ESCOLA SUPERIOR SUPER OR DE GUERRA DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2011 MONOGRAFIA (CAEPE) A Iniciativa da Bacia do Atlântico: um risco para o Brasil? Código do Tema: 05/344 CMG Marco Aurélio de Andrade Lima ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA CMG MARCO AURÉLIO DE ANDRADE LIMA A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO: um risco para o Brasil? Rio de Janeiro 2011 CMG MARCO AURÉLIO DE ANDRADE LIMA A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO: um risco para o Brasil? Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes. Rio de Janeiro 2011 C2011 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG __________________________________ Marco Aurélio de Andrade Lima Biblioteca General Cordeiro de Farias Lima, Marco A. de A. A Iniciativa da Bacia do Atlântico: Um risco para o Brasil? / Titulação Marco Aurélio de Andrade Lima - Rio de Janeiro : ESG, 2011. 50 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentado ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2011. 1.Geopolítica – Atlântico Sul, Oceano. 2. Organização do Tratado do Atlântico Norte. 3. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. I.Título. Tamanho: 12,5 cm x 7,5 cm - Fonte arial 10 Ao meu pai, Alberto, in memoriam, Esguiano da Turma Marechal-do-Ar Eduardo Gomes, no CEMCFA 1982. Ao meu sogro, Luiz Antônio, Esguiano da Turma “Jubileu de Ouro", no CLMN 1999. À minha esposa, Victória, Esguiana do PAM 2011. Minha saudade, a minha admiração e o meu amor. AGRADECIMENTOS À Marinha do Brasil por haver me distinguido com o privilégio de realizar o CAEPE nesta Escola e ter a oportunidade única de estudar o Brasil em todas as suas expressões. Aos estagiários da Turma do SEGURANÇA e DESENVOLVIMENTO pelo convívio harmonioso de todas as horas. RESUMO Esta monografia aborda a Iniciativa da Bacia do Atlântico, a qual pretende estabelecer uma parceria direta entre os Estados Unidos da América e a União Européia com os países lindeiros da costa oriental da América do Sul e da costa oeste da África, apagando-se a linha que divide o Atlântico Norte e Sul. A Iniciativa pretende unir os países dos quatro continentes em uma parceria estratégica. O Atlântico Sul é de estrema relevância para os países ribeirinhos, em virtude ser via por onde se escoa mais de 90% do seu comércio e é fonte de recursos naturais, como a pesca, o petróleo e o gás. Para os países do hemisfério norte, a região sulatlântica sempre foi relegada a um segundo plano, seja no contexto econômico, seja no contexto estratégico. A construção dos canais de Suez e do Panamá reduziu ainda mais, a relevância da região para os países desenvolvidos. Os países do Atlântico Norte e Sul possuem diferenças marcantes no nível de desenvolvimento econômico. A relação comercial entre eles seria num plano assimétrico. Com a presença na China na África e na América do Sul, se estabelece uma corrida por recursos naturais, notadamente energéticos. Os países do hemisfério norte buscam garantir o acesso a tais recursos dentro de um contexto de estabilidade regional. Dessa forma, a presença de países da OTAN na região, com possibilidade de intervenção a fim de garantir a estabilidade na área, entraria em conflito com o acordo que estabeleceu a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Neste contexto, o Brasil descobriu as reservas do pré-sal. Até que ponto a Iniciativa da Bacia do Atlântico não abriria um pretexto para uma intervenção da OTAN na região, contra os interesses econômicos e de nossa política externa? Palavras chave: Geopolítica – Atlântico Sul, Oceano. Organização do Tratado do Atlântico Norte. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. ABSTRACT This monograph deals with the Atlantic Basin Initiative, which aims to establish a direct partnership between the United States and the European Union with the countries bordering the eastern coast of South America and the west coast of Africa, by deleting the line divides the North and South Atlantic. This Initiative aims to unite the countries on four continents in a strategic partnership. The South Atlantic has a extreme importance for the riparian countries, due to be where it flows through more than 90% of its trade and is a source of natural resources such as fishing, oil and gas. For the countries of the North, the South Atlantic region has always been relegated to the background, either in the economic context, or in the strategic context. The construction of the canals of Suez and Panama has further reduced the relevance of the region to developed countries. The countries of North and South Atlantic have marked differences in the level of economic development. The commercial relationship between them would be an asymmetrical plan. With a presence of China in Africa and South America, settles a race for natural resources, notably energy. The northern countries seek to ensure access to such resources within a context of regional stability. Thus, the presence of NATO countries in the region, with the possibility of intervention to ensure stability in the area, would conflict with the agreement that established the Zone of Peace and Cooperation in the South Atlantic In this context, Brazil has discovered the pre-salt reserves. What does extent the Atlantic Basin Initiative would give a pretext for NATO intervention in the region, against our economic interests and our foreign policy? Keywords: Geopolitics - South Atlantic Ocean. Organization of the North Atlantic Treaty. Zone of Peace and Cooperation in the South Atlantic LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEDEAO Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre o Direito no Mar CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa IBA Iniciativa da Bacia do Atlântico MERCOSUL Mercado Comum do Sul MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola OTACE Organização do Tratado Central OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte OTASE Organização do Tratado do Sudeste Asiático SADC Southern Africa Development Community, em inglês. Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral UE União Européia UNASUL União de Nações Sul-Americanas UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola ZOPACAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9 2 ATLÂNTICO SUL: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS) E A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS)........................................................................................ 13 O ATLÂNTICO SUL .................................................................................... 13 A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS) ............. 16 A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS) .. 19 2.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 3.3 UMA PARCERIA EUA-UE: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN). ................................................................... 25 A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO................................................. 27 O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA OTAN. ..................................... 32 A PRESENÇA DA OTAN NO ATLÂNTICO SUL. ....................................... 35 4 CONCLUSÃO. ........................................................................................... 