Homenagens às mulheres marcam celebração pela independência da Bahia Ontem, 192 anos após o fim da guerra que libertou a Bahia e o Brasil do jugo português Alexandre Lyrio ([email protected]) 03/07/2015 Ela fugiu de casa aos 16 anos para lutar. Com as armas que tinha ao alcance, enfrentou uma batalha dura, bateu de frente com a tirania machista e criou três filhos sozinha. Fez tudo isso por uma causa: a liberdade. Não, não se trata de Maria Quitéria, histórica heroína da Independência da Bahia. Estamos falando de Romilda Anunciação dos Santos, 50, que desde os 29 se veste justamente de Quitéria para celebrar o 2 de Julho. Ontem, 192 anos após o fim da guerra que libertou a Bahia e o Brasil do jugo português, Romilda empunhou novamente sua espada de plástico envolta no papel celofane dourado. Deixou para trás sua principal arma: um carrinho carregado de brinquedos. No dia a dia, vende alegria para as crianças. “Por ser feriado, hoje seria dia de ganhar dinheiro. Mas para virar Maria Quitéria, eu largo tudo”, disse ela, em frente à Praça da Soledade, onde há uma estátua da guerreira original. Figura conhecida na festa cívica, poucos conhecem a trajetória de Romilda. Nossa Quitéria contemporânea chegou a morar em bocas de fumo. Hoje, reside no Marback, deve dois meses de aluguel e cuida de uma tia de 96 anos. No ano em que as guerreiras da independência foram homenageadas, muitas Marias Quitérias como Romilda, a caráter ou não, podiam ser encontradas no trajeto entre a Lapinha e o Campo Grande. "Felipa foi esquecida porque era negra. Nossa luta é para resgatar sua imagem e trajetória" Gildete Virgens, vestida de ‘heroína da Independência’, preside associação que mantém a Casa de Maria Felipa Marias Felipas e Joanas Angélicas também estavam por lá. Do alto do Convento de Nossa Senhora da Soledade, por exemplo, a freira Maria das Graças se debruçava na janela para ver o cortejo puxado pelos caboclos, que arrastava uma multidão. Aos 89 anos, 54 deles dedicados à vida religiosa, irmã Maria das Graças dizia se inspirar na coragem de Angélica, assassinada ao resistir à invasão das tropas portuguesas ao Convento da Lapa. “Na época, até as religiosas enclausuradas foram tocadas pelo sentimento libertário. É obrigação nossa passar para o jovem de hoje esse exemplo revolucionário de heroísmo e patriotismo”, disse a irmã. Nunca precisei de marido para educar meus filhos. Nunca faltou nada. Maria São Pedro de Santana, que celebra 2 de julho em família Perto dali, na Rua São José de Cima, quase chegando no Carmo, um grupo de mulheres negras ostenta torços na cabeça, um dos símbolos da capoeirista Maria Felipa. Há dez anos, elas desfilaram pela primeira vez para homenagear a heroína quase esquecida. Por muito tempo, Felipa, guerreira que lutou na Ilha de Itaparica e ficou famosa por dar surras de cansanção nos seus inimigos, foi mantida como figura obscura. Hoje multiplica-se em dezenas nas ruas. “Felipa foi esquecida porque era negra. Nossa luta é para resgatar sua imagem e trajetória”, afirmou Gildete Virgens, presidente da associação que mantém a Casa de Maria Felipa, no Curuzu. Hoje seria dia de ganhar dinheiro. Mas para virar Maria Quitéria, eu largo tudo. Romilda Anunciação dos Santos, vendedora vestida de heroína Resistência Mas nem sempre as heroínas vestem indumentárias. O sonho de liberdade é de qualquer mulher que luta por independência. O que dizer do exemplo de coragem da costureira Maria São Pedro de Santana, 75, moradora do Santo Antônio? Não desembainhou espada, mas usou a precisão da máquina de costura para criar oito dos seus 12 filhos sozinha. Divorciou-se há 35 anos. Uma guerreira. Ontem, 2 de julho, foi seu aniversário. “Sempre fui uma mulher independente. Nunca precisei de marido para educar meus filhos. Hoje estão todos criados e formados. Nunca faltou nada”, orgulha-se dona Maria, que há 22 anos ornamenta a fachada da casa e veste os netos de personagens da Independência. É obrigação nossa passar para o jovem esse exemplo de patriotismo. Maria das Graças, freira do Convento da Soledade Na mesma data, aliás, nasceram as Filhas de Gandhy. Há 36 anos, o bloco, que antes era só para homens, desfilou pela primeira vez em um 2 de Julho. Uma prova de que a participação feminina nas batalhas inspira o empoderamento feminino, seja cívico, religioso ou carnavalesco. “O 2 de julho é também a nossa data. Não escolhemos ela por acaso”, confirma a produtora do bloco, Nágila Duarte. Aos pés dos caboclos, devotos fazem pedidos e agradecimentos por Yne Manuella Após a primeira parte dos desfiles, iniciados na Lapinha, às 9h30, e que terminaram no início da tarde, na Praça Municipal, os caboclos foram levados em cortejo, à tarde, até o Campo Grande, onde foram recebidos pelo governador Rui Costa, o prefeito ACM Neto, entre outras autoridades civis e militares. Após o hasteamento das bandeiras e do cântico dos hinos da Bahia e do Brasil, foi a vez do povo deixar aos pés dos caboclos seus agradecimentos, pedidos e oferendas. Há 22 anos, o empresário Cláudio de Jesus, 40, oferta um melão a cada caboclo, para agradecer uma dádiva. “Estava doente e pedi aos caboclos pela minha saúde, que foi melhorada”, contou Cláudio, que afirmou ter escolhido ofertar o melão por esta ser a fruta predileta de Ogum, seu orixá protetor. A aposentada Nilza Souza, 70, pediu prosperidade e paz e ainda aproveitou para levar para casa uma folha de palmeira que ornamentava as imagens. “Com essa folha, eu faço um chá por sete dias que dou pra família toda beber e receber a proteção dos caboclos”, explicou ela. No domingo, às 17h, acontece a volta dos caboclos, com a atuação da Orquestra do maestro Reginaldo de Xangô, fanfarras e grupos culturais.