Capa Valorização do trabalho dos profissionais de ensino engatinha, 50 anos após a publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) texto Mariana Niederauer foto Rafael Ohana D esde que, em dezembro de 1961, entrou em vigor a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), várias mudanças ocorreram no ensino brasileiro e duas novas versões da lei foram aprovadas, incluindo a importância da valorização dos profissionais da educação. Até hoje, porém, os professores lutam por melhores condições de trabalho, pela garantia da formação continuada e por salários melhores. Em março, a categoria fez uma paralisação nacional reivindicando cumprimento do piso salarial, aprovação de um plano de carreira e a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação brasileira. Educação “As conquistas legais ao longo desses 50 anos foram muito lentas e fruto de muitas lutas”, aponta a assessora de avaliação institucional da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Francisca de Fátima Araújo Oliveira, também professora da Faculdade de Educação da UERN. “Quando se faz uma análise mais apurada da realidade educacional brasileira, tais avanços não se traduzem em impactoparaaeducação”,completa. Segundo o professor Célio da Cunha, membro da comissão técnica do movimento independente Todos Pela Educação, a luta pela valorização do magistério precede à primeira LDB. Apenas recentemente, com ações promovidas por estados, municípios e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), alguns avanços podem ser observados, como a aprovação da Lei 11.738/2008, do Piso Salarial Nacional. Para Cunha, a educação constitui apenas uma prioridade no discurso, pois a política educacional tem grande visibilidade na imprensa, mas não é uma prioridade para o país: “Ainda não conseguimos colocar a política de educação como uma política de Estado”. “O problema não é só de financiamento”, ressalta a professora Francisca de Fátima: “É, principalmente, a maneira como se concebe a formação dos professores.” Ela acredita que o problema esteja no fato de as políticas voltadas para a formação de professores serem planejadas e executadas, muitas vezes, por 20 Piso Salarial: realidade só para alguns Muitos estados e municípios ainda não estavam cumprindo as determinações da Lei 11.738/2008 e só alcançavam o valor total do piso incluindo as gratificações no salário do professor. A primeira vitória ocorreu em abril de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a implantação do piso como vencimento inicial. Recentemente, o MEC determinou que o reajuste fosse feito com base no crescimento do valor mínimo por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que teve variação de 22% entre 2011 e 2012. O valor do piso nacional passou, então, de R$ 1.187 para R$ 1.451. Os governos estaduais e municipais alegam dificuldade para se adaptar ao reajuste. Segundo levantamento feito pela Agência Brasil em março, apenas 18 unidades federativas cumprirão a determinação. Segundo a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, todos estão trabalhando não só para pagar o piso, mas também para contratar mais professores e garantir a reserva de um terço da carga horária de trabalho para atividades extraclasse.“O piso foi uma conquista importante, acho que é um divisor de águas na educação”, diz. O gestor municipal tem papel importante para garantir a eficácia na aplicação dos recursos. “É importante entender de políticas públicas e de orçamento público e, sobretudo, é preciso ter autonomia. É preciso que o gestor da educação seja o gestor dos recursos da educação, e não o secretário de finanças”, afirma Cleuza. A secretária-geral da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE), Marta Vanelli, concorda e acredita que não há transparência na aplicação de recursos: “Há profissionais que são pagos com recursos da educação e que não são da educação”. empresas privadas. Assim, as universidades, que estudam e refletem sobre as necessidades da educação no Brasil, não são ouvidas. “No momento de se implantar políticas de formação de professores, é importante que se ofereça uma formação voltada para os valores técnicos, éticos, políticos, sociais e que não privilegie, excessivamente, a certificação em detrimento da qualidade”, diz. “O aumento do investimento na educação tem de ser acompanhado por políticas consistentes, que apresentem resultados efetivos.” Célio Cunha, Todos pela Educação Formação A diretora de Apoio à Gestão Educacional da Secretaria de Educação Básica do MEC, Maria Luiza Martins Aléssio, enumera açõesdoministérioparasolucionar esses problemas. Ela explica que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em 2007, tem como objetivo viabilizar a implementação de uma política pública que torne a educação prioridade do governo e da sociedade brasileira, tomando como um dos eixos centrais a formação e valorização dos seus profissionais da educação. O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), lançado em 2009, foi implantado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para organizar e fomentar a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério das redes públicas da educação básica. Além disso, a Secretaria de Educação Básica também criou a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica e o MEC iniciou, no ano passado, a implantação de medidas para planejar e executar ações de formação continuada. “Desse modo, buscamos a maior convergência entre a oferta e a demanda dos cursos e a institucionalização das iniciativas de formação continuada no âmbito das Instituições de Educação Superior”, afirma Maria Luiza. A Escola Classe 108 Sul, que atende alunos dos anos iniciais do ensino fundamental de Brasília, conseguiu vencer vários dos desafiosquearedepúblicadeensino enfrenta e alcançar bons resultados na aprendizagem. A remuneração dos professores no Distrito Federal está entre as mais altas do país. Os educadores também contam com dois dias livres por semana para coordenações externas, que podem ser feitas em casa, e dão aula para uma média de 25 alunos por sala, número considerado ideal pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Paredes claras e grades coloridas com pouco mais de um metro de altura – típicas de edificações que fazem parte do Patrimônio Histórico e Cultural da capital federal – contribuem para outro fator importante: a ambiência. “Ambiente acolhedor, número ideal de alunos em sala de aula, professores competentes, usufruindo de vários privilégios, não sendo massacrados por um salário muito baixo; como não ter um trabalho que favoreça todo esse processo e que eleve o índice da escola?”, aponta a diretora, Débora Idê Taquary de Andrade. Plano Nacional Uma das metas do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deve vigorar de 2011 a 2020 e aguarda aprovação no Congresso Nacional, diz respeito justamente ao investimento público na educação. O plano foi discutido com os profissionais da área durante a Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010, e a única divergência entre o que foi discutido e o projeto de lei encaminhado pelo então presidente Lula ao Congresso foi a aplicação de 10% do PIB na educação pública. O governo defende apenas 7% do PIB e o relator do projeto na Câmara, deputado Angelo Vanhoni (PT- 21 Marta Vanelli, da CNTE, está otimista com mais investimentos. PR), negocia um meio termo, 8% de investimento público total. As entidades do setor acreditam queopercentualnãoésuficientepara cumprir todas as metas definidas no PNE, como universalização e ampliação do acesso e atendimento em todos os níveis educacionais, incentivo à formação inicial e continuada de profissionais, além de avaliação e acompanhamento periódicoeindividualizadodetodosos envolvidos.