Capa
Valorização do trabalho dos
profissionais de ensino engatinha,
50 anos após a publicação da primeira
Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
texto Mariana Niederauer
foto Rafael Ohana
D
esde que, em dezembro de 1961, entrou
em vigor a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), várias mudanças
ocorreram no ensino brasileiro e duas novas versões
da lei foram aprovadas, incluindo a importância da
valorização dos profissionais da educação. Até hoje,
porém, os professores lutam por melhores condições
de trabalho, pela garantia da formação continuada e
por salários melhores. Em março, a categoria fez uma
paralisação nacional reivindicando cumprimento do
piso salarial, aprovação de um plano de carreira e a
aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na
educação brasileira.
Educação
“As conquistas legais ao longo
desses 50 anos foram muito lentas
e fruto de muitas lutas”, aponta a
assessora de avaliação institucional
da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, Francisca de
Fátima Araújo Oliveira, também
professora da Faculdade de
Educação da UERN. “Quando se
faz uma análise mais apurada da
realidade educacional brasileira,
tais avanços não se traduzem em
impactoparaaeducação”,completa.
Segundo
o
professor
Célio da Cunha, membro da
comissão técnica do movimento
independente
Todos
Pela
Educação, a luta pela valorização
do magistério precede à primeira
LDB. Apenas recentemente, com
ações promovidas por estados,
municípios e pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), alguns avanços
podem ser observados, como a
aprovação da Lei 11.738/2008, do
Piso Salarial Nacional. Para Cunha,
a educação constitui apenas uma
prioridade no discurso, pois a
política educacional tem grande
visibilidade na imprensa, mas
não é uma prioridade para o país:
“Ainda não conseguimos colocar
a política de educação como uma
política de Estado”.
“O problema não é só
de financiamento”, ressalta a
professora Francisca de Fátima:
“É, principalmente, a maneira
como se concebe a formação dos
professores.” Ela acredita que
o problema esteja no fato de as
políticas voltadas para a formação
de professores serem planejadas
e executadas, muitas vezes, por
20
Piso Salarial:
realidade só para alguns
Muitos estados e municípios ainda não estavam cumprindo
as determinações da Lei 11.738/2008 e só alcançavam o valor
total do piso incluindo as gratificações no salário do professor.
A primeira vitória ocorreu em abril de 2011, quando o Supremo
Tribunal Federal (STF) julgou procedente a implantação do piso
como vencimento inicial.
Recentemente, o MEC determinou que o reajuste fosse feito
com base no crescimento do valor mínimo por aluno do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que teve
variação de 22% entre 2011 e 2012. O valor do piso nacional
passou, então, de R$ 1.187 para R$ 1.451. Os governos estaduais
e municipais alegam dificuldade para se adaptar ao reajuste.
Segundo levantamento feito pela Agência Brasil em março, apenas
18 unidades federativas cumprirão a determinação.
Segundo a presidente da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, todos estão
trabalhando não só para pagar o piso, mas também para contratar
mais professores e garantir a reserva de um terço da carga horária
de trabalho para atividades extraclasse.“O piso foi uma conquista
importante, acho que é um divisor de águas na educação”, diz.
O gestor municipal tem papel importante para garantir
a eficácia na aplicação dos recursos. “É importante entender
de políticas públicas e de orçamento público e, sobretudo, é
preciso ter autonomia. É preciso que o gestor da educação seja o
gestor dos recursos da educação, e não o secretário de finanças”,
afirma Cleuza. A secretária-geral da Confederação Nacional de
Trabalhadores em Educação (CNTE), Marta Vanelli, concorda e
acredita que não há transparência na aplicação de recursos: “Há
profissionais que são pagos com recursos da educação e que não
são da educação”.
empresas privadas. Assim, as
universidades, que estudam e
refletem sobre as necessidades
da educação no Brasil, não são
ouvidas. “No momento de se
implantar políticas de formação
de professores, é importante que se
ofereça uma formação voltada para
os valores técnicos, éticos, políticos,
sociais e que não privilegie,
excessivamente, a certificação em
detrimento da qualidade”, diz.
“O aumento do
investimento na
educação tem de
ser acompanhado
por políticas
consistentes,
que apresentem
resultados
efetivos.”
Célio Cunha, Todos
pela Educação
Formação
A diretora de Apoio à Gestão
Educacional da Secretaria de
Educação Básica do MEC, Maria
Luiza Martins Aléssio, enumera
açõesdoministérioparasolucionar
esses problemas. Ela explica que
o Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE), lançado
em 2007, tem como objetivo
viabilizar a implementação de
uma política pública que torne a
educação prioridade do governo e
da sociedade brasileira, tomando
como um dos eixos centrais a
formação e valorização dos seus
profissionais da educação. O
Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica
(Parfor), lançado em 2009, foi
implantado pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes)
para organizar e fomentar a
formação inicial e continuada dos
profissionais do magistério das
redes públicas da educação básica.
Além disso, a Secretaria de
Educação Básica também criou
a Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores da
Educação Básica e o MEC iniciou,
no ano passado, a implantação de
medidas para planejar e executar
ações de formação continuada.
“Desse modo, buscamos a maior
convergência entre a oferta
e a demanda dos cursos e a
institucionalização das iniciativas
de formação continuada no âmbito
das Instituições de Educação
Superior”, afirma Maria Luiza.
A Escola Classe 108 Sul, que
atende alunos dos anos iniciais do
ensino fundamental de Brasília,
conseguiu vencer vários dos
desafiosquearedepúblicadeensino
enfrenta e alcançar bons resultados
na aprendizagem. A remuneração
dos professores no Distrito Federal
está entre as mais altas do país.
Os educadores também contam
com dois dias livres por semana
para coordenações externas, que
podem ser feitas em casa, e dão
aula para uma média de 25 alunos
por sala, número considerado
ideal pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação
(CNTE). Paredes claras e grades
coloridas com pouco mais de
um metro de altura – típicas de
edificações que fazem parte do
Patrimônio Histórico e Cultural
da capital federal – contribuem
para outro fator importante: a
ambiência. “Ambiente acolhedor,
número ideal de alunos em sala
de aula, professores competentes,
usufruindo de vários privilégios,
não sendo massacrados por um
salário muito baixo; como não ter
um trabalho que favoreça todo esse
processo e que eleve o índice da
escola?”, aponta a diretora, Débora
Idê Taquary de Andrade.
Plano Nacional
Uma das metas do novo Plano
Nacional de Educação (PNE),
que deve vigorar de 2011 a 2020 e
aguarda aprovação no Congresso
Nacional, diz respeito justamente
ao investimento público na
educação. O plano foi discutido
com os profissionais da área
durante a Conferência Nacional de
Educação (Conae), realizada em
2010, e a única divergência entre
o que foi discutido e o projeto
de lei encaminhado pelo então
presidente Lula ao Congresso
foi a aplicação de 10% do PIB
na educação pública. O governo
defende apenas 7% do PIB e o
relator do projeto na Câmara,
deputado Angelo Vanhoni (PT-
21
Marta Vanelli,
da CNTE, está
otimista com mais
investimentos.
PR), negocia um meio termo, 8%
de investimento público total.
As entidades do setor acreditam
queopercentualnãoésuficientepara
cumprir todas as metas definidas
no PNE, como universalização e
ampliação do acesso e atendimento
em todos os níveis educacionais,
incentivo à formação inicial e
continuada de profissionais, além
de avaliação e acompanhamento
periódicoeindividualizadodetodosos
envolvidos.“Em 2016, a população de
4 a 17 anos precisa estar matriculada,
e essa conta precisa ser paga”, afirma
Cleuza Repulho, presidente da União
Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (Undime).
Apesar disso, a secretáriageral da CNTE, Marta Vanelli, é
otimista. Durante o governo Lula, o
investimentoemeducaçãoaumentou
1,2% e, hoje, é de pouco mais de 5%
do PIB. “Houve muitas mudanças só
com esse aumento”, diz. Para Marta,
mesmo que seja definida a aplicação
de 8% do PIB na área, será possível
evoluir muito mais.
Cunha acredita que o cálculo
de 10% do PIB é bom, mas o
país dificilmente terá condições
de arcar com esse gasto. Por isso,
22
7% já representariam um avanço.
“Além disso, você precisa de toda
uma estratégia de planejamento.
O aumento do investimento na
educação tem de ser acompanhado
por políticas consistentes, que
apresentem resultados efetivos”, diz.
Ele lembra que só recentemente
começou a se pensar na educação
básica para todos e há um déficit
histórico muito grande a ser
corrigido.
Qualidade do ensino
Não basta universalizar a oferta
de ensino e investir 10% do PIB em
educação se a qualidade do ensino
não acompanhar o crescimento.
