CAATINGA PERNAMBUCANA
Vidas que brotam da Caatinga
Publicado em 19.03.2006
Na seca, as árvores espinhosas perdem as
folhas e algumas espécies de aves e mamíferos migram
para áreas em que não prepondera a aridez. É uma
particularidade da caatinga, único ecossistema
exclusivamente brasileiro e que, diferentemente do que
se imagina, não é pobre em biodiversidade. A partir dessa
singularidade, nasce a série Vidas que brotam da
caatinga, com o objetivo de provar que essa área
geográfica abriga quantidade expressiva de plantas e
animais que não são encontrados em nenhum outro lugar
do planeta. Quando se menciona a fauna, por exemplo,
assunto de destaque das matérias de hoje, sobressaemse as aves, cujo grupo concentra até mais que 500
espécies em uma mesma região. Amanhã, será
conhecida a diversidade das plantas, que têm estratégias
para sobreviver aos períodos de carência de chuvas. Na
terça-feira, último dia da série, os focos giram em torno
das ameaças e estratégias para conservação dessa
riqueza biológica, apresentada nos textos de Cinthya
Leite e Verônica Falcão, ilustrados com fotos de Beto
F
i
g
u
e
i
r
o
a
.
Não são as imagens de plantas secas e solos
pedregosos que fazem da caatinga um ecossistema
pobre. Está mais do que na hora de derrubar o mito de
que essa vegetação, que ocupa basicamente a região
Nordeste e algumas áreas em Minas Gerais, sugere baixa
diversificação da fauna e flora. Esforços para conhecer as
espécies vegetais e animais da região têm revelado que a
caatinga possui alta relevância biológica e, por isso,
devem ser incentivadas medidas para frear a perda de
espécies e a formação de núcleos de desertificação.
Apesar de os novos números mostrarem um
ecossistema rico em relação à fauna e flora, sabe-se que
o universo dessa região revela-se muito maior após as
atualizações dos registros. Para se ter noção da
progressão, dados de 1980, do botânico pernambucano
Dárdano de Andrade Lima (1919-1981), referência diante
dos estudos sobre as plantas da caatinga, indicam apenas
50 espécies de plantas, um número 18 vezes menor que o
levantamento atual. “É fundamental, então, implantar
áreas e ações prioritárias para a conservação dessa
diversidade, além de criar estratégias para impulsionar a
proteção e o uso sustentável”, diz o pesquisador Sergio
Romaniuc Neto, do Instituto de Botânica de São Paulo e
pesquisador das áreas de educação ambiental e
conservação da biodiversidade.
Para investigar algumas regiões onde desponta
essa multiplicidade biológica, a reportagem do JC visitou
os municípios pernambucanos de Petrolina, Araripina e
Exu, as cidades cearenses de Barbalha e Crato, como
também Juazeiro, na Bahia. São locais que, apesar de
conhecidos pelas práticas de uso sustentável, apresentam
alterações relacionadas à flora, às aves, aos
invertebrados, anfíbios, répteis e mamíferos. Os
pesquisadores, por sinal, estão em alerta diante do
entorno da Floresta Nacional do Araripe, que compreende
Exu, Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte e outras cidades
de Pernambuco e do Ceará.
A preocupação é que a região está vulnerável ao
desmatamento, à pecuária extensiva, queimada, caça e
mineração. E é nesse trecho de mata úmida de encosta
onde estão espécies que necessitam de cuidados
especiais, como o soldadinho-do-araripe (detalhes na
matéria ao lado), ameaçado de extinção. Em Araripina e
Exu, integrantes da Chapada do Araripe (zona identificada
como de extrema importância biológica para a caatinga),
o pólo gesseiro utiliza recursos vegetais dessa área
geográfica como elementos principais no processo de
aquecimento do mineral gipsita, fator que provoca uma
total devastação da biota nativa (conjunto dos seres
animais e vegetais).
“Por isso, existe a necessidade de um programa
de manejo florestal, técnica empregada com a finalidade
de colher cuidadosamente parte das árvores (saiba mais
no último dia da série), para recuperar a vegetação com o
mínimo impacto ambiental possível”, explica o engenheiro
florestal Mauro Ferreira Lima, da Universidade Federal do
Ceará (UFC).
