ESCOLA SUPERIOR
SUPER OR DE GUERRA
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS
CAEPE 2011
MONOGRAFIA (CAEPE)
A Iniciativa da Bacia do Atlântico: um risco para o Brasil?
Código do Tema: 05/344
CMG Marco Aurélio de Andrade Lima
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
CMG MARCO AURÉLIO DE ANDRADE LIMA
A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO:
um risco para o Brasil?
Rio de Janeiro
2011
CMG MARCO AURÉLIO DE ANDRADE LIMA
A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO:
um risco para o Brasil?
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes.
Rio de Janeiro
2011
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
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propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
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qualquer
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institucional da ESG
__________________________________
Marco Aurélio de Andrade Lima
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Lima, Marco A. de A.
A Iniciativa da Bacia do Atlântico: Um risco para o Brasil? / Titulação
Marco Aurélio de Andrade Lima - Rio de Janeiro : ESG, 2011.
50 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes.
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentado ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito
à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia (CAEPE), 2011.
1.Geopolítica – Atlântico Sul, Oceano. 2. Organização do Tratado
do Atlântico Norte. 3. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
I.Título.
Tamanho: 12,5 cm x 7,5 cm - Fonte arial 10
Ao meu pai, Alberto, in memoriam,
Esguiano
da
Turma
Marechal-do-Ar
Eduardo Gomes, no CEMCFA 1982.
Ao meu sogro, Luiz Antônio, Esguiano da
Turma “Jubileu de Ouro", no CLMN 1999.
À minha esposa, Victória, Esguiana do
PAM 2011.
Minha saudade, a minha admiração e o
meu amor.
AGRADECIMENTOS
À Marinha do Brasil por haver me distinguido com o privilégio de realizar o CAEPE nesta
Escola e ter a oportunidade única de estudar o Brasil em todas as suas expressões.
Aos estagiários da Turma do SEGURANÇA e DESENVOLVIMENTO pelo convívio
harmonioso de todas as horas.
RESUMO
Esta monografia aborda a Iniciativa da Bacia do Atlântico, a qual pretende
estabelecer uma parceria direta entre os Estados Unidos da América e a União
Européia com os países lindeiros da costa oriental da América do Sul e da costa
oeste da África, apagando-se a linha que divide o Atlântico Norte e Sul. A Iniciativa
pretende unir os países dos quatro continentes em uma parceria estratégica. O
Atlântico Sul é de estrema relevância para os países ribeirinhos, em virtude ser via
por onde se escoa mais de 90% do seu comércio e é fonte de recursos naturais,
como a pesca, o petróleo e o gás. Para os países do hemisfério norte, a região sulatlântica sempre foi relegada a um segundo plano, seja no contexto econômico, seja
no contexto estratégico. A construção dos canais de Suez e do Panamá reduziu
ainda mais, a relevância da região para os países desenvolvidos. Os países do
Atlântico Norte e Sul possuem diferenças marcantes no nível de desenvolvimento
econômico. A relação comercial entre eles seria num plano assimétrico. Com a
presença na China na África e na América do Sul, se estabelece uma corrida por
recursos naturais, notadamente energéticos. Os países do hemisfério norte buscam
garantir o acesso a tais recursos dentro de um contexto de estabilidade regional.
Dessa forma, a presença de países da OTAN na região, com possibilidade de
intervenção a fim de garantir a estabilidade na área, entraria em conflito com o
acordo que estabeleceu a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Neste
contexto, o Brasil descobriu as reservas do pré-sal. Até que ponto a Iniciativa da
Bacia do Atlântico não abriria um pretexto para uma intervenção da OTAN na região,
contra os interesses econômicos e de nossa política externa?
Palavras chave: Geopolítica – Atlântico Sul, Oceano. Organização do Tratado do
Atlântico Norte. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
ABSTRACT
This monograph deals with the Atlantic Basin Initiative, which aims to establish a
direct partnership between the United States and the European Union with the
countries bordering the eastern coast of South America and the west coast of
Africa, by deleting the line divides the North and South Atlantic. This Initiative aims
to unite the countries on four continents in a strategic partnership. The South
Atlantic has a extreme importance for the riparian countries, due to be where it
flows through more than 90% of its trade and is a source of natural resources such
as fishing, oil and gas. For the countries of the North, the South Atlantic region has
always been relegated to the background, either in the economic context, or in the
strategic context. The construction of the canals of Suez and Panama has further
reduced the relevance of the region to developed countries. The countries of North
and South Atlantic have marked differences in the level of economic development.
The commercial relationship between them would be an asymmetrical plan. With a
presence of China in Africa and South America, settles a race for natural
resources, notably energy. The northern countries seek to ensure access to such
resources within a context of regional stability. Thus, the presence of NATO
countries in the region, with the possibility of intervention to ensure stability in the
area, would conflict with the agreement that established the Zone of Peace and
Cooperation in the South Atlantic In this context, Brazil has discovered the pre-salt
reserves. What does extent the Atlantic Basin Initiative would give a pretext for
NATO intervention in the region, against our economic interests and our foreign
policy?
Keywords: Geopolitics - South Atlantic Ocean. Organization of the North Atlantic
Treaty. Zone of Peace and Cooperation in the South Atlantic
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEDEAO
Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental
CNUDM
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito no Mar
CPLP
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
IBA
Iniciativa da Bacia do Atlântico
MERCOSUL
Mercado Comum do Sul
MPLA
Movimento Popular de Libertação de Angola
OTACE
Organização do Tratado Central
OTAN
Organização do Tratado do Atlântico Norte
OTASE
Organização do Tratado do Sudeste Asiático
SADC
Southern Africa Development Community, em inglês.
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
UE
União Européia
UNASUL
União de Nações Sul-Americanas
UNITA
União Nacional para a Independência Total de Angola
ZOPACAS
Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9
2
ATLÂNTICO SUL: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO
SUL (OTAS) E A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO
SUL (ZOPACAS)........................................................................................ 13
O ATLÂNTICO SUL .................................................................................... 13
A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS) ............. 16
A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS) .. 19
2.1
2.2
2.3
3
3.1
3.2
3.3
UMA PARCERIA EUA-UE: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO
ATLÂNTICO NORTE (OTAN). ................................................................... 25
A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO................................................. 27
O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA OTAN. ..................................... 32
A PRESENÇA DA OTAN NO ATLÂNTICO SUL. ....................................... 35
4
CONCLUSÃO. ........................................................................................... 38
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 41
9
1 INTRODUÇÃO
Uma Ordem Mundial multipolar está estabelecida na qual coexistem uma
superpotência militar, poucas potências de relevância política e econômica e novas
potências emergentes que adquirem maior relevância junto à comunidade
internacional, notadamente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A velha ordem bipolar foi substituída por uma ordem multipolar de
características menos previsíveis, enquanto que continua válida a visão realista do
equilíbrio de poder, privilegiando os interesses das potências econômicas e criando
nítidos pontos de atrição entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) reúne os dois
principais pólos econômicos mundiais: os EUA e a União Européia (UE). Além da
aliança no campo militar, busca-se um maior alinhamento, no contexto de uma
política econômica neoliberal, entre os EUA e a UE.
Em dezembro de 2009, os professores Daniel S. Hamilton e Frances G.
Burwell, do Centro para Relações Transatlânticas da Escola de Estudos
Internacionais Avançados Paul H. Nitze, na Universidade Johns Hopkins 1,
Washington, D.C., divulgaram o relatório “Ombro a Ombro: Forjando uma Parceria
Estratégica Estados Unidos - União Européia” 2, com o propósito de analisar e propor
novos papéis para as relações entre os EUA e a UE, como uma resposta aos novos
desafios e oportunidades advindos da globalização.
