CAATINGA PERNAMBUCANA Vidas que brotam da Caatinga Publicado em 19.03.2006 Na seca, as árvores espinhosas perdem as folhas e algumas espécies de aves e mamíferos migram para áreas em que não prepondera a aridez. É uma particularidade da caatinga, único ecossistema exclusivamente brasileiro e que, diferentemente do que se imagina, não é pobre em biodiversidade. A partir dessa singularidade, nasce a série Vidas que brotam da caatinga, com o objetivo de provar que essa área geográfica abriga quantidade expressiva de plantas e animais que não são encontrados em nenhum outro lugar do planeta. Quando se menciona a fauna, por exemplo, assunto de destaque das matérias de hoje, sobressaemse as aves, cujo grupo concentra até mais que 500 espécies em uma mesma região. Amanhã, será conhecida a diversidade das plantas, que têm estratégias para sobreviver aos períodos de carência de chuvas. Na terça-feira, último dia da série, os focos giram em torno das ameaças e estratégias para conservação dessa riqueza biológica, apresentada nos textos de Cinthya Leite e Verônica Falcão, ilustrados com fotos de Beto F i g u e i r o a . Não são as imagens de plantas secas e solos pedregosos que fazem da caatinga um ecossistema pobre. Está mais do que na hora de derrubar o mito de que essa vegetação, que ocupa basicamente a região Nordeste e algumas áreas em Minas Gerais, sugere baixa diversificação da fauna e flora. Esforços para conhecer as espécies vegetais e animais da região têm revelado que a caatinga possui alta relevância biológica e, por isso, devem ser incentivadas medidas para frear a perda de espécies e a formação de núcleos de desertificação. Apesar de os novos números mostrarem um ecossistema rico em relação à fauna e flora, sabe-se que o universo dessa região revela-se muito maior após as atualizações dos registros. Para se ter noção da progressão, dados de 1980, do botânico pernambucano Dárdano de Andrade Lima (1919-1981), referência diante dos estudos sobre as plantas da caatinga, indicam apenas 50 espécies de plantas, um número 18 vezes menor que o levantamento atual. “É fundamental, então, implantar áreas e ações prioritárias para a conservação dessa diversidade, além de criar estratégias para impulsionar a proteção e o uso sustentável”, diz o pesquisador Sergio Romaniuc Neto, do Instituto de Botânica de São Paulo e pesquisador das áreas de educação ambiental e conservação da biodiversidade. Para investigar algumas regiões onde desponta essa multiplicidade biológica, a reportagem do JC visitou os municípios pernambucanos de Petrolina, Araripina e Exu, as cidades cearenses de Barbalha e Crato, como também Juazeiro, na Bahia. São locais que, apesar de conhecidos pelas práticas de uso sustentável, apresentam alterações relacionadas à flora, às aves, aos invertebrados, anfíbios, répteis e mamíferos. Os pesquisadores, por sinal, estão em alerta diante do entorno da Floresta Nacional do Araripe, que compreende Exu, Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte e outras cidades de Pernambuco e do Ceará. A preocupação é que a região está vulnerável ao desmatamento, à pecuária extensiva, queimada, caça e mineração. E é nesse trecho de mata úmida de encosta onde estão espécies que necessitam de cuidados especiais, como o soldadinho-do-araripe (detalhes na matéria ao lado), ameaçado de extinção. Em Araripina e Exu, integrantes da Chapada do Araripe (zona identificada como de extrema importância biológica para a caatinga), o pólo gesseiro utiliza recursos vegetais dessa área geográfica como elementos principais no processo de aquecimento do mineral gipsita, fator que provoca uma total devastação da biota nativa (conjunto dos seres animais e vegetais). “Por isso, existe a necessidade de um programa de manejo florestal, técnica empregada com a finalidade de colher cuidadosamente parte das árvores (saiba mais no último dia da série), para recuperar a vegetação com o mínimo impacto ambiental possível”, explica o engenheiro florestal Mauro Ferreira Lima, da Universidade Federal do Ceará (UFC). A agricultura de sequeiro, dependente do regime de chuvas, também está entre os entraves para a conservação na Chapada do Araripe. “O ecossistema