
financiamento das obras via subscrição prorrogou o amadurecimento de uma
“consciência autoral” sobre as obras, atravancou o crescimento do consumo de
166
livros e inibiu investimentos empresariais em novas publicações e o (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2001).
Os dois modelos de financiamento, com recursos próprios ou oriundos de
subscrições, constituem variações do modelo moderno de autopublicação. Nesses
casos, os livreiros-editores da época operavam como simples canal de venda, sem
terem, necessariamente, acesso exclusivo à publicação, e, por conseguinte, sem
controle efetivo da sua distribuição.
Embora houvesse dispositivos legais importantes, como a Constituição
Brasileira de 1824 e o artigo 261 do Código Criminal do Império de 1830, conferindo
o direito de propriedade ao “inventor” e caracterizando como crime qualquer
reprodução não autorizada de obras de autores brasileiros, na prática pouca coisa
mudou em relação ao tratamento dispensado aos direitos autorais (NEVES;
FERREIRA, 2010, p. 505). Neves e Ferreira (2010) remetem o descumprimento das
regras de propriedade autoral à falta de empenho do governo em fazer valer a lei, e
à imprecisão da própria lei na definição de “propriedade literária”.
A defesa dos direitos autorais fora um problema ainda mais duradouro para os
escritores estrangeiros, cuja propriedade sobre suas obras não era reconhecida pelo
governo brasileiro (HALLEWELL, 1985). A legislação vigente no país nem sequer
tangenciava sobre direitos de autores estrangeiros até 1912, resumindo-se a
discorrer apenas sobre obras de autores brasileiros. Segundo Pinheiro Chagas, D.
Pedro II era o principal opositor de um acordo com Portugal, refutando a ideia de
direito de propriedade literária em defesa do “saber comum a todos” (CHAGAS,
1879 apud NEVES; FERREIRA, 2010, p. 512-513).
Essa postura alimentou a contrafação de muitas obras estrangeiras,
principalmente portuguesas e francesas durante o século XIX.
Podemos observar na literatura pelo menos duas posições acerca dos efeitos
da pirataria de obras estrangeiras sobre o mercado editorial brasileiro. Lajolo e
Zilberman (2001) parecem encampar a posição de Pinheiro Chagas (apud LAJOLO;
ZILBERMAN, 2001, p. 64) apresentada em A propriedade literária de 1879, na qual
argumenta que além dos autores portugueses, os escritores nacionais também
foram prejudicados com a ausência de controle e punição sobre as transgressões à
propriedade intelectual de obras portuguesas pelos livreiros instalados no país. A
reprodução de obras sem pagamento de emolumentos aos seus criadores
167
portugueses tornariam as obras de autores nacionais menos atraentes aos olhos
dos livreiros, por custarem mais cara comparativamente (CHAGAS, 1879 apud
LAJOLO; ZILBERMAN, 2001, p. 64).
Hallewell (1985) argumenta justamente o contrário, que foi a pirataria que
assegurou a competitividade dos impressos produzidos pelas tipografias nacionais
frente à encomenda e importação de livros da Europa, cuja produção além de ter
custos mais baixos ainda era de melhor qualidade (conforme já mencionamos):
“[...] foi precisamente a ausência da proteção de direitos autorais
estrangeiros que salvou a nascente indústria editorial brasileira de ser
destruída pelas importações de Portugal e das impressões em português
feitas em Paris, com suas edições maiores e, portanto, direitos autorais a
parte, custos mais baixos. Se essa indústria tivesse sido tragada no
nascedouro, é difícil ver como é que os autores brasileiros lograriam obter a
publicação de suas obras.” (HALLEWELL, 1985, p.174)
A partir da virada do século XX, novas leis de amparo ao escritor são deferidas.
Em 1° de agosto de 1906 é promulgada a lei 496 que passaria a regulamentar
efetivamente os direitos autorais literários, endossando a figura do escritor como
proprietário primeiro de sua produção intelectual (NEVES; FERREIRA, 2010, p. 516517). A lei 496 contemplava também a autoria da tradução, conferindo aos
tradutores a propriedade dos textos traduzidos por 10 anos.
Em complemento à lei 496, em 17 de janeiro de 1912 é decretada a lei 2.577,
estendendo aos autores estrangeiros a cobertura dos direitos assegurados
previamente na lei 496 aos escritores brasileiros (HALLEWELL, 1985).
A lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916 (novo Código Civil) prolongou para 60
anos o período que herdeiros ou sucessores do autor poderiam gozar da
propriedade dos direitos autorais. Os direitos sobre as traduções mantiveram-se
inalterados em dez anos.
1.1.5 Editora
No núcleo da indústria editorial localizam-se as editoras. É a partir do trabalho
desempenhado por essas empresas que atualmente ideias, descobertas, opiniões,
168
histórias e conhecimento são materializados, com algum nível de ordenamento, em
livros.
As editoras caracterizam-se como a principal forma empresarial imbuída de
orquestrar os processos de transformação de originais em livros, e posteriormente,
encarregadas de promover a visibilidade e o acesso a esses livros. O escopo de
atuação das editoras estende-se desde o cooptação de originais, passando pelo
arregimento de recursos financeiros, técnicos e profissionais para a execução das
atividades que levarão à transfiguração de um original em livro, e sua subsequente
condução ao leitor interessado potencial.
Aníbal Bragança nos traz uma perspectiva abrangente e objetiva das
atividades que circunscrevem a figura do editor e a extensão de seu trabalho:
“São os editores, enfim, que decidem que textos vão ser transformados em
livros. E, pensando em qual o público a que devem servir, como serão feitos
esses livros. Mesmo quando não é deles a iniciativa dos projetos, é deles
que parte a direção a seguir. É neste lugar de decisão e de comando, e de
criação, que está o coração do trabalho de editor, a sua essência. É
também esse lugar que exige saberes específicos, que o diferenciam dos
demais agentes envolvidos no processo editorial, e lhes impõe
responsabilidades únicas, profissionais, sociais, econômicas, financeiras,
administrativas e mesmo (juntamente com os autores) judiciais.”
(BRAGANÇA, 2001, p. 24-25)
Acredito que podemos ampliar o alcance dessa definição, em princípio inscrita
no nível do indivíduo, ao trazê-la para o nível da organização empresarial “editora”,
sem prejuízo semântico. A empresa editorial caracterizar-se-ia então pela reunião
dos recursos necessários à dominação dos “saberes específico” que lhe permitirão
identificar, julgar, produzir e distribuir textos na forma de livros.
A partir desse breve preâmbulo dedicado à conceituação da função editorial
organizada como negócio, e do delineamento do lugar ocupado pelas editoras
dentro da indústria do livro, podemos constatar que durante o século XIX e início do
século XX a atividade editorial florescia basicamente dentro das livrarias e
tipografias estabelecidas no país. Não existiam ainda empresas cujo negócio central
privilegiasse a edição de livros. A atividade editorial apresentava-se como
oportunidade de negócio para as tipografias na medida em que dispunham de
capacidade de impressão ociosa. Para as livrarias a edição de livros consistia em
169
aproveitar temas e preferências subexploradas para editar títulos que pudessem
atender essas carências de forma rentável.
A própria limitação na oferta de originais limitaria o nascimento da editora como
negócio independente (BRAGANÇA, 2009).
Assim, até o fim dos anos 1920, a tarefa de encontrar manuscritos e coordenar
as etapas seguintes de tradução (quando preciso), revisão de texto, produção
gráfica, impressão e distribuição misturavam-se às outras funções regulares ligadas
ao comércio de livros e à atividade tipográfica. Posto de outra forma, a função
editorial durante o século XIX e nas primeiras décadas do século XX estava
verticalmente integrada à livraria e/ou à tipografia, inexistindo como atividade
autônoma e independente.
1.2 Segunda fase: 1920 – 1960
1.2.1 Setor Gráfico
Com o início da primeira guerra, o fluxo de importações, oriundo principalmente
da Europa, desacelerou em função das dificuldades imposta pela guerra à produção
e exportação de mercadorias pelos países envolvidos no conflito e pela elevação do
câmbio.
O fim da guerra não providenciou condições menos adversas à importação de
produtos estrangeiros, desfrutadas pelos importadores brasileiros ao longo do século
XIX. A taxa de câmbio valorizou-se 162% de 1919 a 1923, elevando
significativamente o preço das importações, e, por conseguinte, o custo de vida do
país:
“A vendagem dos livros tem caído; todos os livreiros se queixam – mas o
público tem razão. Câmbio infame, aperto geral, vida cara. Não há sobras
no orçamento para a compra dessa absoluta inutilidade chamada livro.”
(LOBATO, 1964 apud HALLEWELL, 1985, p.261)
A patente dependência de importações para abastecer a cadeia produtiva do
livro no Brasil atingiria em cascata fabricantes de papel, gráficas e livrarias. O
170
câmbio tornar-se-ia algoz da frágil indústria editorial nacional, influenciando
diretamente no crescimento e desempenho setor.
O setor gráfico brasileiro dedicado à confecção de livros permanecia estagnado
no início dos anos 1920 pela ausência de condições político-econômicas favoráveis
e pela carência de empreendedores dispostos a assumir o risco de aventurar-se no
setor. As vantagens oferecidas pelos centros editoriais europeus como Paris, Leipzig
e Londres terminariam por institucionalizar a importação de livros como modelo de
abastecimento do mercado interno até as primeiras décadas do século XX.
As tarifas alfandegárias correntes na década de 1920 continuavam a privilegiar
a fabricação e importação de livros fora do país em detrimento do desenvolvimento
da produção gráfica nacional:
"Há um regime de protecionismo às avessas que sufoca a nossa indústria
editora. As taxas são estabelecidas de modo a proteger a indústria editora
de fora contra a indústria editora nacional. Se o livro vem feito de fora, paga
metade do imposto que recai sobre o papel, e não paga absolutamente
nada se vem feito de Portugal! ...
Ora, livro é papel impresso. Se o papel vem branco para ser transformado
em livro aqui, paga o dobro do custo; se esse mesmo papel entra já
transformado em livro, paga metade ou zero se procede de Portugal!
É, ou não é um protecionismo às avessas? É, ou não repetir o gesto de O.
Maria, quando mandou destruir os prelos do Brasil colônia?"
(LOBATO, 1959 apud MARTINS, 2003, p. 102)
Quando o mil-réis desvalorizou-se verticalmente na década de 1920, diluindo
as vantagens de fabricar o livro no exterior, o parque gráfico nacional encontrava-se
incapaz de absorver a demanda interna por livros, antes atendida pela produção
europeia:
É por isso que, depois da Primeira Guerra Mundial, quando dificuldades
cambiais impediram os editores de mandar imprimir seus livros na Europa,
viram-se eles numa situação trágica. Somente uma ou outra tipografia
(como a do Anuário do Brasil, dirigida por um português) era capaz de fazer
um livro decente. Monteiro Lobato não encontrou tipografia capaz de
produzir livros nas quantidades que necessitava. Teve de montar uma
oficina, meter-se num negócio estranho e nocivo à sua atividade de editor.”
(MORAES, 1998 apud BIGNOTTO, 2007, p. 230)
Diante dessas circunstâncias, Monteiro Lobato, já então autor renomado no
meio editorial, lançou-se “no negócio estranho da tipografia já no início de 1919”
(BIGNOTTO, 2007, p. 230), importando máquinas estrangeiras para atender à
171
produção de livros da recém-inaugurada Olegário Ribeiro, Lobato e Cia
(HALLEWELL, 1985).
Posteriormente Lobato funda com Octalles Marcondes Ferreira a Monteiro
Lobato e Cia. em 1920 voltada para a edição de livros. O crescimento do negócio
incitou Lobato a reunir 60 sócios para financiar essa expansão, reorganizando a
empresa como Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato em 1924.
A nova firma viria a ocupar um espaço de 5.000 metros quadrados com 197
funcionários e um parque gráfico renovado com modernas máquinas de impressão e
acabamento trazidas dos Estados Unidos, apesar do câmbio desfavorável
(HALLEWELL, 1985; BIGNOTTO, 2007).
O excessivo endividamento assumido para financiar expansão da empresa,
somado ao racionamento de energia provocado pela seca e à turbulência política
que se instaurou em são Paulo com a Revolta dos Tenentes, terminariam por
conduzir a Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato à falência em 1925 (BIGNOTTO,
2007).
Com o fim da Companhia, os modernos equipamentos gráficos foram
adquiridos por duas empresas: a gráfica São Paulo Editora e a Empresa Gráfica da
Revista dos Tribunais, inaugurando uma nova fase no setor gráfico nacional. A
Empresa Gráfica Revista dos Tribunais sozinha responderia por cerca de 60% da
fabricação de livros no Brasil durante as décadas de 30 e 40, oferecendo
capacidade produtiva para o crescimento da atividade editorial ao longo dessas
décadas (HALLEWELL, 1985). Os outros 40% da capacidade produtiva estariam
dispersos entre as tipografias próprias que algumas editoras mantinham e outras
gráficas independentes.
Assim, podemos atribuir a Lobato a responsabilidade pela formação de parte
importante das bases da indústria gráfica de livros no Brasil a partir da década de
1920.
Todavia, ao longo das décadas seguintes o setor não experimentaria outro
surto de crescimento e modernização. Gráficas independentes e editoras
enfrentariam dificuldades em renovar seus respectivos parques gráficos nas
décadas seguintes devido a mudanças no câmbio e à inexistência de facilidades à
importação concedidas pelo governo.
172
Segundo Nelson de Palma Travassos (proprietário da Empresa Gráfica Revista
dos Tribunais), a guerra trouxe dificuldades adicionais à importação de prelos: a
impossibilidade de comprar equipamentos europeus fazia dos Estados Unidos a
única opção para aquisição de maquinário. Todavia, além das máquinas americanas
serem mais caras, os Estados Unidos parecia mais interessado em exportar livros
para o Brasil do que equipamentos gráficos durante esse período (ESP 31 de agosto
de 1944).
Travassos também aponta para a dificuldade do setor gráfico em trabalhar com
o papel para impressão fabricado pela indústria nacional. Com o aumento do câmbio
e a instauração de sobretaxas sobre o papel estrangeiro, a importação deixou de ser
uma alternativa viável, obrigando o setor gráfico brasileiro a consumir o precário
papel doméstico. Na opinião de Travassos, o papel nacional onerava a produção
gráfica duplamente, pois além do custo absurdo ainda era de péssima qualidade,
infligindo interrupções frequentes ao processo produtivo. O proprietário da Gráfica
Revista dos Tribunais diz ainda que o papel brasileiro não era compatível com a
utilização em máquinas rotativas importadas dos Estados Unidos (ESP 31 de agosto
de 1944).
Segundo Hallewell (1985), o governo de Juscelino Kubitschek concedeu
licenças de importação à indústria gráfica nacional em 1956, interrompendo a
deterioração crescente do parque gráfico brasileiro que terminava por impor custos
maiores e limitações técnicas aos trabalhos gráficos executados no país
(HALLEWELL, 1985). Porém, segundo o artigo Carta aos Livreiros escrito por Geir
Campos e publicado em 1960, essas facilidades alfandegárias liberadas pelo
governo não alcançaram as gráficas voltadas à produção de livros, que continuavam
a enfrentar os percalços provocados pela obsolescência de seu parque:
“Já não é de hoje que o parque gráfico nacional vem-se ressentindo da falta
de recursos materiais que possibilitem a sua ampliação e modernização,
falta essa que lhe veda a capacidade de atender às crescentes
necessidades do mercado de livros no País, quantitativamente, e,
qualitativamente, tampouco lhe permite acompanhar as conquistas da arte
tipográfica realizadas em outros pontos da Terra.