“Em 2016, a população de 4 a 17 anos precisa estar matriculada, e essa conta precisa ser paga”, afirma Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Apesar disso, a secretáriageral da CNTE, Marta Vanelli, é otimista. Durante o governo Lula, o investimentoemeducaçãoaumentou 1,2% e, hoje, é de pouco mais de 5% do PIB. “Houve muitas mudanças só com esse aumento”, diz. Para Marta, mesmo que seja definida a aplicação de 8% do PIB na área, será possível evoluir muito mais. Cunha acredita que o cálculo de 10% do PIB é bom, mas o país dificilmente terá condições de arcar com esse gasto. Por isso, 22 7% já representariam um avanço. “Além disso, você precisa de toda uma estratégia de planejamento. O aumento do investimento na educação tem de ser acompanhado por políticas consistentes, que apresentem resultados efetivos”, diz. Ele lembra que só recentemente começou a se pensar na educação básica para todos e há um déficit histórico muito grande a ser corrigido. Qualidade do ensino Não basta universalizar a oferta de ensino e investir 10% do PIB em educação se a qualidade do ensino não acompanhar o crescimento. Em 2007, os professores e a rede pública ganharam um aliado forte de medição da qualidade, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Hoje, a média brasileira nos anos iniciais do ensino fundamental é 4,6. A meta é alcançar a nota 6 até 2021. O Ideb é calculado a partir dos resultadosdeoutrosdoisindicadores educacionais importantes, o Censo Escolar e a Prova Brasil. Para a presidente da Undime, eles são essenciais para levantar as necessidades de cada rede de ensino e para que se pense também na qualidadedaeducação,casocontrário “as crianças vão passar pelo sistema e o sistema não vai mudar a vida delas, a escola tem esse papel mobilizador”. A Escola Classe 108 Sul tem a terceira maior nota do Ideb no Distrito Federal, superada apenas por outra escola classe e um colégio militar. A diretora atribui a nota 6,8 – superior à média distrital – ao investimento na autoestima do aluno: “A criança tem que acreditar nela mesma. A aprendizagem começa de dentro para fora”. Para Débora, a escola tem o privilégio de contar com bons profissionais, todos com curso superior. Um dos desafios para alcançar resultados positivos são os alunos com perfis muito distintos dentro da mesma sala de aula. Os professores precisam dar atenção diferenciada aos portadores de deficiência física, com hiperatividade ou altas habilidades, por exemplo. A partir da avaliação de uma equipe de Escola Classe 108 Sul tem o terceiro maior Ideb do DF. da escola. A intenção é que, com a chegada dos computadores, os próprios alunos comecem a inserir conteúdo on-line. Tecnologia Hoje, além da formação continuada, os professores também precisam estar preparados para utilizar a tecnologia em sala de aula. “Se antes ele precisava estar constantemente atualizado, nessa sociedade do conhecimento, ainda mais. O conhecimento se tornou disponível para todos. Isso requer um contínuo aperfeiçoamento do professor”, afirma Célio da Cunha. Estar preparado para utilizar essas tecnologias em sala de aula significa não só equipar a escola com computadores e internet, mas ter um projeto pedagógico para guiar o trabalho do professor e manter a atenção do aluno no conteúdo didático. “Você tem de ter um professor e um processo pedagógico da escola que possam de fato utilizar todasaspotencialidadesdessesmeios”, ressalta Cunha. O professor de História Reinaldo Vicentini, do Centro Educacional 2 do Cruzeiro, cidade-satélite de Brasília, qualificou-se para essa exigência da profissãoeutilizaasnovastecnologias emsala.Eledeixatodooconteúdodas aulas disponível no blog da escola. Os alunos do 3º ano do ensino médio também não precisam imprimir os trabalhos, basta enviá-los por e-mail. Conquistas orientadores e psicopedagogos é planejada a estrutura adequada para atender individualmente as necessidades de cada um deles. O próximo passo agora é inserir a escola na era digital. O laboratório de informática já está montado, só falta instalar os computadores. “Eu acho que a escola ainda não está pensando de uma maneira digital e temos que nos adaptar”, lembra Débora. Professores e pais já alimentam um blog com as informações úteis e novidades A obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 anos; serventes, merendeiros, secretáriosetodososqueparticipamdodiaadiadaescolareconhecidoscomo profissionais da educação; e a educação infantil sair da responsabilidade da assistênciasocialepassarparaosistemaeducacional:essasforamalgumasdas mudanças – para melhor – da educação brasileira nos últimos 50 anos. Marta Vanelli, secretária-geral da CNTE, acredita que a primeira LDB foi importante para iniciar o debate sobre a educação no país, tornando possível se começar a pensar em mudanças e soluções para os problemas da rede de ensino. FranciscadeFátimaAraújoOliveira,assessoradeavaliaçãoinstitucionalda UERN, cita a própria Constituição de 1988 e a LDB de 1996 como avanços para a educação brasileira e para a carreira docente. As leis que criaram o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1996, e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), dez anos mais tarde, também representaram avanços.“Legislação nós já temos, basta colocá-la em prática”, conclui a secretária-geral da CNTE. Algumasdastarefasdecasaenvolvem produzirvídeoscurtosrelacionadosao conteúdo e assistir filmes para depois debatercomoscolegasduranteaaula. Os livros impressos também foram substituídos por versões eletrônicas, de fácil acesso e domínio público, respeitando direitos autorais. Commaisde30anosdeprofissão, Vicentini trabalha há 23 na rede pública. “A Secretaria de Educação sugeriuoportunidades,possibilidades devocêveroutrasformasdeeducação. O professor tem um currículo a ser desenvolvido, mas também certa liberdade na execução. Você pode sair da aula tradicional e tentar outras formas didáticas”, afirma. Em2002,eleconcluiuomestrado em Tecnologia da Educação, o que contribuiu para sua forma de cobrar as tarefas do aluno.“A aula expositiva continua existindo, não tem saída”, explica Reinaldo. “Esses trabalhos pegam o paradigma antigo – que é o ler e escrever com reflexão – e o utilizam dentro das tecnologias informacionais”, completa. Aplicando essas novas técnicas, o professor tenta manter a atenção de todos durante os 50 minutos da aula, o que não é fácil quando se tem a média de 40 alunos por sala. Fazer com que eles reflitam e transformar a escolaemumespaçodeformaçãode opinião são outros objetivos. “Acho que a única maneira de a gente sair dessa condição de país pobre é pela educação, não existe alternativa”, diz. “A educação nos permite entender o que é o processo civilizatório.” 23 Especial Educação Uma etapa marcante para toda a vida No ensino infantil, brincar é aprender. Além de um ambiente lúdico e seguro, é fundamental a boa formação dos professores. texto Mariana de Araújo fotos André Kazuo N os murais coloridos, em que os desenhos dividem espaço com as letras do alfabeto, e nas brincadeiras propostas pela professora, estão inseridas práticas pedagógicas que dão início à formação das crianças. É a hora de as mãos inquietas e os olhos curiosos começarem a explorar com todos os sentidos as possibilidades do mundo. O ensino infantil é a etapa da educação básica que ajuda a garantir um bom desenvolvimento nas fases seguintes, os ensinos fundamental e médio. 10 O secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dosTrabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo Filho, destaca alguns pontos que devem ser observados e aprimorados na educação infantil brasileira. A primeira preocupação é com o local destinado e a garantia da permanência desses alunos na escola. É importante que tenha espaço próprio e não atenda no mesmo lugar a alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de outras etapas da educação básica. Segundo ele, algumas creches ainda funcionam em imóveis alugados. “Pesquisas mostram que o espaço onde essas crianças vão ficar até os 5 anos de idade vai marcar as suas vidas por inteiro.” A formação do professor é o próximo ponto importante a ser considerado. Esses profissionais precisam trabalhar em jornada integral, com um turno voltado apenas para aperfeiçoamento. O ideal, portanto, é que lecionem apenas em uma turma. Para o secretário, os outros funcionários também podem ajudar no processo de formação das crianças e devem fazer parte do quadro permanente das secretarias de Educação. A merendeira deve ser técnica de nível médio e o funcionário da limpeza, técnico em infraestrutura e meio ambiente. Para mudar essa realidade, a CNTE e outras entidades do setor participam de um grupo de trabalho que discute, com a Diretoria de Ensino Infantil da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), formas de avaliar a educação infantil, para que o poder público tenha um diagnóstico completo dessa etapa do ensino e possa desenvolver políticas que promovam as modificações necessárias. Araújo defende que a forma de mensurar a qualidade do ensino deve levar em consideração a instituição e o processo de aprendizagem como um todo. “Essa avaliação não pode ser focada apenas no rendimento das crianças”, afirma. Aprender brincando Pode não parecer, mas os pequenos não nascem sabendo recortar, colar e segurar um lápis para rabiscar o papel. Todas essas habilidades fazem parte de um processo de aprendizagem iniciado e aprimorado na primeira fase do ensino. O gestor público precisa ter a sensibilidade para perceber o quanto a formação das crianças necessita de delicadeza. E cada um pode ter esse papel na sua área de atuação. 