A agricultura de sequeiro, dependente do regime
de chuvas, também está entre os entraves para a
conservação na Chapada do Araripe. “O ecossistema
encontra-se alterado com a substituição de espécies
vegetais nativas por cultivos e pastagens. Essa atitude
leva a prejuízos relacionados ao equilíbrio do clima e do
solo”, enfatiza Sergio Neto.
Aproximadamente 80% dos ecossistemas
originais de toda a caatinga já sofreram alteração pela
atividade humana. “No Araripe, por meio da agropecuária
e do extrativismo, houve desmatamento intensivo com
remoção quase que completa da vegetação nativa”,
assegura o pesquisador Iedo Bezerra Sá, da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) SemiÁrido.
A pobreza da mais povoada região semi-árida do
mundo (na caatinga, vivem aproximadamente 30 milhões
de pessoas) também contribui para alterar o equilíbrio
geológico. “Por viver precariamente, o homem utiliza os
recursos naturais para sobreviver”, diz o pesquisador
David Oren, da The Nature Conservation (TNC). A diretora
do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga,
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CAATINGA PERNAMBUCANA
CAATINGA PERNAMBUCANA (Continuação)
Espécie de pássaro ameaçada vive apenas na
Chapada do Araripe
Publicado em 19.03.2006
Habitante das matas úmidas localizadas perto
das nascentes dos rios, o soldadinho-do-araripe
(Antilophia bokermanni) é uma espécie peculiar do Crato,
no Ceará, que está ameaçada de extinção devido a
crescentes pressões de uso e ocupação sobre as encostas
vegetadas da porção cearense da Chapada do Araripe –
zona considerada, pelo do Programa do Brasil da BirdLife
International, como importante para a conservação de
aves.
“Esse pássaro, com população estimada entre
50 e 250 indivíduos espalhados em 60 quilômetros, tem
alimentação constituída por frutos e, por isso, é um
importante lançador de sementes”, alega o biólogo
Weber Andrade e Silva, da Associação de Pesquisa e
Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis). Em
parceria com o ornitólogo Artur Galileu Coelho, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele
descobriu o soldadinho-do-araripe. Segundo os
pesquisadores, em relação à função ecológica da ave,
não se pode desconsiderar que se trata de uma
indicadora da qualidade ambiental e da conservação na
chapada.
“Preservar a área pode trazer resultados
positivos para a conservação de ecossistemas
ameaçados, como nascentes e matas ciliares. Assim,
revelam-se benefícios para a fauna”, assegura a bióloga
Jaqueline Goerck, da BirdLife International, que atua em
projetos de conservação em parceria com a Aquasis.
Segundo ela, a espécie não tolera o cativeiro e está livre
do tráfico de animais. “Para que essa situação
permaneça, é importante denunciar qualquer intenção de
comércio”.
Um detalhe importante do comportamento é a
associação às nascentes do Cariri cearense. “A
conservação dos cursos de água implica a perpetuação da
espécie, o que está ligado à sustentabilidade ambiental”.
O macho da espécie é branco e tem penacho vermelho na
cabeça. A ponta da cauda e as rêmiges (usadas para vôo)
são brancas e pretas. As fêmeas têm cor verde-musgo e
sem penachos. Ambos têm 15 centímetros do bico à
cauda.
Animais desenvolveram estratégias para suportar
o
c l i m a
d o
S e m i - Á r i d o
Publicado em 19.03.2006
As poucas chuvas no Semi-Árido são um desafio
à vida na caatinga. Ao longo da evolução, os animais
desenvolveram estratégias de adaptação ao clima do
lugar, que enfrenta oito meses de estiagem por ano. A
principal delas é a estivação, tipo de hibernação às
avessas, na qual os bichos se escondem do sol e baixam o
metabolismo à espera de água.
Alguns, como a jia-de-parede (Corythomantis
greeningi), além de estivar, lançam mão de outras
estratégias. O animal desenvolveu uma fina camada de
cálcio sobre a pele, que reduz a perda de umidade. Ao final
do período chuvoso, a jia se enfia de costas num buraco de
árvore e usa a cabeça, simultaneamente, como tampa e
escudo.
