revisão
Transmissão vertical da sífilis:
prevenção, diagnóstico e tratamento
Vertical transmission of syphilis: prevention, diagnostic and treatment
Dino Roberto Soares De Lorenzi1
Luciane Carvalho Fiaminghi2
Graziela Rech Artico3
Palavras-chave
Sífilis congênita
Transmissão vertical
Mortalidade infantil
Keywords
Syphilis, congenital
Transmission, vertical
Infant mortality
Resumo
A despeito das campanhas e outras iniciativas do Ministério da Saúde, a
redução das taxas de transmissão vertical da sífilis tem representado um grande desafio para a saúde pública no
Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 10 a 15% das gestantes residentes em países subdesenvolvidos
estariam infectadas pelo Treponema pallidum, com taxas de mortalidade perinatal ao redor de 40 óbitos por
mil nascidos vivos. No Brasil, em 2005, cerca de 50.000 mulheres eram portadoras de sífilis, estimativa esta
extremamente preocupante por suas implicações perinatais. Este artigo propõe a revisar alguns aspectos
relacionados à transmissão vertical da sífilis, enfatizando aspectos preventivos, diagnósticos e terapêuticos com
base nas normatizações e orientações propostas pelo Ministério da Saúde.
Abstract
Despite campaigns and other initiatives by the Ministry of Health, the
reduction of rates of vertical transmission of syphilis has been a big challenge for Brazil’s public health. According
to the World Health Organization, 10 to 15% of pregnant women living in developing countries would be
infected by the Treponema pallidum, being perinatal mortality rates around 40 deaths per thousand born-alive
infants. In Brazil (2005), around 50,000 pregnant women would be syphilis carriers. This estimate is highly
worrying because of its perinatal implications. This article aims to review some aspects related to the vertical
transmission of syphilis, highlighting preventive, diagnostic and therapeutic aspects on the basis of norms and
directions proposed by the Brazilian Ministry of Health.
Trabalho realizado na Universidade de Caxias do Sul
1
Professor titular de Ginecologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS); coordenador do Setor de Atenção Básica à Saúde da Secretaria Municipal
de Saúde de Caxias do Sul (SMS) – Caxias do Sul (RS), Brasil; mestre em Saúde Pública pelo Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); doutor pelo Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
– São Paulo (SP), Brasil
2
Acadêmica de Enfermagem da UCS – Caxias do Sul (RS), Brasil
3
Acadêmica de Medicina da UCS – Caxias do Sul (RS), Brasil
Lorenzi DRS, Fiaminghi LC, Artico GR
Introdução
A sífilis ou lues é uma afecção infecciosa sistêmica e de
evolução crônica, com a alternância de períodos de agudização
e de latência, quando não tratada. A doença tem como agente
causador uma espiroqueta, o Treponema pallidum, cujo único
hospedeiro é o homem. A sua transmissão é predominantemente
sexual (sífilis adquirida), podendo ocorrer por via transplacentária
(sífilis congênita).1-4
Ainda que os relatos acerca de sua ocorrência na Europa
remontem mais de 500 anos atrás, a sífilis manteve-se sem tratamento eficaz até a primeira metade do século 20. Foi somente
a partir da descoberta da penicilina, por Fleming em 1928, e
do reconhecimento da sua indicação para o tratamento da sífilis
após a Segunda Guerra Mundial, que sua prevalência finalmente
mostrou sinais de declínio.1,4
A partir dos anos 1960 e, principalmente, da década de 1980,
detectou-se um recrudescimento mundial da sífilis, fato este
atribuído à maior liberação sexual e o aumento do uso das drogas
injetáveis. Como consequência do aumento dos casos de sífilis
adquirida, houve um aumento proporcional de sua transmissão
vertical. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS), 10 a 15% das gestantes residentes em países subdesenvolvidos estariam infectadas pelo Treponema pallidum.1,4,5
A erradicação da sífilis tem desafiado os profissionais de
saúde, as autoridades sanitárias e a sociedade em geral ao longo
dos anos. Segundo o Ministério da Saúde, a prevalência de sífilis
entre as parturientes brasileiras chega a 1,6%, ou seja, cerca de
50 mil gestantes infectadas. A estimativa é que anualmente
ocorram 12 mil casos de sífilis congênita, ainda que somente 4
mil casos sejam oficialmente notificados no país.6
Por ser uma patologia totalmente evitável através do diagnóstico e tratamento precoces das gestantes infectadas, a taxa