11 Para Lara Sanches, coordenadora pedagógica do Jardim de Infância da 308 Sul, em Brasília, o professor é o gestor da sala de aula. Desempenhar bem essa função depende da formação do docente, que ocorre em três níveis: a inicial, a continuada e aquela que adquire em sala da aula, no próprio trabalho que desenvolve com os alunos. No Distrito Federal, os docentes ganharam uma vantagem com a implantação da jornada ampliada. Os professores passam cinco horas em sala de aula e têm o outro turno livre para planejamento. Para atrair a atenção da criança, todas as atividades do jardim de infância envolvem a arte e o lúdico. Com isso, é possível iniciar o processo de alfabetização aos poucos. Sem que a criança perceba, ela tem acesso a toda a prática social da escrita e da leitura, desde quando vê a professora escrevendo um bilhete ou lendo uma história até o momento em que aprende com que letra começa seu nome. “A sala da educação infantil é chamada de ambiente alfabetizador. O professor não tem a obrigação de alfabetizar, mas oferece subsídios para isso”, explica Lara. Outra parte importante do desenvolvimento infantil é a psicomotricidade. As crianças são estimuladas a correr, saltar, engatinhar, e trabalhar a expressão facial e corporal nas histórias contadas pelos professores. “A criança nessa idade é puro movimento. Então, precisa ser estimulada a trabalhar isso também”, diz a coordenadora. Esses exercícios ajudam a desenvolver a coordenação motora fina, aquela que vai definir, por exemplo, o movimento de pinçar, necessário para segurar o lápis e escrever. Gestão eficiente es, conta como é a experiência de gerir a escola. A chave do sucesso, para ela, é propor uma gestão na qual todos participem e formem uma equipe, com diretores, professores e demais funcionários trabalhando em harmonia. “A prioridade tem de ser sempre o aluno. A escola funciona em função deles, não da gente. Tem de colocar os alunos acima de tudo.” Na visão da diretora, a primeira fase da educação básica prepara a criança de uma maneira global, para que ela consiga se sair bem na alfabetização e aprenda a conviver em grupo. “Assim, ela vai ser um adulto mais seguro, mais bem desenvolvido, um ser humano que vai saber argumentar com consciência, conhecer o seu papel dentro da sociedade, ter autonomia e não se abater com as frustrações”, comenta. Ela admite que essa não é uma tarefa fácil, mas faz parte dos objetivos da escola. “A nossa maior preocupação aqui é que eles sejam muito felizes”, conclui. Para a coordenadora de educação infantil da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), Edna Rodrigues Barroso, um dos principais benefícios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 foi a inclusão da educação infantil como primeira etapa da educação básica e o foco no desenvolvimento integral da criança (mais detalhes no box sobre legislação). Com isso, vieram também desafios, como a ampliação de vagas para garantir a todos o direito à educação. O DF está se aproximando da universalização da oferta de vagas para crianças de 4 e 5 anos, a chamada pré-escola, atendendo a 70% da demanda local. “No caso do atendimento das crianças de até 3 anos (nas creches), o desafio é maior, visto que o investimento é necessariamente bastante alto nessa faixa etária e o número de vagas não corresponde à necessidade da população”, informa a coordenadora. Atualmente, a capital tem 239 unidades públicas e 51 conveniadas na educação infantil. Dificuldades superadas Não é segredo que a rede pública de ensino enfrenta problemas relacionados a recursos e manutenção do espaço físico. No Jardim de Infância da 304 Norte essas dificuldades são superadas mantendo-se o foco na formação dos alunos e com o apoio constante dos pais, por meio da Associação de Pais e Mestres (APM). Com uma direção aberta, tudo é discutido e debatido em conjunto. Assim, eles veem a importância da instituição na vida dos filhos e ajudam sempre que é preciso. “Nós conseguimos manter e conservar a escola com a ajuda dos pais”, afirma a diretora, Renice Suman. Em termos de aprendizagem, o que contribui muito é o fato de a escola trabalhar com projetos. “No ensino fundamental e no ensino médio tenta-se trabalhar com projetos, mas como as disciplinas são Da sala de aula para a administração, a diretora do Jardim de Infância da 308 Sul, Val Mora- 12 13 muito separadas é mais complicado. Aqui, em cima do projeto nós trabalhamos todo o conteúdo de sala de aula”, diz a diretora. A escola desenvolve projetos sobre hábitos alimentares, promove passeios para que os alunos conheçam a capital e conta com atividades para que desenvolvam a coordenação motora e os bons hábitos de leitura. Na horta, a garotada planta e colhe alimentos, aprendendo todas as etapas do processo — inclusive a paciência para saber esperar a hora em que o vegetal está pronto para ser retirado da terra. Dentro dos projetos trabalhados, há a possibilidade de individualizar as atividades de acordo com as necessidades de cada criança. “A atividade é a mesma para todos, mas a forma como ela será conduzida é individualizada”, conta Renice. A professora Ruth Chornobay explica como funciona essa percepção em sala de aula. Existem comportamentos e habilidades que são esperados para cada faixa etária. Quando a criança apresenta capacidade que vai além da esperada, como um aluno de maternal desenhando com riqueza de detalhes ou, pelo contrário, um que não acompanha o ritmo da turma, é possível trabalhar de maneira diferente para que ela corresponda ao que é natural para a idade ou desenvolva a habilidade na qual tem mais talento. “Nós tentamos levá-los ao conjunto, mas respeitando as individualidades”, detalha Ruth. “O gostoso na pré-escola é que a gente dá a oportunidade de cada um se expressar da sua forma e na sua fase do desenvolvimento. Com certeza, todo esse estímulo vai levar a criança a chegar ao letramento mais facilmente”, acrescenta. Outro ponto que a educadora aponta como essencial é a troca de experiências com os demais professores. Assim, todos têm a oportunidade de aperfeiçoar o trabalho em sala de aula. Quem vê Ruth contando sua experiência como educadora acha que ela já nasceu ensinando. O incentivo inicial, porém, veio do pai, que queria que ela fosse professora. Com poucas opções na cidade onde vivia, acabou seguindo o conselho e se encantou pela profissão. Ruth dá aulas há 25 anos na educação infantil. Hoje, não tem dúvida de que fez a escolha certa: “Tem a ver com a minha personalidade. Eu sou muito brincalhona, gosto de estar perto Legislação das pessoas e nessa etapa do ensino é muito natural estar cercado de amor e afeto”. A LDB de 1996 trouxe um avanço essencial para a educação infantil ao incluí-la como primeira etapa da educação básica e em dois níveis, as creches e as pré-escolas. Antes, as crianças de até 5 anos ficavam em creches coordenadas pela assistência social. A Lei define, ainda, que a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Outro passo importante veio com a Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que determina a universalização do ensino gratuito à população de 4 a 17 anos até 2016, o que significa dizer que a pré-escola será obrigatória. Hoje, quase 7 milhões de crianças estão matriculadas na educação infantil, segundo o Censo da Educação Básica de 2011. Isso corresponde a pouco mais de 40% da população de até 5 anos. A última grande mudança ocorreu em 2006, com a Lei no 11.274, que alterou a LDB para implentar ar o eensino n mentar fundamental de nove anos e tornar obrigatória a matrícula de crianças com 6 anos de id dad de ne ness esssa m o idade nessa modalidade do ensino, estabelecendo o ano de 2010 como o prazo para o cumprimento 14 Especial Educação Adultos comprometidos, crianças bem sucedidas Um ensino fundamental de qualidade depende do empenho de pais, educadores e governantes texto Viviane Marques L er, escrever, fazer contas, ter as primeiras noções de ciências, geografia e história. O mundo se abre, vasto, entre cadernos, lápis e livros a partir dos 6 anos, quando tem início o ensino fundamental. São nove anos de descobertas e aprendizados levados para toda a vida. E é nessa etapa da formação educacional em que mais pesam o envolvimento e comprometimento de pais, educadores e governo por um aprendizado eficiente. O cenário para a educação básica ainda está longe da perfeição, mas desenha-se com boas novas. 