[...] Já o III Congresso de Editores e Livreiros do Brasil, realizado no Rio de
Janeiro em 1956 sob os auspícios do Sindicato Nacional dos Editores e da
Câmara Brasileira do Livro, aprovou uma Tese n.° 32 reivindicando, para as
editoras de livros, pelo menos algumas das regalias de crédito e câmbio
concedidas pelo Ministério da Fazenda às editoras de jornais e revistas. Até
o momento, porém, infelizmente parece que as editoras de livros continuam
173
esperando licenças e recursos cambiais para a renovação do maquinário
gráfico” (CAMPOS, 1960 apud BRAGANÇA; SANTOS, 2002, p. 85-86)
Até final da década de 1960, o setor gráfico editorial permaneceria
tecnologicamente estagnado, com custos altos de produção e com dificuldades de
formar mão de obra. O setor experimentaria tímidas taxas de crescimento e se
imporia como importante “redutor de velocidade” ao ritmo de expansão da indústria
editorial ao longo desse período.
1.2.2 Papel
A irregularidade com que eram aplicadas as taxas alfandegárias ao papel
importado para livros permitiria sua frequente importação como papel de imprensa
cujas tarifas de importação eram muito menores quando comparadas àquelas
aplicadas ao outros tipos de papel (HALLEWELL, 1985). A partir de 1926 o custo do
papel para as tipografias brasileiras, que já era um problema relevante desde o
século XIX, agravou-se pela aplicação efetiva das alíquotas de importação
regulamentadas na legislação para o papel destinado a livros:
“Já desde 1912 o imposto de importação incidente sobre o papel era
superior ao de importação de livros [...], mas normalmente era possível
importar o papel como papel de imprensa, sobre o qual se aplicava alíquota
muito menor de imposto [...]. Os fabricantes brasileiros de papel,
preocupados em obter o máximo de proteção para a sua indústria, exigiam
que essa brecha fosse fechada. Quando, em agosto de 1925, uma das
maiores empresas do setor faliu, o Congresso, aturdido, foi pressionado no
sentido de modificar a lei. Em fevereiro de 1926, criou-se uma linha d’água
especial para o papel de imprensa importado e passou a ser ilegal usar o
papel assim marcado para qualquer outra coisa que não a impressão de
jornais. O papel para livros passaria agora a pagar um imposto de $300 por
quilo (cerca de 200%), ao passo que os livros estrangeiros em geral
continuavam a entrar no país com um imposto de $110 por quilo, sendo que
os livros de Portugal não pagavam imposto algum [...]” (HALLEWELL, 1985,
p. 273)
Conforme mostramos anteriormente, a indústria nacional de papel para livros
era minúscula até o final do século XIX. Segundo Hallewell (1985), a indústria de
papel do Brasil encontrava-se despreparada e desinteressada em atender à
pequena demanda interna por papel de impressão para livros, concentrando-se nos
174
outros tipos de papel produzidos em larga escala pelo setor, como papel de
imprensa e papel de embrulho.
A aplicação efetiva das tarifas alfandegárias sobre o papel importado diminuiu
a diferença existente entre o preço do papel importado e aquele produzido no país.
A valorização da taxa de câmbio no início da década de 1930 também reforçou a
aproximação entre os preços do papel importado e nacional, tornando este último
competitivo frente ao primeiro (HALLEWELL, 1985).
Hallewell (1985) aponta para outro custo embutido no papel produzido pelas
fábricas nacionais além da significativa diferença de preço entre o quilo de papel
importado e o nacional (quando não aplicada as taxas de importação):
“Os fabricantes de papel, num folheto que publicaram em 1934, cotavam em
2$000 o quilo de papel nacional, quando o preço do papel importado, sem
imposto de importação, mesmo depois da desvalorização do mil-réis em
1930-1931, era de apenas 1$300 o quilo. Argumentavam eles que isso
representava uma diferença de apenas dois ou três por cento no preço de
capa de uma edição de dez mil exemplares. Mas deixavam de mencionar
que o produto nacional era de qualidade muito inferior e incerta, o que por si
só aumentava os custos de produção pela simples dificuldade de trabalhar
com ele: por exemplo, a constante necessidade de parar a impressora para
limpá-la. Mais ainda, não se referiam ao fato de que uma diferença de cinco
por cento poderia representar dois terços da margem de lucro bruto do
editor.” (HALLEWELL, 1985, p. 276)
Nelson Palma Travassos aponta para o mesmo problema causado pela
qualidade do papel nacional cerca de dez anos depois, em 1944:
“O papel nacional é da pior qualidade possível, e mais caro que qualquer
papel fabricado em qualquer parte do mundo. Para conseguirmos imprimir
os livros a um preço razoável, dado o custo absurdo do papel nacional,
somos obrigados a usar uma coisa – mistura de pasta de madeira, caolim,
cola e uma gota de celulose – chamado Bufon 3.ª ou Jornal Grosso. Esta
coisa que os fabricantes chamam papel tem perto de 75% ou mais de
madeira triturada: não tem elasticidade alguma e não pode ser empregada
em bobinas, nas maquinas rotativas, para impressão de livros. Não tendo
consistência, não pode trabalhar por tração. Esticada arrebenta. Só isso já
nos impossibilita o uso das máquinas que os americanos empregam na
feitura dos ‘pocket books’.” (Travassos, 1944 – ESP 31 de agosto de 1944 pag. 4)
A qualidade do papel nacional empregado na produção de livros não
significava que as companhias de papel instaladas no Brasil eram incapazes de
produzir papel de qualidade superior. As fábricas nacionais detinham know-how e
tecnologia
para
produzir papel de
impressão
de
qualidade
desde
1925
175
(HALLEWELL, 1985). Porém, o preço final desses insumos alcançado pelas
empresas nacionais afastava qualquer possibilidade de utilização de papeis de
melhor qualidade na produção de livros.
Nelson Palma Travassos confirma essa situação ao afirmar que os fabricantes
domésticos produziam papel de boa qualidade antes da guerra. Mas os preços
praticados inviabilizavam qualquer possibilidade de utilização desse tipo de papel na
confecção de livros, obrigando editores e tipógrafos a recorrerem continuamente ao
papel de baixa qualidade (Travassos, 1944 – ESP 31 de agosto de 1944 - pag. 4).
Em 1946 a indústria editorial é beneficiada pela inclusão na nova Constituição
de 1946 do texto caracterizando a imunidade tributária para o livro e para o papel
empregado em sua manufatura. Todavia, não temos evidências de quando
efetivamente o texto constitucional tornou-se prática corrente tanto para o papel
nacional quanto para o importado. Não localizamos no arquivo do jornal O Estado de
São Paulo ao longo da década de 1940 e 1950, nenhuma matéria ou artigo com
informações assertivas sobre o recolhimento de impostos diretos sobre o papel
produzido no país ou sobre o papel importado destinado à impressão de livros.
Em junho de 1945, o governo criaria a Superintendência da Moeda e do
Crédito (PECHMAN, 1983), entidade precursora do Banco Central do Brasil, cuja
atividade principal repousaria na regulação e controle do mercado monetário.
Em virtude do déficit crescente na balança comercial brasileira, a Sumoc institui
a partir de 1947 o sistema de “licença prévia”, no qual o governo analisaria
individualmente cada pedido de importação e exportação para em seguida liberar as
divisas necessárias com o câmbio subvencionado. Em 1953, o sistema passou a
operar com “múltiplas taxas”. As cinco taxas instituídas tinham sobretaxas
diferentes, de acordo com a essencialidade do item importado à economia nacional
(PECHMAN, 1983). Assim, a partir de 1947, as requisições de papel e livro
importado obedeceriam às regras estabelecidas pelo governo. A Sumoc controlaria
tanto o custo do câmbio para a importação quanto a quantidade de moeda
estrangeira liberada para a execução das operações internacionais (PECHMAN,
1983).
O controle das importações do governo, embora beneficiasse o papel
importado com câmbio subsidiado, significativamente mais barato que o câmbio
176
livre, oferecia frequentes restrições aos gráficos e editores. Em muitos anos ao longo
da década de 1940 e 1950 houve sucessivos problemas de abastecimento
provocado pelo descompasso entre a demanda solicitada ao governo e o volume de
moeda estrangeira liberada para importações de papel.
Podemos observar a fragilidade dessa política em relação ao papel importado,
quando em 1953 o governo brasileiro suspendeu as importações de papel para o
setor, conforme descreve o telegrama enviado ao presidente da república pela
Câmara Brasileira do Livro:
“A Câmara Brasileira do Livro, órgão representativo dos editores e livreiros
do País, apela novamente ao presidente da República para urgentes
medidas no sentido de facilitar a importação de papel, visto a indústria
livreira do Brasil estar na iminência de paralisação, resultando desse fato
graves prejuízos à cultura nacional. É impossível na atual circunstância,
fazer-se edições de obras didáticas, científicas, literárias, etc. Autores,
artistas, tradutores e demais profissionais do livro são atingidos também
pela presente crise. O papel nacional, de produção insuficiente e custo
bastante elevado, com prazo indeterminado de entrega, é incapaz de
atender à angustiosa situação. Confiantes nas prontas providências e alto
espírito patriótico de v. exa., a Câmara Brasileira do Livro aguarda solução
para o gravíssimo problema.” (ESP 20 DE JUNHO DE 1953 - PAG. 7)
Em março de 1955, o mesmo problema reaparece, dessa vez causado pelo
corte deliberado pelo governo de 2/3 do volume de papel importado encomendado
pela indústria gráfica, conforme registrado em memorial da CBL ao Banco do Brasil
(SUMOC):
“A Câmara Brasileira do Livro, tendo em vista a difícil situação criada para
as empresas editoras de São Paulo, suas associadas, pelo corte sensível
efetuado nos seus pedidos de quotas para importação de papel e pelo
indeferimento total do pedido de algumas delas, toma a liberdade de fazer a
V. Exa. algumas ponderações, pleiteando seja reconsiderado o referido ato
da Fiban, de modo a se remover o impasse em que se encontram essas
editoras para o prosseguimento de seus trabalhos.” (ESP 23 DE MARÇO
DE 1955 - PAG. 12)
Em junho de 1959, os editores apontam para os limites ao crescimento da
atividade editorial impostos pelas quotas de importação de papel:
“Acreditam os editores que um dos maiores entraves do aumento do
número das tiragens consiste na escassez de papel destinado à importação,
impedindo, dessa maneira, edições maiores. Nesse sentido, os editores
deverão dirigir-se ao presidente da República, a fim de obter um aumento
das quotas de papel [...]” (ESP 14 DE JUNHO DE 1959 - PAG. 23)
177
As quotas de papel importado aliada à insuficiência de papel nacional, em
termos de preço, quantidade e qualidade, continuariam ao longo da década de 1950
a atravancar a desenvoltura da atividade editorial. E, com isso, a produção potencial
de livros no país. O regime de cotas de importação com câmbio subsidiado
estendeu-se até junho 1961, quando foi extinto pelas instruções 204 e 208 da
Sumoc (PECHMAN, 1983).
A partir de 1958, a Sumoc baixou a instrução 149, estendendo o benefício
cambial concedido ao papel importado para os produtores nacionais. Esse benefício
seria concedido na forma de subvenção sobre o papel vendido no mercado interno.
O subsídio seria calculado pela diferença entre o câmbio geral (real) e o câmbio
subvencionado atrelado ao papel importado, e aplicado sobre as vendas da indústria
de papel nacional ao mercado brasileiro (ESP 11 DE JANEIRO DE 1958 - PAG. 15).
O governo com essa medida buscava igualar as condições de concorrência
entre o papel nacional e importado, estimulando ainda a ampliação da oferta
nacional (ESP 23 de agosto de 1958).
1.2.3 Distribuição
As remessas de livros dos países envolvidos na segunda guerra diminuíram,
comprometendo a disponibilidade de títulos estrangeiros nas livrarias brasileiras. Ao
mesmo tempo, o conflito despertara crescente interesse pela leitura no país levando
à proliferação de editoras e de títulos nacionais ou traduções objetivando ocupar o
espaço deixado pelos livros importados (HALLEWELL, 1985).
Durante essa época, muitas livrarias gradualmente abandonaram a venda de
outras linhas de produtos para especializar-se na venda de livros.
Com o fim da guerra, o fluxo de livros estrangeiros para o Brasil fora
reestabelecido e voltou a ocupar lugar de destaque nas vendas de muitas livrarias.
Ao observar a quantidade de títulos e exemplares publicados no estado de São
Paulo entre 1926 e 1946, podemos notar que ao final da guerra, embora ainda fosse
pequena, a quantidade de títulos mais que dobrara em termos de títulos e
exemplares produzidos. A representatividade de São Paulo no mercado editorial
178
brasileiro permite tomá-lo como referência para inferirmos o comportamento geral do
setor no país durante esse período.
Títulos Publicados no Estado de São Paulo entre 1926 e 1946
Fonte: Andrade, (1974, p. 129)
Exemplares Produzidos no Estado de São Paulo entre 1926 e 1946 (em milhares)
Fonte: Andrade, (1974, p. 129)
Durante a década de 1950 o volume de exemplares cresceu 60% de 1953 a
1960, enquanto o número de títulos aumentou apenas 32%, alcançando quatro mil
publicações em 1960. Porém, essa diferença indica basicamente a proliferação de
obras didáticas, fruto da expansão do sistema escolar que vinha desde a década de
1920.
179
Número de Matrículas do Ensino (1935 – 1960)
Fonte: Hallewell (1985, p. 176, 286-287). *Não há dados de matrículas universitárias para o ano de
1925, nem de matrículas do ensino secundário para 1930.
Títulos Produzidos no Brasil entre 1951 e 1960 (em milhares). Gráfico XX – Exemplares
Produzidos no Brasil entre 1950 e 1960 (em milhões)
Fonte: Hallewell (1985, p. 426-427)
Entretanto, a importação de livros seria novamente abalada durante a segunda
metade da década de 1950 por mudanças no câmbio. Os sucessivos reajustes da
taxa de câmbio para importação de livros a partir de 1958 fizeram com que a
sobretaxa cambial subisse de Cr$ 32,50 em meados de 1957 para Cr$ 61,18 em
outubro de 1958 (ESP 22 DE NOVEMBRO DE 1958 - PAG. 5). Além disso, em
1959, outra intervenção do governo abreviaria a quota de câmbio especial destinada
à importação de livros resultando na redução de 50% nas compras de livros
estrangeiros pelos comerciantes nacionais e no reajuste final de 140% no preço do
livro importado (ESP EDIÇÃO DE 17 DE MARÇO DE 1959 - PAG. 10).
180
Por outro lado, o alcance da distribuição de livros no país permanecia
acanhado. Com exceção do movimento empreendido por Lobato na década de
1920, ao tentar espalhar a venda de livros por cerca de 1.300 estabelecimentos
comerciais, em 1.300 cidades e vilas dotadas de serviço postal (LOBATO apud
BIGNOTTO, 2007, p. 283), não houve durante as décadas seguintes outras
iniciativas relevantes que ampliassem a capacidade de distribuição da indústria.
As dificuldades ligadas à produção gráfica nacional, à aquisição de papel, ao
câmbio e à inflação, exigiam atenção e dedicação contínua por parte dos editores
para contorná-los a fim de continuarem existindo. Talvez por isso, a distribuição de
livros não tenha recebido atenção e recursos suficientes para se desenvolver
durante o período de 1920 até 1960. O pequeno volume de títulos publicados aqui,
quando comparado aos de países próximos como Argentina ou Portugal que
editaram 4.257 e 4.153 títulos em 1952 respectivamente (ANDRADE, 1974, p. 143),
talvez ainda não pressionasse o setor a investir recursos e esforço na ampliação da
capacidade de distribuição da indústria de livros. Muito embora a distribuição já
representasse gargalo inequívoco para o crescimento do mercado desde 1920.
O governo também reconhecia a necessidade de melhorar o deficiente sistema
de distribuição instalado no Brasil. O serviço de reembolso postal oferecido pelos
Correios a partir de 1933 prometia se transformar em uma ferramenta poderosa de
distribuição de livros nas cidades brasileiras carentes de livrarias ou pontos de
venda de livros (HALLEWELL, 1985). Porém, o preço alto, a burocracia, os
recorrentes atrasos e falhas na entrega, degradaram a confiabilidade no serviço,
afastando empresas e consumidores da utilização do reembolso postal até a reforma
empreendida pelos Correios em 1976 (HALLEWELL, 1985). Esse conjunto de
ajustes no processo do reembolso postal simplificou a tramitação burocrática e
reduziu o tempo de entrega das encomendas (ESP 26 DE SETEMBRO DE 1976 PAG. 41).