encontra-se alterado com a substituição de espécies vegetais nativas por cultivos e pastagens. Essa atitude leva a prejuízos relacionados ao equilíbrio do clima e do solo”, enfatiza Sergio Neto. Aproximadamente 80% dos ecossistemas originais de toda a caatinga já sofreram alteração pela atividade humana. “No Araripe, por meio da agropecuária e do extrativismo, houve desmatamento intensivo com remoção quase que completa da vegetação nativa”, assegura o pesquisador Iedo Bezerra Sá, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) SemiÁrido. A pobreza da mais povoada região semi-árida do mundo (na caatinga, vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas) também contribui para alterar o equilíbrio geológico. “Por viver precariamente, o homem utiliza os recursos naturais para sobreviver”, diz o pesquisador David Oren, da The Nature Conservation (TNC). A diretora do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga, Continua >>>> © 2008 Marina Residence S.A. Todos os direitos reservados | www.culthotel.com.br Designed by Emerson Filho & Junior Spano CAATINGA PERNAMBUCANA CAATINGA PERNAMBUCANA (Continuação) Espécie de pássaro ameaçada vive apenas na Chapada do Araripe Publicado em 19.03.2006 Habitante das matas úmidas localizadas perto das nascentes dos rios, o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) é uma espécie peculiar do Crato, no Ceará, que está ameaçada de extinção devido a crescentes pressões de uso e ocupação sobre as encostas vegetadas da porção cearense da Chapada do Araripe – zona considerada, pelo do Programa do Brasil da BirdLife International, como importante para a conservação de aves. “Esse pássaro, com população estimada entre 50 e 250 indivíduos espalhados em 60 quilômetros, tem alimentação constituída por frutos e, por isso, é um importante lançador de sementes”, alega o biólogo Weber Andrade e Silva, da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis). Em parceria com o ornitólogo Artur Galileu Coelho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele descobriu o soldadinho-do-araripe. Segundo os pesquisadores, em relação à função ecológica da ave, não se pode desconsiderar que se trata de uma indicadora da qualidade ambiental e da conservação na chapada. “Preservar a área pode trazer resultados positivos para a conservação de ecossistemas ameaçados, como nascentes e matas ciliares. Assim, revelam-se benefícios para a fauna”, assegura a bióloga Jaqueline Goerck, da BirdLife International, que atua em projetos de conservação em parceria com a Aquasis. Segundo ela, a espécie não tolera o cativeiro e está livre do tráfico de animais. “Para que essa situação permaneça, é importante denunciar qualquer intenção de comércio”. Um detalhe importante do comportamento é a associação às nascentes do Cariri cearense. “A conservação dos cursos de água implica a perpetuação da espécie, o que está ligado à sustentabilidade ambiental”. O macho da espécie é branco e tem penacho vermelho na cabeça. A ponta da cauda e as rêmiges (usadas para vôo) são brancas e pretas. As fêmeas têm cor verde-musgo e sem penachos. Ambos têm 15 centímetros do bico à cauda. Animais desenvolveram estratégias para suportar o c l i m a d o S e m i - Á r i d o Publicado em 19.03.2006 As poucas chuvas no Semi-Árido são um desafio à vida na caatinga. Ao longo da evolução, os animais desenvolveram estratégias de adaptação ao clima do lugar, que enfrenta oito meses de estiagem por ano. A principal delas é a estivação, tipo de hibernação às avessas, na qual os bichos se escondem do sol e baixam o metabolismo à espera de água. Alguns, como a jia-de-parede (Corythomantis greeningi), além de estivar, lançam mão de outras estratégias. O animal desenvolveu uma fina camada de cálcio sobre a pele, que reduz a perda de umidade. Ao final do período chuvoso, a jia se enfia de costas num buraco de árvore e usa a cabeça, simultaneamente, como tampa e escudo. “Pode ficar assim meses ou até anos, a depender da intensidade da seca”, diz Carlos Jared, do Instituto Butantan, em São Paulo. O biólogo descobriu que, para se proteger contra predadores enquanto estiva, essa jia de 10 centímetros possui espinhos e glândulas