de sífilis congênita é um importante indicador de qualidade da
assistência pré-natal. Infelizmente, ainda que a sua notificação seja
obrigatória desde 1996, persiste sendo grande a subnotificação
da sífilis congênita, que em algumas cidades brasileiras chega a
70% dos casos, comprometendo não somente a veracidade das
estatísticas oficiais, como o enfrentamento da doença.1,2,7
Entre 1998 e 2006 foram oficialmente informados no Brasil
36.615 casos da sífilis congênita. Destes, a despeito de 78%
das mães terem se submetido a acompanhamento pré-natal,
somente 56% tiveram o diagnóstico de sífilis antes do parto e
13,3% tiveram seus parceiros tratados, o que coloca em questão
a qualidade da atenção pré-natal no país.7
Frente à magnitude e transcendência da sífilis como
problema de saúde pública, este trabalho objetivou revisar a
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questão da transmissão vertical da sífilis, enfatizando aspectos preventivos, diagnósticos e terapêuticos. Na sua redação,
optou-se por priorizar as normatizações técnicas propostas
pelo Ministério da Saúde para o manejo da sífilis na gestação,
com vistas a contribuir para uma abordagem mais uniforme
e padronizada da sífilis no ciclo gravídico-puerperal entre os
médicos obstetras brasileiros.
Sífilis e gestação:
aspectos clínicos e diagnósticos
A sífilis evolui de forma semelhante entre gestantes e não
gestantes, podendo ser classificada conforme a forma de contágio
em adquirida e congênita.3,6 A sífilis adquirida, por contágio
sexual ou por hemotransfusão, pode ser: recente com menos de
um ano de evolução, classificada em primária, secundária e latente
recente; tardia com mais de um ano de evolução e classificada
em latente tardia e terciária. Já a sífilis congênita, adquirida por
transmissão transplacentária, é classificada em recente quando
diagnosticada até o segundo ano de vida; e, tardia quando diagnosticada após o segundo ano de vida.
• Sífilis primária: inicia-se 10 a 90 dias após o contato sexual
infectante (média de 21 dias). Caracteriza-se pelo surgimento
de lesão ulcerada, geralmente única, não dolorosa, com base
endurecida, fundo liso, brilhante e pouca secreção serosa
conhecida por cancro duro ou protossifiloma. Pode estar
acompanhada de adenopatia regional não supurativa, móvel,
indolor e múltipla. Na mulher, se localiza geralmente nos
pequenos lábios, paredes vaginais ou colo uterino, enquanto
que no homem manifesta-se principalmente na glande ou
sulco bálano-prepucial. Na sua evolução normal, o cancro
duro regride espontaneamente, não deixando qualquer
cicatriz.3,5,8
• Sífilis secundária: é a sequência natural da sífilis primária
não tratada, manifestando-se entre seis e oito semanas após
o desaparecimento do cancro duro, regridindo espontaneamente, iniciando-se após uma fase de silêncio clínico. Na
sífilis secundária, os treponemas se disseminam por via
hematológica e atingem a maioria dos órgãos e tecidos,
levando ao surgimento de lesões cutâneo-mucosas poliméricas, altamente infectantes (ricas em treponemas) e, não
raramente acompanhadas de adenopatias generalizadas,
artralgias, febrícula, cefaleia e prostração. Ocasionalmente
há comprometimento hepático (hepatite luética) e até ocular
(neurite óptica, uveíte ou ireíte). As lesões da sífilis secundária regridem espontaneamente, iniciando-se uma fase de
silêncio clínico. As lesões cutâneo-mucosas características
Transmissão vertical da sífilis: prevenção, diagnóstico e tratamento
dessa fase são: roséola sifilítica, sifílides papulosas, alopecia
areata e condiloma plano.5,6,8
• Sífilis latente: fase assintomática, cujo diagnóstico da sífilis
somente é possível por testes sorológicos. A sua duração
é variável, podendo ocorrer o recrudescimento de sinais e
sintomas da forma secundária em 25% dos casos.5,6
• Sífilis terciária: essa fase da infecção sifilítica manifesta-se
anos após o contágio, em geral entre 3 a 12 anos, podendo
envolver períodos maiores. Caracteriza-se pelo surgimento
de tumorações amolecidas em regiões cutâneo-mucosas
(gomas). Pode haver comprometimento neurológico (tabes
dorsalis, demência, goma cerebral), cardiovascular (aneurisma
aórtico) e até osteoarticular (gomas ósseas).3,5,6
Em relação à sífilis congênita, até recentemente acreditava-se
que a infecção fetal não ocorresse antes do quarto mês de gestação, o que foi desmistificado pela constatação da presença do T.