O relatório apresenta um conjunto de dez iniciativas, entre elas, a criação da
1
Center for Transatlantic Relations, Johns Hopkins University, the Paul H. Nitze School of Advanced
International Studies (SAIS).
2
Shouder to Shoulder: Forging a Strategic U.S.-EU Partnership.
10
Iniciativa da Bacia 3 do Atlântico (IBA), na qual se explora a noção de “Hemisfério
Atlântico”, como potencial para a integração entre os países dos quatro continentes
banhados pelo Oceano Atlântico.
No Atlântico Sul, a política externa brasileira atua em duas vertentes. Busca,
de forma efetiva, concretizar um projeto de integração para a América do Sul e
projeta-se, através do oceano, até os países lindeiros da África.
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) 4, a União das Nações SulAmericanas (UNASUL) 5 e o Conselho de Defesa Sul-Americano são iniciativas de
integração regional que corroboram este processo.
O estabelecimento da Comunidade Sul-Americana, por meio da UNASUL e
do Conselho Sul-Americano de Defesa, representa o primeiro passo para um projeto
de desenvolvimento e defesa autônomo, desde a formulação da Doutrina Monroe. A
concretização da IBA certamente irá gerar fortes reações negativas no âmbito do
subcontinente.
No contexto do Atlântico Sul, o Brasil promove diversas iniciativas,
notadamente, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). A IBA, na
medida em que pressupõe o aumento da presença militar ou mesmo a intervenção
de outras potências na região, certamente seria incompatível com os pressupostos
de uma zona de paz e cooperação.
3
O termo Bacia é utilizado como Bacia Oceânica: cada uma das depressões gigantescas da
superfície terrestre ocupada pelos oceanos e cuja existência é considerada geologicamente bastante
antiga. Fonte: http://www.geotrack.com.br/pdiciob.htm.
4
Mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, estabelecido por meio da assinatura
do Tratado de Assunção, em 1991. Bolívia, Chile, Peru, Equador e Colômbia são Estados associados
ao MERCOSUL. A adesão da Venezuela como membro pleno ainda está pendente de aprovação no
parlamento do Paraguai.
5
O Tratado Constitutivo que estabeleceu a UNASUL foi assinado em maio de 2008, em Brasília,
congregando os 12 países sul-americanos.
11
Isto posto, quais seriam as repercussões que a IBA traria em face desses
acordos internacionais firmados pelo Brasil, e mais, a Iniciativa acarretaria em riscos
para a política externa e a soberania brasileira?
O presente trabalho tenciona analisar, no âmbito da Geopolítica e das
Relações Internacionais, os reflexos que uma eventual concretização da IBA teria
sobre a política externa brasileira, em especial em relação ao projeto de integração
regional e no estreitamento das relações do Brasil com países da costa ocidental do
continente africano.
A malograda criação da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS) foi
uma tentativa de se estabelecer uma aliança militar na região do Atlântico Sul, ainda
que no contexto da Guerra Fria, e acabou por gerar, em contrapartida, o acordo da
ZOPACAS.
A expansão da OTAN e seu novo Conceito Estratégico vislumbram a
possibilidade de emprego de meios para a solução de crises internacionais em
escala mundial, o que representa uma séria possibilidade em se abrir um precedente
de intervenção no Atlântico Sul, agravado pela assimetria econômica e militar
existente entre os países da Aliança do Norte e os países da região.
Da mesma forma, a IBA se adéqua a agenda norte-americana de maior
presença no Atlântico Sul, como a reativação da 4ª Frota e a criação do Comando
Unificado Combatente da África, o U.S. AFRICOM.
Os EUA e demais países membros da OTAN possuem especial interesse
em garantir o acesso seguro a fontes de energia existentes na América do Sul e
África. Uma vez que os Estados Unidos são o país que contribuem com maior
financiamento à Aliança, será dada especial atenção ao risco à soberania brasileira
sobre as reservas de hidrocarbonetos no pré-sal, localizadas na Plataforma
Continental brasileira, em virtude da não ratificação por parte do Congresso norte-
12
americano à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) 6.
Serão igualmente analisadas, as implicações de segurança, ainda
relacionadas à matriz energética, na medida em que se justificaria uma intervenção
da Aliança do Norte, na região sul-atlântica, como pretexto para garantir a
estabilidade da região.
6
Celebrada em Montego Bay, Jamaica, em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar é um tratado multilateral, sob os auspícios da ONU, que estabelece princípios fundamentais
do direito internacional, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e
ainda, para a exploração dos recursos econômicos das águas, do solo e do subsolo marinhos.
13
2 ATLÂNTICO SUL: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL
(OTAS) E A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS)
2.1 O ATLÂNTICO SUL
Segundo o relatório divulgado pelos professores Hamilton e Burwell (2009,
p. 67), no qual é apresentada a proposta da IBA (tradução nossa):
A crescente teia de conexões da Bacia do Atlântico incluem os principais
Estados com armas nucleares e os que optaram por renunciar a armas
nucleares, três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, e um número de candidatos de destaque para um
mecanismo de reforma do Conselho de Segurança 7.[...]
Ora, o Atlântico Norte e o Atlântico Sul possuem realidades bem distintas.
No norte se encontram a maioria dos países desenvolvidos, enquanto que no sul, as
nações estão em desenvolvimento.
Esta divisão entre Norte, desenvolvidos, e sul, em desenvolvimento é
estabelecida, basicamente, pelo Trópico de Câncer, linha que delimita o sul da área
do Tratado da Aliança do Norte.
Dessa forma, quando aborda Atlântico Sul, há que se ter em mente que a
linha que o limita com a parte norte não é exatamente a Linha do Equador. A área
sul-atlântica, em face do “vazio de poder” existente, poderia estender-se até as
proximidades do Trópico de Câncer, desconsiderando o Mar do Caribe, por este
escontrar-se sob permanente influência dos EUA.
Destaca-se a “zona de estrangulamento” do Atlântico Sul entre as cidades
7
The Atlantic Basin’s growing web of connections include major nuclear weapons states and major
states that have chosen to foreswear nuclear weapons, three of the five permanent members of the
United Nations Security Council, and a number of prominent candidates for a reformed Security
Council mechanism. […]
14
de Natal 8, no Rio Grande do Norte, e Dakar, no Senegal, medindo cerca de 3.000
quilômetros. Alguns autores consideram esta zona de menor distância entre os
continentes, como o limite do Atlântico Sul.
Para a Professora Therezinha de Castro, a Argentina, o Brasil e o Uruguai
são os países voltados para o Atlântico. Colômbia e Venezuela, além da Guiana e
do Suriname e do Departamento Ultramarino Francês estão voltados para o Mar do
Caribe. O Chile, após a solução da Questão de Beagle, mediada pelo Papa João
Paulo II, em 1978, garantiu a posse das Ilhas Lenox, Nueva e Picton, além de
controlar o canal de Drake, possuindo acesso ao Atlântico. (CASTRO, 1997, p. 3436)
A Marinha do Brasil considera como de interesse estratégico, a área do
Atlântico Sul compreendida entre o paralelo 16ºN, a costa oeste da África, a
Antártica, leste da América do Sul e leste da Antilhas Menores, excluindo-se,
portanto, o Mar do Caribe.