38 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 41 9 1 INTRODUÇÃO Uma Ordem Mundial multipolar está estabelecida na qual coexistem uma superpotência militar, poucas potências de relevância política e econômica e novas potências emergentes que adquirem maior relevância junto à comunidade internacional, notadamente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A velha ordem bipolar foi substituída por uma ordem multipolar de características menos previsíveis, enquanto que continua válida a visão realista do equilíbrio de poder, privilegiando os interesses das potências econômicas e criando nítidos pontos de atrição entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) reúne os dois principais pólos econômicos mundiais: os EUA e a União Européia (UE). Além da aliança no campo militar, busca-se um maior alinhamento, no contexto de uma política econômica neoliberal, entre os EUA e a UE. Em dezembro de 2009, os professores Daniel S. Hamilton e Frances G. Burwell, do Centro para Relações Transatlânticas da Escola de Estudos Internacionais Avançados Paul H. Nitze, na Universidade Johns Hopkins 1, Washington, D.C., divulgaram o relatório “Ombro a Ombro: Forjando uma Parceria Estratégica Estados Unidos - União Européia” 2, com o propósito de analisar e propor novos papéis para as relações entre os EUA e a UE, como uma resposta aos novos desafios e oportunidades advindos da globalização. O relatório apresenta um conjunto de dez iniciativas, entre elas, a criação da 1 Center for Transatlantic Relations, Johns Hopkins University, the Paul H. Nitze School of Advanced International Studies (SAIS). 2 Shouder to Shoulder: Forging a Strategic U.S.-EU Partnership. 10 Iniciativa da Bacia 3 do Atlântico (IBA), na qual se explora a noção de “Hemisfério Atlântico”, como potencial para a integração entre os países dos quatro continentes banhados pelo Oceano Atlântico. No Atlântico Sul, a política externa brasileira atua em duas vertentes. Busca, de forma efetiva, concretizar um projeto de integração para a América do Sul e projeta-se, através do oceano, até os países lindeiros da África. O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) 4, a União das Nações SulAmericanas (UNASUL) 5 e o Conselho de Defesa Sul-Americano são iniciativas de integração regional que corroboram este processo. O estabelecimento da Comunidade Sul-Americana, por meio da UNASUL e do Conselho Sul-Americano de Defesa, representa o primeiro passo para um projeto de desenvolvimento e defesa autônomo, desde a formulação da Doutrina Monroe. A concretização da IBA certamente irá gerar fortes reações negativas no âmbito do subcontinente. No contexto do Atlântico Sul, o Brasil promove diversas iniciativas, notadamente, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). A IBA, na medida em que pressupõe o aumento da presença militar ou mesmo a intervenção de outras potências na região, certamente seria incompatível com os pressupostos de uma zona de paz e cooperação. 3 O termo Bacia é utilizado como Bacia Oceânica: cada uma das depressões gigantescas da superfície terrestre ocupada pelos oceanos e cuja existência é considerada geologicamente bastante antiga. Fonte: http://www.geotrack.com.br/pdiciob.htm. 4 Mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, estabelecido por meio da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991. Bolívia, Chile, Peru, Equador e Colômbia são Estados associados ao MERCOSUL. A adesão da Venezuela como membro pleno ainda está pendente de aprovação no parlamento do Paraguai. 5 O Tratado Constitutivo que estabeleceu a UNASUL foi assinado em maio de 2008, em Brasília, congregando os 12 países sul-americanos. 11 Isto posto, quais seriam as repercussões que a IBA traria em face desses acordos internacionais firmados pelo Brasil, e mais, a Iniciativa acarretaria em riscos para a política externa e a soberania brasileira? O presente trabalho tenciona analisar, no âmbito da Geopolítica e das Relações Internacionais, os reflexos que uma eventual concretização da IBA teria sobre a política externa brasileira, em especial em relação ao projeto de integração regional e no estreitamento das relações do Brasil com países da costa ocidental do continente africano. A malograda criação da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS) foi uma tentativa de se estabelecer uma aliança militar na região do Atlântico Sul, ainda que no contexto da Guerra Fria, e acabou por gerar, em contrapartida, o acordo da ZOPACAS. A expansão da OTAN e seu novo Conceito Estratégico vislumbram a possibilidade de emprego de meios para a solução de crises internacionais em escala mundial, o que representa uma séria possibilidade em se abrir um precedente de intervenção no Atlântico Sul, agravado pela assimetria econômica e militar existente entre os países da Aliança do Norte e os países da região. Da mesma forma, a IBA se adéqua a agenda norte-americana de maior presença no Atlântico Sul, como a reativação da 4ª Frota e a criação do Comando Unificado Combatente da África, o U.S. AFRICOM. Os EUA e demais países membros da OTAN possuem especial interesse em garantir o acesso seguro a fontes de energia existentes na América do Sul e África. Uma vez que os Estados Unidos são o país que contribuem com maior financiamento à Aliança, será dada especial atenção ao risco à soberania brasileira sobre as reservas de hidrocarbonetos no pré-sal, localizadas na Plataforma Continental brasileira, em virtude da não ratificação por parte do Congresso norte- 12 americano à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) 6. Serão igualmente analisadas, as implicações de segurança, ainda relacionadas à matriz energética, na medida em que se justificaria uma intervenção da Aliança do Norte, na região sul-atlântica, como pretexto para garantir a estabilidade da região. 6 Celebrada em Montego Bay, Jamaica, em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar é um tratado multilateral, sob os auspícios da ONU, que estabelece princípios fundamentais do direito internacional, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e ainda, para a exploração dos recursos econômicos das águas, do solo e do subsolo marinhos. 13 2 ATLÂNTICO SUL: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS) E A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS) 2.1 O ATLÂNTICO SUL Segundo o relatório divulgado pelos professores Hamilton e Burwell (2009, p. 67), no qual é apresentada a proposta da IBA (tradução nossa): A crescente teia de conexões da Bacia do Atlântico incluem os principais Estados com armas nucleares e os que optaram por renunciar a armas nucleares, três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e um número de candidatos de destaque para um mecanismo de reforma do Conselho de Segurança 7.[...] Ora, o Atlântico Norte e o Atlântico Sul possuem realidades bem distintas. No norte se encontram a maioria dos países desenvolvidos, enquanto que no sul, as nações estão em desenvolvimento. Esta divisão entre Norte, desenvolvidos, e sul, em desenvolvimento é estabelecida, basicamente, pelo Trópico de Câncer, linha que delimita o sul da área do Tratado da Aliança do Norte. Dessa forma, quando aborda Atlântico Sul, há que se ter em mente que a linha que o limita com a parte norte não é exatamente a Linha do Equador. A área sul-atlântica, em face do “vazio de poder” existente, poderia estender-se até as proximidades do Trópico de Câncer, desconsiderando o Mar do Caribe, por este escontrar-se sob permanente influência dos EUA. Destaca-se a “zona de estrangulamento” do Atlântico Sul entre as cidades 7 The Atlantic Basin’s growing web of connections include major nuclear weapons states and major states that have chosen to foreswear nuclear weapons, three of the five permanent members of the United Nations Security Council, and a number of prominent candidates for a reformed Security Council mechanism. […] 14 de Natal 8, no Rio Grande do Norte, e Dakar, no Senegal, medindo cerca de 3.000 quilômetros. Alguns autores consideram esta zona de menor distância entre os continentes, como o limite do Atlântico Sul. Para a Professora Therezinha de Castro, a Argentina, o Brasil e o Uruguai são os países voltados para o Atlântico. Colômbia e Venezuela, além da Guiana e do Suriname e do Departamento Ultramarino Francês estão voltados para o Mar do