de veneno na cabeça. As aves não estivam como os anfíbios, mas recorrem à migração para sobreviver no ambiente inóspito da caatinga. O biólogo José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional, aponta as migrações como a principal estratégia de sobrevivência das aves dessa região. “Afora aqueles com recursos disponíveis o ano todo, como o soldadinho-do-araripe, que vive numa floresta úmida, os outros têm que se movimentar em busca de alimento durante o período de estiagem.” É o caso do pássaro bigodinho (Sporophila lineola), que desaparece do Sertão nordestino em junho e só retorna em dezembro. Estudo realizado por José Maria entre 1981 e 1993 revelou que, depois de se reproduzir, a ave foge da seca em direção à região dos Llanos, nas savanas da Venezuela. Designed by Emerson Filho & Junior Spano Alexandrina Sobreira, concorda que a baixa condição social colabora para a devastação, mas também cita o desmatamento na lista das causas de degradação vegetal. “Continua a ser problemática a lenha utilizada como fonte de energia em residências, olarias e siderúrgicas”. As soluções, segundo os pesquisadores, para garantir a integridade da caatinga devem vir do próprio meio ambiente. O umbuzeiro é um exemplo. “O fruto (umbu) pode ser usado para consumo do homem dessa região. À medida que se enxergam opções sustentáveis na vegetação, aprende-se a conservar recursos naturais”, destaca David Oren. “Mas, para serem realizadas práticas desse tipo, o governo também precisa agir e incluir a caatinga nas prioridades políticas do País”, reforça Alexandrina Sobreira, que destaca ainda a importância do envolvimento de cientistas, técnicos, ambientalistas, empresários e organizações não-governamentais para garantir o uso sustentado da biodiversidade do ecossistema. Continua >>>> © 2008 Marina Residence S.A. Todos os direitos reservados | www.culthotel.com.br CAATINGA PERNAMBUCANA No segundo dia da série Vidas que brotam da caatinga, destaca-se a vegetação do ecossistema, que não apresenta a exuberância verde das florestas tropicais úmidas, mas possui espécies encontradas com exclusividade no Brasil. Conheça essa diversidade nos textos de Cinthya Leite e Verônica Falcão, com fotos de B e t o F i g u e i r o a . Embora conhecida a variedade paisagística e biológica da caatinga, não há como desvincular a paisagem árida durante a seca. Diante do mínimo sinal de chuva, no entanto, o cenário muda: o verde volta a prevalecer, e as flores abrem para receber os polinizadores. É esse intercâmbio que leva à “reinvenção” da vida nessa área geográfica, que possui 12 tipos diferentes dessa vegetação xerófila, característica dos lugares sem umidade e que chama atenção pela adaptação ao Semi-Árido. Estima-se a existência de, pelo menos, 932 espécies vegetais na região – dessas, 318 são exclusivas do ecossistema. “Cerca de 30% das plantas vasculares (com vasos para conduzir seiva e água) da caatinga não ocorrem em nenhuma outra parte do planeta”, diz o biólogo José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional do Brasil. Assim, segundo ele, a conservação é tarefa obrigatória por razões práticas. “Basta dizer que a população da região recorre aos recursos florestais para sobrevivência. Sem a vegetação, a caatinga seria um deserto onde não se poderia morar”, justifica José Maria. Na caatinga, há desde florestas altas e secas, com árvores de até 20 metros de altura (a chamada caatinga arbórea), até afloramentos de rochas com arbustos baixos e esparsos, como cactos e bromélias. Existe ainda o “mediterrâneo sertanejo”, dos brejos de altitude, várzeas e serras (veja matéria abaixo). Diante da multiplicidade biológica, todas as espécies de plantas desempenham papel importante para o funcionamento dos ecossistemas regionais. “As bromélias, por exemplo, têm papel fundamental para manutenção de algumas espécies de animais”, assegura o biólogo José Alves de Siqueira Filho, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), à frente de pesquisas sobre as plantas endêmicas da caatinga – com destaque para as bromélias. Assim como os cactos (um exemplo é a coroa-de-frade), elas se adaptam facilmente às temperaturas altas devido às ceras