Apesar de não ser o foco da atenção dos editores até a década de 1970, as
dificuldades na distribuição de livros suscitaram pelo menos outros dois projetos
entre 1920 e 1960 para melhorar esse panorama. As limitações do sistema de
distribuição nacional foram apontadas pelo livreiro José Leite durante uma
181
conferência realizada em 1° de agosto de 1938 no Instituto de Estudos Brasileiros,
no Rio de Janeiro, sobre “O Problema do Livro Nacional”:
“Aos editores, com exceção de duas ou três grandes Empresas, falta uma
boa organização para a distribuição de seus livros. Muita coisa se edita nos
Estados, de que não chegamos a tomar conhecimento.” (José Leite, 1938)
E o próprio José Leite sugere uma possível solução para mitigar o problema:
“A exemplo do que fazem outros países para a propaganda no Estrangeiro
de sua produção literária, poderíamos formar uma empresa coletiva de
livreiros e editores para a distribuição do livro nacional em todo o Brasil. A
França tem sua conhecida e bem organizada ‘Maison da Livre Français’,
sociedade anônima constituída apenas de livreiros e editores [...]
Na Alemanha existem os comissários de Leipzig, a chamada cidade dos
livros, onde é centralizada para distribuição toda a produção literária alemã.
Essa conjugação de esforços poupa muita despesa e tempo perdidos com a
propaganda isolada, informações sobre a idoneidade de livreiros do Interior,
despesas de cobrança, etc. E até mesmo parte da comissão que se desse à
Empresa para a distribuição dos livros, voltaria aos editores em forma de
dividendo. Além de que, é sabido que muitos livreiros editores, para que não
se vejam privados de seus fornecimentos, e com maior razão, somente por
motivos imperiosos algum ficaria em falta com uma entidade que
representasse a maioria senão a totalidade das casas editoriais.” (José
Leite, 1938)
A segunda proposta atacando a questão da distribuição veio mais de 20 anos
depois, em 1959, quando Ênio Silveira então presidente do SNEL e idealizador da
ideia, liderou um estudo para viabilizar uma rede de distribuição com cerca de
10.000 postos de distribuição espalhados pelo Brasil, a fim de ampliar o alcance do
livro, conforme descrito em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo de
19 agosto de 1959:
“As editoras interessadas no lançamento do ‘livro de bolso’ no mercado
brasileiro, pretendem distribuir ações preferenciais populares para
assegurar o êxito da iniciativa.
Vultuoso capital é necessário, segundo o sr. José Martins, para se organizar
a rede de distribuição. O Brasil conta com apenas 400 ou 500 livrarias,
número insuficiente para levar o ‘livro de bolso’ ao povo. As bancas de
jornais e revistas não poderiam, por outro lado, ser utilizadas, em virtude da
exiguidade de espaço. Caberia, portanto à editora, promover a instalação
de, pelo menos, 10 mil postos de distribuição, em todo território nacional.
Essa questão – informou o editor – está sendo estudada pelo sr. Ênio
Silveira, autor da ideia [...].” (ESP 19 DE AGOSTO DE 1959 - PAG. 11)
182
Todavia, nenhuma das duas propostas fora levada adiante e executada pelos
editores e livreiros. Com isso o quadro de distribuição no Brasil ao final de 1950
manter-se-ia semelhante ao observado no final da década de 1920. Segundo o
IBGE, o Brasil chegaria em 1955 com apenas 267 livrarias espalhadas pelo país
(ESP 18 DE MARÇO DE 1956 - PAG. 16).
1.2.4 Autor
Ao longo das décadas de1940 e 1950, os escritores buscaram se agrupar para
melhor organizar os debates sobre os interesses da categoria, assim como
potencializar a representatividade da classe junto ao governo, aos editores e à
sociedade. Em 1942, foi fundada a Sociedade de Escritores Brasileiros que no
mesmo ano dividiu-se em duas instituições: na Associação Brasileira de Escritores e
na Sociedade Paulista de Escritores. As duas últimas entidades foram unificadas em
17 de janeiro de 1958 para formar a União Brasileira de Escritores que se tornaria a
partir de então a principal organização representante da classe de escritores.
A missão da UBE, definida pela própria associação consiste em “discutir
políticas culturais que atendam os interesses da categoria e representá-los em todas
as manifestações literárias, em poesia e prosa. Também busca orientar seus
associados em questões relacionadas a direitos autorais” (site UBE).
Geir Campos (apud BRAGANÇA; SANTOS, 2002) observa essa aglutinação
como desdobramento da crescente consciência sobre os direitos materiais e morais
despertada nos escritores com o desenvolvimento do Brasil observado na primeira
metade do século XX.
Um exemplo da atuação dessas entidades, mais especificamente a Associação
Brasileira de Escritores (ABE), foi o engajamento ativo da associação na discussão
do projeto de lei sobre direitos autorais que se encontrava em trâmite no Congresso
Nacional antes de 1947. A ABE sintetizou as reivindicações coletivas da classe em
um anteprojeto para submeter à apreciação do Congresso almejando contemplar os
interesses dos escritores no texto final do projeto de lei (ESP 20 DE SETEMBRO DE
1952 - PAG. 4).
183
Todavia, a legitimidade e força dessas entidades não são unânimes entre os
escritores. O escritor Geir Campos critica a atuação da UBE e o vigor com que a
organização vinha atuando, dois anos depois de fundada:
“Recentemente, fundou-se, com seções em vários estados, a UBE (União
Brasileira de Escritores), quase sempre e em quase toda parte com um
mínimo de formulação estatutária de ordem parassindical, tudo indicando
que a UBE viria afinal preencher a falta de uma entidade classista dos
escritores brasileiros. Verdade seja dita, a UBE, nos vários Estados onde se
instalou, pouco tem feito em defesa do profissional de letras – o que se
justifica, aliais, pelo fato de que ela não dispõe de um quadro de
funcionários especialmente contratados, e tendo que depender dos lazeres
e da boa vontade de cada sócio ou diretor, acaba resultando numa espécie
de atividade puramente gremística, tendendo não raro a reincidir nas
manifestações políticas e mundanas que fizeram a decadência de sua
antecessora ABDE.” (CAMPOS, 1960 apud BRAGANÇA; SANTOS, 2002,
p. 96-97)
A atuação comedida de sua principal entidade de classe não impediu que o
respeito às leis de direitos autorais se institucionalizassem nas relações entre
editores e escritores ao final da década de 1950. Pelo contrário, Levi Carneiro,
durante a conferência de 1938 no Instituto de Estudos Brasileiros sobre “O Problema
do Livro Nacional”, opina sobre a “rigidez” com que a lei vinha sendo cumprida:
“Outro problema é o dos direitos autorais. Neste ponto de vista, adotamos
atitude muito adiantada, muito civilizada, mas que eu não sei se é a que
convém mais aos interesses da nossa gente. Porque, quando chegamos à
situação de ser proibida a reprodução de um artigo de qualquer jornal
estrangeiro, inegavelmente estamos adotando uma fórmula jurídica
adiantadíssima, tudo que há de mais avançado em matéria de respeito a
direitos autorais. (Levi Carneiro, 1938)
Não dispomos de evidências para verificar os efeitos trazidos pela organização
de escritores em instituições representativas como a UBE ou como estas entidades
influenciaram o relacionamento entre editores e escritores. De qualquer forma,
verifica-se entre 1920 e 1960 o fortalecimento do respeito pelos direitos autorais que
sedimentaria definitivamente as bases da edição de livros como negócio.
184
1.2.5 Editoras
Durante a década de 1920 a atividade editorial manter-se-ia integrada à
livraria, subordinada ao comércio de livros. A edição de livros funcionaria como
atividade complementar à venda de livros. A importação de livros continuaria a ser o
principal canal de abastecimento do setor livreiro nacional, mesmo com o abalo
provocado pela elevação do câmbio verificada após o fim da primeira guerra
(HALLEWELL, 1985).
Essa situação começaria a modificar-se a partir da década de 1930, quando a
edição de livros começaria a ganhar preeminência em virtude de novas alterações
no câmbio e na oferta de livros importados durante a segunda guerra,
desvinculando-se paulatinamente do comércio varejista de livros.
% Variação Cambial Anual de 1920 até 1960 (R$/US$)
Fonte: Ipeadata
A crise econômica global iniciada em 1929 teve efeito agudo na economia
brasileira, encolhendo as exportações brasileiras e acelerando a elevação da taxa
de câmbio (HALLEWELL, 1985). A desvalorização da moeda nacional encareceu
ainda mais as importações, pressionando o preço das obras portuguesas e
franceses em 100% e 500% respectivamente (HALLEWELL, 1985). A escalada de
preço do livro importado favoreceu a competitividade do livro nacional e fomentou a
produção doméstica na primeira metade da década de 1930.
Todavia, a competitividade do livro nacional trazida pelo câmbio foi sendo
corroída ao longo da década de 1940 devido à fixação da taxa de câmbio pelo
governo até 1947. Com o câmbio fixo, os livros importados praticamente não
185
subiriam de preço, enquanto os livros produzidos aqui, por sua vez, continuavam
sujeitos ao crescente aumento dos custos de produção e do custo de vida no país,
pressionados pela inflação. Com isso, a importação de livros voltaria a ganhar
espaço no catálogo das livrarias (HALLEWELL, 1985).
Com a eclosão da segunda guerra mundial, os principais centros editoriais da
Europa, Paris e Leipzig interromperam as remessas de livros para o Brasil, ao
mesmo tempo em que a guerra despertou na população um súbito interesse por
assuntos internacionais. Essa combinação estimulou novamente a edição de livros,
principalmente de traduções, e com isso, o surgimento de novas editoras. O jornal O
Estado de São Paulo de quatro de agosto de 1946 afirma que antes da guerra
“dificilmente se encontraria uma dúzia de casas editoras representativas em 1938;
em maio de 1946 seu número é superior a 50” (ESP 04 DE AGOSTO DE 1946 PAG. 7). O crescimento do número de editoras pode ser observado no gráfico
abaixo:
Número de Editoras Brasileiras entre 1936 e 1953
Fonte: Hallewell (1985, p. 407)
Entretanto, com o fim da guerra muitas editoras fecharam as portas. A avidez
por leitura verificada durante os anos de conflito arrefecera. O reestabelecimento do
suprimento de livros importados também fora gradativamente regularizado ao longo
nos anos seguintes: as importações subiram de 500 toneladas em 1939 para mais
de 1.000 toneladas em 1951 (ESP 01 DE OUTUBRO DE 1959 - PAG. 6).
Além disso, as editoras nacionais continuariam a enfrentar as mesmas
dificuldades existentes antes da guerra: as oscilações no preço e na disponibilidade
186
de papel impostas pelas cotas cambiais do sistema de “licença prévia” a partir de
1947 e “múltiplas licenças” a partir de 1953 (HALLEWELL, 1985); o custo e a
qualidade da produção gráfica nacional; a crescente inflação.
Taxa de Inflação entre 1945 e 1960 (IGP-DI a.a)
Fonte: Ipeadata
O aumento nos programas de tradução das editoras durante a guerra,
almejando preencher o espaço deixado pelo encolhimento das importações, revelou
outro entrave à produção nacional: a carência de tradutores especializados no país,
comprometendo por vezes a quantidade e a qualidade das publicações traduzidas
(BATISTA, 2008).
Mesmo
diante
das
oportunidades
de
desenvolver-se
internamente
aproveitando as oportunidades trazidas pelo encarecimento das importações de
livros, a indústria editorial não dispunha de condições para fazê-lo. As dificuldades
da indústria editorial nacional perseveravam em 1959, como podemos verificar na
carta enviada ao Ministro da Fazenda pela CBL e SENL em virtude dos sucessivos
aumentos na taxa de câmbio e cortes nas cotas de importação de livros estrangeiros
conforme mencionamos anteriormente. A carta cujo teor foi publicado no jornal O
Estado de São Paulo reproduzimos parcialmente aqui:
“E não pensa V. exa, sr. Ministro, que a produção editorial dos quatro
países citados como exemplo e mais atingidos pelo recente corte de 50%
nas cotas de importação para 1959, possa ser suprimida pela produção
editorial nacional, mesmo que por meio de traduções. Limitações de toda
espécie nos impedem aspirar tão alto: carência de autores e tradutores
187
especializados, incapacidade do nosso parque gráfico em atender as
necessidades atuais no nosso movimento editorial, publico reduzido para
certos tipos de obras especializadas, o que obrigaria a tiragens pequenas e
absurdamente antieconômicas dessas obras. A isso tudo acrescenta-se a
falta de poder econômico das nossas editoras para, num prazo curto,
poderem ampliar sua produção, se isto fosse materialmente possível.” (ESP
17 DE MARÇO DE 1959 - PAG. 10)
Até 1960, boa parte das livrarias ainda estaria integrada a uma editora, como
era o caso da José Olympio, Livraria Globo, Livraria Martins e Civilização Brasileira,
para citar alguns exemplos. Essa aproximação ajuda a explicar o interesse e
militância do SNEL na defesa de melhores condições para a importação do livro
estrangeiro.
Para Hallewell (1985), o livro brasileiro enfrentou, durante a década de
cinquenta, concorrência “desleal” com o livro importado em função das medidas
cambiais e alfandegárias que o governo adotou para regular o abastecimento de
papel e livros importado no país. Hallewell (1985) afirma que “o efeito final dos
impostos alfandegários e da taxa do dólar, foi tornar, de fato, durante a maior parte
da década de 50, mais barato importar livros do que importar papel para imprimir
livros” (HALLEWELL, 1985, p. 434), sugerindo ainda que “como os direitos de
tradução deviam ser pagos pela taxa cambial plena, também era muito mais barato
importar um livro estrangeiro em tradução publicada em Lisboa do que adquirir
esses direitos e produzir uma versão brasileira” (HALLEWELL, 1985, p. 434).
Quantidade de Livros Importados entre 1945 e 1964 (em toneladas)
Fonte: Hallewell (1985, p. 426)
Os livros estrangeiros tornar-se-iam cada vez mais caros a partir de 1957 com
o subsequente reajuste da taxa de câmbio aplicada pelo governo à importação de
188
livros, até a extinção do sistema de taxas múltiplas de câmbio em 1961 (PECHMAN,
1983). A instrução 204 da SUMOC terminaria com o regime de taxas de câmbio
diferenciadas para alguns setores da economia, consolidando-as em uma única taxa
de câmbio, para em seguida, por meio da instrução 208, migrar as importações
brasileiras para a taxa de câmbio livre de mercado (PECHMAN, 1983).
As editoras e livrarias brasileiras tiveram de enfrentar ainda os efeitos da
censura do Estado ao longo do século XX. A liberdade de imprensa permaneceu
cerceada em diferentes níveis desde o fim da monarquia (HALLEWELL, 1985).
Durante grande parte do governo de Arthur Bernardes (1922 até 1926), o país foi
mantido em permanente estado de sítio, com repressão à produção de edições
consideradas anarquistas ou subversivas (HALLEWELL, 1985). Com a Revolução
de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o controle do Estado sobre a
produção editorial se tornaria ainda mais prejudicial à edição de livros no país. O
governo, através do Tribunal de Segurança Nacional, atuaria na interdição
sistemática de livros considerados “inapropriados”. Assim, muitas obras muitas
obras de autores importantes como Jorge Amado, José Lins do Rego, Anísio
Teixeira e até mesmo publicações infantis de Monteiro Lobato foram confiscadas e
impedidas de circular (HALLEWELL, 1985).