Em 2007, os professores e a rede
pública ganharam um aliado forte de
medição da qualidade, com a criação
do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb). Hoje, a
média brasileira nos anos iniciais do
ensino fundamental é 4,6. A meta é
alcançar a nota 6 até 2021.
O Ideb é calculado a partir dos
resultadosdeoutrosdoisindicadores
educacionais
importantes,
o
Censo Escolar e a Prova Brasil.
Para a presidente da Undime, eles
são essenciais para levantar as
necessidades de cada rede de ensino
e para que se pense também na
qualidadedaeducação,casocontrário
“as crianças vão passar pelo sistema e
o sistema não vai mudar a vida delas,
a escola tem esse papel mobilizador”.
A Escola Classe 108 Sul tem
a terceira maior nota do Ideb no
Distrito Federal, superada apenas
por outra escola classe e um colégio
militar. A diretora atribui a nota
6,8 – superior à média distrital – ao
investimento na autoestima do
aluno: “A criança tem que acreditar
nela mesma. A aprendizagem
começa de dentro para fora”. Para
Débora, a escola tem o privilégio
de contar com bons profissionais,
todos com curso superior.
Um dos desafios para alcançar
resultados positivos são os alunos
com perfis muito distintos dentro da
mesma sala de aula. Os professores
precisam dar atenção diferenciada
aos portadores de deficiência
física, com hiperatividade ou altas
habilidades, por exemplo. A partir
da avaliação de uma equipe de
Escola Classe 108 Sul tem o
terceiro maior Ideb do DF.
da escola. A intenção é que, com
a chegada dos computadores, os
próprios alunos comecem a inserir
conteúdo on-line.
Tecnologia
Hoje, além da formação
continuada, os professores também
precisam estar preparados para
utilizar a tecnologia em sala de
aula. “Se antes ele precisava estar
constantemente atualizado, nessa
sociedade do conhecimento, ainda
mais. O conhecimento se tornou
disponível para todos. Isso requer
um contínuo aperfeiçoamento do
professor”, afirma Célio da Cunha.
Estar preparado para utilizar
essas tecnologias em sala de aula
significa não só equipar a escola com
computadores e internet, mas ter
um projeto pedagógico para guiar
o trabalho do professor e manter
a atenção do aluno no conteúdo
didático. “Você tem de ter um
professor e um processo pedagógico
da escola que possam de fato utilizar
todasaspotencialidadesdessesmeios”,
ressalta Cunha.
O professor de História Reinaldo
Vicentini, do Centro Educacional 2 do
Cruzeiro, cidade-satélite de Brasília,
qualificou-se para essa exigência da
profissãoeutilizaasnovastecnologias
emsala.Eledeixatodooconteúdodas
aulas disponível no blog da escola. Os
alunos do 3º ano do ensino médio
também não precisam imprimir os
trabalhos, basta enviá-los por e-mail.
Conquistas
orientadores e psicopedagogos é
planejada a estrutura adequada
para atender individualmente as
necessidades de cada um deles.
O próximo passo agora é inserir
a escola na era digital. O laboratório
de informática já está montado,
só falta instalar os computadores.
“Eu acho que a escola ainda não
está pensando de uma maneira
digital e temos que nos adaptar”,
lembra Débora. Professores e
pais já alimentam um blog com
as informações úteis e novidades
A obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 anos; serventes, merendeiros,
secretáriosetodososqueparticipamdodiaadiadaescolareconhecidoscomo
profissionais da educação; e a educação infantil sair da responsabilidade da
assistênciasocialepassarparaosistemaeducacional:essasforamalgumasdas
mudanças – para melhor – da educação brasileira nos últimos 50 anos.
Marta Vanelli, secretária-geral da CNTE, acredita que a primeira LDB foi
importante para iniciar o debate sobre a educação no país, tornando possível
se começar a pensar em mudanças e soluções para os problemas da rede de
ensino.
FranciscadeFátimaAraújoOliveira,assessoradeavaliaçãoinstitucionalda
UERN, cita a própria Constituição de 1988 e a LDB de 1996 como avanços para
a educação brasileira e para a carreira docente.
As leis que criaram o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1996, e o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb), dez anos mais tarde, também
representaram avanços.“Legislação nós já temos, basta colocá-la em prática”,
conclui a secretária-geral da CNTE.
Algumasdastarefasdecasaenvolvem
produzirvídeoscurtosrelacionadosao
conteúdo e assistir filmes para depois
debatercomoscolegasduranteaaula.
Os livros impressos também foram
substituídos por versões eletrônicas,
de fácil acesso e domínio público,
respeitando direitos autorais.
Commaisde30anosdeprofissão,
Vicentini trabalha há 23 na rede
pública. “A Secretaria de Educação
sugeriuoportunidades,possibilidades
devocêveroutrasformasdeeducação.
O professor tem um currículo a ser
desenvolvido, mas também certa
liberdade na execução. Você pode
sair da aula tradicional e tentar outras
formas didáticas”, afirma.
Em2002,eleconcluiuomestrado
em Tecnologia da Educação, o que
contribuiu para sua forma de cobrar
as tarefas do aluno.“A aula expositiva
continua existindo, não tem saída”,
explica Reinaldo. “Esses trabalhos
pegam o paradigma antigo – que
é o ler e escrever com reflexão – e
o utilizam dentro das tecnologias
informacionais”, completa.
Aplicando essas novas técnicas,
o professor tenta manter a atenção
de todos durante os 50 minutos da
aula, o que não é fácil quando se tem
a média de 40 alunos por sala. Fazer
com que eles reflitam e transformar a
escolaemumespaçodeformaçãode
opinião são outros objetivos. “Acho
que a única maneira de a gente sair
dessa condição de país pobre é pela
educação, não existe alternativa”, diz.
“A educação nos permite entender o
que é o processo civilizatório.”
23
Especial
Educação
Uma etapa
marcante para
toda a vida
No ensino infantil, brincar é aprender. Além de um
ambiente lúdico e seguro, é fundamental a boa
formação dos professores.
texto Mariana de Araújo
fotos André Kazuo
N
os murais coloridos, em que os desenhos
dividem espaço com as letras do alfabeto,
e nas brincadeiras propostas pela professora, estão inseridas práticas pedagógicas que dão
início à formação das crianças. É a hora de as mãos
inquietas e os olhos curiosos começarem a explorar
com todos os sentidos as possibilidades do mundo.
O ensino infantil é a etapa da educação básica que
ajuda a garantir um bom desenvolvimento nas fases
seguintes, os ensinos fundamental e médio.
10
O secretário de Assuntos Educacionais da
Confederação Nacional dosTrabalhadores em
Educação (CNTE), Heleno Araújo Filho, destaca alguns pontos que devem ser observados
e aprimorados na educação infantil brasileira.
A primeira preocupação é com o local destinado e a garantia da permanência desses
alunos na escola. É importante que tenha
espaço próprio e não atenda no mesmo
lugar a alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e de outras etapas da
educação básica. Segundo ele,
algumas creches ainda funcionam em imóveis alugados.
“Pesquisas mostram que
o espaço onde essas
crianças vão ficar até
os 5 anos de idade vai
marcar as suas vidas
por inteiro.”
A formação do professor é o próximo ponto
importante a ser considerado.
Esses profissionais precisam
trabalhar em jornada integral,
com um turno voltado apenas para
aperfeiçoamento. O ideal, portanto, é que lecionem apenas em uma turma. Para o secretário, os outros funcionários também podem
ajudar no processo de formação das crianças
e devem fazer parte do quadro permanente
das secretarias de Educação. A merendeira
deve ser técnica de nível médio e o funcionário da limpeza, técnico em infraestrutura e
meio ambiente.
Para mudar essa realidade, a CNTE e
outras entidades do setor participam de
um grupo de trabalho que discute, com a
Diretoria de Ensino Infantil da Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação
(MEC), formas de avaliar a educação infantil,
para que o poder público tenha um diagnóstico completo dessa etapa do ensino e possa
desenvolver políticas que promovam as modificações necessárias. Araújo defende que
a forma de mensurar a qualidade do ensino
deve levar em consideração a instituição e o
processo de aprendizagem como um todo.
“Essa avaliação não pode ser focada apenas
no rendimento das crianças”, afirma.
Aprender brincando
Pode não parecer, mas os pequenos não
nascem sabendo recortar, colar e segurar um
lápis para rabiscar o papel. Todas essas habilidades fazem parte de um processo de aprendizagem iniciado e aprimorado na primeira
fase do ensino. O gestor público precisa ter a
sensibilidade para perceber o quanto a formação das crianças necessita de delicadeza.