8 No fim de março, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa foi aprovado no Senado e seguiu para sanção presidencial. O documento institui incentivo e apoio técnico e financeiro da União a estados e municípios para que as crianças sejam efetivamente alfabetizadas até os 8 anos. Inicialmente, serão investidos R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a serem aplicados na formação continuada de professores alfabetizadores e orientadores de estudo, bem como na premiação de profissionais e escolas que alcancem bons resultados. De uma ponta, o governo federal, por meio do Ministério da Educação, sinaliza com aumento de investimentos ano a ano. Programas e projetos visam, entre outros objetivos, à retenção do aluno no ambiente escolar e à qualificação de profissionais de ensino. O ministério coordena as políticas públicas de educação em todo o país, enquanto a execução dessas políticas é tarefa de estados e municípios, que utilizam recursos próprios ou da suplementação executada via Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Segundo a assessoria de comunicação do MEC, o investimento em educação básica, em 2012, abarcou 52,6% do orçamento da pasta (da ordem de R$ 83 bilhões), enquanto para este ano serão 55,6% dos R$ 90,77 bilhões previstos. “O histórico da aplicação de recursos vem mudando”, confirma o consultor legislativo do Senado Federal Fernando Mariano, que acompanha de perto as atividades do setor. Priscila Fonseca da Cruz, diretora executiva da ONG Todos pela Educação, concorda que a disparidade da aplicação de recursos nas duas etapas vem diminuindo. “O orçamento do ensino superior, em meados da década de 1990, era 11 vezes superior ao da educação básica. Isso vem diminuindo desde a época do ministro Paulo Renato, e atualmente a relação é de cinco para um. É normal que o investimento per capita no aluno da universidade seja maior, mas ainda se pode diminuir essa diferença. É preciso investir mais e melhor no aluno das primeiras séries”, afirma. Para a especialista, apesar dos vários programas de apoio à educação básica, a suplementação financeira e técnica da União ainda não foi capaz de promover uma virada. “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Fundeb e Prova Brasil ajudaram a impulsionar a melhora nos primeiros anos do ensino fundamental, mas o problema da segunda etapa (a partir do 6º ano) e do ensino médio é de estrutura: muitas disciplinas, muitos alunos em período noturno, pouca oferta de ensino integral e, principalmente, uma escola desconectada da vida deles. Sentar, ouvir o professor falar e copiar do quadro-negro desmotivam esse jovem”, afirma. EM SALA É justamente a dissonância entre realidade e sala de aula uma das principais dificuldades encaradas pelos professores no dia a dia. Professora de geografia em Belém, capital do Pará, Kélvia Romano conta dez anos de ensino na rede pública e dá aula para 17 turmas. “Em salas quentes, com alunos dispersos, temos que fazer malabarismo para prender a atenção dos educandos, que veem mais atrativos nas redes sociais. É necessário usar no- vas tecnologias como forma de aprendizagem e até os arredores da própria escola para que o educando se perceba como sujeito social histórico, crítico de sua realidade, mas não é fácil colocar isso em prática”, constata. Karla Dias dá 45 horas semanais de aula para o 2º e o 5º anos de um colégio público do bairro de Paciência, região com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do Rio de Janeiro. “Em minha escola existe o Mais Educação e qualificação profissional, principalmente para professores que atuam diretamente no programa. A proposta de trabalho aplica novas metodologias, que “Os pais devem matricular e acompanhar as dificuldades e progressos dos filhos; o governo tem que proporcionar uma escola de qualidade e a instituição e seus professores devem oferecer um ensino de qualidade” Karla Dias, professora 9 Foto: Alexandre Ondir ajudam os alunos com mais dificuldades ou são analfabetos funcionais”, comenta. No entanto, enfatiza, isoladamente, nenhum projeto funciona. “Os pais devem matricular e acompanhar as dificuldades e progressos dos filhos; o governo tem que proporcionar uma escola de qualidade e a instituição e seus professores devem oferecer um ensino de qualidade”, ressalta. Também na capital fluminense, Nádia Franco Azevedo é professora das redes estadual e municipal. Embora veja resultados nos projetos visando diminuir a distorção idade/ série cursada, ela sente falta de maior envolvimento das famílias, muitas inseridas em uma rotina de violência e abandono. Incentivo à leitura por parte dos educadores e a retenção nas primeiras séries do ensino fundamental, se o aprendizado desejado para a etapa não for adquirido, também devem ser considerados. “Quando se for- mam (no ensino fundamental), muitos ainda têm dificuldade em leitura, escrita e até mesmo em fazer contas”, assinala Nádia, que destaca nas escolas em que trabalha a existência de iniciativas de estímulo à leitura e à exposição de ideias. A paraense Kélvia não percebe o ensino fundamental no foco das políticas públicas e é contra projetos isolados, como o Mais Educação. “Acaba sendo uma forma de mascarar a baixa qualidade do ensino público. Em minha escola há aulas extras de letramento e de esportes, mas o número de participantes é mínimo, pois muitos moram longe e não têm condições de pagar a condução para retornar”, comenta. EMPECILHOS Em Belém, vigora a meia-passagem para estudantes. Lá, como em boa parte do país, a falta de transporte gratuito, para que acessem livremente a escola, é um empecilho para que Utilizar o contraturno para oferecer atividades complementares em diversas áreas como esportes, artes e informática é excelente estratégia para promover um desenvolvimento maior do aluno. atividades oferecidas no contraturno das aulas funcionem a contento. Apenas uma parcela dos municípios brasileiros, entre eles Rio de Janeiro, Cuiabá (MT) e Maringá (PR), dispõem de passe-livre. Em abril, a prefeitura de João Pessoa (PB) passou a oferecer aos alunos da rede municipal o benefício que, no estado de Goiás, está restrito à capital, Goiânia, e região metropolitana. Em Luziânia, por exemplo, já nos arredores de Brasília, a diarista Cleuza Alves Moreira paga as passagens para que a filha Brenda, de 17 anos, possa cursar o ensino médio. Já o caçula, Guilherme, de 10 anos, chega de bicicleta à escola municipal na qual estuda no 5º ano do ensino fundamental. O menino, entretanto, não tem opção de atividades complementares na parte da tarde. “Ele acaba ficando solto na rua ou vendo TV. Seria bem melhor estar aprendendo um esporte ou fazendo atividades na escola”, afirma ela, que é só elogios para a instituição: “O ensino é bom, a professora é ótima. Sempre se comunicam por bilhetes e fazem reuniões. E a turma tem só 22 alunos”. Deborah Penido, mãe de três crianças com idades entre 8 e 13 anos, afirma que a educação pública na cidade em que vive, Areado, no sul de Minas Gerais, não fica devendo ao que é oferecido em colégios particulares. Sua filha mais nova está matriculada na rede municipal e os dois mais velhos, em uma escola estadual. “Os dois mais velhos estudaram em colégios particulares em outra cidade e, ao comparar o caderno da minha filha com o de uma amiga que estudava em escola pública, não vi diferença entre conteúdos, propostas e projetos”, comenta. Para ela, faz diferença e estimula os professores o programa Magistra – Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores, iniciativa da secretaria de estado de Educação que promove cursos de capacitação. A mineira acha, no entanto, que é possível melhorar. “Como as escolas não oferecem contraturno, seria interessante que o governo viabilizasse atividades como teatro, música ou mesmo trabalhos manuais. E como política de governo, assim como a educação é um investimento contínuo, o professor poderia ser mais valorizado financeiramente e deveria valer a meritocracia”, afirma. Mas a realidade acaba sendo totalmente cruel com