A situação levou o editor e livreiro de uma das mais importantes casas
editoriais nacionais, José Olympio a afirmar em 1938 que:
“O que tem causado o enfraquecimento no mercado é a apreensão de livros
em todo território nacional, sem que a maioria das vezes obedeça a um
critério justificável.” (OLYMPIO, 1938 apud HALLEWELL, 1985, p. 370)
Durante o Estado Novo (1937 – 1945), o governo de Getúlio Vargas fundou o
Departamento de Imprensa e Propaganda voltado para a vigilância da “produção
cultural do país” (PAIXÃO, 1996, p. 98). Durante o novo regime, muitos escritores
foram presos: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Tomas Santa
Rosa foram alguns deles (PAIXÃO, 1996, p. 98). Algumas obras, além de
apreendidas, foram ainda incineradas.
189
Mesmo com o fim do Estado Novo e o desmantelamento do DIP, o confisco de
livros continuaria ocorrendo pelos governos estaduais durante os anos seguintes
(HALLEWELL, 1985, p. 431).
Mais tarde, em 1956, durante o 3° Congresso de Editores, livreiros e editores
aprovaram de forma unânime um documento condenando as restrições à liberdade
de imprensa no país. Os congressistas manifestaram seu descontentamento com a
fragilidade da liberdade de imprensa e afirmaram que “o único clima propício ao livro
é o da liberdade, e consideram que a liberdade de imprensa se encontra atualmente
ameaçada no Brasil” (ESP 09 DE NOVEMBRO DE 1956 - PAG. 6).
1.3 Terceira fase: 1960 – 2012
1.3.1 Setor Gráfico
Em 17 de junho de 1965, o governo aprova o projeto de lei que previa a criação
do Grupo Executivo do Livro (GEIL), subordinado ao Ministério da Educação e
Cultura, com a missão “de formular recomendações de incentivo à indústria,
comercialização e expansão do livro” (ESP 17 DE JUNHO DE 1965 - PAG. 5).
Segundo o Decreto nº 58.024 de 21 de março de 1966, o GEIL seria
encarregado de promover estudos sobre tarifas aduaneiras, câmbio, preparo de mão
de obra especializada, suprimento de matérias primas, legislação e normativa
tributária envolvendo a indústria editorial. Esses estudos seriam conduzidos com
objetivo de identificar e avaliar as carências e gargalos que obstruíam o avanço da
indústria editorial. A partir do mapeamento e análise dos pontos de estrangulamento
da cadeia produtiva do livro, o comitê deveria emitir pareceres e propostas de
natureza financeira, fiscal ou legislativa voltadas para a dissolução dos problemas
encontrados. Cabia ainda ao comitê acompanhar a implementação das ações
sugeridas (http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=189589).
Dentro do âmbito do setor gráfico, cabia ao GEIL ainda, “recomendar às
entidades oficiais de crédito e financiamento, medidas de apoio à indústria nacional
do livro, em especial seu reequipamento e aperfeiçoamento tecnológico” (Senado).
190
Como desdobramento do movimento oficial liderado pelo governo para fomento
da indústria editorial, o governo criou em 1966 o Grupo Executivo das Indústrias de
Papel e Artes Gráficas (GEIPAG), voltado para atender às questões específicas do
setor gráfico e de papel (HALLEWELL, 1985). O órgão recém-criado conseguiria
apoio do governo na liberação de linhas de financiamento destinadas à renovação e
modernização do parque gráfico nacional.
O efeito desse financiamento pode ser observado nas palavras do presidente
da Associação Brasileira de Indústrias Gráficas (ABIGRAF), Sr. Damiro de Oliveira
Volpe em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo de 20 de junho de
1970:
“A abertura do mercado externo – disse – está diretamente ligada à atuação
do Grupo Executivo das Indústrias de Papel e de Artes Gráficas (GEIPAG),
que nos últimos 3 anos possibilitou a importação US$ 68 milhões na forma
no do mais moderno equipamento gráfico do mundo. Em consequência
dessas aquisições, o parque gráfico não só passou a liderar técnica e
qualitativamente a indústria gráfica da America Latina como, ainda, atingiu
níveis de produção capazes de atender plenamente o mercado interno e
externo.” (ESP 20 DE JUNHO DE 1970 - PAG. 22.).
Os equipamentos importados foram ainda isentos dos impostos de importação
e sobre produtos industrializados.
Em 1971, pelo menos 40% do maquinário gráfico existente em 1965/1966
estava modernizado segundo estudo da FGV coordenado pelo GEIL (ANDRADE,
1974). Olímpio de Souza Andrade, autor de O Livro Brasileiro, afirma que a
atualização técnica promovida pelas medidas do GEIPAG constituiu-se “fato de
excepcional importância, provavelmente o que de melhor aconteceu no decorrer de
todo o tempo abrangido pela primeira versão de nossa análise, 1926 – 1966”
(ANDRADE, 1974, p. 35).
A maior parte da mão de obra gráfica vinha sendo formada, até a década de
1960, empiricamente pelas próprias gráficas (ESP 25 DE JULHO DE 1967 - PAG. 7
e ESP 09 DE NOVEMBRO DE 1971 - PAG. 22). A raridade da mão de obra e a
dificuldade em ampliar a formação de novos gráficos, não apenas encarecia a
contratação de novos funcionários, como também dificultava a expansão do setor. A
pressão sobre o desenvolvimento de mão de obra aumentou significativamente na
191
medida em que o parque gráfico fora remodelado, exigindo novos conhecimentos
técnicos e know-how para operar os novos equipamentos.
Em 1971, o setor conseguiu apoio do governo para criar o Colégio Industrial de
Artes Gráficas (CIAG). A instituição é vinculada ao SENAI e fora incumbida de
formar “técnicos de nível médio e altamente especializados para toda a indústria
gráfica do País” (ESP 09 DE NOVEMBRO DE 1971 - PAG. 22), preenchendo a
lacuna de mão de obra qualificada que arrebatava sérios problemas ao
desenvolvimento da indústria gráfica.
Com as melhorias na indústria gráfica verificadas entre o final da década de
1960 e primeira metade da década de 1970, o setor deixou de restringir o avanço da
produção de livros no país, passando a incentivá-lo com a nova capacidade de
produção instalada.
Ao longo da década de 1980, o setor gráfico manteve uma taxa de renovação
tecnológica da ordem de 35%, bem abaixo dos 85% apresentados pelos países
líderes em industrialização (ESP 20 DE ABRIL DE 1989 - PAG. 32). Essa
defasagem levou a Abigraf a organizar em 1988 uma pesquisa para diagnosticar o
estágio em que se encontrava o parque gráfico brasileiro, que segundo a Abigraf,
estaria com vinte anos de atraso tecnológico (ESP 19 DE JULHO DE 1988 - PAG.
71).
Essa defasagem, verificada ao final da década de 1980, parece não ter
comprometido a oferta de serviços gráficos ao mercado editorial, visto que o setor
manteve durante muitos anos da década de 1980 cerca de 15% de capacidade
ociosa (ESP 11 DE OUTUBRO DE 1986 - PAG. 37).
1.3.2 Papel
Com o fim do regime de taxas múltiplas de câmbio instituído pelas instruções
204 e 208 da Sumoc (PECHMAN, 1983), as importações de papel passaram a ser
regidas pelo câmbio livre de mercado. Em contra partida, com a extinção do câmbio
subsidiado, encerrou-se também a subvenção concedida à indústria nacional de
papel como medida compensatória pela facilidade cambial de que gozava o papel
estrangeiro (HALLEWELL, 1985).
192
O fim dos subsídios ao papel nacional e importado resultou na escalada do
custo do papel, cuja participação nos custos de produção do livro saltou de 20%
para 60% depois do fim dos benefícios (ESP 14 DE JULHO DE 1961 - PAG. 23).
Além disso, a antiga questão da qualidade do papel nacional continuava. Um
comunicado publicado por empresas do setor no O Estado de São Paulo de cinco de
outubro de 1962 anunciava que a produção brasileira de quase 73 ton/ano de papel
para impressão já era, em 1960, capaz de atender toda a demanda interna pelo
produto (05 DE OUTUBRO DE 1962 - PAG. 24). Porém, em 1967 a instabilidade na
qualidade do papel nacional persistia, e continuava despertando críticas pelo setor
gráfico e editorial em virtude da baixa eficiência que proporcionava ao processo
produtivo.
O GEIPAG, em 1967, tendo em vista melhorar a produção nacional de papel
de impressão para atender o mercado editorial, concedeu benefícios e facilidades à
indústria de papel. As principais medidas foram a liberação dos impostos de
aduaneiros e sobre produtos industrializados para a importação de máquinas e
equipamentos. O governo, através do GEIPAG, aprovou ainda em 1967,
financiamento de 11 projetos para o setor de papel, num total de 32 milhões e 600
mil cruzeiros (ESP 31 DE AGOSTO DE 1968 - PAG. 19).
Todavia, mesmo com os estímulos concedidos ao setor, a produção de papel
deixaria a desejar até o início da década de 1970. A pesquisa Produção de livros no
Brasil, realizada pela FGV, sob supervisão do GEIL em 1971, apontava que a
evolução do papel brasileiro não acompanhara a modernização do parque gráfico
nacional, “continuando a fornecer um papel caro e de qualidade que não satisfaz”
(ANDRADE, 1974, p. 39).
Além das questões de qualidade, o papel ainda atravessaria alguns tropeços
no fornecimento ao longo da década de 70. O principal deles foi durante a crise
internacional no mercado de papel em 1973, provocada pelo descompasso entre a
produção e a demanda mundial pelo produto. Entre os motivos para a oferta menor
de papel estava a queda da produção anual americana de 75 milhões de toneladas
para 50 milhões em 1973, pressionando os estoques globais de papel (Veja de 24
de outubro de 1973). Por outro lado, a produção nacional de celulose não conseguia
atender a produção nacional de papel em 1973. Com os preços do papel
controlados no mercado interno pelo Conselho Interministerial de Preços, muitos
193
fabricantes de papel recusaram-se a importar celulose, cotada a US$ 350 a tonelada
contra US$ 170 no mercado nacional, reduzindo os níveis de produção (ESP 14 DE
FEVEREIRO DE 1974 - PAG. 22).
A redução da oferta nacional de papel em conjunto com os altos custos de
importação do similar estrangeiro, fez com que o preço do papel para impressão de
livros subisse sucessivamente 167% em 1973 (Veja edição 297, pág 64) e 300% ao
longo de 1974 (Veja 23 outubro de 1974).
A partir de 1975, a indústria nacional de papel e celulose foi eleita como um
dos setores industriais brasileiros a ser desenvolvido com apoio do governo através
do II Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado em 1974 pelo Estado. A inclusão
do setor dentro do programa do governo priorizaria o desenvolvimento em particular
da produção nacional de celulose cuja dependência do mercado externo impunha
oscilações à evolução da indústria de papel brasileira. Por outro lado, os
investimentos voltados ao setor de celulose almejavam também desenvolver o
potencial florestal do Brasil, privilegiado pelas condições de solo e clima propícias à
geração competitiva de insumos para a produção de celulose (BNDES). O
investimento previsto para a indústria de papel e celulose entre o período de 1975 e
1979 estava orçado em US$ 1,9 bilhão, dividido entre 12 empresas do setor (Marco
Aurélio Cabral Pinto - REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 5179, DEZ. 2004).
O impulso ao setor, trazido pelo apoio estatal e pelos crescentes investimentos
ao longo da década de 70 e 80, resultou na ampliação da capacidade técnica e
produtiva da indústria nesse período. Segundo a Associação Nacional dos
Fabricantes de Papel e Celulose (ANFPC), a produção de papel e celulose cresceu
178% e 286% respectivamente entre 1970 e 1979 (ESP 06 DE JANEIRO DE 1980 PAG. 44). O país viria a ocupar a 11ª posição entre os maiores produtores mundial
de papel e o 8° lugar na produção de celulose em 1985 (ESP 19 DE SETEMBRO
DE 1985 - PAG. 36).
Aparentemente, verificam-se questões ligadas à qualidade do papel apenas até
o início da década de 1970. Entre as matérias pesquisadas no O Estado de São
Paulo da década de oitenta não encontramos mais queixas ou reclamações de
gráficos e editores que sugerissem problemas de ordem qualitativa em relação ao
194
papel, sugerindo que possivelmente foram superadas pela indústria de papel ainda
na década de 1970.
1.3.3 Distribuição
A repressão à liberdade de imprensa atingira seu auge em 1968 quando o
governo militar promulgou o Ato Institucional n.° 5, instituindo censura aberta a
imprensa, e, posteriormente oficializando via decreto-lei a censura prévia sobre
livros em 1970 (HALLEWELL, 1985).
Em 1977 muitas livrarias ficariam com suas encomendas de livros importados
presas nos depósitos do Correio Central sob alegação do governo de que as
remessas precisavam ser fiscalizadas sob novos procedimentos para controle de
contrabando. O tempo de permanência dos livros nos depósitos e a dificuldade em
receber justificativas consistentes, despertou a desconfiança dos livreiros de que o
embargo estaria muito mais ligado à censura do que efetivamente outro tipo de
fiscalização (ESP 25 DE JUNHO DE 1977 - PAG. 9). Até a abertura em 1985, a
censura ainda que em menor intensidade, continuaria a “assombrar” a edição e o
comércio de livros.
Além da censura que se estendia das editoras às livrarias, estas últimas teriam
que enfrentar o fim do câmbio subsidiado para importação de livros em 1961. O
preço do livro estrangeiro que já havia sofrido sucessivos reajustes em função de
aumentos subsequentes no ágio cambial no final da década de 1950, dobrou de
preço em 1961 (ESP 13 DE JUNHO DE 1961 - PAG. 10). A mudança no patamar de
custos dos livros importados, agora indexados ao câmbio de mercado, levaram os
livreiros a reduzirem seus pedidos de importação, obrigando-os a serem mais
seletivos na escolha dos títulos importados.
Por outro lado, fatores como o aumento da capacidade produtiva do setor
gráfico, as coedições patrocinadas pelo governo através do Instituto Nacional do
Livro, e o próprio encolhimento das importações de livro, proporcionaram estímulos
ao aumento da edição de livros, como pode ser observado a partir da década de
1970 na quantidade de títulos e exemplares publicados anualmente.
195
O vigor da produção nacional de livros exerceria crescente pressão sobre o
sistema de distribuição da época para escoar os novos títulos e exemplares. Com
isso, a organização e ampliação da cadeia de distribuição e comercialização do livro
tornou-se pauta mais preeminente a partir da década de 1970 do que vinha sendo
nas décadas anteriores.
Em 1972 o Brasil contaria com apenas 400 livrarias, a maioria confinada aos
principais centros urbanos (ESP 02 DE ABRIL DE 1972 - PAG. 150). Segundo
Hallewell (1985), em 1972 apenas 25% dos municípios brasileiros dispunham de
“qualquer tipo de loja que vendesse livros” (HALLEWELL, 1985, p. 517). Na verdade,
segundo o Sindicato Nacional de Editores de Livros e a Câmara Brasileira do Livro,
o número de livrarias no país na década de 1970 não era apenas pequeno, mas
estava encolhendo. As entidades afirmam que as 600 livrarias em atividade na
década de 1960, minguaram para apenas 300 em 1976 (ESP 31 DE OUTUBRO DE
1976 - PAG. 81).
Laurence Hallewell aponta dois motivos que contribuíram para a formação
desse quadro: a carência de empresas atacadistas de livros e a “relutância das
editoras em mandar seus representantes em viagens frequentes a áreas em que as
livrarias eram pouco numerosas, isto é, Norte, Nordeste e Centro-oeste”
(HALLEWELL, 1985, p. 518). A relutância das editoras certamente estava
intimamente ligada ao custo envolvido em manter vendedores próprios circulando
nas regiões mais afastadas do polo de operação das editoras: Sul e Sudeste.