Caribe. O Chile, após a solução da Questão de Beagle, mediada pelo Papa João Paulo II, em 1978, garantiu a posse das Ilhas Lenox, Nueva e Picton, além de controlar o canal de Drake, possuindo acesso ao Atlântico. (CASTRO, 1997, p. 3436) A Marinha do Brasil considera como de interesse estratégico, a área do Atlântico Sul compreendida entre o paralelo 16ºN, a costa oeste da África, a Antártica, leste da América do Sul e leste da Antilhas Menores, excluindo-se, portanto, o Mar do Caribe. Embora sejam conhecidas as diferenças mencionadas entre as duas regiões atlânticas, países sul-americanos e africanos da sua porção sul apresentam realidades bastante diferentes, como afirma Yapur (200?, p. 1, tradução nossa): A respeito dos países sul-americanos podemos afirmar que possuem um passado colonial comum, diferenças históricas superadas, fronteiras definidas e estáveis, sistemas políticos caracterizados por governos democráticos. Por outro lado, o litoral Africano é composto de nações com menos de 50 anos de independência, uma passado colonial de dominação inglesa, francesa ou portuguesa, fronteiras porosas e instáveis, população com diversas referências étnicas e sistemas políticos que começam a 8 O Cabo de São Roque, a 51 km de Natal, é o ponto da costa brasileira mais próximo do continente africano. 15 percorrer as rotas dos princípios democráticos 9. [...] O Atlântico Sul é o mais pacífico e menos militarizado oceano do globo terrestre. Trata-se de uma região protegida de armamentos nucleares e de enfrentamentos originados em outras regiões. Em que pese sua grande importância, para os países litorâneos, como principal rota comercial, fonte de alimentos e recursos minerais, na realidade, o Atlântico Sul possuía, até recentemente, uma reduzida relevância estratégica no âmbito mundial, particularmente, com o esvaziamento decorrente das construções dos canais de Suez e Panamá. Vidigal (1993, p. 91) bem sintetiza esta ideia: Para os ricos países do Norte, o Atlântico sul não é muito importante, quer sob o ponto de vista econômico, quer sob o enfoque estratégico. Porém, para os países ribeirinhos, todos do Terceiro Mundo, é ele a via essencial por onde escoa quase todo o seu comércio internacional, voltado principalmente para os países ricos do Norte, já que o intercâmbio comercial entre os países do sul é ainda de importância secundária. Os EUA sempre estiveram mais preocupados com seu entorno estratégico no Atlântico Norte, Mar do Caribe e Pacífico. Na Guerra Fria, sua estratégia de contenção da União Soviética, concentrava ações na Europa, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Para atingir estes objetivos, os EUA estabeleceram diversas alianças de assistência mútua, com base na ajuda econômica e acordos militares, 9 Respecto de los países sudamericanos podemos afirmar que poseen un pasado colonial común, divergencias históricas superadas, fronteras definidas y estables y sistemas políticos caracterizados por gobiernos democráticos. Por su parte, la costa africana está conformada por naciones con menos de 50 años de vida independiente, un pasado colonial de dominación inglesa, francesa o portuguesa, fronteras porosas e inestables, población con diversas referencias étnicas y sistemas políticos que comienzan a transitar las rutas de los principios democráticos. […] 16 notadamente, a OTAN na Europa, a OTASE 10 no Sudeste Asiático e a OTACEN 11 no Oriente Médio. O Atlântico Sul possui especial relevo estratégico para o Brasil, na medida em que o País possui uma extensa costa oceânica, sendo uma via imprescindível de para o intercâmbio econômico, constituindo-se em uma vital fonte de recursos de nódulos polimetálicos e de hidrocarbonetos, especialmente após as descoberta das reservas do pré-sal, e, portanto, essencial para o desenvolvimento nacional. Em relação aos objetivos estratégicos brasileiros, Flores (1984b, p. 452) define: [...] podemos dizer que ao Brasil, país destituído de pretensões hegemônicas conscientemente assumidas e satisfeito no que concerne à sua configuração geográfica, interessa fundamentalmente a manutenção da tranqüilidade necessária ao seu desenvolvimento econômico e social e à segurança de seus interesses. Interessam-lhe, portanto, a criação e o aperfeiçoamento de condições que favoreçam a segurança rotineira e a defesa em situações de crise, do litoral e instalações costeiras e do tráfego marítimo de interesse brasileiro, bem como o incremento de nossas relações com os países da África atlântica subsaárica [...]. Incluem-se nessas relações: a cooperação no trato de assunto de interesse comum em foros internacionais, o comércio, a prestação de serviços, o investimento econômico e os programas de apoio técnico, educacional e sanitário, podendo atingir até mesmo o campo militar. 2.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO SUL (OTAS) Com o fim da II Guerra Mundial, iniciam-se os primeiros movimentos de 10 Organização do Tratado do Sudeste Asiático, em inglês SEATO (Southeast Asia Treaty Organization), criada em 1954 e dissolvida em 1977, forma pela Austrália, Estados Unidos, França, Reino Unido, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia. 11 Organização do Tratado Central, em inglês CENTO (Central Treaty Organization), criada em 1955 e dissolvida em 1979, formada pelo Irã, Iraque, Paquistão, Reino Unido e Turquia. Os EUA embora financiassem a Aliança somente passaram a compor o seu Comitê Militar em 1958. 17 independência das colônias africanas, as quais iriam se concretizar nas décadas de 60 e 70. O processo de independência africano contou com o pleno apoio da União Soviética que interveio diretamente em Angola e Moçambique. A presença de navios soviéticos na África, sobretudo em Angola, após a sua independência, em 1975, e o eventual emprego de submarinos nucleares soviéticos dotados de mísseis estratégicos, no contexto da Guerra Fria, gerou uma relativa preocupação dos EUA com a segurança das linhas de comunicações marítimas através da Rota do Cabo 12. O fechamento do Canal de Suez em 1967, motivada pela Guerra dos Seis Dias entre Israel e Países Árabes, acarretou na utilização de rotas mais seguras para o transporte de petróleo pelo Atlântico Sul. A fim de compensar o aumento da distância a ser percorrida, as companhias de navegação passaram a utilizar navios de maior tonelagem: os superpetroleiros ou VLCC 13. O aumento da relevância do transporte marítimo e a presença de submarinos soviéticos no Atlântico Sul ampliaram a sua relevância estratégica. A proposta estadunidense para a criação de uma Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), nos mesmos moldes da OTAN, transportava para a região a estratégia da dissuasão global. Tal conceito ganhou apoio da África do Sul, da Argentina e do Uruguai. Visões que agravavam a possibilidade de um conflito real na região chegaram a idealizar uma “Aliança de todos os Oceanos”, concebendo uma OTAN em escala global, sem levar em consideração os interesses específicos dos países 12 A Rota do Cabo utilizava o sul da África, passando pelo Cabo da Agulha e Cabo da Boa Esperança. O transporte ligava o Oriente Médio e portos do Índico a três destinos: aos portos europeus no Atlântico Norte e Mediterrâneo; aos portos no Caribe, Golfo do México e costa leste dos EUA; e aos portos do sul e sudeste brasileiros (VIDIGAL, 1993, p. 91-93). 13 Very Large Crude Carrier. 