pallidum em fetos abortados antes da 10ª semana de gestação,
indicando que a transmissão vertical pode ser mais precoce. O
comprometimento fetal depende principalmente da treponemia
materna que, por sua vez, varia segundo a fase da doença. Enquanto, nas suas formas primária e secundária, 70 e 100% dos
fetos são comprometidos, nas fases latente (recente ou tardia) e
terciária, o risco de infecção fetal se reduz para 30%, devido à
menor carga treponêmica decorrente da resposta imunológica
materna à presença do treponema, com a produção de anticorpos
específicos.1,4,5
Os possíveis desfechos da sífilis na gestação incluem abortamento
espontâneo, nascimento pré-termo e óbito perinatal em até 40%
dos casos. Os neonatos sobreviventes apresentam-se assintomáticos
em mais de 50% dos casos, podendo, com o tempo, vir a manifestar
surdez, problemas visuais e até retardo mental.1,4,9
Diagnóstico laboratorial
Os métodos para diagnóstico da infecção materna pelo T.
pallidum dependem da fase da doença.
Pesquisa direta do Treponema pallidum
O desenvolvimento do treponema em meios de cultura não é
possível e na ausência, na fase primária, de níveis de anticorpos
suficientes para testes sorológicos, a alternativa é a pesquisa
direta da presença do treponema em qualquer lesão suspeita.
As técnicas mais usadas são a microscopia de campo escuro, a
imunofluorescência direta e a coloração de Giemsa. Na sífilis
secundária, a pesquisa direta do treponema também é possível,
por suas lesões serem também ricas em treponemas.3,10
Sorologia não treponêmica
O teste mais conhecido é o Veneral Disease Research Laboratory
(VDRL), ainda que outros sejam disponíveis (RPR – Rapid
Plasm Reagin). O VDRL pode ser qualitativo (reagente ou
não reagente) ou quantitativo (com a titulação de anticorpos
descrita). Como os seus títulos correlacionam-se diretamente
com a atividade da doença, o VDRL quantitativo é preferível,
sendo particularmente útil no diagnóstico inicial da sífilis,
monitoramento da resposta terapêutica e frente à possibilidade
de recidivas ou reinfecções. Sua técnica é baseada na reação de
floculação de anticorpos anticardiolipinas (marcadores de lesão
celular pelo treponema) e estando também presentes em doenças
autoimunes (colagenoses), câncer, hanseníase, cirrose hepática,
leptospirose ou mononucleose e resultados falso-positivos são
possíveis nessas situações. A própria gravidez pode levar a resultados falso-positivos.3,6,10,11
O VDRL torna-se reativo a partir da segunda semana
após o aparecimento do cancro, atingindo maiores títulos na
fase secundária e declinando após, mesmo quando nenhum
tratamento é instituído. Havendo o tratamento correto, há
a queda progressiva dos títulos, podendo se negativar em
9 a 12 meses ou permanecer com títulos residuais baixos
(cicatriz sorológica). Valores baixos na titulação do VDRL
podem indicar doença recente ou antiga, tratada ou não. Nessa
situação, são necessárias sorologias não treponêmicas seriadas
e a solicitação de testes treponêmicos. Dois títulos baixos
(inferiores a 1:8) no VDRL, com um intervalo de 30 dias
ou mais, excluem sífilis recente. Um VDRL negativo exclui
sífilis ativa, respeitado o período de incubação. Três títulos
sucessivamente baixos (inferiores a 1:8) com um intervalo
superior a 30 dias, sem sinal clínico de reinfecção, indicam
cicatriz sorológica. Um VDRL reagente seguido a Fluorescent
Treponemal Antibody-Absorption (FTA-abs) não reagente indica
possível resultado falso-positivo.3,5,6
Resultados falso-negativos na sorologia não treponêmica
podem ocorrer no fenômeno conhecido como “prozona” (1 a
2% dos casos). Este ocorre principalmente na sífilis secundária,