A carência de livrarias fora apontada na época como um dos principais
gargalos ao crescimento do mercado, mobilizando o SNEL em busca de apoio do
governo para ampliar a rede de livraria no interior do país:
“Uma dessas medidas, segundo Atos Pereira, presidente do Sindicato dos
Editores, seria o governo criar um sistema especial de financiamento para a
construção de livrarias em todo o país. Ele explica por quê: ‘Existe público
para livros no Brasil. É preciso despertá-lo. Uma das razões das baixas
vendagens de livros é a pequena rede de livrarias existente no Brasil. As
principais capitais estão mais ou menos supridas, mas o interior não.
Durante o IV Encontro de Editores e Livreiros, realizado recentemente em
São Lourenço (MG), decidimos encaminhar um pedido de financiamento ao
presidente Emílio Garrastazu Medici. Agora, estamos aguardando a
decisão’". (Veja edição 169, 1 de dezembro de 1971)
196
Nelson Palma Travassos sugere que a baixa penetração de livrarias no interior
do país devia-se em grande parte a ausência de uma estrutura de distribuição
integrada, e ao custo inicial para montar uma livraria em uma cidade de tamanho
médio (ESP 02 DE ABRIL DE 1972 - PAG. 146). Para contornar esse gargalo,
Travassos propõe a criação de uma empresa de distribuição coletiva entre livreiros e
editores, assim como sugeriram José Leite em 1938 e Ênio Silveira em 1959:
“A execução deste plano, que agora trago à baila, deve ter início com a
fundação da Companhia Nacional Distribuidora de livros, com sede na
Capital do Estado de São Paulo, e, como campo experimental de seus
resultados, as cidades paulistas que possuem mais de 10.000 alunos nos
seus diversos cursos escolares e universitários.
[...] Serão diretores e sócios, os editores que, pertencendo à Câmara
Brasileira do Livro se interessem em tomar parte em tal empreendimento.
Nas sedes dos municípios escolhidos, digamos, Araraquara, São Carlos,
Bauru, haveria um trabalho junto às prefeituras para que doassem num
ponto central, um dos muitos terrenos que todas as prefeituras possuem,
para ali ser construída a Casa da Cultura da cidade.
Ao mesmo tempo o Estado, por intermédio da Caixa Econômica, seria
convidado a emprestar a quantia necessária para a construção desse
edifício [...].
Bastaria a constituição do estoque da livraria desta Casa de Cultura,
determinante impeditiva, pelo seu altíssimo custo, da formação de livrarias
das cidades de tamanho médio, e do mobiliário para o seu funcionamento.
Entra aqui a contribuição dos editores que, sem perigo algum de perda, uma
vez que vendem para si próprios, como donos de empreendimento, o
fornecimento, em consignação, de todos os livros que possuem estocados
em seus armazéns. [...]” (ESP 02 DE ABRIL DE 1972 - PAG. 146)
Em 1979, a ideia de uma instituição central de distribuição é retomada pelo
então ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portella ao propor em entrevista
para o Estado de São Paulo, a criação de uma empresa nacional de distribuição, a
“Embralivros”. A distribuidora estatal atuaria na promoção de “um esquema de
distribuição mais eficiente, atuando possivelmente, também numa rede nacional de
livrarias”, na tentativa de dissolver o gargalo que a distribuição representava na
dilatação do acesso ao livro no país (ESP 01 DE ABRIL DE 1979 - PAG. 30).
Todavia, as propostas aventadas ao longo da década de 1970 pelo SNEL,
como as de Nelson Palma Travassos e Eduardo Portella, de centralizar e unificar de
alguma forma os esforços para o avanço do sistema de distribuição nacional de
livros, mais uma vez não vingariam.
O único movimento conjunto verificado na década de 1970 e 1980 foi a
Edibolso, empresa criada em 1971 para tentar emplacar o livro de bolso em termos
197
de produto e distribuição. A editora Edibolso fora fruto de em consórcio entre as
editoras Record, Editora Abril, Círculo do Livro e Bantam Books (editora norte
americana) e se concentraria na edição de best-sellers no formato pocket para
serem distribuídos em pontos de venda tradicionais e alternativos (HALLEWELL,
1985). Em 1978 a Edibolso contava com cerca de 2.500 pontos de venda em todo
Brasil, com volume mensal de 100.000 exemplares (HALLEWELL, 1985; ESP 03 DE
SETEMBRO DE 1978 - PAG. 30).
No lugar de uma atuação conjunta, editoras e livrarias preferiram prosseguir
com seus próprios esquemas particulares de distribuição e comercialização de
livros. Entre as alternativas empregadas pelas editoras para ampliar o alcance de
seus livros, podemos destacar a venda porta a porta pelo sistema de crediário e a
utilização de reembolso postal (ESP 02 DE ABRIL DE 1972 - PAG. 150). O sistema
de reembolso postal cuja utilização vinha diminuindo até 1967 (ANDRADE, 1974, p.
65), seria reestruturado em 1976, tornado-se mais simples e barato, mas isso não
seria suficiente para que a participação dessa modalidade de venda se tornasse
representativa no faturamento das editoras, dificilmente passando de 5% das vendas
de uma editora (HALLEWELL, 1985).
Outras iniciativas independentes para diversificar a malha de pontos de venda
de livros surgiram também no início dos anos 70, como a empresa Farmalivros,
criada com a proposta de aproveitar as 15.300 farmácias espalhadas por São Paulo
em 1969 para também vender livros. O negócio posteriormente diversificou a
colocação de livros para postos de gasolina, supermercados, boutiques e
restaurantes (Veja edição 20 de 22 de janeiro de 1969 e Veja edição 268 de 24 de
outubro de 1973). A banca de jornal também passou a ser explorada por editoras
como ponto de venda de livros a partir da década de 1970 (Veja edição 169 de 1
dezembro de 1971 pg.57).
A partir da década de 1970, outras mudanças se verificariam no comércio de
livros. A livraria, nas palavras de Nelson Palma Travassos:
“[...] não faz mais parte do ambiente social da cidade. É uma casa onde se
vende o livro escolar não mais frequentada pelos escritores de ficção, os
historiadores, os juristas, os cientistas. Afastaram-se eles do público [...]”
(ESP 02 DE ABRIL DE 1972 - PAG. 145).
198
A livraria como espaço de convívio social e encontro de autores e leitores
perdeu força na década de 1970.
Ao mesmo tempo em que deixou de ser um espaço de convivência, o setor
livreiro passou por poucas renovações em termos de atualização tecnológica,
utilização de sistemas de gestão, mix de produtos, especialização do atendimento e
técnicas de venda. O modus operandi das livrarias conservou-se praticamente
inalterado até o final da década de 1980, quando a formação das redes de livrarias
ganhou força, sincronizadas com as mudanças no comércio trazidas pelo
crescimento dos shopping centers e pela evolução do varejo no país.
Ainda na década de 1970, as livrarias começariam a enfrentar uma dupla
concorrência sobre o livro didático. De um lado, os programas de governo para
aquisição de livros escolares seriam impulsionados a partir de 1966, com a criação
da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED) cujas atribuições foram
incorporadas pelo INL a partir de 1971 e, posteriormente, pela Fundação Nacional
do Material Escolar (Fename), em 1976 (HALLEWELL, 1985). O principal programa
de compra de livros para escolas, o Programa do Livro Didático para o Ensino
Fundamental (PLIDEF) desenvolvido pelo INL em 1971, se transformaria no atual
PNLD em 1985 (FNDE).
Por outro lado, muitas editoras de livros didáticos passaram a utilizar escolas
para ampliar a capilaridade da distribuição dos seus livros. Com isso, parte do fluxo
de livros didáticos passou a ser canalizada diretamente para o governo, sem a
participação das livrarias, privando-as do fluxo de alunos dessas redes. Ao mesmo
tempo, as escolas, principalmente as particulares, passaram a concorrer com as
livrarias pela venda do livro didático, aproveitando-se de facilidades comerciais
concedidas pelas editoras não verificadas nas livrarias, como a aquisição em
consignado e descontos maiores (ESP 26 DE AGOSTO DE 1972 - PAG. 12).
De acordo com duas séries de matérias publicadas em 1972 e 1976 no O
Estado de São Paulo sobre o panorama do mercado editorial brasileiro, o número de
livrarias em 1972 estava estimado em 400 livrarias (ESP 02 DE ABRIL DE 1972 PAG. 150). Em 1976 esse número minguou para aproximadamente 300 livrarias
(ESP OUTUBRO DE 1976 - PAG. 81), sugerindo que o setor livreiro não conseguira
199
acompanhar a prosperidade experimentada pelo setor editorial ao longo da década
de setenta.
A progressiva separação entre a atividade de edição e o comércio de livros
dentro da estrutura das empresas editoriais levou ao aumento no conflito de
interesses entre editoras e livrarias ainda na década de 1970. Em 1978, os livreiros
fundaram sua própria entidade de classe, a Associação Nacional de Livrarias (ANL),
que passaria a representar e defender os interesses da classe frente a outras
instituições ligadas ao livro. Na visão do grupo de livreiros fundador da ANL, a
Câmara Brasileira do Livro, embora congregasse editores e livreiros, já não seria
capaz de representar eficazmente os interesses das livrarias (ESP 07 DE MAIO DE
1978 - PAG. 33). Porém em 1984, a ANL ainda patinaria em busca de uma
reorganização
interna
mais
estruturada
que
lhe
proporcionasse
“maior
representatividade e expressão junto à categoria” (ESP 24 DE NOVEMBRO DE
1984 - PAG. 16).
A escalada da inflação verificada ao longo da década de 1980 também teria
papel decisivo na deterioração do comércio de livros. O custo de produção dos livros
passaria a embutir a expectativa inflacionária, tornando o produto cada vez mais
caro em um cenário em que a renda real era, ano após ano, corroída pela inflação.
Nesse cenário de retração do mercado, muitas livrarias e distribuidores passariam a
valer-se da inflação para auferir ganhos financeiros, tendo em vista melhorar os
proventos gerados por seu negócio. Todavia, conforme apontaria três entrevistados
com quem conversei, essa cultura inflacionária afastaria muitos livreiros e
distribuidores do ofício do negócio de vender livros para oportunizar a inflação.
1.3.4 Autor
Os escritores nacionais atentar-se-iam cada vez mais para as condições
materiais e legais envolvendo os contratos de cessão de direitos sobre suas obras
ao longo da década de setenta e oitenta. Nesse sentido, a partir da década de 1980
alguns autores brasileiros, principalmente os de maior notoriedade no meio editorial,
começaram a delegar a gestão dos seus direitos e contratos de cessão de direitos
200
para uma nova figura ainda embrionária no Brasil, mas antiga nos mercados
europeu e americano: os agentes literários. A função central dos agentes seria
defender e promover os interesses de seus escritores junto às editoras nacionais
e/ou estrangeiras (23 DE JULHO DE 1987 - PAG. 61).
Os interesses dos escritores em particular e da classe artística brasileira em
geral, também ganhou força junto ao governo. Em 1973 foi criado o Conselho
Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão vinculado ao Ministério da Educação e
Cultura, cuja atuação segundo o próprio Ministro Eduardo Portella era de defender o
direito autoral de forma ativa, promovendo a valorização dos “criadores de cultura” e
a preservação dos seus direitos sobre suas respectivas produções artísticas (ESP
02 DE OUTUBRO DE 1979 - PAG. 28).
No que tange ao mercado editorial, o CNDA preparou um anteprojeto de lei
para regulamentar os direitos de autor em 1988, envolvendo a produção artística em
geral, inclusive literária. O objetivo do anteprojeto era atualizar a lei de direitos
autorais vigente, contemplando melhores condições e mecanismos de proteção para
os autores, entre eles a necessidade de prévia autorização do autor para as diversas
formas de utilização da obra, a prestação mensal de contas dos exemplares
vendidos, a autorização e a numeração de cada exemplar da tiragem (ESP 18 DE
NOVEMBRO DE 1988 - PAG. 50). Além disso, o projeto previa ainda a autorização
pelo CNDA para publicação de obras caídas em domínio público e a incidência de
remuneração pelos direitos autorais dessas obras, a serem recolhidos pelo CDNA.
A proposta, que contava com o apoio da UBE, fora frontalmente atacada pelos
editores que se viram prejudicados com as novas exigências, uma vez que
incorreriam em aumento de custos e burocracia para atendê-las (ESP 02 DE
DEZEMBRO DE 1988 - PAG. 35). O anteprojeto de lei não fora adiante, mas
reacendeu o debate sobre a necessidade de atualizar-se a legislação sobre direitos
autorais à luz do crescimento dos diferentes meios de comunicação e das novas
formas de exploração comercial da produção de bens culturais (ESP 18 DE
DEZEMBRO DE 1988 - PAG. 67).
Assim, a polêmica trazida pelo anteprojeto, deflagrou o engajamento de
escritores, editores e governo nos debates sobre a revisão e atualização da lei de
direito autoral. O CNDA seria extinto em 1990, antes da aprovação de uma nova lei
de direitos autorais que só aconteceria em 1998.
201
Os autores nacionais enfrentariam forte concorrência com autores estrangeiros
pelo espaço de publicação nas editoras ao longo da década de setenta e oitenta. A
participação dos autores estrangeiros ultrapassou os 50% em alguns anos da
década de setenta. A crescente ocupação das edições nacionais pelas traduções
também se refletiu na representatividade dos escritores internacionais nas listas de
mais vendidos durante os anos setenta e oitenta (REIMÃO, 1996).
Esse quadro contribuiu para que os sindicatos de escritores de São Paulo,
Brasília e Rio de Janeiro apoiassem o projeto de lei 2131 apresentado em 1983 pelo
deputado Freitas Nobre cujo texto, entre outros pleitos, exigia que as editoras
limitassem a publicação de obras estrangeiras a apenas 10%, assegurando os
outros 90% à edição de autores brasileiros (ESP 14 DE JULHO DE 1985 - PAG. 35).
O projeto não seguiu adiante tendo em vista a resistência que enfrentou de
representantes do SNEL e da própria UBE que não se mostrou favorável às medidas
incluídas no projeto, e por isso, não apoiou os sindicatos regionais. O projeto foi
arquivado em 1985.
1.3.5 Editoras
A produção nacional de livros saltaria da média de 56 milhões ao ano durante a
década de 1960, para 151 milhões de exemplares em média ao longo dos anos
setenta. A edição de títulos sairia de aproximadamente 3,6 mil títulos por ano, ao
longo dos anos sessenta, para 8,9 mil títulos durante a década de setenta.
202
Exemplares Produzidos no Brasil de 1961 a 1985 (em milhões)
Fonte: Reimão (1996, p. 40, 58 e 79)
Muitos fatores contribuíram para essa elevação. Um deles foi a recente reforma
tecnológica do parque gráfico nacional, promovida no final da década de sessenta,
que expandiu a capacidade de produção e trouxe novas possibilidades técnicas para
a confecção de livros.
O governo também incentivou as editoras com o programa de coedições
lançado pelo INL em 1970, e com a compra direta de livros para distribuição gratuita
às escolas da rede pública, que ganhou força a partir de 1966 com a instituição do
COLTED (FNDE). Para as coedições do INL, cada título escolhido tinha sua tiragem
dividida entre o INL e a respectiva editora. A parte dos livros que cabia ao INL era
encaminhada para suprir as bibliotecas públicas, enquanto a fatia das editoras podia
ser comercializada normalmente pelos canais tradicionais a preços reduzidos pela
escala e compartilhamento dos custos da tiragem (HALLEWELL, 1985). O programa
destinou entre 1971 e 1973, cerca de 103 milhões de cruzeiros na coedição de 689
títulos para o segmento de livros didáticos e 9,6 milhões de cruzeiros em 565 títulos
de ficção (Veja edição 320). As coedições do INL alcançaram o total de 30 milhões
de livros distribuídos entre 1970 e 1973 (OITICICA, 1997).
Em 1970, a CBL organizou a I Bienal do Livro em São Paulo. Inicialmente
idealizada como uma feira de negócio entre empresas nacionais e estrangeiras do
ramo editorial, a Bienal do Livro viria a assumir, a partir de 1974, sua forma definitiva
de feira de livros voltada para o público leitor, distanciando-se de sua concepção
original de fórum de negócios (Veja 102, Veja 303).