18 lindeiros (ALMEIDA, 1987, p. 493). A África do Sul tinha especial interesse em buscar apoio regional, a fim de sair do isolamento imposto em virtude de sua política racista do apartheid, como também, em virtude de seu envolvimento com a guerra civil em Angola, ao prestar apoio à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) em conflito com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e, ainda, no litígio com a Namíbia. A posição brasileira foi contrária ao estabelecimento de uma aliança sulatlântica. Seria conveniente manter a área livre de tensões e conflitos alheios à região. A criação da OTAS, por sinal, poderia gerar efeitos contrários ao que se propunha. Certamente, o estabelecimento de uma aliança regional levaria a uma reação da União Soviética, e, por conseguinte, aumentaria a militarização do Atlântico Sul. O governo brasileiro não tinha interesse em alinhar-se a uma proposta da África do Sul. Um apoio à OTAS refletiria na perda do bom relacionamento brasileiro cultivado com os países da África Negra, em virtude da rejeição à política do apartheid na República Sul-Africana. A presença de submarinos soviéticos na costa oeste da África não justificaria tal preocupação, uma vez que o Atlântico Sul era a “mais distante dos pontos de apoio da frota soviética e a que apresenta o maior número de dificuldades logísticas e estratégicas, o que tornaria altamente custoso qualquer esforço da URSS [...]” (ALMEIDA, 1987, p. 489). Se houvesse, efetivamente, a intenção por parte da União Soviética de afetar as Linhas de Comunicações Marítimas destinadas ao Ocidente, seria apropriado que o fizesse no Oceano Índico ou próximo ao Oriente Médio. E ainda, ao menos do ponto de vista latino-americano, a Carta da OEA e 19 TIAR já asseguravam a segurança de seus membros. Entretanto, o Tratado se mostrou um tratado inócuo na defesa das nações latino-americanas. Primeiramente, por não levar em consideração toda a área de interesse, notadamente, o Atlântico Sul, para Argentina, Brasil e Uruguai. Em segundo lugar, o TIAR não trazia em si, nenhuma estrutura militar permanente e sequer contava com a adjudicação de meios por parte dos países membros. Funcionando no contexto da Junta Interamericana de Defesa, organização de natureza consultiva e de assessoria, a fim de aprimorar a coordenação de política de defesa hemisférica. Por ocasião do Conflito das Malvinas, em 1982, os EUA prestaram apoio ao Reino Unido, aliado da OTAN, em detrimento da Argentina, país membro do TIAR. A África do Sul, da mesma forma, prestou apoio à força britânica através da Base Naval de Simonstown. O Conflito da Malvinas selou o fim da criação da OTAS. Por fim, cabe ressaltar que o principal aspecto da criação da OTAS é que esta iniciativa refletia tão somente uma visão das potências centrais, sob a ótica da Guerra Fria. Não havia nessa proposta quaisquer considerações acerca das especificidades e dos interesses dos países da região. 2.3 A ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS) A ZOPACAS, um acordo conjunto entre países sul-americanos e africanos banhados pelo Atlântico Sul, foi criada em 1986, por meio da Resolução 41/11 da Assembléia Geral da ONU, aprovada com 124 votos a favor, um voto em contrário dos EUA e oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e a República Federal da Alemanha). 20 O voto contrário dos EUA deveu-se ao fato daquele país pleitear a liberdade de navegação e a eliminação de qualquer obstáculo à livre circulação. Segundo a visão estadunidense, a Resolução colocaria restrições ao acesso e às atividades navais no Atlântico Sul, assim como, o direito de passagem inocente em águas territoriais. Entre os países que se abstiveram, Alemanha e França lançaram mão de argumentação semelhante (MOURÃO, 1988, p. 51). Tal polêmica é, no mínimo, questionável, na medida a Resolução evoca “os princípios e normas do Direito Internacional aplicáveis ao espaço oceânico, em particular, ao princípio do uso pacífico dos mares” 14. Atualmente, todos os países integrantes da ZOPACAS ratificaram a CNUDM. Os EUA seguem ainda sem ratificar a Convenção da Jamaica. A ZOPACAS fundamenta-se no fomento da paz, na desmilitarização nuclear da região e no estímulo à cooperação multilateral, mantendo o Atlântico Sul fora das tensões e confrontações internacionais. Conta atualmente com 24 membros: três países sul-americanos (Argentina, Brasil e Uruguai) e 21 países africanos (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e Togo. Dois objetivos declarados na Resolução 41/11, a eliminação do apartheid, com o processo de democratização da África do Sul e a auto-determinação e independência da Namíbia, foram alcançados, permitindo a entrada de ambos países no acordo. Da mesma forma, os esforços que conduziram ao fim da guerra civil em Angola foram essenciais para a promoção da paz e da segurança na região. 14 Recalling the principles and norms of international law applicable to ocean space, in particular the principle of the peaceful uses of the oceans. 21 Entretanto, os limites geográficos da ZOPACAS não são bem definidos. A Resolução 41/11 da ONU não é muito clara quanto a sua abrangência geográfica, declarando “o Oceano Atlântico, na região situada entre a África e a América do Sul, uma Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”. Admite-se, portanto, variadas interpretações quanto à sua delimitação geográfica. A ZOPACAS é limitada a oeste pela costa atlântica da América do Sul até a linha que liga o Cabo de Hornos à Antártica. À leste pela costa atlântica do continente africano até o Cabo das Agulhas, na África do Sul, extremo sul do continente africano, se prolongando pelo meridiano de 20ºE até a Antártica. Seu limite sul deve ser entendido como o paralelo de 60º sul, fruto do Tratado da Antártida. Entretanto, seu limite norte pode ser definido como a linha que passa pelo Arquipélago de Cabo Verde e Senegal, respectivamente, extremidades insular e continental da África, atingindo o continente sul-americano no Cabo de São Roque. Trata-se de instrumento de cooperação regional, que contribui para afirmar a identidade própria da região costeira do Atlântico Sul. Os objetivos da ZOPACAS têm sido endossados por resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas, que incorporam as decisões tomadas pelos países membros. A I Reunião Ministerial da ZOPACAS foi realizada no Rio de Janeiro, em 1988. As reuniões subseqüentes tiveram lugar em Abuja (1990), Brasília (1994), Somerset West (1996), Buenos Aires (1998) e Luanda (2007). A reunião dos Estados membros, realizada em setembro de 1994, em Brasília, aprovou a Declaração sobre a Desnuclearização do Atlântico Sul. A ZOPACAS constitui um importante fórum de aproximação política entre países da América do Sul e da África e possibilitou a consecução de novos fóruns de cooperação sul-sul com nações do continente africano: o estabelecimento do fórum de diálogo entre África do Sul, Brasil e Índia (IBAS), a partir de 2003 e a Cúpula 22 entre Países da América do Sul e Países Africanos, realizada em 2008. Em 2011, na III Reunião de Cúpula dos BRIC 15, realizada na China, a África do Sul passou a participar do grupo como membro efetivo, o qual foi renomeado para BRICS 16. A política regional para a promoção paz e a cooperação multilateral são objetivos a serem perseguidos com vistas a se estabelecer o desenvolvimento mútuo. A “necessidade de preservar a região a partir de medidas de militarização, da corrida armamentista, a presença de bases militares estrangeiras e, sobretudo, as armas nucleares”, entretanto, não implica necessariamente em desarmamento, e muito menos, a uma desativação das Marinhas nacionais Seus objetivos são relacionados a limitar a ação militar de países alheios à região. Contudo, os países da região possuem limitada capacidade de conduzir operações de guerra naval. Apenas o Brasil, a Argentina e a África do Sul possuem marinhas com capacidade de emprego oceânico, mesmo assim, com emprego em áreas marítimas limitadas. A argumentação de Flores (1984a, p. 98) ainda permanece atual: Ressalto de imediato que a capacidade de guerra no mar dos países sulamericanos é limitada, nenhum deles sendo capaz de subverter radicalmente a segurança de rotas marítimas distantes de suas bases. Aliás, apenas Argentina, Brasil e África do Sul possuem Marinhas que dispõem de alguma operacionalidade oceânica; todas as demais são modestas, de defesa costeira, convindo mencionar que dentre elas apenas a da Nigéria procura dar alguns passos para ampliar sua capacidade oceânica. A capacidade de defesa dos países da África sul-atlântica é reduzida. Tais países dependem da defesa de uma potência militar ou de suas ex-metrópoles, 15 Em 2001, o economista Jim O’Neal, do banco de investimento Goldman Sachs, cria o termo BRIC, um acrônimo que congrega as iniciais de quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China. 