IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. CRISE DE LEITURA NA ESCOLA: CONFLITO DE CONCEPÇÃO OU DE FORMAÇÃO? Ângela Maria Gusmão Santos Martins Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Palavras-chave: Leitura. Literatura infantil. Gosto. Sala de aula. Considerações iniciais Muitos professores acreditam que a Literatura Infantil pode ser trazida para sala de aula como um instrumento pedagógico com vistas a despertar o interesse e o gosto das crianças pela leitura. Essas idéias são discutidas por Zilberman (1988) , Abramovich (1991), Coelho (2000), Lajolo e Zilberman (2003), dentre outros, que destacam a importância de se oferecer a essa modalidade de leitura às crianças objetivando mome ntos significativos de prazer e de entretenimento. Por meio de textos literários a atenção da c riança poderá ser atraída e conseqüentemente, despertado o seu interesse e, por que não, a sua vontade para ler mais e mais a cada dia? A Literatura Infantil pode se tornar uma fo rte aliada do professor, não para solucionar os problemas que estão presentes na sala de aula, mas para transformar o esse espaço em um lugar rico de informações e de entretenimento, um ambiente favorável ao desenvolvimento da habilidade da leitura. E por falar em leitura... Para entender o os mais variados conceitos de leitura foram chamadas ao texto alguns teóricos. Freire e Shor (1986, p. 22) afirmam que ler é entender tudo o que está sendo decifrado, e assim, destaca m “Ler não é caminhar e nem voar sobre as palavras, l er é reescrever o que estamos lendo, é perceber a conexão e ntre o texto e contexto do texto e como vincular com o meu contexto ”. Já Martins (1994) afirma que o ato de ler deve ser compreendido como apreensão da realidade, que se apresenta para as crianças, por meio de várias linguagens , o que implica afirmar que a leitura não deve se restringir apenas a um ato de reconhecimento e reprodução de palavras e frases, mas significa trazer para o texto lido , a experiência e a visão de mundo do leitor. Geraldi (1997, p. 80) ao falar de leitura afirma que: A leitura é um processo de interlocução entre leitor/autor mediado pelo texto. Encontro com o autor, ausente, que se dá pela sua palavra escrita. Como o leitor, neste processo, não é passivo, mas é o agente que busca significações, o sentido de um texto não é jamais inte rrompido, já que ele se produz nas situações dialógicas ilimitadas que cons tituem suas leituras possíveis. Portanto, um ato de interação entre o leitor e o texto lido. Kato (1987) considera o ato de ler como um processo discursivo no qual se inserem os s ujeitos produtores de sentidos – autor e leitor, ambos sócio – historicamente determinados ideologicamente constituídos. Kleiman (2002) diz que a leitura é processamento cognitivo que envolve interação entre leitor e texto, linguagem escrita e compreensão, memória, inferência e pensamento. Para ela, procedimento iniciado com a percepção do material escrito (texto-objeto) o qual é transmitido para a “memória de trabalho ” interpretando e organizado em unidades significativas, considerando o conhecimento lingü ístico, sociocultural e en ciclopédico que o leitor possui. Para ela “a leitura é uma atividade de procura do passado de lembranças e conhecimentos do leitor. O que orienta o ato de ler é a direção, a elaboração do pensamento e sua imagem de mundo”. Smith (1999) afirma que as crianças tornam -se leitores quando estão engajadas em situações em que a linguagem escrita a elas apresentada é utilizada de forma significativa, ou seja, através de materiais de leitura que elas possam relacionar com sua experiência e conhecimento prévio, da mesma forma que aprendem a falar convivendo com pessoas que utilizem a linguagem significativa. No entanto, muitos educadores acreditarem que ler é apenas decodificação dos signos, o que vai de encontro com as idéias desses pesquisadores que defendem a idéia de que ler é dar sentido ao texto , a partir do conhecimento de mundo, adquirido em leituras a nteriores. O ato de ler pode ser compreendido como um processo dialógico entre leitor e autor mediado pelo texto (GERALDI, 1997) cuja apresentação pode se fazer sob as mais diversas maneiras. Portanto, saber ler vai muito além da decodificação, não é tão simples para ficar restrito apenas à decifração da escrita, como