Embora sejam conhecidas as diferenças mencionadas entre as duas regiões
atlânticas, países sul-americanos e africanos da sua porção sul apresentam
realidades bastante diferentes, como afirma Yapur (200?, p. 1, tradução nossa):
A respeito dos países sul-americanos podemos afirmar que possuem um
passado colonial comum, diferenças históricas superadas, fronteiras
definidas e estáveis, sistemas políticos caracterizados por governos
democráticos. Por outro lado, o litoral Africano é composto de nações com
menos de 50 anos de independência, uma passado colonial de dominação
inglesa, francesa ou portuguesa, fronteiras porosas e instáveis, população
com diversas referências étnicas e sistemas políticos que começam a
8
O Cabo de São Roque, a 51 km de Natal, é o ponto da costa brasileira mais próximo do continente
africano.
15
percorrer as rotas dos princípios democráticos 9. [...]
O Atlântico Sul é o mais pacífico e menos militarizado oceano do globo
terrestre. Trata-se de uma região protegida de armamentos nucleares e de
enfrentamentos originados em outras regiões.
Em que pese sua grande importância, para os países litorâneos, como
principal rota comercial, fonte de alimentos e recursos minerais, na realidade, o
Atlântico Sul possuía, até recentemente, uma reduzida relevância estratégica no
âmbito mundial, particularmente, com o esvaziamento decorrente das construções
dos canais de Suez e Panamá. Vidigal (1993, p. 91) bem sintetiza esta ideia:
Para os ricos países do Norte, o Atlântico sul não é muito importante, quer
sob o ponto de vista econômico, quer sob o enfoque estratégico. Porém,
para os países ribeirinhos, todos do Terceiro Mundo, é ele a via essencial
por onde escoa quase todo o seu comércio internacional, voltado
principalmente para os países ricos do Norte, já que o intercâmbio comercial
entre os países do sul é ainda de importância secundária.
Os EUA sempre estiveram mais preocupados com seu entorno estratégico
no Atlântico Norte, Mar do Caribe e Pacífico. Na Guerra Fria, sua estratégia de
contenção da União Soviética, concentrava ações na Europa, Sudeste Asiático e
Oriente Médio. Para atingir estes objetivos, os EUA estabeleceram diversas alianças
de assistência mútua, com base na ajuda econômica e acordos militares,
9
Respecto de los países sudamericanos podemos afirmar que poseen un pasado colonial común,
divergencias históricas superadas, fronteras definidas y estables y sistemas políticos caracterizados
por gobiernos democráticos. Por su parte, la costa africana está conformada por naciones con menos
de 50 años de vida independiente, un pasado colonial de dominación inglesa, francesa o portuguesa,
fronteras porosas e inestables, población con diversas referencias étnicas y sistemas políticos que
comienzan a transitar las rutas de los principios democráticos. […]
16
notadamente, a OTAN na Europa, a OTASE 10 no Sudeste Asiático e a OTACEN 11
no Oriente Médio.
O Atlântico Sul possui especial relevo estratégico para o Brasil, na medida
em que o País possui uma extensa costa oceânica, sendo uma via imprescindível de
para o intercâmbio econômico, constituindo-se em uma vital fonte de recursos de
nódulos polimetálicos e de hidrocarbonetos, especialmente após as descoberta das
reservas do pré-sal, e, portanto, essencial para o desenvolvimento nacional.
Em relação aos objetivos estratégicos brasileiros, Flores (1984b, p. 452) define:
[...] podemos dizer que ao Brasil, país destituído de pretensões
hegemônicas conscientemente assumidas e satisfeito no que concerne à
sua configuração geográfica, interessa fundamentalmente a manutenção da
tranqüilidade necessária ao seu desenvolvimento econômico e social e à
segurança de seus interesses. Interessam-lhe, portanto, a criação e o
aperfeiçoamento de condições que favoreçam a segurança rotineira e a
defesa em situações de crise, do litoral e instalações costeiras e do tráfego
marítimo de interesse brasileiro, bem como o incremento de nossas
relações com os países da África atlântica subsaárica [...]. Incluem-se
nessas relações: a cooperação no trato de assunto de interesse comum em
foros internacionais, o comércio, a prestação de serviços, o investimento
econômico e os programas de apoio técnico, educacional e sanitário,
podendo atingir até mesmo o campo militar.
2.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS)
Com o fim da II Guerra Mundial, iniciam-se os primeiros movimentos de
10
Organização do Tratado do Sudeste Asiático, em inglês SEATO (Southeast Asia Treaty
Organization), criada em 1954 e dissolvida em 1977, forma pela Austrália, Estados Unidos, França,
Reino Unido, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia.
11
Organização do Tratado Central, em inglês CENTO (Central Treaty Organization), criada em 1955
e dissolvida em 1979, formada pelo Irã, Iraque, Paquistão, Reino Unido e Turquia. Os EUA embora
financiassem a Aliança somente passaram a compor o seu Comitê Militar em 1958.
17
independência das colônias africanas, as quais iriam se concretizar nas décadas de
60 e 70. O processo de independência africano contou com o pleno apoio da União
Soviética que interveio diretamente em Angola e Moçambique.
A presença de navios soviéticos na África, sobretudo em Angola, após a sua
independência, em 1975, e o eventual emprego de submarinos nucleares soviéticos
dotados de mísseis estratégicos, no contexto da Guerra Fria, gerou uma relativa
preocupação dos EUA com a segurança das linhas de comunicações marítimas
através da Rota do Cabo 12.
O fechamento do Canal de Suez em 1967, motivada pela Guerra dos Seis
Dias entre Israel e Países Árabes, acarretou na utilização de rotas mais seguras
para o transporte de petróleo pelo Atlântico Sul. A fim de compensar o aumento da
distância a ser percorrida, as companhias de navegação passaram a utilizar navios
de maior tonelagem: os superpetroleiros ou VLCC 13.
O aumento da relevância do transporte marítimo e a presença de
submarinos soviéticos no Atlântico Sul ampliaram a sua relevância estratégica.
A proposta estadunidense para a criação de uma Organização do Tratado
do Atlântico Sul (OTAS), nos mesmos moldes da OTAN, transportava para a região
a estratégia da dissuasão global. Tal conceito ganhou apoio da África do Sul, da
Argentina e do Uruguai.
Visões que agravavam a possibilidade de um conflito real na região
chegaram a idealizar uma “Aliança de todos os Oceanos”, concebendo uma OTAN
em escala global, sem levar em consideração os interesses específicos dos países
12
A Rota do Cabo utilizava o sul da África, passando pelo Cabo da Agulha e Cabo da Boa Esperança. O
transporte ligava o Oriente Médio e portos do Índico a três destinos: aos portos europeus no Atlântico Norte e
Mediterrâneo; aos portos no Caribe, Golfo do México e costa leste dos EUA; e aos portos do sul e sudeste
brasileiros (VIDIGAL, 1993, p. 91-93).
13
Very Large Crude Carrier.
18
lindeiros (ALMEIDA, 1987, p. 493).
A África do Sul tinha especial interesse em buscar apoio regional, a fim de
sair do isolamento imposto em virtude de sua política racista do apartheid, como
também, em virtude de seu envolvimento com a guerra civil em Angola, ao prestar
apoio à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) em conflito
com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e, ainda, no litígio com a
Namíbia.
A posição brasileira foi contrária ao estabelecimento de uma aliança sulatlântica. Seria conveniente manter a área livre de tensões e conflitos alheios à
região. A criação da OTAS, por sinal, poderia gerar efeitos contrários ao que se
propunha. Certamente, o estabelecimento de uma aliança regional levaria a uma
reação da União Soviética, e, por conseguinte, aumentaria a militarização do
Atlântico Sul.