que revestem as folhas para diminuir a perda de líquido para o meio. Apesar de não estarem entre as categorias com maior número de espécies exclusivas (o número na família das bromeliáceas chega a 14, contra 41 das cactáceas e 80 das leguminosas), são plantas que armazenam água da chuva nas folhas. Esse fato beneficia inúmeras espécies de animais, como os pássaros, que são atraídos pelas flores, frutos e pela água retida na base das folhas. “Há uma interrupção desse ciclo, contudo, devido à presença do gado, que usa sementes para se alimentar”, afirma José Alves. “São animais que pisoteiam o solo úmido, destroem a superfície terrestre e entram como responsáveis pela extinção de populações inteiras de plantas.” Apesar de todas as plantas nativas serem fundamentais para a caatinga, vale chamar atenção para a baraúna e a aroeira, presentes na lista de ameaçadas de extinção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “É necessário proteger imediatamente essas plantas através de unidades de conservação”, informa José Maria. De acordo com ele, entre os benefícios que podem ser atingidos com a preservação da caatinga, estão a redução da erosão do solo e a manutenção dos ciclos hidrológicos. “Aspectos biológicos ligados ao equilíbrio do meio ambiente também merecem destaque, como a descoberta de novas espécies úteis para o equilíbrio ecológico”, diz o pesquisador Sergio Romaniuc Neto, do Instituto de Botânica de São Paulo. Segundo os especialistas, no entanto, não adiantam esforços se não for controlada a agropecuária. “É necessário desenvolver estratégias de conservação que evitem essa prática em áreas de maior biodiversidade”, conclui José Alves. Brejos são refúgio Publicado em 20.03.2006 para a fauna Quando as folhas caem e a caatinga retoma o estado de dormência que a acompanha durante a estiagem, de maio a dezembro, onde buscam alimento os bichos que dependem dos recursos florestais, mas não estivam como as árvores e plantas do Semi-Árido? Em ilhas de floresta úmida, denominadas brejos de altitude, que pontuam de verde a paisagem cinzenta do Sertão. Muitas das 510 espécies de aves registradas na caatinga, por exemplo, se refugiam nos brejos, que ocupam áreas mais elevadas, recebendo, portanto, mais chuvas. Cálculo do ornitólogo José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da ONG Conservação Internacional do Brasil, revela que 60,5%, ou seja, 308 tipos de aves da caatinga dependem dessas florestas. “Os brejos cobrem apenas 14% da caatinga, mas são responsáveis por manter mais da metade das aves da região”, diz José Maria, que há 15 anos estuda a avifauna do Semi-Árido. Algumas ds espécies que recorrem aos brejos quando faltam recursos na caatinga Continua >>>> © 2008 Marina Residence S.A. Todos os direitos reservados | www.culthotel.com.br Designed by Emerson Filho & Junior Spano A peleja da flora Publicado em 20.03.2006 (Continuação) CAATINGA PERNAMBUCANA O s d e s a f i o s d a Publicado em 21.03.2006 c o n s e r v a ç ã o De um lado, a necessidade de proteger a biodiversidade. De outro, o uso dos recursos naturais para garantir a sobrevivência humana. O desfecho para essa peleja é aliar a proteção das áreas de maior riqueza de animais e plantas à exploração racional da vegetação, conforme mostra o último dia da série Vidas que brotam da caatinga. Os textos são de Cinthya Leite e Verônica Falcão, as fotos, de B eto Figueiroa. É um fato unânime: a caatinga encontra-se num estágio elevado de degradação. Vem logo atrás da mata atlântica e do cerrado em nível de áreas alteradas em relação à superfície total. “A maior pressão sofrida, pelo ecossistema, é a redução de áreas naturais e a fragmentação da paisagem devido à ocupação desordenada do homem”, reforça o biólogo Carlos Rodrigo Castro, da Associação Caatinga, entidade nãogovernamental cearense que atua na criação e gestão de áreas protegidas no Semi-Árido. “A pecuária extensiva, a retirada desordenada de lenha (mais de 30% da matriz energética da caatinga), e as queimadas descontroladas têm contribuído muito para a degradação do meio ambiente.” De acordo com ele, o planejamento territorial com base na conservação é uma das alternativas para preservar