num jogo em que se advinham palavra, coisas. Ler significa não somente ver as letras do alfabeto e juntá -las em palavras, mas também conhecer a escrita, decifrar, interpretar o sentido, reconhecer e perceber para conhecer. A leitura deve ser feita com vários objetivos: para entender e conhecer, para sonhar, viajar na imaginaç ão, por prazer ou curiosidade; para questionar e resolver problemas, por obrigação e para responder questões colocadas como tarefa. O indivíduo que sabe ler participa de forma efetiva da construção e reconstrução da sociedade e de si mesmo, porque se enten derá como um ser humano pleno. A leitura é vital para todo e qualquer ser humano , no entanto, trabalhar a leitura na escola tem sido um problema que precisa ser enfrentado e sanado. É quase consenso entre os professores que existe “uma crise da leitura ” no sistema educacional brasileiro. Contudo, quando questionados acerca de alternativas para minimizar a situação afirmam que não sabem o que fazer para mudar tal situação. Para Silva (1998, p. 33), “a leitura levanta -se como uma grande fonte de inquietação dentro do cenário educacional brasileiro – como um grande enigma, por assim dizer ”. Esse problema apontado pelo autor decorre de questões que vão desde a formação “carente” do professor para trabalhar a leitura na sala de aula, até a crença de que ler se r esume em decifração de enigmas ou à resolução de um quebra-cabeça com elementos que, por acaso, são palavras e estruturas lingüísticas. Cagliari (1997 p. 312) alerta que não se pode perder de vista que ler também é decifração, que é saber identificar os s ignos lingüísticos, ele destaca: Ler é decifrar e buscar informações [...] Ler é um processo de descoberta, como a busca do saber científico. Outras vezes requer um trabalho paciente, perseverante, desafiador, semelhante à pesquisa laboratorial. A leitur a pode também ser superficial, sem grandes pretensões, uma atividade lúdica, como um jogo de bola em que os participantes jamais se preocupam com a lei da gravidade, a cinética e a balística, mas nem por isso deixam de jogar bola com gosto e perfeição. Segundo o autor, “A leitura é a realização do objetivo da escrita. Quem escreve, escreve para ser lido. O objetivo da escrita, como já disse inúmeras vezes, é a leitura ” (1997, p. 149) O primeiro motivo que leva uma pessoa à escola está diretamente relacion ado ao aprendizado da leitura e da escrita. Segundo Cagliari (1997), a leitura, se bem trabalhada, pode se constituir em uma fonte de prazer, de satisfação pessoal, de conquistas, de realizações que servem de grande estímulo e motivação para que o aluno se desenvolva na escola. Para ele , a leitura é o melhor que a escola pode oferecer a um aluno, e destaca: “Se um aluno não se sair bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, penso que a escola cumpriu em grande parte a sua tarefa ” (p. 148) e conclui a idéia afirmando “A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida terá de ser conseguido através da leitura fora da escola. A leitura é uma herança maior do que qualquer diploma ” (p. 148). Para o autor a lei tura é a habilidade mais importante a ser desenvolvida, porque por meio dela o sujeito será capaz de progredir ou não. Contudo, para que as habilidades de leitura e de escrita sejam desenvolvidas, é preciso que alguns procedimentos sejam organizados de for ma segura e eficiente. É bom lembrar, que a criança vai á escola para aprender a ler e a escrever, e que cabe a ela, a sistematizar as ações para que tal aprendizado aconteça. No entanto, o ensino da leitura apresenta -se como um dos grandes desafios da escola e, talvez, o mais importante exigido pela sociedade. Segundo Foucambert (1994, p. 123), o acesso à escrita é o único meio de se alcançar à democracia e ao poder individual, que segundo define “é a capacidade de compreender por que as coisas são como s ão” e que não pose ser confundido com os “poderes” permitidos ou facilitados pelo status social do indivíduo. Para o autor, a escola atual continua buscando atingir o objetivo da alfabetização da mesma forma como foi idealizado no período de industrialização, e que tinha como meta, favorecer o acesso dos trabalhadores aos procedimentos e técnicas de leitura e escrita, com vistas ao acesso da massa a esta ferramenta de produção para atender às