O governo brasileiro não tinha interesse em alinhar-se a uma proposta da
África do Sul. Um apoio à OTAS refletiria na perda do bom relacionamento brasileiro
cultivado com os países da África Negra, em virtude da rejeição à política do
apartheid na República Sul-Africana.
A presença de submarinos soviéticos na costa oeste da África não justificaria
tal preocupação, uma vez que o Atlântico Sul era a “mais distante dos pontos de
apoio da frota soviética e a que apresenta o maior número de dificuldades logísticas
e estratégicas, o que tornaria altamente custoso qualquer esforço da URSS [...]”
(ALMEIDA, 1987, p. 489).
Se houvesse, efetivamente, a intenção por parte da União Soviética de
afetar as Linhas de Comunicações Marítimas destinadas ao Ocidente, seria
apropriado que o fizesse no Oceano Índico ou próximo ao Oriente Médio.
E ainda, ao menos do ponto de vista latino-americano, a Carta da OEA e
19
TIAR já asseguravam a segurança de seus membros. Entretanto, o Tratado se
mostrou um tratado inócuo na defesa das nações latino-americanas.
Primeiramente, por não levar em consideração toda a área de interesse,
notadamente, o Atlântico Sul, para Argentina, Brasil e Uruguai.
Em segundo lugar, o TIAR não trazia em si, nenhuma estrutura militar
permanente e sequer contava com a adjudicação de meios por parte dos países
membros. Funcionando no contexto da Junta Interamericana de Defesa,
organização de natureza consultiva e de assessoria, a fim de aprimorar a
coordenação de política de defesa hemisférica.
Por ocasião do Conflito das Malvinas, em 1982, os EUA prestaram apoio ao
Reino Unido, aliado da OTAN, em detrimento da Argentina, país membro do TIAR. A
África do Sul, da mesma forma, prestou apoio à força britânica através da Base
Naval de Simonstown. O Conflito da Malvinas selou o fim da criação da OTAS.
Por fim, cabe ressaltar que o principal aspecto da criação da OTAS é que
esta iniciativa refletia tão somente uma visão das potências centrais, sob a ótica da
Guerra Fria. Não havia nessa proposta quaisquer considerações acerca das
especificidades e dos interesses dos países da região.
2.3 A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS)
A ZOPACAS, um acordo conjunto entre países sul-americanos e africanos
banhados pelo Atlântico Sul, foi criada em 1986, por meio da Resolução 41/11 da
Assembléia Geral da ONU, aprovada com 124 votos a favor, um voto em contrário
dos EUA e oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Países
Baixos, Portugal e a República Federal da Alemanha).
20
O voto contrário dos EUA deveu-se ao fato daquele país pleitear a liberdade
de navegação e a eliminação de qualquer obstáculo à livre circulação. Segundo a
visão estadunidense, a Resolução colocaria restrições ao acesso e às atividades
navais no Atlântico Sul, assim como, o direito de passagem inocente em águas
territoriais. Entre os países que se abstiveram, Alemanha e França lançaram mão de
argumentação semelhante (MOURÃO, 1988, p. 51).
Tal polêmica é, no mínimo, questionável, na medida a Resolução evoca “os
princípios e normas do Direito Internacional aplicáveis ao espaço oceânico, em
particular, ao princípio do uso pacífico dos mares” 14.
Atualmente, todos os países integrantes da ZOPACAS ratificaram a
CNUDM. Os EUA seguem ainda sem ratificar a Convenção da Jamaica.
A ZOPACAS fundamenta-se no fomento da paz, na desmilitarização nuclear
da região e no estímulo à cooperação multilateral, mantendo o Atlântico Sul fora das
tensões e confrontações internacionais. Conta atualmente com 24 membros: três
países sul-americanos (Argentina, Brasil e Uruguai) e 21 países africanos (África do
Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão,
Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria,
República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e
Togo.
Dois objetivos declarados na Resolução 41/11, a eliminação do apartheid,
com o processo de democratização da África do Sul e a auto-determinação e
independência da Namíbia, foram alcançados, permitindo a entrada de ambos
países no acordo. Da mesma forma, os esforços que conduziram ao fim da guerra
civil em Angola foram essenciais para a promoção da paz e da segurança na região.
14
Recalling the principles and norms of international law applicable to ocean space, in particular the
principle of the peaceful uses of the oceans.
21
Entretanto, os limites geográficos da ZOPACAS não são bem definidos. A
Resolução 41/11 da ONU não é muito clara quanto a sua abrangência geográfica,
declarando “o Oceano Atlântico, na região situada entre a África e a América do Sul,
uma Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”. Admite-se, portanto, variadas
interpretações quanto à sua delimitação geográfica.
A ZOPACAS é limitada a oeste pela costa atlântica da América do Sul até a
linha que liga o Cabo de Hornos à Antártica. À leste pela costa atlântica do
continente africano até o Cabo das Agulhas, na África do Sul, extremo sul do
continente africano, se prolongando pelo meridiano de 20ºE até a Antártica. Seu
limite sul deve ser entendido como o paralelo de 60º sul, fruto do Tratado da
Antártida. Entretanto, seu limite norte pode ser definido como a linha que passa pelo
Arquipélago de Cabo Verde e Senegal, respectivamente, extremidades insular e
continental da África, atingindo o continente sul-americano no Cabo de São Roque.
Trata-se de instrumento de cooperação regional, que contribui para afirmar a
identidade própria da região costeira do Atlântico Sul. Os objetivos da ZOPACAS
têm sido endossados por resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas, que
incorporam as decisões tomadas pelos países membros. A I Reunião Ministerial da
ZOPACAS foi realizada no Rio de Janeiro, em 1988. As reuniões subseqüentes
tiveram lugar em Abuja (1990), Brasília (1994), Somerset West (1996), Buenos Aires
(1998) e Luanda (2007).
A reunião dos Estados membros, realizada em setembro de 1994, em
Brasília, aprovou a Declaração sobre a Desnuclearização do Atlântico Sul. A
ZOPACAS constitui um importante fórum de aproximação política entre países da
América do Sul e da África e possibilitou a consecução de novos fóruns de
cooperação sul-sul com nações do continente africano: o estabelecimento do fórum
de diálogo entre África do Sul, Brasil e Índia (IBAS), a partir de 2003 e a Cúpula
22
entre Países da América do Sul e Países Africanos, realizada em 2008. Em 2011, na
III Reunião de Cúpula dos BRIC 15, realizada na China, a África do Sul passou a
participar do grupo como membro efetivo, o qual foi renomeado para BRICS 16.
A política regional para a promoção paz e a cooperação multilateral são
objetivos a serem perseguidos com vistas a se estabelecer o desenvolvimento
mútuo. A “necessidade de preservar a região a partir de medidas de militarização, da
corrida armamentista, a presença de bases militares estrangeiras e, sobretudo, as
armas nucleares”, entretanto, não implica necessariamente em desarmamento, e
muito menos, a uma desativação das Marinhas nacionais Seus objetivos são
relacionados a limitar a ação militar de países alheios à região.
Contudo, os países da região possuem limitada capacidade de conduzir
operações de guerra naval. Apenas o Brasil, a Argentina e a África do Sul possuem
marinhas com capacidade de emprego oceânico, mesmo assim, com emprego em
áreas marítimas limitadas.