E cada um pode ter esse papel na sua área
de atuação.
11
Para
Lara
Sanches, coordenadora pedagógica do Jardim
de Infância da 308
Sul, em Brasília, o
professor é o gestor da sala de aula.
Desempenhar
bem
essa função depende
da formação do docente,
que ocorre em três níveis: a
inicial, a continuada e aquela
que adquire em sala da aula, no
próprio trabalho que desenvolve com
os alunos. No Distrito Federal, os docentes
ganharam uma vantagem com a implantação da
jornada ampliada. Os professores passam cinco horas em
sala de aula e têm o outro turno livre para planejamento.
Para atrair a atenção da criança, todas as atividades do jardim de infância
envolvem a arte e o lúdico. Com isso, é possível iniciar o processo de alfabetização aos poucos. Sem que a criança perceba, ela tem acesso a toda a prática
social da escrita e da leitura, desde quando vê a professora escrevendo um
bilhete ou lendo uma história até o momento em que aprende com que letra
começa seu nome. “A sala da educação infantil é chamada de ambiente alfabetizador. O professor não tem a obrigação de alfabetizar, mas oferece subsídios
para isso”, explica Lara.
Outra parte importante do desenvolvimento infantil é a psicomotricidade. As crianças são estimuladas a correr, saltar, engatinhar, e trabalhar a expressão facial e corporal nas histórias
contadas pelos professores. “A criança nessa idade é puro
movimento. Então, precisa ser estimulada a trabalhar
isso também”, diz a coordenadora. Esses exercícios
ajudam a desenvolver a coordenação motora fina,
aquela que vai definir, por exemplo, o movimento
de pinçar, necessário para segurar o lápis e escrever.
Gestão eficiente
es, conta como é a experiência de gerir a escola. A
chave do sucesso, para ela, é propor uma gestão na
qual todos participem e formem uma equipe, com
diretores, professores e demais funcionários trabalhando em harmonia. “A prioridade tem de ser sempre o aluno. A escola funciona em função deles, não
da gente. Tem de colocar os alunos acima de tudo.”
Na visão da diretora, a primeira fase da educação básica prepara a criança de uma maneira global,
para que ela consiga se sair bem na alfabetização
e aprenda a conviver em grupo. “Assim, ela vai ser
um adulto mais seguro, mais bem desenvolvido, um
ser humano que vai saber argumentar com consciência, conhecer o seu papel dentro da sociedade,
ter autonomia e não se abater com as frustrações”,
comenta. Ela admite que essa não é uma tarefa fácil, mas faz parte dos objetivos da escola. “A nossa
maior preocupação aqui é que eles sejam muito
felizes”, conclui.
Para a coordenadora de educação infantil da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), Edna
Rodrigues Barroso, um dos principais benefícios da
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 foi a inclusão
da educação infantil como primeira etapa da educação básica e o foco no desenvolvimento integral da
criança (mais detalhes no box sobre legislação). Com
isso, vieram também desafios, como a ampliação
de vagas para garantir a todos o direito à
educação.
O DF está se aproximando da
universalização da oferta de vagas para crianças de 4 e 5 anos,
a chamada pré-escola, atendendo a 70% da demanda
local. “No caso do atendimento das crianças de
até 3 anos (nas creches),
o desafio é maior, visto
que o investimento
é necessariamente bastante
alto nessa faixa etária e o número de vagas
não corresponde à necessidade
da população”, informa a coordenadora.
Atualmente, a capital tem 239 unidades públicas e
51 conveniadas na educação infantil.
Dificuldades superadas
Não é segredo que a rede pública de ensino enfrenta problemas relacionados a recursos e manutenção
do espaço físico. No Jardim de Infância da 304 Norte
essas dificuldades são superadas mantendo-se o foco
na formação dos alunos e com o apoio constante dos
pais, por meio da Associação de Pais e Mestres (APM).
Com uma direção aberta, tudo é discutido e debatido
em conjunto. Assim, eles veem a importância da instituição na vida dos filhos e ajudam sempre que é preciso. “Nós conseguimos manter e conservar a escola
com a ajuda dos pais”, afirma a diretora, Renice Suman.
Em termos de aprendizagem, o que contribui
muito é o fato de a escola trabalhar com projetos.
“No ensino fundamental e no ensino médio tenta-se
trabalhar com projetos, mas como as disciplinas são
Da sala de aula para a administração, a diretora do Jardim de Infância da 308 Sul, Val Mora-
12
13
muito separadas é mais complicado. Aqui, em cima
do projeto nós trabalhamos todo o conteúdo de sala
de aula”, diz a diretora.
A escola desenvolve projetos sobre hábitos alimentares, promove passeios para que os alunos conheçam a capital e conta com atividades para que
desenvolvam a coordenação motora e os bons hábitos de leitura. Na horta, a garotada planta e colhe
alimentos, aprendendo todas as etapas do processo
— inclusive a paciência para saber esperar a hora em
que o vegetal está pronto para ser retirado da terra.
Dentro dos projetos trabalhados, há a possibilidade
de individualizar as atividades de acordo com as necessidades de cada criança. “A atividade é a mesma
para todos, mas a forma como ela será conduzida é
individualizada”, conta Renice.
A professora Ruth Chornobay explica como funciona essa percepção em sala de aula. Existem comportamentos e habilidades que são esperados para
cada faixa etária. Quando a criança apresenta capacidade que vai além da esperada, como um aluno
de maternal desenhando com riqueza de detalhes
ou, pelo contrário, um que não acompanha o ritmo
da turma, é possível trabalhar de maneira diferente
para que ela corresponda ao que é natural para a
idade ou desenvolva a habilidade na qual tem mais
talento. “Nós tentamos levá-los ao conjunto, mas
respeitando as individualidades”, detalha Ruth. “O
gostoso na pré-escola é que a gente dá a oportunidade de cada um se expressar da sua forma e na sua
fase do desenvolvimento. Com certeza, todo esse
estímulo vai levar a criança a chegar ao letramento mais facilmente”, acrescenta. Outro ponto que a
educadora aponta como essencial é a troca de experiências com os demais professores. Assim, todos
têm a oportunidade de aperfeiçoar o trabalho em
sala de aula.
Quem vê Ruth contando sua experiência como
educadora acha que ela já nasceu ensinando. O incentivo inicial, porém, veio do pai, que queria que
ela fosse professora. Com poucas opções na cidade
onde vivia, acabou seguindo o conselho e se encantou pela profissão. Ruth dá aulas há 25 anos na
educação infantil. Hoje, não tem dúvida de que fez a
escolha certa: “Tem a ver com a minha personalidade. Eu sou muito brincalhona, gosto de estar perto
Legislação
das pessoas e nessa etapa do ensino é muito natural estar cercado de amor e afeto”.
A LDB de 1996 trouxe um avanço essencial para a educação infantil ao incluí-la como primeira etapa
da educação básica e em dois níveis, as creches e as pré-escolas. Antes, as crianças de até 5 anos ficavam
em creches coordenadas pela assistência social. A Lei define, ainda, que a educação infantil tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Outro passo importante veio com a Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que determina a universalização do ensino gratuito à população de 4 a 17 anos até 2016, o que significa dizer que a pré-escola
será obrigatória. Hoje, quase 7 milhões de crianças estão matriculadas na educação infantil, segundo o
Censo da Educação Básica de 2011. Isso corresponde a pouco mais de 40% da população de até 5 anos.
A última grande mudança ocorreu em 2006, com a Lei no 11.274, que alterou a LDB para implentar
ar o eensino
n
mentar
fundamental de nove anos e tornar obrigatória a matrícula de crianças com 6 anos de
id
dad
de ne
ness
esssa m
o
idade
nessa
modalidade
do ensino, estabelecendo o ano de 2010 como o prazo para o cumprimento
14
Especial
Educação
Adultos comprometidos,
crianças bem sucedidas
Um ensino fundamental de qualidade depende
do empenho de pais, educadores e governantes
texto Viviane Marques
L
er, escrever, fazer contas, ter as primeiras
noções de ciências, geografia e história. O
mundo se abre, vasto, entre cadernos, lápis
e livros a partir dos 6 anos, quando tem início o
ensino fundamental. São nove anos de descobertas
e aprendizados levados para toda a vida. E é nessa
etapa da formação educacional em que mais pesam
o envolvimento e comprometimento de pais, educadores e governo por um aprendizado eficiente. O
cenário para a educação básica ainda está longe da
perfeição, mas desenha-se com boas novas.
8
No fim de março, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa foi aprovado no Senado
e seguiu para sanção presidencial. O documento
institui incentivo e apoio técnico e financeiro da
União a estados e municípios para que as crianças
sejam efetivamente alfabetizadas até os 8 anos.