“Pode ficar assim meses ou até anos, a depender
da intensidade da seca”, diz Carlos Jared, do Instituto
Butantan, em São Paulo. O biólogo descobriu que, para se
proteger contra predadores enquanto estiva, essa jia de
10 centímetros possui espinhos e glândulas de veneno na
cabeça. As aves não estivam como os anfíbios, mas
recorrem à migração para sobreviver no ambiente
inóspito da caatinga. O biólogo José Maria Cardoso da
Silva, da ONG Conservação Internacional, aponta as
migrações como a principal estratégia de sobrevivência
das aves dessa região.
“Afora aqueles com recursos disponíveis o ano
todo, como o soldadinho-do-araripe, que vive numa
floresta úmida, os outros têm que se movimentar em
busca de alimento durante o período de estiagem.”
É o caso do pássaro bigodinho (Sporophila lineola), que
desaparece do Sertão nordestino em junho e só retorna
em dezembro. Estudo realizado por José Maria entre 1981
e 1993 revelou que, depois de se reproduzir, a ave foge da
seca em direção à região dos Llanos, nas savanas da
Venezuela.
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Alexandrina Sobreira, concorda que a baixa condição
social colabora para a devastação, mas também cita o
desmatamento na lista das causas de degradação
vegetal. “Continua a ser problemática a lenha utilizada
como fonte de energia em residências, olarias e
siderúrgicas”.
As soluções, segundo os pesquisadores, para
garantir a integridade da caatinga devem vir do próprio
meio ambiente. O umbuzeiro é um exemplo. “O fruto
(umbu) pode ser usado para consumo do homem dessa
região. À medida que se enxergam opções sustentáveis
na vegetação, aprende-se a conservar recursos naturais”,
destaca David Oren. “Mas, para serem realizadas práticas
desse tipo, o governo também precisa agir e incluir a
caatinga nas prioridades políticas do País”, reforça
Alexandrina Sobreira, que destaca ainda a importância do
envolvimento de cientistas, técnicos, ambientalistas,
empresários e organizações não-governamentais para
garantir o uso sustentado da biodiversidade do
ecossistema.
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CAATINGA PERNAMBUCANA
No segundo dia da série Vidas que brotam da
caatinga, destaca-se a vegetação do ecossistema, que
não apresenta a exuberância verde das florestas tropicais
úmidas, mas possui espécies encontradas com
exclusividade no Brasil. Conheça essa diversidade nos
textos de Cinthya Leite e Verônica Falcão, com fotos de
B e t o
F i g u e i r o a .
Embora conhecida a variedade paisagística e
biológica da caatinga, não há como desvincular a
paisagem árida durante a seca. Diante do mínimo sinal de
chuva, no entanto, o cenário muda: o verde volta a
prevalecer, e as flores abrem para receber os
polinizadores. É esse intercâmbio que leva à “reinvenção”
da vida nessa área geográfica, que possui 12 tipos
diferentes dessa vegetação xerófila, característica dos
lugares sem umidade e que chama atenção pela
adaptação ao Semi-Árido.
Estima-se a existência de, pelo menos, 932
espécies vegetais na região – dessas, 318 são exclusivas
do ecossistema. “Cerca de 30% das plantas vasculares
(com vasos para conduzir seiva e água) da caatinga não
ocorrem em nenhuma outra parte do planeta”, diz o
biólogo José Maria Cardoso da Silva, da ONG
Conservação Internacional do Brasil. Assim, segundo ele,
a conservação é tarefa obrigatória por razões práticas.
“Basta dizer que a população da região recorre aos
recursos florestais para sobrevivência. Sem a vegetação,
a caatinga seria um deserto onde não se poderia morar”,
justifica José Maria.
Na caatinga, há desde florestas altas e secas,
com árvores de até 20 metros de altura (a chamada
caatinga arbórea), até afloramentos de rochas com
arbustos baixos e esparsos, como cactos e bromélias.
Existe ainda o “mediterrâneo sertanejo”, dos brejos de
altitude, várzeas e serras (veja matéria abaixo).
Diante da multiplicidade biológica, todas as
espécies de plantas desempenham papel importante para
o funcionamento dos ecossistemas regionais. “As
bromélias, por exemplo, têm papel fundamental para
manutenção de algumas espécies de animais”, assegura
o biólogo José Alves de Siqueira Filho, professor da
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf),
à frente de pesquisas sobre as plantas endêmicas da
caatinga – com destaque para as bromélias. Assim como
os cactos (um exemplo é a coroa-de-frade), elas se
adaptam facilmente às temperaturas altas devido às
ceras que revestem as folhas para diminuir a perda de
líquido para o meio.