A argumentação de Flores (1984a, p. 98) ainda permanece atual:
Ressalto de imediato que a capacidade de guerra no mar dos países sulamericanos é limitada, nenhum deles sendo capaz de subverter
radicalmente a segurança de rotas marítimas distantes de suas bases.
Aliás, apenas Argentina, Brasil e África do Sul possuem Marinhas que
dispõem de alguma operacionalidade oceânica; todas as demais são
modestas, de defesa costeira, convindo mencionar que dentre elas apenas
a da Nigéria procura dar alguns passos para ampliar sua capacidade
oceânica.
A capacidade de defesa dos países da África sul-atlântica é reduzida. Tais
países dependem da defesa de uma potência militar ou de suas ex-metrópoles,
15
Em 2001, o economista Jim O’Neal, do banco de investimento Goldman Sachs, cria o termo BRIC,
um acrônimo que congrega as iniciais de quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China.
16
BRICS – em inglês, Brazil, Russia, India, China and South Africa.
23
mormente da França e do Reino Unido. O que permite a abertura de uma brecha
para uma maior presença militar da OTAN na região.
Mourão (1988, p. 56) apresenta uma visão semelhante: “alguns países
africanos, por exemplo, em troca de ‘benefícios’ acabaram por aceitar uma certa
tutela da ex-metrópole, o que dificulta uma maior liberdade de tomar decisões mais
amplas no plano internacional”
A Resolução 41/11 não estabelece mecanismos claros no campo da defesa.
Embora pretenda afastar tensões estranhas à região, como fazer cumprir o previsto
no artigo 3º da Resolução, uma vez que a Assembléia Geral das Nações Unidas
(1986, p.1, tradução nossa):
Exorta todos os Estados de todas as outras regiões, em particular os
Estados militarmente significativos, que respeitem escrupulosamente a
região do Atlântico Sul como uma zona de paz e cooperação,
nomeadamente através da redução e eventual eliminação de sua presença
militar na região, a não introdução de armas nucleares ou outras armas de
destruição em massa e a não extensão para a região de rivalidades e
conflitos que são estranhos a ela 17.
Como impedir a realização de exercícios navais conjuntos entre os EUA ou
outras nações “militarmente significativas” e os demais países da região? A exemplo,
os tradicionais e regulares exercícios navais interamericanos UNITAS entre a
Marinha norte-americana, a Marinha do Brasil e a Armada Argentina, além de outras
Marinhas convidadas deveriam ser, portanto, extintos?
Faz-se necessário, portanto, estabelecer entre os países da ZOPACAS,
17
Calls upon all States of all other regions, in particular the militarily significant States, scrupulously to
respect the region of the South Atlantic as a zone of peace and co-operation, especially through the
reduction and eventual elimination of their military presence there, the non-introduction of nuclear
weapons or other weapons of mass destruction and the non-extension into the region of rivalries and
conflicts that are foreign to it
24
pontos de cooperação no campo militar, não só com a realização de exercícios
militares multinacionais, como também o intercâmbio doutrinário, o intercâmbio de
informações sobre o tráfego marítimo na região, além do estabelecimento de
sistemas de monitoramento marítimo.
A cooperação entre indústrias de defesa permite a integração entre as forças
da região, sem caracterizar o estabelecimento de uma corrida armamentista.
O Brasil é o país com maior projeção política, diplomática, econômica e
militar na região, somasse a isto nossas as afinidades geográficas, históricas,
étnicas e culturais com os países africanos, sobretudo a cooperação com os países
da costa ocidental pertencentes à Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP). Cabe, portanto, ao Brasil ocupar posição de destaque nas iniciativas para
revigorar a ZOPACAS.
Uma Mesa Redonda, realizada em Brasília no período de 6 e 7 de dezembro
de 2010, envolvendo todos os países membros da ZOPACAS, permitiu a troca de
experiências e identificação de quatro grandes áreas de cooperação: em segurança,
abordando temas referentes à defesa, segurança marítima e cooperação no
combate aos crimes transnacionais; em mapeamento e exploração dos fundos
marinhos; em cooperação na área ambiental, em oceanografia e pesca; e em
transportes, envolvendo portos, transportes marítimos e aéreos.
25
3 UMA PARCERIA EUA-UE: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO
NORTE (OTAN)
Firmada em 4 de abril de 1949, por meio do Tratado do Atlântico Norte, a
OTAN constituiu-se como um sistema de defesa coletiva contra o bloco socialista, no
contexto da Guerra Fria, como contenção à ameaça soviética sobre a Europa.
O Tratado estabelece o compromisso de que um ataque contra um ou mais
membros é considerado um ataque contra todos os seus membros 18. A aliança
militar em conjunto com o Plano Marshall
19
e a Doutrina Truman 20, garantiram a
estabilidade européia com vistas a permitir “o desenvolvimento de relações
internacionais pacíficas e amistosas.” 21
Originalmente composta por doze países membros (Bélgica, Canadá,
Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países
Baixos, Portugal e Reino Unido), ainda no período da Guerra Fria, quatro novos
18
Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte (1949): The Parties agree that an armed attack against one
or more of them in Europe or North America shall be considered an attack against them all and
consequently they agree that, if such an armed attack occurs, each of them, in exercise of the right of
individual or collective self-defence recognised by Article 51 of the Charter of the United Nations, will
assist the Party or Parties so attacked by taking forthwith, individually and in concert with the other
Parties, such action as it deems necessary, including the use of armed force, to restore and maintain
the security of the North Atlantic area.
19
Plano de recuperação européia norte-americano para a reconstrução dos países aliados da Europa,
após a II Guerra Mundial.
20
Conjunto de práticas do governo norte-americano elaboradas no governo do presidente Harry S.
Truman no início da Guerra Fria, na qual firmavam o compromisso na proteção dos povos livres do
mundo capitalista contra a opressão externa da ameaça socialista.
21
Artigo 2 do Tratado do Atlântico Norte (1949): The Parties will contribute toward the further
development of peaceful and friendly international relations (grifo nosso) by strengthening their
free institutions, by bringing about a better understanding of the principles upon which these
institutions are founded, and by promoting conditions of stability and well-being.[…]
26
membros se somaram à Organização: Grécia e Turquia, em 1952, a então
Alemanha Ocidental, em 1955 e, finalmente, a Espanha, em 1982.
Após a queda do muro de Berlim em 1989 e a derrocada da União Soviética
em 1991, a ameaça potencial à Aliança Atlântica estava encerrada e era necessário
redefinir o papel que a OTAN passaria a ter na nova ordem internacional.
Paradoxalmente, a Aliança passou por um alargamento para o leste com a
incorporação de 12 novos membros, entre eles, países do antigo Pacto de
Varsóvia 22, possuindo, atualmente, 28 membros.
Em 1995, tropas da OTAN, embora sob o mandato do Conselho de
Segurança da ONU, foram utilizadas na Bósnia e Herzegovina, intervindo em um
país não pertencente à Aliança e que não atacara nenhum de seus membros.
Curiosamente, a primeira vez em que o artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte
foi evocado ocorreu por ocasião dos atentados terroristas contra os EUA, em 11 de
setembro de 2001.
A Aliança possui aspectos político e militar na medida em que promove os
valores democráticos entre os países membros e incentiva a confiança e a
cooperação em questões de defesa e segurança para a construção do crescimento
e, a longo prazo, a prevenção de conflitos.
Embora comprometida com a solução pacífica de controvérsias, a Aliança
possui a necessária capacidade militar para empreender operações multinacionais
de gerenciamento de crises. Para a OTAN, os desafios de segurança enfrentados
não conhecem fronteiras, adquirindo características de emprego expedicionário não
22
Em 1997, a Hungria, a Polônia e a República Tcheca foram aceitos como países membros da
OTAN. Em 2004, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia. Em 2009, a
Albânia e a Croácia.