Inicialmente, serão investidos R$ 3 bilhões do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,
a serem aplicados na formação continuada de professores alfabetizadores e orientadores de estudo,
bem como na premiação de profissionais e escolas
que alcancem bons resultados.
De uma ponta, o governo
federal, por meio do Ministério da Educação, sinaliza com
aumento de investimentos ano
a ano. Programas e projetos visam, entre outros objetivos, à
retenção do aluno no ambiente
escolar e à qualificação de profissionais de ensino. O ministério coordena as políticas públicas de educação em todo o país,
enquanto a execução dessas políticas é tarefa de estados e municípios, que utilizam recursos
próprios ou da suplementação
executada via Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica
(Fundeb). Segundo a assessoria
de comunicação do MEC, o investimento em educação básica, em 2012, abarcou 52,6% do
orçamento da pasta (da ordem
de R$ 83 bilhões), enquanto
para este ano serão 55,6% dos
R$ 90,77 bilhões previstos. “O
histórico da aplicação de recursos vem mudando”, confirma o
consultor legislativo do Senado
Federal Fernando Mariano, que
acompanha de perto as atividades do setor.
Priscila Fonseca da Cruz, diretora executiva da ONG Todos
pela Educação, concorda que
a disparidade da aplicação de
recursos nas duas etapas vem
diminuindo. “O orçamento do
ensino superior, em meados da
década de 1990, era 11 vezes superior ao da educação básica.
Isso vem diminuindo desde a
época do ministro Paulo Renato, e atualmente a relação é de
cinco para um. É normal que o
investimento per capita no aluno da universidade seja maior,
mas ainda se pode diminuir
essa diferença. É preciso investir mais e melhor no aluno das
primeiras séries”, afirma.
Para a especialista, apesar
dos vários programas de apoio
à educação básica, a suplementação financeira e técnica da
União ainda não foi capaz de
promover uma virada. “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Fundeb e
Prova Brasil ajudaram a impulsionar a melhora nos primeiros
anos do ensino fundamental,
mas o problema da segunda etapa (a partir do 6º ano) e do ensino médio é de estrutura: muitas
disciplinas, muitos alunos em
período noturno, pouca oferta
de ensino integral e, principalmente, uma escola desconectada da vida deles. Sentar, ouvir
o professor falar e copiar do
quadro-negro desmotivam esse
jovem”, afirma.
EM SALA
É justamente a dissonância
entre realidade e sala de aula
uma das principais dificuldades
encaradas pelos professores no
dia a dia. Professora de geografia em Belém, capital do Pará,
Kélvia Romano conta dez anos
de ensino na rede pública e dá
aula para 17 turmas.
“Em salas quentes, com alunos dispersos, temos que fazer
malabarismo para prender a
atenção dos educandos, que
veem mais atrativos nas redes
sociais. É necessário usar no-
vas tecnologias como forma de
aprendizagem e até os arredores da própria escola para que
o educando se perceba como
sujeito social histórico, crítico
de sua realidade, mas não é fácil
colocar isso em prática”, constata.
Karla Dias dá 45 horas semanais de aula para o 2º e o 5º
anos de um colégio público do
bairro de Paciência, região com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do
Rio de Janeiro. “Em minha escola existe o Mais Educação e
qualificação profissional, principalmente para professores
que atuam diretamente no programa. A proposta de trabalho
aplica novas metodologias, que
“Os pais devem
matricular e
acompanhar
as dificuldades
e progressos
dos filhos; o
governo tem que
proporcionar uma
escola de qualidade
e a instituição e seus
professores devem
oferecer um ensino
de qualidade”
Karla Dias, professora
9
Foto: Alexandre Ondir
ajudam os alunos com mais dificuldades ou são analfabetos
funcionais”, comenta.
No entanto, enfatiza, isoladamente, nenhum projeto funciona. “Os pais devem matricular e acompanhar as dificuldades e progressos dos filhos;
o governo tem que proporcionar uma escola de qualidade e
a instituição e seus professores
devem oferecer um ensino de
qualidade”, ressalta.
Também na capital fluminense, Nádia Franco Azevedo
é professora das redes estadual
e municipal. Embora veja resultados nos projetos visando
diminuir a distorção idade/
série cursada, ela sente falta de
maior envolvimento das famílias, muitas inseridas em uma
rotina de violência e abandono. Incentivo à leitura por parte dos educadores e a retenção
nas primeiras séries do ensino
fundamental, se o aprendizado
desejado para a etapa não for
adquirido, também devem ser
considerados. “Quando se for-
mam (no ensino fundamental),
muitos ainda têm dificuldade
em leitura, escrita e até mesmo
em fazer contas”, assinala Nádia, que destaca nas escolas em
que trabalha a existência de iniciativas de estímulo à leitura e à
exposição de ideias.
A paraense Kélvia não percebe o ensino fundamental no
foco das políticas públicas e é
contra projetos isolados, como
o Mais Educação. “Acaba sendo
uma forma de mascarar a baixa
qualidade do ensino público.
Em minha escola há aulas extras de letramento e de esportes,
mas o número de participantes
é mínimo, pois muitos moram
longe e não têm condições de
pagar a condução para retornar”, comenta.
EMPECILHOS
Em Belém, vigora a meia-passagem para estudantes. Lá,
como em boa parte do país, a
falta de transporte gratuito,
para que acessem livremente a
escola, é um empecilho para que
Utilizar o contraturno para oferecer atividades complementares em
diversas áreas como esportes, artes e informática é excelente estratégia
para promover um desenvolvimento maior do aluno.
atividades oferecidas no contraturno das aulas funcionem
a contento. Apenas uma parcela dos municípios brasileiros,
entre eles Rio de Janeiro, Cuiabá (MT) e Maringá (PR), dispõem de passe-livre. Em abril,
a prefeitura de João Pessoa (PB)
passou a oferecer aos alunos da
rede municipal o benefício que,
no estado de Goiás, está restrito
à capital, Goiânia, e região metropolitana.
Em Luziânia, por exemplo, já
nos arredores de Brasília, a diarista Cleuza Alves Moreira paga
as passagens para que a filha
Brenda, de 17 anos, possa cursar o ensino médio. Já o caçula,
Guilherme, de 10 anos, chega de
bicicleta à escola municipal na
qual estuda no 5º ano do ensino
fundamental. O menino, entretanto, não tem opção de atividades complementares na parte da
tarde. “Ele acaba ficando solto
na rua ou vendo TV. Seria bem
melhor estar aprendendo um
esporte ou fazendo atividades
na escola”, afirma ela, que é só
elogios para a instituição: “O
ensino é bom, a professora é
ótima. Sempre se comunicam
por bilhetes e fazem reuniões. E
a turma tem só 22 alunos”.
Deborah Penido, mãe de três
crianças com idades entre 8 e
13 anos, afirma que a educação
pública na cidade em que vive,
Areado, no sul de Minas Gerais,
não fica devendo ao que é oferecido em colégios particulares.
Sua filha mais nova está matriculada na rede municipal e os
dois mais velhos, em uma escola
estadual.
“Os dois mais velhos estudaram em colégios particulares
em outra cidade e, ao comparar
o caderno da minha filha com
o de uma amiga que estudava
em escola pública, não vi diferença entre conteúdos, propostas e projetos”, comenta. Para
ela, faz diferença e estimula os
professores o programa Magistra – Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de
Educadores, iniciativa da secretaria de estado de Educação que
promove cursos de capacitação.
A mineira acha, no entanto,
que é possível melhorar. “Como
as escolas não oferecem contraturno, seria interessante que o
governo viabilizasse atividades
como teatro, música ou mesmo
trabalhos manuais. E como política de governo, assim como
a educação é um investimento
contínuo, o professor poderia
ser mais valorizado financeiramente e deveria valer a meritocracia”, afirma.
Mas a realidade acaba sendo
totalmente cruel com os educadores. A professora carioca Nádia assinala que há entes federados (o município do Rio de Janeiro e o estado de Minas Gerais
entre eles) que premiam com
14º salário os profissionais das
instituições públicas de ensino
que atingem as metas propostas
pelo governo. “A consequência
é que as aprovações automáticas continuam sendo praticadas, pois há pressão para se alcançar bons resultados e obter
bonificações. Infelizmente, o
professor e a escola são responsabilizados quando o aluno vai
mal em avaliações como a Prova
Brasil e o Sistema de Avaliação
da Educação do Estado do Rio
de Janeiro (Saerj), sem que seja
visto o histórico escolar e as dificuldades que esse aluno traz
de séries anteriores”, aponta.