203
Em 1983, o SNEL organizaria no Rio de Janeiro a Bienal do Rio cuja estrutura
e proposta se assemelhava à bienal de São Paulo. As Bienais se tornariam o
principal evento de divulgação e promoção do livro no país.
A participação cada vez mais frequente e de um número cada vez maior de
editoras brasileiras, a partir da segunda metade da década de 1970, nas feiras
internacionais de livros, realizadas nos principais centros editoriais internacionais,
como Frankfurt, Paris, Nova Iorque e Londres, também contribuiu para o aumento no
número de publicações. O crescente acesso de editoras brasileiras aos editores e
agentes internacionais colocava à disposição dos editores brasileiros uma oferta
cada vez mais abrangente e variada de títulos, temáticas e autores, criando, por sua
vez, novas oportunidades de publicações para o setor editorial brasileiro.
A expansão do ensino universitário também influenciou na quantidade de
traduções editadas no país. O número de alunos matriculados nas instituições de
nível superior seria multiplicado por onze entre 1960 e 1975, saindo de 93 mil em
1960 para mais de um milhão em 1975, fazendo com que as editoras investissem na
tradução de livros técnicos e científicos para atender a esse mercado (HALLEWELL,
1985).
Títulos Traduzidos Publicados no Brasil
Fonte: Hallewell (1985, p. 578)
Entretanto, o aumento da produção nacional esbarrou nas limitações,
exposição e comercialização dos livros impostas pelo precário sistema de
distribuição nacional. As livrarias, além de poucas e concentradas no eixo Rio – São
Paulo, ainda apresentavam baixo nível de capitalização no início da década de
oitenta. Segundo Caio Graco Prado, dono da editora Brasiliense (ESP 10 DE
204
AGOSTO DE 1980 - PAG. 137), e o então presidente do SNEL, Fernando Gasparian
(ESP 08 DE DEZEMBRO DE 1982 - PAG. 18), a carência de recursos impedia as
livrarias de absorver o aumento de produção. Acrescenta-se a esse quadro a
dificuldade do setor livreiro em criar novas formas de atrair e aumentar o público nas
lojas, estimulando a venda de livros.
A escassez de papel disponível no mercado brasileiro e internacional para a
impressão livros durante 1973 – 1974, e os sucessivos reajustes de preço do
produto, aparentemente não tiveram efeitos significativos na quantidade de
exemplares produzidos e títulos editados nesses anos (vide gráfico). Todavia, esses
números poderiam ter sido maiores, visto que o custo e a carência de papel nesse
período levaram editoras importantes, como a Brasiliense e a Martins, a recorrerem
à impressão de muitos de seus títulos no exterior. Outras editoras optaram por
reduzir o número de lançamentos e concentraram-se nos títulos de autores
comercialmente mais estáveis (ESP 14 DE FEVEREIRO DE 1974 - PAG. 22).
O rádio e a televisão também ganharam força e audiência ao longo das
décadas de 1970 e 1980, concorrendo com o livro pelo tempo e atenção dos
leitores. Porém, segundo Sandra Reimão (1996), o aumento da penetração da
televisão nos lares brasileiros associado ao seu posicionamento como principal meio
de comunicação no Brasil, favoreceriam a emergência de autores com presença na
televisão. Assim, embora a televisão viesse a ocupar a preeminência entre os
veículos de comunicação voltados à informação e entretenimento no Brasil, ela
também ensejaria oportunidades de publicação e divulgação para o mercado
editorial.
205
Domicílios Brasileiros com Rádio e TV
Fonte: IBGE: De 1960 até 1991. Teleco: informações de 2001 e 2011 (www.teleco.com.br)
Os outros meios de comunicação audiovisuais encontrariam menos resistência
para expandir seu alcance visto que não dependiam da formação de leitores para
crescer como acontece com o livro.
Embora os programas de educação do governo avançassem ano após ano,
segundo o IBGE em 1991 menos de 28% dos brasileiros com pelo menos 25 anos
de idade havia frequentado a escola por oito anos ou mais. Isso equivale dizer que
menos de 28% dos brasileiros concluíra pelo menos a oitava série para
eventualmente seguir adiante nas etapas seguintes de graduação escolar.
Percentual de Brasileiros Com 25 Anos ou Mais e Com 8 Anos ou Mais de Estudo
Fonte: IBGE
A inflação alta desde a década de sessenta, disparou a partir da década de
oitenta, dificultando a capitalização das editoras que passaram a arcar com custos
financeiros maiores para manter os mesmos prazos de pagamentos concedidos às
206
livrarias e distribuidores (ESP 08 DE DEZEMBRO DE 1982 - PAG. 18). O poder de
compra encolheria em consequência da queda na renda real a partir de 1983,
encarecendo o consumo em geral, inclusive de livros. Por fim, a alta inflação
observada ao longo da década de oitenta institucionalizaria o ajuste periódico no
preço dos livros com base na expectativa inflacionária calculada pelas editoras. A
incerteza associada às estimativas da curva futura de inflação naquela época levou
muitas editoras a efetuarem reajustes conservadores na esperança de acomodar o
risco de oscilações inflacionárias durante o intervalo de atualização das tabelas de
preço. Esse mecanismo deixaria os livros ainda mais caros durante a década de
oitenta e início da década de noventa (ESP 28 DE MARÇO DE 1994 - PAG. 31).
Taxa de Inflação entre 1960 e 1990 (IGP-DI a.a)
Fonte: Ipeadata
Salário Mínimo Real entre 1960 e 1990 (Em R$ de 2013)
Fonte: Ipeadata
O desenvolvimento do mercado editorial esbarraria no advento de um
substituto do livro partir da década de 1980: a “xerox”. A multiplicação de
207
reprografias em papelarias, escolas, universidades ou no entorno dessas instituições
de ensino intensificaria o acesso e o hábito de reproduzir cópias inteiras ou
fragmentos de livros no lugar de adquirir o livro original. A flexibilidade de custo
oferecida pela xerox ao permitir a compra fracionada do livro, principalmente em um
cenário de degradação da renda e encarecimento dos livros, colocaria as
reprografias em concorrência direta com a produção editorial tradicional a partir dos
anos oitenta. Segundo um entrevistado:
“[...] porque chegou um momento ali nos anos 80 que você teve a invasão
das Xerox nas universidades. Aí as pessoas pararam de comprar livro de
universidade e só Xerox dos capítulos que se precisava. Aí a editora foi
sofrendo assim violentamente com o Xerox [...]” (Entrevistado)
A carência de fiscalização do governo e a permissividade com que instituições
de ensino tratariam internamente a questão da reprodução de livros favoreceriam a
prosperidade do mercado reprográfico no Brasil e seus efeitos sobre o mercado
editorial.
Além da xerox as editoras continuariam a enfrentar a censura até meados da
década de oitenta. O efeito da censura sobre a edição de livros teve seu auge com a
instauração da censura prévia de livros em 1970. Nesse novo modelo, as editoras
poderiam publicar títulos sem autorização do Estado desde que não afrontassem a
moralidade pública e os bons costumes (HALLEWELL, 1985). Todavia, a
abrangência da medida licenciava a arbitrariedade das proibições e apreensões pelo
Estado e deflagraria um clima insegurança entre as editoras e livrarias sobre as
escolhas de suas publicações.
Contudo, segundo Deonísio da Silva, autor do livro Nos Bastidores da Censura,
o governo censurou uma lista 508 títulos, todos impedidos de circular durante o
período de exceção regido pelo AI-5 (ESP 12 DE DEZEMBRO DE 1993 - PAG. 199).
O então secretário geral do SNEL, Jorge Zahar, afirmou que muitas editoras
fecharam as portas pelos prejuízos causados pelas edições proibidas de circular e
pelas apreensões de exemplares efetuadas pelo governo (ESP 07 DE SETEMBRO
DE 1985 - PAG. 20). Deonísio aponta ainda as editoras não engavetaram originais
temendo a censura. A maioria optou por seguir adiante com as publicações e correr
o risco de sofrer as penas impostas pela censura.
208
1.4 Quarto Período: 1990 – 2013
1.4.1 Setor Gráfico
O setor gráfico após a abertura econômica promovida pelo governo Collor
passou a enfrentar a concorrência de gráficas estrangeiras no setor editorial (ESP
18 DE DEZEMBRO DE 1995 - PAG. 37). Em 1995, a Abigraf afirmava que o setor
atravessava um processo de renovação tecnológica decorrente em parte pela
pressão infligida pela concorrência internacional (16 DE DEZEMBRO DE 1995 PAG.
19).
Com
isso,
o
setor
buscou
fazer
investimentos
significativos,
principalmente a partir de 1994. Os investimentos realizados pelo setor praticamente
dobraram em meados da década de noventa, ao sair de uma média entre 350 e 400
milhões de dólares de 1990 a 1993 para 750 milhões de dólares aproximadamente
entre 1994 e 1996.
Investimentos Anual Realizados pelo Setor Gráfico (em milhões)
Fonte: BNDES: De 1990 até 1992. Os dados de 1993 até 2002 foram informados pela Abigraf
no Estado de São Paulo de 22 de junho de 2003 - pag. 128. Os dados de 2004 a 2010 são da
Abigraf, disponíveis no site da The Association for Suppliers of Printing, Publishing and Converting
Technologies (http://www.npes.org)
Em 1996, a Abigraf já projetava que a capacidade instalada do parque gráfico
nacional voltado à produção de livros seria capaz de produzir 1,2 bilhões de
209
unidades em 2000 (BNDES, 1997), muito acima dos 330 milhões efetivamente
produzidos no ano 2000.
Porém, segundo o estudo realizado por Fábio Earp e George Kornis em 2005
sobre a cadeia produtiva do livro, o nível de inovação em termos de serviços gráficos
disponíveis ao mercado editorial restringia-se em grande parte às possibilidades
oferecidas pelo padrão tecnológico de 1999 (EARP; KORNIS, 2005).
A partir de 2005, os investimentos em equipamento voltariam a crescer,
alcançando 5,8 bilhão de dólares de 2005 a 2010. O resultado desses investimentos
pode ser observado na idade média do maquinário gráfico: apenas 25% das
máquinas que integram o parque gráfico editorial brasileiro tinham mais 10 anos de
idade em 2008 (ABIGRAF, 2009).
É unânime a opinião entre os entrevistados, tanto editores, quanto livreiros,
autores e ex-distribuidores sobre a qualidade da produção gráfica editorial.
Constatamos que a qualidade da confecção de livros no país percebida pelo
mercado equipara-se aos padrões de excelência verificados nos livros produzidos
pelos principais polos editoriais mundiais.
Um dos entrevistados aponta justamente para o impacto na produção nacional
proporcionado pela gama de possibilidades descortinadas com a evolução
tecnológica do parque gráfico nacional:
“De gráfica, por exemplo, de impressão, de opções de acabamento, você
tem uma gama muito maior de escolha para trabalhar. Antigamente você
estava, no nosso caso que a gente sempre trabalhou com livros muito
simples, em PB, brochura, um acabamento mais econômico, digamos.
Mesmo nesses livros hoje em dia você tem uma gama de opções maior
para imprimir, enfim, para fazer acabamento. Então isso também cria vários
desdobramentos. Você coloca outras pessoas nesse circuito, os livros são
fechados de uma forma totalmente diferentes por uma questão da
tecnologia, também do avanço tecnológico, enfim, tudo isso tem um impacto
no trabalho.” (Entrevistado)
O avanço da tecnologia mundial de impressão resultou no desenvolvimento da
impressão digital e seus reflexos no aperfeiçoamento da impressão sob demanda
(POD). A impressão sob demanda viabiliza, do ponto de vista técnico e econômico,
a impressão de uma faixa de exemplares antieconômica para o tradicional processo
offset. A flexibilidade na produção permitiu que gráficas, editoras e autores
explorassem as novas fronteiras viabilizadas pela publicação de pequenas tiragens.
210
A tecnologia de impressão sob demanda chegaria ao Brasil na segunda
metade da década de noventa, pelas mãos de empresas como a Xerox. A própria
Xerox em parceria com o SENAI estruturaram um laboratório de tecnologia para
capacitar profissionais gráficos na operação dos novos equipamentos, técnicas e
tecnologia na cidade de São Paulo (ESP 08 DE SETEMBRO DE 1996 - PAG. 190).
O objetivo era reduzir o risco das empresas gráficas em investir em novos
equipamentos digitais sem terem acesso ao treinamento necessário para operá-los.
Outro reflexo da modernização e ampliação do parque gráfico nacional pode
ser obervado nas taxas de ociosidade da indústria. O nível de ocupação máximo das
instalações gráficas entre 2006 e 2008 foi de 80%. Essa ociosidade revela que o
parque gráfico nacional ainda dispunha de 20% de capacidade produtiva pronta para
ser ocupada pelo aumento na produção de livros e dos demais artigos gráficos
produzidos pelo setor, antes do investimento total de 1,8 bilhões de dólares
efetuados pelo setor em 2009 e 2010 (ABRIGRAF, 2009).
Nível de Utilização da Capacidade Instalada (%)
Fonte: Abigraf (2009)
A relevância do mercado editorial dentro da receita do setor gráfico também
mudou entre 1996 e 2008: saiu de 22% do faturamento da indústria gráfica em 1996
(BNDES, 1997), para 31% em 2008 (ABRIGRAF, 2009). Infelizmente não dispomos
da abertura de investimentos e taxa de ocupação do parque voltado à produção de
livros, mas os números mesmo consolidados nos sugerem que não há indicações de
gargalos no setor gráfico em relação à capacidade de atendimento da demanda da
211
indústria editorial, tanto em termos técnicos quanto de volume. Pelo contrário,
segundo a Abigraf:
“A facilidade com que novas empresas entram no mercado garante ao setor
um elevado grau de concorrência para a maioria dos seus nichos de
mercado, nos quais nem sempre a escala mais elevada garante vantagem
competitiva suficiente para se impor ao mercado. Salvo em áreas como a da
impressão em sistemas rotativos, ou de embalagens de papelão, grandes e
médios competidores se veem obrigados a competir em condições
acirradas, com prestativos e ágeis produtores de pequeno porte.”
(ABIGRAF, 2009, p. 43)
Com isso, verificamos que a continuidade de investimentos no setor gráfico ao
longo das duas últimas décadas e principalmente no final dos anos 2000, resultaria
no aumento da capacidade instalada e na modernização dos equipamentos. Por
outro lado, o nível de concorrência no setor gráfico, pressionado também por
fornecedores internacionais, acentua a competição em termos de preço e qualidade
favorecendo os compradores de serviços gráficos. As condições favoráveis ao
mercado editorial podem ser endossadas pelas entrevistas com as editoras, nas
quais nenhuma delas mencionara a oferta de serviços gráficos como ponto de
deficiência ou estrangulamento da indústria de livros.
1.4.2 Papel
O setor de papel para imprimir continuou crescendo ao longo da década de
1990, principalmente a partir da estabilização da moeda em 1994. O país consolidou
a posição de exportador de papel de imprimir desde o final da década de 1980
durante os anos 90 e 2000, ao manter o nível de exportações de papel de imprimir
acima das importações em todos os anos de 1999 até 2011.
212
Consumo Doméstico de Papel de Imprimir Por Origem (Em 1.000 Ton)
Fonte: Bracelpa (2011). *O cálculo do consumo nacional foi feito considerando-se a produção
nacional total menos as exportações.
Com isso, a indústria nacional de papel tornou-se capaz, em tese, de atender
plenamente à demanda doméstica por papel de impressão do ponto de vista
quantitativo. As importações de papel de imprimir correspondem à indisponibilidade
de algumas variedades de papel de impressão no mercado nacional, ou
oportunidades de trazer papel estrangeiro em condições comerciais mais favoráveis
do que aquelas ofertadas pela indústria nacional.