27
só contra o terrorismo, como também novas ameaças como ataques cibernéticos e a
proliferação de mísseis.
3.1 A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO
O relatório divulgado pelos professores Daniel S. Hamilton e Frances G.
Burwell, no qual é apresentada a proposta da IBA, em que pese ser fruto de uma
discussão no nível acadêmico, representa uma visão proveniente de ambos os lados
do Atlântico, que contou com a participação de dirigentes governamentais, líderes
empresariais e militares, legisladores, pesquisadores de think tanks 23, estudiosos e
formadores de opinião. Seis conferências foram realizadas envolvendo especialistas
da América do Norte e Europa. As duas primeiras conferências em Junho de 2009,
em Helsinque e Praga, com foco no cenário em que uma revigorada parceria EUAUE deve operar. A terceira conferência, em Paris, focada em questões de
resiliência 24 transatlânticas. A quarta conferência, em Washington, concentrada em
questões econômicas entre os EUA e a UE. A quinta conferência tratou de assuntos
de energia. A sexta conferência abordou questões de segurança entre os EUA e a
UE.
Segundo Hamilton e Burwell (2009, p. vii, tradução nossa):
[…] O bem-estar das pessoas em toda esta vasta região é cada vez mais
influenciado pelos fluxos inter-relacionados de pessoas, dinheiro e armas,
23
O relatório contou com vários colaboradores e envolveu think tanks norte-americanos e europeus:
Atlantic Council of the United States, Center for European Policy Studies, Center for Strategic and
International Studies, Center for Transatlantic Relations - Johns Hopkins University SAIS, Fundación
Alternativas, Prague Security Studies Institute, Real Instituto Elcano e Swedish Institute of
International Affairs.
24
Capacidade de resistir a fatores adversos e de recuperar-se rapidamente.
28
mercadorias e serviços, energia e tecnologia, toxinas e terror, drogas e
doenças. Questões específicas para as nações da Bacia do Atlântico
merecem um atenção concertada. Esta nova dinâmica deve levar os líderes
a apagar a linha entre o Atlântico Norte e Sul, considerando-se formas de
trabalhar mais eficazmente em conjunto. 25
Os dois professores quando propõem “apagar a linha entre o Atlântico Norte
e Sul” estabelecendo-se um único oceano não levam em consideração as realidades
distintas entre os países dos dois hemisférios.
Países do norte são desenvolvidos, exportadores de produtos industriais de
valor agregado e importadores de commodities. No sul os países possuem
características bem distintas, até entre eles mesmos. O nível de desenvolvimento é
diferenciado, apresentando desde países com relativo desenvolvimento industrial e
tecnológico, até aqueles onde é a infraestrutura econômica é mínima.
Em uma relação econômica assimétrica desta natureza é difícil crer que
ambos os lados sejam beneficiados. Trata-se de um jogo de soma zero no qual os
ganhos obtidos pelos Estados mais fortes refletem-se em perdas simétricas para os
demais países.
Ressalta-se que a França e o Reino Unido, na UE, e os EUA são potências
atômicas. Todos os países do Atlântico Sul abdicaram do uso de armas nucleares. O
Tratado de Tlatelolco estabeleceu a proibição de armas nucleares na América Latina
e no Caribe. Da mesma forma, o Tratado de Pelindaba, em 1996, estabeleceu o
continente africano como uma zona livre de armas nucleares.
A presença de unidades navais britânicas, norte-americanas e francesas no
25
[...] The well-being of people across this vast region is increasingly influenced by interrelated flows
of people, money and weapons, goods and services, energy and technology, toxins and terror, drugs
and disease. Issues that are particular to the nations of the Atlantic Basin deserve concerted attention.
This new dynamic should prompt leaders to erase the line between the North and South Atlantic,
considering ways to work more effectively together.
29
Atlântico Sul pressupõe a possibilidade de inserção de armamento nuclear na
região, procedimento de extrema dificuldade de constatação.
Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução nossa) ainda argumentam que:
Energia é uma questão chave a conectar os povos da Bacia do Atlântico.
Esta região inclui os maiores consumidores e produtores de energia do
mundo e os maiores emissores de gases de efeito estufa. Os Estados
Unidos dependem consideravelmente mais da Bacia do Atlântico para
importação de energia do que do Oriente Médio. A Europa e América do
Norte necessitam de acesso livre e seguro aos recursos disponíveis na
América Latina e África, assim como aqueles dois continentes requerem
acesso
aberto
americanos.[…]
e
seguro
para
os
mercados
europeus
e
norte-
26
Fica nítido, portanto, o interesse em garantir os recursos naturais existentes
no Atlântico Sul, notadamente recursos energéticos, e para tal, faz-se necessário
assegurar a estabilidade da região.
Um segundo relatório, denominado Aliança Renascida: um Atlântico sólido
para o Século 21 27, elaborado sob a liderança Hamilton, em 2009, aborda o futuro
da OTAN. Este relatório apresenta essencialmente a visão norte-americana. O
estudo evidencia um projeto associado sobre o futuro das relações UE-EUA. Ambos
os estudos devem ser encarados como complementares.
26
Energy is a key issue connecting the people of the Atlantic Basin. This region includes the world’s
largest consumers and producers of energy and most of its largest emitters of greenhouse gases. The
United States depends considerably more on the Atlantic Basin for its imported energy than it does on
the Middle East. Europe and North America require open and secure access to resources available in
Latin America and Africa, just as those two continents require open and secure access to European
and North American markets.[...]
27
Alliance Reborn. An Atlantic Compact for the 21st Century.
30
Neste relatório, Hamilton (2009, p. 5, tradução nossa) aborda, uma única
vez, o Brasil e a América Latina, apontando o narcotráfico e o crime organizados
como as principais ameaças:
Apesar da elevação do Brasil e da ampliação das relações comerciais com
a Ásia e a Europa, a América Latina ainda tem que aumentar o seu
potencial para uma parceria transatlântica mais ampla. Algumas áreas nesta
região continuam a estar entre as mais violentas do mundo, devido às
atividades de organizações de tráfico de drogas, de cartéis criminosos e
fraquezas persistentes na governança e no Estado de direito 28.
Da mesma forma, a imaturidade democrática e problemas de ordem social
podem contribuir para a ocorrência de distúrbios internos, gerando um ambiente de
instabilidade.
Quando retornamos a Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução nossa), os
autores ainda argumentam que:
A África é um importante fornecedor mundial de petróleo, gás e outras
commodities, contudo, ainda permanece vulnerável ao vírus HIV e à AIDS, à
ruptura econômica, às tensões populacionais, aos conflitos civis, à
corrupção e à não governança. Muitos Estados não têm capacidade para
acabar com células terroristas, impedir o tráfico de armas, drogas ou
pessoas, ou fornecer segurança interna. A estabilidade de algumas regiões
da África Ocidental está sendo solapada por drogas provenientes da
América Latina. Enquanto os africanos estão assumindo mais de suas
responsabilidades
com sua
própria
segurança,
europeus
e
norte-
americanos são chamados a prestar assistência emergencial e promoção
de desenvolvimento, empregar e treinar forças de paz, e mediar conflitos 29.