INTEGRAÇÃO E CAMINHOS
O consultor Fernando Mariano assinala que os programas governamentais que visam
à melhora do ensino devem ser
articulados entre si para, daí,
surgirem resultados efetivos.
“O turno integral é o meio de
se conquistar a educação integral, com atividades voltadas
para cultura, meio ambiente,
esporte. Há mil formas de se
ampliar o currículo e trabalhar
habilidades como sociabilidade,
trabalho em equipe e integração
social”, comenta.
As mudanças da infância
para a adolescência também
devem ser consideradas, avalia
a diretora da Todos pela Educação, em especial quando se chega ao 6º ano e, de repente, a “tia”
se desmembra em vários professores, um para cada disciplina.
Para Priscila, é difícil responder
a esse modelo fragmentado com
tão pouca idade. “Dos 11 aos 14
anos ocorre a mudança mais
radical da vida do ser humano,
em termos hormonais e físicos.
E pouco se pensa no desenvolvimento cognitivo e neurológico desse indivíduo que entra
criança e sai um jovem do ensino fundamental”, afirma.
“O problema da
segunda etapa (a partir
do 6º ano) e do ensino
médio é de estrutura:
muitas disciplinas,
muitos alunos em
período noturno, pouca
oferta de ensino integral
e, principalmente, uma
escola desconectada da
vida deles"
Priscila Fonseca da Cruz,
Diretora da ONG Todos pela Educação
11
Para a especialista, há três
urgências sobre as quais o ensino fundamental precisa se erguer para que se torne uma etapa efetiva de aprendizado: formação do professor, currículo
nacional e tempo integral. “O
primeiro impacta diretamente na qualidade, mas é preciso
que se diga claramente o que
se quer que o aluno aprenda.
Tudo o que for criado em política educacional deve ser pensado com foco naquilo que o
aluno tem que aprender. Além
disso, o educando fica muito
pouco tempo na escola, exposto ao ensino. Esses itens seriam
só o início, para daí se conse-
guir abarcar outras necessidades”, explica a diretora da TPE.
Para a professora Nádia, a
participação e o incentivo da
família são diretamente responsáveis pelo sucesso dos estudantes. “É no ensino fundamental que se cria a bagagem
do que se vai ser na vida adulta
e a família é a base de tudo”, diz
Nádia.
A realidade é que ainda há
730 mil crianças de 7 a 14 anos
fora da escola. “O grande problema é manter as crianças na
escola e com bons resultados”,
assinala Mariano. A falta de estímulos pedagógicos em casa e
a entrada tardia no sistema de
ensino são uma desvantagem
para os estudantes de baixa
renda. “O ensino fundamental
de nove anos e a meta do PNE
de, em 2016, ter todas as crianças na escola aos 4 anos de idade, vai dar mais dois anos para
que as mais pobres cheguem
lendo aos 8 anos, conforme
prega o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa”,
avalia Mariano, para emendar:
“O resultado escolar depende
da situação familiar e a maioria da população ainda é muito pobre. Se o país continuar
a melhorar a distribuição de
renda, a educação vai melhorar
como um todo”.
Plano Nacional de Educação ainda tramita no Legislativo
Tal qual um piloto retardatário, o Plano Nacional
de Educação (PNE 2011-2020) ainda tramita no Congresso Nacional quando já deveria estar em vigor. Pela
previsão “otimista” de Fernando Mariano, consultor
legislativo do Senado Federal, o plano será votado em
plenário até o fim de 2013 e depois levará cerca de um
ano para que estados e municípios o transformem em
lei. “Serão pelo menos quatro anos sem PNE nos entes
federativos”, assinala.
O grande absurdo é que o documento, que organiza as políticas públicas para a educação do país por
uma década, vai chegar, no mínimo, quase à metade
do seu período de vigência sem sequer ter sido aprovado. “O planejamento é essencial para que se tenha um
rumo. Sem ele, os gestores ficam sem direção, cada um
faz o que achar correto”, argumenta Mariano.
12
Se por um lado é positiva a ampla participação
da sociedade na elaboração do PNE, por outro gritou
a cultura de “deixar para a última hora”. O plano foi
enviado pelo Executivo em 20 de dezembro de 2010,
ou seja, onze dias antes de o PNE anterior deixar de
vigorar. O documento é composto por 20 metas que
englobam todas as etapas do ensino e define estratégias e recursos para realizá-las. Uma das principais
conquistas estabelece que, no fim do decênio, 10% do
PIB sejam direcionados para a educação. Universalizar
o ensino a partir dos 4 anos de idade e garantir que, até
o último ano de vigência, pelo menos 95% dos alunos
concluam o ensino fundamental na idade recomendada, também são metas relevantes que envolvem a melhoria da educação básica. Aos cidadãos, resta torcer
pela bandeirada que levará, enfim, o PNE ao pódio.
Especial
Educação
Ensino médio
na berlinda
Proposta de reformulação pode ser apresentada
ainda este ano no Congresso
texto Viviane Marques
14
E
stá (quase) tudo fora da
ordem na educação pública do país, cujas mazelas são mais que conhecidas. O
que há de novo é que o ensino
médio (antigo segundo grau),
fase que se tornou o grande gargalo de todas as deficiências da
educação básica no Brasil, está
na mira das autoridades e em
breve pode receber uma ampla
reformulação de seu conteúdo programático, considerado
por muitos especialistas excessivo em matérias e superficial
na substância. Por outro lado,
professores e estudantes se ressentem da falta de condições
básicas: infraestrutura precária,
com laboratórios que não funcionam e computadores sem
uso, além dos baixos salários
para os docentes. Nesse impasse, muitos estudantes, principalmente os de origem mais humilde, chegam ao final da etapa
escolar de maneira trôpega, sem
mínimas condições de ascender
a uma vida profissional promissora.
A Câmara dos Deputados
constituiu, em maio de 2012,
a Comissão Especial para Reformulação do Ensino Médio.
Composta por 28 deputados,
ela vem realizando audiências
públicas, debates e seminários
em todos os estados e no DF
para formular, até o fim deste
ano, o relatório que, depois de
aprovado pela presidência da
casa, será encaminhado ao plenário para votação. “A sugestão
do novo modelo será convergente ao que o MEC pensa em
colocar em prática”, afirma o
relator da comissão, deputado
Wilson Filho (PMDB-PB).
Dentre as propostas que o
deputado considera consensuais entre representantes de todas as esferas da educação no
país e que, certamente, estarão
presentes no relatório final,
estão: uma nova grade curricular, afinada com as matérias
pedidas no Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem); facultar
ao aluno inserir o ensino profissionalizante no último ano do
ensino médio tanto na escola
pública quanto na particular; e
estabelecer regras diferenciadas
para os estudantes do turno
da noite para evitar a perda de
interesse e consequente evasão,
que segundo o censo escolar
Inep/MEC de 2011, estava em
cerca de 9,6%.
O parlamentar afirma que
os dados embasam o modelo:
segundo ele, apenas 12% dos
estudantes que concluem o ensino médio chegam à universidade. “Por pressão das escolas
particulares, o atual currículo
consiste em decoreba para passar no vestibular. Hoje, o ensino
médio é desinteressante, ultrapassado. E acaba não servindo
para nada. Não podemos fingir
que 88% (dos alunos) não vão
para a universidade”, declara.
FALTA TUDO
Secretário para assuntos
educacionais da Confederação
Nacional dos Trabalhadores
da Educação (CNTE), Heleno
Araújo aponta que, antes de
reformular a grade curricular,
é preciso colocar em prática
políticas já existentes, como o
piso salarial nacional, o qual
não vem sendo seguido por vários estados e municípios. “Não
há recursos para melhorar a
infraestrutura, falta política de
educação continuada aos professores e o conselho escolar
não atua porque não há formação para conselheiros. Tudo
isso está nas resoluções do CNE
(Conselho Nacional de Educação)”, enumera Araújo.
Para o representante do
CNTE, mais eficiente que mudar o conteúdo ministrado seria
criar uma “lei de responsabilidade educacional” aos gestores
que deixam de cumprir as leis já
existentes. Mas concorda que é
um equívoco trabalhar um currículo voltado para o vestibular e para o Ideb – o Índice de
Desenvolvimento da Educação
Básica, que anualmente avalia,
entre outros itens, o desempenho de escolas e alunos. “É um
grande equívoco fazer essas alterações sem dar condições de
trabalho aos profissionais e de
estudo aos educandos”, afirma
Araújo. Ele ainda lembra que,
pelo PNE 2001-2011, o professor teria matrícula única, podendo se dedicar com exclusividade à comunidade escolar e
dialogar com ela, o que criaria
vínculos e meios para despertar
o interesse e motivar a permanência dos estudantes na escola.