O crescimento das importações observado a partir de 2006 foi favorecido por
pelo menos dois fatores importantes: a redução da carga tributária e o câmbio
favorável. A partir de 2004, a importação de papel para livros, sem similar produzido
no Brasil, foi exonerada do recolhimento de PIS e Cofins (ESP 18 DE MARÇO DE
2004 - PAG. 30). Depois da crise cambial de 2002, a taxa de câmbio caiu em todos
os anos entre 2004 e 2011, com exceção de 2009. A valorização da moeda nacional
em conjunto com a desoneração tributária de PIS e Cofins elevaram a atratividade
do papel estrangeiro para gráficas e editoras brasileiras.
Segundo a Bracelpa (2011), a elevação das importações de papel de imprimir
estava intimamente ligada a outros dois motivos. O primeiro é o crescimento da
aquisição de papel imune importado para outros fins não elegíveis à imunidade
tributária, verificado a partir de 2008. O segundo era o subsídio que produtores de
papel asiáticos recebiam do governo, reduzindo o custo da oferta de papel desses
países (Folha de São Paulo edição de 16 de dezembro de 2010 e ESP de 24 DE
JULHO DE 2008 - PAG. 19).
213
Variação Cambial Anual entre 1995 e 2011
Fonte: Ipeadata
Assim, ao longo das décadas de 1990 e 2000, o mercado editorial nacional
continuou, em sua maioria, independente do suprimento estrangeiro de papel para
atender as suas exigências de crescimento e qualidade. De acordo com as
evidências descritas acima, a elevação das importações de papel de imprimir tem
raízes de caráter menos estrutural do que conjuntural, decorrentes da combinação
favorável de câmbio, brechas na fiscalização do papel imune e subsídios ao papel
asiático. Mesmo os soluços nos preços praticados pela indústria de papel em 1992
(ESP 14 DE MAIO DE 1992 - PAG. 80) e em 1999 (ESP 04 DE MARÇO DE 1999 PAG. 91), não tiveram impacto profundo na produção de livros desses anos nem
tampouco representaram ameaça ao suprimento de papel necessário ao
crescimento do mercado editorial nos anos seguintes.
Segundo o BNDES (2010), o setor de papel e celulose investiu 21 bilhões de
reais entre 2008 e 2011. O setor de papel e celulose planeja investir cerca de 20
bilhões de reais nos próximos sete anos para ampliação da base florestal e na
construção de novas fábricas (Bracelpa site 2010), o. Embora não seja possível
identificar a parcela desse investimento voltada para a produção de papel para
livros, a capacidade de investimento do setor revela perspectivas de expansão para
o setor de forma geral, incluindo-se ai a produção de papel de imprimir.
214
1.4.3 Distribuição
O mercado editorial que vinha crescendo consistentemente ao longo da
década de setenta, patinou durante a década de 1980. Segundo a ANL, em 1989 o
faturamento nominal aumentou, mas o número de exemplares decresceu (ESP 28
DE DEZEMBRO DE 1989 - PAG. 70). Em 1990, o quadro não foi diferente. Segundo
a CBL, o faturamento e o volume de livros em 1990 caíram cerca de 10% e 13,7%
respectivamente em relação a 1989 (ESP 29 DE DEZEMBRO DE 1990 - PAG. 49).
O descontrole inflacionário verificado ao longo dos anos oitenta, obrigou as
editoras a criarem rotinas pra recalcular periodicamente os preços de seus
respectivos catálogos. O reajuste de preços normalmente considerava os custos do
livro do mês anterior adicionados da expectativa inflacionária prevista e, muitas
vezes, superestimada pelas próprias editoras (ESP 15 DE MARÇO DE 1990 - PAG.
82). Depois de atualizadas, as novas tabelas de preços eram enviadas
semanalmente às livrarias. Não havia sistemas ou ferramentas de automatização
para mediar e integrar essa troca de informação entre distribuidores e editoras. O
processo era estritamente manual e frequentemente sujeito a falhas ou atrasos.
A expectativa inflacionária embutida nos preços dos livros podia chegar a 50%
do valor do livro. Com isso, os preços mantinham-se conservadoramente inflados,
contribuindo para a retração das vendas (ESP 28 DE MARÇO DE 1994 - PAG. 35).
No início dos anos noventa, a economia do país seria abalada pelas novas
diretrizes econômicas adotadas pelo governo Collor na forma de dois planos
econômicos: Plano Collor I, lançado em março de 1990 e Plano Collor II, vigente a
partir de janeiro de 1991 (Banco Central). Entre as principais medidas fixadas pelo
governo estariam a proibição de qualquer reajuste de preços a partir de 15 de março
de 1990 e o bloqueio dos ativos financeiros sob custódia dos bancos (Banco
Central).
As medidas implantadas pelo governo, além de minarem a confiança do
mercado, não tiveram êxito no controle efetivo da inflação. Segundo alguns
entrevistados, o bloqueio das aplicações financeiras drenou a liquidez das
empresas, deixando muitas livrarias e distribuidoras sem acesso aos recursos para
honrar suas dívidas junto aos editores. A falta de liquidez levou muitas livrarias e
distribuidores a represar novos pedidos de compra e a recorrer a campanhas
215
promocionais de descontos para contornar não apenas a escassez de caixa, mas
também a queda nas vendas provocada pela instabilidade econômica provocada
pelos novos planos do governo.
Um dos entrevistados descreve a experiência pessoal que vivenciou nesse
período:
“Logo que eu entrei [na editora] veio um plano da vida... O Brasil era o rei
dos planos, lembra disso? Coitado [do dono da editora], quase ele perdeu a
editora, pulou miudinho para deixar a editora em pé. Não alterou o salário
de ninguém, mas coitado eu sei o que o cara passou para manter a moral, o
negócio de pagamento, né.” (Entrevistado)
Entretanto, a inflação também criaria oportunidades de ganhos financeiros para
distribuidores e livrarias. As empresas aplicavam os saldos de caixa pela diferença
de prazo entre o recebimento dos clientes e o vencimento das faturas junto às
editoras. Assim, muitas distribuidoras e livrarias inflavam a rentabilidade real do
negócio pela incorporação de remunerações financeiras advinda dessas transações
não operacionais. Os rendimentos financeiros ajudaram o setor de distribuição a
compensar parte da queda nas vendas durante os anos oitenta e princípio dos
noventa.
Isso fica claro no exemplo do mesmo entrevistado sobre o efeito da inflação em
relação a uma das maiores redes de livrarias da época, a Siciliano:
“Pra você ter uma ideia foi aí que a Siciliano acabou no ‘só posso operar
com 68%’, porque esses 18% era o custo financeiro que ele ganhava no
produto. Deu para entender? Que eram os 20%. De 18% para 20% não é
nada. De 68% para 50%, ele devia aceitar isso normal ‘só posso trabalhar
com 68%, senão vou tomar na cabeça’. O custo financeiro dele [...] Porque
ele também pagava o empregado com inflação, o aluguel de loja com
inflação, só que não era os 18%, era bem menos. Então, ele não sabia
operar sem inflação. Ninguém sabia operar sem inflação.” (Entrevistado)
Ou nas palavras de outro entrevistado que generaliza os efeitos dos ganhos
financeiros nas livrarias:
Você teve nesse período muita livraria que existiu muito mais aplicando em
overnight do que vendendo livros porque comprava a prazo e vendia a vista.
A participação de cartão de crédito era muito inferior ao que é hoje. Hoje
70%, 80% das vendas são feitas em cartão de crédito. Naquela época 20%
era feita em cartão de crédito, era cheque e dinheiro. (Entrevistado)
216
Com a transição econômica e a estabilização da moeda iniciadas em 1994 pelo
o Plano Real, extinguiram-se as possibilidades de ganhos financeiros relevantes
decorrentes do descontrole inflacionário. Muitas livrarias e distribuidores de livro ao
deixar de auferir essas receitas financeiras foram obrigados a reestruturarem-se
para se adaptarem a nova realidade de mercado trazida pela estabilização da
moeda.
Segundo três entrevistados, muitas livrarias e distribuidoras atravessaram
reestruturações profundas ou simplesmente fecharam as portas por falta de fôlego
financeiro suficiente para quitar dívidas, fazer novos pedidos e continuar o negócio
com a margem real proporcionada pelo comércio de livros. Logo, com o fim da
inflação galopante, muitas livrarias ficaram ainda mais descapitalizadas com a
cessão dos ganhos financeiros.
Taxa de Inflação Anual entre 1986 e 2012 (IGP-DI a.a)
Fonte: Ipeadata
A progressiva ascendência do editor-empresário (BRAGANÇA, 2001) no
mercado editorial nas últimas décadas, resultaria na especialização paulatina das
atividades de edição, impressão gráfica e comércio de livros. O modelo comercial
dominante fixado entre editoras e livrarias desde então consistia na compra dos
livros pelas livrarias. Esse expediente poderia contemplar variações nas condições
comerciais de prazo, preço ou quantidade de acordo com a negociação entre
livrarias, distribuidores e editoras, mas competia aos livreiros decidir a seleção dos
títulos e o respectivo volume de exemplares a ser adquirido para abastecer suas
217
livrarias. Com isso, assumiam não apenas os custos da compra dos livros, como
também o risco de encalhe dos livros comprados.
A consignação de livros constituía-se uma modalidade de negociação voltada
para contornar situações adversas ou para ações promocionais. As editoras valiamse do consignado para promover lançamentos de livros, contornar eventuais
resistências de livrarias ou distribuidores em relação a determinados títulos ou ainda
para facilitar o desenvolvimento de novos canais de vendas, como escolas, bancas
de jornal ou mesmo novas livrarias e distribuidores. Pelo seu custo intrínseco as
editoras procuravam utilizar a consignação com relativa parcimônia e cautela junto
aos seus canais de venda e distribuição, oferecendo-a de forma cirúrgica.
A partir do final da década de noventa e início dos anos 2000, as editoras
lançaram mão da consignação de livros com mais frequência, almejando melhorar a
colocação de seus títulos nos canais de venda, enquanto as livrarias, diante da
possibilidade de aumentarem a quantidade e diversidade de títulos sem imobilizar
caixa, começaram a exigir cada vez mais livros em consignação dos editores.
Segundo as entrevistas com pessoas que acompanharam de perto esse processo,
pode-se atribuir a deflagração desse movimento ao pioneirismo da Companhia das
Letras na utilização em larga escala do consignado para promover seu catálogo
junto às livrarias e distribuidores. A estratégia de sucesso da Companhia da Letras
seria mimetizada por cada vez mais editoras, estimuladas pela perspectiva de
melhorar a colocação e visibilidade de seus livros e, por sua vez, aumentar as
vendas. Assim, a penetração da consignação evoluiria até atingir o patamar atual,
estimado pelas editoras em 80% dos livros que circulam pelo comércio livreiro.
O consignado beneficiaria distribuidores, livrarias e demais canais que o
utilizassem, na medida em que reduziria o capital de giro empregado na compra de
mercadoria. As saídas de caixa com vendas só aconteceriam após a concretização
da venda do produto. O consignado também transferiu o risco de encalhe da livraria
para as editoras, proprietárias efetivas dos estoques em consignação nas livrarias.
Logo, o risco de imobilização de capital em títulos sem aderência comercial
praticamente deixou de existir para livrarias, distribuidores e demais canais de venda
que recebiam os livros em consignado das editoras. Além disso, como a
consignação deixou de ser direcionada apenas àqueles títulos de saída duvidosa,
estendendo-se sobre a quase totalidade do catálogo das editoras, o comércio de
218
livros obteve pelo menos mais 30 dias de prazo referentes ao prazo padrão de
acerto de consignação.
Por outro lado, as transações em consignação exigem sistemas e rotinas
eficientes de controle e acompanhamento da circulação dos livros transacionados
em consignado. A inexistência de integração sistêmica entre livrarias e editoras faz
com que o acerto de consignação seja um processo em grande parte manual, e por
sua vez, naturalmente sujeito a erros. Ao acrescentar as centenas de editoras com
as quais grande parte dos distribuidores e livrarias precisa fazer encontro de contas
periodicamente, a probabilidade de erros e divergências multiplica-se.
Segundo editoras e livrarias, as consequências desses erros são recontagens
físicas e negociações dos desencontros entre as partes que consumem por vezes
tempo e recursos significativos de ambas as partes. De acordo com os próprios
livreiros, a falta domínio no acompanhamento de entradas e saídas do consignado
pode acumular atrasos e inadimplências capazes de conduzir livrarias, distribuidores
ou editoras a perderem o controle e exporem-se à falência do negócio.
Não conseguimos localizar estudos ou pesquisas consistentes sobre a
quantidade de livrarias e outros pontos de venda de livros espalhadas pelo Brasil
antes de 2008. A partir de 2008, a ANL iniciou o levantamento, publicação e
divulgação de informações sobre o setor livreiro periodicamente. Em 1995, segundo
a própria ANL em nota ao Estado de São de Paulo em 12 de agosto de 1995, o
número de livrarias chegaria a 1.750 livrarias espalhadas pelo país (ESP 12 DE
AGOSTO DE 1995 - PAG. 6). Esse número apontaria para um crescimento
significativo em comparação as 300 livrarias estimadas pelo mercado ao final da
década de setenta (ESP OUTUBRO DE 1976 - PAG. 81).
219
Evolução no Número de Livrarias no Brasil entre 1995 e 2013
Fonte: O dado de 1995 foi retirado do Estado de São Paulo de 12 de agosto de 1995, pág. 6 que cita
a ANL como fonte da informação. Os demais do “Diagnóstico do Setor Livreiro” coordenado e
publicado pela ANL.
Desde a década de 1960, as editoras estavam interessadas em renovar as
alternativas de distribuição para o livro dentro do mercado não governamental.
Porém, ao observarmos a participação de outros canais de venda sobre o volume de
exemplares vendidos ao mercado, podemos lhes atribuir êxito limitado. Ao longo dos
anos 2000, a participação de outros canais como bancas de jornal, supermercados,
escolas, feiras do livro e marketing direto (mala direta, clube do livro, correio, etc.)
permaneceu relativamente estável ou caiu. O único canal que apresentou
crescimento expressivo foi o porta a porta a partir de 2007. As livrarias continuaram
com a praticamente a mesma representatividade e até mesmo os distribuidores, cuja
participação muitas editoras afirmaram estar diminuindo sensivelmente nos últimos
anos, permanecem com a relevância nas vendas estável ao longo da década.
Percentual de Vendas a Livrarias e Percentual de Venda a Distribuidores
Fonte: SNEL
220
Percentual de Vendas ao Canal Porta-a-Porta e Percentual de Vendas para Supermercados
Fonte: SNEL
Percentual de Vendas para Escolas e Colégios e Percentual de Vendas Via Marketing Direto
Fonte: SNEL
Percentual de Vendas por Feiras do Livro e Gráfico XY – Percentual de Vendas para Bancas de
Jornal
Fonte: SNEL
Em 1995 a Booknet e a Livraria Cultura levaram ao ar os dois primeiros sites
de comercio eletrônico de livros do Brasil, inaugurando uma nova fase em termos de
distribuição e alcance do livro no Brasil. Com a evolução do comércio eletrônico no
Brasil, as lojas de livros virtuais multiplicaram-se na internet pela entrada tanto de
221
livrarias tradicionais, como a Saraiva e Siciliano, quanto pela venda de livros por
grandes sites de varejo online, como Americanas.com e Submarino. Assim, o setor
livreiro expandiu sua capilaridade com a possibilidade de vender pela internet e
entregar os livros na casa do cliente tanto para regiões já atendidas por algum
comércio livreiro quanto para cidades carentes de qualquer comércio de livros
estruturado. A venda de livros físicos pela internet criaria mais um caminho para
expandir o acesso ao livro.
A partir de 1996, o setor livreiro seria gradualmente informatizado (ESP 07 DE
MAIO DE 1996 - PAG. 16), permitindo a simplificação da gestão e localização dos
livros do acervo, limitado até então à memória dos vendedores ou processos
rudimentares de registro e acompanhamento.