28
Despite the rise of Brazil and broadening commercial relations with Asia and Europe, Latin America
has yet to add its potential to broader transatlantic partnership. Some areas in this region continue to
be among the most violent in the world, due to the activities of drug trafficking organizations, criminal
cartels, and persistent weaknesses in governance and the rule of law.
29
Africa is a major global supplier of oil, gas and other commodities, yet remains vulnerable to
HIV/AIDS, economic disruption, population stresses, civil conflict, corruption and failed governance.
31
A associação entre uma África fornecedora essencial de commodities e, ao
mesmo tempo, uma região passível de instabilidade é notória. Embora argumentem
que os próprios povos africanos estejam solucionando seus problemas, por outro
lado, europeus e norte-americanos se colocam à disposição para prestar assessoria
militar, deixando uma porta aberta para uma eventual intervenção da OTAN de
natureza “humanitária” ou para o gerenciamento de crises.
Parece-me, ainda, que a IBA dá uma especial importância ao continente
africano, conforme podemos perceber em Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução
nossa):
O continente Africano possui mais países, e, portanto, mais votos na ONU,
que qualquer outro continente. Nas decisões-chave, tais como sanções
sobre o Irã, ou as alterações climáticas, ganhar os votos dos países
africanos é crucial. No entanto, nos últimos anos os EUA e a UE têm
negligenciado
este
canal
diplomático,
deixando
este
campo
para
30
outros .[...]
Verifica-se, embora de maneira implícita, uma preocupação com a presença
da China no Atlântico Sul, em especial no continente africano, em virtude de sua
busca por minérios, alimentos e energia, e de um mercado consumidor para os seus
produtos industrializados.
Many states lack the capacity to break up terror cells, thwart trafficking in arms, drugs or people, or
provide domestic security. The stability of some regions of West Africa are being undermined by drugs
coming from Latin America. While Africans are assuming more of their own security responsibilities,
Europeans and Americans are called to provide emergency an development assistance, deploy and
train peacekeepers, and mediate disputes.
30
The African continent has more countries, and therefore UN votes, than any other continent. In key
decisions, such as over sanctions on Iran, or on climate change, winning the votes of African countries
is crucial. Yet in recent years the U.S. and the EU have neglected this diplomatic channel, leaving the
field to others.
32
A fim de se disseminar e discutir a IBA, os professores propuseram a criação
de um “Grupo de Pessoas Eminentes”. Nesse, sentido, em outubro de 2010, o então
Ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi convidado como representante brasileiro, para
uma mesa redonda sobre a IBA, realizada no Centro de Relações Transatlânticas da
Universidade Johns Hopkins, em Washington-DC, nos EUA. Na ocasião, o Ministro
manifestou-se quanto aos problemas estruturais existentes na proposta, na medida
em que o Atlântico Norte e o Atlântico Sul possuem realidades distintas.
O Ministro Jobim ressaltou, ainda, diversos aspectos negativos à IBA. A
iniciativa traria no seu bojo, o conceito de "atlantização" da OTAN, abrindo-se um
precedente para a intervenção da Aliança do Norte na região sob vários pretextos.
3.2 O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA OTAN
O Novo Conceito Estratégico da OTAN foi divulgado ao final da Cimeira de
Lisboa, realizada entre 19 e 20 de novembro de 2010 na qual participaram Chefes
de Estado e de Governo de países membros da Aliança do Norte.
Não há no documento quaisquer referências à IBA, ao Atlântico Sul, à África
ou à América do Sul
Observa-se um alinhamento com a estratégia de defesa norte-americana, ao
priorizar às novas ameaças. O terrorismo ganha maior relevância, sobretudo, com o
perigo do acesso à armas de destruição em massa, biológicas, radiológicas e
nucleares.
A OTAN também atribui preocupação especial com a proliferação de mísseis
balísticos e ataques cibernéticos.
Ressalta-se, contudo, a preocupação com a instabilidade ou conflito fora das
fronteiras da OTAN na medida em que possam ameaçar diretamente a segurança,
33
incluindo o fomento do extremismo, terrorismo e atividades ilegais transnacionais
como o tráfico de armas, de narcóticos e de pessoas.
Os três pontos centrais do Conceito Estratégico da OTAN são a defesa
coletiva, o gerenciamento de crises e a segurança cooperativa.
O Conceito Estratégico da OTAN (2010, p., tradução nossa), referente à
segurança cooperativa prevê parcerias com países de fora do bloco e aborda a
necessidade de agir além das fronteiras:
A Aliança é afetada por, e pode afetar, desenvolvimentos políticos e de
seguranças além de suas fronteiras (grifo nosso). A Aliança irá envolverse ativamente para melhorar a segurança internacional, através de
parcerias com países relevantes e outras organizações internacionais;
contribuição ativa para o controle de armas, não proliferação e
desarmamento; e manutenção da porta dos membros da Aliança aberta a
todas as democracias européias que atendam aos padrões da OTAN 31.
O Novo Conceito Estratégico coloca em relevância a segurança energética,
na medida em que alguns países da OTAN se tornam mais dependentes dos
fornecedores de energia externa e evidencia os riscos que o transporte de energia
através da rotas comerciais pode sofrer.
Acrescenta ainda que, além do incremento das necessidades energéticas, a
mudança climática e a escassez de água podem afetar áreas de interesse da OTAN.
Reitera que enquanto existirem armas nucleares no mundo, a OTAN
permanecerá uma aliança nuclear, mesmo que as chances reais de emprego deste
tipo de armamento sejam remotas.
31
The Alliance is affected by, and can affect, political and security developments beyond its borders.
The Alliance will engage actively to enhance international security, through partnership with relevant
countries and other international organisations; by contributing actively to arms control,
nonproliferation and disarmament; and by keeping the door to membership in the Alliance open to all
European democracies that meet NATO’s standards.
34
Outro
documento
intitulado
OTAN
2020:
segurança
assegurada,
engajamento dinâmico 32 elaborado por um grupo de especialistas analisa e propõe
recomendações em relação ao Novo Conceito Estratégico da OTAN.
O OTAN 2020 (2010, p. 17, tradução nossa) argumenta:
A área da América Latina e Caribe, como América do Norte, tem a sua
quota de desafios com o crime estar entre os mais proeminentes. A
Organização dos Estados Americanos é o principal organismo regional para
ambos os continentes. Assim, com a possível exceção de uma emergência
humanitária, é difícil prever o envolvimento direto da OTAN nesta região 33.
E o documento (id, p.17, tradução nossa) acrescenta:
As ameaças mais prováveis para os Aliados na próxima década são nãoconvencionais. Três, particularmente, se sobressaem: 1) um ataque de
mísseis balísticos (quer com armas nucleares ou não), 2) ataques de grupos
terroristas internacionais, e 3) ataques cibernéticos de diferentes graus de
severidade. Uma série de outras ameaças também representam um risco,
incluindo interrupções do fornecimento de energia e linhas marítimas
(grifo nosso), os efeitos nocivos conseqüências da mudança climática
global, e da crise financeira. 34
Os textos oficiais da OTAN não levam a crer que haja alguma preocupação
direta da OTAN com o Atlântico Sul. Contido,quando se analisa o documento
32
NATO 2020: assured security; dynamic engagement.
33
The area of Latin America and the Caribbean, like North America, has its share of challenges with
crime being among the more prominent. The Organization of American States is the principal regional
body for both continents. Thus, with the possible exception of a humanitarian emergency, it is hard to
foresee direct NATO involvement in this region.