16 BRICS – em inglês, Brazil, Russia, India, China and South Africa. 23 mormente da França e do Reino Unido. O que permite a abertura de uma brecha para uma maior presença militar da OTAN na região. Mourão (1988, p. 56) apresenta uma visão semelhante: “alguns países africanos, por exemplo, em troca de ‘benefícios’ acabaram por aceitar uma certa tutela da ex-metrópole, o que dificulta uma maior liberdade de tomar decisões mais amplas no plano internacional” A Resolução 41/11 não estabelece mecanismos claros no campo da defesa. Embora pretenda afastar tensões estranhas à região, como fazer cumprir o previsto no artigo 3º da Resolução, uma vez que a Assembléia Geral das Nações Unidas (1986, p.1, tradução nossa): Exorta todos os Estados de todas as outras regiões, em particular os Estados militarmente significativos, que respeitem escrupulosamente a região do Atlântico Sul como uma zona de paz e cooperação, nomeadamente através da redução e eventual eliminação de sua presença militar na região, a não introdução de armas nucleares ou outras armas de destruição em massa e a não extensão para a região de rivalidades e conflitos que são estranhos a ela 17. Como impedir a realização de exercícios navais conjuntos entre os EUA ou outras nações “militarmente significativas” e os demais países da região? A exemplo, os tradicionais e regulares exercícios navais interamericanos UNITAS entre a Marinha norte-americana, a Marinha do Brasil e a Armada Argentina, além de outras Marinhas convidadas deveriam ser, portanto, extintos? Faz-se necessário, portanto, estabelecer entre os países da ZOPACAS, 17 Calls upon all States of all other regions, in particular the militarily significant States, scrupulously to respect the region of the South Atlantic as a zone of peace and co-operation, especially through the reduction and eventual elimination of their military presence there, the non-introduction of nuclear weapons or other weapons of mass destruction and the non-extension into the region of rivalries and conflicts that are foreign to it 24 pontos de cooperação no campo militar, não só com a realização de exercícios militares multinacionais, como também o intercâmbio doutrinário, o intercâmbio de informações sobre o tráfego marítimo na região, além do estabelecimento de sistemas de monitoramento marítimo. A cooperação entre indústrias de defesa permite a integração entre as forças da região, sem caracterizar o estabelecimento de uma corrida armamentista. O Brasil é o país com maior projeção política, diplomática, econômica e militar na região, somasse a isto nossas as afinidades geográficas, históricas, étnicas e culturais com os países africanos, sobretudo a cooperação com os países da costa ocidental pertencentes à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Cabe, portanto, ao Brasil ocupar posição de destaque nas iniciativas para revigorar a ZOPACAS. Uma Mesa Redonda, realizada em Brasília no período de 6 e 7 de dezembro de 2010, envolvendo todos os países membros da ZOPACAS, permitiu a troca de experiências e identificação de quatro grandes áreas de cooperação: em segurança, abordando temas referentes à defesa, segurança marítima e cooperação no combate aos crimes transnacionais; em mapeamento e exploração dos fundos marinhos; em cooperação na área ambiental, em oceanografia e pesca; e em transportes, envolvendo portos, transportes marítimos e aéreos. 25 3 UMA PARCERIA EUA-UE: A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN) Firmada em 4 de abril de 1949, por meio do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN constituiu-se como um sistema de defesa coletiva contra o bloco socialista, no contexto da Guerra Fria, como contenção à ameaça soviética sobre a Europa. O Tratado estabelece o compromisso de que um ataque contra um ou mais membros é considerado um ataque contra todos os seus membros 18. A aliança militar em conjunto com o Plano Marshall 19 e a Doutrina Truman 20, garantiram a estabilidade européia com vistas a permitir “o desenvolvimento de relações internacionais pacíficas e amistosas.” 21 Originalmente composta por doze países membros (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido), ainda no período da Guerra Fria, quatro novos 18 Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte (1949): The Parties agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be considered an attack against them all and consequently they agree that, if such an armed attack occurs, each of them, in exercise of the right of individual or collective self-defence recognised by Article 51 of the Charter of the United Nations, will assist the Party or Parties so attacked by taking forthwith, individually and in concert with the other Parties, such action as it deems necessary, including the use of armed force, to restore and maintain the security of the North Atlantic area. 19 Plano de recuperação européia norte-americano para a reconstrução dos países aliados da Europa, após a II Guerra Mundial. 20 Conjunto de práticas do governo norte-americano elaboradas no governo do presidente Harry S. Truman no início da Guerra Fria, na qual firmavam o compromisso na proteção dos povos livres do mundo capitalista contra a opressão externa da ameaça socialista. 21 Artigo 2 do Tratado do Atlântico Norte (1949): The Parties will contribute toward the further development of peaceful and friendly international relations (grifo nosso) by strengthening their free institutions, by bringing about a better understanding of the principles upon which these institutions are founded, and by promoting conditions of stability and well-being.[…] 26 membros se somaram à Organização: Grécia e Turquia, em 1952, a então Alemanha Ocidental, em 1955 e, finalmente, a Espanha, em 1982. Após a queda do muro de Berlim em 1989 e a derrocada da União Soviética em 1991, a ameaça potencial à Aliança Atlântica estava encerrada e era necessário redefinir o papel que a OTAN passaria a ter na nova ordem internacional. Paradoxalmente, a Aliança passou por um alargamento para o leste com a incorporação de 12 novos membros, entre eles, países do antigo Pacto de Varsóvia 22, possuindo, atualmente, 28 membros. Em 1995, tropas da OTAN, embora sob o mandato do Conselho de Segurança da ONU, foram utilizadas na Bósnia e Herzegovina, intervindo em um país não pertencente à Aliança e que não atacara nenhum de seus membros. Curiosamente, a primeira vez em que o artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte foi evocado ocorreu por ocasião dos atentados terroristas contra os EUA, em 11 de setembro de 2001. A Aliança possui aspectos político e militar na medida em que promove os valores democráticos entre os países membros e incentiva a confiança e a cooperação em questões de defesa e segurança para a construção do crescimento e, a longo prazo, a prevenção de conflitos. Embora comprometida com a solução pacífica de controvérsias, a Aliança possui a necessária capacidade militar para empreender operações multinacionais de gerenciamento de crises. Para a OTAN, os desafios de segurança enfrentados não conhecem fronteiras, adquirindo características de emprego expedicionário não 22 Em 1997, a Hungria, a Polônia e a República Tcheca foram aceitos como países membros da OTAN. Em 2004, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia. Em 2009, a Albânia e a Croácia. 