os educadores. A professora carioca Nádia assinala que há entes federados (o município do Rio de Janeiro e o estado de Minas Gerais entre eles) que premiam com 14º salário os profissionais das instituições públicas de ensino que atingem as metas propostas pelo governo. “A consequência é que as aprovações automáticas continuam sendo praticadas, pois há pressão para se alcançar bons resultados e obter bonificações. Infelizmente, o professor e a escola são responsabilizados quando o aluno vai mal em avaliações como a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj), sem que seja visto o histórico escolar e as dificuldades que esse aluno traz de séries anteriores”, aponta. INTEGRAÇÃO E CAMINHOS O consultor Fernando Mariano assinala que os programas governamentais que visam à melhora do ensino devem ser articulados entre si para, daí, surgirem resultados efetivos. “O turno integral é o meio de se conquistar a educação integral, com atividades voltadas para cultura, meio ambiente, esporte. Há mil formas de se ampliar o currículo e trabalhar habilidades como sociabilidade, trabalho em equipe e integração social”, comenta. As mudanças da infância para a adolescência também devem ser consideradas, avalia a diretora da Todos pela Educação, em especial quando se chega ao 6º ano e, de repente, a “tia” se desmembra em vários professores, um para cada disciplina. Para Priscila, é difícil responder a esse modelo fragmentado com tão pouca idade. “Dos 11 aos 14 anos ocorre a mudança mais radical da vida do ser humano, em termos hormonais e físicos. E pouco se pensa no desenvolvimento cognitivo e neurológico desse indivíduo que entra criança e sai um jovem do ensino fundamental”, afirma. “O problema da segunda etapa (a partir do 6º ano) e do ensino médio é de estrutura: muitas disciplinas, muitos alunos em período noturno, pouca oferta de ensino integral e, principalmente, uma escola desconectada da vida deles" Priscila Fonseca da Cruz, Diretora da ONG Todos pela Educação 11 Para a especialista, há três urgências sobre as quais o ensino fundamental precisa se erguer para que se torne uma etapa efetiva de aprendizado: formação do professor, currículo nacional e tempo integral. “O primeiro impacta diretamente na qualidade, mas é preciso que se diga claramente o que se quer que o aluno aprenda. Tudo o que for criado em política educacional deve ser pensado com foco naquilo que o aluno tem que aprender. Além disso, o educando fica muito pouco tempo na escola, exposto ao ensino. Esses itens seriam só o início, para daí se conse- guir abarcar outras necessidades”, explica a diretora da TPE. Para a professora Nádia, a participação e o incentivo da família são diretamente responsáveis pelo sucesso dos estudantes. “É no ensino fundamental que se cria a bagagem do que se vai ser na vida adulta e a família é a base de tudo”, diz Nádia. A realidade é que ainda há 730 mil crianças de 7 a 14 anos fora da escola. “O grande problema é manter as crianças na escola e com bons resultados”, assinala Mariano. A falta de estímulos pedagógicos em casa e a entrada tardia no sistema de ensino são uma desvantagem para os estudantes de baixa renda. “O ensino fundamental de nove anos e a meta do PNE de, em 2016, ter todas as crianças na escola aos 4 anos de idade, vai dar mais dois anos para que as mais pobres cheguem lendo aos 8 anos, conforme prega o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”, avalia Mariano, para emendar: “O resultado escolar depende da situação familiar e a maioria da população ainda é muito pobre. Se o país continuar a melhorar a distribuição de renda, a educação vai melhorar como um todo”. Plano Nacional de Educação ainda tramita no Legislativo Tal qual um piloto retardatário, o Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020) ainda tramita no Congresso Nacional quando já deveria estar em vigor. Pela previsão “otimista” de Fernando Mariano, consultor legislativo do Senado Federal, o plano será votado em plenário até o fim de 2013 e depois levará cerca de um ano para que estados e municípios o transformem em lei. “Serão pelo menos quatro anos sem PNE nos entes federativos”, assinala. O grande absurdo é que o documento, que organiza as políticas públicas para a educação do país por uma década, vai chegar, no mínimo, quase à metade do seu período de vigência sem sequer ter sido aprovado. “O planejamento é essencial para que se tenha um rumo. Sem ele, os gestores ficam sem direção, cada um faz o que achar correto”, argumenta Mariano. 12 Se por um lado é positiva a ampla participação da sociedade na elaboração do PNE, por outro gritou a cultura de “deixar para a última hora”. O plano foi enviado pelo Executivo em 20 de dezembro de 2010, ou seja, onze dias antes de o PNE anterior deixar de vigorar. O documento é composto por 20 metas que englobam todas as etapas do ensino e define estratégias e recursos para realizá-las. Uma das principais conquistas estabelece que, no fim do decênio, 10% do PIB sejam direcionados para a educação. Universalizar o ensino a partir dos 4 anos de idade e garantir que, até o último ano de vigência, pelo menos 95% dos alunos concluam o ensino fundamental na idade recomendada, também são metas relevantes que envolvem a melhoria da educação básica. Aos cidadãos, resta torcer pela bandeirada que levará, enfim, o PNE ao pódio. Especial Educação Ensino médio na berlinda Proposta de reformulação pode ser apresentada ainda este ano no Congresso texto Viviane Marques 14 E stá (quase) tudo fora da ordem na educação pública do país, cujas mazelas são mais que conhecidas. O que há de novo é que o ensino médio (antigo segundo grau), fase que se tornou o grande gargalo de todas as deficiências da educação básica no Brasil, está na mira das autoridades e em breve pode receber uma ampla reformulação de seu conteúdo programático, considerado por muitos especialistas excessivo em matérias e superficial na substância. Por outro lado, professores e estudantes se ressentem da falta de condições básicas: infraestrutura precária, com laboratórios que não funcionam e computadores sem uso, além dos baixos salários para os docentes. Nesse impasse, muitos estudantes, principalmente os de origem mais humilde, chegam ao final da etapa escolar de maneira trôpega, sem mínimas condições de ascender a uma vida profissional promissora. A Câmara dos Deputados constituiu, em maio de 2012, a Comissão Especial para Reformulação do Ensino Médio. Composta por 28 deputados, ela vem realizando audiências públicas, debates e seminários em todos os estados e no DF para formular, até o fim deste ano, o relatório que, depois de aprovado pela presidência da casa, será encaminhado ao plenário para votação. “A sugestão do novo modelo será convergente ao que o MEC pensa em colocar em prática”, afirma o relator da comissão, deputado Wilson Filho (PMDB-PB). Dentre as propostas que o deputado considera consensuais entre representantes de todas as esferas da educação no país e que, certamente, estarão presentes no relatório final, estão: uma nova grade curricular, afinada com as matérias pedidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); facultar ao aluno inserir o ensino profissionalizante no último ano do ensino médio tanto na escola pública quanto na particular; e estabelecer regras diferenciadas para os estudantes do turno da noite para evitar a perda de interesse e consequente evasão, que segundo o censo escolar Inep/MEC de 2011, estava em cerca de 9,6%. O parlamentar afirma que os dados embasam o modelo: segundo ele, apenas 12% dos estudantes que concluem o ensino médio chegam à universidade. “Por pressão das escolas particulares, o atual currículo consiste em decoreba para passar no vestibular. Hoje, o ensino médio é desinteressante, ultrapassado. E acaba não servindo para nada. Não podemos fingir que 88% (dos alunos) não vão para a universidade”, declara. FALTA TUDO Secretário para assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo aponta que, antes de reformular a grade curricular, é preciso colocar em prática políticas já existentes, como o piso salarial nacional, o qual não vem sendo seguido por vários estados e municípios. “Não há recursos para melhorar a infraestrutura, falta política de educação continuada aos professores e o conselho escolar não atua porque não há formação para conselheiros. Tudo isso está nas resoluções do CNE (Conselho Nacional de Educação)”, enumera Araújo. Para o representante do CNTE, mais eficiente que mudar o conteúdo ministrado seria criar uma “lei de responsabilidade educacional” aos gestores que deixam de cumprir as leis já existentes. Mas concorda que é um equívoco trabalhar um currículo voltado para o vestibular e para o Ideb – o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que anualmente avalia, entre outros itens, o desempenho de escolas e alunos. “É um grande equívoco fazer essas alterações sem dar condições de trabalho aos profissionais e de estudo aos educandos”, afirma Araújo. Ele ainda lembra que, pelo PNE 2001-2011, o professor teria matrícula única, podendo se dedicar com exclusividade à comunidade escolar e dialogar com ela, o que criaria vínculos e meios para despertar o interesse e motivar a permanência dos estudantes na escola. Isso, no entanto, nunca foi posto em prática. 