demandas do desenvolvimento do mundo do trabalho; exigência esta que se restringia ao automatismo e à repetição das atividades, sem a necessária reflexão sobre elas ou sobre suas implicações e conseqüências. O acesso à escrita se restringia ao ensino do código escrito, privilegiando-se, a homogeneidade dos alunos, que e ram vistos como se estivessem em um mesmo estágio de desenvolvessem da leitura. Essa concepção de alfabetização rejeitava a idéia de que a leitura é uma atividade social e compartilhada , que se desenvolve por meio da atividade de leitura e através da parti cipação de pessoas com competências variadas e com subjetividades diversificadas. Quando se analisa a realidade vivida nos dias atuais, é possível perceber, que o ensin o da leitura e da escrita , no início da escolarização, ainda está voltado ao ensino do c ódigo, exigindo-se, quase sempre, a mera decodificação. Apesar das exigências sociais posta neste século XXI serem outras, a escola ainda continua respondendo a uma exigência que já não lhe é mais adequada. É preciso, antes mesmo do inicio da escolarizaçã o fazer com que as crianças mantenham contatos com o mais variados textos para que compreendam a importância e função de cada deles e assim, sejam despertadas a quererem ler . Na Educação Infantil, ou mesmo antes, de chegarem escola muitas crianças já sabe m o que é a leitura porque no seu dia -a-dia têm contatos com textos diversos como: revistas, livros, jornais embalagens, placas, e tantos outros. Apenas poucas crianças, devido as suas carências matérias, não têm acesso dir eto ao texto escrito somente cons eguindo esse contato quando chegam à escola. A leitura é apresenta pela primeira vez , com sentido, para a criança pequena, quando de posse de um livro os adultos lêem histórias para elas , observando tal atitude essas crianças começam a imitar e fazem suas primeiras leituras usando não apenas a memória, como também as imagens do livro como suporte. Percebem nesse momento , que os textos podem ser “decifrados” e que é chegada a sua hora de aprender a ler. Vale destacar, que não é função da Educação Infantil ensinar a criança a ler, cabe a ela apenas, oferecer situações reais de leitura e acesso aos mais variados portadores de textos para que elas familiarizem-se com eles e percebam significado. É preciso, nesse momento da vida da criança, que ela compreenda a função social do texto, e ainda, que somente se desenvolverá na escola, se compreender tal função . Silva (1998) afirma que a leitura deve ser trazida para a sala de aula como instrumento de participação e renovação cultural, pois as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. (...) Para o autor, a leitura está presente em todos os níveis educacionai s da sociedade letrada, presença sem dúvida , marcante e abrangente na vida das pessoas, e que sua aquisição se inicia formalmente, no período de alfabetização, quando a criança começa a compreender o significado da mensagem registrada no papel. É chegado o momento de aprender a ler O contato com a leitura de textos (livros e revistas) deve ser iniciado antes de a criança chegar à escola para a aquisição dos signos lingüísticos. A família precisa entender que por meio das histórias contadas e lidas por alguém de casa, a criança começará a pensar sobre a escrita e logo desejará também saber ler para de forma autônoma esc olher suas leituras. Se assim a família agir a criança descobrirá o prazer da leitura bem ante s de chegar à escola. Muitos acreditam que o gosto pela leitur a deve ser suscitado no lar. As crianças gostam da sonoridade das palavras lidas, contadas e cantad as pelos adultos e sempre estão solicitando novas histórias ou a repetição daquelas prediletas. Elas também adoram ouvir histórias cantadas a exemplo daquelas produzidas por Vinicius de Morais, e publicadas em forma de livro em 1970 com trinta e dois poema s, quase todos falando de bichos. Mais ou menos aos seis anos de idade as crianças começam o seu processo formal de alfabetização, e é nesse momento que as histórias lidas e contadas, são substituídas pelos textos das cartilhas que, geralmente, não têm si gnificado alguma para a criança. “Ivo viu a uva”, uva?! De que uva você está falando? Quem é Ivo?!, Onde estava a uva? “O boi baba” “A Bibi é boba”, “A bela e boa”, são tantos textos parecidos que