27 só contra o terrorismo, como também novas ameaças como ataques cibernéticos e a proliferação de mísseis. 3.1 A INICIATIVA DA BACIA DO ATLÂNTICO O relatório divulgado pelos professores Daniel S. Hamilton e Frances G. Burwell, no qual é apresentada a proposta da IBA, em que pese ser fruto de uma discussão no nível acadêmico, representa uma visão proveniente de ambos os lados do Atlântico, que contou com a participação de dirigentes governamentais, líderes empresariais e militares, legisladores, pesquisadores de think tanks 23, estudiosos e formadores de opinião. Seis conferências foram realizadas envolvendo especialistas da América do Norte e Europa. As duas primeiras conferências em Junho de 2009, em Helsinque e Praga, com foco no cenário em que uma revigorada parceria EUAUE deve operar. A terceira conferência, em Paris, focada em questões de resiliência 24 transatlânticas. A quarta conferência, em Washington, concentrada em questões econômicas entre os EUA e a UE. A quinta conferência tratou de assuntos de energia. A sexta conferência abordou questões de segurança entre os EUA e a UE. Segundo Hamilton e Burwell (2009, p. vii, tradução nossa): […] O bem-estar das pessoas em toda esta vasta região é cada vez mais influenciado pelos fluxos inter-relacionados de pessoas, dinheiro e armas, 23 O relatório contou com vários colaboradores e envolveu think tanks norte-americanos e europeus: Atlantic Council of the United States, Center for European Policy Studies, Center for Strategic and International Studies, Center for Transatlantic Relations - Johns Hopkins University SAIS, Fundación Alternativas, Prague Security Studies Institute, Real Instituto Elcano e Swedish Institute of International Affairs. 24 Capacidade de resistir a fatores adversos e de recuperar-se rapidamente. 28 mercadorias e serviços, energia e tecnologia, toxinas e terror, drogas e doenças. Questões específicas para as nações da Bacia do Atlântico merecem um atenção concertada. Esta nova dinâmica deve levar os líderes a apagar a linha entre o Atlântico Norte e Sul, considerando-se formas de trabalhar mais eficazmente em conjunto. 25 Os dois professores quando propõem “apagar a linha entre o Atlântico Norte e Sul” estabelecendo-se um único oceano não levam em consideração as realidades distintas entre os países dos dois hemisférios. Países do norte são desenvolvidos, exportadores de produtos industriais de valor agregado e importadores de commodities. No sul os países possuem características bem distintas, até entre eles mesmos. O nível de desenvolvimento é diferenciado, apresentando desde países com relativo desenvolvimento industrial e tecnológico, até aqueles onde é a infraestrutura econômica é mínima. Em uma relação econômica assimétrica desta natureza é difícil crer que ambos os lados sejam beneficiados. Trata-se de um jogo de soma zero no qual os ganhos obtidos pelos Estados mais fortes refletem-se em perdas simétricas para os demais países. Ressalta-se que a França e o Reino Unido, na UE, e os EUA são potências atômicas. Todos os países do Atlântico Sul abdicaram do uso de armas nucleares. O Tratado de Tlatelolco estabeleceu a proibição de armas nucleares na América Latina e no Caribe. Da mesma forma, o Tratado de Pelindaba, em 1996, estabeleceu o continente africano como uma zona livre de armas nucleares. A presença de unidades navais britânicas, norte-americanas e francesas no 25 [...] The well-being of people across this vast region is increasingly influenced by interrelated flows of people, money and weapons, goods and services, energy and technology, toxins and terror, drugs and disease. Issues that are particular to the nations of the Atlantic Basin deserve concerted attention. This new dynamic should prompt leaders to erase the line between the North and South Atlantic, considering ways to work more effectively together. 29 Atlântico Sul pressupõe a possibilidade de inserção de armamento nuclear na região, procedimento de extrema dificuldade de constatação. Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução nossa) ainda argumentam que: Energia é uma questão chave a conectar os povos da Bacia do Atlântico. Esta região inclui os maiores consumidores e produtores de energia do mundo e os maiores emissores de gases de efeito estufa. Os Estados Unidos dependem consideravelmente mais da Bacia do Atlântico para importação de energia do que do Oriente Médio. A Europa e América do Norte necessitam de acesso livre e seguro aos recursos disponíveis na América Latina e África, assim como aqueles dois continentes requerem acesso aberto americanos.[…] e seguro para os mercados europeus e norte- 26 Fica nítido, portanto, o interesse em garantir os recursos naturais existentes no Atlântico Sul, notadamente recursos energéticos, e para tal, faz-se necessário assegurar a estabilidade da região. Um segundo relatório, denominado Aliança Renascida: um Atlântico sólido para o Século 21 27, elaborado sob a liderança Hamilton, em 2009, aborda o futuro da OTAN. Este relatório apresenta essencialmente a visão norte-americana. O estudo evidencia um projeto associado sobre o futuro das relações UE-EUA. Ambos os estudos devem ser encarados como complementares. 26 Energy is a key issue connecting the people of the Atlantic Basin. This region includes the world’s largest consumers and producers of energy and most of its largest emitters of greenhouse gases. The United States depends considerably more on the Atlantic Basin for its imported energy than it does on the Middle East. Europe and North America require open and secure access to resources available in Latin America and Africa, just as those two continents require open and secure access to European and North American markets.[...] 27 Alliance Reborn. An Atlantic Compact for the 21st Century. 30 Neste relatório, Hamilton (2009, p. 5, tradução nossa) aborda, uma única vez, o Brasil e a América Latina, apontando o narcotráfico e o crime organizados como as principais ameaças: Apesar da elevação do Brasil e da ampliação das relações comerciais com a Ásia e a Europa, a América Latina ainda tem que aumentar o seu potencial para uma parceria transatlântica mais ampla. Algumas áreas nesta região continuam a estar entre as mais violentas do mundo, devido às atividades de organizações de tráfico de drogas, de cartéis criminosos e fraquezas persistentes na governança e no Estado de direito 28. Da mesma forma, a imaturidade democrática e problemas de ordem social podem contribuir para a ocorrência de distúrbios internos, gerando um ambiente de instabilidade. Quando retornamos a Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução nossa), os autores ainda argumentam que: A África é um importante fornecedor mundial de petróleo, gás e outras commodities, contudo, ainda permanece vulnerável ao vírus HIV e à AIDS, à ruptura econômica, às tensões populacionais, aos conflitos civis, à corrupção e à não governança. Muitos Estados não têm capacidade para acabar com células terroristas, impedir o tráfico de armas, drogas ou pessoas, ou fornecer segurança interna. A estabilidade de algumas regiões da África Ocidental está sendo solapada por drogas provenientes da América Latina. Enquanto os africanos estão assumindo mais de suas responsabilidades com sua própria segurança, europeus e norte- americanos são chamados a prestar assistência emergencial e promoção de desenvolvimento, empregar e treinar forças de paz, e mediar conflitos 29. 28 Despite the rise of Brazil and broadening commercial relations with Asia and Europe, Latin America has yet to add its potential to broader transatlantic partnership. Some areas in this region continue to be among the most violent in the world, due to the activities of drug trafficking organizations, criminal cartels, and persistent weaknesses in governance and the rule of law. 29 Africa is a major global supplier of oil, gas and other commodities, yet remains vulnerable to HIV/AIDS, economic disruption, population stresses, civil conflict, corruption and failed governance. 