sendo decorrente do predomínio de anticorpos antitreponêmicos em relação ao número de antígenos circulantes. Frente
a essa possibilidade, devem-se aumentar as diluições do soro
materno até no mínimo 1:16 para tentar obter um resultado
positivo.3,5,6,12
Sorologia treponêmica
As técnicas mais conhecidas são a FTA-Abs, o Treponema
pallidum Microhemaglutination (MHATP), o Treponema Pallidum
Hemaglutination (TPHA) e o Enzyme-Linked Immunosorbent
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Lorenzi DRS, Fiaminghi LC, Artico GR
Assay (Elisa). São específicos para anticorpos antitreponêmicos, sendo reativos após o 15° dia da infecção, o que os torna
apropriados para a confirmação da sífilis e para a exclusão
de falsos-positivos na sorologia não treponêmica. Não são
indicados para o seguimento pós-terapêutico (controle da
cura), permanecendo reagentes por toda a vida independente
do tratamento.3,6,11,12
Testes rápidos para sífilis
São testes treponêmicos de rápida execução. O sangue é
coletado por punção digital ou venosa, estando o resultado
disponível entre 10 e 15 minutos. O seu uso é recomendado
nos locais onde não se dispõe de sorologias não treponêmicas
para as testagens usuais durante a gravidez ou por ocasião do
parto (Figura 1). Análises da OMS, em 2003, apontam para
resultados semelhantes aos testes treponêmicos usados como
referência para comparação. Como o teste rápido envolve a
detecção de anticorpos antitreponêmicos específicos, uma vez
reagente ou positivo, permanece praticamente pelo resto da
vida, o que limita seu uso. São particularmente indicados nas
seguintes situações:6
• em qualquer momento do acompanhamento pré-natal ou por
ocasião do parto, desde que a gestante não possua exames
treponêmicos com resultado reagente na gestação atual ou
anterior;
• no caso de uma gestante com sinais e sintomas de qualquer
doença sexualmente transmissível (DST) durante o período
gestacional;
• por ocasião do parto, quando não é disponível o resultado
do VDRL solicitado no pré-natal;
• em parceiros de gestantes que apresentaram teste rápido
positivo;
Teste rápido
Tratar o casal**
Notificar
Reagente
Não reagente
Repetir na 28ª semana
Coletar sangue periférico
VDRL
Reagente
VDRL mensal (controlar titulação)
Não Reagente
Coletar nova amostra em 15-30 dias
e repetir o fluxograma
** O parceiro deverá ter o VDRL realizado a fins de seguimento.7
Figura 1 - Fluxograma para uso de teste rápido para sífilis em
gestantes
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• no terceiro trimestre gestacional, quando o VDRL realizado
no início da gestação tiver sido negativo.
Manejo da gestante infectada
pelo Treponema pallidum
O tratamento da sífilis é o mesmo para gestantes e não gestantes,
com um diferencial importante, somente a penicilina é capaz de
prevenir a transmissão vertical do treponema. Frente à possibilidade
de alergia à penicilina, procede-se a dessensibilização da gestante
em nível hospitalar. Quando o tratamento envolver outra droga,
que não seja a penicilina, o neonato será considerado portador de
sífilis congênita e necessitará ser tratado imediatamente após o
parto. Os esquemas terapêuticos recomendados pelo Ministério da
Saúde para tratamento da gestante portadora de sífilis são:1,3,6
• sífilis primária: penicilina benzatina 2,4 milhões unidades
internacionais (UI), intramuscular (IM), em dose única;
• sífilis recente secundária ou latente recente: penicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, devendo ser repetida em uma
semana. Dose total de 4,8 milhões de UI;
• sífilis terciária, latente tardia ou com tempo de evolução
desconhecido: penicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM,
semanal (total de 7,2 milhões de UI).