Isso, no entanto, nunca foi posto em prática.
15
IDEB
Foto: Beto Oliveira | Agência Câmara
A discussão sobre os problemas crônicos dessa fase é histórica, mas ganhou força no ano passado quando os dados do Índice
de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) mostraram que o
Ensino Médio está estagnado.
Desde a primeira divulgação, em
2007, o índice subiu apenas 0,1 a
cada dois anos e está em 3,7 numa
escala de zero a dez. De 2009 para
2011, o índice caiu em nove estados, entre eles Bahia e Alagoas. O
aumento nos investimentos não
está se refletindo em melhoria do
ensino.
No Ceará, o resultado do Ideb
para alunos do 3º ano do ensino
médio passou de 3,3 (em 2005)
para 3,7 (2011). Com recursos do
programa federal Brasil Profissionalizado e a abertura de novas
escolas técnicas no estado, passou
de pouco mais de 200 matrículas
no ensino profissionalizante, em
2008, para 35 mil, em 2013. O
segredo? Gerir de maneira mais
eficiente os recursos em busca de
resultados.
O discurso do senador Cristóvam Buarque, em entrevista concedida à edição número 6 de Dinâmica Pública, passa exatamente
por essa questão crucial: gestão
eficiente dos recursos. Recordando: “Se você hoje colocar isso (7%
do PIB) na educação que está aí,
vai jogar dinheiro fora. Você só
pode deixar entrar dinheiro no
sistema depois que sabe que caminho ele vai seguir até chegar à
cabecinha da criança. Eu quero
saber como vai gastar, e aí saber
quanto é. (...) Hoje, botar dinheiro é desperdício”, afirmou.
DIA A DIA
Para quem vivencia o ensino
médio, a necessidade de mudanças grita. Para o pernambucano
Rafael Brasil Filho, que há 30 anos
leciona na cidade de Caetés (PE),
é preciso providenciar urgentemente um currículo nacional enxuto e a divisão entre humanidades e exatas. Ele ainda sugere que
a promoção dos professores esteja
subordinada ao desempenho em
cursos de aperfeiçoamento credenciados em universidades e à
avaliação de desempenho em sala
de aula. “Também é urgentemente necessária a criação de um código disciplinar nas escolas para
coibir a indisciplina e a violência
com os profissionais da educação”, aponta.
O secretário da CNTE, Heleno
Araújo, lembra a importância do
Deputado Federal Wilson
Filho, relator da Comissão
Especial para Reformulação
do Ensino Médio
16
protagonismo do professor como
fundamental para o sucesso dos
estudantes. “Muitos colegas precisam correr de um lado para o outro, têm várias turmas e adoecem,
também por falta de condições
adequadas, dando aulas em salas
sem ventilação, com pouca luz.
Mais de 33% dos professores no
Brasil estão doentes. Faltam condições de desenvolver um trabalho diferenciado”, afirma.
As deficiências acumuladas
ao longo do ensino básico são
lembradas por Rafael Brasil, que
conta que muitos alunos chegam
praticamente analfabetos ao ensino médio. Sem papas na língua,
como no blog que mantém, o
<http://rafaelbrasilfilho.blogspot.
com.br/>, dispara: “Uma solução
seria criar uma prova de acesso ao
ensino médio para que os reprovados tenham mais tempo para se
aperfeiçoar. Não podemos perder
tempo baixando a qualidade do
ensino”.
INTERNET?
Enquanto a precariedade impera, a internet, por enquanto, só
se faz realidade nos smartphones
dos alunos. Brasil Filho sonha
com livros didáticos lançados via
internet, mas Araújo lembra que
a realidade ainda está longe desse
dia. “Estados e municípios deram
tablets sem acesso à internet aos
seus professores, quando a escola
já deveria estar pronta para associar ensino e tecnologia. Mas as
aulas ainda são cuspe e giz porque
não há condições de o professor
estimular a participação e oferecer algo diferenciado”, conclui.
Filho de cozinheira e de um segurança,
Gabriel Reis Brandão Santana tem 17 anos,
trabalha como auxiliar administrativo de
dia e estuda à noite, perto de casa. Mora
em Paraisópolis, bairro humilde da zona
sul de São Paulo. Seu sonho é cursar faculdade de jornalismo. Ele conta para Dinâmica Pública um pouco da sua vivência.
“Em minha sala há 43 alunos na lista, porém apenas uns 35 são
frequentes. A maioria está cursando no tempo correto, entretanto, existem umas seis pessoas entre 18 e 19 anos. Eu tenho uma
relação boa com os meus professores, diferentemente de alguns
que têm um tipo de rixa, ou simplesmente não vão com a cara
dos docentes. Eu os considero bons, muitos possuem currículos
exemplares, são formados por universidades federais, lecionam
em escolas particulares. A minha escola possui uma estrutura razoavelmente boa, são 16 salas de aula em um bom estado, refeitório e duas quadras esportivas, onde tenho aula de educação física,
aos sábados. Algo que me deixa feliz por um lado, por outro me
deixa triste, (é que) temos uma sala de informática com máquinas
novíssimas, mas não existe um monitor, por isso não a usamos,
assim como um laboratório para as aulas de Física e Química que
não é usado, não sei qual a razão...
Eu gosto muito da escola em si, dos funcionários que lá trabalham, dos professores que geralmente ensinam bem, da direção da
escola, é um clima agradável para se estudar, não tenho problema
com ninguém. Mas acho que as matérias pra se estudar não são
suficientes, deveriam ser adicionadas: uma segunda língua estrangeira, além do Inglês, como o Espanhol (até porque no mercado
de trabalho isso faz uma enorme diferença); e aula de Ensino Religioso, que considero muito importante para a formação de análise
crítica e lógica do estudante.
Meus pais se preocupam com meu desempenho, porém, não
são de ficar cobrando, até porque nunca tive problemas com notas. Minha mãe sempre encontra atividades da escola em minhas
gavetas, repara na nota e geralmente faz um elogio. Ela sempre vai
à reunião de pais e mestres, assim como os pais dos meus amigos.
A palavra certa para a melhoria do ensino no Brasil seria INVESTIMENTO. Investimento na formação do professor, com
mais oportunidades de aprimoramento, e remuneração maior (o
professor que ganha pouco muitas vezes vai ao trabalho desanimado, deveria ocorrer uma maior valorização aos nossos docentes), e investimento no ensino em si, na estrutura de escolas e
na qualificação dos adolescentes, pois esses jovens que possuem
poucos recursos hoje serão os nossos profissionais de amanhã.”
Para encerrar a reportagem,
vale ressalvar: Gabriel é um jovem estudioso e responsável,
com pais que se interessam por
seu desempenho escolar. Respondeu à entrevista, feita por
e-mail, em um português quase
perfeito. Talvez não represente
a média dos seus pares, infelizmente, mas seu empenho e sua
fé no futuro são um emocionante exemplo de que é possível
haver humanidade no caos.
SOLUÇÕES SEGUNDO
OS PROFESSORES
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Rafael Brasil
Currículo nacional enxuto
Turnos de seis horas de aula
Laboratórios e bibliotecas
a cargo de profissionais
capacitados
Aprimoramento e “desideologização” dos cursos de
formação
Prova de acesso ao ensino
médio
Mudança radical do vestibular
Heleno Araújo
Valorização salarial e profissional do professor
Infraestrutura de qualidade
nas escolas
Dedicação exclusiva do
docente
Lei de responsabilidade
educacional
Acesso eficiente a computadores e tablets
17
Especial
Educação
Cenário de
pujança
Ingresso ao ensino superior cresce,
motivado por campi no interior, cursos a
distância e formação tecnológica.
texto Viviane Marques
Foto: spirit of america / Shutterstock.com
24
N
unca houve tantos
alunos na faculdade, no Brasil, e isso
inclui cursos de graduação,
pós-graduação e tecnológicos. O mais recente Censo da
Educação Superior, divulgado
em setembro, aponta que, em
2012, havia sete milhões de
estudantes matriculados, um
aumento de 4,4% em relação
ao ano anterior. Tanta pujança poderá suprir a carência
de mão de obra qualificada
no mercado de trabalho brasileiro nos próximos anos? E
como fica a formação desses
graduandos diante da deficiência da educação básica?
Projetos que concedem
bolsas, como o Programa
Universidade para Todos
(ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante
do Ensino Superior (Fies),
têm grande peso nesse crescimento no que diz respeito às
instituições particulares. Por
outro lado, o Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), tirou da estagnação a criação e
a expansão das universidades
federais, interiorizando campi
e ampliando a infraestrutura
existente. O ensino a distância (EAD), com 1,1 milhão de
matrículas efetuadas, também
vem observando aumento natural devido à ampliação do
acesso à internet e à maior
oferta de cursos.