31 A associação entre uma África fornecedora essencial de commodities e, ao mesmo tempo, uma região passível de instabilidade é notória. Embora argumentem que os próprios povos africanos estejam solucionando seus problemas, por outro lado, europeus e norte-americanos se colocam à disposição para prestar assessoria militar, deixando uma porta aberta para uma eventual intervenção da OTAN de natureza “humanitária” ou para o gerenciamento de crises. Parece-me, ainda, que a IBA dá uma especial importância ao continente africano, conforme podemos perceber em Hamilton e Burwell (id. p. 67, tradução nossa): O continente Africano possui mais países, e, portanto, mais votos na ONU, que qualquer outro continente. Nas decisões-chave, tais como sanções sobre o Irã, ou as alterações climáticas, ganhar os votos dos países africanos é crucial. No entanto, nos últimos anos os EUA e a UE têm negligenciado este canal diplomático, deixando este campo para 30 outros .[...] Verifica-se, embora de maneira implícita, uma preocupação com a presença da China no Atlântico Sul, em especial no continente africano, em virtude de sua busca por minérios, alimentos e energia, e de um mercado consumidor para os seus produtos industrializados. Many states lack the capacity to break up terror cells, thwart trafficking in arms, drugs or people, or provide domestic security. The stability of some regions of West Africa are being undermined by drugs coming from Latin America. While Africans are assuming more of their own security responsibilities, Europeans and Americans are called to provide emergency an development assistance, deploy and train peacekeepers, and mediate disputes. 30 The African continent has more countries, and therefore UN votes, than any other continent. In key decisions, such as over sanctions on Iran, or on climate change, winning the votes of African countries is crucial. Yet in recent years the U.S. and the EU have neglected this diplomatic channel, leaving the field to others. 32 A fim de se disseminar e discutir a IBA, os professores propuseram a criação de um “Grupo de Pessoas Eminentes”. Nesse, sentido, em outubro de 2010, o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi convidado como representante brasileiro, para uma mesa redonda sobre a IBA, realizada no Centro de Relações Transatlânticas da Universidade Johns Hopkins, em Washington-DC, nos EUA. Na ocasião, o Ministro manifestou-se quanto aos problemas estruturais existentes na proposta, na medida em que o Atlântico Norte e o Atlântico Sul possuem realidades distintas. O Ministro Jobim ressaltou, ainda, diversos aspectos negativos à IBA. A iniciativa traria no seu bojo, o conceito de "atlantização" da OTAN, abrindo-se um precedente para a intervenção da Aliança do Norte na região sob vários pretextos. 3.2 O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA OTAN O Novo Conceito Estratégico da OTAN foi divulgado ao final da Cimeira de Lisboa, realizada entre 19 e 20 de novembro de 2010 na qual participaram Chefes de Estado e de Governo de países membros da Aliança do Norte. Não há no documento quaisquer referências à IBA, ao Atlântico Sul, à África ou à América do Sul Observa-se um alinhamento com a estratégia de defesa norte-americana, ao priorizar às novas ameaças. O terrorismo ganha maior relevância, sobretudo, com o perigo do acesso à armas de destruição em massa, biológicas, radiológicas e nucleares. A OTAN também atribui preocupação especial com a proliferação de mísseis balísticos e ataques cibernéticos. Ressalta-se, contudo, a preocupação com a instabilidade ou conflito fora das fronteiras da OTAN na medida em que possam ameaçar diretamente a segurança, 33 incluindo o fomento do extremismo, terrorismo e atividades ilegais transnacionais como o tráfico de armas, de narcóticos e de pessoas. Os três pontos centrais do Conceito Estratégico da OTAN são a defesa coletiva, o gerenciamento de crises e a segurança cooperativa. O Conceito Estratégico da OTAN (2010, p., tradução nossa), referente à segurança cooperativa prevê parcerias com países de fora do bloco e aborda a necessidade de agir além das fronteiras: A Aliança é afetada por, e pode afetar, desenvolvimentos políticos e de seguranças além de suas fronteiras (grifo nosso). A Aliança irá envolverse ativamente para melhorar a segurança internacional, através de parcerias com países relevantes e outras organizações internacionais; contribuição ativa para o controle de armas, não proliferação e desarmamento; e manutenção da porta dos membros da Aliança aberta a todas as democracias européias que atendam aos padrões da OTAN 31. O Novo Conceito Estratégico coloca em relevância a segurança energética, na medida em que alguns países da OTAN se tornam mais dependentes dos fornecedores de energia externa e evidencia os riscos que o transporte de energia através da rotas comerciais pode sofrer. Acrescenta ainda que, além do incremento das necessidades energéticas, a mudança climática e a escassez de água podem afetar áreas de interesse da OTAN. Reitera que enquanto existirem armas nucleares no mundo, a OTAN permanecerá uma aliança nuclear, mesmo que as chances reais de emprego deste tipo de armamento sejam remotas. 31 The Alliance is affected by, and can affect, political and security developments beyond its borders. The Alliance will engage actively to enhance international security, through partnership with relevant countries and other international organisations; by contributing actively to arms control, nonproliferation and disarmament; and by keeping the door to membership in the Alliance open to all European democracies that meet NATO’s standards. 34 Outro documento intitulado OTAN 2020: segurança assegurada, engajamento dinâmico 32 elaborado por um grupo de especialistas analisa e propõe recomendações em relação ao Novo Conceito Estratégico da OTAN. O OTAN 2020 (2010, p. 17, tradução nossa) argumenta: A área da América Latina e Caribe, como América do Norte, tem a sua quota de desafios com o crime estar entre os mais proeminentes. A Organização dos Estados Americanos é o principal organismo regional para ambos os continentes. Assim, com a possível exceção de uma emergência humanitária, é difícil prever o envolvimento direto da OTAN nesta região 33. E o documento (id, p.17, tradução nossa) acrescenta: As ameaças mais prováveis para os Aliados na próxima década são nãoconvencionais. Três, particularmente, se sobressaem: 1) um ataque de mísseis balísticos (quer com armas nucleares ou não), 2) ataques de grupos terroristas internacionais, e 3) ataques cibernéticos de diferentes graus de severidade. Uma série de outras ameaças também representam um risco, incluindo interrupções do fornecimento de energia e linhas marítimas (grifo nosso), os efeitos nocivos conseqüências da mudança climática global, e da crise financeira. 34 Os textos oficiais da OTAN não levam a crer que haja alguma preocupação direta da OTAN com o Atlântico Sul. Contido,quando se analisa o documento 32 NATO 2020: assured security; dynamic engagement. 33 The area of Latin America and the Caribbean, like North America, has its share of challenges with crime being among the more prominent. The Organization of American States is the principal regional body for both continents. Thus, with the possible exception of a humanitarian emergency, it is hard to foresee direct NATO involvement in this region. 