O parceiro deverá ser sempre tratado concomitantemente
à gestante com penicilina ou drogas alternativas: estearato ou
estolato de eritromicina, 500 mg, VO a cada seis horas, por
15 dias, para a sífilis recente, e por 30 dias para a sífilis tardia;
ou doxiciclina, 100 mg, VO a cada 12 horas, por 15 dias, na
sífilis recente, e por 30 dias na sífilis tardia. Eventualmente,
nos casos de sífilis secundária, após a dose inicial de penicilina,
poderão ocorrer picos febris, exacerbação das lesões cutâneas,
artralgias e cefaleia, configurando o quadro conhecido como
reação de Jarisch-Herxheimer. Esta se deve à maciça destruição
de treponemas pela penicilina, não devendo ser confundida com
hipersensibilidade a esta cuja administração deve ser mantida.
O tratamento consiste em antitérmicos e analgésicos, havendo
regressão espontânea do quadro em 12 a 48 horas.6
O seguimento pós-tratamento demanda a solicitação de sorologias não treponêmicas (VDRL) mensais por 12 meses. Nesse
período, espera-se uma queda progressiva dos seus títulos até
sua negativação ou estabilização em patamares inferiores a 1:8.
A elevação de duas diluições acima do último título do VDRL
justifica novo tratamento, mesmo na ausência de sintomas (possível reinfecção). Frente à interrupção indevida do tratamento
ou a quadruplicação dos títulos do VDRL (exemplo: de 1:2 para
1:8), o tratamento deve ser refeito.3,6
Transmissão vertical da sífilis: prevenção, diagnóstico e tratamento
Prevenção da transmissão vertical da sífilis
No período pré-concepcional, tanto no âmbito dos serviços
públicos de saúde, como na assistência suplementar, mulheres
e homens devem receber rotineiramente orientações acerca das
DSTs. Segundo o Ministério da Saúde, os pontos importantes
a serem abordados são:3,7,9
• informar sobre as DST e a infecção pelo HIV/Aids (formas
de contágios, manifestações clínicas e implicações na esfera
reprodutiva);
• aconselhar/testar para a sífilis as mulheres e homens em idade
reprodutiva;
• aconselhar/testar para a sífilis e para o HIV (com seu consentimento), as mulheres que manifestam intenção de
engravidar;
• destacar a importância do uso rotineiro do preservativo
masculino ou feminino, mesmo nos relacionamentos ditos
estáveis e após tratamento de eventuais DST;
• tratar adequadamente os casos diagnosticados em mulheres
e seus parceiros;
• proceder ao seguimento adequado dos indivíduos tratados
para sífilis.
Durante a assistência pré-natal, conforme o Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, a identificação
precoce das gestantes portadoras de sífilis e o seu pronto tratamento são as principais medidas na prevenção da transmissão
vertical. Deverão ser solicitadas sorologias não treponêmicas na
primeira consulta de pré-natal (idealmente antes da 14ª semana)
e entre a 28ª e 32ª semana de gravidez, devendo esta última
ser realizada mesmo se a primeira sorologia for negativa, pois
a gestante pode se infectar ou reinfectar a qualquer momento
antes do parto.
Uma vez diagnosticada e tratada, a gestante deverá ser submetida a sorologias não treponêmicas (VDRL) mensais até o
término da gestação. Se não ocorrer a queda esperada dos títulos
da sorologia não treponêmica (VDRL) para valores inferiores a
1:8 ou se estes se mostrarem ascendentes, recomenda-se reavaliar
o tratamento materno e de seu parceiro, se esse não foi adequado,
deverá ser repetido (Quadro 1).3,6,12,13
Manejo pré-natal dos resultados da sorologia
treponêmica e não treponêmica
Nos casos de gestantes com o VDRL inicial inferior a 1:8,
é necessário solicitar uma sorologia treponêmica e seguir as
orientações descritas no Quadro 2.3,7
Quadro 1 - Tratamento inadequado da sífilis na gravidez6
Causas de inadequação do tratamento da sífilis na gravidez
Todo tratamento realizado com outro medicamento que não seja penicilina;
Tratamento incompleto, mesmo tendo sido realizado com penicilina;
Tratamento realizado ou finalizado no período menor que 30 dias antes do parto;
Quando o parceiro não foi tratado ou foi tratado inadequadamente e manteve
contato sexual com a gestante sem usar preservativo;
Falta de informação confiável acerca do tratamento do parceiro.