nada dizem e que são trabalhados para automatizar a aprendi zagem das famílias silábicas. Por meio da repetição e da montagem de novas palavras usando o recurso da transferência de lugar as crianças vão “avançando”. O aprendizado da leitura tem sido a principal meta da escola no inicio da escolarização e um grande desafio para o professor. Ensinar a ler, passa a ser é o primeiro grande objetivo a ser alcançado pela escola, que, quase sempre, desconsidera toda e qualquer experiência que a criança já tem enquanto leitora de imagens, de vozes, de rostos de rótulos, lo gomarcas, de sentimentos, etc.. O ensino e a aprendizagem da leitura tem sido um problema tanto para o aprendiz, quanto para o professor. Os métodos utilizados têm, na maioria das vezes , mais “atrapalhado” do que ajudado nessa tarefa, e o trabalho pedagó gico, quase sempre tem priorizado “textos cartilhados” sem sentido que são apresentados obedecendo a uma rotina e a uma intencionalidade. Uma outra questão a ser refletida, é a concepção de leitura de muitos professores. Alguns acreditam que precisam apenas ensinar o código escrita. O trabalho realizado visa avaliar a fluência da leitura e não o desenvolvimento da habilidade que só acontecerá se o aluno desejar a leitura, se a praticar diariamente, entendendo -a como imprescindível para o seu avanço. A presença de muitos livros na sala de aula será de grande relevância para as crianças manterem contatos com obras interessantes. Desta forma, o professor deve organizar um espaço na sala para os livros , e estes devem estar à disposição das crianças para que el as ao manuseá-los, estabeleçam desde cedo, contatos com o mundo das letras. Pensando na magia do texto literário , o profissional responsável por “alfabetizar” deve levar para a sua sala de aula, histórias fantásticas, contos de fadas, lendas, poesias, e t antas outras modalidades textuais, fazendo com que suas crianças manipulem textos e sejam desafiadas a aprenderem a ler. Para incentivar as crianças a se tornarem leitoras proficientes será preciso que o professor dê o exemplo, seja um leitor que traz pa ra a sala de aula momentos significativos de leitura. Contudo, não é o que se tem observado no dia -a-dia da escola, a leitura é uma atividade apenas para ser avaliada. Faz-se necessário destacar que o professor tem lido muito pouco ou por falta de tempo, ou dificuldade de acesso às fontes de leitura, por isso, não tem conseguido influenciar o seu aluno a se tornar um leitor competente. Por esse e outros motivos, alguns professores revelam que, têm ficado reféns do livro didático (cartilha) trabalhando com atividades que visam “treinar a leitura”. Na escola as crianças lêem por obrigação para atenderem as determinações, para passam de ano. E assim, muitas crianças , passam a considerar a leitura “pouco importante , uma atividade muito chata ”. A leitura na sala de aula Conforme Silva (19 98, p. 102) é preciso recupe rar o significado da leitura no meio escolar, ressignificando as condições de sua realização. Para ele é preciso trabalhar a leitura não como uma mera tarefa que faz parte da rotina de toda e qualqu er escola, mas com o propósito de recuperar o seu sentido e significado. No entanto, essa tarefa não tem sido fácil , pois envolve toda uma história de carências acumuladas e extremamente complexas. A leitura na sala de aula deve ser feita de acordo com o gênero textual a ser trabalhado, tendo objetivos diferentes para cada tipo de texto. É preciso entender, que são diversas as maneiras de se ler um texto, como também são diversos os textos e os objetivo s de leitura. Para que a habilidade de leitura seja desenvolvida plenamente, se faz necessário que se busque além da formação do professor para a realização do trabalho, sejam organizados acervos específicos para que cada aluno tenha acesso ao livro que deseja ler . O livro é considerado aqui, como precioso rec urso de ensino para o desenvolvimento da habilidade da leitura. O que é a Literatura Infantil ? Por que trabalhar com ela? O conceito de Literatura Infantil tem sido bastante discutido no meio acadêmico daqueles que se interessam pelo assunto. Segundo u ma das linhas de pensamento, a Literatura Infantil é um gênero (ou espécie literária) produzido por um adulto para o público infantil, geralmente com idade entre 6 e 10 anos. Segundo