Apesar de não estarem entre as categorias com
maior número de espécies exclusivas (o número na
família das bromeliáceas chega a 14, contra 41 das
cactáceas e 80 das leguminosas), são plantas que
armazenam água da chuva nas folhas. Esse fato beneficia
inúmeras espécies de animais, como os pássaros, que são
atraídos pelas flores, frutos e pela água retida na base das
folhas. “Há uma interrupção desse ciclo, contudo, devido
à presença do gado, que usa sementes para se
alimentar”, afirma José Alves. “São animais que pisoteiam
o solo úmido, destroem a superfície terrestre e entram
como responsáveis pela extinção de populações inteiras
de plantas.”
Apesar de todas as plantas nativas serem
fundamentais para a caatinga, vale chamar atenção para a
baraúna e a aroeira, presentes na lista de ameaçadas de
extinção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “É necessário
proteger imediatamente essas plantas através de
unidades de conservação”, informa José Maria. De acordo
com ele, entre os benefícios que podem ser atingidos com
a preservação da caatinga, estão a redução da erosão do
solo e a manutenção dos ciclos hidrológicos.
“Aspectos biológicos ligados ao equilíbrio do
meio ambiente também merecem destaque, como a
descoberta de novas espécies úteis para o equilíbrio
ecológico”, diz o pesquisador Sergio Romaniuc Neto, do
Instituto de Botânica de São Paulo. Segundo os
especialistas, no entanto, não adiantam esforços se não
for controlada a agropecuária. “É necessário desenvolver
estratégias de conservação que evitem essa prática em
áreas de maior biodiversidade”, conclui José Alves.
Brejos são refúgio
Publicado em 20.03.2006
para
a
fauna
Quando as folhas caem e a caatinga retoma o
estado de dormência que a acompanha durante a
estiagem, de maio a dezembro, onde buscam alimento os
bichos que dependem dos recursos florestais, mas não
estivam como as árvores e plantas do Semi-Árido? Em
ilhas de floresta úmida, denominadas brejos de altitude,
que pontuam de verde a paisagem cinzenta do Sertão.
Muitas das 510 espécies de aves registradas na caatinga,
por exemplo, se refugiam nos brejos, que ocupam áreas
mais elevadas, recebendo, portanto, mais chuvas. Cálculo
do ornitólogo José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente
de Ciência da ONG Conservação Internacional do Brasil,
revela que 60,5%, ou seja, 308 tipos de aves da caatinga
dependem dessas florestas.
“Os brejos cobrem apenas 14% da caatinga,
mas são responsáveis por manter mais da metade das
aves da região”, diz José Maria, que há 15 anos estuda a
avifauna do Semi-Árido. Algumas ds espécies que
recorrem aos brejos quando faltam recursos na caatinga
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A peleja da flora
Publicado em 20.03.2006
(Continuação)
CAATINGA PERNAMBUCANA
O s d e s a f i o s d a
Publicado em 21.03.2006
c o n s e r v a ç ã o
De um lado, a necessidade de proteger a
biodiversidade. De outro, o uso dos recursos naturais para
garantir a sobrevivência humana. O desfecho para essa
peleja é aliar a proteção das áreas de maior riqueza de
animais e plantas à exploração racional da vegetação,
conforme mostra o último dia da série Vidas que brotam
da caatinga. Os textos são de Cinthya Leite e Verônica
Falcão, as fotos, de B eto Figueiroa.
É um fato unânime: a caatinga encontra-se num
estágio elevado de degradação. Vem logo atrás da mata
atlântica e do cerrado em nível de áreas alteradas em
relação à superfície total. “A maior pressão sofrida, pelo
ecossistema, é a redução de áreas naturais e a
fragmentação da paisagem devido à ocupação
desordenada do homem”, reforça o biólogo Carlos Rodrigo
Castro, da Associação Caatinga, entidade nãogovernamental cearense que atua na criação e gestão de
áreas protegidas no Semi-Árido. “A pecuária extensiva, a
retirada desordenada de lenha (mais de 30% da matriz
energética da caatinga), e as queimadas descontroladas
têm contribuído muito para a degradação do meio
ambiente.”