Quadro 2 – Manejo da sorologia treponêmica6
FTA-abs
Não reagente
Reagente
Não disponível antes
de sete semanas do
nascimento
Conduta
Investigar possíveis causas de falso-positivo do VDRL.
Investigar tratamento prévio para sífilis. Se esse for
confirmado e tenha sido adequado, considerar a possibilidade
de cicatriz sorológica. Caso contrário, a gestante e o seu
parceiro deverão ser imediatamente tratados.
Investigar história prévia de tratamento para sífilis. Se essa
for informação não for possível de se obter, considerar
sífilis latente de duração indeterminada e tratar o casal.
Paralelamente ao seu tratamento, as gestantes infectadas e
seus parceiros devem ser orientados acerca dos riscos da sífilis
para a sua saúde e do feto, destacando a importância do uso
regular do preservativo durante e após o tratamento, como
medida preventiva.3
Entre as gestantes portadoras de HIV, a evolução clínica e
laboratorial da sífilis pode ser atípica. A neurossífilis e a falha de
tratamento são mais comuns nesses casos e o declínio dos títulos
da sorologia não treponêmica, mesmo após o tratamento adequado,
pode ocorrer de forma diversa das demais gestantes.1-4,6,12
Por ocasião do nascimento ou abortamento, toda gestante
deverá ser submetida a testes não treponêmicos (VDRL) na
maternidade, independente de eventuais testagens realizadas
no pré-natal e do resultado destas. O tratamento dos casos
detectados de sífilis materna deve ser imediato, bem como de
seu parceiro.3,6
Sífilis congênita
Várias são as dificuldades relacionadas ao diagnóstico da sífilis
congênita. Inicialmente, até dois terços das crianças infectadas
são assintomáticas ao nascer, as manifestações clínicas podem
ser tardias, ou seja, meses ou mesmo anos após o nascimento
(Quadro 3).1-5,13 Além disso, o neonato com sífilis congênita
pode apresentar títulos na sorologia não treponêmica (VDRL)
inferiores aos maternos. A avaliação de amostras pareadas (mãe/
criança) em casos de sífilis congênita revelou que somente 22%
dos recém-nascidos infectados apresentam títulos maiores que
a mãe.11
Os testes treponêmicos (FTA-Abs), por sua vez, podem se
mostrar reagentes no neonato pela passagem transplacentária de
anticorpos maternos da classe IgG, permanecendo circulantes
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Quadro 3 - Manifestações clínicas da sífilis congênita6
Sífilis congênita precoce (quando os
sinais e sintomas surgem até o 2°
ano de vida)
Prematuridade/ baixo peso
Choro ao manuseio
Hepatomegalia e esplenomegalia
Rinite serosanguinolenta
Osteocondrite, periostite ou osteíte
Pneumonia
Anemia severa, icterícia neonatal
Hidropisia
Pseudoparalisia dos membros
Fissuras periorificiais
Condiloma plano
Pênfigo palmo-plantar
Sífilis congênita tardia (quando os
sinais e sintomas surgem a partir do
2° ano de vida)
Fronte olímpica
Nariz em sela
Deformação dos dentes incisivos
medianos superiores (dentes de
Hutchinson)
Mandíbula curta
Arco palatino elevado
Ceratite intersticial
Tíbia em sabre
Surdez (lesão do 8° par craniano)
Dificuldade no aprendizado
por até seis meses. Já a fração IgM específica que confirmaria
a infecção ativa, pode demorar até 90 dias para se positivar no
soro do neonato após o nascimento.1,11,12
Frente às dificuldades no seu diagnóstico, o Ministério da
Saúde estabeleceu critérios para a definição de caso de sífilis
congênita no Brasil que não se restrinjam somente aos achados
sorológicos maternos e do neonato. Apesar de tal medida poder
ampliar as situações clínicas passíveis de serem consideradas
como sífilis congênita, espera-se que haja uma menor de perda
de casos devido às dificuldades com a sorologia.8,12,14
É necessário lembrar que o diagnóstico da sífilis congênita