15 IDEB Foto: Beto Oliveira | Agência Câmara A discussão sobre os problemas crônicos dessa fase é histórica, mas ganhou força no ano passado quando os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostraram que o Ensino Médio está estagnado. Desde a primeira divulgação, em 2007, o índice subiu apenas 0,1 a cada dois anos e está em 3,7 numa escala de zero a dez. De 2009 para 2011, o índice caiu em nove estados, entre eles Bahia e Alagoas. O aumento nos investimentos não está se refletindo em melhoria do ensino. No Ceará, o resultado do Ideb para alunos do 3º ano do ensino médio passou de 3,3 (em 2005) para 3,7 (2011). Com recursos do programa federal Brasil Profissionalizado e a abertura de novas escolas técnicas no estado, passou de pouco mais de 200 matrículas no ensino profissionalizante, em 2008, para 35 mil, em 2013. O segredo? Gerir de maneira mais eficiente os recursos em busca de resultados. O discurso do senador Cristóvam Buarque, em entrevista concedida à edição número 6 de Dinâmica Pública, passa exatamente por essa questão crucial: gestão eficiente dos recursos. Recordando: “Se você hoje colocar isso (7% do PIB) na educação que está aí, vai jogar dinheiro fora. Você só pode deixar entrar dinheiro no sistema depois que sabe que caminho ele vai seguir até chegar à cabecinha da criança. Eu quero saber como vai gastar, e aí saber quanto é. (...) Hoje, botar dinheiro é desperdício”, afirmou. DIA A DIA Para quem vivencia o ensino médio, a necessidade de mudanças grita. Para o pernambucano Rafael Brasil Filho, que há 30 anos leciona na cidade de Caetés (PE), é preciso providenciar urgentemente um currículo nacional enxuto e a divisão entre humanidades e exatas. Ele ainda sugere que a promoção dos professores esteja subordinada ao desempenho em cursos de aperfeiçoamento credenciados em universidades e à avaliação de desempenho em sala de aula. “Também é urgentemente necessária a criação de um código disciplinar nas escolas para coibir a indisciplina e a violência com os profissionais da educação”, aponta. O secretário da CNTE, Heleno Araújo, lembra a importância do Deputado Federal Wilson Filho, relator da Comissão Especial para Reformulação do Ensino Médio 16 protagonismo do professor como fundamental para o sucesso dos estudantes. “Muitos colegas precisam correr de um lado para o outro, têm várias turmas e adoecem, também por falta de condições adequadas, dando aulas em salas sem ventilação, com pouca luz. Mais de 33% dos professores no Brasil estão doentes. Faltam condições de desenvolver um trabalho diferenciado”, afirma. As deficiências acumuladas ao longo do ensino básico são lembradas por Rafael Brasil, que conta que muitos alunos chegam praticamente analfabetos ao ensino médio. Sem papas na língua, como no blog que mantém, o <http://rafaelbrasilfilho.blogspot. com.br/>, dispara: “Uma solução seria criar uma prova de acesso ao ensino médio para que os reprovados tenham mais tempo para se aperfeiçoar. Não podemos perder tempo baixando a qualidade do ensino”. INTERNET? Enquanto a precariedade impera, a internet, por enquanto, só se faz realidade nos smartphones dos alunos. Brasil Filho sonha com livros didáticos lançados via internet, mas Araújo lembra que a realidade ainda está longe desse dia. “Estados e municípios deram tablets sem acesso à internet aos seus professores, quando a escola já deveria estar pronta para associar ensino e tecnologia. Mas as aulas ainda são cuspe e giz porque não há condições de o professor estimular a participação e oferecer algo diferenciado”, conclui. Filho de cozinheira e de um segurança, Gabriel Reis Brandão Santana tem 17 anos, trabalha como auxiliar administrativo de dia e estuda à noite, perto de casa. Mora em Paraisópolis, bairro humilde da zona sul de São Paulo. Seu sonho é cursar faculdade de jornalismo. Ele conta para Dinâmica Pública um pouco da sua vivência. “Em minha sala há 43 alunos na lista, porém apenas uns 35 são frequentes. A maioria está cursando no tempo correto, entretanto, existem umas seis pessoas entre 18 e 19 anos. Eu tenho uma relação boa com os meus professores, diferentemente de alguns que têm um tipo de rixa, ou simplesmente não vão com a cara dos docentes. Eu os considero bons, muitos possuem currículos exemplares, são formados por universidades federais, lecionam em escolas particulares. A minha escola possui uma estrutura razoavelmente boa, são 16 salas de aula em um bom estado, refeitório e duas quadras esportivas, onde tenho aula de educação física, aos sábados. Algo que me deixa feliz por um lado, por outro me deixa triste, (é que) temos uma sala de informática com máquinas novíssimas, mas não existe um monitor, por isso não a usamos, assim como um laboratório para as aulas de Física e Química que não é usado, não sei qual a razão... Eu gosto muito da escola em si, dos funcionários que lá trabalham, dos professores que geralmente ensinam bem, da direção da escola, é um clima agradável para se estudar, não tenho problema com ninguém. Mas acho que as matérias pra se estudar não são suficientes, deveriam ser adicionadas: uma segunda língua estrangeira, além do Inglês, como o Espanhol (até porque no mercado de trabalho isso faz uma enorme diferença); e aula de Ensino Religioso, que considero muito importante para a formação de análise crítica e lógica do estudante. Meus pais se preocupam com meu desempenho, porém, não são de ficar cobrando, até porque nunca tive problemas com notas. Minha mãe sempre encontra atividades da escola em minhas gavetas, repara na nota e geralmente faz um elogio. Ela sempre vai à reunião de pais e mestres, assim como os pais dos meus amigos. A palavra certa para a melhoria do ensino no Brasil seria INVESTIMENTO. Investimento na formação do professor, com mais oportunidades de aprimoramento, e remuneração maior (o professor que ganha pouco muitas vezes vai ao trabalho desanimado, deveria ocorrer uma maior valorização aos nossos docentes), e investimento no ensino em si, na estrutura de escolas e na qualificação dos adolescentes, pois esses jovens que possuem poucos recursos hoje serão os nossos profissionais de amanhã.” Para encerrar a reportagem, vale ressalvar: Gabriel é um jovem estudioso e responsável, com pais que se interessam por seu desempenho escolar. Respondeu à entrevista, feita por e-mail, em um português quase perfeito. Talvez não represente a média dos seus pares, infelizmente, mas seu empenho e sua fé no futuro são um emocionante exemplo de que é possível haver humanidade no caos. SOLUÇÕES SEGUNDO OS PROFESSORES • • • • • • • • • • • Rafael Brasil Currículo nacional enxuto Turnos de seis horas de aula Laboratórios e bibliotecas a cargo de profissionais capacitados Aprimoramento e “desideologização” dos cursos de formação Prova de acesso ao ensino médio Mudança radical do vestibular Heleno Araújo Valorização salarial e profissional do professor Infraestrutura de qualidade nas escolas Dedicação exclusiva do docente Lei de responsabilidade educacional Acesso eficiente a computadores e tablets 17 Especial Educação Cenário de pujança Ingresso ao ensino superior cresce, motivado por campi no interior, cursos a distância e formação tecnológica. texto Viviane Marques Foto: spirit of america / Shutterstock.com 24 N unca houve tantos alunos na faculdade, no Brasil, e isso inclui cursos de graduação, pós-graduação e tecnológicos. O mais recente Censo da Educação Superior, divulgado em setembro, aponta que, em 2012, havia sete milhões de estudantes matriculados, um aumento de 4,4% em relação ao ano anterior. Tanta pujança poderá suprir a carência de mão de obra qualificada no mercado de trabalho brasileiro