O secretário executivo da
Associação Nacional dos Di-
rigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), Gustavo Balduíno,
não vê ameaça na qualidade
dos cursos oferecidos porque
a ampliação do número de
vagas segue um parâmetro de
qualidade, como a exigência
do título de doutor nos concursos para professores. A exceção, determinada pela Lei
nº 12.863, que dispõe sobre
a estruturação do Plano de
Carreiras e Cargos de Magistério Federal, fica para áreas
de conhecimento ou localidades nas quais não haja disponibilidade de detentores do
título – nesses casos, poderão
ser aceitos mestres, profissionais com especialização ou
diploma de graduação. “A expansão é importante para o
Brasil porque cria um estímulo, junto com as ações afirmativas (cotas), para quem vem
da educação básica pública e
antes nem pensava em ingressar na universidade. Os pais
passam a cobrar qualidade da
escola e, com mais concorrência, o jovem do ensino médio
vai buscar uma nota melhor.
Abriu um novo horizonte”,
analisa Balduíno.
Para o professor aposentado da Universidade de Brasília
(UnB) Erasto Fortes, membro
da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de
Educação (CNE), órgão ligado ao Ministério da Educação
(MEC), embora ainda haja
um discurso generalizante
de que o ciclo básico (funda-
mental e médio) seja precário,
avaliações como o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram
sinais de melhora, apesar de
ainda haver muito que se conquistar. “As instituições de
ensino superior não deveriam
permitir o ingresso de alunos
com deficiência no aprendizado. Agora começa a surgir um
excesso de vagas nas instituições particulares, nas quais os
alunos ingressam a qualquer
custo”, afirma.
ProUni e Fies
O acesso ao ensino superior pago foi facilitado pelos
incentivos dados pelo governo federal por meio de
programas de bolsas e financiamentos. O primeiro foi o
ProUni, que chegou em 2005
a ser responsável por ofertar
112 mil bolsas. O número vem
caindo e, em 2012, alcançou
apenas 90 mil alunos. O Fies,
que financia o aluno durante
o curso, já tem quase 900 mil
participantes.
Jaqueline Lima tem 28
anos e mora em Valparaíso de
Goiás, cidade no entorno do
Distrito Federal. Ela cursa o
sexto semestre de Direito em
uma universidade privada em
Brasília. Filha de marceneiro e
dona de casa, concluiu o ensino médio aos 18 anos. Foi
vendedora e caixa em restaurante, sempre sonhando com
a faculdade cuja mensalidade
o salário não dava para pagar.
Com as mudanças nas regras
25
Oportunidade
Jaqueline Lima cursa direito em uma
instituição privada por meio do FIES
do Fies, em 2010, entre elas a
redução nos juros pagos para
a quitação do financiamento estudantil, a jovem prestou
vestibular. Paga 50% da mensalidade de R$ 1.200,00 com a
bolsa do estágio em um escritório de advocacia e, 18 meses
depois de formada, depositará
todo mês um valor atualmente
estimado em R$ 280,00.
“Se não fosse o Fies, eu não
estaria cursando faculdade.
Quase todas as minhas amigas
financiam totalmente a mensalidade, só eu pago a metade”,
conta a futura advogada, que
agora tenta convencer a irmã
de 24 anos a prestar vestibular
para Educação Física e aderir
ao programa.
A instituição que Jaqueline frequenta, o Iesb, tem três
campi na capital federal e
aproximadamente 14 mil alu-
26
Para Sólon Caldas, diretor
executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras de
Ensino Superior (ABMES),
Fies e ProUni têm importância
relevante na inserção de uma
camada menos favorecida da
população. Ele estima que a
grande maioria dos estudantes
de instituições privadas sejam
egressos da escola pública no
ensino médio. Boa parte trabalha de dia e cursa o período
noturno. Tudo isso ainda não
é suficiente.
“Apenas 16% dos jovens
brasileiros entre 18 e 24 anos
estão cursando o ensino superior. Perdemos para todos os
nossos vizinhos da América do
Sul. O Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020 (ainda
tramitando no Congresso Nacional) estabelece a meta de
35% de matrículas até 2020, o
que será muito difícil de atingir”, diz.
Desde que foram instituídos, os dois programas inseriram mais de dois milhões de
alunos no ensino superior. Caldas não vê, no entanto, ameaça
à qualidade do ensino por con-
ta do maior acesso. “Não melhora nem piora. Se aumenta a
demanda, vou ter que investir
em mais salas, mais estrutura. As instituições seguem um
parâmetro de qualidade medido pelo MEC, ainda que seja
adotado um padrão errado. E
como o aluno do ProUni tem
que se classificar pela nota do
Enem, ele vai se esforçar mais”,
pondera o diretor executivo da
ABMES.
Interiorização
Com a ampliação do acesso,
o gasto do MEC por estudante
da educação superior aumentou apenas 14% entre os anos
2000 e 2012, quando atingiu
R$ 20.690,00, segundo dados
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC. Para Balduíno,
no entanto, a conta se justifica pela evolução tecnológica.
“Antigamente, precisava-se do
livro físico; hoje é de rede de
fibra ótica da melhor qualidade, computadores e assinaturas de conteúdo do portal da
Capes. Muitos experimentos
em laboratórios de física podem ser simulados em computador, no qual também cabe
uma ilha de edição inteira. O
custo é menor e a qualidade,
melhor”, aponta o secretário
da Andifes.
Rumo ao interior
O número de instituições
de ensino federais cresceu
8,4% nos últimos 10 anos,
com um aumento de 124%
no número de ingressantes no
mesmo período. Atualmente,
as universidades e institutos
federais participam com mais
de 60% dos alunos que entram
na rede pública de educação
superior. Isso inclui cursos de
graduação, pós e os institutos
federais, cuja formação está
mais voltada para o mercado
de trabalho. Para Balduíno,
novos cursos e campi são os
dois principais componentes
desse fator. E dá o exemplo da
Universidade Federal de Goiás,
que abriu um campus na cidade de Catalão (GO), local que
tem atraído a indústria automotiva. “Superar as dificuldades regionais é o desafio, pois é
preciso crescer em todo lugar.
E o crescimento das instituições públicas faz parte de uma
política, enquanto a necessidade econômica guia o setor privado. A gente vai para o interior para criar condições de as
pessoas ficarem lá”, compara.
Ele reforça essa ideia ao assinalar que uma universidade
no interior movimenta toda a
economia da região, pois levará novos consumidores para
os produtos e serviços ali oferecidos. “Os professores gastarão seus salários, a internet
de banda larga chega e ainda
começa a surgir toda uma vida
cultural em torno da universidade. Ninguém parou para
fazer as contas, mas é um processo de distribuição de renda, principalmente em regiões
mais pobres”, assinala.
Ensino a distância
distância. O EAD compõe um
ótimo recurso para a especialização, a formação continuada. E a capilaridade permite a
quem vive no interior ampliar
seu conhecimento sem precisar
sair da sua cidade. Há um grande estímulo do governo a essa
modalidade, mas não como
substituição dos cursos presenciais”, comenta.
Com 1,1 milhão de matriculados em instituições públicas e privadas, o ensino a
distância (EAD) é uma alternativa cada vez mais procurada. Segundo Sólon Caldas, os
cursos atendem áreas diversas,
e a procura está muito ligada a
necessidades de mercado. Para
o diretor executivo da ABMES,
boa parte dos matriculados são pessoas mais velhas, que
precisam
estudar
em um horário mais
flexível. “O EAD é
de grande valia no
processo de inserção
social, de ampliação
do conhecimento”,
afirma.
As universidades
públicas não estão
fora desse movimento, pelo contrário. O secretário da
Andifes concorda
que o EAD é uma
grande oportunidade para a democratização do acesso.
Hoje, a referência
no tema em âmbito
federal é a Universidade Aberta do Brasil (UAB), voltada,
principalmente, à
formação continuada de educadores.
“É fundamental ampliar as vagas presenciais, mas tamSólon Caldas, diretor executivo da
Associação Brasileira das Mantenedoras
bém democratizar o
de Ensino Superior
acesso pelo ensino a
27
Divulgação | Ames
Arquivo pessoal | Jaqueline Lima
nos. Segundo a sua assessoria
de imprensa, 29% dos alunos
matriculados são adeptos do
Fies, ou seja, quatro mil estudantes, enquanto outros
1.005 têm bolsa do ProUni. Os
cursos mais procurados são
Direito, Engenharia Civil, Publicidade e Administração de
Empresas.