34
The most probable threats to Allies in the coming decade are unconventional. Three in particular
stand out: 1) an attack by ballistic missile (whether or not nuclear-armed); 2) strikes by international
terrorist groups; and 3) cyber assaults of varying degrees of severity. A host of other threats also pose
a risk, including disruptions to energy and maritime supply lines, the harmful consequences of global
climate change, and financial crisis.
35
formulado por analistas, verifica-se as interrupções no fornecimento de energia e
vias marítimas adquirem uma maior prioridade de emprego. Neste contexto, os
países banhados pelo Atlântico Sul poderiam sofrer uma eventual intervenção
humanitária de países membros da OTAN, a fim de garantir o acesso dos recursos
naturais da região em benefício da “humanidade”.
3.3 A PRESENÇA DA OTAN NO ATLÂNTICO SUL
Os EUA são o país com maior presença militar na região. Sua estrutura de
Comandos Unificados Combatentes divide o Atlântico Sul em duas áreas: o
Comando Sul dos Estados Unidos 35 e o Comando dos Estados Unidos para a
África 36.
O Comando Sul possui como sua área de responsabilidade a território
terrestre da América Latina situado ao sul do México, as águas adjacentes às
Américas Central e do Sul, o Mar do Caribe e uma porção do Oceano Atlântico.
As Forças Navais do Comando Sul são representadas pela 4ª Frota da
Marinha dos Estados Unidos. Desativada desde 1950, a 4ª Frota foi relançada em
2008.
O Comando dos EUA para a África foi ativado em 2008, com sede em
Stuttgart, Alemanha, em virtude da resistência dos países africanos em aceitar o
novo Comando Unificado Combatente. Sua área de responsabilidade corresponde a
toda África, com a exceção do Egito. Sua Força Naval é constituída por meios da 6ª
Frota que atua como Força Naval da Europa e Força Naval da África.
A justificação dos EUA para a reativação da 4ª Frota e a criação do
Comando para a África é que tais forças teriam como propósito garantir a segurança
35
United States Southern Command (USSOUTHCOM).
36
United States Africa Command (USAFRICOM).
36
na sua área de atuação contra ações terroristas, de pirataria e tráfico de armas e de
pessoas.
Contudo, esta atitude unilateral por parte dos Estados Unidos gerou sérias
desconfianças quanto aos seus reais objetivos. Na África, estaria relacionada à
competição com a China para assegurar o acesso a recursos naturais, sobretudo o
petróleo. Na América do Sul, a eleição de governos de esquerda e o aumento do
sentimento antiamericano, sem desconsiderar a importância do subcontinente como
fonte de recursos naturais, seriam os verdadeiros propósitos ação.
Especial atenção deve ser dada à existência de um cordão de ilhas
oceânicas pertencentes ao Reino Unido, ainda remanescente do imperialismo
marítimo inglês: Ascensão, Santa Helena e Tristão da Cunha, além das ilhas em
litígio com a Argentina – Malvinas, Sandwich do Sul, Geórgia do Sul e Órcadas do
Sul. Ressaltam-se, a ilha de Ascensão, possuindo o aeródromo de Widewake que
serve de base de apoio para desdobramento de meios aéreos e as Malvinas que
possuem uma significativa base aérea e naval.
A Ilha de Ascensão possui especial importância em virtude de sua posição
privilegiada entre Brasil e o continente africano. Está posicionada próxima à “zona de
estrangulamento” entre Natal e Dakar e na confluência das principais rotas do
Atlântico Sul. O aeroporto de Ascensão é uma base aérea da RAF, a qual é
constantemente utilizada pela USAF 37. A ilha, inclusive, foi utilizada como ponto de
apoio logístico na campanha inglesa no Conflito das Malvinas.
A França, igualmente, possui forte presença no Atlântico Sul. A Marinha
Nacional Francesa está presente no Departamento Ultramarino da Guiana e junto a
alguns países da costa ocidental africana, em especial, com países da África
37
Royal Air Force – Força Aérea Britânica e U.S. Air Force – Força Aérea Norte-Americana,
respectivamente.
37
francófona.
38
4 CONCLUSÃO
A ZOPACAS é um acordo político estabelecido entre os países linderos do
Atlântico Sul. Não possui, portanto, personalidade jurídica. Em que pese, até o
momento, países alheios à região terem respeitado as Resoluções da Assembléia
Geral das Nações Unidas, no caso de uma eventual violação do Acordo, não haveria
respaldo jurídico para contestação.
A IBA, ao aventar a possibilidade de intervenção por parte da OTAN entra
nitidamente em conflito com os pressupostos do Acordo.
O estabelecimento da ZOPACAS permitiu que o Atlântico Sul se mantivesse
como o oceano mais pacífico do planeta, mantendo-o livre de armas nucleares e fora
dos conflitos alheios à região, sobretudo no período da Guerra Fria.
O estabelecimento de uma maior cooperação depende do incremento de
iniciativas por parte dos países membros. Se houve progressos no estabelecimento
de cooperação entre os países da região, em contrapartida, em vários momentos
que a ZOPACAS permaneceu inerte.
A
cooperação
econômica,
científico-tecnológica
e
militar
deve
ser
estimulada. Nada impedirá que países façam acordos bilaterais com Estados fora do
contexto da ZOPACAS, se for vantajoso. Contudo, tendo como exemplo o processo
de integração sul-americana, somente quando se prioriza a cooperação e o
desenvolvimento em seu interior é que o bloco adquire a robustez necessária para
negociar com países ou blocos externos.
A ZOPACAS não constitui um bloco econômico, nem sequer uma aliança de
defesa, contudo seus países membros podem ser estimulados, em caráter efetivo, à
cooperação, como uma contrapartida à IBA, estabelecendo não só fóruns de
discussão e cooperação regional, mas iniciar as tratativas de utilizar o Acordo como
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um meio à promoção do desenvolvimento mútuo.
O estímulo aos ideais propostos na Resolução da ZOPACAS, através da
manutenção da paz, é o caminho para se encorajar o desenvolvimento econômico e
social, contribuindo para a erradicação da pobreza.
Em virtude da clara assimetria entre os países, as relações de cooperação
devem se dar no plano horizontal, sem um caráter hegemônico, de forma a trazer
benefícios recíprocos.
O Brasil como país sul-americano com maior identidade étnica com a África
deve utilizar esta porta de entrada para fomentar iniciativas de desenvolvimento
econômico com as demais nações africanas.
O MERCOSUL é o interlocutor econômico ideal entre o subcontinente sulamericano e os países da costa ocidental da África, ao congregar os três países sulamericanos com vertente atlântica entre os seus membros e o Paraguai, que apesar
de ser um país mediterrâneo, possui livre acesso aos portos brasileiros.
O MERCOSUL deve se relacionar diretamente com os órgãos de integração
regionais africanos, notadamente a Comunidade Econômica de Estados da África
Ocidental (CEDEAO) e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
(SADC 38).
Em uma etapa posterior, a UNASUL, ao congregar o MERCOSUL e a
Comunidade Andina, pode, ainda, estabelecer relações econômicas horizontais
entre todos os 12 países sul-americanos e os países africanos da costa oeste.
A presença da China e outros países com maior aporte de recursos
financeiros na costa oeste africana pode tornar a tarefa árdua. Contudo, o imobilismo
terá péssimas conseqüências para os países lindeiros do Atlântico Sul.
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Southern Africa Development Community, em inglês.
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A falta de medidas concretas no âmbito da ZOPACAS permitirá que outras
iniciativas, como a IBA, voltem à tona, sem que representem qualquer ganho real
para os países da região.
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LIMA, Marco Aurélio de Andrade. A iniciativa da Bacia do Atlântico