nos próximos anos? E como fica a formação desses graduandos diante da deficiência da educação básica? Projetos que concedem bolsas, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), têm grande peso nesse crescimento no que diz respeito às instituições particulares. Por outro lado, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), tirou da estagnação a criação e a expansão das universidades federais, interiorizando campi e ampliando a infraestrutura existente. O ensino a distância (EAD), com 1,1 milhão de matrículas efetuadas, também vem observando aumento natural devido à ampliação do acesso à internet e à maior oferta de cursos. O secretário executivo da Associação Nacional dos Di- rigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno, não vê ameaça na qualidade dos cursos oferecidos porque a ampliação do número de vagas segue um parâmetro de qualidade, como a exigência do título de doutor nos concursos para professores. A exceção, determinada pela Lei nº 12.863, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, fica para áreas de conhecimento ou localidades nas quais não haja disponibilidade de detentores do título – nesses casos, poderão ser aceitos mestres, profissionais com especialização ou diploma de graduação. “A expansão é importante para o Brasil porque cria um estímulo, junto com as ações afirmativas (cotas), para quem vem da educação básica pública e antes nem pensava em ingressar na universidade. Os pais passam a cobrar qualidade da escola e, com mais concorrência, o jovem do ensino médio vai buscar uma nota melhor. Abriu um novo horizonte”, analisa Balduíno. Para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Erasto Fortes, membro da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), embora ainda haja um discurso generalizante de que o ciclo básico (funda- mental e médio) seja precário, avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram sinais de melhora, apesar de ainda haver muito que se conquistar. “As instituições de ensino superior não deveriam permitir o ingresso de alunos com deficiência no aprendizado. Agora começa a surgir um excesso de vagas nas instituições particulares, nas quais os alunos ingressam a qualquer custo”, afirma. ProUni e Fies O acesso ao ensino superior pago foi facilitado pelos incentivos dados pelo governo federal por meio de programas de bolsas e financiamentos. O primeiro foi o ProUni, que chegou em 2005 a ser responsável por ofertar 112 mil bolsas. O número vem caindo e, em 2012, alcançou apenas 90 mil alunos. O Fies, que financia o aluno durante o curso, já tem quase 900 mil participantes. Jaqueline Lima tem 28 anos e mora em Valparaíso de Goiás, cidade no entorno do Distrito Federal. Ela cursa o sexto semestre de Direito em uma universidade privada em Brasília. Filha de marceneiro e dona de casa, concluiu o ensino médio aos 18 anos. Foi vendedora e caixa em restaurante, sempre sonhando com a faculdade cuja mensalidade o salário não dava para pagar. Com as mudanças nas regras 25 Oportunidade Jaqueline Lima cursa direito em uma instituição privada por meio do FIES do Fies, em 2010, entre elas a redução nos juros pagos para a quitação do financiamento estudantil, a jovem prestou vestibular. Paga 50% da mensalidade de R$ 1.200,00 com a bolsa do estágio em um escritório de advocacia e, 18 meses depois de formada, depositará todo mês um valor atualmente estimado em R$ 280,00. “Se não fosse o Fies, eu não estaria cursando faculdade. Quase todas as minhas amigas financiam totalmente a mensalidade, só eu pago a metade”, conta a futura advogada, que agora tenta convencer a irmã de 24 anos a prestar vestibular para Educação Física e aderir ao programa. A instituição que Jaqueline frequenta, o Iesb, tem três campi na capital federal e aproximadamente 14 mil alu- 26 Para Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Fies e ProUni têm importância relevante na inserção de uma camada menos favorecida da população. Ele estima que a grande maioria dos estudantes de instituições privadas sejam egressos da escola pública no ensino médio. Boa parte trabalha de dia e cursa o período noturno. Tudo isso ainda não é suficiente. “Apenas 16% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos estão cursando o ensino superior. Perdemos para todos os nossos vizinhos da América do Sul. O Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020 (ainda tramitando no Congresso Nacional) estabelece a meta de 35% de matrículas até 2020, o que será muito difícil de atingir”, diz. Desde que foram instituídos, os dois programas inseriram mais de dois milhões de alunos no ensino superior. Caldas não vê, no entanto, ameaça à qualidade do ensino por con- ta do maior acesso. “Não melhora nem piora. Se aumenta a demanda, vou ter que investir em mais salas, mais estrutura. As instituições seguem um parâmetro de qualidade medido pelo MEC, ainda que seja adotado um padrão errado. E como o aluno do ProUni tem que se classificar pela nota do Enem, ele vai se esforçar mais”, pondera o diretor executivo da ABMES. Interiorização Com a ampliação do acesso, o gasto do MEC por estudante da educação superior aumentou apenas 14% entre os anos 2000 e 2012, quando atingiu R$ 20.690,00, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC. Para Balduíno, no entanto, a conta se justifica pela evolução tecnológica. “Antigamente, precisava-se do livro físico; hoje é de rede de fibra ótica da melhor qualidade, computadores e assinaturas de conteúdo do portal da Capes. Muitos experimentos em laboratórios de física podem ser simulados em computador, no qual também cabe uma ilha de edição inteira. O custo é menor e a qualidade, melhor”, aponta o secretário da Andifes. Rumo ao interior O número de instituições de ensino federais cresceu 8,4% nos últimos 10 anos, com um aumento de 124% no número de ingressantes no mesmo período. Atualmente, as universidades e institutos federais participam com mais de 60% dos alunos que entram na rede pública de educação superior. Isso inclui cursos de graduação, pós e os institutos federais, cuja formação está mais voltada para o mercado de trabalho. Para Balduíno, novos cursos e campi são os dois principais componentes desse fator. E dá o exemplo da Universidade Federal de Goiás, que abriu um campus na cidade de Catalão (GO), local que tem atraído a indústria automotiva. “Superar as dificuldades regionais é o desafio, pois é preciso crescer em todo lugar. E o crescimento das instituições públicas faz parte de uma política, enquanto a necessidade econômica guia o setor privado. A gente vai para o interior para criar condições de as pessoas ficarem lá”, compara. Ele reforça essa ideia ao assinalar que uma universidade no interior movimenta toda a economia da região, pois levará novos consumidores para os produtos e serviços ali oferecidos. “Os professores gastarão seus salários, a internet de banda larga chega e ainda começa a surgir toda uma vida cultural em torno da universidade. Ninguém parou para fazer as contas, mas é um processo de distribuição de renda, principalmente em regiões mais pobres”, assinala. Ensino a distância distância. O EAD compõe um ótimo recurso para a especialização, a formação continuada. E a capilaridade permite a quem vive no interior ampliar seu conhecimento sem precisar sair da sua cidade. Há um grande estímulo do governo a essa modalidade, mas não como substituição dos cursos presenciais”, comenta. Com 1,1 milhão de matriculados em instituições públicas e privadas, o ensino a distância (EAD) é uma alternativa cada vez mais procurada. Segundo Sólon Caldas, os cursos atendem áreas diversas, e a procura está muito ligada a necessidades de mercado. Para o diretor executivo da ABMES, boa parte dos matriculados são pessoas mais velhas, que precisam estudar em um horário mais flexível. “O EAD é de grande valia no processo de inserção social, de ampliação do conhecimento”, afirma. As universidades públicas não estão fora desse movimento, pelo contrário. O secretário da Andifes concorda que o EAD é uma grande oportunidade para a democratização do acesso. Hoje, a referência no tema em âmbito federal é a Universidade Aberta do Brasil (UAB), voltada, principalmente, à formação continuada de educadores. “É fundamental ampliar as vagas presenciais, mas tamSólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras bém democratizar o de Ensino Superior acesso pelo ensino a 27 Divulgação | Ames Arquivo pessoal | Jaqueline Lima nos. Segundo a sua assessoria de imprensa, 29% dos alunos matriculados são adeptos do Fies, ou seja, quatro mil estudantes, enquanto outros 1.005 têm bolsa do ProUni. Os cursos mais procurados são Direito, Engenharia Civil, Publicidade e Administração de Empresas. 