Coelho (2000), a literatura infantil, deve ter uma função a cumprir nesta sociedade em transformação, deve servir como agente de formação. Para ela, cabe a escola propiciar a criança a conviver com o livro. Maria Dinorah (1995 , p. 27) fazendo uma reflexão acerca da Literatura Infantil afirma: Definir ou conceituar literatura i nfantil implica em uma quase que filosofia sobre o assunto, que será resumida pelo autor no momento do seu contato com o livro. O posicionamento crítico diante de sua essência, tão divergente e contraditória através dos tempos – mesmo quando a situação de “ser criança” era uma incógnita –, coloca-nos diante de uma encruzilhada cheia de ramificações. O caminho é deveras nebuloso As experiências contradizem as opiniões mais abalizadas. Por isso decidimos reunir algumas delas, para que o leitor abrace a que me lhor vier ao encontro de suas convicções. (...) E para alcançar os objetivos traçados quanto a sua conceituação , Dinorah (1995, p. 27) se reporta às idéias de Montagne, Macarenko, Cecília Meireles, Carlos Drumonnd e destaca : Montagne entendia que a literatura infantil deveria ser feita “ao nível da criança” [...] Macarenko via na literatura infantil “algo que deveria ter objetivo tanto educativo quanto humorístico ” [...]. Monteiro Lobato definiu de forma genial o livro infantil, ao declarar que desejava fazer “um livro onde às crianças pudessem morar ” [...]. Carlos Drummond [...] “o gênero literatura infantil tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá musica infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de se constituir alime nto para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao espírito adulto? Qual o bom livro de viagens ou aventuras destinado a adultos, em linguagem simples e isento de matéria de escândalo, que não agride a criança? Observando alguns cuidados de linguagem e decência, a destinação preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte, ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido e desvitalizado, porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância? Vêm -me à lembrança as misturas de árvores com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses: não são organismos naturais e plenos são anões vegetais ”. [...] Cecília Meireles criadora e mestra: “a literatura infantil melhor é a que as crianças lêem com prazer ” (grifos meus). Segundo Lajolo e Zilberman (2003, p. 18), quando a Literatura Infantil começou a fazer parte da vida da criança tratava-se de uma literatura voltada atender aos interesses dos adultos. Uma literatura que vinha ao encontro das ideologias de uma classe – a burguesia que desejava através da escola e dos livros, “o controle do desenvolvimento intelectual da criança e a mani pulação de suas emoções ” (p. 23). Portanto, passou a existir uma produção literária enciclopédica que visava produzir nos leitores idéias como obediência e submissão. Nos dias atuais, a Literatura Infantil continua sendo um meio para se alcançar alguns fins, para despertar o inter esse o gosto das crianç as pela leitura. Nas ultimas décadas, o mercado editorial brasileiro tem oferecido uma vasta produção de títulos a cada ano, para uma clientela cada vez mais exigente. Contudo, vale lembrar, que esta produção quase não está presente na sala de aula das crianças que freqüentam o Ensino Fundamental, principalmente , em se tratando das escolas públicas. Os contos de fadas, as fábulas e as poesias, e em especial esta última, quase foram esquecida pela maioria dos professores que, por não saberem ou não gostarem delas, deixaram de trazê -los para o cotidiano da sala de aula. Um pouco da história da Literatura Infantil Ao se falar sobre as origens da Literatura Infantil de imediato é possível se pensar nas obras de autores consagrados como La Fontaine , Perrault, Irmãos Grimm, entre outros. Segundo Lajolo e Zilberman (2003, p. 15), a Literatura Infantil tem os seus primeiros registros na Europa, no século XVII. Segundo informa: As primeiras obras visando ao público infantil apareceram no mercado livreiro na primeira metade do século XVIII. Antes disto, apenas durante o classicismo francês, no século XVII , foram escritas histórias que vieram a ser englobadas como literatu ra também apropriada à infância : as Fábulas de La Fontaine, editadas entre 1668 e 