De acordo com ele, o planejamento territorial
com base na conservação é uma das alternativas para
preservar a biodiversidade. É nesse contexto em que
estão incluídas as áreas de plano de manejo, cujo objetivo
é a exploração florestal que não prejudica a multiplicidade
de plantas e animais da caatinga. Na cidade
pernambucana de Exu, a reportagem do JC visitou a
propriedade do fazendeiro Pedro Jair, onde o engenheiro
florestal Mauro Ferreira Lima, da Universidade Federal do
Ceará (UFC), orienta um trabalho para garantir a
preservação dos recursos naturais.
“É preciso deixar os donos de terra cientes em
relação ao mal que as queimadas fazem para a caatinga.
Quando implementadas propostas de educação
ambiental, fica fácil entender por que é importante
proteger a vida silvestre e a paisagem do ecossistema”,
salienta Mauro. Para os especialistas, o desenvolvimento
sustentável e a ampliação do número e da área de
unidades de conservação são fundamentais para barrar a
destruição.
“Aproximadamente 70% da área do Nordeste
são constituídos de caatinga. Desse total, pelo menos,
metade já sofreu com as ações do homem. Somente o uso
sustentável e eficiente das regiões alteradas será capaz de
evitar pressões sobre as unidades de conservação já
existentes”, complementa o pesquisador Henrique
Castelletti, do Centro de Pesquisas Ambientais do
Nordeste (Cepan), organização pernambucana de
iniciativa particular com a missão de conservar a
diversidade biológica. Outro motivo relevante para
reforçar a preservação é a captura de gás carbônico pela
vegetação durante a fotossíntese, que contribui para
atenuar o aquecimento global.
A caatinga tem de 50 a 100 toneladas de
biomassa por hectare, que pode absorver de 20 a 50
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são o pássaro bico-de-agulha (Galbula ruficauda) e o
beija-flor Thalurania furcata.
Semelhantes à mata atlântica e à floresta
amazônica, os brejos ocuparam áreas com altitude
superior a 500 metros. Recebem mais de 1.200
milímetros de chuva por ano, quase o dobro de água que
cai, em média, sobre a caatinga no mesmo período.
“Estendem-se sobre as encostas e topos das chapadas e
serras”, descreve a bióloga Inara Leal, do Departamento
de Botânica da UFPE. Segundo ela, há mais de 30 brejos.
Embora no domínio da caatinga, os brejos estão
legalmente mais protegidos que a vegetação
predominante do Semi-Árido. É que, desde 1993, são
considerados ecossistemas associados da mata atlântica,
assim como dunas e manguezais, sendo protegidos pelo
decreto federal 750. Ainda assim não escapam da
degradação.
De acordo com levantamento do ecólogo
Marcelo Tabarelli, do Departamento de Botânica da UFPE,
os brejos somavam 43 unidades florestais e cobriam
originalmente 18.500 quilômetros distribuídos pelos
Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco. “Atualmente, restam apenas 2.626
quilômetros quadrados”, revela o pesquisador.
Os brejos se constituem num refúgio para a fauna da
caatinga porque contribuem com mais recursos
biológicos e de forma mais duradoura do que as plantas
anuais e herbáceas, explica o professor da Universidade
Estadual do Ceará (Uece) Arnobio Cavalcante. Umas das
plantas de brejos que exercem esse papel, cita o
pesquisador, são o amarelão (Buchenavia capitata), o
murici-vermelho (Byrsonima sericea) e o ipê-amarelo
(Tabebuia serratifolia).
Um dos brejos que guarda essas e outras
espécies de árvores é a Serra do Baturité, com 382
quilômetros quadrados, no Ceará, que abriga nove
brejos. Assim como outras ilhas de floresta úmida do
Semi-Árido, originou-se no pleistocênico, entre 2 milhões
e 10 mil anos, quando variações climáticas faziam a
floresta úmida ora se retraírem ora se expandirem. “Ao
retornar à distribuição original, após períodos
interglaciais, ilhas de floresta atlântica permaneceram em
locais de microclima favorável”, diz Tabarelli.
(Continuação)
CAATINGA PERNAMBUCANA
proteção integral (reservas biológicas e parques
nacionais), permite-se o uso dos recursos naturais.