34 The most probable threats to Allies in the coming decade are unconventional. Three in particular stand out: 1) an attack by ballistic missile (whether or not nuclear-armed); 2) strikes by international terrorist groups; and 3) cyber assaults of varying degrees of severity. A host of other threats also pose a risk, including disruptions to energy and maritime supply lines, the harmful consequences of global climate change, and financial crisis. 35 formulado por analistas, verifica-se as interrupções no fornecimento de energia e vias marítimas adquirem uma maior prioridade de emprego. Neste contexto, os países banhados pelo Atlântico Sul poderiam sofrer uma eventual intervenção humanitária de países membros da OTAN, a fim de garantir o acesso dos recursos naturais da região em benefício da “humanidade”. 3.3 A PRESENÇA DA OTAN NO ATLÂNTICO SUL Os EUA são o país com maior presença militar na região. Sua estrutura de Comandos Unificados Combatentes divide o Atlântico Sul em duas áreas: o Comando Sul dos Estados Unidos 35 e o Comando dos Estados Unidos para a África 36. O Comando Sul possui como sua área de responsabilidade a território terrestre da América Latina situado ao sul do México, as águas adjacentes às Américas Central e do Sul, o Mar do Caribe e uma porção do Oceano Atlântico. As Forças Navais do Comando Sul são representadas pela 4ª Frota da Marinha dos Estados Unidos. Desativada desde 1950, a 4ª Frota foi relançada em 2008. O Comando dos EUA para a África foi ativado em 2008, com sede em Stuttgart, Alemanha, em virtude da resistência dos países africanos em aceitar o novo Comando Unificado Combatente. Sua área de responsabilidade corresponde a toda África, com a exceção do Egito. Sua Força Naval é constituída por meios da 6ª Frota que atua como Força Naval da Europa e Força Naval da África. A justificação dos EUA para a reativação da 4ª Frota e a criação do Comando para a África é que tais forças teriam como propósito garantir a segurança 35 United States Southern Command (USSOUTHCOM). 36 United States Africa Command (USAFRICOM). 36 na sua área de atuação contra ações terroristas, de pirataria e tráfico de armas e de pessoas. Contudo, esta atitude unilateral por parte dos Estados Unidos gerou sérias desconfianças quanto aos seus reais objetivos. Na África, estaria relacionada à competição com a China para assegurar o acesso a recursos naturais, sobretudo o petróleo. Na América do Sul, a eleição de governos de esquerda e o aumento do sentimento antiamericano, sem desconsiderar a importância do subcontinente como fonte de recursos naturais, seriam os verdadeiros propósitos ação. Especial atenção deve ser dada à existência de um cordão de ilhas oceânicas pertencentes ao Reino Unido, ainda remanescente do imperialismo marítimo inglês: Ascensão, Santa Helena e Tristão da Cunha, além das ilhas em litígio com a Argentina – Malvinas, Sandwich do Sul, Geórgia do Sul e Órcadas do Sul. Ressaltam-se, a ilha de Ascensão, possuindo o aeródromo de Widewake que serve de base de apoio para desdobramento de meios aéreos e as Malvinas que possuem uma significativa base aérea e naval. A Ilha de Ascensão possui especial importância em virtude de sua posição privilegiada entre Brasil e o continente africano. Está posicionada próxima à “zona de estrangulamento” entre Natal e Dakar e na confluência das principais rotas do Atlântico Sul. O aeroporto de Ascensão é uma base aérea da RAF, a qual é constantemente utilizada pela USAF 37. A ilha, inclusive, foi utilizada como ponto de apoio logístico na campanha inglesa no Conflito das Malvinas. A França, igualmente, possui forte presença no Atlântico Sul. A Marinha Nacional Francesa está presente no Departamento Ultramarino da Guiana e junto a alguns países da costa ocidental africana, em especial, com países da África 37 Royal Air Force – Força Aérea Britânica e U.S. Air Force – Força Aérea Norte-Americana, respectivamente. 37 francófona. 38 4 CONCLUSÃO A ZOPACAS é um acordo político estabelecido entre os países linderos do Atlântico Sul. Não possui, portanto, personalidade jurídica. Em que pese, até o momento, países alheios à região terem respeitado as Resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas, no caso de uma eventual violação do Acordo, não haveria respaldo jurídico para contestação. A IBA, ao aventar a possibilidade de intervenção por parte da OTAN entra nitidamente em conflito com os pressupostos do Acordo. O estabelecimento da ZOPACAS permitiu que o Atlântico Sul se mantivesse como o oceano mais pacífico do planeta, mantendo-o livre de armas nucleares e fora dos conflitos alheios à região, sobretudo no período da Guerra Fria. O estabelecimento de uma maior cooperação depende do incremento de iniciativas por parte dos países membros. Se houve progressos no estabelecimento de cooperação entre os países da região, em contrapartida, em vários momentos que a ZOPACAS permaneceu inerte. A cooperação econômica, científico-tecnológica e militar deve ser estimulada. Nada impedirá que países façam acordos bilaterais com Estados fora do contexto da ZOPACAS, se for vantajoso. Contudo, tendo como exemplo o processo de integração sul-americana, somente quando se prioriza a cooperação e o desenvolvimento em seu interior é que o bloco adquire a robustez necessária para negociar com países ou blocos externos. A ZOPACAS não constitui um bloco econômico, nem sequer uma aliança de defesa, contudo seus países membros podem ser estimulados, em caráter efetivo, à cooperação, como uma contrapartida à IBA, estabelecendo não só fóruns de discussão e cooperação regional, mas iniciar as tratativas de utilizar o Acordo como 39 um meio à promoção do desenvolvimento mútuo. O estímulo aos ideais propostos na Resolução da ZOPACAS, através da manutenção da paz, é o caminho para se encorajar o desenvolvimento econômico e social, contribuindo para a erradicação da pobreza. Em virtude da clara assimetria entre os países, as relações de cooperação devem se dar no plano horizontal, sem um caráter hegemônico, de forma a trazer benefícios recíprocos. O Brasil como país sul-americano com maior identidade étnica com a África deve utilizar esta porta de entrada para fomentar iniciativas de desenvolvimento econômico com as demais nações africanas. O MERCOSUL é o interlocutor econômico ideal entre o subcontinente sulamericano e os países da costa ocidental da África, ao congregar os três países sulamericanos com vertente atlântica entre os seus membros e o Paraguai, que apesar de ser um país mediterrâneo, possui livre acesso aos portos brasileiros. O MERCOSUL deve se relacionar diretamente com os órgãos de integração regionais africanos, notadamente a Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC 38). Em uma etapa posterior, a UNASUL, ao congregar o MERCOSUL e a Comunidade Andina, pode, ainda, estabelecer relações econômicas horizontais entre todos os 12 países sul-americanos e os países africanos da costa oeste. A presença da China e outros países com maior aporte de recursos financeiros na costa oeste africana pode tornar a tarefa árdua. Contudo, o imobilismo terá péssimas conseqüências para os países lindeiros do Atlântico Sul. 38 Southern Africa Development Community, em inglês. 40 A falta de medidas concretas no âmbito da ZOPACAS permitirá que outras iniciativas, como a IBA, voltem à tona, sem que representem qualquer ganho real para os países da região. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Roberto. Geoestratégia do Atlântico Sul: uma visão do sul. Política e Estratégia, São Paulo, v. 5, n. 4, p. 486-495, out./dez. 1987. BATTAGLINO, Jorge. A reativação da IV Frota. Política Externa, São Paulo, v. 17, n.4, p. 31-45, mar./mai. 2009. BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF, 2008. _______. Ministério da Defesa. Política de Defesa Nacional. Brasília, DF, 2005. CASTRO, Therezinha de. O Brasil e a nova ordem mundial: enfoque geopolítico (integração de grupos regionais e sub-regionais na América do Sul – sua projeção para o século XXI). 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