1694, as avent uras de Telêmaco, de Fénelon, lançadas postumamente, em 1717, e os contos da Mãe Gansa, cujo título original era Histórias ou narrativas do tempo passado com moralidades, que Charles Perrault publicou em 1697. É no período que compreende o Absolutismo e Classicismo, no século XVII, que aparece na França, durante o reinado de Luís XIV, a Literatura Infanto -juvenil, influenciada por ele. Essa literatura resultou da valorização da fantasia e da imaginação, foi construída a partir de textos da Antiguidade Clá ssica, ou seja, de narrativas orais que perman eceram vivas na memória do povo (COELHO 2000, p. 75) . As histórias infantis de outrora, eram transmitidas de geração para geração por meio da oralidade sem terem nada registrado ou documentado por quem quer que seja. Os estudiosos já destacados no inicio desse tópico (La Fontaine, Perrault, Irmãos Grimm, entre outros) se valeram dessa s histórias contadas pelo povo, as organizaram e desenvolverem coletâneas, nas quais puderam difundir essas histórias que ficaram mundialmente conhecidos. Segundo Coelho (2000, p. 114), no século XVIII surge o movimento denominado Pré Romantismo voltado para a criação do chamado romance, que segundo ela, é caracterizado pela “forma de ficção narrativa que se torna a expressão literá ria ideal da sociedade burguesa que então se consolida ”. Esse período se caracterizou pelo surgimento de várias obras de cunho aventureiro, que a priori eram escritos para adultos e que mais tarde, foram adaptados para o universo infantil. Vale destacar ainda, que, só após a revolução industrial, a criança passa a deter um novo papel na sociedade , somente nesse momento começam a surgir os primeiros objetos industrializados destinados às crianças os brinquedos, e os livros. Somente no século XVIII que as tip ografias foram aperfeiçoadas, e assim, é possível dar início a expansão da produção de livros. No século XIX, aparece o reconhecimento infân cia, e a partir daí, a criança passa a ser vista como gente que pensa e age . Este século é marcado por fusões de di versas tendências e correntes literárias que segundo Coelho (2000, p. 138): [...] mesclam o culto e o popular. É dessa mescla que surge a forma romance, – o gênero narrativo que se queria um espelho da sociedade e que se torna a forma mais importante de e ntretenimento para o grande público da época (e que nosso século herdaria, para logo em seguida tentar destruir ou transformar). Com a valorização da infância, muitas concepções, passam a ser modificadas, entre elas, a natureza da qualidade da infância , bem como o seu prolongamento. A Literatura Infantil no Brasil surgiu no do século XIX. Com a implan tação da Imprensa Régia em 1808, quando se dá início as primeiras atividades editoriais no Brasil. Em 1818 se tem o registro da primeira publicação para c rianças, a tradução da obra intitulada “As aventuras pasmosas do Barão de Munkausen ”. As publicações para crianças foram muito esporádicas nesse momento, e só se c onhece um novo registro em 1848, com a segunda edição da mesma obra. Sendo assim, não se pode considerar ainda a presença da literatura para crianças no país. Um pouco antes da passagem do século XIX para o XX, a Literatura Infantil volta a aparecer. Após a Proclamação da República, o Brasil começa o seu processo de modernização. No final do sécul o XIX, quando significativas modificações ocorriam, têm se novos registros da literatura para as crianças e jovens. Em 1905 é lançada à revista Tico Tico muito bem aceita pelas crianças, contudo, ainda são poucas as produções para as crianças. Após anos de estagnação da produção literária destinada às crianças surge Monteiro Lobato, apresentando obras para as crianças. Em 1921 Lobato publica sua primeira obra intitulada Narizinho Arrebitado (segundo livro de literatura para uso das escolas) A preocupação do escritor era produzir obras numa linguagem que interessassem às crianças. Após doze anos do primeiro empreendimento, Lobato remodela a história original de Narizinho e lança as Reinações de Narizinho , essa obra é um sucesso . Nesse período surgem outros escritores como Viriato Correia e Malba Tahan que também produzem textos infantis. Segundo Coelho (2000, p. 226) coube a “Lobato a fortuna de ser, na área da Literatura Infantil e Juvenil, o divisor de águas que separa o