28 superior a partir da segunda metade dos anos 2000, principalmente com a interiorização, o setor privado seguiu em crescimento por conta dos programas de bolsas oferecidos pelo governo federal. “A expansão entre 2011 e 2012 foi menor do que no ano anterior e houve mais matrículas nas instituições públicas”, destaca. Para o conselheiro do CNE, as universidades e institutos federais precisam se fortalecer ainda mais devido ao intenso processo de fusões e aquisições no setor educacional privado. Ele cita como exemplo a união, no primeiro semestre de 2013, do grupo paulista Anhanguera ao mineiro Kroton, A fusão gerou a maior empresa do mundo no setor educacional, com números superlativos: valor de mercado de R$ 13 bilhões; um milhão de alunos (da educação básica à pós-graduação) e R$ 4,2 bilhões de receita bruta. “São milhões de matrículas na mão de apenas uma mantenedora, que tende a sufocar as instituições de menor porte e a gerar um monopólio. Para esse tipo de grupo, quanto mais matrículas, mais lucro. Não importa se o aluno vai se formar ou desistir”, analisa Fortes. E o setor público acelera. Segundo o Portal da Transparência, o governo federal aplicou, em 2012, R$ 493,7 milhões em 52 universidades e centros universitários, valor que abrange investimento e custeio. De acordo com Balduíno, foram construídos ou reformados quatro milhões de metros quadrados nas instituições federais, nos últimos quatro anos. “No ano que vem, o montante investido diminuirá e vai aumentar o custeio, que são as despesas do dia a dia. O custo da universidade aumenta quando se faz expansão”, explica o representante da Andifes. Reivindicações Em junho, as entidades mantenedoras do ensino superior reuniram-se no 6º Congresso de Educação Superior Particular e formularam um documento com 14 reivindicações ao ministro da Educação, Aluísio Mercadante. A principal delas pleiteia tratamento diferenciado nas avaliações, de acordo com a região onde fica a instituição. “Não é um pleito por avaliação diferenciada, mas a cobrança por um item já contemplado na lei que instituiu o (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) Sinaes. O MEC não cumpre esse requisito e tem só um instrumento para todas as instituições do país, o (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) Enade, que deveria avaliar o aluno e virou um meio para avaliar o curso”, critica Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES. Para aferir a qualidade do curso, na opinião de Caldas, é preciso observar a diversida- de e regionalidade do curso. “Hoje se usa a mesma régua para avaliar uma faculdade no interior do Nordeste e a USP. E as instituições em locais menos favorecidos acabam sendo sufocadas pelo excesso de regulação, e têm resultado insatisfatório no conceito do MEC, embora muitas vezes formem mão de obra específica, a partir do conhecimento de técnicos com forte formação prática. Desse jeito, prejudica-se a instituição, a região e as pessoas. É melhor não ter nada?”, questiona o diretor da ABMES. Foto: Iara Malta / Andifes No entanto, os especialistas não creem que o EAD vá suprir a carência de mão de obra especializada reivindicada pelo mercado de trabalho, até porque áreas mais específicas, como Medicina, não podem ser ofertadas a distância. Para Sólon Caldas, os entraves para a expansão da oferta de cursos tem e terá graves consequências. “Há um excesso de regulação do MEC. O governo colhe o que plantou no passado e corre o risco de sofrer, em áreas como Engenharia e licenciaturas, a mesma falta de profissionais que há hoje em Medicina. Não temos mais professores de Matemática, Química e Física. Engenheiros estão lecionando. É preciso flexibilizar os procedimentos de autorização para novos cursos e vagas”, reivindica. No entanto, o professor Erasto Fortes lembra que até 2002 a expansão do ensino superior no Brasil deu-se exclusivamente por meio das instituições particulares, com um forte processo de retração das universidades públicas. Faltavam profissionais, pois não havia concursos, tampouco investimentos ou expansão. “Onze anos atrás, um novo curso era autorizado a cada seis horas. Foi uma situação irresponsável porque a qualidade foi rebaixada”, aponta o conselheiro do CNE. Fortes lembra que, apesar da retomada dos investimentos no ensino público de nível Formação para o mercado Os cursos tecnológicos, ministrados nos institutos federais de educação tecnológica e em instituições particulares, são os que mais têm crescido em número de matrículas. De acordo com o Censo da Educação Superior, a expansão de matrículas entre 2011 e 2012 foi de 8,5%, enquanto os bacharelados tiveram mais 4,6% de inscritos e as licenciaturas, mais 0,8%. Atualmente, esses cursos representam 13,5% do total de matrículas na educação superior. Para o diretor executivo da ABMES, tais cursos, voltados à formação prática para o mercado de trabalho, são uma solução para suprir a curto prazo a demanda por profissionais capacitados. “Esses cursos exigem menos tempo Gustavo Balduíno, secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior de formação e capacitam o profissional a atuar para atender uma necessidade imediata. Mas sempre haverá procura pelo bacharelado”, acredita Caldas. Apesar disso, o representante das mantenedoras nota pelos números uma tendência de migração da formação acadêmica tradicional para os tecnológicos. “O aluno da iniciativa particular geralmente paga o estudo trabalhando, e a formação mais rápida gera um retorno mais breve do investimento feito, sem desmerecer o bacharelado, que oferece uma formação mais acadêmica”, diz. O secretário executivo da Andifes observa que, de qualquer ângulo, o cenário mostra a carência de profissionais especializados, principalmente na indústria, na qual há mais demanda por técnicos. “Em qualquer lugar do mundo, os salários de um graduado e do técnico se equivalem. O mercado precisa dos dois”, ressalta Balduíno. A necessidade de bons quadros técnicos também é 29 apontada por Erasto Fortes, do CNE. Para ele, apesar de estarem virando quase universidades, os institutos tecnológicos seriam, em tese, mais voltados para uma formação de ensino médio profissionalizante. “Mas assim como algumas graduações oferecem cursos voltados ao mercado, a preocupação dos institutos deve ser com a formação tecnológica”, afirma. Balduíno alerta que a educação como política pública não pode escolher formar um ou outro tipo de profissional, tampouco deixar de formá-lo porque o mercado não demanda nem esperar por essa demanda. Suprir a falta de mão de obra especializada de nível superior, como engenheiros, arquitetos, médicos e na área de tecnologia da informação é um caminho que, para ele, independe de necessidades imediatas. “É um processo contínuo e permanente de consolidação. Formamos engenheiros para indústrias e a construção civil, mas também para dar aulas no setor privado. Também temos que formar o professor da educação básica, para atender ao aluno que futuramente vai frequentar a universidade. Esse caminho (de suprir a demanda) vai ter que ser feito de bicicleta. Estamos pedalando. Se pararmos, caímos”, conclui o secretário executivo da Andifes. Avanço em quantidade de Instituições de Ensino Superior Investimento em educação no Brasil Números mostram o crescimento do ensino superior no país Ano 2000 Ano 2011 Investimento em educação 4,7% PIB 6,1% PIB Investimento na educação superior 0,9% PIB 1,0% PIB Valor per capta ensino superior R$ 18.050 R$ 20.690 Valor per capta ensino fundamental R$ 1.633 R$ 4.627 Valor per capta ensino médio R$ 1.557 R$ 4.212 Ano 2002 Ano 2012 Total de instituições 1.637 2.416 Instituições públicas 195 304 14.399 30.420* Total de cursos oferecidos Cursos nas instituições públicas 5252 9.833* 1,4 milhão 2,75 milhões* 320 mil 547 mil* Total de matriculados 3,5 milões 7,04 milhões Matriculados nas instituições públcias 1,1 milhão 1,9 milhão Concluintes nos cursos privados 466 mil 1,05 milhão Concluintes nos cursos públicos 151 mil 237 mil Docentes nas instituições privadas 242 mil 362 mil Docentes nas instituições públicas 92 mil 150 mil Total de ingressos Ingressos nas instituições públicas * Dados de 2011, os de 2012 ainda não estão disponíveis 30 Fonte: FINEP