A bióloga da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) Inara Leal afirma que apenas 11 das
47 unidades de conservação existentes na caatinga (o
equivalente a 1% do ecossistema) são de proteção
integral. A mais recente unidade é o Parque Nacional do
Catimbau, em Pernambuco, de 2002, com 62.554.76
hectares. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) adianta
que há mais três unidades em fase de criação na caatinga:
um parque nacional e uma Área de Proteção Ambiental
(APA) na região de Xingó (entre Bahia, Alagoas e Sergipe),
além de outro parque nacional em Boqueirão da Onça,
perto de Sobradinho, na Bahia.
Para o coordenador do Núcleo do Bioma
Caatinga do MMA, Antônio Guimarães Farias, as grandes
unidades de conservação de uso sustentável, embora não
necessariamente mantenedoras da biodiversidade,
elevam as estatísticas de áreas protegidas da caatinga. É o
caso das APAs do Araripe-Apodi e da Chapada da
Ibiapaba, no Ceará.
De acordo com José Maria Cardoso da Silva, da
ONG Conservação Internacional do Brasil, 60% da
caatinga devem ser incluídos em unidades de
conservação. Desses 60%, precisam constar 55% em
unidades de conservação de proteção integral. O cálculo é
baseado na identificação, em 2000, das áreas prioritárias
para a conservação da biodiversidade. “Antes, não havia
levantamentos de onde estavam concentradas as
espécies. Agora, eles existem, mas falta o poder público
criar as unidades de conservação ou conceder incentivos
para pessoas físicas ou empresas tomarem essa
iniciativa.”
P o r
t r á s
Publicado em 21.03.2006
Reserva garante proteção da caatinga
Publicado em 21.03.2006
O fato de ser bióloga e a paixão pela fauna e
flora da Chapada do Araripe (entre Ceará, Pernambuco e
Piauí) levaram Fabíola Sampaio Saraiva a transformar, em
1999, metade da propriedade em que explora o
ecoturismo numa Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN). “Hoje, tenho certeza que as espécies de
plantas e animais do lugar estão sendo preservadas”, diz.
A reserva, chamada Arajara Park, tem 37 hectares e inclui
parte da chapada onde vive a única população do
soldadinho-do-araripe, pássaro ameaçado de extinção,
citado pela reportagem no primeiro dia desta série. O
parque abriga uma das 24 RPPNs existentes no domínio
da caatinga.
Para criar uma unidade particular, o dono do
imóvel deve fazer uma solicitação ao Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). Uma vez averbada em cartório, a RPPN
permanece sendo uma reserva mesmo depois de vendida
ou herdada. A área de proteção particular, entretanto,
não é considerada pelos especialistas uma ação efetiva
para proteger a biodiversidade. É que, numa RPPN, ao
contrário do que ocorre nas unidades de conservação de
d a
m a d e i r a
“Moro no Ceará, de onde saio todos os meses para
trabalhar numa fazenda em Pernambuco durante 15 dias.
Corto lenha numa área de plano de manejo em Exu e sei
que a atividade é importante para preservar a caatinga. O
problema é que, com esse trabalho cansativo, só chego a
ganhar R$ 400 por mês. Não dá nem para alimentar a
família direito. Mas no Ceará, os fazendeiros pagam bem
menos pelo corte.”
José Venâncio Filho, 40 anos, cortador de lenha
Série publicada pelo Jornal do Commercio – Pernambuco.
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toneladas de carbono. “Há um papel importante de
fixação de carbono. Entretanto, a queima da vegetação
lança no ar tanto carbono quanto o que existe estocado
na região”, diz o biólogo José Maria Cardoso da Silva, da
ONG Conservação Internacional do Brasil. “É preciso,
então, passar a restaurar a caatinga para captar carbono.
Melhor ainda seria receber créditos para evitar o
desmatamento”, continua José Maria.
De acordo com ele, a manutenção do
patrimônio biológico é uma missão-chave para qualquer
gestão governamental e deveria ser vista como
prioridade máxima pela sociedade. “Entretanto, há
instituições desaparelhadas, técnicos pouco capacitados
e tecnologia da Idade da Pedra. Se a caatinga recebesse,
no mínimo, 5% da atenção que a Amazônia recebe, talvez
a situação da região, do ponto de vista ambiental,
estivesse significativamente melhor”, diz o biólogo. A
questão é que, diferentemente do cerrado e da caatinga,
a Amazônia e a mata atlântica são consideradas
Patrimônio Natural do Brasil pela Constituição do País.
(Continuação)
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Caatinga Pernambucana