Brasil de ontem do de hoje ”. Para a autora Lobato preocupou -se com dois objetivos distintos, os quais consistiam em: possibilitar que as crianças conhecessem a tradição os acervos existentes, e ainda, favorecer a leitura interpretativa do texto fazendo com que as crianças questionassem as ve rdades prontas e acabadas, os valores e os não -valores que o tempo se encarregou de cristalizar analisando o papel do presente buscando sempre, redescobrir e renovar a vida. Neste sentido, a autora destaca que Lobato tinha uma preocupação especial com a li teratura a ser oferecidas as crianças, ela destaca: [...] Pela extensa correspondência trocada durante trinta e tantos anos com seu amigo Godofredo Rangel, sabe -se que, por volta de 1916, Lobato já se preocupava com o problema dos livros de leitura para a criançada. Observando a realidade à sua volta, estuda o meio de modificá -la. As invenções de Lobato são até hoje insuperáveis Por meio de suas obras, tão importantes, o público brasileiro teve acesso ao vasto mundo da cultura. Por que ler e trabalhar textos literários ? Para Lajolo e Zilberman (2003) a leitura de livros de literatura é muito importante tanto para a criança quanto para o adulto , segundo ela, para que um determinado cidadão exerça a sua cidadania, necessita também de apropriar-se da linguagem literária, e ainda, alfabetizar-se nela para conseguir tornar -se usuário competente daquela forma de linguagem mesmo que nunca vá ser um escritor. O texto literário possui uma linguagem específica, conotativa, que requer conhecimento para interpretá -la, contudo, se o aluno for estimulado pelos professores de líng ua e literatura a se exercitarem essa modalidade de leitura, conseguirão se desenvolva, é o que afirma Zilbermann (1988, p. 25) O professor deverá sempre que possível, fazer uma reflexão ace rca de sua prática e buscar trazer para a sua sala de aula alguns textos literários como: contos, fábulas, poesias, novelas entre outros, e criar maneiras divertidas e prazerosas para trabalhar com tais textos. Se proceder dessa forma, o seu aluno se sentirá à vontade e participará ativamente das atividades propostas. É preciso ainda, criar a oportunidade para que o aluno ouça histórias diversas. Segundo Abramovich (1991, p. 16) é muito importante contar histórias . Emocionada garante: “Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo... ”. Ao ouvir as leituras feitas por out ras pessoas as crianças logo começam a perceber o seu sentido, começam a entender os seus usos. Por meio da leitura de uma historia a criança terá a oportunidade de dese nvolver o seu potencial crítico, pensar sobre o que foi lido e emitir opinião acerca do enredo apresentado, no entanto, na escola se tem trabalhado a leitura do texto literário com outros objetivos, com o propósito apenas de avaliar a leitura oral ou para trabalhar a gramática , para identificar as categorias gramaticais de palavras retiradas do texto. Uma outra questão que não pode ser deixada de lado é aquela destacada por Silva (1998, p. 39), que chama a atenção para uma questão que precisa ser analisada, a leitura do texto literário tem sido trazida para a criança, mesmo para aquelas que f reqüentam as séries iniciais, como um dever, por meio dos livros recomendados pela escola, que, quase sempre, justifica a indicação a critérios como: idade, sexo, série sem levar em consideração os interesses e o gosto do aluno. São exigidas desses alunos respostas prontas ou as “famigeradas fichas de leitura” que têm contribuído para fazer o aluno desgostar de ler. Para o autor, se tem exigido do aluno respostas para as fichas padronizadas, que acompanham os livros de literatura, ou seja, respostar transc ritas como “verdades”, não se levando em consideração as respostas pessoais que são construídas a partir das experiências acumulas. O objetivo do trabalho exigido é principalmente, “facilitar o trabalho do professor ”. É preciso trazer a leitura para a sal a de aula de forma significativa , para que as crianças comecem a se familiarizar com os mais variados tipos de textos que serão manipulados por elas. É importante lembrar que esses momentos são fundamentais para a constituição do leitor. O professor deverá incentivar o seu aluno para que este , motivado, se interesse e participe dos momentos de produção de leitura oferecidos