a biodiversidade. É nesse contexto em que estão incluídas as áreas de plano de manejo, cujo objetivo é a exploração florestal que não prejudica a multiplicidade de plantas e animais da caatinga. Na cidade pernambucana de Exu, a reportagem do JC visitou a propriedade do fazendeiro Pedro Jair, onde o engenheiro florestal Mauro Ferreira Lima, da Universidade Federal do Ceará (UFC), orienta um trabalho para garantir a preservação dos recursos naturais. “É preciso deixar os donos de terra cientes em relação ao mal que as queimadas fazem para a caatinga. Quando implementadas propostas de educação ambiental, fica fácil entender por que é importante proteger a vida silvestre e a paisagem do ecossistema”, salienta Mauro. Para os especialistas, o desenvolvimento sustentável e a ampliação do número e da área de unidades de conservação são fundamentais para barrar a destruição. “Aproximadamente 70% da área do Nordeste são constituídos de caatinga. Desse total, pelo menos, metade já sofreu com as ações do homem. Somente o uso sustentável e eficiente das regiões alteradas será capaz de evitar pressões sobre as unidades de conservação já existentes”, complementa o pesquisador Henrique Castelletti, do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), organização pernambucana de iniciativa particular com a missão de conservar a diversidade biológica. Outro motivo relevante para reforçar a preservação é a captura de gás carbônico pela vegetação durante a fotossíntese, que contribui para atenuar o aquecimento global. A caatinga tem de 50 a 100 toneladas de biomassa por hectare, que pode absorver de 20 a 50 Continua >>>> © 2008 Marina Residence S.A. Todos os direitos reservados | www.culthotel.com.br Designed by Emerson Filho & Junior Spano são o pássaro bico-de-agulha (Galbula ruficauda) e o beija-flor Thalurania furcata. Semelhantes à mata atlântica e à floresta amazônica, os brejos ocuparam áreas com altitude superior a 500 metros. Recebem mais de 1.200 milímetros de chuva por ano, quase o dobro de água que cai, em média, sobre a caatinga no mesmo período. “Estendem-se sobre as encostas e topos das chapadas e serras”, descreve a bióloga Inara Leal, do Departamento de Botânica da UFPE. Segundo ela, há mais de 30 brejos. Embora no domínio da caatinga, os brejos estão legalmente mais protegidos que a vegetação predominante do Semi-Árido. É que, desde 1993, são considerados ecossistemas associados da mata atlântica, assim como dunas e manguezais, sendo protegidos pelo decreto federal 750. Ainda assim não escapam da degradação. De acordo com levantamento do ecólogo Marcelo Tabarelli, do Departamento de Botânica da UFPE, os brejos somavam 43 unidades florestais e cobriam originalmente 18.500 quilômetros distribuídos pelos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. “Atualmente, restam apenas 2.626 quilômetros quadrados”, revela o pesquisador. Os brejos se constituem num refúgio para a fauna da caatinga porque contribuem com mais recursos biológicos e de forma mais duradoura do que as plantas anuais e herbáceas, explica o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Arnobio Cavalcante. Umas das plantas de brejos que exercem esse papel, cita o pesquisador, são o amarelão (Buchenavia capitata), o murici-vermelho (Byrsonima sericea) e o ipê-amarelo (Tabebuia serratifolia). Um dos brejos que guarda essas e outras espécies de árvores é a Serra do Baturité, com 382 quilômetros quadrados, no Ceará, que abriga nove brejos. Assim como outras ilhas de floresta úmida do Semi-Árido, originou-se no pleistocênico, entre 2 milhões e 10 mil anos, quando variações climáticas faziam a floresta úmida ora se retraírem ora se expandirem. “Ao retornar à distribuição original, após períodos interglaciais, ilhas de floresta atlântica permaneceram em locais de microclima favorável”, diz Tabarelli. (Continuação) CAATINGA PERNAMBUCANA proteção integral (reservas biológicas e parques nacionais), permite-se o uso dos recursos naturais. A bióloga da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Inara Leal afirma que apenas 11 das 47 unidades de conservação existentes na caatinga (o equivalente a 1% do ecossistema) são de proteção integral. A mais recente unidade é o Parque Nacional do Catimbau, em Pernambuco, de 2002, com 62.554.76 hectares. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) adianta que há mais três unidades em fase de criação na caatinga: um parque nacional e uma Área de Proteção Ambiental (APA) na região de Xingó (entre Bahia, Alagoas e Sergipe), além de outro parque nacional em Boqueirão da Onça, perto de Sobradinho, na Bahia. Para o coordenador do Núcleo do Bioma Caatinga do MMA, Antônio Guimarães Farias, as grandes unidades de conservação de uso sustentável, embora não necessariamente mantenedoras da biodiversidade, elevam as estatísticas de áreas protegidas da caatinga. É o caso das APAs do Araripe-Apodi e da Chapada da Ibiapaba, no Ceará. De acordo com José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional do Brasil, 60% da caatinga devem ser incluídos em unidades de conservação. Desses 60%, precisam constar 55% em unidades de conservação de proteção integral. O cálculo é baseado na identificação, em 2000, das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. “Antes, não havia levantamentos de onde estavam concentradas as espécies. Agora, eles existem, mas falta o poder público criar as unidades de conservação ou conceder incentivos para pessoas físicas ou empresas tomarem essa iniciativa.” P o r t r á s Publicado em 21.03.2006 Reserva garante proteção da caatinga Publicado em 21.03.2006 O fato de ser bióloga e a paixão pela fauna e flora da Chapada do Araripe (entre Ceará, Pernambuco e Piauí) levaram Fabíola Sampaio Saraiva a transformar, em 1999, metade da propriedade em que explora o ecoturismo numa Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). “Hoje, tenho certeza que as espécies de plantas e animais do lugar estão sendo preservadas”, diz. A reserva, chamada Arajara Park, tem 37 hectares e inclui parte da chapada onde vive a única população do soldadinho-do-araripe, pássaro ameaçado de extinção, citado pela reportagem no primeiro dia desta série. O parque abriga uma das 24 RPPNs existentes no domínio da caatinga. Para criar uma unidade particular, o dono do imóvel deve fazer uma solicitação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Uma vez averbada em cartório, a RPPN permanece sendo uma reserva mesmo depois de vendida ou herdada. A área de proteção particular, entretanto, não é considerada pelos especialistas uma ação efetiva para proteger a biodiversidade. É que, numa RPPN, ao contrário do que ocorre nas unidades de conservação de d a m a d e i r a “Moro no Ceará, de onde saio todos os meses para trabalhar numa fazenda em Pernambuco durante 15 dias. Corto lenha numa área de plano de manejo em Exu e sei que a atividade é importante para preservar a caatinga. O problema é que, com esse trabalho cansativo, só chego a ganhar R$ 400 por mês. Não dá nem para alimentar a família direito. Mas no Ceará, os fazendeiros pagam bem menos pelo corte.” José Venâncio Filho, 40 anos, cortador de lenha Série publicada pelo Jornal do Commercio – Pernambuco. © 2008 Marina Residence S.A. Todos os direitos reservados | www.culthotel.com.br Designed by Emerson Filho & Junior Spano toneladas de carbono. “Há um papel importante de fixação de carbono. Entretanto, a queima da vegetação lança no ar tanto carbono quanto o que existe estocado na região”, diz o biólogo José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional do Brasil. “É preciso, então, passar a restaurar a caatinga para captar carbono. Melhor ainda seria receber créditos para evitar o desmatamento”, continua José Maria. De acordo com ele, a manutenção do patrimônio biológico é uma missão-chave para qualquer gestão governamental e deveria ser vista como prioridade máxima pela sociedade. “Entretanto, há instituições desaparelhadas, técnicos pouco capacitados e tecnologia da Idade da Pedra. Se a caatinga recebesse, no mínimo, 5% da atenção que a Amazônia recebe, talvez a situação da região, do ponto de vista ambiental, estivesse significativamente melhor”, diz o biólogo. A questão é que, diferentemente do cerrado e da caatinga, a Amazônia e a mata atlântica são consideradas Patrimônio Natural do Brasil pela Constituição do País. (Continuação)