somente será definitivo ou de certeza se houver a constatação
da presença do Treponema pallidum em
cordão umbilical, placenta, descarga nasal ou material de
lesões cutâneas.1,14
Critérios para definição de caso de sífilis
congênita13,14
Os critérios são:
• a criança, o aborto (perda gestacional até 22 semanas de gestação
ou com peso menor ou igual a 500 g) ou natimorto (todo feto
morto após 22 semanas de gestação ou com peso maior que 500
g), cuja mãe apresente evidência clínica de sífilis e/ou sorologia
não treponêmica reagente, independente da sua titulação e
na ausência de teste confirmatório treponêmico, realizada no
pré-natal, por ocasião do parto ou curetagem e que não tenha
sido tratada ou tenha recebido tratamento inadequado;
• a criança, aborto ou natimorto cuja avaliação da placenta,
cordão umbilical ou biópsia de lesão/necrópsia mostrar a
presença do Treponema pallidum;
• a criança com menos de 13 anos de idade com titulações
ascendentes na sorologia não treponêmica, e/ou maiores
do que as da mãe, e/ou reagentes após seis meses de idade
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(exceto em situação de seguimento terapêutico) e/ou testes
treponêmicos reagentes após 18 meses de idade. Em caso de
se dispor apenas de evidências sorológicas, deve ser afastada
a possibilidade de sífilis adquirida;
• a criança com menos de 13 anos de idade, com teste não
treponêmico reagente e evidência clínica, liquórica ou radiológica de sífilis congênita.
Protocolo para a prevenção da transmissão vertical de sífilis6
A) Nos recém-nascidos de mães com sífilis não tratadas ou
inadequadamente tratadas, independentemente do resultado
do VDRL do neonato – solicitar hemograma, radiografia
de ossos longos e punção lombar para análise do líquido
cefalorraquidiano (LCR). Na impossibilidade de realizar
este exame, deve-se tratar o caso como se fosse neurossífilis.
A conduta depende dos achados clínicos e dos exames complementares:
A1) Se houver alterações clínicas, sorológicas, radiológicas
e/ou hematológicas prescrever penicilina G cristalina,
50.000 UI/kg/dose, por via endovenosa, a cada 12 horas
por sete dias e, após, a cada oito horas até completar dez
dias. Alternativamente, pode-se usar penicilina G procaína
50.000 UI/kg, dose única diária, IM, por dez dias;
A2) Frente à alteração liquórica (neurossífilis) prescrever
penicilina G cristalina, 50.000 UI/kg/dose, por via EV,
a cada 12 horas nos primeiros sete dias de vida e, após,
a cada oito horas até completar dez dias;
A3) Se não houver alterações clínicas, radiológicas, hematológicas ou liquóricas e a sorologia for negativa está indicado
o uso de penicilina G benzatina por via intramuscular
na dose única de 50.000 UI/kg. O acompanhamento é
obrigatório, incluindo o seguimento com VDRL após
conclusão do tratamento. Não sendo possível garantir
o seu acompanhamento, o neonato deverá ser tratado
conforme o esquema A1.
B) Nos neonatos de mães adequadamente tratadas, solicitar VDRL
em amostra de sangue periférico do recém-nascido. Se este se
mostrar reagente com titulação maior do que a materna e/ou
na presença de alterações clínicas, deve-se realizar hemograma,
radiografia de ossos longos e análise do LCR:
B1) Se houver alterações clinicas, radiológicas e/ou hematológicas sem alterações liquóricas, o tratamento deverá
ser feito conforme o esquema A1;
B2) Se houver alteração liquórica prescrever esquema A2
(neurossífilis);
C) Nos neonatos de mães adequadamente tratadas solicitar
VDRL em amostra de sangue periférico:
Transmissão vertical da sífilis: prevenção, diagnóstico e tratamento
C1) Se neonato for assintomático e apresentar VDRL não
reagente proceder apenas ao seguimento clínico-laboratorial.