em sala de aula. Deve estar atento para não se restringir, apenas, a contar histórias, mas, lê -las com ênfase buscando despertar na cr iança o seu interesse pelo texto, ou seja, aguçando a sua curiosidade pela mensagem do texto encorajando-a, provocando-a, estimulando-a a descobrir o mundo da escrita. É preciso incentivar a criança a ler textos literários: contos, fábulas, poesias. Falan do em poesias, é preciso trazer o texto poético para a sala de aula , contudo cabe o questionamento O que é uma poesia um poema? Segundo o poeta Armindo Trevisan (1981, p. 16), “é uma espécie de palavra com música ”. Para Averbuck (1988, p. 69), [...] o poema é um discurso fechado formando um universo de linguagem, reinventando a cada vez as suas regras. O professor precisa reservar alguns momentos para trabalhar esse gênero textual em sua sala de aula. A poesia permite o desenvolvimento da criatividade, da expressão e da compreensão da linguagem como representação da experiência humana. Trabalhar com a poesia na sala de aula não é trabalhar com a memorização ou o estudo da metrificação. O conhecimento da terminologia técnica, como rima, ritmo, quadras, etc., será perfeitamente dispensável, nas primeiras séries escolares, importando apenas o próprio exercíc io de dizer, ouvir e ler poemas. Lembra Abramovich (1991, p. 67) que, [...] há poetas que brincam com as palavras de um modo gostosíssimo de a criança ouvir e ler. Lida com toda ludicidade verbal, sonora, às vezes musical, às vezes engraçado no jeito como vão juntando palavras, fazendo com que se movam pelas páginas quase como uma cantiga e ao mesmo tempo jogando com os significados diferentes que uma mes ma palavra possui. “Desmontar” um texto poético significa compreender as suas regras, não em sua teoria, mas em sua evidência prática, na realidade da estrutura verbal organiza (ABRAMOVICH, 1991, p. 67). A poesia tem sido muito pouco trabalhada na s ala de aula porque o professor não sabe trabalhá -la, ou não compreende o seu significado ou ainda, porque não gosta de textos poéticos. Falando de poesia, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1974, p. 16) questiona: Por que motivo as crianças de modo geral sã o poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância relacionado com a necessidade do jogo, a ausência do conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver – estado de pureza da mente, em suma? Acho que é um pouco de tudo isso, e mais que isso, pois lá encontra expressão cândida na meninice, pode expandir -se pelo tempo afora, conciliada com a experiência do senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia. Mas se o adulto, na maiori a dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância que vai fenecendo à proporção que o estudo sistemático se desenvolve, até desaparece r no homem feito e preparado supostamente para a vida? E continua: A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo... O que eu diria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação p rática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética. Vale destacar, que não cabe a escola a responsabilidade de “fazer poetas”, mas dar as condições para que os alunos desenvolvam as suas habilidades de sentir em a poesia, apreciarem o texto literário e usufruírem da poesia como uma forma de comunicação com o mundo. A poesia deve ser trabalhada na escola por permite o desenvolvimento da criatividade, da expressã o e da compreensão da linguagem como representação da experiência humana. (AVERBUCK, 1988, p. 68). É preciso que o professor goste de poesias para poder trabalhá-las em sua sala de aula. “É preciso gostar para poder criar no outro o gosto, trabalho de emoção e afeto que só pode partir daqueles que se dispõem verdadeiramente ” (p. 69). Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 2 . ed. São Paulo: Scipione, 1991. ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. AVERBUCK, Lígia Morrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 9 . ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. (Novas Perspectivas) COELHO, Novaes Nely. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 1997. FOUCAMBERT, J. A leitura em questão . Porto Alegre: Artes Médicas , 1994. FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 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