28
superior a partir da segunda
metade dos anos 2000, principalmente com a interiorização, o setor privado seguiu
em crescimento por conta dos
programas de bolsas oferecidos pelo governo federal. “A
expansão entre 2011 e 2012 foi
menor do que no ano anterior
e houve mais matrículas nas
instituições públicas”, destaca.
Para o conselheiro do CNE,
as universidades e institutos
federais precisam se fortalecer
ainda mais devido ao intenso
processo de fusões e aquisições no setor educacional privado. Ele cita como exemplo a
união, no primeiro semestre
de 2013, do grupo paulista
Anhanguera ao mineiro Kroton, A fusão gerou a maior
empresa do mundo no setor
educacional, com números
superlativos: valor de mercado
de R$ 13 bilhões; um milhão
de alunos (da educação básica à pós-graduação) e R$ 4,2
bilhões de receita bruta. “São
milhões de matrículas na mão
de apenas uma mantenedora,
que tende a sufocar as instituições de menor porte e a gerar
um monopólio. Para esse tipo
de grupo, quanto mais matrículas, mais lucro. Não importa
se o aluno vai se formar ou desistir”, analisa Fortes.
E o setor público acelera.
Segundo o Portal da Transparência, o governo federal
aplicou, em 2012, R$ 493,7
milhões em 52 universidades
e centros universitários, valor
que abrange investimento e
custeio. De acordo com Balduíno, foram construídos ou
reformados quatro milhões
de metros quadrados nas instituições federais, nos últimos
quatro anos. “No ano que
vem, o montante investido diminuirá e vai aumentar o custeio, que são as despesas do dia
a dia. O custo da universidade
aumenta quando se faz expansão”, explica o representante
da Andifes.
Reivindicações
Em junho, as entidades
mantenedoras do ensino superior reuniram-se no 6º Congresso de Educação Superior
Particular e formularam um
documento com 14 reivindicações ao ministro da Educação,
Aluísio Mercadante. A principal delas pleiteia tratamento
diferenciado nas avaliações, de
acordo com a região onde fica
a instituição. “Não é um pleito por avaliação diferenciada,
mas a cobrança por um item
já contemplado na lei que instituiu o (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior) Sinaes. O MEC não
cumpre esse requisito e tem só
um instrumento para todas as
instituições do país, o (Exame
Nacional de Desempenho dos
Estudantes) Enade, que deveria avaliar o aluno e virou um
meio para avaliar o curso”, critica Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES.
Para aferir a qualidade do
curso, na opinião de Caldas, é
preciso observar a diversida-
de e regionalidade do curso.
“Hoje se usa a mesma régua
para avaliar uma faculdade no
interior do Nordeste e a USP.
E as instituições em locais
menos favorecidos acabam
sendo sufocadas pelo excesso
de regulação, e têm resultado
insatisfatório no conceito do
MEC, embora muitas vezes
formem mão de obra específica, a partir do conhecimento
de técnicos com forte formação prática. Desse jeito, prejudica-se a instituição, a região
e as pessoas. É melhor não ter
nada?”, questiona o diretor da
ABMES.
Foto: Iara Malta / Andifes
No entanto, os especialistas não creem que o EAD vá
suprir a carência de mão de
obra especializada reivindicada pelo mercado de trabalho,
até porque áreas mais específicas, como Medicina, não podem ser ofertadas a distância.
Para Sólon Caldas, os entraves
para a expansão da oferta de
cursos tem e terá graves consequências. “Há um excesso de
regulação do MEC. O governo
colhe o que plantou no passado e corre o risco de sofrer,
em áreas como Engenharia e
licenciaturas, a mesma falta
de profissionais que há hoje
em Medicina. Não temos mais
professores de Matemática,
Química e Física. Engenheiros
estão lecionando. É preciso
flexibilizar os procedimentos de autorização para novos
cursos e vagas”, reivindica.
No entanto, o professor
Erasto Fortes lembra que até
2002 a expansão do ensino
superior no Brasil deu-se exclusivamente por meio das
instituições particulares, com
um forte processo de retração
das universidades públicas.
Faltavam profissionais, pois
não havia concursos, tampouco investimentos ou expansão.
“Onze anos atrás, um novo
curso era autorizado a cada
seis horas. Foi uma situação
irresponsável porque a qualidade foi rebaixada”, aponta o
conselheiro do CNE.
Fortes lembra que, apesar
da retomada dos investimentos no ensino público de nível
Formação para
o mercado
Os cursos tecnológicos, ministrados nos institutos federais de educação tecnológica
e em instituições particulares,
são os que mais têm crescido
em número de matrículas. De
acordo com o Censo da Educação Superior, a expansão de
matrículas entre 2011 e 2012
foi de 8,5%, enquanto os bacharelados tiveram mais 4,6%
de inscritos e as licenciaturas,
mais 0,8%. Atualmente, esses
cursos representam 13,5% do
total de matrículas na educação superior.
Para o diretor executivo
da ABMES, tais cursos, voltados à formação prática para o
mercado de trabalho, são uma
solução para suprir a curto
prazo a demanda por profissionais capacitados. “Esses
cursos exigem menos tempo
Gustavo Balduíno, secretário executivo da Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
de formação e capacitam o
profissional a atuar para atender uma necessidade imediata.
Mas sempre haverá procura
pelo bacharelado”, acredita
Caldas.
Apesar disso, o representante das mantenedoras nota
pelos números uma tendência de migração da formação
acadêmica tradicional para os
tecnológicos. “O aluno da iniciativa particular geralmente
paga o estudo trabalhando, e a
formação mais rápida gera um
retorno mais breve do investimento feito, sem desmerecer o
bacharelado, que oferece uma
formação mais acadêmica”,
diz.
O secretário executivo da
Andifes observa que, de qualquer ângulo, o cenário mostra
a carência de profissionais especializados, principalmente
na indústria, na qual há mais
demanda por técnicos. “Em
qualquer lugar do mundo, os
salários de um graduado e do
técnico se equivalem. O mercado precisa dos dois”, ressalta
Balduíno.
A necessidade de bons
quadros técnicos também é
29
apontada por Erasto Fortes, do
CNE. Para ele, apesar de estarem virando quase universidades, os institutos tecnológicos
seriam, em tese, mais voltados
para uma formação de ensino
médio profissionalizante. “Mas
assim como algumas graduações oferecem cursos voltados
ao mercado, a preocupação
dos institutos deve ser com a
formação tecnológica”, afirma.
Balduíno alerta que a educação como política pública
não pode escolher formar um
ou outro tipo de profissional,
tampouco deixar de formá-lo
porque o mercado não demanda nem esperar por essa demanda. Suprir a falta de mão
de obra especializada de nível
superior, como engenheiros,
arquitetos, médicos e na área de
tecnologia da informação é um
caminho que, para ele, independe de necessidades imediatas. “É um processo contínuo e
permanente de consolidação.
Formamos engenheiros para
indústrias e a construção civil, mas também para dar aulas no setor privado. Também
temos que formar o professor
da educação básica, para atender ao aluno que futuramente
vai frequentar a universidade.
Esse caminho (de suprir a demanda) vai ter que ser feito de
bicicleta. Estamos pedalando.
Se pararmos, caímos”, conclui
o secretário executivo da Andifes.
Avanço em quantidade
de Instituições de Ensino
Superior
Investimento
em educação
no Brasil
Números mostram o crescimento
do ensino superior no país
Ano 2000
Ano 2011
Investimento em educação
4,7% PIB
6,1% PIB
Investimento na educação superior
0,9% PIB
1,0% PIB
Valor per capta ensino superior
R$ 18.050
R$ 20.690
Valor per capta ensino fundamental
R$ 1.633
R$ 4.627
Valor per capta ensino médio
R$ 1.557
R$ 4.212
Ano 2002
Ano 2012
Total de instituições
1.637
2.416
Instituições públicas
195
304
14.399
30.420*
Total de cursos oferecidos
Cursos nas instituições públicas
5252
9.833*
1,4 milhão
2,75 milhões*
320 mil
547 mil*
Total de matriculados
3,5 milões
7,04 milhões
Matriculados nas instituições públcias
1,1 milhão
1,9 milhão
Concluintes nos cursos privados
466 mil
1,05 milhão
Concluintes nos cursos públicos
151 mil
237 mil
Docentes nas instituições privadas
242 mil
362 mil
Docentes nas instituições públicas
92 mil
150 mil
Total de ingressos
Ingressos nas instituições públicas
* Dados de 2011, os de 2012 ainda não estão disponíveis
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Fonte: FINEP
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