Na impossibilidade deste, procede-se ao tratamento com
penicilina G benzatina, IM, na dose única de 50.000 UI/
kg;
C2) Se neonato for assintomático e apresentar títulos de
VDRL iguais ou menores que os maternos, manter a
criança em acompanhamento clínico. Se isto não for
possível, procede-se à investigação clínica e trata-se
como A1 (na ausência de alterações liquóricas) ou A2
(se alterações liquóricas presentes).
No período pós-neonatal (após 28° dia de vida), as crianças
com quadros clínicos e sorológicos sugestivos de sífilis congênita devem ser investigadas conforme anteriormente descrito.
Confirmado o diagnóstico, deve-se proceder ao tratamento
indicado, mantendo-se os mesmos esquemas e doses recomendados. O seguimento das crianças com sífilis congênita inclui
os itens a seguir:
• consultas ambulatoriais mensais nos primeiros seis meses
de vida e, após bimensais até completar um ano. Solicitar
VDRL no 1º, 3º, 6º, 12º e 18º meses de vida. O seguimento
será interrompido no caso de dois VDRL consecutivos não
reagentes;
• realizar FTA-Abs após os 18 meses de idade como medida
confirmatória da infecção;
• caso sejam observados sinais clínicos compatíveis com sífilis
congênita, devem ser repetidos os exames sorológicos, ainda
que não estejam no momento anteriormente previsto;
• diante de elevação do título sorológico ou da sua não negativação até o 18º mês de vida é necessário investigar novamente
a criança e proceder ao tratamento indicado;
• manter a criança em acompanhamento oftalmológico, neurológico e audiológico semestral por dois anos. No caso de
líquor alterado, este deve ser reavaliado a cada seis meses
até sua normalização. Alterações persistentes requerem nova
avaliação clínico-laboratorial e novo tratamento;
• as crianças inadequadamente tratadas, no que se refere à dose
e/ou tempo do tratamento, devem ser reavaliadas clinica e
laboratorialmente. O seu tratamento deve ser refeito obedecendo aos esquemas anteriormente descritos.
Considerações finais
As elevadas taxas de sífilis congênita no Brasil permitem tecer
questionamentos acerca da qualidade da atenção da assistência
pré-natal no país, em especial da pouca atenção dispensada
à sífilis e outras DSTs no ciclo gravídico-puerperal, que, nos
últimos anos parecem se centrar, quase que exclusivamente na
infecção pelo vírus HIV, ainda que a prevalência estimada da
sífilis seja quatro vezes maior.14
Em particular, preocupa a forma como no âmbito da assistência
suplementar parece se ignorar os riscos perinatais das DSTs, em
especial no que se refere à sífilis, a despeito desta incidir democraticamente em todos os extratos da sociedade e não somente
às gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde.
Agravando a situação, os médicos obstetras que atuam
somente no âmbito da rede privada de saúde frequentemente
desconhecem as normatizações e protocolos técnicos do Ministério da Saúde, no que tange a assistência pré-natal, incluindo-se
aqui a questão da prevenção da sífilis congênita, o que pode
estar contribuindo para a persistência da doença nos patamares
de incidência observados no país. Além disso, esses profissionais raramente notificam os casos de sífilis ocorridos em seus
pré-natais, contribuindo com o problema da subnotificação.
Nesse sentido, vale lembrar que mesmo sendo um agravo de
notificação compulsória desde 1996, apenas 30% dos casos de
sífilis congênita são notificados no Brasil.1,3,6
Espera-se que esta revisão contribua para a difusão das orientações e protocolos técnicos do Ministério da Saúde relativos
à prevenção da sífilis congênita entre os obstetras brasileiros,
tornando-as disponíveis à população em geral e, consequentemente, mais efetivas no seu objetivo de melhorar o resultado
perinatal no Brasil.
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Transmissão vertical da sífilis: prevenção, diagnóstico e