A migração acelerada do comércio de rua para shoppings centers também
influenciaria na ampliação de médias e grandes redes de livrarias, uma vez que se
tornariam cada vez mais presentes nesse tipo de comércio. As redes cresceram e se
concentraram no final da década de 2000, tendo como movimento mais significativo
do mercado a aquisição da rede de livrarias Siciliano pela Saraiva em 2008. As
entrevistas com editoras demonstram ainda que a participação das grandes redes
na receita do mercado editorial também tem crescido e são cada vez mais
representativas no faturamento das editoras, sugerindo inclusive que a concentração
em termos de faturamento é mais expressiva do aquela representada pelo número
de lojas.
Percentual de Livrarias por Porte de Loja
Fonte: ANL
222
A pujança das redes de livrarias vem deslocando, segundo editores e livreiros
entrevistados, a importância dos distribuidores dentro do mercado editorial. O raio de
atuação dos distribuidores encolhe na medida em que as livrarias crescem e
atingem escala suficiente para que seus pedidos justifiquem o atendimento direto
pelas editoras.
Por outro lado, muitas editoras, livrarias e ex-distribuidores entrevistados
afirmam que a própria atuação dos distribuidores contribui para a eliminação
paulatina desse intermediário. A precariedade em termos de estrutura de vendas,
sistemas, atendimento e pró-atividade compromete a eficácia dos distribuidores no
que tange à qualidade dos serviços prestados. Na opinião de algumas livrarias,
editoras e ex-distribuidores, o modelo de atuação dos distribuidores brasileiros não
evoluiu significativamente ao longo das últimas décadas. Poucos incorporaram
inovações relevantes nas áreas de sistemas de controle de estoque e pedido de
clientes, técnicas de venda ou CRM, por exemplo. Essa conjuntura, segundos os
entrevistados, reduz o papel do distribuidor a simples “tirador de pedido” cuja
contribuição efetiva para o crescimento de editoras e livrarias é relativamente
pequena.
Todavia, a centralidade da figura do distribuidor dentro do mercado editorial é
indiscutível, visto que dificilmente as editoras, mesmo as grandes, poderão atender
diretamente todas as livrarias existentes no país. Por outro lado, é igualmente
improvável que as livrarias solicitem todos os títulos
de que precisam
individualmente a cada editora. As dimensões do Brasil reforçam a dificuldade de se
estabelecer relações diretas entre editoras e livrarias, salvo se editoras e livrarias
caminharem
para
concentrar
suas
vendas
ao
ponto
em
que
se
torne
operacionalmente viável gerir todas as relações diretamente. E ao mesmo tempo,
justifique-se economicamente.
Para a maioria das livrarias e editoras entrevistadas ainda existe espaço para a
atuação de distribuidores como intermediários na cadeia de comercialização do livro.
Uma evidência disso é a participação relativamente estável dos distribuidores sobre
os exemplares vendidos pelas editoras ao mercado durante a década de 2000.
Porém, de acordo com a postura de livrarias e editoras, esse espaço é cada vez
menor para o modelo de atuação passivo adotado pela maioria dos distribuidores
em operação no mercado atualmente.
223
1.4.4 Autor
A maioria dos títulos estrangeiros publicados no Brasil desde a década de
sessenta foram intermediados por agentes literários ou editoras internacionais
tutelares dos direitos sobre essas obras. As editoras e agentes entrevistadas
sinalizam que a relativa estagnação no mercado editorial europeu na última década
levou muitas editoras estrangeiras a dedicarem mais esforços na venda de direitos
autorais para outros países. Por outro lado, a frequência de editoras, agentes
escritores e livrarias brasileiras nas feiras internacionais de livros aumentaria
significativamente ao longo da década de noventa e 2000, segundo os
entrevistados. O interesse crescente de editoras brasileiras em adquirir obras
estrangeiras comercialmente promissoras intensificaria as disputas pelos direitos de
publicação de títulos estrangeiros nos leilões e negociações internacionais.
A ampliação da comunicação e intercâmbio entre os mercados editorias de
diferentes países difundiu o acesso à informação sobre novos títulos, autores e
temas em circulação no mercado internacional. Segundo alguns entrevistados,
muitos livros estrangeiros cujas traduções até a década de oitenta poderiam levar
alguns anos para chegar ao mercado brasileiro, passaram a ser lançados no Brasil
com intervalos de tempo cada vez menores em relação ao país de origem do livro.
Assim, para monitorarem as oportunidades nascentes mais de perto e manterem-se
o mais perto possível das transições e inovações literárias verificadas no mercado
editorial de outros países, muitas editoras brasileiras contratariam scouts.
Os scouts ficam baseados em cidades culturalmente efervescentes do ponto
de vista editorial, atuando na prospecção e identificação de originais ou proposals
(propostas de livros, sem original pronto) em linha com os interesses das editoras
brasileiras para as quais trabalham.
Entretanto, não é mais a produção estrangeira que ocupa a lista de títulos
editados no Brasil. O incremento no volume de títulos e exemplares editados no
Brasil foi liderado pelo aumento substancial das produções de autores nacionais.
Durante a década de setenta a participação das traduções no total de títulos
224
alcançou mais da metade dos títulos editados em alguns anos. Ao longo da década
de 2000 a participação internacional caiu, atingindo o máximo de 15% de todas as
publicações em 1999, ao passo que os autores nacionais ganharam espaço no
catálogo de publicações das editoras e chegaram a representar 92% da produção
editorial (vide gráfico XXX).
Títulos Editados por Autor (Em Milhares)
Fonte: SNEL
Exemplares Produzidos Por Autor (Em Milhões)
Fonte: SNEL
A proliferação de feiras e eventos literários ao longo da década de 2000
ampliou os espaços de divulgação de livros e cultura em várias cidades espalhadas
pelo Brasil. Essas iniciativas também favoreceram a valorização dos escritores, na
medida em que muitos deles são convidados a participar de debates, entrevistas e
sessões de autógrafo durante esses eventos, aproximando autores e leitores de
todo país. A participação dos escritores é ainda frequentemente remunerada,
225
assegurando-lhes novas fontes de renda relacionadas à sua atividade criativa, antes
basicamente restrita à negociação dos direitos autorais de suas obras. Segundo a
Biblioteca Nacional, estão previstos 269 eventos no calendário de feiras e eventos
literários de 2013 organizados pela CBL e Fundação Biblioteca Nacional (site da
BN).
Na opinião de escritores e editoras, ao longo das duas últimas décadas
ocorreram mudanças na configuração do relacionamento entre autores e editoras. A
crescente receptividade da figura do agente literário entre escritores e também entre
as editoras criaria condições favoráveis ao crescimento da categoria, principalmente
nos últimos anos da década de 2000.
O papel próximo ao de “empresário” dos autores desempenhado pela figura
dos agentes literários lhes confere a tarefa de negociadores e mediadores das
relações entre os escritores e editoras. Nesse sentido, os agentes trazem mais
objetividade e profissionalismo à relação entre escritores e editoras no que tange à
parte contratual e identificação entre perfil do autor e o perfil da cada editorial tendo
em vista aproximações mais prolíficas.
Contudo, outros aspectos do relacionamento entre escritores e editoras, como
a inexistência de controles sistêmicos para aferição e acerto dos direitos autorais,
obrigariam a permanência do caráter fiduciário vinculando ambas as partes.
1.4.5 Editoras
Durante a década de noventa, o mercado editorial ultrapassaria o patamar de
300 milhões de exemplares produzidos e alcançaria mais de 50 mil títulos editados.
Apesar das dificuldades encontradas pelas editoras no início da década em
decorrência da insegurança e instabilidade econômica instauradas pelo Plano Collor
I e II, a produção editorial cresceria na maioria dos anos da década de noventa.
Entre os fatores que favoreceriam a expansão do mercado podemos destacar
o controle inflacionário e a estabilização da moeda a partir de 1994, e a ampliação
das compras de livros pelo governo com a instituição do Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE) a partir de 1997, o crescimento no número de editoras,
226
estimadas em 1.200 pelo SNEL em 1997 (ESP 09 DE SETEMBRO DE 1997 - PAG.
124).
Exemplares Produzidos (Em Milhões)
Fonte: SNEL
Títulos Editados (Em Milhares)
Fonte: SNEL
Receita Corrente do Mercado (Em Bilhões de R$)
Fonte: SNEL
227
A partir de 1994, com a estabilização da moeda e o controle efetivo da
inflação pelo governo, as editoras vinculadas ao SNEL se organizariam para
desatrelar a expectativa inflacionária do cálculo do preço dos livros, barateando-os
em aproximadamente 30% (ESP 28 DE MARÇO DE 1994 - PAG. 31). A renda real
brasileira que cairá subsequentemente ao longo da década de 1980, passou a
crescer ano após ano a partir de 1995. Assim, além da elevação da renda real
observada após o fim do descontrole inflacionário, o preço nominal dos livros seria
reduzido pelas editoras, melhorando duplamente o acesso ao produto pelo leitor.
Gráfico XX – Salário Mínimo Real de 1990 a 2013 (Em R$ de 2013)
Fonte: Ipeadata
O escopo dos programas de compra de livros pelo governo foi ampliado para
incluir novos públicos e novas temáticas editoriais. Em 1997, o MEC institui o
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), cuja missão consistiria em equipar
as bibliotecas das escolas públicas com acervos voltados à educação infantil, ao
ensino fundamental, ao ensino médio e à educação de jovens e adultos (site mec).
As compras para o PNBE compreenderiam outros segmentos da produção editorial
nacional, encampando obras de interesse geral e paradidáticas nos programas do
governo. Com isso, o governo tornar-se-ia comprador de outros perfis de publicação
além das tradicionais obras didáticas contempladas desde 1985 no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD).
Os desdobramentos da ampliação dos programas de compra do governo
podem ser observados na elevação da participação do Estado no faturamento das
editoras de 13% em 1999 para 29% em 2011.
228
Faturamento Total Por Origem (Em Milhões de R$)
Fonte: SNEL
Exemplares vendidos por destino (Em Milhões de R$)
Fonte: SNEL
Segundo a maioria das editoras entrevistadas, a participação do Estado é
muito relevante e em alguns casos representa a diferença entre a empresa ser
lucrativa ou não. As encomendas de livro feitas pelo governo caracterizam-se pelo
volume alto, ausência de encalhes e prazo de pagamento único e definido para toda
a tiragem. Isso singnifica que as editoras não precisam esperar o livro girar mês a
mês até fechar o ciclo de vendas completo daquela tiragem. Além disso, não há
riscos de “sobras”, visto que a editora sabe de antemão precisamente quantos
exemplares deverão ser impressos.
229
Por outro lado, a margem unitária por livro é mais baixa do que a média do
mercado, mas não o suficiente para anular as outras vantagens oferecidas por esse
perfil de compra. Assim, além da participação relevante na receita do setor editorial,
as compras governo exercem influência ainda mais significativa na margem de lucro
dessas empresas.
A partir do final da década de noventa a propagação de cursos de graduação
pelo país levou à multiplicação das matrículas de nível universitário. Entre 1995 e
2010 o número de inscritos nesses cursos subiu 263% alcançando mais de seis
milhões de novos alunos por ano. Esse indicador contribui invariavelmente para o
crescimento
no
consumo
de
livros,
principalmente
científicos,
técnicos
e
profissionais (CTP).
Evolução no número de matrículas em cursos de graduação (mil)
Fonte: De 1960 até 1975 extraído de Hallewell (1985). De 1980 em diante retirado do INEP
No entanto, o Indicador de Analfabetismo Funcional desenvolvido para avaliar
as habilidades de leitura, escrita e cálculo matemático pelo Instituto Paulo
Montenegro e a ONG Ação Educativa (INAF) aponta para a estagnação percentual
da população efetivamente elegível ao consumo de livros. De acordo com a
pesquisa, entre 2000 e 2011 o percentual de indivíduos plenamente alfabetizados
oscilou entre 25 e 28% de um ano para outro, mas terminou em 2011 com o mesmo
percentual de 2001: 26%.
230
Evolução da alfabetização (1990 – 2011)
Fonte: Alfabetizados foram retirados do IBGE. IBGE considera pessoas acima de 15 anos.
“Alfabetizados Pleno” foram retirados do relatório INAF 2011 que considera pessoas entre 15 e 64
anos apenas
Conforme já mencionamos, outro fator que contribuiu para a expansão do
mercado foi o modelo de consignação estabelecido entre editoras, distribuidores e
livrarias. O consignado resolveria parcialmente duas restrições históricas cruciais no
desenvolvimento das livrarias: capital de giro e risco de encalhe. Com a consignação
as livrarias e distribuidores poderiam enriquecer significativamente o acervo de
títulos disponível em suas lojas. O limite para aquisição de novas publicações pelas
livrarias migraria da disponibilidade financeira para a capacidade física e de controle
de estoque e acertos de consignação.
Do ponto de vista financeiro, as editoras absorveram o alongamento dos
prazos de recebimento em virtude da natureza do ciclo de vendas instituído pelo
consignado.
Segundo
as editoras
entrevistadas,
o
setor também
perdeu
sensibilidade de vendas, visto que a consignação afastou as editoras sobre a gestão
do próprio estoque em poder das livrarias. Por outro lado, as editoras deixaram claro
que o consignado viabilizou a colocação de mais livros em mais livrarias, visto que
agora os livreiros não estariam mais engessados pelo seu capital de giro e risco de
encalhe percebido ao decidir os títulos a serem adquiridos.
Com estoques maiores e mais diversificados, o setor livreiro incrementaria a
atratividade das lojas com mais opções para os clientes. A probabilidade de não
efetuar uma venda por indisponibilidade também diminuiria. O efeito da ampliação
da oferta nos canais de venda e distribuidores favoreceu o aumento das vendas do
mercado editorial a partir do final da década de 2000, quando a consignação
consolidou-se como modelo dominante no mercado editorial.
231
A qualidade estética da produção editorial também avançou ao longo da
década de noventa e 2000. A diversidade de formatos, projetos gráficos de capas e
acabamentos verificados nos livros lançados ao longo das últimas décadas são
evidências do aprimoramento dos projetos gráficos e da execução técnica. A
sofisticação da aparência e beleza do livro estendeu-se às obras publicadas pela
maioria das editoras, independentemente do porte (ESP 22 DE JUNHO DE 2003 PAG. 128).
Conforme já vimos , a renovação tecnológica do setor gráfico verificado desde
a década de setenta, trouxe novas possibilidades à materialidade do livro. Ao
mesmo tempo, as editoras passaram paulatinamente a dedicar mais atenção e
recursos ao desenvolvimento de livros esteticamente mais atraentes. As inovações
técnicas advindas da computação e de novos softwares de desenho e diagramação
multiplicaram os recursos técnicos à disposição dos designers na elaboração dos
projetos gráfico-visuais das publicações. Com isso, o potencial oferecido pelo setor
gráfico passou a ser cada vez mais explorado pelas editoras, refletindo-se
diretamente na variedade e sofisticação da produção livreira.
Por outro lado, o desenvolvimento técnico que flexibilizou a produção gráfica e
lhe conferiu mais qualidade, também viabilizou novos meios mais baratos e
eficientes de reproduzir livros ilegalmente.
Para organizar o combate ao prejuízo causado pela contrafação de livros, as
editoras fundaram em 1992 a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos
(ABDR). A entidade nasceu com a missão de fiscalizar e combater a pirataria de
livros e a reprodução não autorizada de obras protegidas por direitos autorais. A
ABDR também viria a ser responsável por elaborar e promover, principalmente junto
às instituições de ensino, produtos editorias alternativos para enfrentar a “xerox”.
Projetos como a “Pasta do Professor” e “Livros Customizados” são exemplos de
produtos editoriais substitutos desenvolvidos para atender à demanda por trechos de
livros de forma legal e com recolhimento de direitos autorais. O raio de atuação da
entidade estende-se desde os focos de pirataria física de livros espalhados pelo
Brasil, até o monitoramento de livros digitalizados ilegalmente em circulação pela
internet, realizado pelo Departamento de Combate a Pirataria Digital, o braço de
atuação digital da ABDR.
232
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Crescimento da Indústria Editorial de Livros do Brasil e seus